Leonardo Rafael de Souza 1

AS ALTERAÇÕES PROPOSTAS ÀS COOPERATIVAS DE CRÉDITO PELA RESOLUÇÃO CMN Nº 4.434/2015. ANÁLISE E REFLEXÃO À LUZ DO PLANO DE AÇÃO PARA UMA DÉCADA COOPERA...
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AS ALTERAÇÕES PROPOSTAS ÀS COOPERATIVAS DE CRÉDITO PELA RESOLUÇÃO CMN Nº 4.434/2015. ANÁLISE E REFLEXÃO À LUZ DO PLANO DE AÇÃO PARA UMA DÉCADA COOPERATIVA DA ACI

Leonardo Rafael de Souza1

RESUMO O presente artigo faz uma breve análise das alterações propostas pela Resolução CMN nº 4.434, de 5 de agosto de 2015, que dispõe sobre a constituição, a autorização para funcionamento, o funcionamento, as alterações estatutárias e o cancelamento de autorização para funcionamento das cooperativas de crédito, destacando suas principais inovações a partir da então Resolução CMN nº 3.859/2010, hoje parcialmente revogada, refletindo ainda sobre a efetiva colaboração da nova norma às proposições da Aliança Cooperativa Internacional para o desenvolvimento do movimento cooperativo global, publicadas em Janeiro de 2013 no documento “Plano de Ação para uma Década Cooperativa”. Para tanto o artigo trata do legítimo poder regulamentador e fiscalizador do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central do Brasil (BACEN), respectivamente, e a autorizada colaboração desses órgãos aos preceitos globais publicados pela Aliança Cooperativa Internacional. A partir deste introito se analisam pontualmente as alterações propostas pela Resolução CMN nº 4.434/2015, para, ao final, concluir com necessária reflexão sobre alterações propostas à luz dos objetivos do movimento cooperativo para a próxima década.

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Advogado; Sócio do Souza & De Lorenzi Advogados Associados, escritório especializado em Direito Cooperativo, Direito Bancário e Direito do Consumidor; Pós-graduando em Cooperativimo pela Unisinos/RS. Membro efetivo e Delegado Estadual Instituto Brasileiro de Estudos em Cooperativismo – IBECOOP em Santa Caratina; Membro da Comissão Especial de Cooperativismo de Crédito do Conselho Federal da OAB (CECC/CFOAB); Presidnete da Comissão de Direito Cooperativo da OAB/SC. Consultor técnico da Delegacia Brasileira da Asociación Internacional de Derecho Cooperativo (AIDC/BR). Assessor jurídico do Sistema Cecred. Contato: [email protected]

Palavras-chave: Cooperativismo. Cooperativas de Crédito. Resolução CMN nº 4.434/2015. Banco Central do Brasil. Alterações.

1 INTRODUÇÃO

As sociedades cooperativas de crédito vêm evoluindo de forma significativa nos últimos anos, ampliando a sua performance no mercado financeiro, mormente quando este tipo de empreendimento se mostra – na sua natureza – efetivo meio de desenvolvimento da sociedade, promovendo uma economia solidária baseada na auto ajuda que fortalece os vínculos sociais e cria oportunidades de trabalho e renda, fomentando assim a economia local, a descentralização das rendas, a distribuição das riquezas e a potencialização de capitais. Não bastassem tais fatos, outra grande motivadora do desenvolvimento cooperativo de crédito é a evolução do seu quadro legal desde a Lei Federal nº 5.764/71 até o seu mais importante marco legal: a Lei Complementar nº 130/09. E dentro dessa importante evolução normativa estão o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil através de suas resolução e circulares que dão efetividade às disposições legais do cooperativismo de crédito. Dentro desse contexto, no último dia 05 de agosto de 2015, o Banco Central do Brasil apresentou à sociedade brasileira o mais novo instrumento normativo das cooperativas de crédito: a Resolução CMN nº 4.434/2015, que dispõe sobre a constituição, a autorização para funcionamento, o funcionamento, as alterações estatutárias e o cancelamento de autorização para funcionamento de cooperativas de crédito. A partir de tal norma, as cooperativas de crédito no Brasil passam a ter uma nova referência, que fortalece o sistema cooperativo e o coloca em outro patamar, aumentando como consequência a sua responsabilidade perante o Sistema Financeiro Nacional. O objetivo do presente artigo, portanto, é uma detalhada (mas despretensiosa) análise da norma não apenas a partir das suas efetivas alterações que terão efeito prático

estrondoso, a começar pela reclassificação das cooperativas de crédito a partir das suas operações e não mais pelas características do seu quadro associativo, por exemplo, mas também à luz das competências normativas do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Plano de Ação para uma Década Cooperativa da Aliança Cooperativa Internacional (ACI).

2. DO PODER REGULAMENTADOR E FISCALIZADOR CONFERIDOS AO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL E AO BANCO CENTRAL BRASIL. LEGITIMAÇÃO ESSENCIAL PARA OS OBJETIVOS DO COOPERATIVISMO.

Sempre que o Conselho Monetário Nacional edita, através do Banco Central do Brasil, normas que atingem o cooperativismo de crédito, muitos questionam até onde o Estado pode interferir nas decisões e na autonomia das cooperativas, mormente quando este tipo de empreendimento detém regras e princípios próprios que defendem a sua gestão democrática e a sua autonomia perante terceiros.

Inicialmente há de se compreender que a atividade praticada pelas cooperativas de crédito é espécie de atividade econômica – de natureza financeira/bancária2 – que integra a ordem constitucional econômica, disciplinada pelo artigo 170 da Constituição Federal. Por isso, seu funcionamento deve estar alicerçado na valorização do trabalho humano e da livre concorrência, garantindo a todos a existência digna conforme os ditames da justiça social.

Também pela natureza financeira/bancária das suas atividades, as cooperativas de crédito integram o Sistema Financeiro Nacional que, por sua vez, desenvolve-se nos ditames da Lei Federal nº 4.595/64, assentada pelo artigo 192 da Carta Magna. ObserveA natureza bancária aqui disposta considera a natureza jurídica das atividades praticadas pelas cooperativas de crédito aos seus associados dentro do Sistema Financeiro Nacional, e não das sociedades cooperativas de crédito em si, que possuem regramento específico e cuja norma de regência (artigo 5º, parágrafo único) veda a utilização da expressão “banco”. 2

se, por oportuno, que é a Constituição que define a finalidade do sistema financeiro, de promoção do desenvolvimento do País e os interesses da coletividade, cabendo-lhe viabilizar o uso eficiente da moeda em todos os seus aspectos, especialmente pelo fomento de sistemas que garantam às instituições como as cooperativas de crédito, criarem poupança e riqueza.

Sendo assim, Miragem (2013) ensina que o sistema financeiro para tais fins se torna instituição jurídica que visa, de um lado, à coordenação das diversas iniciativas em vista de certos objetivos macroeconômicos, assim como, de outro, ao estímulo ao desenvolvimento do próprio sistema como parte indissociável do desenvolvimento econômico nacional.3

Dentro da estruturação do Sistema Financeiro Nacional, disposta na Lei Federal nº 4.595/64, está o Conselho Monetário Nacional, órgão destinado precipuamente a formular a política de moeda e crédito com vistas ao progresso econômico e social do País (artigo 2º, caput) e, ainda, regular a constituição, funcionamento e fiscalização das instituições financeiras (artigo 4º, VIII) na busca de tais objetivos, regulações estas executadas pelo Banco Central do Brasil, com competência prevista no artigo 9º da citada lei.

Tais disposições e competências são aqui destacadas porque a Lei Complementar nº 130/2010, que disciplinou a submissão das cooperativas de crédito aos regramentos do Sistema Financeiro Nacional (artigo 1º, §1º), atribuiu às sociedades cooperativas de crédito a execução dos objetivos constitucionais expressos nos artigos 170 e 192 da Constituição Federal de 1988; quais sejam, a valorização do trabalho humano e da livre concorrência, a existência digna conforme os ditames da justiça social, o desenvolvimento do País e a busca pelos interesses comuns da coletividade.

3

MIRAGEM, Bruno. Direito Bancário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. pg. 99.

