CAROLINA DE OLIVEIRA SOUZA

INTERAÇÃO DA BACTÉRIA REDUTORA DE SULFATO (BRS) Desulfovibrio indonesiensis COM CÉLULAS EPITELIAIS INTESTINAIS HUMANAS: DA CITOTOXIDADE AO ENVOLVIMENTO DE RECEPTORES PURINÉRGICOS P2

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO SUBMETIDA À UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO VISANDO À OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (BIOFÍSICA)

Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Ciências da Saúde Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho 2008

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Carolina de Oliveira Souza

INTERAÇÃO DA BACTÉRIA REDUTORA DE SULFATO (BRS) Desulfovibrio indonesiensis COM CÉLULAS EPITELIAIS INTESTINAIS HUMANAS: DA CITOTOXIDADE AO ENVOLVIMENTO DE RECEPTORES PURINÉRGICOS P2

Dissertação de mestrado submetida à Universidade Federal do Rio de Janeiro visando à obtenção do grau de Mestre em Ciências Biológicas (Biofísica)

Orientação: Robson Coutinho Silva Co-orientação: Cláudia Mara Lara Melo Coutinho

Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Ciências da Saúde

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Interação da bactéria redutora de sulfato (BRS) Desulfovibrio indonesiensis com células epiteliais intestinais humanas: da citotoxidade ao envolvimento de receptores purinérgicos P2

CAROLINA DE OLIVEIRA SOUZA

Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas (Biofísica), Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de mestre em Ciências biológicas (Biofísica)

Aprovada em: ___/___/___ Banca examinadora:

________________________________________ Dr. Leon Rabinovitch ________________________________________ Dr. Vinicius Cotta de Almeida ________________________________________ Dra. Narcisa Leal da Cunha-e-Silva

________________________________________ Orientador: Dr. Robson Coutinho-Silva ________________________________________ Orientador: Dra. Cláudia Mara Lara Melo Coutinho

RIO DE JANEIRO 2008

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FICHA CATALOGRÁFICA Souza, Carolina de Oliveira INTERAÇÃO DA BACTÉRIA REDUTORA DE SULFATO (BRS) Desulfovibrio indonesiensis COM CÉLULAS EPITELIAIS INTESTINAIS HUMANAS: DA CITOTOXIDADE AO ENVOLVIMENTO DE RECEPTORES PURINÉRGICOS P2 Orientação: Robson Coutinho-Silva Rio de Janeiro: UFRJ/CCS/Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, 2008 p. 103 Dissertação de Mestrado em Ciências Biológicas (Biofísica) 1. Bactéria redutora de sulfato 2. Doença inflamatória intestinal 3. Receptores purinérgicos

v

Este trabalho foi realizado nos Laboratórios de Imunobiofísica e Imunofisiologia do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho/ UFRJ e no Setor de Estudos em Biofilmes Bacterianos pertencente ao Laboratório de Biologia Celular do Instituto Oswaldo Cruz/ FIOCRUZ, com auxílios concedidos pela FAPERJ, CAPES, CNPq e PETROBRAS.

vi

É melhor tentar e falhar, que preocupar-se e ver a vida passar; é melhor tentar, ainda que em vão, que sentar-se fazendo nada até o final. Eu prefiro na chuva caminhar, que em dias tristes em casa me esconder. Prefiro ser feliz, embora louco, que em conformidade viver...”

Martin Luther King

vii

Dedico

este

carinhosamente

trabalho aos

meus

pais, a minha irmã e a minha avó Zica. Tenho em vocês a base da minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Foi maravilhoso chegar até aqui. Obrigada meu Pai, o que seria de mim sem conhecer a sua existência? Obrigada pela minha família e por toda a proteção que tem me dado. Obrigada pelos aplausos, eles me alegraram. Obrigada pelas derrotas e constrangimentos, eles me ensinaram e me motivaram a seguir em frente com menos erros. Obrigada pelas pessoas grandiosas que colocaste em meu caminho, contribuindo imensamente para mostrar o quanto vale a pena viver, aprender e ser feliz. Obrigada meu Deus, por saber que posso ir muito além, e eu vou!

Aos meus pais, Cátia e Adilson, que há 24 anos batalham para me dar tudo o que é preciso para ter uma vida tranqüila. Sempre com muita fartura em seus corações, me ensinam a viver com humildade e dignidade. Os senhores me mostraram que o crescimento sempre anda acompanhado do estudo, da coragem e do amor. Obrigada por tudo, por cada dia, por cada segundo. Eu amo vocês! À minha irmã, Nathália, que por “um acidente” me fez a irmã mais feliz do mundo. Tatazinha, não tenho palavras para descrever o quanto és especial na minha vida. Como dizem os compositores Ivan Lins e Vitor Moraes: “Quero sua risada mais gostosa, esse seu jeito de achar que a vida pode ser maravilhosa...” Ao seu lado, minha irmã, tudo é maravilhoso, você sabe apreciar a vida da forma mais bela, a sua amizade e o seu amor me ensinam e me faz incrivelmente feliz.

À minha avó Zica, que emana tamanha luz na minha vida, obrigada vovó! Te amo muito, um dia nos encontraremos...

Aos meus familiares, que me apoiaram integralmente, torceram com raça, choraram e comemoraram comigo. À todos vocês, que doaram seus corações e não mediram esforços para me fazer feliz. Vocês conseguiram. Nós conseguimos! A cada um de vocês, eu agradeço imensamente.

Rafael, um presente muito grande dado por Deus à minha vida. Um namorado que me ensina crescer a cada dia, sempre muito compreensivo e atencioso. Obrigada por tudo, meu lindo, é muito grande a felicidade que tenho ao seu lado.

ix

Com todo carinho agradeço a minha orientadora, Cláudia Mara Lara Melo Coutinho, pela grandiosa oportunidade de dar os primeiros passos no mundo científico. Sua confiança me permitiu trabalhar neste lindo e tão importante projeto. Obrigada por tanta dedicação durante a dissertação. Como diz o Robson, onde a Cláudia coloca as mãos fica lindo e perfeito. Meu orientador não exagerou, você é verdadeiramente incrível. Ao meu grande orientador Robson Coutinho-Silva, que durante esses quatro anos acompanhou todos os meus passos científicos, orientando-me com total dedicação em nosso projeto. Cuidadosamente mostrava meus erros, sempre acreditando que eu poderia dar o melhor, instruindo-me com ensinamentos profissionais e de vida.

Nath Enes, foi contigo que aprendi o que é uma cultura de células, o que é colite ulcerativa, e o que é batalhar duro para alcançar nossos objetivos. Você não pode imaginar o quanto é perfeito poder ser sua amiga. Obrigada pela confiança. Obrigada pelo seu carinho e pelo seu jeito todo especial de ser que só me mostram coisas boas. Nossa amizade nunca vai morrer, eu te amo muito minha amiga linda. Gladys, uma amiga com um coração imensurável. Aprendi tanto com você menina Gladoca, sou muito feliz por poder contar contigo, as suas mãos deram muita graciosidade a minha dissertação. O esquema ficou fantástico, as fotos ficaram ótimas, quanto ao seu carinho, não tenho palavras... Dizer que você é importante seria pouco. Elivaldo, Eli, que me alimentou muito bem com deliciosos pães de queijo em noites de intenso estudo. Que gentileza a sua, “Seu Eli”, mostrando-se prestativo e preocupado com o próximo. Aline, chegou há pouco tempo, mas me conquistou tão rapidamente, o seu sorriso sincero dá luz a minha vida, sou muito feliz em ter o seu apoio e sua confiança. Continue estudando, menina Aline, você irá longe!

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Camila, agora uma mulher de família, que com muita ternura esteve sempre pronta para me ouvir, esclarecendo dúvidas científicas e pessoais. Obrigada por todo apoio e pelos experimentos que compartilhamos juntas. Você é um exemplo de pessoa e profissional.

Flavinha, tão pequenininha, mas sempre tão atenciosa. Obrigada por estar sempre disposta a me ajudar e ensinar. Contigo tive lições de muita importância. Maurício, uma figura diferente, quase patrimônio da Fiocruz (*risos). Me mostrou que a produção científica pode funcionar muito bem acompanhada de um incrível senso de humor. Obrigada por me ajudar nos processamentos e análise em microscopia eletrônica.

Giani, um amorzinho de pessoa que apareceu minha vida. Com um toque de carinho, muito me ajudou nos processamentos e análise em microscopia eletrônica. Mas o trabalho ainda não terminou hein moçinha! Ainda tenho muito a aprender contigo. Obrigada por tanta dedicação em nosso trabalho. Gosto muito de você.

Suzana, Mari, Vanessa, Patrícia, Leonardo e Grazi, meus amiguinhos científicos. Todos vocês, que de formas distintas, participaram com um jeitinho todo especial na minha vida, incentivando-me e ensinando-me a dar passos importantes a nível científico, cultural e pessoal.

Ao professor Pedro Muanis Persechini, uma pessoa verdadeiramente inteligente e carismática. Você abriu as portas do seu laboratório e sempre as manteve aberta para que eu pudesse produzir. É muito bom saber que posso contar com um professor tão sábio e experiente. Muito obrigada, Pedro, aprendi e fui muito feliz na Imunobiofísica. Julieta, uma amiga importada da Argentina, uma pessoa maravilhosa, que com muita garra nunca poupou esforços para ajudar aos outros. Apesar da distância nunca vou te esquecer amiga.

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Andressa, uma pessoa para lá de cabeluda, dotada de personalidade bem exótica e bastante encantadora. Seus conselhos sempre foram muito úteis e verdadeiros. Quem diria que uma pessoa tão doida como você poderia fazer isso hein?! Te adoro demais!

Aliane, Júlia e Jorge, pouco tempo passamos juntos, mas compartilhados com muita alegria. Vandir, Vandiiiiiiiir!!! Não pise na bola! Esse meu querido amigo, técnico do laboratório de Imunobiofísica, sempre tão bem humorado e disposto pra ajudar no que for preciso. Tenho por ti um carinho especial. Hércules, o maior conselheiro de todos os tempos, sempre muito correto e formal, certas vezes até difícil de acompanhá-lo (brincadeirinha). Obrigado pelos conselhos e ajuda no citômetro. Cris, Fernanda e Flávia Calmon, esses foram para longe, deixaram saudades e ensinamentos preciosos. Vocês serão inesquecíveis. Anderson e Hélio, obrigada pelos momentos divertidíssimos que passamos juntos e por tudo que com vocês aprendi.

