. .

.

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

editorial Para que o futuro creia em si mesmo Um dos editores da Agulha acaba de regressar de uma temporada de 50 dias na Austrália, retorno que coincide com a entrada da revista em seu oitavo ano de ininterrupta aventura editorial. Preciosa condição a de livre observador de realidades, que permite comparações não manchadas por vícios maniqueístas. Os leitores da revista percebem este valor ao acompanhar o elenco de matérias e colaboradores até aqui publicados. De igual nascente as manifestações da revista através de seus editoriais. Há muito mais do que cangurus e coalas na Austrália, da mesma maneira como Brasil não se limita a carnaval e futebol. A grave sintonia existente no Brasil entre corrupção e administração pública sugere pensar que nossa forma de governo é o anarquismo. A maneira como está organizada a sociedade australiana sugere alguma forma de autoritarismo. A rigor, se observado em seus meandros, a

sociedade brasileira é essencialmente corrupta, assim como na Austrália se pode falar em uma quase obsessão pela organização. Seria quando menos constrangedor para os brasileiros pensarem que não conseguem sobreviver sem a corrupção. Então não cabe pensar que a organização seja uma forma insubornável de se manter o padrão social que se verifica na Austrália. Os dois modelos são bastante funcionais nos dois países. Será bastante pensar em um pequeno suborno ou em uma mínima regra de comportamento social. É bem simples: a organização soma, enquanto que a corrupção subtrai. A organização leva a Austrália a ter um zelo por sua história, a cuidar de seu passado com uma atenção que para muitos pode parecer exagerada. A corrupção nos leva a perder a dimensão da história, anulando uma indispensável visão crítica do mundo. É como aquele princípio da guerra, onde não há vencedores. A corrupção nos torna a todos vítimas de sua ilusão. Evidente que tanto pode haver uma corrupção organizada quanto uma organização corrupta. Porém não chegamos até aqui para encerrar o tema sob efeito de um sofisma. Há um vultoso dicionário de eufemismos que define a precariedade existencial que tem configurado o mapa das sociedades contemporâneas. Tampouco adianta buscar evidências no aspecto religioso. Ao longo da história as religiões acumulam tantos saldos violentos quanto as ideologias. Há um ambíguo sentido organizacional e corrupto nas duas vertentes. A filosofia aqui pode complicar a leitura. Um exemplo bem concreto facilita o tema: um bairro em Sidney, na Austrália, possui um museu dedicado à memória daquela região. Museu de bairro: The Rocks Discovery Museum: www. rocksdiscoverymuseum.com, para os que quiserem visitálo pela Internet. Ali notamos o carinhoso apreço por uma torneira velha. No Brasil facilmente isto seria entendido como bairrismo. A história de um país está configurada a partir de seus bairros, de suas pequenas células sociais. De seu sentido de organização e preservação. Evidente que podemos elevar a torneira velha à categoria de um estrelato kitsch. Tudo aquilo que entendemos por cultura de massas já revelou seu espírito corrosivo da essencialidade cultural intrínseca de cada pequena região, o conceito poético da aldeia. Não há como curar-se da ação das grandes redes de mercado internacional. Qualquer reação implica em atividade terrorista. A sociedade de consumo sabe proteger-se e estabeleceu suas regras de tal maneira a definir-se como uma nova moral mundial. O mundo tornou-se perigosamente igual sob muitos aspectos. Porém os conceitos de organização e corrupção permitem ainda uma leitura eficaz de nossos destinos. Talvez a equação mais complexa a ser proposta a uma mesa

de excelências seja: organizar a sociedade brasileira. Como convencer a uma sociedade que é insuficiente gostar de si mesma se não age em tal sentido; que é indispensável criar uma fortuna crítica de seus valores, conhecer e reconhecer o outro, misturar-se à multidão cultural sem perder o apreço por seus sinais ulteriores? Não adianta ecoar outdoors e jingles institucionais como se o tema fosse assunto unicamente da área das campanhas publicitárias. Cabe recordar que a Austrália foi originalmente uma colônia penal e o Brasil uma rota de fuga. Antípodas que se tocam em algum momento. Porém distinguidos por este duplo conceito aqui evocado: organização e corrupção. É fundamental observar qual o comportamento do Estado diante disto. No Brasil, o Estado é alheio à história, adepto irresponsável da teoria do caos lida em gibis ordinários, e se digladia entre si (os menos corruptos contra os mais corruptos), tatuado pela cultura fashion que sabe com astúcia eliminar a potencialidade do trivial, do cotidiano, da expressão espontânea. Por efeito perverso de um jogo de linguagem, podemos dizer que organização e corrupção são indissociáveis. Contudo, a despeito de qualquer artifício, Agulha entra em seu oitavo ano bem organizada e livre de qualquer vestígio de corrupção. Por seu acervo de matérias há passado um elenco valioso de leituras de temas vinculados aos aspectos aqui referidos. Obrigado a todos, reforçando nossa cumplicidade e acreditando (ainda) em um futuro melhor.

Os editores

sumário 1 a bordo da pintura. diálogo entre sérgio

lucena e floriano martins 2 bilingüismo y el registro matemático aymara.

boris handal

3 el graffiti: diálogo roto, posibilidad infinita.

benjamin gonzález

4 fundación editorial el perro y la rana y la fuerza humanística de la poesía. diálogo entre miguel márquez e floriano martins

5 guillermo fernández: "la aventura humana todavía tiene sentido" (entrevista). alfonso peña 6 la música del pacífico colombiano.

germán patiño

7 literatura e jornalismo: marcos

faerman. claudio willer 8 moacir amâncio: desafios da poesia (entrevista). álvaro alves de faria 9 o jogo da vida em lyn hejinian. mauricio salles vasconcelos 10 para ler em voz alta: como se fosse um prefácio. diálogo entre

claudio willer e

floriano martins

11 rodolfo kronfle chambers: una

curaduría en estado puro (entrevista). aleyda quevedo rojas 12 sérgio buarque de holanda e raízes do brasil: a origem de um clássico. luís estrela de matos 13 símbolos torcitários: modus operandi da máquina abstrata muriliana - a faca, a tesoura, o olhar. daniela bunn

14 ulises estrella: el poeta y su mundo. marco antonio rodríguez

15 william burroughs: huésped en el espejo. carlos bedoya artista convidado felipe texto de fernando llanos]

ehrenberg [vária,

resenhas livros da agulha alfredo hlito [por rodolfo alonso] ● carlos garcia de castro ● claudio willer [por alfonso chase] ● germán patino ossa ● joaquim estevez da guarda [por luiz roberto guedes] ● josé do carmo francisco ● macarena barahona [por alfonso chase] ● maria estela guedes ● saul dias ● tomas saraví [por alfonso chase]

música discos da agulha britta persson [por andré assis] ● cat power [por andré assis] ● gerardo alfonso [por gerardo alfonso] ● grupo bahía trio [por germán patiño] ● maia hirasawa [por andré assis] ● mário montaut & floriano martins [por mário montaut] ● marta valdés [por marta valdés] ● miriam ramos [por nancy morejón & miriam ramos] ● mary timony [por andré assis]

banda hispânica cumplicidade 1 galeria de revistas cumplicidade 2 galeria de manifestos cumplicidade 3 galeria de arte poesia

expediente editores

floriano martins & claudio willer projeto gráfico & logomarca

floriano martins jornalista responsável

soares feitosa jornalista - drt/ce, reg nº 364, 15.05.1964 correspondentes

todos os colaboradores artista plástico convidado (vária)

felipe ehrenberg apoio cultural

jornal de poesia traduções

éclair antonio almeida filho [inglês, francês ð português] marta spagnuolo [português ð espanhol] floriano martins [espanhol ð português] banco de imagens acervo edições resto do mundo os artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da revista agulha não se responsabiliza pela devolução de material não solicitado todos os direitos reservados © edições resto do mundo escreva para a agulha floriano martins ( [email protected] ) Caixa Postal 52874 - Ag. Aldeota Fortaleza CE 60150-970 Brasil claudio willer ( [email protected] ) Rua Peixoto Gomide 326/124 São Paulo SP 01409-000 Brasil

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

A bordo da pintura Diálogo entre Sérgio Lucena & Floriano Martins .