Contudo, a construção histórica e principiológica do cooperativismo mostram que os objetivos constitucionais acima postos fazem parte da essência das cooperativas, afinal, como ensina o sempre atual Paul Lambert (1975), la cooperativa supone la acción de sus miembros para mejorar su suerte y la de sus semejantes. El cooperador forja su propio destino, no espera su salvación de la caridad de los demás.4

Em outros termos, dentro do Sistema Financeiro Nacional, as cooperativas de crédito são instituições que carregam consigo os próprios objetivos da ordem econômica constitucional, pois enquanto junção de pequenos capitais valorizam a autoajuda e a solidariedade no engrandecimento da economia solidária, aliviam de forma gradual e pacífica situações de abuso, escassez e inacessibilidade aos instrumentos financeiros, e ainda garantem – através dos seus princípios – um desenvolvimento econômico, social e moral perene.

Apesar de todas essas vantagens, há que se reconhecer que o movimento cooperativo como um todo possui – por muitas vezes – dificuldades de fomentar o desenvolvimento econômico e social a que se destina; e isso não é de hoje.

Máurer Júnior (1973) já afirmava na década de 1970 que no Brasil as cooperativas surgiram de improviso, pondo-se a funcionar, não raro, sem que ao menos os seus diretores tivessem um conhecimento real dos princípios do movimento.5 Como consequência, o que se vê ainda hoje – e nas cooperativas de crédito não é diferente – são cooperativas cujos associados não atuam de forma eficiente, fiscalizadora e participativa, mas se reduzem à condição de meros clientes, sem iniciativa e com pouca capacidade de ação. Isso preocupa.

4

LAMBERT, Paul. La doctrina cooperativa. 4ª Ed. Buenos Aires: Intercoop, 1975. pg. 270. PINHO, Diva Benevides. Coord. A problemática cooperativista no desenvolvimento econômico. São Paulo: Artegráfica, 1973. pg. 201. 5

Como qualquer sociedade, o sucesso, a perenidade e a sustentabilidade econômica e social das cooperativas de crédito dependem não apenas do seu capital financeiro fortalecido, mas de diversos outros fatores que podem ser tratados nas normativas do Conselho Monetário Nacional, afinal e como dito, é dever seu garantir a estabilidade do Sistema Financeiro Nacional através do fortalecimento das instituições que a compõem.

Observando a evolução histórica das normativas publicadas pelo Conselho Monetário Nacional aplicáveis às cooperativas de crédito – e muito bem compiladas por Pinheiro (2008)6 –, nota-se que muito pouco se fez em prol do cooperativismo de crédito no que tange a fatores de eficiência que não sejam fatores financeiros, ou seja, são parcos no marco regulatório das cooperativas de crédito, para não dizer inexistentes, dispositivos normativos que garantam a observância de outros capitais essenciais às sociedades cooperativas, como a identidade cooperativa e a efetiva participação do associado.

Quanto ao desenvolvimento desses demais capitais, incluindo o capital financeiro, o “Plano de Ação para uma Década Cooperativa” da Aliança Cooperativa Internacional7, também conhecido como “Plano 2020”, é tido pela comunidade cooperativista mundial como um instrumento orientador das cooperativas para seus próximos desafios institucionais. Neste documento, o órgão máximo do cooperativismo no mundo pretendeu delinear de forma clara um plano de ação com objetivos específicos e baseados em cinco pilares assim destacados: 1. Participação: Elevar a participação e a governança dos membros a um novo patamar; 2. Sustentabilidade: Posicionar as cooperativas como arquitetas de sustentabilidade; 3. Identidade: Construir a mensagem cooperativa e proteger a identidade cooperativa; 4. Enquadramento legal: Garantir quadros legais que apoiem o

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PINHEIRO, Marcos A. Henriques. Cooperativas de crédito: História da evolução normativa no Brasil. 6ª. ed. Brasília: BCB, 2008. 7 GREEN, Dame Pauline. et al. Plano de ação para uma década cooperativa. ACI: Bruxelas, 2013

crescimento cooperativo, e; 5. Capital: Assegurar capital cooperativo confiável garantindo o controle pelos membros.

Tais pilares objetivam, a partir do ponto de vista do próprio cooperativismo, os grandes desafios que por vezes travam o desenvolvimento de empresas cooperativas, aí incluindo as cooperativas de crédito. Nota-se, pelo documento, que a segurança financeira das cooperativas pelo seu capital é tão somente um dos pilares, que não prescinde do apoio sistêmico dos demais. Assim, pouco importa uma cooperativa ser financeiramente saudável se outros aspectos essenciais para o seu desenvolvimento enquanto sociedade são claudicantes.

Dessa forma, há de se destacar que também é papel do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil garantir o desenvolvimento das cooperativas de crédito, além dos seus aspectos financeiros e monetários, estes muito bem regulamentados e em franco desenvolvimento desde a promulgação da Resolução CMN nº 1.914, de 29/07/1992.

E diga-se, por oportuno, que a absorção das premissas da Aliança Cooperativa Internacional pelo Sistema Financeiro Nacional encontra guarida legal não apenas na Lei Geral das Cooperativas (Lei Federal nº 5.764/71), que incorpora os princípios e diretrizes do órgão máximo do cooperativismo, mas também nas próprias fontes do Direito Financeiro e Econômico, que acatam as recomendações internacionais e as normas institucionais de relevância (soft law), como já ocorre por exemplo pelos Acordo de Basiléia, patrocinados pelo Comitê de Basiléia de Supervisão Bancária.

Sendo assim, tem-se como clara que a análise da Resolução CMN nº 4.434/2015 pelo cooperativismo deve considerar se a nova norma contribuiu (ou não) para o desenvolvimento dos objetivos reconhecidos pela Aliança Cooperativa Internacional, propondo ainda uma reflexão sobre como o Conselho Monetário Nacional, na edição de

suas normas – e o Banco Central do Brasil com o seu papel fiscalizador – pode efetivamente promover no âmbito das cooperativas de crédito, além de fortalecimento do capital financeiro, maior participação dos cooperados, ações sustentáveis que garantam a perenidade das cooperativas, a valorização da identidade cooperativa e a plena adequação do quadro legal às necessidades do bem coletivo. O desafio está lançado!

3 DAS IMPORTANTES ALTERAÇÕES E INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA RESOLUÇÃO CMN Nº 4.434/2015

Desde a sua publicação no Sisbacen e no Diário Oficial da União do dia 06/08/2015, a Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 4.434/2015 tem provocado importantes questionamentos sobre o seu teor e o impacto das mudanças propostas ao Cooperativismo de Crédito brasileiro, notadamente após o Presidente do Banco Central do Brasil afirmar que a nova regulamentação representa o início de um novo ciclo do cooperativismo de crédito nacional, que tem potencial para levar o setor a outro patamar em termos de sua abrangência e de representatividade no Sistema Financeiro Nacional.8

Portanto, tão logo se encerrou o evento denominado Novo Ciclo do Cooperativismo de Crédito no Brasil, o movimento cooperativo brasileiro passou a conviver com um novo marco regulatório que, como toda nova norma, traz dúvidas quanto a sua plena aplicação e receptividade.

Assim como na parcialmente revogada Resolução CMN nº 3859/2010, a Resolução CMN nº 4.434/2015 dispõe sobre a constituição, a autorização para funcionamento, o funcionamento, as alterações estatutárias e o cancelamento de 8

TOMBINI, Alexandre Antônio. Novo Ciclo do Cooperativismo de Crédito no Brasil. Brasília: BCB, 05 ago. 1991. Discurso de lançamento da Resolução CMN nº 4.434/2015.

autorização para funcionamento de cooperativas de crédito, acrescentando ao seu objeto, porém, a mudança de suas categorias mediante reclassificações que consideram não mais as condições de associação, mas sim a abrangência das suas operações ante o Sistema Financeiro Nacional ou, ainda, seus perfis de risco, conforme a seguir esmiuçado.

Não obstante isso, o que a norma traz de primeira percepção é a manutenção do conceito jurídico Cooperativa de Crédito. Tal destaque é importante visto que apesar de respeitados posicionamentos quanto à necessidade de uma nova identidade, voltada às diversas plataformas de soluções negociais ofertadas pelas cooperativas de hoje, o que se tem de concreto é que o sistema jurídico brasileiro, desde a Constituição Federal de 1988, dá a esta forma de organização societária uma conceituação jurídica própria e específica que possibilita a compreensão dos seus objetos jurídicos cognoscíveis. Por isso então é que o presente estudo propositadamente opta pela manutenção da literalidade jurídico-formal do termo Cooperativa de Crédito.