Bruno Herszage, nem eu consigo acreditar o quanto gosto de você cabeção, apesar de nossas grandes diferenças, digo, apesar da sua bizarrice (*risos), você tem se mostrado um bom amigo. Te adoro “muitão”, do tamanho da sua rave!

Nilda, Angélica e Vera, pessoas maravilhosas e altamente responsáveis, muito me ajudaram durante a dissertação atuando com intensa dedicação ao projeto. O trabalho de vocês me permitiu prosseguir alcançando muitos resultados. Obrigada por me receberem com tão bem e por acreditarem em mim.

Á professora Fátima, tão generosa e dedicada. Uma professora que ensina a base de palavras sábias e gestos carinhosos. Obrigada por sempre me deixar muito à vontade, e pelos bons conselhos.

xii

À professora Bartira, pela disponibilidade de atender com tanto cuidado meu pedido de revisão. Obrigada pela atenciosa revisão desta dissertação, pela sua contribuição e pela sua grande simpatia. Jaqueline, Jaque, obrigada pelas caronas divertidíssimas até o Fundão, acompanhadas de músicas maravilhosas de nossa cantora Melaine C, ela é o máximo! Sua companhia me fez muito bem, Jaque. Tenho um carinho muito grande por ti. Você vai longe!

Sandra, Edimar, tia Denise, Leonardo e Felipe, uma família abençoada por Deus, juntos vocês me deram momentos maravilhosos. Sempre com muita energia me apoiaram e me deram ensinamentos que para sempre serão lembrados e vividos. Tenho vocês como parte da minha vida. Obrigada por tudo.

Carlos, Andréia, Marcelo e Marcelinha, amigos queridos que tanto amo. Desculpe pela minha ausência em alguns momentos. Depois desta importante conquista de minha vida, o que mais quero é comemorar com vocês.

Amigos, todos os amigos que se fizeram presente em minha vida e em meu coração. De vocês obtive força e motivação para continuar firme nessa caminhada. Primos e primas postiços, nunca tive tantos primos em toda minha vida (*risos). Nossos finais de semana foram realmente invejáveis. Muita festa, sorriso, cervejinha, música que gostamos de ouvir e dançar, e muita alegria. Ainda temos muito que comemorar viu!

Amo muito vocês!!!

xiii

RESUMO Bactérias redutoras de sulfato (BRS) são organismos anaeróbios encontrados na flora intestinal de humanos e têm sido associadas com o desenvolvimento de doenças inflamatórias intestinais crônicas. ATP pode funcionar como molécula de sinalização endógena envolvida na inflamação e resposta imune. No presente trabalho, objetivamos estudar efeitos da cepa ambiental de BRS Desulfovibrio indonesiensis e do ATP, isoladamente ou em conjunto, sobre células epiteliais intestinais e macrófagos. Análises de imunofluorescência mostraram que a BRS estudada se associa à superfície das células epiteliais intestinais HCT8. Resultados de citometria de fluxo revelaram que BRS mata células HCT8 por apoptose, cujo percentual aumenta com a concentração de bactérias e o tempo de interação. ATP também causou efeito de morte celular por apoptose, cujo EC50 foi da ordem de 411µM. Co-tratamento com BRS e ATP teve efeitos aditivo e sinérgico na apoptose de células HCT8. Embora sobrenadante da BRS não tenha causado apoptose das células HCT8, este foi capaz de modular positivamente o efeito indutor de apoptose do ATP. A morte por necrose de células HCT8 foi avaliada através de ensaio colorimétrico de quantificação da enzima desidrogenase láctica em sobrenadante de cultura. BRS, mas não ATP, induziu aumento de necrose de células HCT8. Análises de microscopia eletrônica revelaram alterações morfológicas de células HCT8 incubadas com BRS e ATP, isoladamente ou em conjunto, compatíveis com características de morte celular por apoptose, autofagia e necrose, as quais variaram em tipo e intensidade a depender do tratamento realizado. Secreção de óxido nítrico (NO) foi medida em ensaio colorimétrico de dosagem de nitrito. Macrófagos peritoneais de camundongo secretaram quantidades significativamente maiores de NO quando incubados com BRS, comparativamente às células estimuladas por LPS, o que aponta para potencial pró-inflamatório deste tipo de bactéria. Em contrapartida, células HCT8 não produziram NO em resposta a estímulos de LPS, BRS e ATP. Em conjunto, nossos resultados permitem concluir que a BRS estudada apresentou efeito citotóxico e interferiu com a sinalização de receptores purinérgicos nas células HCT8. É possível especular que bactérias redutoras de sulfato e ATP liberado por células danificadas possam estar envolvidos direta ou indiretamente com danos ao tecido epitelial, intensificação de sinais de inflamação e montagem de resposta imune primária, contribuindo, assim, para agravamento e persistência de inflamação crônica do intestino.

xiv

ABSTRACT Sulphate-reducing bacteria (SRB) are anaerobic organisms found colonizing the human gut and they have been associated with the development of chronic inflammatory bowel diseases. ATP can work as an endogenous signaling molecule involved in inflammation and immune response. In the present work, we aimed to study the environmental strain SRB Desulfovibrio indonesiensis and ATP effects, separately or together, on intestinal epithelial cells and on macrophages. Immunofluorescence analyses showed that the studied SRB can associate to the surface of HCT8 intestinal epithelial cells. Flow cytometry results revealed that the SRB kills HCT8 cells by apoptosis, the percentage of which increases depending on bacteria concentration and interaction time. ATP also caused apoptosis of such cells, with EC50 around 411µM. Co-treatment with SRB and ATP presented additive and synergic effects on apoptosis of HCT8 cells. Although the SRB supernatant did not cause apoptosis, it up-regulated apoptosis induced by ATP. HCT8 cells death by necrosis was evaluated by colorimetric assay of lactic desidrogenase enzyme quantification in culture supernatant. increased necrosis of HCT8 cells.

SRB, but not ATP,

Electron microscopy analyses revealed

morphological changes of HCT8 cells incubated with the SRB and ATP, separately or together, which were compatible with characteristics of cell death by apoptosis, autophagy and necrosis, varying in type and intensity depending on the treatment. Nitric oxide (NO) secretion was measured using colorimetric assay of nitrite quantification. Mouse peritoneal macrophages incubated with the SRB secreted significantly higher quantities of NO as compared to the cells stimulated only by LPS, which points to the pro-inflammatory potential of such bacterium type. However, HCT8 cells did not produce NO in response to LPS, SRB and ATP stimuli. Taking together, our results allow concluding that the studied SRB is toxic and can interfere with purinergic receptors signaling on HCT8 cells. It is possible to speculate that SRB and ATP released from damaged cells can be directly or indirectly involved with epithelial tissue lesions, intensification of inflammation signals and primary immune response establishment, thus contributing to the severity and persistence of intestinal chronic inflammation.

xv

SUMÁRIO RESUMO

XIII

ABSTRACT

XIV

SUMÁRIO DE FIGURAS

XVIII

1. INTRODUÇÃO

1

1.1 Microbiota no trato gastrintestinal

2

1.2 Bactérias redutoras de sulfato na doença inflamatória intestinal

4

1.3 Sinalização purinérgica no trato gastrointestinal

10

2.0 OBJETIVOS

22

2.1 Objetivo geral

23

2.2 Objetivos específicos

23

3.0 MATERIAL E MÉTODOS

24

3.1 Cultivo de bactérias redutoras de sulfato

25

3.2 Cultura de células HCT8

25

3.3 Camundongos

26

3.3.1 Obtenção de macrófagos peritoneais

26

3.3.2 Cultura de macrófagos peritoneais

26

3.4 Fonte de ATP extracelular

27

3.5 Interação in vitro de D. indonesiensis com linhagem de células epiteliais intestinais humanas ou com macrófagos peritoneais 27 3.6 Ensaio de imunofluorescência

28

3.7 Ensaios de microscopia eletrônica de transmissão e de varredura

29

xvi

3.8 Ensaio de apoptose por citometria de fluxo

30

3.9 Ensaio de liberação da enzima desidrogenase láctica

33

3.10 Ensaio de secreção de óxido nítrico

34

3.11 Análise estatística

34

4. RESULTADOS

35

4.1 Estudo da interação entre BRS e células epiteliais intestinais

36

4.2. Apoptose de células epiteliais intestinais HCT8 induzida por BRS

38

4.2.1 Apoptose de células HCT8 versus tempo de interação com BRS

38

4.2.2. Apoptose de células HCT8 versus concentração da BRS

41

4.3 Apoptose de células epiteliais intestinais HCT8 induzida por ATP extracelular

42

4.4 Apoptose de células epiteliais intestinais HCT8 induzida após interação conjunta com a BRS e ATP 44 4.5 Apoptose de células epiteliais intestinais HCT8 após interação conjunta com sobrenadante de cultura da BRS e com ATP 50 4.6 Necrose de células epiteliais intestinais HCT8 induzida por BRS

54

4.6.1 Necrose de células HCT8 versus concentração da BRS

54

4.6.2 Necrose de células HCT8 versus sobrenadante da BRS

56

4.6.3 Necrose de células HCT8 versus co-tratamento com a BRS e ATP

57

4.6.4 Necrose de células HCT8 versus co-tratamento com sobrenadante da BRS e com ATP 59 4.7 Análises ultra-estruturais do efeito do tratamento de células epiteliais intestinais HCT8 com a BRS e/ou ATP

60

4.7.1 Análises por microscopia eletrônica de varredura

60

4.7.2 Análises por microscopia eletrônica de transmissão

64

4.8 Liberação de óxido nítrico por células HCT8 ou macrófagos peritoneais de camundongo versus tratamento com a BRS e/ou ATP 75

5. DISCUSSÃO

78

xvii

6. CONCLUSÕES

90

7. REFERÊNCIAS

92

xviii

SUMÁRIO DE FIGURAS

Figura 1: Biofilme típico de bactéria redutora de sulfato Desulfovibrio indonesiensis observado por técnica de microscopia eletrônica de varredura 5