Meio-dia em pleno inverno paulista. Vou a São Paulo quase que especialmente para encontrar-me com o crítico de arte Jacob Klintowitz. Ali nos veríamos pela primeira vez, pessoalmente, após uma intensa correspondência que já nos definira o grau de afinidade, uma dessas fortes amizades que nascem já vigorosas e milenares como que por encanto. Jacob havia convidado o artista plástico Sérgio Lucena para almoçar conosco. Aquele primeiro abraço já trazia consigo toda a certeza de um valioso encontro. Do almoço saímos para seu atelier e a tarde estendeuse infinito adentro entre cervejas pretas, charutos e aprazíveis conversas que mesclavam três afinadas visões de mundo, uma serenidade de alcance que tocava a intimidade de obras de

nomes aparentemente díspares, unidos pela intensidade: artistas e músicos, sobretudo, de nosso país e de vários outros lugares e épocas. Ao início da noite os dois foram me deixar no hotel onde eu estava hospedado. Voltei para Fortaleza com uma dupla sensação de haver passado uma das tardes mais verdejantes de minha vida. Naturalmente este diálogo ali iniciado se desdobrou e seguiu viagem por muitos caminhos. Uma de suas afluências foi o convite que fiz ao Sérgio Lucena para integrar a galeria da revista Agulha como artista convidado, em uma edição em que se reproduz quase 60 obras suas. A pintura deste artista, nascido em 1963, está possuída por uma condição iluminadora: a de saber, como tão bem percebeu Jacob Klintowitz, trazer o primordial para o convívio do tempo presente. Mais ainda, desentranhá-lo aqui mesmo, sem limitá-lo a uma referência ancestral. E a lição mais bonita que se pode constatar é que o desentranha de si mesmo. Esta é sua forma visceral de contato com o mundo. O primordial como síntese da humanidade que habita seu íntimo. Não importa que o encontre na paisagem ou na figura. Que se enraíze por sua biografia ou expresse um vislumbre ou prenúncio de algo. Há toda uma evocação de tempos que se mesclam em nome de uma evidência: a percepção de que nada nos é estranho ou distante se indagamos de maneira certa como nos encontramos dentro do mundo. É o caminho que me parece apontar a pintura de Sérgio Lucena: a indagação perene acerca de nossa atuação no universo. Seus animais, que são como deuses com um apetite enorme de conhecimento, mergulham na paisagem intensa que evoca visões e antevisões, e ali não se demoram um instante que seja sem nos chamar. Porque não há mundo possível longe da intensidade, da cumplicidade, da completude. FM Estava aqui pensando naquele navio cor de chumbo que em 1995 surge em teu horizonte estético trazendo a bordo as figuras que por algum momento haviam desaparecido dentro da paisagem de uma nova fase de tua pintura. É uma imagem muito bonita e que me faz pensar sobre a conexão entre a realidade e a criação, mundo exterior e mundo interior. Como se descortina em ti essa conexão entre dois mundos? São, de fato, dois mundos?

SL São sim dois mundos, porém complementares e indissociáveis. O que me faz pensar que os dois sejam em verdade um. Vejo a questão da conexão entre os dois mundos de forma particular. O elo é um terceiro elemento, me parece. Esta concepção em tríade sugere, ao fim, uma realidade complexa, o real com o qual lidamos na experiência cotidiana. Para mim, logo no inicio, foram estas as questões essenciais. Hoje sinto que a coisa é ainda mais complexa, sinto que há algo presente sobre o qual nada ou quase eu posso falar. Trata-se de um dado imponderável, algo que atua à revelia de minha consciência manipuladora, mas que efetivamente consubstancia, para mim, a realidade de significado. O que me parece mais próximo ao que eu estou tentando expressar é a concepção da idéia da Graça. A pintura cumpre em mim esta função, elemento comunicante entre o dentro e o fora e além. Deste além fala a pintura só, em silêncio. FM Graça compreendida não somente no sentido de dádiva, mas também de Beleza e Vontade, suponho. De outra forma, a reduziríamos apenas a um conceito teológico, que não interessa à Arte em isolado. Com esta tríade temos constituído o Mistério da Criação e sua indissociável relação com a realidade. Aplicando isto à tua pintura, adentramos assim o Maravilhoso, muito mais do que o Fantástico. Estás de acordo? SL Absolutamente de acordo. A Graça a que me refiro diz respeito ao advento do imponderável e isto, embora espontâneo, só se dá sob determinadas condições. Minha experiência não se reporta a qualquer conceito teológico, embora veja certas analogias com a experiência dos místicos, o que afirmo é que, para mim, isto que se passa ao fazer pintura é a essência do que entendo por espiritual. Adorei a expressão “Maravilhoso” que usastes. O conceito do fantástico sempre me pareceu reducionista. FM Há um depoimento teu em que suspeitas que "todas as nuanças da natureza humana podem ser trazidas à tona sob a lona de um circo ou palco de um teatro". Isto me parece definir que pensas na criação artística como representação. SL À época desta declaração eu era ainda muito jovem, mas no essencial posso concordar com a idéia da criação como representação. Entretanto, tenho hoje uma concepção diferente daquilo que se busca representar.

Quando vi Morandi ante meus olhos pela primeira vez, algo dentro de mim cristalizou-se. Levei anos para elaborar isto. (Vale salientar que já o vira inúmeras vezes antes em reproduções, o que mostra o poder da pintura em sua realidade material.) Na época, qual um bárbaro ignorante, achava que a pintura de natureza-morta era algo menor, meu olhar alcançava apenas a superfície, enxergava só o assunto representado. Um copo, uma garrafa, um prato com frutas, enfim, um tema prosaico demais para minha expectativa de artista determinado a mudar o mundo. Morandi me tirou das trevas. Foi quando finalmente acordei para a questão da pintura como linguagem e não como representação. Aqui pareço contradizer o que falei de inicio, mas não, a linguagem existe para formalizar algo. Esta é a questão com que me deparo desde então. A linguagem como meio da criação artística, que produz o ainda não conceituado, o novo, aquilo que quando elaborado apresenta uma nova instância, um novo patamar de consciência para o artista. Para mim isto corresponde a uma atitude histórica da espécie, desde os primórdios, que busca alcançar a representação do inconcebível, a fim de nos apoderarmos dele. Esta é a nossa vã pretensão, a qual é fadada ao fracasso. Parece-me ser esta a tensão essencial da condição humana, aquilo que nos impulsiona. FM Esta tua idéia do fracasso acaso não traz consigo uma sensação de impotência? Isto me faz ironicamente pensar que não se deve dar crédito à consciência na criação. SL Não há consciência na criação. A consciência ocorre a posteriori e não a priori. Este é um dado fundamental para mim. Uma nova consciência é possível a partir da realidade do objeto criado. O artista só dispõe da consciência do até então, este é o seu limite e também seu trampolim para o porvir. FM Diria que o artista ao criar luta ao mesmo tempo contra a ordem e o acaso? SL A ordem é o que foi estabelecido. Marcel Duchamp estabeleceu um novo paradigma. Hoje as questões levantadas por Duchamp estão estabelecidas e ocupam o espaço da ordem anterior. Daí que surge assim a nova academia, que é o que temos novamente como orientação conceitual totalitária. O artista quando luta contra a

ordem, e vence, consegue apenas isto: gerar uma nova ordem. Eu vejo que este caminho não leva a outra coisa senão à repetição, à permanência na roda de Samsara. Pela mesma razão acho bobagem o artista lutar contra o acaso, não é uma atitude artística, ao contrario, é uma atitude puramente racional, e consequentemente menor, além de ser uma postura capaz de derivar para políticas de dominação e coisas do gênero. Eu não acredito no acaso, nem na arte nem na vida. Gosto de ver naquilo a que chamam de acaso mensagens do que em mim ainda não É, mas quer Ser. Se não as compreendo, aguardo. Esta é a relação tenho com a vida e com a pintura. FM O que busca expressar a pintura através de Sérgio Lucena? SL Não sei, e lhe digo isso com toda franqueza. FM Eu sempre prefiro comentar a respeito de identificações que propriamente evocar o lugar-comum das influências. Não sei como convives com isto, mas gostaria também de saber quais os teus interlocutores alheio às dimensões de tempo e espaço. Mencionaste Morandi. Quem mais e por quais motivos? SL São muitos e muitos o foram por determinado período, deixando em dado momento o posto de referência maior para outros, entretanto nunca saindo do panteão de divindades que cultuo. Vou citar alguns por ordem histórica na minha vida, a partir dos cinco anos, quando vi pela primeira vez uma reprodução de pintura. Os flamengos de uma maneira geral com ênfase, no primeiro momento, em Pieter Brueghel o velho e Hieronymus Bosch. Os expressionistas alemães, com ênfase em Otto Dix e Max Beckmann. O estranhamento deles em relação ao mundo em volta, creio, era o que os tornava próximos a mim. Este estranhamento aliado a uma referência espiritual, mais do que estética, em Van Gogh, e estética, mais do que espiritual, em Gauguin. O bom Manet que me mandou de volta aos clássicos, Velásquez, El Greco, Rubens, Ticiano, Tintoretto e o meu amado deus Rembrandt. Hoje encontro boas referências em pintores como Bacon – graças a Velásquez -–, Gerhard Richter –