No que tange à sua estruturação legal, a leitura da parte normativa da Resolução CMN nº 4.434/2015 faz ver que objetivo da norma foi ampliado através da criação de novos Capítulos que buscaram melhor sistematizar as disposições regulamentares de acordo com a natureza, a extensão, a importância e a complexidade da matéria. Assim, questões relativas às operações e aos limites de exposição por cliente, que na Resolução CMN nº 3.859/2010, por exemplo, eram tratadas conjuntamente no Capítulo VIII, no novo regulamento foram devidamente segregados em dois capítulos distintos, dando às operações (novo Capítulo IV) a ênfase necessária para justificar a mudança de paradigma proposta para a reclassificação das Cooperativas.

Apesar desta salutar reorganização normativa, neste estudo a análise da Resolução CMN nº 4.434/2015 acerca da amplitude dos impactos impostos pela aplicação da norma buscará pontuar no novo regulamento os dispositivos normativos que propõem

importantes mudanças quanto à classificação das Cooperativas, a fundamentada inferência à filiação aos Sistemas Cooperativos existentes, a amplitude associativa e sua regulamentação pelos próprios estatutos, aos novos limites de capital e patrimônio, a aplicação objetiva de regras de governança, entre outros.

3.1 Do privilégio aos Sistemas Cooperativos existentes na criação de novas Cooperativas de Crédito.

Um dos primeiros aspectos que ressalta da simples leitura da norma é a clara e justificada atenção que à criação de novas Cooperativas de Crédito, exigindo, já nos seus procedimentos de pré-constituição, profissionalizações e certificações que não condizem com a realidade de grande parte dos empreendimentos cooperativos já fundados e que hoje são, inclusive, referências de sucesso.

Do ponto de vista histórico e doutrinário, é uníssono que o nascimento do movimento cooperativo e o desenvolvimento dos seus mais diversos ramos ocorreram em cenários ou momento de crises que sempre ressaltaram o potencial emancipatório desse tipo de empreendimento através da posse coletiva dos meios de produção existentes. No Cooperativismo de Crédito, a história não é diferente. Desde a idealização das primeiras cooperativas de crédito na Alemanha, por Hermann Schulze, Friedrich Raiffeisen e Wilhelm Haas, passando pela iniciativa italiana de Luigi Luzzatti, até a criação, no Brasil, da hoje Sicredi Pioneira pelo padre Theodor Amstad, em 1902, o fundamento do cooperativismo de crédito sempre esteve pautado nas urgentes necessidades dos modestos proprietários do campo ou dos pequenos comerciantes das cidades, como bem destacam Alicia Kaplan de Drimer e Bernardo Drimer9.

DRIMER. Alicia K. de.; DRIMER Bernardo. Las Cooperativas: fundamentos, historia, doctrina. 3ª Ed. Intercoop: Buenos Aires, 1981. pg. 240. 9

Tal revisão histórica é importante para destacar que as exigências normativas trazidas pela nova Resolução vão na contramão da história de muitas cooperativas que iniciaram suas operações em pequenas cidades, baseadas na confiança e nos importantes vínculos que uniam os seus poucos mas abnegados e esperançosos associados.

Por isso, ainda que justificável sob o prisma dos objetivos regulatórios do Banco Central, exigências como a necessidade de indicação de um responsável técnico capacitado para o acompanhamento do processo de autorização junto ao Banco Central (artigo 4º), além da necessária identificação, entre os fundadores, de pelo menos um integrante que detém conhecimento sobre o ramo de negócio e sobre o segmento no qual a cooperativa pretende operar, ou seja, a certificação profissional, inclusive sobre os aspectos relacionados à dinâmica de mercado (artigo 6º, III), se mostram como efetivos entraves à criação novas cooperativas.

E o que falar então do procedimento administrativo prévio previsto no artigo 5º e seus parágrafos, para a constituição de cooperativa de crédito singular que não pretender se filiar a cooperativa central? Segundo os dispositivos do citado artigo, para aquelas pretensas cooperativas de crédito “solteiras” se formarem é necessária uma prévia apresentação do sumário executivo do Plano de Negócios de que trata o inciso V, do artigo 6º, e cujo conteúdo mínimo fica ao critério subjetivo do Banco Central, prevendo ainda a possibilidade de entrevistas técnicas do grupo de fundadores (§1º e §3º, do artigo 5º). Ainda que louvável do ponto de vista técnico, tratar de forma diferenciada uma pretensa cooperativa de crédito ante o fato da mesma simplesmente optar por não participar de um Sistema Cooperativo existente parece ferir o Princípio da Igualdade que rege não apenas o Direito, mas também os próprios princípios do cooperativismo, recepcionados pela legislação brasileira, além de reforçar a perceptível barreira à criação de Cooperativas independentes.

Em outros termos, ainda que se admita que a verticalização sistêmica proposta pela novel Resolução CMN nº 4.434/2015, privilegiando a criação de cooperativas vinculadas a Sistemas Cooperativos que as deem suporte, seja um importante e valioso instrumento de organização do movimento cooperativo de crédito, não se pode negar que tais exigências, na prática, impedem por vezes a criação de novas Cooperativas na medida em que estes mesmos Sistemas Cooperativos, existentes na atualidade, resistem à criação de cooperativas para privilegiar a ampliação da sua base de atendimento a partir das cooperativas já instituídas, provocando a concentração de capitais, tal qual ocorre em bancos e outras casas de crédito.

Só isso, então, já justifica a crítica às inovações citadas. Impor limitações técnicas para a criação de novas cooperativas de crédito, a partir de uma escolha dos fundadores, qual seja, participar ou não de uma central cooperativa, significa efetivamente negar que o cooperativismo em todos os seus valores e princípios é um movimento de base, que parte dos anseios e das expectativas dos seus integrantes, e não uma escolha estratégica de poucos executivos que por vezes parecem nivelar cooperados e consumidores e, ainda, transformar seus dirigentes em profissionais do mercado de crédito. E neste sentido, parafrasenado José Odelso Schneider, garantir a igualdade de condições para o nascimento de novas cooperativas é garantir a perenidade daqueles empreendimentos, afinal, via de regra, a participação do associado na cooperativa será resultante da sua efetiva participação como dono, decidindo com liberdade e a partir de bases democráticas os destinos da sua cooperativa.10

Ultrapassada a reflexão inicial sobre a indução sistêmica proposta pelo Conselho Monetário Nacional, passa-se a analisar as alterações propostas pela Resolução CMN nº 4.434/2015, embora por vezes este autor não resista em analisar aspectos de relevância a partir dos objetivos deste estudo.

Cf. SCHNEIDER, José Odelso. Democracia, participação e autonomia cooperativa. 2. Ed. São Leopoldo: Unisinos, 1999. pg. 91. 10

3.2 Do processo de constituição de novas cooperativas a partir da nova resolução.

Além dos artigos iniciais citados acima, o artigo 3º da Resolução CMN nº 4.434/2015, traz em si uma importante revisão temporal quanto à constituição das cooperativas de crédito ao dispor que o seu reconhecimento jurídico pressupõe, ou seja, supõe antecipadamente, ...a constituição na forma da legislação e da regulamentação em vigor e a autorização para funcionamento.(grifamos) Tal disposição normativa deixa claro que antes mesmo de qualquer ato societário constitutivo da cooperativa, como a assembleia geral de criação, por exemplo, a autorização pelo Banco Central do Brasil se mostra como necessária. E tal imposição é reforçada quando da leitura do artigo 7º, que assim prevê:

Art. 7º. No prazo de noventa dias a contar do recebimento da manifestação favorável do BCB a respeito do processo de constituição, os interessados deverão formalizar os atos societários de constituição da cooperativa de crédito. (grifamos)

Portanto, ao optarem pela criação de uma cooperativa de crédito, seus fundadores deverão realizar uma espécie de pré-assembleia, onde se fará deliberação não apenas sobre a referida criação, mas também quanto a intenção (ou não) de filiação a uma central cooperativa, a qual deverá ser recíproca, e, ainda, dispor tanto sobre as condições documentais exigidas pelo artigo 6º, quanto à indicação do responsável tecnicamente capacitado para acompanhamento do processo de autorização junto ao Banco Central (art. 4º).

A partir de tal deliberação pré-assemblear e, ainda, cumpridos todos os requisitos documentais do artigo 6º, o Banco Central do Brasil fará a necessária análise do pedido, a qual observará ainda o disposto no artigo 9º da nova Resolução, podendo inclusive exigir medidas complementares (artigo 9º, §2º).