Figura 2: Ação das ectonucleotidases sobre o ATPe

12

Figura 3: Fontes e efeitos do ATP extracelular no sistema imune

14

Figura 4: Topologia das subunidades dos receptores P2Y e P2X na membrana

16

Figura 5: Gráficos ilustrativos do método de análise da fragmentação do DNA de células HCT-8 32

Figura 6: Interação in vitro de D. indonesiensis com linhagem de células epiteliais intestinais humanas HCT8 demonstrada por reação de imunofluorescência 37

Figura 7: Apoptose de células epiteliais intestinais HCT8 incubadas na presença da BRS por diferentes tempos 39

Figura 8: Apoptose de células epiteliais intestinais HCT8 incubadas por 3 horas na presença da BRS 40

Figura 9: Apoptose de células epiteliais intestinais HCT8 incubadas por 24 horas na presença de diferentes concentrações da BRS 41

Figura 10: Apoptose de células epiteliais intestinais HCT8 induzida por ATP em concentrações crescentes (curva dose-resposta)

43

Figura 11: Apoptose de células epiteliais intestinais HCT8 induzida por BRS e ATP, separadamente ou em conjunto 45

xix

Figura 12: Apoptose específica de células epiteliais intestinais HCT8 induzida pela BRS e ATP, separadamente ou em conjunto 46

Figura 13: Apoptose de células epiteliais intestinais HCT8 tratadas com ATP por 48 horas totais ou incubadas na presença da BRS por 3 horas e tratadas ou não com ATP por 45 horas adicionais 48

Figura 14: Apoptose de células epiteliais intestinais HCT8 incubadas na presença de meio VMNI de cultura da BRS e de sobrenadante de cultura da BRS, tratadas com ATP por 24 ou 48 horas, separadamente ou em conjunto 52

Figura 15: Apoptose de células epiteliais intestinais HCT8 incubadas na presença de sobrenadante de cultura da BRS por 3 horas e tratadas com ATP, separadamente ou em conjunto 53

Figura 16: Detecção de LDH no sobrenadante de cultura de células epiteliais intestinais HCT8 incubadas na presença de diferentes concentrações da BRS

55

Figura 17: Detecção de LDH no sobrenadante de cultura de células epiteliais intestinais HCT8 incubadas na presença da BRS ou de sobrenadante de cultura destas bactérias

56

Figura 18: Detecção de LDH no sobrenadante de cultura de células epiteliais intestinais HCT8 incubadas na presença da BRS e tratadas ou não por 24 ou 48 horas com ATP, separadamente ou em conjunto

58

Figura 19: Detecção de LDH no sobrenadante de cultura de células epiteliais intestinais HCT8 incubadas na presença de sobrenadante da BRS e tratadas ou não com ATP, separadamente ou em conjunto 59

Figura 20: Células epiteliais intestinais humanas HCT8 incubadas ou não na presença da BRS, analisadas por microscopia eletrônica de varredura

62

Figura 21: Células epiteliais intestinais humanas HCT8 incubadas na presença da BRS, analisadas por microscopia eletrônica de varredura 63

xx

Figura 22: Células epiteliais intestinais humanas HCT8, analisadas por microscopia eletrônica de transmissão 65

Figura 23: Células epiteliais intestinais humanas HCT8 incubadas por 48 horas na presença da BRS, analisadas por microscopia eletrônica de transmissão 66

Figura 24: Células epiteliais intestinais humanas HCT8 incubadas por 48 horas na presença de sobrenadante (SN-BRS) da BRS, analisadas por microscopia eletrônica de transmissão 67

Figura 25: Células epiteliais intestinais humanas HCT8 incubadas por 48 horas na presença de cultura total da BRS, analisadas por microscopia eletrônica de transmissão 68

Figura 26: Células epiteliais intestinais humanas HCT8 incubadas por 48 horas na presença de ATP, analisadas por microscopia eletrônica de transmissão 69

Figura 27: Células epiteliais intestinais humanas HCT8 incubadas por 48 horas na presença simultânea da BRS e de ATP, analisadas por microscopia eletrônica de transmissão 71

Figura 28: Células epiteliais intestinais humanas HCT8 incubadas por 48 horas na presença simultânea de sobrenadante da BRS (SN-BRS) e de ATP, analisadas por microscopia eletrônica de transmissão 72

Figura 29: Células epiteliais intestinais humanas HCT8 incubadas por 48 horas na presença simultânea de cultura total da BRS e de ATP, analisadas por microscopia eletrônica de transmissão 74

Figura 30: Secreção de NO (indiretamente medida pela dosagem de nitrito) por macrófagos peritoneais de camundongo e por células epiteliais intestinais HCT8 incubados na presença da BRS, tratados ou não com ATP por 24 horas 77

Figura 31: Esquema ilustrativo de modelo hipotético de inflamação do tecido epitelial intestinal em resposta à presença da BRS e/ou ATP 89

xxi

LISTA DE ABREVIATURAS

ADO

Adenosina

ADP

5’-difosfato de adenosina

AMP

5’-monofosfato de adenosina

ATCC

American Type Culture Collection

ATP

5’-trifosfato de adenosina

ATPe

ATP extracelular

BE

Brometo de etídeo

BRS

Bactéria redutora de sulfato

BzATP

2’,3’-(4-benzoil)-benzoil ATP

DABCO

1,4-diazabiciclo [2.2.2] octano

DAPI

4’,6-diamidino-2-phenylindole, dihydrochloride

DMEM

Dulbecco’s Modification of Eagle’s Medium

DNA

Ácido desoxirribonucléico

EDTA

Ácido etilenodiamino tetra-acético

EPS

Exopolímeros

HEPES

Ácido 4-(2-hidróxil-etil)-1-piperazino-etossulfônico

IFNγ

Interferon gama

IL-1β

Interleucina-1 beta

LDH

Desidrogenase láctica

LPS

Lipopolissacarídeo

MET

Microscopia eletrônica de transmissão

MEV

Microscopia eletrônica de varredura

NO

Óxido nítrico

xxii

PBS

Solução salina tamponada com fosfato

PFA

Paraformaldeído

SCFA

Ácidos graxos de cadeia curta

SNE

Sistema nervoso entérico

TNFα

Fator de necrose tumoral alfa

UMP

Monofosfato de uracila

UTP

Trifosfato de uracila

1. INTRODUÇÃO

2

1.1 Microbiota no trato gastrintestinal

Os seres humanos vivem em um mundo bacteriano. Os microorganismos estão em permanente contacto com a pele e com as mucosas do corpo. As mucosas, por sua vez, podem permanecer estéreis, como visto no trato respiratório distal, ou tornarem-se colonizadas por bactérias, como no trato gastrintestinal (BLASER & MUSSER, 2001). O aparelho digestório humano é um sistema especializado que se estende da boca ao ânus (MACKIE E COLS, 1999). O trato intestinal de mamíferos abriga uma complexa, dinâmica e diversificada população de bactérias. Embora as composições qualitativa e quantitativa precisas da microbiota endógena do intestino humano ainda não sejam conhecidas, mais de 100 diferentes espécies bacterianas foram identificadas em amostras fecais de indivíduos normais, e acredita-se que pelo menos 500 espécies estão presentes no aparelho digestório (SALMINEN E COLS, 1998; KLEESEN E COLS, 2002; GUARNER & MALAGELADA, 2003). Evidências obtidas com animais sob condições “germ free” sugerem que a microbiota do intestino possui funções protetoras, tróficas e metabólicas. As principais funções metabólicas da microbiota intestinal compreendem a fermentação dos resíduos da dieta não-digerível e a estimulação de produção de muco endógeno pelo epitélio. A fermentação de carboidratos pela microbiota representa uma grande fonte de energia para as células epiteliais do cólon. Como produto final do metabolismo de carboidratos são gerados ácidos graxos de cadeia curta como acetato,

propionato

e

butirato.

(GUARNER

&

MALAGELADA,

2003).

Microorganismos intestinais estão também envolvidos na síntese de vitaminas e na absorção de cálcio, magnésio e íons (MIYAZAWA E COLS, 1996). Papel trófico da

3

microbiota intestinal na fisiologia do cólon refere-se ao efeito de produtos metabólicos de microrganismos associados à células epiteliais. Particularmente, ácidos graxos de cadeia curta estimulam a proliferação e diferenciação de células epiteliais do intestino grosso e delgado (GORDON, 1997). A microbiota exerce grande função protetora para o epitélio intestinal, formando uma barreira contra a invasão de microorganismos patógenos (GUÉRINDANAN E COLS, 1997). Este efeito de barreira é resultante de inúmeras atividades dos microrganismos, tais como: produção de bacteriocinas por componentes da flora intestinal e de produtos metabólicos tóxicos para agentes patogênicos; condições inibitórias para os organismos patogênicos, como baixo pH e esgotamento de nutrientes necessários para a sua multiplicação (BEZIRTZOGLOU, 1997). São ainda desconhecidos os mecanismos de controle da homeostase da microbiota no intestino. A composição da flora microbiana intestinal pode variar transitoriamente como conseqüência de um importante inóculo bacteriano na dieta (BOUHNIK E COLS, 1992) ou devido à ingestão de diferentes alimentos (BOUHNIK E COLS, 1999). Alterações da microbiota também são observadas em condições patológicas, tais como infecções entéricas, tratamentos com antibióticos ou com antiácidos e em situações de imunossupressão. A microbiota do trato intestinal representa um ecossistema extremamente complexo. Em seres humanos saudáveis, em condições de dieta inalterada, esta microbiota permanece relativamente estável. Alterações sutis na composição e na função bacterianas podem ter profundas implicações para a função de barreira na mucosa e deflagração de mudanças da resposta imune (TEITELBAUM & WALKER, 2002). Adicionalmente, a manipulação da microflora intestinal pode representar uma

4

possibilidade para a prevenção ou geração de distúrbios fisiopatológicos gastrintestinais (HOOPER E COLS, 2001). Fatores

microbiológicos

e

do

hospedeiro

podem

influenciar

no

estabelecimento e na composição da microbiota intestinal. A colonização da mucosa intestinal por um agente patogênico pode resultar em danos celulares e, assim, dar início a uma resposta hospedeira para eliminar o agente nocivo, montando uma reação inflamatória. Componentes bacterianos podem ativar células imunológicas intestinais, células endoteliais e células epiteliais para secretar várias substâncias, tais como, citocinas, eicosanóides, metabólitos de oxigênio, óxidos de nitrogênio e proteases, induzindo danos locais e inflamação que contribuem para uma função desregulada da barreira mucosa (FARRELL & LA MONT, 2002).