graças aos flamengos –, e o escultor Anish Kapoor – graças a todos juntos. FM Desde que momento e em que circunstância o menino Sérgio Lucena identifica como arte sua necessidade de anotação e/ou decifração simbólica do mundo? SL Isso se deu muito cedo mesmo em minha vida, bem antes até de eu entender que, primeiro o desenho e depois a pintura, cumpriam esta função em mim. Foi algo instintivo, uma maneira natural de buscar uma realidade possível, uma realidade que fizesse sentido para mim. Não era isto o que eu percebia no mundo ao redor, portanto… Quando ainda bem criança sentia que o desenho era o meu mundo real e o sonho, já desde então, era o chão desta realidade. Quando me deitava para dormir, dizia para mim mesmo: agora vamos para a outra vida. Por anos tentei assistir a passagem, mas nisto nunca fui bem sucedido. Hoje, assim como quando criança, considero como minha realidade o amor e a minha pintura. A arte e o Amor, as únicas coisas realmente sólidas, concretas e factíveis. O mais, para mim, é pura fantasia. FM E não conflitantes entre si, assim espero, ou seja, as duas forças são uma a extensão da outra. Porém como ambas convivem com as ardilezas morais do cotidiano e seu plano de restrições bem palpáveis, o que em teu caso inclui também o ambíguo mercado das artes? SL É sim, uma só força. Quanto ao mercado das artes, minha experiência permite que eu tenha uma noção da coisa. Trabalhei muito tempo da minha vida com comércio, estive atrás de um balcão o bastante para saber o que é mercado. Não é o que vejo no Brasil quando o assunto é arte. Tudo é ainda embrionário, uma possibilidade que efetivamente ainda não se concretizou. Acontecerá um dia, é certo, mas ainda estamos engatinhando. Isto certamente é uma dificuldade de grande impacto e que causa imenso prejuízo à produção artística no Brasil. Entretanto, isto não está dissociado da forma como no país são tratadas as demais questões essenciais, educação, saúde, estrutura, a logística enfim, não há ainda claro um projeto para o país, tudo se dá na base do improviso. Esta é a nossa realidade cultural e política. FM Recorto palavras tuas: “revelar através da luz era a minha obsessão”, que me parecem bem atuais, considerando um plano espiritual acentuado que encontramos hoje em tua pintura. Esta exposição mais recente, por exemplo, com notável bestiário

dialogando com uma paisagem que toca o sublime. Alcançaste o entendimento da luz na pintura? O que este conhecimento te revela? SL Tu sabes, eu me sinto hoje como se tudo essencialmente ainda estivesse por ser feito, este momento que é o maior e o mais importante de toda a minha carreira, me diz que estou apenas no começo. É difícil falar deste sentimento paradoxal, é tão contraditório, entretanto, é assim mesmo e nunca foi diferente. Percebo que muito foi cristalizado, houve uma sedimentação de aspectos essenciais que me deram o chão que nunca antes sentira sob os meus pés, e é justo este leito rochoso que me traz de novo a vontade louca de saltar no abismo, como todas às vezes antes: “desta vez para sempre”. FM Quero retornar à idéia de fracasso para concluir com uma provocação: costumas estabelecer o que é essencial e acessório em tuas obsessões? Quando realmente importa saber se na relação entre triunfo e fracasso por vezes os papéis não estão trocados? SL Nada acessório convive com o que me obceca. Discernir sobre isto não é um problema para mim, mas é para aqueles próximos, e daí passa a ser um problema meu, pois eu os amo. O fato é que se for para escolher, fico com o que é essencial para mim. O único triunfo que vislumbro consiste em alcançar minha expressão de louvor à vida, meu testemunho do mistério. Abdicar deste propósito, em nome do que quer que seja, é o fracasso. Não tenho duvida que a minha loucura protegeu-me até aqui, agora que estou velho e que minhas forças diminuem, tenho na prece minha força e refúgio. Minha pintura é a minha oração. FM Esquecemos algo? SL Sim, eu gostaria de falar sobre o interlocutor e seu papel para o artista. FM Uma importância posterior, da mesma ordem da consciência? SL A importância é determinante. Não cabe aqui qualquer escala de

valor em importância, pois o artista sequer existiria sem o interlocutor. Ele é o espelho, aquele que diz ao artista o que ele é a partir do que ele traz. O interlocutor é uma entidade que ao longo da vida do artista migra, a partir da natureza, as pedras, a água, o ar, as plantas, os animais, as pessoas, uma pessoa; que venha a representar a soma de toda consciência adquirida até então, e seja capaz de catalisar no artista a forma possível de atender à nova demanda de significados que se apresenta à época. A relação é naturalmente amorosa, implica em confiança e vontade férrea de romper com o limite, avançar em campo desconhecido, não é possível sem confiar no outro. O artista traz, o interlocutor reconhece e dimensiona o que foi trazido, o artista reconhece assim a si mesmo, adquire fôlego e mergulha outra vez. A ambos cabe o mesmo desafio: encarar o novo com consciência critica, mas também, sem pré-conceito.

Floriano Martins (Fortaleza, 1957). Um dos editores da Agulha. Entrevista realizada em outubro de 2007. Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do artista Sérgio Lucena (Brasil).

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

Bilingüismo y el registro matemático aymara Boris Handal .

El corazón es como una caja y el habla es la llave. Escritos Bahá’ís 1. Introducción Una variable que no puede ser sustraída del análisis de la comunicación profesor-educando es el manejo del lenguaje. Este análisis hace que el servicio educativo pueda ser planteado óptimamente (Handal y Herrington, 2003). La naturaleza lingüística del alumno campesino y su proceso de socialización considerando a la escuela como uno de sus principales factores, son elementos que merecen ser explorados. Es sabido que el Perú es un país pluricultural y multilingüe en razón de la multiplicidad de etnias y lenguas que se dan en su vasto territorio. Se asume que existen cerca de sesenta lenguas habladas por grupos étnicos diferentes que conviven con, y a pesar, de la lengua dominante que es el español. De estas combinaciones lingüísticas, los peruanos podemos clasificarnos como monolingües de lengua vernacular o del español, o en su defecto, bilingües de español y alguna otra lengua aborigen, o probablemente en más de una. En el censo nacional de 1981, las estadísticas indicaron que en las lenguas habladas por la población de cinco años y más, los monolingües español-parlantes constituyeron el 72.98 por ciento del país, en tanto que los monolingües quechua-hablantes representaron el 7.64 por ciento y los monolingües aymara- hablantes fueron del orden del 0.84 por ciento (Fuente: INE, Censo 1981). Los bilingües quechua-español hablantes sumaron el 14.21 por ciento de la nación mientras que los bilingües aymara-español constituyeron el 1.62 por ciento del país. Comparaciones entre el censo de 1975 y el 1981 mostraron que los idiomas nativos tendían a perder terreno frente al español. En el IX Censo Nacional de Población 1993, de un total de 938 275 habitantes del departamento de Puno, 32.61 por ciento declararon haber aprendido aymara en su niñez, mientras que los quechua-hablantes alcanzaron 43.22 por ciento y los español-hablantes

fueron del orden de 23.33 por ciento. A nivel nacional estas figures alcanzaron 2.28, 16.46 y 79.78 por ciento, respectivamente (Fuente: INEI, 2005). De acuerdo al mismo censo, en el departamento de Puno, “el 19 por ciento de la población de 5 años tenía como lengua materna el quechua, aymará u otra lengua nativa. En el área rural esta proporción alcanzó el 39 por ciento” (Ministerio de Educación, 2005: 122).