Estando a pretensa cooperativa de crédito vinculada a um sistema cooperativo, a análise quanto à constituição será comunicada aos fundadores, oportunidade em que os mesmo terão o prazo de noventa dias (artigo 7º, caput), prorrogáveis por mais noventa (art. 7º, §1º), para formalizarem os atos societários de constituição da Cooperativa de Crédito. Contudo, caso a deliberação pré-assemblear opte pela não vinculação do projeto a uma central, torna-se obrigatoriamente necessário que esta escolha seja suficientemente justificada quanto aos motivos que determinaram a decisão, evidenciando ainda como a cooperativa pretende suprir os serviços prestados pelas centrais (art. 6, IV, “c”, 11).

Não bastasse isso, a não vinculação da pretensa cooperativa a um sistema cooperativo poderá provocar também um procedimento incidental de inspeção prévia do projeto pelo Banco Central, conforme disposto no artigo 8º, e cujo objetivo será “...avaliar a compatibilidade entre a estrutura organizacional implementada e aquela prevista no plano de negócios.” Este procedimento de inspeção, regulamentado pelo §2º do artigo 8º, poderá na prática inviabilizar o projeto, visto que o inciso III do §2º, determina que cooperativa solteira implemente desde já a sua estrutura organizacional, contemplando as estruturas de governança corporativa, de gerenciamento de negócios, de controles internos e de gerenciamento de riscos, além da contratação dos sistemas eletrônicos e de mão de obra, entre outros projetos previstos no plano de negócio apresentado.

Note-se, por oportuno, que o procedimento incidental de inspeção prévia do projeto pelo Banco Central não se aplica aos projetos vinculados aos sistemas cooperativos, afinal, pelo texto do §1º do artigo 8º, a decisão sobre a inspeção prévia levará (aspecto impositivo da norma) em consideração ...o porte da instituição, a complexidade e o risco das operações pretendidas e a ausência de participação da pleiteante em sistema cooperativo organizado (grifamos). Reitera-se, portanto, a crítica

pontual à Resolução: sem vinculação a um sistema cooperativo a vontade social de instalação de uma cooperativa de crédito pode ser uma tarefa impossível.

Voltando, porém, aos procedimentos, em ambos os casos a cooperativa pleiteante apenas poderá formalizar os seus atos societários de constituição, ou seja, realizar a Assembleia Geral de instalação, após a devida autorização do Banco Central (parte final do caput do artigo 7º), devendo os atos societários retornarem para aprovação daquela autarquia antes de serem encaminhados para o seu arquivamento nos órgãos competentes (artigo 7º, §2º).

Quanto aos requisitos documentais necessários para a autorização de constituição das cooperativas de crédito, merece destaque o artigo 6º da Resolução CMN nº 4.434/2015, que constitui uma importante reorganização dos dispositivos constantes no artigo 3º da Resolução CMN nº 3.859/2010.

Até a publicação da nova Resolução, o revogado artigo 3º dispunha que a pretensa cooperativa de crédito deveria demonstrar a sua possibilidade de reunião, controle, realização de operações e prestação de serviços (inciso I); demonstrar a sua viabilidade financeira por no mínimo três anos (inciso II), e, ainda, apresentar um Plano de Negócios com o mesmo horizonte temporal (inciso III). Pela nova norma, além da manutenção quanto à demonstração de reunião, controle, entre outros (inciso I), o artigo 6º exige ainda a apresentação de novos documentos como a comprovação de que pelo menos um dos associados detém conhecimento sobre o ramo do negócio (inciso III), e as minutas dos atos societários de constituição (inciso V) da Cooperativa.

Não bastasse isso, no inciso IV do artigo 6º, a Resolução CMN nº 4.434/2015 dá ao Plano de Negócios da cooperativa especial destaque, dispondo que além da sua vigência se fundamentar com projeção mínima de cinco anos, deve estar baseado em

três espectros básicos, quais sejam, o (a) Plano Financeiro, onde a cooperativa deve demonstrar a sua viabilidade econômico-financeira; o (b) Plano Mercadológico, no qual o projeto deve contemplar os objetivos estratégicos do empreendimento, suas condições estatutárias, os mecanismos que visem à efetivação dos princípios cooperativistas, e; o (c) Plano Operacional, na qual a cooperativa explanará seus padrões de governança, seu organograma, estruturas, entre outros. Importante destacar, contudo, a ressalva normativa (§1º) existente de que tais requisitos não são exauríveis, permitindo então que o Banco Central apresente novas exigências de acordo com a natureza e/ou porte da cooperativa, ou ainda, em função da extensão do pleito.

Assim, não obstante o salutar aclaramento e a objetiva reestruturação no processo de constituição de novas cooperativas pela Resolução CMN nº 4.434/2015, impor diferenciações entre cooperativas na sua constituição somente porque vinculadas (ou não) a sistemas cooperativos parece ferir também a gestão democrática e a autonomia garantida aos seus associados, atuação que vai de encontro aos anseios do movimento cooperativo.

3.3 Da nova classificação das Cooperativas de Crédito. Mudança de paradigma que privilegia a vontade estatutária de associação.

Certamente a alteração mais comentada na Resolução CMN nº 4.434/2015 foi a adequação provocada pelo seu Capítulo III, que trata da classificação das cooperativas de crédito e das condições estatutárias de admissão de associados. Como se sabe, desde a primeira regulamentação específica sobre as Cooperativas de Crédito (Resolução CMN nº 1.914/1992) após a edição da Lei Federal nº 5.764/71, e da Constituição Federal de 1988, o Banco Central do Brasil tratou de regrar suas orientações normativas sob o prisma da limitação do quadro associativo.

E tanto isso é verdade que quando da publicação da Resolução CMN nº 1.914/1992, a constituição de cooperativas que não apresentavam restrições de associação, então conhecidas como cooperativas do tipo Luzzatti, restaram proibidas, permitindo aquela norma tão somente a autorização para funcionamento das cooperativas de economia e crédito mútuo e as cooperativas de crédito rural. Desde então, e mesmo após a reafirmação pelo Código Civil (Lei Federal nº 10.406/02) das características básicas das sociedades cooperativas, o órgão regulador do Sistema Financeiro Nacional sempre tratou com muita cautela a abertura dos quadros associativos.

Mesmo a partir de concessões importantes que avançaram até a presente mudança de paradigma, como as provocadas tanto pela Resolução CMN nº 3.058/2002, que permitiu a constituição de cooperativas de crédito mútuo formada por pequenos empresários, microempresários e microempreendedores, quanto pela Resolução CMN nº 3.106/2003, que liberou a constituição de cooperativas de livre admissão, o que se viu até a publicação da Resolução CMN nº 3.859/2010 foi uma constante tentativa de regular o que a própria Lei Complementar nº 130/09 (artigo 4º) já garantia às cooperativas de crédito: liberdade na construção do seu quadro social a partir da vontade soberana da assembleia geral, ressalvadas obviamente as limitações impostas pelo parágrafo único daquele artigo11.

Neste aspecto, as palavras do Presidente do Banco Central do Brasil no lançamento da Resolução CMN nº 4.434/2015 também são didáticas:

(...) Como sabemos todos, o Banco Central apresentou em novembro do ano passado a Consulta Pública 47, sobre a norma que altera significativamente a forma de segmentação até hoje vigente entre as

11

Art. 4o (...). Parágrafo único. Não serão admitidas no quadro social da sociedade cooperativa de crédito pessoas jurídicas que possam exercer concorrência com a própria sociedade cooperativa, nem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios bem como suas respectivas autarquias, fundações e empresas estatais dependentes.

cooperativas de crédito. A alteração foi muito bem recebida pelo segmento, e há boas razões para isso. A evolução histórica da regulamentação que mencionei há pouco acabou levando a uma segmentação complexa, que implicava um tratamento prudencial distinto para cooperativas que representavam, essencialmente, o mesmo grau de risco. Ao mesmo tempo, algumas cooperativas tinham seu quadro associativo limitado simplesmente porque a opção específica que lhes interessava não fazia parte do rol de segmentos presente nas resoluções. Por outro lado, cooperativas extremamente simples, como as de capital e empréstimo, enfrentavam requisitos prudenciais mais elevados que o justificado estritamente por seu grau de risco. Nesse cenário, o CMN decidiu conferir plena consequência à possibilidade, já prevista na Lei Complementar 130, de dar ao grupo fundador ou à assembleia geral liberdade para determinar o quadro associativo que mais se ajusta a seus interesses, cabendo ao Banco Central o enquadramento das cooperativas conforme o grau de risco que elas incorram e a aplicação do regime prudencial correspondente. Essa é, portanto, além de uma providência de racionalização muito aguardada, um marco notável na história das cooperativas de crédito no Brasil. (...)12

Como se pode perceber, diante do aperfeiçoamento regulatório do Banco Central de Brasil advindo desde a Lei Federal nº 5.764/71 até a Lei Complementar nº 130/09, passando

pelas

consistentes

referências

constitucionais

e

legais

trazidas,

respectivamente, pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002, bem como a partir do constante e importante avanço das práticas de gestão, atualização tecnológica, e controles administrativos das cooperativas de crédito, estas creditadas à atuação responsável dos eficientes sistemas cooperativos brasileiros e seus dirigentes, o que a Resolução CMN nº 4.434/2015 traz ao cooperativismo de crédito é a fiança necessária para que o próprio movimento cooperativo possa gerir com liberdade e responsabilidade, sob as premissas axiológicas do Cooperativismo, o seu quadro social.