1.2 Bactérias redutoras de sulfato na doença inflamatória intestinal

Foi sugerido que bactérias redutoras de sulfato (BRS) (Figura 1) podem ter um papel importante em desordens intestinais humanas (GIBSON E COLS, 1988). Estas bactérias são comumente encontradas em ambientes naturais, mas estão também presentes no trato intestinal de humanos e de outros mamíferos. BRSs são organismos anaeróbicos que utilizam o sulfato como aceptor terminal de elétron na cadeia transportadora de elétrons a partir de substratos orgânicos tais como ácidos graxos de cadeia curta ou hidrogênio molecular produzido durante a fermentação colônica (POSTGATE, 1984). O produto final de sulfato pela respiração das bactérias é o sulfeto de hidrogênio (H2S).

5

Figura 1: Biofilme típico de bactéria redutora de sulfato Desulfovibrio indonesiensis observado por técnica de microscopia eletrônica de varredura (retirado de FEIO E COLS, 1998)

O sulfeto de hidrogênio, em concentrações elevadas, é tóxico para a barreira da mucosa colônica e afeta função metabólica das células epiteliais intestinais (SMITH E COLS, 1977; FLORIN E COLS 1993). Este composto pode agir na inibição da oxidação de butirato, principal fonte de energia das células do cólon (ROEDIGER E COLS, 1993). A literatura aponta que, por alterar a microbiota intestinal, fatores da dieta alimentar podem participar na patogênese de muitas doenças. Tais fatores incluem: taxas de trânsito intestinal; alteração de atividades de enzimas bacterianas e do pH fecal; produção de ácidos graxos de cadeia curta e outros produtos da fermentação, como amônia, fenóis e aminas (LEWIS, 1997; THOMPSON-CHAGOYAN, 2007).

6

Sulfato intestinal pode ser obtido a partir de fontes exógenas de dietas alimentares (LEVINE E COLS, 1998), ou de fontes endógenas, tais como ácido taurocólico, sulfato condroitino e mucinas sulfatadas (sulfomicinas) (NIEUW AMERONGEN E COLS, 1998). A maior parte do sulfato presente na dieta é derivada de conservantes presentes em alimentos e bebidas. Adicionalmente, uma dieta rica em frutos secos, salsichas ou cervejas apresentam uma substancial concentração de sulfato, que com o consumo pode resultar na ingestão superior a 16 mM sulfato/dia (FLORIN E COLS, 1993). O sulfato também é comumente encontrado em água potável que pode conter até 20 mM de sulfato, a depender da fonte de obtenção (WASHINGTON, 1997; GOMES E COLS, 1995). Foi sugerido que a presença de sulfato na dieta e altas concentrações de sulfeto nas fezes são importantes fatores que podem estar associados à etiologia de doenças intestinais, como a colite ulcerativa, doença inflamatória intestinal crônica, e câncer coloretal (KANAZAWA E COLS, 1996; ROEDIGER E COLS, 1997). A doença inflamatória crônica do trato gastrointestinal pode se manifestar como colite ulcerativa. Embora existam muitos estudos neste campo, a etiologia precisa desta condição permanece desconhecida. No entanto, acredita-se que a mesma pode resultar de combinações entre predisposição genética e fatores ambientais (BLUMBERG & STROBER, 2001). Evidências apóiam a hipótese de que bactérias da flora intestinal poderiam ser alvos da resposta imune para o desenvolvimento de doença inflamatória local (GUARNER

&

MALAGELADA,

2003).

Dados

da

literatura

mostram

que

componentes da flora intestinal são necessários para o desenvolvimento da colite experimental (STROBER E COLS, 2002). Animais mantidos em ambiente “germfree” não desenvolveram colite, supostamente porque a flora intestinal previne a

7

resposta do sistema imune da mucosa contra antígenos bacterianos entéricos. Resultados como estes apontam para uma nova hipótese que sustenta “sem bactéria, sem colite”, assumindo-se, portanto, papel essencial da microbiota na patogênese desta doença inflamatória intestinal. A doença inflamatória intestinal é caracterizada por um curso crônico na quais fases de remissão de durações variáveis são interrompidas por episódios agudos (ROGERS E COLS, 1971). A doença de Crohn e colite ulcerativa tipicamente manifestam-se em jovens adolescentes sem diferença significativa na prevalência entre homens e mulheres. No entanto, aproximadamente 20% dos pacientes desenvolvem sintomas no início da infância. A colite ulcerativa afeta o cólon e é uma doença inflamatória de lesões superficiais, enquanto a doença de Crohn é uma desordem granulomatosa transmural que afeta várias partes do trato gastrointestinal e tem uma predileção pelo íleo terminal e colón. Ambas as formas de doença inflamatória intestinal estão associadas com manifestações clínicas amplas e aumentada incidência de câncer gastrintestinal. O principal sintoma da doença inflamatória intestinal é a diarréia. Na maioria dos casos adultos, diarréia é o sintoma predominante que leva ao contato médico. Oitenta e cinco por cento dos pacientes com doença de Crohn e 70% dos pacientes com colite ulcerativa reportam mais de cinco evacuações intestinais durante a fase aguda. A principal causa da diarréia é a inflamação do cólon ou do íleo terminal. Na fase aguda da colite ulcerativa, o paciente quase sempre apresenta diarréia com sangue (hematoquesia), ao contrário do que acontece com pacientes da doença de Crohn, onde este sintoma é raro, observando-se predominante inflamação retal e/ou sigmoidal. Lesões ativas inflamatórias anorretais (na maioria de todos os pacientes

8

com colite ulcerativa e em 20% - 50% de pacientes com doença de Crohn) resultam na urgência de defecação e cólicas durante a defecação (BLUMBERG & STROBER, 2001). A prevalência da doença inflamatória intestinal aumentou consideravelmente na Europa e no norte da América na segunda metade do século XX e está se tornando mais comum no resto do mundo com diferentes países adotando um estilo de vida ocidental (LOFTUS, 2004). Embora o papel da dieta na etiologia da colite ulcerativa permaneça incerto, foi reportado que, em pacientes com esta doença, dietas com baixo teor de gordura e resíduos e, em particular, ricas em oligossacarídeos não digeríveis (prebióticos), diminuem a concentração de bactérias anaeróbicas, tais como BRS, mudando a composição da microflora intestinal (BURKE E COLS, 1997; GIBSON & ROBERFROID, 1995; TERRAMOTO E COLS, 1996). Adicionalmente, pacientes com colite ulcerativa que ingerem mais proteínas e aminoácidos contendo enxofre apresentariam crescimento mais acentuado de BRS em sua microflora, ao passo que uma dieta pobre em enxofre mostrou-se benéfica na terapêutica desta doença (ROEDIGER E COLS, 1997). Sabe-se que aproximadamente 70% dos indivíduos saudáveis apresentam populações significativas de BRS em suas fezes (GIBSON E COLS, 1988). Entretanto, estudos mostraram que, embora ambos os indivíduos saudáveis e com colite ulcerativa apresentem BRS em suas fezes, poderiam existir diferenças na taxa de crescimento de populações recuperadas de amostras desses indivíduos (PITCHER E COLS, 2000). Evidências mais diretas do envolvimento dessas bactérias na patogênese da colite ulcerativa foram obtidas pelo grupo da Dra. Iwona Beech (Universidade de Portsmouth, UK) mostrando que, embora indivíduos saudáveis e pacientes com colite ulcerativa apresentem a mesma

9

concentração de BRS da microbiota intestinal, pode haver diferenças significativas entre o tipo de BRS presente nesses indivíduos (ZINKEVICH & BEECH, 2000). Estes resultados foram obtidos pela análise de BRS isoladas de biópsias de cólon humano, usando anticorpos desenvolvidos contra polímeros extracelulares (EPS) de uma cepa ambiental específica de Desulfovibrio. Em torno de 75% das amostras do cólon doente eram imunopositivas, contra somente 7% de amostras do cólon saudável. Estes dados podem indicar que a chave para entender o papel de BRS na colite ulcerativa pode estar no estudo das diferenças entre BRS de pessoas saudáveis e de pacientes com essa doença, um campo que permanece aberto à investigação científica. Como antes descrito, o principal produto da fermentação pelas bactérias no intestino, os ácidos graxos de cadeia curta, é essencial para o metabolismo das células epiteliais do cólon e manutenção da função da mucosa (CUMMINGS, 1981). A fermentação é, em grande parte, o processo de quebra de carboidratos da dieta por bactérias anaeróbias no cólon, e é dirigida pela quantidade e o tipo de substrato resultante da digestão no intestino delgado. Os produtos finais são (principalmente ácido butírico, ácido propriônico e ácido acético), os gases CO2, metano e hidrogênio e biomassa. Ácidos graxos de cadeia curta, especialmente butirato, fornecem às células epiteliais do cólon aproximadamente 70% da sua energia (ROEDIGER, 1980; ROEDIGER, 1982; CUMMINGS, 1987). Ao contrário, células epiteliais do intestino delgado

preferencialmente

usam

glicose

e

glutamina

como

combustíveis

respiratórios (WATFORD E COLS, 1979; ARDAWI & NEWSHOLME, 1985). A deficiência de butirato para as células do cólon também é sugerida como um fator importante no entendimento da patogênese da colite ulcerativa.

10

A chave para entender as causas da colite ulcerativa pode também estar relacionada com a formação de biofilmes bacterianos que cobrem as células do epitélio do cólon. A produção de EPS por BRS dentro de biofilmes é bem documentada (BEECH E COLS, 1991; COUTINHO E COLS, 1993, 1994b). Foi demonstrado que, além de polissacarídeos, EPS contêm altos níveis de proteínas (ZINKEVICH E COLS, 1996; BEECH E COLS, 1998). A composição de EPS varia com as espécies de BRS (BEECH E COLS, 1999). Em princípio, vários produtos metabólicos de BRS, inclusive íons metálicos, podem se acumular dentro da matriz de EPS, gerando áreas localizadas com concentrações anormais de compostos tóxicos (como, por exemplo, o sulfeto de ferro resultante da interação de HS- com Fe2+), o que poderia conduzir a uma irritação contínua de áreas particulares no tecido do epitélio intestinal coberto por biofilmes ricos em BRS. Nível mais alto de irritação aconteceria na presença de cepas de BRS capazes de produzir grandes quantidades de compostos de EPS que ligariam íons metálicos. Até a presente data, nada se sabe sobre a produção de EPS por BRS associadas às células epiteliais intestinais.