2. Un Largo Caminar En la realidad lingüística nacional, el español –una lengua europea- viene a ser la lengua oficial de la república, aunque su condición de tal, data de la colonia. La condición jurídica de oficialidad fue ampliada al quechua en 1975. La Constitución de 1979 establece que “También son de uso oficial el quechua y el aymará en las zonas y la forma que la ley establece. Las demás lenguas aborígenes integran asímismo el patrimonio cultural de la nación” (Art. 83). Es evidente que dicha norma legal no se cumple a cabalidad, salvo en casos especiales como los programas de educación bilingüe intercultural. En un paso adelante, la Ley General de Educación 28044 promulgada en 2003 indica que el Estado: “Garantiza el aprendizaje en la lengua materna de los educandos y del español como segunda lengua, así como el posterior aprendizaje de lenguas extranjeras” (Art. 28, inc. b). En el Perú se da la educación bilingüe bajo el modelo conocido como “de mantenimiento”, es decir, en dos culturas y bajo dos lenguas. Las familias lingüísticas en el Perú están clasificadas en número de trece, siendo las principales el quechua y el aru (aymara, jacaru y el cauqui) y a las que se suman otras once familias lingüísticas ubicadas en la región de la selva, con cerca de 55 lenguas, El multilingüismo es en consecuencia, una realidad nacional ineludible para comprender la dinámica comunicativa de nuestro pueblo, y a la vez, la base inevitable en la que debe asentarse cualquier política educativa nacional. Una prueba de esta quiebra comunicativa es que fácilmente asociaríamos que los monolingües en lengua vernacular constituyen al mismo tiempo el grueso de los analfabetos del país. Por ejemplo, la tasa projectada de analfabetismo en el departamento de Puno para 2005 es 8.1% (Fuente: INEI 2005). En la geografía altiplánica, el aymará y el quechua constituyen la lengua materna para la mayoría de la población en tanto que el español viene a ser su segunda lengua o la adquirida, siendo la ciudad de Puno el lugar donde convergen estas tres lenguas y por lo tanto estas tres culturas. Esfuerzos pioneros para introducir estrategias de educación bilingüe se remontan a destacados educadores puneños como el maestro José Antonio Encinas, el juleño Óscar Espezúa Velasco y la notable María Asunción Galindo quien en la década de los cincuenta experimentó con alumnos campesinos su método propio de lecto-escritura con el alfabeto aymara en la escuela pública de Ojerani. López (2001) indica que la Escuela Normal de Puno – el embrión del actual Instituto Superior Pedagógico de Puno- ya por 1913 realizaba estudios sobre la escritura quechua y aymara para su aplicación en la escuela (Lopez, 1988). Varias décadas después, iniciativas como el Programa de Educación Bilingüe –Convenio con la República Federal Alemana (GTZ)- intentaron sistematizar y diseminar estrategias a un nivel regional. Este programa, por ejemplo, detectó en un diagnóstico preliminar que el 80% de los niños del campo que recién ingresaban a la escuela primaria eran monolingües vernáculo hablantes (Proyecto GTZ: 1979). Este índice indicaba de por sí la poca utilidad de ejercer una pedagogía exclusivamente castellanizante y a la vez mostraba la necesidad de reformular y reestructurar los objetivos de la educación oficial los mismos que deberían valorar más la diversidad y la riqueza cultural de los pueblos aymara y quechua, en vez de uniformizarlos con tecnologías educativas urbanistas.

Lengua y cultura empezaban a ser considerados como importantes variables en educación. De acuerdo a Luis Enrique López, una lengua es “sobre todo un conjunto de saberes y conocimientos desarrollados, acumulados y transmitidos a través de miles de años" (López; 2000:11). La escuela, en las palabras de José Antonio Encinas en Un Ensayo de Escuela Nueva en el Perú, no debería “arrancar al indio del medio en que vive, apartarlo de sus diarias ocupaciones, limitar su actividad cerrándolo dentro de los cuatro muros de una sala destartalada, poniéndole ante los ojos las 24 letras de un alfabeto que nada significan para él” (Encinas, op cit: 113-114, citado en López, 1988:293). Estas consecuencias negativas fueron puestas en varios términos. Annette-DietschyScheiterle, investigadora alemana, señaló que: Como ha quedado demostrado con los profesores, es indudable que existe una percepción de lo que falla en la enseñanza. El idioma español se considera un problema. También se menciona que existe una diferencia entre la concepción del mundo que se les trasmite en casa y aquella que ofrece la escuela. También se admite que los niños no entienden nada cuando se les intenta enseñar conceptos científicos básicos (1989:20). Siendo que el niño entra a la escuela manejando su lengua materna en una mayor proporción que la adquirida, en la mayoría de los casos, el maestro en la institución escolar no utiliza la primera o la utiliza parcialmente. El maestro debe entonces asumir un rol diferente en su acercamiento. De lo contrario quebraría el proceso de socialización del niño pues la escuela no sería el vínculo entre su entorno cultural y emocional, y los contenidos que traen los planes y programas oficiales. Si es que atinadamente el maestro rural con su habla pedagógica ha logrado adiestrar al niño en el manejo simétrico de las dos lenguas, el niño estará en mejores condiciones de entender el marcadamente especializado léxico de la secundaria. Si no fuera así, o si manejase mal la lengua educativa oficial, entonces, dicho alumno mantendrá su condición de bilingüe subordinado y estará en condiciones desfavorables de rendimiento escolar frente al óptimo que el perfil oficial propone en los documentos oficiales. Explorar la relación entre el grado de comprensión del léxico matemático y el aprendizaje se torna entonces imprescindible.

3. El Idioma Aymara La nación aymara, celebrada por la pluma del poeta Dante Nava, como la “roqueña cultura” de la “raza más rara” y “progenie más pura”, habita en un número de cerca de dos millones de personas entre los territorios de Perú, Bolivia y Chile. El idioma aymara pertenece a la familia Aru junto con el cauqui y el jake, actualmente hablado en la sierra de Lima. Se especula si es que la razón de esta última localización geográfica obedeció a un mitimae del Incario, o a que los idiomas Aru precedieron en tiempo y en importancia al quechua, al pukina y a otros idiomas precolombinos. El idioma aymara está establecido geográficamente en el Perú en el área comprendida desde

la ciudad de Puno hasta la frontera boliviana por el sureste, y la provincia de Huancané de esta manera conformando una comunidad lingüística con sus co-habitantes de Bolivia así como también con los aymaras del norte de Chile. De acuerdo al censo de 1993 existieron 440 380 aymara parlantes en el Perú concentrados mayormente en los departamentos de Puno (69.47%), Tacna (9.18%), Lima (5.91%), Arequipa (3.79%) y Moquegua (3.35%). El censo boliviano de 2001 (Fuente: INE-Bolivia, 2005) y el censo chileno de 2002 (Fuente: INE-Chile, 2005) registran 1 462 286 y 48 501 personas de habla aymara, respectivamente. Por Resolución Ministerial 1218-85ED del 18 de noviembre de 1985, se oficializaron el alfabeto quechua y aymara, así como las normas de ortografía y puntuación para la escritura Quechua y Aymara. El alfabeto aprobado para el aymara está formado por las siguientes grafías: a, ä, ch, chh, ch’, i, ï, j, k, kh, k’, l, ll, m, n, ñ, p, ph, p’, q, qh, q’, r, s, t, th, t’, u, ü , w, x, y.

4. El Registro Matemático de las Lenguas Hallyday (1986:253) plantea la idea de lenguas “desarrolladas” y “no desarrolladas”. Una “lengua desarrollada” puede definirse como aquella que se utiliza libremente en todas las funciones a las que la lengua sirve en la sociedad de que se trata. Correspondientemente, una lengua “no desarrollada” sería aquella que sólo sirve a algunas de esas funciones y no a todas ellas; lo que equivale a interpretar el desarrollo de una lengua como un concepto funcional, vinculando el papel de la lengua a la sociedad en que se habla. Es el Aymara una lengua ¿“no desarrollada”? La evidencia induce a pensar afirmativamente por cuanto, aun siendo “oficial”, no se usa completamente en educación, en la administración pública, la literatura, la religión, etc. Sin embargo, la idea de “desarrollado” y “no desarrollado” supone el concepto de progreso y evolución, y por tanto todos los idiomas están en ese camino. Hallyday (1986:257) explica “todas las lenguas poseen el mismo potencial de desarrollo como vehículo para las matemáticas, la ciencia y la tecnología”.