E a tradução desse pensamento está na exclusão de todo um arcabouço jurídico construído em cinco longos artigos (12/16) e dois Capítulos (II e III) da Resolução 12

TOMBINI, Alexandre Antônio. Novo Ciclo do Cooperativismo de Crédito no Brasil. Brasília: BCB, 05 ago. 1991. Discurso de lançamento da Resolução CMN nº 4.434/2015.

CMN nº 3.859/2010, que tratavam das condições de admissão de associados e das condições especiais relativas às cooperativas de livre admissão, em favor de um único artigo da Resolução CMN nº 4.434/2015, o artigo 16, que trata sobre as condições de admissão de associados e área de atuação, a saber:

Art. 16. As condições de admissão de associados e área de atuação, conforme definido pela assembleia geral, devem constar no estatuto social da cooperativa de crédito. (grifamos)

Tal abertura deve ser comemorada não apenas sob o ponto de vista estratégico para a expansão do cooperativismo de crédito no Brasil, como dito por muitos e pelo próprio Presidente do Banco Central no seu indigitado discurso, mas principalmente porque tal mudança de paradigma provocada pela Resolução CMN nº 4.434/2015 reforça a autonomia do Direito Cooperativo brasileiro, há muito debatido por importantes doutrinadores do escol de Waldirio Bulgarelli, Renato Lopes Becho e José Eduardo de Miranda, entre tantos outros. Ademais, garantir à assembleia geral a soberana decisão sobre as suas regras de admissão e área de atuação significa o mais amplo e irrestrito respeito ao primeiro princípio do cooperativismo: garantir a Adesão Livre e Voluntária sem restrições artificiais de ingresso.

Dessa forma, as cooperativas de crédito deixam de ser classificadas a partir do seu quadro associativo e área de atuação, estas agora de livre disposição dos associados e limitadas pelos seus estatutos sociais, para serem segregadas de acordo com a natureza das suas operações junto ao Sistema Financeiro Nacional. É como dispõe o artigo 15, da Resolução CMN nº 4.434/2015, verbis: Art. 15. A cooperativa de crédito singular, de acordo com as operações praticadas, se classifica nas seguintes categorias: I - cooperativa de crédito plena: a autorizada a realizar as operações previstas no art. 17; II - cooperativa de crédito clássica: a autorizada a realizar as operações previstas no art. 17, observadas as restrições contidas no art. 18; e

III - cooperativa de crédito de capital e empréstimo: a autorizada a realizar as operações previstas no art. 17, exceto as previstas em seu inciso I, observadas as restrições contidas no art. 18. (grifamos)

Portanto, a partir do rol de operações elencados no artigo 17, complementadas pelas restrições constantes no artigo 18, as Cooperativas de Crédito brasileiras passam a ser classificadas, e consequentemente fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil, de acordo com a amplitude das suas operações. Sendo assim, enquanto as Cooperativas de Crédito Plenas podem instrumentalizar todas as operações previstas no artigo 17, como por exemplo, a aplicação em títulos de securitização de créditos, às Cooperativas de Crédito Clássicas tal operação é vedada, visto que constante no rol de exceção do artigo 18, notadamente no inciso I, eis que se trata de operação que impõe maior risco à sociedade. Já nas Cooperativas de Crédito de Capital e Empréstimo, além de lhes serem vedadas as mesmas operações que são negadas às Cooperativas de Crédito Clássicas, estas não podem captar exclusivamente de associados recursos e depósitos sem emissão de certificado, como por exemplo, os Recibos de Depósito Bancários (RDB).

Ainda quanto a esta classificação, as explicações do Presidente do Banco Central do Brasil são não apenas esclarecedoras, mas indicam com clareza solar a mens legis do Conselho Monetário Nacional ao editar a norma:

(...) A Resolução 4.434, publicada hoje, estabelece três graus de risco, correspondentes a três tipos de cooperativas de crédito: as plenas, as clássicas e as de capital e empréstimo. As cooperativas plenas poderão praticar todas as operações previstas para as cooperativas de crédito, e entre elas estão, de maneira geral, as cooperativas de maior porte. Delas serão exigidos maiores montantes de capital inicial e patrimônio líquido, apuração do capital requerido conforme o grau de risco pelo regime prudencial completo, assim como estruturas de governança mais robustas. Por sua vez, as cooperativas clássicas poderão realizar somente as operações hoje permitidas no regime prudencial simplificado. Esse segmento de cooperativa não pode realizar, por exemplo, operações

que gerem exposição a variação cambial ou de preço de mercadorias, nem manter aplicações em derivativos. Por fim, as cooperativas de capital e empréstimo não poderão captar recursos ou depósitos, sendo seu funding o capital próprio integralizado pelos associados. Suas operações ativas também estão limitadas àquelas permitidas no regime prudencial simplificado. São cooperativas com estruturas física e organizacional menores e que apresentam menos risco que as plenas ou as clássicas. (...)

Não bastassem tais benefícios de ordem operacional, a liberdade quanto à área de atuação também representa uma importante ferramenta de expansão das cooperativas e do Cooperativismo enquanto movimento social. Questões de mera territorialidade e abrangência, antes existentes e até mesmos exigidos pelo Banco Central do Brasil, hoje dão espaço à simples comprovação de que as cooperativas podem, operacionalmente, atuar na área que se propõem assemblear e estatutariamente. Como consequência, limites territoriais e de expansão ficam a cargo das estratégias sistêmicas e da capacidade da sociedade cooperativa de ampliar os seus horizontes sem desnaturar a essência cooperativa da associação. E neste aspecto em específico, o Banco Central do Brasil, na aplicação da nova norma, deverá estar atento enquanto órgão de fiscalização estatal.

Feitas tais considerações, ressalta-se que a classificação das Cooperativas de Crédito hoje existentes será inicialmente indicada pelo próprio Banco Central do Brasil. Tal classificação automática, prevista no seu artigo 59, tem como base as operações atualmente praticadas pelas Cooperativas e será comunicada às mesmas no prazo de noventa dias contados da publicação da nova Resolução (06/08/2015). Conforme procedimento previsto no parágrafo único do referido artigo, ao receber a indicação do Banco Central do Brasil sobre o seu enquadramento, a cooperativa singular deve (i) manifestar a sua concordância ou, alternativamente, (ii) solicitar a mudança de categoria. Neste caso, porém, a cooperativa de crédito solicitante deverá demonstrar que atende aos requisitos exigidos para a categoria em que pretende ingressar, como por exemplo, adequação de capital, patrimônio líquido e estrutura de governança, entre

outros. Outrossim, o procedimento de mudança de categoria seguirá os mesmos trâmites previstos no artigo 14 da novel Resolução.

Como visto, mudar o paradigma da forma de classificação das cooperativas parecer ter sido o grande avanço da nova norma. Privilegiar a vontade do cooperado quanto às regras de associação e limites de atuação garante às sociedades cooperativas o respeito aos seus objetivos comuns, deixando ao Banco Central o papel fiscalizador das suas operações.