1.3 Sinalização purinérgica no trato gastrointestinal

Inflamação em uma localidade do tubo digestivo pode afetar profundamente a função de áreas distintas, e um episódio de inflamação pode dar origem a futuras anormalidades estruturais e funcionais dos nervos entéricos (COLLINS, 1996; JACOBSON E COLS, 1995).

A interação entre vários componentes do sistema

imune é realizada por múltiplas moléculas sinalizadoras. Essas moléculas, que

11

podem ser liberadas em resposta por injúria tecidual ou por patógenos exógenos como sinais de perigo para o hospedeiro, são necessárias para iniciação da resposta imune primária e para controlar o curso e resolução do processo inflamatório (NATHAN, 2002; GILROY E COLS, 2004; SKOBERNE E COLS; 2004). Uma grande variedade de moléculas sinalizadoras está envolvida na iniciação e manutenção da resposta inflamatória, incluindo cátions, aminas, quininas, prostanóides, purinas, citocinas e fatores de crescimento. Através da redução do limiar de ativação e exagerando a resposta a estímulos nocivos, muitos destes mediadores inflamatórios são conhecidos por sensibilizar terminais aferentes primários e produzir dor (BUENO & FIORAMONT J, 2002; DRAY, 1995). Uma das moléculas presentes durante lesão tecidual, o ATP, é um bom candidato para sinalização de danos celulares, uma vez que este está presente intracelularmente em concentrações milimolares. Existem evidências de que o ATP desempenha um papel na nocepção em particular, nas dores inflamatórias (BURNSTOCK, 2000). Adicionalmente, nucleotídeos extracelulares, tais como ATP, podem funcionar como moléculas de sinalização endógena que controlam a inflamação e a resposta imune (LA SALA E COLS, 2003; DI VIRGILIO, 2005). O papel do ATP extracelular na imunidade e na inflamação, particularmente, depende da expressão de receptores purinérgicos por tipos celulares que são essenciais para a eficácia da resposta imune e inflamatória. O ATP é uma molécula biológica de grande importância porque é fonte de energia para todas as células. Em sua capacidade como combustível, é encontrado em concentrações elevadas (3-10 mM) dentro das células. No entanto, sua concentração extracelular é consideravelmente baixa, normalmente encontrada em concentrações

nanomolares

(400-700

nM)

(RYAN

E

COLS,

1996).

ATP

12

eventualmente liberado para o exterior (ATP extracelular - ATPe) da célula eucariótica sofre a ação de famílias de enzimas ectonucleotidases extracelulares (Figura 2), as quais hidrolisam este nucleotídeo (ZIMMERMANN, 2000; DI VIRGILIO E COLS, 2001). Os produtos da hidrólise dos nucleotídeos ATP e UTP são ADP, AMP e adenosina, e UDP, UMP e uracil respectivamente (COOKE E COLS, 2003).

Figura 2: Ação das ectonucleotidases sobre o ATPe Exemplo de uma situação na qual o ATPe pode atuar sobre receptores, ou ainda ser metabolizado por ectonucleotidases (retirado de DI VIRGILIO E COLS, 2001).

A maior parte das células parece ser sensível a forças mecânicas e, em resposta, pode liberar para o meio extracelular em torno de 0,5 a 10% do pool intracelular de nucleotídeos (LAZAROWSKY E COLS, 2000). Maiores quantidades de ATP são liberadas para o compartimento extracelular em conseqüência a lesões ou morte celular. Adicionalmente, transportadores de ATP, vesículas de exocitose, hemi-canais de junções comunicantes ou canais iônicos conduzindo ATP são possíveis mecanismos pelos quais ATP também pode ser liberado para o meio extracelular. Em células neurais, ATP é freqüentemente armazenado em vesículas

13

com outros mediadores ou neurotransmissores e liberado por exocitose a partir da fusão destas vesículas com a membrana plasmática (FITZ, 2007). Existem diferentes fontes de ATP no organismo. Células epiteliais, neurônios, plaquetas, macrófagos e células T citotóxicas, entre outros tipos celulares, liberam ATP

por

diferentes

estímulos

(DONNELLY-ROBERTS

E

COLS,

2004).

Particularmente no sistema imune, algumas observações têm demonstrado que células lesadas, células infectadas por patógenos, macrófagos ativados e linfócitos são fontes de ATP extracelular (ATPe) no organismo (DI VIRGÍLIO E COLS, 2001) (Figura 3).

14

Estímulo

Resposta Epitélio

Estresse mecânico

Quimiotaxia Liberação de citocinas

Aumento de volume

Plaquetas

ADP, trombina Estresse mecânico

Diferenciação Celular

Endotélio

Fusão Celular Morte celular

União ao TCR

Linfócito T

ATP

Ativação de fatores de transcrição Proliferação

LPS

Macrófago

Produção de NO Morte de parasitas Intracelulares

LPS Microglia

Ativação de MARK

Despolarização Neurônio

Figura 3: Fontes e efeitos do ATP extracelular no sistema imune O esquema ilustra como diferentes estímulos extracelulares induzem a liberação de ATP por diversos tipos celulares no organismo, provocando efeitos como diferenciação celular, proliferação, morte celular e maturação de citocinas, entre outras (adaptado de DI VIRGÍLIO E COLS, 2001).

No revestimento epitelial de vias aéreas, a ativação mecânica das células estimula a liberação de ATP, o qual, por sua vez, fornece sinais autócrinos e parácrinos

para

a

própria

célula

secretora

ou

para

células

adjacentes

(LAZAROWSKI & BOUCHER, 2001). De forma similar, células do epitélio do tubo

15

digestivo podem liberar ATP sob condições de estimulação mecânica. Nucleosídeos e nucleotídeos desempenham papéis importantes como moléculas de sinalização nas complexas interações entre neurônios e músculos que resultam na regulação da motilidade intestinal. Vários estudos têm apontado a relevância de compostos purina e de seus receptores neste fenômeno, desde a etapa de transdução sensorial até a transmissão neuromuscular (CHRISTOFI, 2008). Os neurônios entéricos podem ser classificados pela sua forma, padrão de projeção, características eletrofisiológicas, e pelos seus conteúdos químicos, incluindo neurotransmissores (COSTA E COLS, 1996; FURNESS E COLS 1987; BROKES, 2001). Os neurônios que usam ATP ou adenosina como transmissores são denominados neurônios purinérgicos. Quando nucleotídeos são liberados das células para o compartimento extracelular, eles se ligam aos receptores na superfície das células onde eles influenciam sua função (regulação autócrina). Nucleotídeos adenina (ATP, ADP) ou uracil (UDP e UTP) são moléculas sinalizadoras extracelulares importantes que atuam em receptores da superfície celular. Os receptores para nucleotídeos podem ser divididos em P1 e P2 de acordo com diversos critérios, tais como seqüência protéica, vias de transdução de sinal, farmacologia, entre outros (RALEVIC & BURNSTOCK 1998; BURNSTOCK 2006). Os receptores P1 são seletivos para adenosina e se subdividem em: A1, A2a, A2b, e A3. Os receptores P2 (ativados por nucleotídeos ATP, ADP, UTP) são classificados como receptores P2X e P2Y (Figura 4). Já foram clonados sete subtipos de receptores P2X (P2X1-7) e oito subtipos de P2Y (P2Y1, P2Y2, P2Y4, P2Y6, P2Y11, P2Y12, P2Y13, P2Y14), sendo estes últimos canais iônicos intrínsecos acoplados a proteínas G (RALEVIC & BURNSTOCK,

16

1998; ABBRACCHIO E COLS, 2003).

Figura 4: Topologia das subunidades dos receptores P2Y e P2X na membrana Receptores P2Y (i) são típicos receptores com 7 domínios transmembrana de cadeias polipeptídicas com N- e C- terminais voltados para o meio externo e citoplasmático da membrana, respectivamente. Receptores P2X (ii) são formados de duas subunidades transmembrana com C- e N- terminais voltados para o meio citoplasmático. As subunidades do receptor P2X7 diferem dos outros membros da família P2X pela maior cadeia carboxiteminal (iii) (adaptado de Di Virgílio, 2001).

Receptores P1 ou receptores de adenosina representam uma família de receptores acoplados à proteína G que são expressos em uma ampla variedade de tecidos. Esta família inclui quatro receptores subtipos: A1 e A3, que medeiam a inibição da adenil ciclase, e A2a e A2b, que medeiam a estimulação de adenil ciclase (RALEVIC & BURNSTOCK, 1998; FREDHOLM E COLS, 2001). Acredita-se que a adenosina é liberada a partir de células como uma conseqüência do estresse metabólico, ou como uma quebra do ATP liberado. Receptores P2X formam canais catiônicos não seletivos a cátions monovalentes que abrem mediante a ligação a um ligante. A estrutura molecular do receptor P2X é provavelmente um trímero, formado por uma ou mais subunidades diferentes (ROBERTS E COLS, 2006). Cada subunidade tem dois domínios