Una manera de desarrollar una lengua es ampliando el conjunto de sus funciones sociales. Dicho objetivo se logra desarrollando nuevos registros. De acuerdo a Hallyday (1986: 254): Un Registro es, junto con las palabras y las estructuras que lo expresan, una serie de significados adecuados para una función particular del lenguaje. Podemos hablar de un “registro matemático” en el sentido de los significados que pertenecen al lenguaje de las matemáticas (esto es, de la utilización del lenguaje natural de las matemáticas; no de las matemáticas en si) y que un lenguaje debe expresar para que se le utilice con propósitos matemáticos. La parte importante de un registro, más que las palabras y unidades, es decir, los significantes, son los significados. Nuevos significados puedan expresarse a través de nuevas palabras o de otras maneras como pueden ser: 1) Reinterpretando las palabras existentes; 2) Creando nuevas palabras a partir de la existencia de palabras nativas; 3) Tomando palabras de otro idioma; 4) Calcando; 5) Inventando palabras totalmente nuevas; 6) Creando locuciones; 7) Creando nuevas palabras a partir de palabras no nativas. Para un alumno campesino aymara, muchas veces un cuadrado es “kajuna” o “Pusi Iskina” y un triángulo un

“Kimsa Iskina”. Esta es la ruta idiomática que han transitado idiomas como el mismo español y el inglés al desarrollar su registro matemático, dirección en la que actualmente se encuentran, y en la que deberían seguir nuestros idiomas nativos para solucionar los problemas de la comunicación lingüística especializada. Aquellas lenguas que han sufrido las consecuencias dañinas de su convivencia con lengua dominantes como las europeas denotan un creciente desuso y pérdida vernacular. Por tanto, es muy importante para los estudiosos de la educación bilingüe investigar, identificar y desarrollar recursos lexicales dentro del mismo idioma nativo. Jung-López (1988:179) agregan: El nuevo rol, que han debido asumir el quechua y el aymara como lenguas a través de las cuales se desarrolla la educación y las interacciones en clases, imponen la necesidad de crear términos que hagan posible este nuevo caso. El niño tiene entonces que entender y usar este nuevo repertorio lexical. Dentro de los actuales programas de educación bilingüe, se estima en más de 500 el número de términos matemáticos validados dentro del aymara así dirigidos a ampliar el registro matemático en dicha lengua.

5. La Lengua Materna y el Proceso de Socialización del Educando El niño desde su nacimiento inicia su proceso de socialización teniendo como instrumento para ello a la lengua materna. Entendemos como socialización al “proceso mediante el cual el niño se convierte en miembro de una organización social determinada”. (López 1986:325). Mediante la lengua aymara el niño se comunica primeramente con el primer educador de la humanidad, la madre. Gradualmente entonces va apropiándose de su entorno mediante la fijación de palabras inicialmente, y así empieza a pensar en términos de su propio idioma. En un primer momento las palabras que el niño emite tienen un origen primario y múltiple, para luego, a medida que la relación lengua y pensamiento crece, la significación se vuelve más completa y específica. Al entrar a la escuela, el niño ingresa con un conocimiento del vocabulario y gramática de su lengua de una manera incompleta y todavía en proceso de perfeccionamiento. Al mismo tiempo, bajo los auspicios de los padres y de su propio entusiasmo, el niño accede al dominio de la lecto-escritura, un paso maravilloso en su vida, pero se da en una lengua que no habla su familia, sino en una lengua extraña a su comunicación y pensamiento, es decir, en español. Con la escuela el niño también ingresa a una educación formal, en contraste a una educación informal bajo cuyo influjo ha crecido. En tanto que la educación formal exige reglas y disciplina escolares y el reconocimiento de una autoridad similar a la de padre como es el maestro, en este tipo de educación, muchas veces, los contenidos resultan extraños a su dinámica social, abstractos, carentes de valor utilitario inmediato, a diferencia de la educación informal que recibe de su intervención con el medio, y la cual es altamente utilitaria. La educación no formal por tanto resulta más permanente al ser contrastada y verificada cotidianamente, mientras que los contenidos que la segunda lengua le ofrece son solamente utilizados dentro de recinto de clase. Asímismo, por el mismo hecho de ser la cultura nativa de carácter ágrafa, en donde el leer y escribir no adquieren mayor importancia, y por la razón de no existir material escrito en español –menos en aymara-, los significados de los términos escolásticos son dados de una manera completamente verbal y recibida igualmente así. En esta acaso ajena realidad, es de esperar que creciendo como un bilingüe subordinado, el niño campesino requerirá de parte del profesor una porción mayor de tiempo y atención a su

explicación que la de un alumno citadino, acostumbrados oral y escrituradamente a una estimulación mas intensa. La situación problematizada es heredada en la educación secundaria y se precipita a medida que los contenidos matemáticos crecen en abstracción y se alejan del idioma materno. En este desfase lenguaje-pensamiento, los términos matemáticos pueden carecer de significación conceptual para el alumno, y en consecuencia, el rendimiento escolar se ve afectado. En general, López (1998) ha descrito en gran detalle los beneficios instruccionales, afectivos y sociales de programas de educación bilingüe llevados a cabo en Latino América.

6. La Interferencia Lingüística como Problema de Aprendizaje La comunicación lingüística es el proceso por el cual el hombre trasmite y recibe sentimientos e ideas mediante signos lingüísticos. Específicamente, el bilingüismo es la condición lingüística de un individuo que utiliza dos lenguas en su comunicación personal. Una es la lengua materna y otra la segunda lengua o adquirida. Los bilingües pueden ser: ● Bilingües Coordinados: Cuando tienen un dominio igual en las dos lenguas. ● Bilingües Subordinados (o no-coordinados): Cuando maneja mejor la lengua materna que la adquirida. ● Bilingües Incipientes: Cuando el sujeto conoce la segunda lengua muy elementalmente. Es necesario señalar que si el maestro tuviera un habla pedagógica –una lengua naturalmatemática diferente a la de sus alumnos bilingües subordinados o incipientes, esto provocaría un abismo comunicativo en el aula, lo cual debe corregirse con un manejo instrumental del idioma materno y con el uso de metodologías auxiliares. El Proyecto Educativo Regional 2006-2015 lo pone en estas palabras: “Los niños salen mal preparados en el nivel de educación Primaria, debido a que se les impone el aprendizaje en una lengua que no era de su dominio de la mayoría de los educandos; una de las consecuencias son las interferencias lingüísticas, por la mala aplicación de estrategias metodológicas en la enseñanza del castellano como segunda lengua” (Dirección Regional de Educación de Puno, 2005:86). Aun en el caso de que maestro rural en español pueda definir en términos verbales o escritos una noción matemática a sus alumnos, aun inclusive cuando este concepto ya exista bien articulado en la mente del alumno, es bastante probable que el educando de secundaria se limite a repetir individual o coralmente el termino matemático, o lo memorizase mecánicamente para fines de evaluación, por cuanto su aptitud verbal es pobre. Puede darse también el caso del maestro que simplifica a un bajo nivel el uso del léxico matemático. En estas circunstancias, el maestro reduce el proceso de conceptuación de la noción matemática a esferas más prácticas que teóricas, en sacrificio de la abstracción, y moviéndose dentro de una modalidad mas algorítmica. Esto traería una futura desventaja en el universo vocabular del alumno que deberá utilizar necesariamente términos científicos si es que él o ella decide continuar su educación superior. En los casos de problemas lingüísticos de bilingües no-coordinados, como son alumnos de educación secundaria aymara hablantes en su gran mayoría, las interferencias comunicativas se detectan principalmente en la emisión y regulación de respuestas. Dichas interferencias se producen en tres niveles del lenguaje: ● fonológicas, el de la pronunciación. ● sintácticas, el de la gramática.

● lexicales, el de significado. Estas interferencias comunicativas se reflejan a través de los fenómenos de vicarianza, coinhibición, fusión y alternancia. La vicarianza se da cuando el educando recibe una respuesta que tiene las características de una aparente invención verbal. La coinhibicion está relacionada a la dificultad y lentitud expresiva y la fisión y alternancia tiene que ver con el cruzamiento y mezcla entre dos sistemas lingüísticos.

Dentro del fenómeno de fusión y alternancia, tenemos el del par mínimo. Se define el par mínimo como el “Fenómeno lingüístico de intercambio o sustitución de un sonido por otro que produce dos palabras diferentes” (López 1985:325). En la educación bilingüe se utiliza muchas veces la técnica de contrastar elementos lingüísticos de una lengua para determinar su significado. En la enseñanza de la matemáticas se ha podido detectar el fenómeno del par mínimo, en muchos casos como los siguientes: Decena por Docena. Divisibilidad por Visibilidad. Decimal por Dice Mal. Dentro del fenómeno de vicarianza tenemos: Sub Conjunto por Su Conjunto. Par Ordenado por Para Ordenar. Producto por Producción. Índice por dedo Índice. Raíz por Raíz de plantas. Diferencia por Diferente. Sumandos por Suman Dos. Tal Que por Que Tal. Intersección por Entre Secciones. Función por funcionamiento de máquinas.