3.4 Dos novos limites mínimos de capital e de patrimônio.

Soa como consequência natural que a reclassificação das cooperativas de crédito ditada pela Resolução CMN nº 4.434/2015, agora considerando como objeto de classificação as operações praticadas e os decorrentes riscos impostos aos seus associados, exija uma readequação quanto aos limites mínimos de capital e patrimônio, afinal, são esses índices que pretender garantir minimamente a integridade do empreendimento cooperativo. E para desde já acentuar as diferenças propostas, mostrase pertinente a transcrição dos novos limites mínimos, assim definidos pelo artigo 19, da nova Resolução, verbis:

Art. 19. A cooperativa de crédito deve observar os seguintes limites mínimos, em relação ao capital integralizado e ao Patrimônio Líquido (PL): I - cooperativa central de crédito e confederação de centrais: integralização inicial de capital de R$200.000,00 (duzentos mil reais) e PL de R$1.000.000,00 (um milhão de reais); II - cooperativa de crédito de capital e empréstimo, classificada nos termos do inciso III do art. 15: integralização inicial de capital de R$10.000,00 (dez mil reais) e PL de R$100.000,00 (cem mil reais); III - cooperativa de crédito clássica, classificada nos termos do inciso II do art. 15, filiada a cooperativa central: integralização inicial de

capital de R$10.000,00 (dez mil reais) e PL de R$300.000,00 (trezentos mil reais); IV - cooperativa de crédito clássica, classificada nos termos do inciso II do art. 15, não filiada a cooperativa central: integralização inicial de capital de R$20.000,00 (vinte mil reais) e PL de R$500.000,00 (quinhentos mil reais); V - cooperativa de crédito plena, classificada nos termos do inciso I do art. 15, filiada a cooperativa central: integralização inicial de capital de R$2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais) e PL de R$25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de reais); e VI - cooperativa de crédito plena, classificada nos termos do inciso I do art. 15, não filiada a cooperativa central: integralização inicial de capital de R$5.000.000,00 (cinco milhões de reais) e PL de R$50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais). (grifamos)

Inicialmente, merece destaque a repetida distinção que a Resolução CMN nº 4.434/2015 dá às cooperativas de crédito Clássicas e Plenas filiadas à cooperativa central, privilegiando-as. Embora o presente estudo mantenha – do ponto de vista estritamente legalista, repise-se – as críticas já mencionadas quanto ao privilégio sistêmico, há que se reconhecer que a diferenciação apresentada quanto às exigências de capital e patrimônio está, aqui, escorada em critérios objetivos que consideram, de forma positiva na visão deste autor, a participação dos Sistemas Cooperativos na defesa da integridade financeira das suas singulares.

Em relação ao capital integralizado pelos sócios, assim entendido como o capital social subscrito pelo cooperado e que foi efetivamente colocado à disposição do empreendimento, o cuidado histórico das Resoluções do Banco Central em impor um capital mínimo se escora no fato da Lei Federal nº 5.764/71 (artigo 4º, II) atribuir às cooperativas a variabilidade do seu capital social, decorrência da liberdade de associação e do caráter finalístico da sociedade: obter vantagens para os seus sócios. Em comparação à Resolução revogada, percebe-se que os novos dispositivos trazidos pelo CMN propuseram uma positiva simplificação das suas exigências, sendo em alguns casos, inclusive, inferiores às exigências atualmente postas13.

Considerando que a partir da Resolução CMN nº 4.434/2015, todas as cooperativas podem ser consideradas, quanto à formação do seu quadro associativo, de livre admissão, as exigências de capital mínimo postas às Cooperativas de Crédito 13

Já no que tange aos limites de patrimônio, a primeira mudança percebida pelo cotejo das normas está na substituição da forma de apuração do mesmo. Enquanto o artigo 31 da Resolução CMN nº 3.859/2010 trazia como apuração de patrimônio o limite mínimo de Patrimônio de Referência (PR), o artigo 19 da nova Resolução CMN nº 4.434/2015 torna necessária a demonstração mínima de Patrimônio Líquido (PL), a partir do quinto ano contado da data de autorização para funcionamento da cooperativa (art. 19, §2º). Na prática, o que tal alteração propõe é a simplificação quanto à compreensão dos requisitos mínimos, na medida em que a avaliação do Patrimônio Líquido desconsidera a análise de alguns itens exigidos para a apuração do Patrimônio de Referência como, por exemplo, a provisão, das dívidas subordinadas, as reservas, entre outros.

Entretanto, a substituição do Patrimônio de Referência pelo Patrimônio Líquido para fins de limites mínimos não significa a alforria das cooperativas de crédito ao atendimento dos requerimentos mínimos de Patrimônio de Referência exigidos pelo Banco Central do Brasil. Não apenas o artigo 21 da nova Resolução destaca tal ressalva, como também a própria Resolução CMN nº 4.192/2013, que dispõe sobre a metodologia para apuração do Patrimônio de Referência, diz em seu artigo 1º que tal índice dever ser apurado pelas instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, como os bancos.

Por fim, é válido repisar que o §2º do artigo 19, da Resolução CMN nº 4.434/2015, manteve a exigência de patrimônio mínimo a partir de cinco anos da autorização para funcionamento. Contudo, a parte final do mesmo dispositivo inova ao fixar que ...até o terceiro ano, o PL deve representar, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) dos respectivos limites. De igual forma, redutores de limites para regiões específicas do país, previstos no parágrafo único do artigo 31, da Resolução CMN nº

Clássicas vinculadas a uma Central Cooperativa (art. 19, III), qual seja, R$10.000,00 (dez mil reais), são inferiores às exigências impostas pela Resolução CMN nº 3.859/2010, às Cooperativas de Livre Admissão de Associados (artigo 31, IV, “a” – R$20.000,00).

3.859/2010, passam a não mais existir com a nova norma, até porque os recentes números do Cooperativismo de Crédito mostram a pujança do movimento nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Neste aspecto, nota-se que a norma avança quanto à estabilidade do capital da cooperativa, fator sempre destacado no Plano 2020 da Aliança Cooperativa Internacional.

3.5 Da evolução da norma quanto à Governança Cooperativa. Da aplicação de princípios à criação objetiva de regras.

Não é de hoje que o sistema cooperativo brasileiro e o Banco Central do Brasil, com importantes contribuições como a do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), vêm centrando as suas atenções também quanto à forma como as cooperativas de crédito brasileiras são dirigidas, monitoradas e incentivadas, sem interferir na autonomia e na gestão democrática pelos seus associados. Já em 2009, por exemplo, o Banco Central do Brasil lançou ao segmento de crédito cooperativo o livro “Governança Cooperativa: Diretrizes e mecanismos para fortalecimento da governança em cooperativas de crédito.”, ocasião em que traçou as primeiras linhas de abordagem quanto ao tema e que, em sua apresentação, assim situava o desafio da época:

Visando ao fortalecimento do segmento, o Banco Central, por meio do projeto Governança Cooperativa, deu um passo além, ao diagnosticar, por meio de estudos e pesquisas, as particularidades da governança nas cooperativas de crédito e ao definir diretrizes para consecução de boas práticas. Buscou, então, apontar um caminho e induzir a adoção de boas práticas pelas cooperativas, de forma voluntária.14 VENTURA, Elvira Cruvinel Ferreira. et al. Governança Cooperativa: Diretrizes e mecanismos para fortalecimento da governança em cooperativas de crédito. Brasília: BCB, 2009. pg. 09. 14

Tais delineamentos foram, em linhas gerais, incorporados pela Resolução CMN nº 3.859/2010, que inovou ao provocar as Cooperativas quanto às observâncias das políticas de governança corporativa que abordassem aspectos de representatividade e participação, propondo uma direção estratégica com gestão, fiscalização e controle.

Contudo, ressalvados específicos regramentos, como as constantes no artigo 18, onde as cooperativas singulares de livre admissão, de empresários, de pequenos empresários, microempresários e microempreendedores, entre outras, são obrigadas a adotar estrutura administrativa integrada por conselho de administração e por diretoria executiva, o que a Resolução CMN nº 3.859/2010 inicialmente propusera fora tão somente a observância de princípios de governança, como a equidade, transparência, ética, educação.