17

transmembrana (TM1 e TM2) e um grande domínio extracelular (KHAKH E COLS, 2001). TM1 é responsável pela ligação do canal, e TM2 forma o poro iônico. A alça extracelular parece estar envolvida na ligação de duas moléculas de ATP. Concentrações de ATP extracelular podem aumentar consideravelmente no microambiente de células danificadas, células mortas ou por injúria. Uma vez no meio extracelular, o ATP apresenta-se como um adjuvante endógeno podendo iniciar a inflamação (GRANSTEIN, 2005). Esta fase, que é seguida por dano celular, envolve a ativação do receptor P2X7 na maioria das situações inflamatórias (SOLLE E COLS, 2001; LABASI E COLS, 2002, LE FEUVRE E COLS, 2002). Diferente dos outros receptores P2X, o receptor P2X7 apresenta o domínio carbóxi-terminal mais longo, o que lhe confere sítios de ligação para sinalizações diferentes das outras 6 subunidades, como controle sobre a formação de um poro e transdução de sinal. O receptor P2X7 quando ativado por ATP ou 2’,3’-(4-benzoil)benzoil ATP (Bz-ATP), seu agonista mais potente, em células HEK 293 transfectadas com o receptor P2X7, induz perturbações de membrana plasmática as quais resultam em blebs, pequenas protusões semi-esféricas de 1 a 10 µM de diâmetro (MacKENZIE E COLS, 1999). Em macrófagos, o acoplamento de ATP ao receptor P2X7 também abre um poro reversível na membrana, o qual permite o influxo e efluxo de moléculas de até 900Da (COUTINHO-SILVA E COLS, 1997). Prolongada ativação do receptor P2X7 em macrófagos por concentrações milimolares de ATP desencadeia morte celular por apoptose ou por necrose (LEMAIRE & LEDUC, 2003; DI VIRGILIO, 1995; DI VIRGILIO E COLS, 1998). No sistema imune inato, o receptor P2X7 possui um papel importante na inflamação e eliminação de patógenos intracelulares (COUTINHO-SILVA E COLS, 2007; BOURS E COLS, 2006). Apesar do destaque dado ao receptor P2X7, o ATP

18

extracelular, no sistema imune, também é capaz de ativar outros receptores P2, que podem atuar em conjunto, apesar do mecanismo ainda não estar muito claro (LA SALA E COLS, 2003). O receptor P2X7, quando ativado, promove a produção e liberação de IL1-β via fusão de vesículas em macrófagos estimulados por LPS. O processamento e liberação desta citocina pró-inflamatória ocorrem a partir da formação de blebs de membrana via P2X7 (MORELLI E COLS, 2003). Adicionalmente, este receptor medeia a apoptose em diversos tipos celulares (SCHULZE-LOHOFF, 1998; COUTINHO-SILVA E COLS, 1999; COUTINHO-SILVA E COLS, 2001; MORELLI E COLS, 2001, COUTINHO-SILVA E COLS, 2005). Em artigo recente, ATP foi reportado como tendo papel na regulação de respostas de células T intestinais (HEISS E COLS, 2008). Neste trabalho, os autores mostram que o receptor P2X7 é altamente regulado em células T CD8 do epitélio intestinal e é funcional e sensível à indução de apoptose por ATP, definindo o receptor P2X7 como novo elemento regulatório para respostas de célula T da mucosa intestinal. Receptores purinérgicos, incluindo receptores P2X, P2Y, e adenosina, se localizam também em neurônios do sistema nervoso entérico (SNE). Os receptores P2X parecem ter papel fundamental na mediação da transmissão sináptica rápida, enquanto receptores P2Y predominantemente medeiam transmissão sináptica lenta e os receptores de adenosina medeiam inibição pré-sináptica (BORNSTEIN, 2006). Juntos, estes receptores afetam muitos reflexos entéricos e padrões motores. Os

receptores

purinérgicos

estão

amplamente

expressos

no

trato

gastrintestinal e atuam como neurotransmissores para sinalização parácrina e na ativação da resposta celular. Estes receptores também são frequentes em células imunes (BOURS E COLS, 2006). O ATP e UTP são liberados por muitos tipos de

19

células em resposta a sinais fisiológicos específicos (YIN E COLS, 2007; LAZAROWSK & BOUCHER RC, 2001). Durante a inflamação, níveis de ATP ao redor das células aumentam rapidamente. Estima-se que até 1% do ATP intracelular pode ser liberado em resposta a estímulos. Dado que a concentração de ATP intracelular é de cerca de 3-10 mM, liberação de 1 % deste total seria suficiente para modular a cinética dos receptores P2 (FREDHOLM E COLS, 1994; ROMAM

&

FITZ, 1999). O papel dos receptores purinérgicos no SNE é assunto de investigação na literatura. Neurônios sensoriais parecem desempenhar um importante papel nos processos inflamatórios no intestino. O sinal de transdução parece ser aumentado na presença de ATP durante a inflamação e vários receptores são regulados positivamente em condições inflamatórias crônicas (NOVAKOVIC E COLS, 1999; YIANGOU E COLS, 2001). Em modelo de rato com colite, Wynn e colaboradores (2004) demonstraram que receptores P2X3 na raiz do gânglio dorsal são regulados positivamente. Agonistas purinérgicos aumentam a atividade neuronal, enquanto antagonistas P2 reduzem-na. A sensibilidade por excitação aferente em resposta ao ATP é maior em condições de colite e com agonistas P2, enquanto que antagonistas reduzem esse efeito (WYNN E COLS 2004). Estudos em ratos (HAMILTON E COLS, 1999; JARVIS E COLS, 2001) e em humanos (HAMILTON E COLS, 2000) têm demonstrado que, em estados de inflamação, efeitos de dor induzida por ATP são mais acentuados. O UDP atua sobre receptores P2Y6, expressos na superfície basolateral de células epiteliais intestinais, induzindo secreção de cloreto, tal como receptores P2Y4 (KOTTGEN E COLS, 2003). Receptores P2Y1 e P2Y11 medeiam o componente purinérgico do relaxamento não adrenérgico não colinérgico da musculatura lisa no

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trato gastrintestinal. Em ratos, Xiang e Burnstock (2004) encontraram mRNA e imunorreatividade para receptores P2X2 e P2X3 em todo trato gastrointestinal, desde o estômago até o cólon. No plexo mioentérico, 20% dos receptores P2X2 e 80% dos receptores P2X3 estão localizados nos neurônios sensoriais intrínsecos. No plexo submucoso, neurônios sensoriais intrínsecos compreendem de 20% dos receptores P2X2 positivos e 40% dos neurônios dos receptores P2X3 positivos. Dados recentes de Van Crombruggen e colaboradores (2007) confirmaram os achados anteriores, ao mostrarem que receptores P2X2 e P2X3 são encontrados nas fibras nervosas do plexo mioentérico e plexos submucoso do cólon distal no rato. Como discutido anteriormente, o epitélio intestinal representa uma das primeiras linhas de defesa contra patógenos que invadem o trato gastrintestinal. As células intestinais são renovadas rapidamente e são tanto alvos para infecção microbiana como fonte de citocinas pro-inflamatórias secretadas pelo órgão. Em 2005, nosso grupo demonstrou a expressão funcional de diversos subtipos de receptores P2 em duas linhagens de células epiteliais intestinais humanas (COUTINHO-SILVA E COLS, 2005). Estimulação ou disfunção de receptores P2X1-7, P2Y1 e P2Y2 podem contribuir, pelo menos parcialmente, para a modulação da apoptose e proliferação celular nas células epiteliais de carcinoma humano estudadas. É sabido que diferentes tecidos liberam ATP na inflamação (ABBRACHIO & BURNSTOCK, 1998). Neste sentido, foi proposto que a sinalização purinérgica poderia atuar na regulação da fisiologia intestinal (ADJEI E COLS, 1996; ADJEI E COLS, 1997) e que o ATP apresentaria papel relevante na transdução mecanosensória no cólon inflamado em modelo de colite em rato (WYNN E COLS, 2004). Foi também reportado que a presença de nucleotídeos na dieta pode agravar

21

a extensão do dano nas células epiteliais do cólon num modelo de doença intestinal inflamatória crônica (“inflammatory bowel disease” - IBD) (ADJEI E COLS, 1996). Receptores P2X3 podem ser modulados positivamente em músculo liso do trato intestinal de humanos com IBD (YIANGOU E COLS, 2001), a ponto dos receptores P2X começarem a ser considerado como alvos para drogas no tratamento desta doença (GALLIGAN, 2004). Receptores P2Y6 foram associados com a secreção de cloreto no cólon de ratos (KOTTGEN E COLS, 2003), tendo sido demonstrado que os mesmos são regulados positivamente em linfócitos humanos que invadem a lâmina própria na chamada doença de Crohn (SOMERS E COLS, 1998). Os receptores P2X7 e P2X5 também são expressos no epitélio intestinal e a expressão destes receptores foi associada com diferenciação e morte celulares (GROSCHELSTEWART E COLS, 1999). No entanto, são necessários estudos adicionais para investigar a presença e a função dos subtipos de receptores P2X e P2Y nas células do sistema imune e do epitélio intestinal saudável ou em situação de inflamação.

2. OBJETIVOS

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2.1 Objetivo geral

Estudar os efeitos da cepa ambiental de BRS Desulfovibrio indonesiensis e do ATP extracelular (ATPe) , isoladamente ou em conjunto sobre células epiteliais intestinais e macrófagos.

2.2 Objetivos específicos

1.

Avaliar interação in vitro da BRS com células de linhagem epiteliais intestinais humanas ou macrófagos peritoneais murinos.

2.

Avaliar possível efeito citotóxico da BRS e/ou ATPe sobre células de linhagem epiteliais intestinais humanas.

3.

Caracterizar ultra-estrutura de células de linhagem epiteliais intestinais humanas após interação com BRS e ATP isoladamente ou em conjunto

4.

Avaliar parâmetros de ativação celular (secreção de óxido nítrico) no contexto da interação da BRS com células de linhagem epiteliais intestinais humanas ou com macrófagos peritoneais murinos.

3. MATERIAL E MÉTODOS

25

3.1 Cultivo de bactérias redutoras de sulfato

Foi utilizada a cepa ambiental de bactéria redutora de sulfato (BRS) Desulfovibrio indonesiensis. A bactéria foi cultivada em meio VMNI de acordo com procedimentos definidos (ZINKEVICH & BEECH, 2000). O meio VMNI é normalmente usado para cultivar BRS em larga escala. Após a sua formulação, o meio é acondicionado em frascos de vidro de penicilina (10ml) e purgado com N2 em capela de fluxo laminar para retirada de oxigênio, tampado e criação das condições anaeróbias necessárias ao crescimento destas bactérias. O meio de cultura é esterilizado a 121 oC por 30 minutos.