7. Problemas en la Conceptuación Matemática En el proceso de conceptuación matemática se producen interferencias también desde el punto de vista lingüístico. Particularmente estas se manifiestan en el proceso de pensamiento, es decir: “... En la interiorización abstracta que deviene de la transformación de los estímulos objeto, en la medida que esta es instrumentadas a través del lenguaje” (Gonzales/Aliaga 1972: 222). Dicha instrumentación por parte del lenguaje utiliza la palabra como su elemento esencial y así la palabra viene a ser el vehículo de la relación pensamiento-lenguaje. De acuerdo a Lev Vygotsky (ed 1973:24), la palabra es la unión vital de sonido y significado. “Una palabra no se refiere”, dice él, “a un solo objeto, sino a un grupo o a una clase de objetos, y cada una de ellas es, por tanto una generalización. Ésta última constituye un acto verbal del pensamiento y refleja la sensación o la percepción”. Por esta razón no podemos aceptar pedagógicamente una palabra sin significado por cuanto sería un simple sonido carente de capacidad para instrumentar el pensamiento. El significado de la palabra viene a ser tanto pensamiento como habla, y en consecuencia, una unidad del pensamiento verbal. Podemos concluir aquí que el alumno piensa con el lenguaje, sea este externo o interiorizado, entendiendo como lenguaje interiorizado al habla inhibida sin sonido. Si el alumno, entonces, por alguna deficiencia fonológica, sintáctica o lexical –o una mezcla de los tres-, por un problema lingüístico, no comprendiese el significado del lenguaje matemático al cual está siendo expuesto en el aula, mal podríamos esperar que su razonamiento lógico sea el apropiado, por cuanto la relación lenguaje-pensamiento está desde el inicio interferida por la falta de simbolización adecuada y la consiguiente interrupción del proceso de interiorización del concepto matemático.

8. Problemas Lingüístico-Matemáticos en Aymara Para efectos de identificar aquellos términos matemáticos que presentasen mayor dificultad lingüística, varios años atrás el autor preparó un cuestionario basado en un glosario de 480 términos matemáticos traducidos al aymara en textos de educación bilingüe en circulación en el departamento de Puno en el nivel primario. Los vocablos se agruparon en función de los contenidos de las cuatro primeras unidades de aprendizaje del programa curricular de la asignatura de Matemática del tercer grado de secundaria y que eran compatibles con el currículo primario: ● Conjunto de los Números Reales ● Operaciones con los Números Reales ● Radicación y Potenciación ● Intervalo y Funciones. Luego se seleccionó el 10% de los términos matemáticos, es decir, 48 palabras, clasificándo doce en cada una de sus respectivos bloques, en función de su grado de dificultad lingüística, y agregándose tres términos españoles sin validación pero de conceptuación importante. De estos 48 vocablos, los participantes del estudio eligieron 24 términos que representaban mayor dificultad lingüística para el aprendizaje de la noción matemática por parte del alumno. Durante la administración del cuestionario, también se les pidió a los profesores dar la traducción al aymara que ellos utilizaban en el aula. La investigacion tuvo como ámbito geográfico el área circumlacustre y de carretera de los distritos de Acora, Plateria, Chucuito y la zona rural del Cercado de Puno, comprendidas en la región aymara hablante de la Provincia

de Puno, Departamento de Puno. Estos términos se presentan en la tabla a continuación junto con el equivalente que los profesores utilizaban en sus explicaciones en aymara en el aula. Es de notarse que algunos de estos términos como raíz cuadrada, intervalo y función no tenían equivalente en aymara y por lo tanto se utilizaban exclusivamente en español. Otros resultados cualitativos de la investigación, como las observaciones de sesiones de aprendizaje las entrevistas que siguieron a la administración del cuestionario, revelaron también una tendencia de los maestros rurales a expandir informalmente el registro matemático aymara de acuerdo a la teoría de Hallyday. Por tanto, es muy importante para los estudiosos de la educación bilingüe no solamente investigar sino también validar términos matemáticos de manera que el idioma mismo haga uso de sus propios recursos lexicales. Esta problemática es particularmente relevante puesto que las matemáticas es la disciplina con mayores demandas lexicales en el curriculum escolar (Handal y Bobis, 2004).

Conjunto de los Números Reales

Español Sistema

Aymara Sarnaqawi (Saraya)

Periodo

Mita

Tabla de Doble Entrada

Pä Tuqit mantañan wakicha (Kajuna)

Operaciones con Números Reales

Radicación y Potenciación

Diagrama Sagital

Michín jirsuta

Valor Numérico

Jakhun Chanipa

Producto Cartesiano Tanto por ciento

Kartisyan miratataya Mäjakhu sapa patakat

Regla de Tres

Kimsa ina jakhu

Factor

Miratatayiri

Máximo Común Divisor

Jaqir Jaljtayir Jakhu (TJJ)

Inecuación

Janchikapura

Un veinteavo Inversión Potencia de x

Pä tunkar jaljatan mayapa Thijrakipaña

Potenciación

X kut pay miratatayapa Waljut (waljut) jakh miratatayaña

Transformar

Kutjtayaña

Raíz Cuadrada Simplificar

Jaljat (jasaptayaña) jasachaña

Intervalos y Funciones

Intervalo D(2, 3)

Pä siqt’at jakun qillqa (D) Samarañ qillqa markha

Equilibrio

Chikaniwa

Función Pentágono

Phisqa qawayani

Par ordenado

Pä siqt’ata (payat siq’ita)

Observaciones de sesiones de aprendizaje que siguieron al cuestionario y a las entrevistas dan una idea práctica de algunos de los problemas lingüísticos explorados en esta ponencia. For ejemplo, en una lección sobre Racionalización de Denominadores en una escuela de Acora, se observó el siguiente incidente al final de la sesión. La profesora dice a la clase: “Bien, quién podría decirme que es racionalización? Con sus palabras. Racionalización, lo que hemos hecho en la pizarra. A ver párese! Qué quiere decir racionalizar? Tiene que tener raíz exacta profesora (alumno) Estará correcto? A ver Sandoval. Qué quiere decir racionalizar? Está en la nube (alumnos) Resolver con racionamiento (alumno)”. De este diálogo, se deduce que el alumno ha emitido una respuesta diferente al contexto del tema. Este incidente muestra un fenomeno de vicarianza, es decir, una respuesta de aparente invención verbal. En un colegio de Platería, el autor revisó algunos cuadernos en donde los alumnos habian escrito expreciones como: - “Si dici Enfinito Valor posición numiros Nuestra numeracion cada objeto tiene un valor tinto sigan locupa”

En un cuaderno, cuando el profesor pidió escribir noventa y seis millones, trescientos mil cinco, el alumno escribe: “93 150”. Estos dos ejemplos revelan serios problemas de alternancia en bilingües subordinados y la futilidad de continuar con una educación exclusivamente castellanizante.

9. Conclusión La creciente afirmación en todo el mundo de que la Educación está en crisis nos obliga como maestros a pensar que debemos analizar los factores que precipitan esta situación. Nunca como ahora se perciben y discuten con tanta sensibilidad y magnitud, y de manera tan variada estas razones. Se encuentran éstas, dicen los estudiosos, tanto en el campo espiritual como en el material, en lo técnico-pedagógico, en lo social, en las esferas políticas, económicas, etc. La educación regional siempre debe estar en un proceso de renovación y cambio. En el departamento de Puno, los investigadores de la educación bilingüe intercultural se centran ahora en aspectos más profundos y contextuales como la identidad cultural, la correlación entre la cultura nativa y la occidental, la pedagogía de la pobreza, el valor de las tradiciones orales, el perfil cultural a lograr, etc. El cuestionamiento de los sistemas educativos regionales es cada vez mayor, y las estructuras y procesos educacionales basados en conceptos urbanistas son cada día motivo de mayor discusión. El presente artículo ha pasado revista a ciertos aspectos de comunicación lingüística basado en aquellos términos matemáticos que resultan más difíciles de explicar en el idioma aymara. Al mismo tiempo, nos revela que los maestros en áreas rurales, en la privacidad de sus aulas y a puertas cerradas, poco a poco amplían el registro lingüístico matemático en aymara debido a la necesidad de dejarse entender por los alumnos en el aula. La gran, aunque no nueva lección, es que el pasar desapercibida la lengua y el habla del educando es una grave omisión por cuanto estas constituyen el medio del proceso enseñanza-aprendizaje. Una falta de comprensión de los términos matemáticos utilizados en el aula representa una suerte de virtual incomunicación, sobre todo en el alumno campesino inmerso en una educación principalmente del tipo no formal. En ese sentido, el Programa de Educación Bilingüe Intercultural en la región de Puno ciertamente es de gran beneficio a los cerca de 27 000 educandos bajo su jurisdicción. El poco uso del aymara en la educación, obedece a varias razones como la creencia del profesor de que el alumno debe castellanizarze acelaradamente y la necesidad legal de adherirse a las normas y programas oficiales, ideas que son compartidas generalmente por los padres de familia. Recuerdo una conversación informal con padres de familia, miembros de la asociación, quienes creían que existía un acuerdo secreto entre los docentes para imponerse multa entre ellos cada vez que enseñaban en español. En otros casos, es el desconocimiento del idioma materno del alumno que hace al profesor recurrir únicamente al español como medio de instrucción. El habla, es decir, la realización personal de la lengua, es el vehículo para la transmisión de sentimientos tan importante para el entendimiento humano, y por lo tanto constituye una

maravillosa llave al corazón humano.