Ocorre que com a publicação do Plano de Ação para uma Década Cooperativa pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI), em 2013, a aplicação dos princípios de governança corporativa às cooperativas foram alçadas a outro patamar. Pelo documento, por serem as cooperativas um modelo negocial que prioriza as pessoas, a sua administração democrática, autônoma e baseada nos princípios de governança, garantirá às cooperativas em todo o mundo maior sustentabilidade econômica, social e ambiental, além de tornar o movimento cooperativo um ator de destaque nesse cenário. Neste ponto, os desafios lançados pelo órgão máximo do Cooperativismo mundial são claros:

Sustentabilidade em sentido lato é a capacidade de suportar, manter e resistir. Desde os anos 1980 a sustentabilidade humana tem sido ligada à integração das dimensões ambiental, econômica e social na fiscalização global e gestão responsável dos recursos. As cooperativas sempre atuaram de forma a permitir às pessoas que ascendessem aos bens e serviços sem serem exploradas. Tal significou negociar de acordo com uma série de valores assentes no que hoje se chama desenvolvimento sustentável. (...) As Cooperativas procuram “otimizar” os resultados para todos os intervenientes, sem procurar

“maximizar” os benefícios de um só deles. Construir um desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável deveria constituir uma das motivações e justificações principais para o crescimento do setor cooperativo. (...) Embora existam exceções locais, sustentabilidade não é um termo que esteja universalmente associado às cooperativas. Isso tem de mudar até 2020 – posicionar as cooperativas como arquitetas da sustentabilidade, (...), e isso inclui Práticas de Gestão: O setor cooperativo necessita fazer mais para desenvolver e promover práticas específicas de gestão que reflitam os valores democráticos e o horizonte de longo prazo do modelo de empresa cooperativo, e que explore a vantagem cooperativa.15

Nessa mesma esteira, o recente documento publicado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) – Guia das Melhores Práticas de Governança para Cooperativas –, reforça a busca de boas práticas pelo próprio movimento cooperativo brasileiro, justificando em seu texto que a conversão das boas práticas de governança corporativa em recomendações objetivas às realidades das cooperativas se alinha com a finalidade de preservação e otimização dos valores cooperativos, promovendo o desenvolvimento e contribuindo para a longevidade e perenidade das cooperativas.16

Apesar de não se saber ao certo se o Banco Central do Brasil considerou na formulação da norma os desafios da ACI e as importantes colaborações do IBGC e da OCB para o desenvolvimento da gestão cooperativa, aí incluindo as cooperativas de crédito, o que se tem de concreto é que as boas práticas de governança, ditadas agora de forma efetiva e objetiva pela Resolução CMN nº 4.434/2015, vão ao encontro dos objetivos do Cooperativismo, alinhando interesses dos sócios com a finalidade de preservar o empreendimento cooperativo como instituição social, sobretudo contribuindo também para a sua longevidade.

Nessa perspectiva, o artigo 26 da nova Resolução é pontualmente positivo ao acrescentar à política de governança corporativa o princípio da remuneração dos GREEN, Dame Pauline. et al. Plano de ação para uma década cooperativa. ACI: Bruxelas, 2013. pg. 13/14. cf. MUNHÓS, José Luiz. et al. Guia das Melhores Práticas de Governança para Cooperativas. São Paulo: IBGC, 2015. pg. 14. 15 16

membros dos órgãos estatutários, assunto este por vezes sensível nas discussões assembleares das cooperativas de crédito. Com tal pilar de governança, desde que analisado de forma equânime com os demais princípios indicados no artigo, as cooperativas de crédito recebem do Banco Central do Brasil a chancela quanto à importância da remuneração justa dos membros dos órgãos estatutários e o consequente comprometimento dos mesmos aos objetivos sociais impostos pelos estatutos sociais, medida salutar para aqueles que dedicam a sua força de trabalho a uma empresa que não possui qualquer natureza filantrópica, apesar da ausência de lucro.

No mais, ao acrescentar – em relação à norma revogada – competências mínimas e atribuições específicas ao Conselho de Administração (artigo 28) e ao Conselho Fiscal (artigo 31), a Resolução CMN nº 4.434/2015 diminui o risco de conflito de interesses entre os órgãos estatutários, aumentando como consequência a confiança no trabalho conjugado. A busca pela eliminação de riscos que atinjam a governança justificam ainda as novidades normativas trazidas pelos artigos 29 e 30 da nova Resolução, que preveem requisitos e organizações mínimas a serem dispostas nos estatutos daquelas cooperativas que possuírem estrutura administrativa segregada em conselho de administração e diretoria.

Cabe ressaltar que tais regras de estrutura administrativa integrada entre conselho de administração e diretoria executiva ainda são facultadas às cooperativas de crédito em geral17, sendo obrigatórias tão somente a todas as Cooperativas de Crédito Plenas e às Cooperativas de Crédito Clássicas cuja média de ativos totais, nos últimos três anos, seja igual ou superior a R$50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), como determina o artigo 27. De todo modo, independentemente do tamanho ou da sua classificação, há de se haver regras internas de “compliance” e de controles internos a serem exercidas por toda e qualquer cooperativa de crédito frente o cenário atual, regras estas que nem sempre são financeiramente custosas. 17

Em caráter excepcional o §2º do artigo 27 prevê que outros tipos de Cooperativas de Crédito podem ser obrigadas a adotarem o modelo dual, de acordo com a conveniência do Banco Central do Brasil.

Por fim, a última mudança de governança aqui destacada merece atenção por hoje impactar diretamente sobre diversas cooperativas de crédito que optam pela segregação dos seus órgãos estatutários. Com a vigência da nova Resolução, fica completamente vedado o exercício simultâneo de cargos no conselho de administração e na diretoria executiva de cooperativas (artigo 27, §1º), sendo que estas deverão se adequar à nova exigência na primeira eleição de administradores realizada a partir de 2017, ou antes desse prazo, a critério da assembleia, como disposto no artigo 60, inciso II.

3.6 Da desfiliação da cooperativa de crédito singular. Criação de procedimentos.

Sob o aspecto legal, o artigo 3º da Lei 5.764/71 diz que a sociedade cooperativa é a celebração de um contrato societário pelo qual os seus sócios se obrigam a contribuir para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro. Já o artigo 6º da mesma lei diz que esse tipo de contrato societário pode ser celebrado também por outras sociedades cooperativas que igualmente se obrigam entre si e são chamadas de Cooperativas Centrais (inciso II), cujo objetivo é organizar, em comum e em maior escala, os serviços econômicos e assistenciais de interesse das filiadas.

Ao se filiar a um sistema cooperativo, toda e qualquer cooperativa singular está, na verdade, aderindo às suas regras estatutárias e, portanto, obrigando-se a contribuir para os seus objetivos sociais, posto que esta é a contrapartida da gestão democrática que garante à singular participar ativamente das decisões sobre os rumos e as regras mínimas para funcionamento harmônico e seguro da sua cooperativa central.

Tal revisão legal se mostra importante, pois, ainda que o princípio da livre admissão permita também a livre saída de qualquer pessoa de uma sociedade cooperativa, não se pode olvidar que a obrigação anterior ao empreendimento cooperativista impõe ao retirante o respeito não apenas às regras da sociedade, mas também às regras que visem à integridade do Sistema Cooperativo em seu sentido lato. E foi baseada nessa concepção, que considera também as competências reguladoras já discutidas, que o Banco Central de Brasil buscou regrar com a Resolução CMN nº 4.434/2015 a desfiliação de cooperativas de crédito singulares.

Entre os seus artigos 40 e 42, a nova Resolução cria um procedimento mínimo para que cooperativas singulares passem a atuar de forma independente, a partir da desfiliação, não fazendo qualquer exigência para aquelas que pretendem tão somente trocar de cooperativa central. Partindo, então, da premissa que a filiação presume adesão às regras estatutárias e aceitação dos objetivos sistêmicos, o artigo 40 determina que antes do ato de desfiliação a cooperativa singular deve apresentar ao Banco Central do Brasil – mediante relatório próprio – os motivos da desfiliação e como a cooperativa singular pretende suprir os serviços e produtos até então ofertados pela cooperativa central, inclusive quanto a sistemas operacionais e canais de acesso ao sistema financeiro.

Não bastasse isso, no caso de ausência de previsão estatutária da singular sobre o assunto, o mesmo artigo determina que para legitimar a opção dos gestores e administradores quanto à desfiliação, o relatório a ser apresentado ao Banco Central do Brasil deve ter sido objeto de parecer pelo conselho fiscal da cooperativa e ter sido aprovado por assembleia geral18 destinada a deliberar sobre o tema. Ademais, também a cooperativa central a qual a singular está filiada deverá encaminhar avaliação sobre a

Nos termos dos artigos 44, 45 e 46, da Lei Federal nº 5.764/71 (Lei Geral das Cooperativas), a deliberação sobre o tema pode ocorrer em assembleia geral ordinária ou extraordinária, desde que a discussão da desfiliação seja mencionada no edital de convocação. Para a aprovação da desfiliação, é necessária maioria simples dos presentes. 18

situação da filiada, abordando objetivamente eventuais deficiências e irregularidades, apresentando ainda suas perspectivas sobre a cooperativa singular após sua desfiliação.

Mas não são apenas as cooperativas singulares que podem, a partir dos requisitos acima expostos, solicitar sua desfiliação. Às cooperativas centrais é igualmente garantido o direito de solicitar a desfiliação de uma cooperativa singular. Contudo, o artigo 42 da nova regra determina que o pedido de desfiliação esteja acompanhado de justificativa que avalie eventuais infrações legais e/ou estatutárias praticadas pela cooperativa singular, além das mesmas explicações sobre as perspectivas da singular após a desfiliação.