3.2 Cultura de células HCT8

As células epiteliais intestinais humanas de linhagem HCT8, obtidas de banco de cultura ATCC, foram mantidas em garrafas de cultura de 25cm2 com meio de cultura DMEM (Dulbelco’s Modified Eagle’s Médium; Invitrogen) tamponado com 3,7g/L de bicabornato de sódio e 5g/L de HEPES (Ácido 4-(2-hidróxil-etil)-1piperazino-etossulfônico), suplementado com 100U/mL de penicilina, 100µg/mL de estreptomicina, 1% de L-glutamina e 10% de soro fetal bovino 100U/mL (Gibco/BRL, São Paulo, Brasil), aqui denominado DMEM completo. O meio foi armazenado em estufa a 37ºC em atmosfera úmida contendo 5% de CO2. A cada dois ou três dias, as culturas eram expandidas para serem utilizadas em experimentos ou simplesmente para manutenção em cultura.

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3.3 Camundongos

Os camundongos utilizados das linhagens Swiss webster foram mantidos em biotério climatizado e maravalha. A alimentação consistiu de água, e ração comercial esterilizada do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho. Foram utilizados animais de ambos os sexos com idades entre 8 a 12 semanas para extração de macrófagos peritoneais.

3.3.1 Obtenção de macrófagos peritoneais

Os animais foram inoculados ou não com injeção intraperitoneal de 1mL meio de tioglicolato esterilizado (Difco, Detroit, MI, USA), com o intuito de elicitar macrófagos para esta região. Após 4 dias, período correspondente ao pico de recrutamento de macrófagos para o peritôneo, os animais foram sacrificados por asfixia em câmara de CO2, seguido de deslocamento cervical. A extração de macrófagos foi realizada por injeção intraperitoneal de 10mL de meio DMEM não suplementado gelado, seguido de massagem e aspiração do lavado peritoneal. As células foram, então, centrifugadas e ressuspendidas em meio DMEM não suplementado e mantidas a 50C até serem cultivadas, conforme descrito a seguir.

3.3.2 Cultura de macrófagos peritoneais

As células do lavado peritoneal foram contadas com o auxilio de uma câmara de Neubauer. Posteriormente, as células foram deixadas para aderir em placas de 96 poços com meio DMEM não suplementado por 1 hora em estufa a 37ºC em atmosfera úmida e contendo 5% de CO2. Em seguida, os poços foram lavados com

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meio DMEM não suplementado ou PBS a 37ºC, de modo a selecionar positivamente as células aderidas. Após a lavagem, todos os poços receberam meio DMEM completo e foram mantidas por 24 horas em cultura em estufa a 37ºC em atmosfera úmida e contendo 5% de CO2.

3.4 Fonte de ATP extracelular

O nucleotídeo 5´-trifosfato de adenosina (ATP), utilizado como fonte de ATP extracelular (ATPe) e agonista do receptor P2, foi obtido da Sigma e estocado em PBS a -20 oC até o uso. Em todos os experimentos nos quais as células foram tratadas com ATPe, o mesmo foi aplicado na concentração de 2 mM.

3.5 Interação in vitro de D. indonesiensis com linhagem de células epiteliais intestinais humanas ou com macrófagos peritoneais

Células de linhagem epiteliais intestinais humanas HCT8 ou macrófagos peritoneais murinos foram crescidas em placas de culturas de 6, 24 ou 96 poços , em meio DMEM completo, a 37ºC e em atmosfera úmida e contendo 5% de CO2. Após 24 horas de cultura, o meio foi renovado e as células mantidas por mais 24 horas em cultura. Este processamento se repetiu para todos os experimentos anteriormente às etapas de interação de células HCT8 ou de macrófagos com BRS e/ou de tratamento com ATP. Culturas de HCT8 ou macrófagos peritoneais foram colocadas para interagir com D. indonesiensis, numa concentração constante de 5x105 bactérias por ml de meio contendo as células eucarióticas. Por sua vez, bactérias foram retiradas do meio de cultura VMNI, centrifugadas por 6 min a 1.000 g

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em centrífuga de eppendorf e ressuspensas em meio DMEM completo. As bactérias (1x105 bactérias totais diluídas em 200 µl de meio) foram adicionadas aos poços contendo células epiteliais HCT8 ou macrófagos peritoneais em meio DMEM completo e cultivadas por 3, 24 ou 48 horas. Nos experimentos de 3 horas de interação de BRS com células epiteliais, os poços foram lavados com PBS após este tempo e receberam novo meio DMEM completo e as células foram, então, incubadas por mais 48 horas. Nos experimentos de 24 e 48 horas de interação da BRS com células epiteliais ou com macrófagos, as culturas foram mantidas inalteradas em meio DMEM completo pelos tempos equivalentes. Ao final de cada tempo especificado nos respectivos experimentos de interação das células eucarióticas com as bactérias, as placas foram centrifugadas e as células coletadas para os seguintes ensaios: imunofluorescência; microscopia eletrônica de transmissão (MET) e de varredura (MEV); apoptose por citometria de fluxo; liberação da enzima desidrogenase láctica (LDH); secreção de óxido nítrico (NO).

3.6 Ensaio de imunofluorescência

Para ensaios de imunofluorescência, células HCT8 foram crescidas sobre lamínulas de vidro colocadas dentro dos poços da placa de cultura, e posteriormente incubadas por 3 horas na presença de BRS D. indonesiensis (2 x 105 células totais diluídas em 100 µl de meio por poço). Todos os outros procedimentos de cultivo e interação foram realizados como anteriormente descritos. Ao final, os poços foram lavados e as lamínulas retiradas para ensaios de imunofluorescência. As células aderidas às lamínulas foram fixadas em paraformaldeídoa 4% em PBS por 10 min à temperatura ambiente. As células foram, então, incubadas com soro normal de

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carneiro 1:10 diluído em PBS, por 20 min a 37°C, para bloqueio de ligações inespecíficas (ligações de anticorpos a receptores Fc). A seguir, elas foram incubadas com anticorpo primário de coelho anti-EPS de D. indonesiensis, cuja ligação foi revelada por um anticorpo secundário de cabra anti-IgG de coelho conjugado com FITC. Ambos os anticorpos foram diluídos 1:50 em PBS / BSA 1% / Saponina à 0.1% e incubados com as células HCT8 por 30 min a 37°C. Entre as incubações com os anticorpos, as células eram lavadas 2 vezes com PBS. Ao final das reações de imunomarcação, as células aderidas às lamínulas foram marcadas com DAPI para visualização tanto do núcleo das células epiteliais como do DNA bacteriano. As lamínulas foram montadas em líquido anti-decaimento (DABCO) e as análises foram feitas em microscópio de fluorescência Axioplan Zeiss (Jena, Alemanha), acoplado ao sistema de aquisição de imagens (Leica, Cambridge, UK).

3.7

Ensaios de microscopia eletrônica de transmissão e de varredura

As células HCT8, incubadas ou não com D. indonesiensis por 48 horas, foram processadas para análises por microscopia eletrônica de transmissão (MET) e de varredura (MEV). Para análises de MET, As células aderidas à placa de cultura foram lavadas por 10 minutos em PBS e fixadas por 30 minutos em glutaraldeído (GA) 2,5% em tampão cacodilato 0,1 M, pH 7,2, lavadas em tampão cacodilato 0,1 M, pH 7,2, pósfixadas em tetróxido de ósmio (OsO4) 1% em tampão cacodilato 0,1 M, pH 7,2, desidratadas em série cetônica (30, 50, 70, 90 e 100%) e incluídas em Epon. Após a etapa de desidratação com acetona 70%, as células foram raspadas do fundo da placa de cultura e, a partir de então, entre cada etapa subseqüente, foram

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centrifugadas em centrífuga eppendorf para obtenção de sedimento. Após a polimerização, o material foi cortado (cotes semifinos e ultrafinos), contrastado em acetato de uranila e citrato de chumbo e, em seguida, observado ao microscópio eletrônico de transmissão Zeiss EM10C. Para análises de MEV, as lamínulas contendo células HCT8, incubadas ou não com BRS, foram fixadas por 30 minutos à temperatura ambiente em glutaraldeído 2,5% em tampão cacodilato 0,1 M, pH 7,2 e pós-fixadas por 15 minutos à temperatura ambiente em OsO4 1% em tampão cacodilato 0,1 M, pH 7,2. Após as etapas de fixação e pós-fixação, as lamínulas foram lavadas por 3 vezes, 5 minutos cada vez, em tampão cacodilato 0,1 M, pH 7,2. Após a desidratação em série cetônica (30, 50, 70, 90 e 100%), o material foi secado em equipamento de ponto crítico (Critical Point Dryer Balzers CPD 030) com utilização de CO2. As lamínulas foram, então, aderidas a suportes metálicos utilizando cola de prata condutora de elétrons e vaporizadas com ouro em aparelho de “sputtering” (equipamento Balzers Union MED 010) submetido por 2 minutos a uma atmosfera de argônio de aproximadamente 0,1 mbar. Nessas condições, o material foi recoberto com uma camada de ouro de aproximadamente 20 nm. As células foram observadas ao microscópio eletrônico de varredura Zeiss DSM940.