Bibliografía Constitucion Politica del Peru. Editorial Inkari. Lima, 1980. Dietschy-Scheiterle, Annette : “Las Ciencias Naturales en la Educación Bilingüe: El Caso de Puno”. TECNOPRESS. Lima-Puno, 1989. Direccion Regional de Educacion. “Proyecto Educativo Regional 2006 – 2015: Diagnóstico de la Realidad Educativa Regional”. Puno, 2005. Gonzales-Moreyra, R. y Aliaga, J. En “El Reto del Multilingüismo en el Perú” ed. Alberto Escobar. IEP. Lima, 1972. Hallyday, M.A.K.: “El Lenguaje como Semiótica Social”. Fondo de Cultura Económica”. México, 1986. Handal, B., y Bobis, J. “Instructional Styles in the Teaching of Mathematics Thematically”. In D. Burghes & T. Zsalontai (Eds.), Series of International Monographs on Mathematics Teaching Worldwide: Monograph 1 (pp.77-86). University of Exeter: Centre for Innovation in Mathematics Teaching, 2004. Handal, B., y Herrington, T. “Mathematics Teachers’ Beliefs and Curriculum Reform”. Mathematics Education Research Journal, 15(1), 59-69. MERGA. Sydney, 2003. Indicadores de la Educación Perú 2004. Ministerio de Educación, Unidad de Estadística Educativa. Lima, 2005. Instituto Nacional de Estadistica e Informatica (INEI). “IX Censo de Población y IV de Vivienda 1993”. Lima, Perú. Jung, I., y Lopez, L.E: “Las Lenguas en la Educación Bilingüe: El Caso Puno”. OCISA, 1988. Ley General de Educacion 28044. Ministerio de Educación. Lima, 2003. López, L.E.: “La Escuela en Puno y el Problema de la Lengua”. En L.E. López (ed.) “Pesquisas en Lingüística Andina”. Lima-Puno: CONCYTEC/UNA-P/GTZ, 265-332, 1988. Lopez, L.E.: “La Eficacia y Validez de lo Obvio: Lecciones Aprendidas desde la Evaluación de Procesos Educativos Bilingües”. En Revista Iberoamericana de Educación, Número 17. Educación, Lenguas, Culturas. Mayo-Agosto, 1998. Lopez, L.E. La Cuestión de la Interculturalidad y la Educación Latinoamericana. Texto Seminario "Análisis de Perspectivas de la Educación en América Latina", UNESCO, Santiago de Chile, Septiembre 2000. Proyecto GTZ. “Diagnóstico Sociolingüístico – Departamento de Puno”. Lima, 1979. Vygotsky, Lev. : “Lengua y Pensamiento”. Ed. La Pléyade. Buenos Aires, 1973.

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

El graffiti: diálogo roto, posibilidad infinita Benjamin González .

Quisiera comenzar esta breve reflexión contando algunas anécdotas relacionadas con graffitis que he visto

en la ciudad de México y que ilustran el tema que quiero abordar, que pasa por poner en evidencia el dialogo roto que existe entre el movimiento cultural que reivindica al graffiti como uno de sus elementos fundamentales y grandes grupos humanos de nuestras sociedades que siguen sin entender este fenómeno, es una lucha entre la necesidad primordial de expresión y trasgresión del sector juvenil y la escasa o nula comprensión por parte de la gran mayoría de la población. Hace menos de un año fundamos en la delegación periférica de

Tlahuac en la ciudad de México una escuela de artes y oficios y un centro cultural, nuestro trabajo en esa comunidad nos obligo a adentrarnos en las entrañas de quizá uno de los pocos territorios semi-rurales que aun existe en nuestra capital. En un recorrido por estos barrios un grupo de promotores culturales y yo encontramos una advertencia hacia los jóvenes que practican el graffiti que rezaba a la letra “no se responderá por tu vida de quien pinte esta pared”. En una delegación donde meses atrás se había linchado a policías federales que ingenuamente tomaban fotos a las afueras de una escuela, la amenaza era realmente escalofriante, pero lo que más nos sorprendió es que cuando vimos la advertencia en la pared, esta ya estaba intervenida por varios “tages y bombas”, alguien había tomado la decisión de desafiar la amenaza y por consiguiente jugarse la vida. Una lluvia de preguntas nos provocó este hecho y que las pongo a su consideración para reflexionar conjuntamente. ¿Por qué un joven adolescente es capaz de arriesgar su vida por pintar una pared? ¿Qué fuerza es tan poderosa que hace que se tomen riesgos extremos para retar a la autoridad o al poder? ¿De donde surge esta necesidad de rayarlo todo y de hacerlo justo ahí donde molesta, trasgrede y provoca? ¿En que pensaba aquel que escribió aquella leyenda macabra? ¿Se sentiría dueño de la vida de un joven que su único pecado era rayar aquella pared? ¿Acaso se percibía al joven grafitero como un criminal que merece morir antes de comprender el fenómeno que lo llevo a pintar? En una segunda ocasión, llegaba yo a la ciudad de Morelia Michoacán justo para participar en un seminario de políticas para jóvenes, cuando me encontré con los diarios locales que anunciaban a ocho columnas una noticia que me dejo paralizado, “caen peligrosos grafiteros”, rezaba aquel diario, la imagen que ilustraba la nota tenia a un grupo de adolescentes colocados en fila frente a las cámaras como se acostumbra colocar a los criminales peligrosos, en sus manos mostraban a la opinión pública sus “armas de alto poder” que no eran otra cosa que latas de spray, válvulas de todos tamaños y colores además de algunos plumones, se les veía en las maños rastros de pintura fresca, para decirlo de forma ironiza, tenían todavía las marcas del “cuerpo del delito”. Era la noticia central en una ciudad donde en aquel entonces era delito

pintar las calles, regreso a nuestra reflexión ¿eran criminales un grupo de jóvenes que decidieron formar una brigada nocturna y rayar paredes y fachadas privadas? ¿Es ético exhibir a un adolescente al escarnio social por un impulso que tiene su origen en la necesidad de expresar sentimientos, emociones, enojos o preocupaciones? Les platicaré una tercera, hace un par de años el hoy jefe de gobierno de la ciudad de México Marcelo Ebrard, en aquel entonces secretario de seguridad pública, a recomendación de Rudolf Guliani ex alcance de nueva york creo la policía “antigrafiti” la justificación para la creación de este cuerpo de elite era “que los grafitos en las paredes eran en realidad marcas de la delincuencia organizada para anunciar los puntos donde se vende droga”, muchos jóvenes grafiteros se mofaban de esta concepción e irónicamente comentaban que en cada esquina de la ciudad había un grafiti en clave que decía “se vende droga aquí, barata y buena, llévela, llévela, llévela” como en el tianguis. La idea de la autoridad sobre este fenómeno social y urbano delataba su ausencia de conocimiento y su alejamiento de la realidad, confundir a la delincuencia organizada con los jóvenes grafiteros lleva el análisis a un punto muy peligroso, pero lo que es peor es proponer una supuesta solución, la policía antigrafiti, que irónicamente no va a solucionar nada, la guerra contra el graffiti es una guerra perdida, por ello es tan importante que empecemos a mirar más y mejor este fenómeno. Que podemos concluir inicialmente sobre el tema que nos convoca. UNO. Que las autoridades y la mayoría de la sociedad no termina de comprender que motiva a los jóvenes a rayar las ciudades. DOS. Que la mayoría no conoce está forma de lenguaje y conversación, por lo que no puede entrar en dialogo con quienes lo practican. TRES. Que es una practica de resistencia, que molesta y trasgrede a quienes no pueden, ni quieren comprenderla.