Como se pode perceber, o ato de desfiliação também passa a ser regulado e fiscalizado pelo Banco Central do Brasil, fato este salutar na medida em que o rompimento entre cooperativas singulares e centrais não se baseará tão somente em aspectos estratégicos e/ou econômicos, mas sim no efetivo descumprimento dos requisitos legais e estatutários que outrora as reuniram em busca dos objetivos comuns.

3.7 Dos pontuais aprimoramentos quanto às auditorias externas e às regras de cancelamento da autorização para funcionamento das cooperativas de crédito.

O constante avanço normativo quanto à atividade de auditoria externa junto às cooperativas de crédito permitiu que a Resolução CMN nº 4.434/2015 trouxesse em relação ao tema tão somente ajustes e esclarecimentos pontuais, como nos casos de suspeição19.

Pelo

novo

regramento,

eventual

suspeição

não

acarretará

na

desconsideração automática da auditoria, mas possibilitará, a critério do Banco Central Do ponto de vista jurídico, a suspeição se opera quando o ato praticado por terceiro é suscetível de oposição por parcialidade. Na Resolução CMN nº 4.434/2015, os casos de suspeição da auditoria estão mantidos (artigo 44, IV), quais sejam, as vinculações existentes entre membro de órgão estatutário, empregado ou prestador de serviço da cooperativa auditada e a entidade de auditoria. Na Resolução CMN nº 3.859/2010, tais casos estavam dispostos no artigo 28, VI. 19

do Brasil, a revisão por outra entidade que não possua vínculo com o sistema cooperativo auditado.

Outrossim, além de a nova regra permitir que a entidade de auditoria cooperativa audite as demonstrações das cooperativas a ela associadas, fato que ainda será aperfeiçoado com a regulamentação específica sobre as entidades especializadas em auditoria cooperativa, como bem destacou Enio Meinen20, critérios facilitadores como a verificação das demonstrações contábeis das cooperativas de crédito singulares numa única vez no dia 31 de dezembro permitirão importantes avanços também no acompanhamento dos resultados e balanços pelos cooperados, estes sim o objeto principal de todo o arcabouço aqui estudado.

No que tange às regras de cancelamento da autorização para funcionamento, a nova Resolução CMN nº 4.434/2015 igualmente inovou de forma pontual a fim de melhor sistematizar os processos de cancelamento da autorização junto ao Banco Central do Brasil.

Além de a Resolução afirmar que a dissolução da cooperativa por si só implica o cancelamento da respectiva autorização (artigo 47), e prever objetivamente quais os requisitos indispensáveis para o referido cancelamento (artigo 48), o artigo 49 é especialmente inovador ao trazer em seus parágrafos a necessidade de procedimento administrativo específico proposto pelo Banco Central do Brasil, que garanta não apenas o contraditório e a ampla defesa às cooperativas singulares, mas principalmente a necessária justificativa do cancelamento à luz de critérios objetivos como a defesa da estabilidade do Sistema Financeiro Nacional, da poupança popular e dos credores operacionais da instituição.

20

MEINEN, Ênio. 09 de agosto de 2015. O cooperativismo financeiro brasileiro sob nova regulamentação. Portal do Cooperativismo Financeiros. Disponível em: Acesso em: 28 ago. 2015.

Como visto, todas as alterações até aqui apresentadas demonstram que a Resolução CMN nº 4.434/2015 se consolida como uma importante ferramenta de desenvolvimento das cooperativas singulares, suas respectivas centrais e confederações que atualmente formam um Sistema Cooperativo sólido e crescente. Não obstante as pontuais críticas, não se pode deixar de ver que o novo regramento é um passo à frente no desenvolvimento do quadro legal das cooperativas de crédito.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do presente estudo buscou-se analisar não apenas as alterações propostas pela Resolução CMN nº 4.434/2015 em comparação às condições normativas apresentadas pela parcialmente revogada Resolução CMN nº 3.857/2010, mas também verificar se essas alterações contribuem para a realização dos objetivos estratégicos do cooperativismo lançados pela Aliança Cooperativa Internacional no documento Plano de Ação para uma Década Cooperativa. Para tanto, iniciou-se pela perspectiva da legitimidade e competência normativa do Conselho Monetário Nacional, a fim alcançar também os objetivos internacionais do cooperativismo; num segundo momento, apresentar as efetivas alterações trazidas e criticá-las à luz dos aspectos práticos e principiológicos do cooperativismo.

A primeira conclusão é que a nova Resolução efetivamente significa um passo adiante na evolução normativa do cooperativismo de crédito brasileiro. Alterar a classificação das cooperativas de crédito para tratá-las a partir das operações praticadas, e não mais pelos seus associados, parece ser o grande avanço da norma, pois respeita de forma inconteste a livre adesão e autonomia das cooperativas em decidir os rumos do seu quadro associativo. Contudo, caberá às cooperativas bem regrar tal liberdade, afinal, o fortalecimento dos vínculos e a valorização da identidade cooperativa são essenciais para o sucesso do empreendimento, como bem destacado no Plano 2020 da ACI.

Outro aspecto que merece elogios, somado à salutar reorganização dos capitais e patrimônios, é a efetiva introdução de boas práticas de governança. Bem estabelecer limites, critérios e competências dos órgãos estatutários das cooperativas, como faz a nova Resolução com importantes contribuições do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), por exemplo, promove um positivo ambiente de gestão, essencial para a sustentabilidade econômica e social das cooperativas.

No mais, a criação de regras e procedimentos administrativos para o desligamento de cooperativas singulares das centrais cooperativas e, ainda, para se promover o cancelamento da autorização de funcionamento destas, sempre com a necessária prévia fundamentação técnica e legal que a justifique, garantindo o contraditório e a ampla defesa, são igualmente salutares para a sustentabilidade e o fortalecimento do quadro legal propostos pela ACI na medida em que estabelecem a segurança jurídica necessária para o funcionamento e a manutenção das cooperativas de crédito com a liberdade constitucionalmente garantida.

Contudo, os avanços e aspectos positivos da norma não podem ofuscar as pontuais críticas trazidas com o presente estudo. A primeira crítica, já trabalhada, é o privilégio às vinculações sistêmicas no processo de constituição de cooperativas de crédito. Ainda que se entenda e respeite que o Sistema Cooperativo atual é muito bem consolidado e administrado pelas grandes centrais cooperativas, o que facilita a autorregulação sempre incentivada pelo Banco Central do Brasil, criar mecanismos legais que diferenciem as formas de constituição de uma cooperativa tão somente pela sua vinculação sistêmica parece ferir os princípios da legalidade e da igualdade, embora tal reflexão mereça maior aprofundamento.

Uma segunda consideração negativa sobre a Resolução CMN nº 4.434/2015 diz respeito às omissões que a mesma apresenta sobre outros aspectos de fortalecimento do

cooperativismo de crédito, aspectos estes muito bem apresentados pela Aliança Cooperativa Internacional, em 2013, e que poderiam ser considerados na sua integralidade pela nova Resolução. Como visto, mais uma vez a evolução normativa do Conselho Monetário Nacional, sempre muito bem executada e fiscalizada pelo Banco Central do Brasil, privilegiou o fortalecimento da estabilidade financeira das cooperativas de crédito, o que é plenamente justificado pelos objetivos legais do Sistema Financeiro Nacional.

Entretanto, e ainda que a nova norma sinalize avanços além dos aspectos financeiros, como ocorre com o fortalecimento das políticas de governança, é também dever do Sistema Financeiro Nacional desenvolver em seu quadro legal aspectos normativos que fortaleçam a participação do associado, seus vínculos e a identidade cooperativa. O Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil não podem desconsiderar, por exemplo, o constante esvaziamento das assembleias gerais das cooperativas atuais, que revelam uma grave crise de identidade e pertencimento pelos seus cooperados. Tais situações podem colocar em risco a estabilidade futura dos Sistemas Cooperativos e, por isso, devem ser debatidos com a sociedade na busca de uma evolução normativa também neste sentido.

Apesar de tudo isso, o momento é de comemoração quanto aos avanços trazidos pela Resolução CMN nº 4.434/2015. Que as cooperativas saibam aproveitar o aval dado pelo Sistema Financeiro Nacional para manter com profissionalismo e altruísmo o sólido e constante crescimento, de forma sustentável, do cooperativismo de crédito no Brasil.

REFERÊNCIAS

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