3.8 Ensaio de apoptose por citometria de fluxo

Para análises de apoptose celular, foram realizados ensaios de citometria de fluxo baseados na identificação da formação de núcleos hipodiplóides. Células de linhagem HCT8 foram plaqueadas em placas de 96 poços em uma densidade de 5,0 x 104 células por poço. As células HCT8 foram incubadas com

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BRS por 3, 24 ou 48 horas e foram tratadas ou não com ATP em diferentes tempos. Em experimentos de interação por 3 horas e tratamento com ATP, as células HCT8 foram incubadas com BRS por 3 horas, lavadas com meio DMEM e, posteriormente, tratadas com ATP por 45 horas adicionais. Em experimentos de interação por 48 horas e tratamento com ATP, as células foram tratadas de duas formas distintas: as células foram incubadas com BRS por 24 horas, após o que receberam tratamento com ATP por 24 horas adicionais; as células receberam os dois estímulos (BRS e ATP) ao mesmo momento, os quais foram mantidos na cultura por 48 horas totais. Em experimentos de interação de células HCT8 com BRS por 24 horas, não houve tratamento adicional com ATP. Ao final dos tempos especificados para cada experimento, as placas de cultura foram centrifugadas a 250 g por 5 minutos. Em seguida, foi acrescentado às células o tampão de ciclo celular (50µg/ml de brometo de etídeo, 0,01g de citrato de sódio, 0,1% de Triton X-100) por 10 minutos. Posteriormente, com o auxílio de uma pipeta, as células foram homogeneizadas neste tampão, retiradas dos poços e transferidas para tubos de citometria. O tampão de apoptose permite determinar a porcentagem de núcleo hipodiplóide. Foram coletados 10.000 eventos/células por amostra, utilizando-se o programa Cellquest do equipamento FACSCalibur (Becton Dickinson) equipado com um laser de argônio (excitação a 488nm). A avaliação das células foi feita a partir da obtenção dos seguintes parâmetros fornecidos por este aparelho: espalhamento de luz frontal (foward scatter – FSC, parâmetro de tamanho), espalhamento de luz lateral (side scatter – SSC, parâmetro de granulosidade), emissão se fluorescência a 575nm na escala logarítmica (FL2) e a 633nm na escala linear (FL3), além de área sobre a curva de fluorescência a 633nm (FL3 area). Como ilustrado na Figura 5, avaliando-se a relação entre FL3, na abscissa, e FL3 area, na ordenada, é possível

32

excluir os eventos que não se encontram dentro da diagonal, a qual representa a relação direta entre a quantidade de luz detectada pelo fotodetector FL3 e o “tamanho” do evento avaliado (FL3 area). O evento dentro deste espalhamento diagonal obedece a uma relação direta entre tamanho e quantidade de material genético, região esta definida para análise (R1 na Figura 5). Assim, quaisquer eventos fora desta região R1 não eram analisados, uma vez que estes eventualmente corresponderiam a debris celulares, o que representaria falsos resultados e comprometeriam a qualidade da análise. A análise dos resultados foi feita utilizando-se o programa WinMDI (Multiple Document Interface Flow Cytometry Application, versão 2.8, La Jolla, EUA).

A

B

R1

Figura 5: Gráficos ilustrativos do método de análise da fragmentação do DNA de células HCT-8 A região R1 representa o perfil de eventos/célula para análise, selecionados dentre o total de eventos da amostra (Fig. 5A). A região selecionada compreende uma relação direta entre intensidade de brilho do DNA ligado ao marcador brometo de etídeo, avaliada pelo fotodetector FL3, e a quantidade de material genético avaliada pela área de FL3. Uma vez definida a região R1, os eventos incluídos na mesma foram avaliados quanto à fragmentação de DNA pela interpretação da intensidade de brilho de fluorescência determinada em valores relativos numa escala logarítmica (Fig. 5B). O valor 103 (pico mais elevado) foi definido como relativo aos núcleos 2n íntegros e os valores inferiores (até 3x10) foram considerados núcleos hipodiplóides (região M1).

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3.9 Ensaio de liberação da enzima desidrogenase láctica

A enzima citoplasmática desidrogenase láctica (LDH), constitutivamente expressa em altas concentrações nas células eucarióticas, é altamente estável e muito utilizada como marcador de lise celular, resultante do rompimento da membrana plasmática característico da morte por necrose. Células HCT8 ou macrófagos obtidos do lavado intraperitoneal de camundongos suíços, em concentrações de 5x104 e 4x105 células por poço de placa de 96 poços, respectivamente, foram deixados para aderir durante 1 hora. Células não aderentes foram retiradas em etapas de lavagem. Ambos os tipos celulares foram incubados com BRS por 48 horas e foram tratados ou não com ATP em diferentes tempos. O tratamento com ATP se deu de duas formas distintas: as células foram incubadas com BRS por 24 horas, após o que receberam tratamento com ATP por 24 horas adicionais; as células receberam os dois estímulos (BRS e ATP) ao mesmo momento, os quais foram mantidos na cultura por 48 horas totais. Ao final dos experimentos, sobrenadantes das culturas foram coletados para análise da presença de LDH. A liberação de LDH durante a interação com BRS e ATP, isoladamente ou em conjunto foi analisada utilizando-se kit comercial baseado em ensaio colorimétrico (Doles Reagentes, Goiás, Brasil), cuja variação de cores resultantes é aferida em leitor ELISA de microplacas (BIOTEC Mod. Power Wazexs) com filtro para captação de comprimento de onda de 490nm. Como controle e para efeito comparativo de danos celulares causados pelos diferentes tratamentos realizados, atribuímos 100% como valor máximo de liberação de LDH no sobrenadante de células-controle forçosamente rompidas pelo uso de triton X-100 1%.

34

3.10 Ensaio de secreção de óxido nítrico

Macrófagos peritoneais de camundongo e células HCT8 nas concentrações de 4x105 e 5x104 células por poço, respectivamente, foram plaqueados em placas de 96 poços e mantidos em cultura por 24 horas. Ambos os tipos celulares foram incubados com BRS D. indonesiensis (5x105 bactérias/ml) por 48 horas totais, sendo que, após 24 horas, receberam tratamento ou não com ATP por 24 horas adicionais do experimento. Ao final dos experimentos, sobrenadante das culturas foi coletado para análise da liberação de óxido nítrico (NO). A produção de NO foi determinada pela utilização do reagente de Griess (GRANGER E COLS, 1996). Resumidamente, a reação permite detecção colorimétrica de nitrato e nitrito, mensurada em leitor ELISA de microplacas pela utilização de filtro para comprimento de onda de 570nm. Como controle positivo de liberação de NO, macrófagos foram tratados com LPS 1µg/ml ou 10µg/ml por 24 horas. Macrófagos também foram testados na presença de BRS, considerando que estas células são importantes no contexto da inflamação intestinal. Tratamento similar foi feito para células HCT8 para avaliar se essas células também respondem ao estímulo por LPS.

3.11 Análise estatística

Todos os experimentos foram realizados em triplicata. Dados foram analisados usando o software Prisma (GraphPad Software Inc., versão 4.0) e o teste de t-student foi aplicado sempre que necessário.

4. RESULTADOS

36

4.1 Estudo da interação entre a BRS e células epiteliais intestinais

Como fora sugerido na literatura que BRS poderiam estar envolvidas na indução de colite ulcerativa fomos estudar se ocorre uma possível interação in vitro da bactéria Desulfovibrio indonesiensis com células de linhagem epiteliais intestinais humanas HCT8. Ensaios de imunfluorescência demonstraram interação das bactérias com células epiteliais intestinais (Figura 6). Pelo uso de anticorpo específico, detectamos marcações correspondentes a agregados de várias bactérias associados à superfície das células HCT8, similares a estruturas de biofilmes bacterianos (Figs. 6 C-D).

Ressalta-se que estas bactérias foram encontradas aderidas somente às

células eucarióticas e, em nenhum momento, interagindo diretamente com o substrato de vidro da lamínula usada como superfície de adesão para as células. Quando cultivadas na presença de lamínulas de vidro e em condições de anaerobiose, BRS se adere perfeitamente bem a este substrato, produzem EPS, se dividem e geram estruturas com múltiplas células imersas em extensa rede de matriz extracelular (COUTINHO E COLS, 1994a-b). No presente estudo de interação com células epiteliais intestinais, possivelmente a sobrevivência desta bactéria anaeróbia no ambiente aerado da cultura se deu por interação com os microvilos de superfície das células HCT8. Estes seriam, então, substratos vivos de adesão, os quais se prestariam à criação de nichos de anaerobiose para as bactérias, que se organizaram em estrutura de biofilmes, considerada estratégia de sobrevivência universal bacteriana. É possível que, neste modelo de interação, existam mecanismos de reconhecimento mútuo entre moléculas de superfície de ambos os tipos celulares que medeiam a adesão das bactérias. Resultados anteriores do

37

nosso laboratório demonstraram que é possível recuperar BRS após 72 horas de interação

com células

HCT8,

quando estas

são

re-incubadas

em

meio

microbiológico específico para seu crescimento e em condições de anaerobiose (dados não publicados). Em conjunto, estes dados comprovam que não somente as bactérias

interagem

com

as

células

HCT8,

como

elas

se

encontram

metabolicamente ativas, mesmo em ambiente de aerobiose.

A

HCT8

B

C

HCT8 + D. indonensiensis

D

Figura 6: Interação in vitro de D. indonesiensis com linhagem de células epiteliais intestinais humanas HCT8 demonstrada por reação de imunofluorescência Notar que esta BRS, revelada pelo anticorpo anti-exopolímeros (EPS) de D. indonesiensis, interage com a superfície das células HCT8, freqüentemente formando agregados celulares em estruturas semelhantes a biofilmes bacterianos (C, setas). A coluna da direita (B e D) mostra co-localização da marcação em verde do anticorpo (A e C) com a marcação em azul do DNA do núcleo das células eucarióticas. A ausência de sinal de fluorescência nas Figs. 6 A-B, referente às células incubadas somente com o anticorpo secundário, enquanto reação-controle, certifica a especificidade do anticorpo primário anti-EPS de BRS.

38

4.2. Apoptose de células epiteliais intestinais HCT8 induzida por BRS

4.2.1 Apoptose de células HCT8 versus tempo de interação com BRS

Após comprovarmos a interação da BRS D. indonesiensis com a superfície das células epiteliais, buscamos estudar se estas apresentariam efeitos citotóxicos sobre células epiteliais HCT8. Inicialmente, realizamos ensaios de apoptose com células HCT8 cultivadas na presença da BRS por tempos variando entre 24 e 48 horas. As análises foram feitas por técnica de citometria de fluxo através da avaliação de formação de núcleos hipodiplóides. Culturas de células HCT8 que interagiram com BRS por 48 horas apresentaram uma porcentagem superior de células com núcleos hipodiplóides (23%±2%) comparativamente às culturas que receberam BRS por 24 horas (14%±1%) (Figura 7). Estes resultados mostram que a apoptose das células é dependente do tempo de interação com a BRS estudada.

39

***

% de apoptose

25 20

***

15 10 5 0 HCT8

BRS 24h

BRS 48h

Figura 7: Apoptose de células epiteliais intestinais HCT8 incubadas na presença da BRS por diferentes tempos Células HCT8 foram incubadas com D. indonesiensis (5x105 bactérias/ml) por 24 e 48 horas em meio DMEM completo e a apoptose das células HCT8 foi analisada por citometria de fluxo através da avaliação de formação de núcleos hipodiplóides. Foram coletados 10.000 eventos por amostra. O gráfico apresenta media ± SEM de 7 experimentos independentes realizados em triplicata (***p