El graffiti callejero podemos abordarlo desde muchos puntos de vista, es antes que nada un fenómeno social asociado a la necesidad de expresión, de reconocimiento y afirmación social, el grafitero gana reconocimiento y presencia en su crew o colectivo mientras más osado, audaz y atrevido sea, mucho tiene que ver los lugares donde realiza su trabajo,, no es lo mismo grafitear una barda sola y abandonada que una patrulla de policía o un espectacular, cada lugar marca las pretensiones del artista y lo coloca frente a los demás, otro aspecto importante es la necesidad de hacerlo con o sin permiso del dueño del lugar, últimamente se ha desatado un debate acerca de los llamados grafiteros legales, que son aquellos que solicitan permiso para pintar y que trabajan con instituciones públicas y privadas, y los llamados grafiteros ilegales que no reconocen a la autoridad como interlocutor y su accionar es clandestino. A mi juicio ambos bandos son interesantes y necesarios para ilustrar un movimiento cultural como lo es el graffiti, los legales son un pieza importante en la difusión y comprensión del fenómeno para darle visibilidad social y relacionarlo con otras iniciativas estéticas, y los ilegales mantiene este movimiento como un acto de protesta y reivindicación, situación refrescante frente a una sociedad cada vez menos rebelde y participativa. Otro aspecto que debemos abordar de este movimiento es su relación con la actividad artística de una ciudad, siempre surge la pregunta si el “grafitti ¿es arte o no?” y podemos debatir por horas esta difícil encrucijada, pero creo que no es lo más importante, aunque tengo mi opinión al respecto, creo que lo verdaderamente importante es que tenemos a miles de jóvenes que quieren pintar, que quieren hacer stikers, serigrafía y esténcil, que quieren usar estas formas de expresión con la firme intención de inundar todo con nuevas y novedosas ideas, este fenómeno, esta circunstancia no puede ser ignorada por quienes nos dedicamos a la promoción y difusión de la cultura desde el ámbito público o privado, lo que si podemos hacer es aprovecharlo e impulsarlo, incluso debemos provocar a este movimiento para que tenga la necesidad de encontrarse con otros movimientos artísticos y se ponga a prueba.

En el Faro de Oriente, una escuela de Artes y Oficios popular y social en el corazón de uno de los barrios más violentos de Iztapalapa en la ciudad de México, la experiencia con los jóvenes que pintan graffiti es muy reveladora, aprovechamos sus inclinaciones por la plástica para literalmente “entrar al mundo del arte” los jóvenes comienzan haciendo serigrafía o estikers, pero pronto descubren otros soportes igual de poderosos como el grabado, el video o la instalación, se dan cuenta que el graffiti solo es uno de varios lenguajes para decir y expresar las cosas que uno desea aportar y someter a discusión, podemos decir que tenemos en los miles de grafiteros existe un potencial y latente un movimiento plástico en México y en el mundo. Les contaré una anécdota más. Un día llegó al Faro de Oriente un joven grafitero llamado Pablo López, él tenía la intención de inscribiese en el taller de serigrafía pero llegó tarde y no alcanzó cupo, se dirigió al coordinador de talleres del Faro con la intención de ver si existía alguna oportunidad para ser incorporado a serigrafía, el coordinador de talleres le dijo que esperara un trimestre en algún otro taller y de ahí partiera para serigrafía, le recomendó grabado, Pablo le dijo que desconocía todo acerca de este taller y que no le interesaba, el coordinador insistió, lo llevo frente a un tórculo, le dijo que era un taller que le permitiría estampar y reproducir imágenes a partir de una placa de los más variados materiales, madera, plástico, metal o piedra, Pablo por fin acepto y comenzó a trabajar, el maestro de grabado, ya en las primeras clases, le entregó una placa de madera de 20 cm por 20 cm. Pablo acostumbrado a intervenir paredes inmensas, le reclamó al coordinador de talleres diciéndole que era ridículo pintar en un espacio tan pequeño, el coordinador le dijo que el tamaño no era impedimento para hacer grabado y que utilizara la madera que él quisiera, al día siguiente Pablo consiguió un tripay de 2.44 por 1.20metros y comenzó a trabajar, era una pared distinta para él, su gubia se hundía en la madera construyendo surcos que daban forma a su obra, el resultado fue realmente impresionante, murales con temas urbanos de tamaños inmensos fueron realizador por Pablo esos años.

Meses después el grabador y artista plástico Emilio Payan quien ha trabajado con José Luis Cuevas, Alberto Castro Leñero o Aceves Navarro entre muchos otros, visito el Faro, quedo muy impresionado al ver aquellos grafitis-grabados-murales de Pablo López, lo invitó a su taller con la intención de realizar impresiones de tamaño monumental en un tórculo especial a la medida de aquellas placas gigantescas. Nuevamente el resultado fue reconfortante y aquella primera obra callejera se había convertido ya en otra obra. Actualmente Pablo López es tallerista en el Faro de Oriente, pasaron 4 años antes de que aquel joven pudiera convertirse en instructor, ahora habla y trabaja con nuevos grafiteros en la búsqueda de enriquecer esta propuesta estética e indagar nuevos caminos para la expresión y el arte. Comienzo a concluir con algunas reflexiones sobre el parel del Estado y de los gobiernos en relación a este movimiento y algunas recomendaciones. ● Tenemos que acostumbrarnos al graffiti, llego para quedarse, de nada sirve criminalizarlo o amenazarlo de muerte. ● La autoridad pública debe interesarse mucho más en los motivos y fundamentos que procuran este movimiento, debe preocuparse de su comprensión y comunicación con él y dentro de lo posible su negociación. ● Es necesario abrir espacios de expresión para jóvenes con la finalidad de diversificar y multiplicar los lugares de conversación y encuentro. ● Sensibilizar más a la sociedad para abordar de mejor manera este fenómeno, evitando actos de xenofobia y racismo por incomprensión o ignorancia. ● Invitemos a las crew y colectivos a desarrollar nuevas formas de expresión

callejera, quizá de una forma más organizada y sistemática para recuperar el espacio publico, demos color a nuestras grises ciudades, los grafiteros deben contribuir a la transformación de las calles y a la nueva significación de los espacios para los vecinos y transeúntes, procurando un nuevo sentido de pertenencia del barrio y considerarlos espacios creativos y propios. ● Promovamos encuentros entre las crew y colectivos de graffiti con las comunidades de artistas locales e internacionales. Este movimiento es forma de expresión y fenómeno social en las ciudades más importantes del mundo, su vitalidad y rebeldía es un activo para la sociedad y no un problema, cada forma nueva de expresión conlleva una critica y un mecanismo de renovación y vitalidad para la sociedades, el graffiti es sin lugar a dudas una expresión de la vida contemporánea, que debemos apreciar y promover, este movimiento hace mas fuerte a la sociedad y no la debilita, la energía juvenil que trastoca las formas tradicionales de comprender el mundo es nuestro principal valor social. Benjamín González (México, 1973). Ensayista y productor cultural. Ensayo originalmente publicado en UIC # 6 (Revista de la Universidad Intercontinental, México, Octubre de 2007). Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do artista Felipe Ehrenberg (México).

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

Fundación Editorial El Perro y La Rana y la fuerza humanística de la poesía Diálogo entre Miguel Márquez & Floriano Martins .

La Fundación Editorial El Perro y La Rana es un proyecto del Gobierno Bolivariano de Venezuela,

que tiene por lema: “El pueblo es la cultura”. Su actividad editorial desarrollada desde la creación, en 2005, ha generado un cambio concreto en la política cultural venezolana. Con una inestimable diversidad de títulos, la editorial incluye colecciones de clásicos, contemporáneos, antologías, biografías, diarios, crítica, pedagogía, crónica, teatro, de autores de todas partes del mundo. Es una aportación sin igual en el mundo editorial de nuestro continente. Además de las publicaciones, Fundación y Ministerio de la Cultura trabajan, de manera integrada, en la

gestión de concursos literarios, premios internacionales, y la producción del Festival Mundial de Poesía de Venezuela, que tendrá en 2008 su cuarta edición. El poeta Miguel Márquez (Caracas, 1955), quien habla aquí con otro poeta, el brasileño Floriano Martins (Fortaleza, 1957), acerca de la creación y desarrollo de la Fundación Editorial El Perro y La Rana, es su presidente, además de un hombre apasionado por la perspectiva humanística de recuperación de la dignidad encubierta de nuestra América y el papel fundamental que representa la gestión correcta y justa de una política editorial. FM ¿En qué circunstancias surge la Fundación Editorial El Perro y La Rana, e de que modo tiene alcanzado su objetivo de democratización del libro y la lectura?

MM La Fundación El Perro y la Rana es la materialización de un esfuerzo editorial que comenzamos desde el Consejo Nacional de la Cultura (CONAC, antiguo ente rector de la cultura), bajo la directriz de Farruco Sesto como presidente del antiguo CONAC, hoy Ministro del Poder Popular para la Cultura, justo en el momento de recibir de Cuba una donación de 25 millones de libros para el plan de alfabetización de Venezuela, que en un año y medio tuvo un impacto tremendo en todo el país y cuestión por la cual Venezuela fue declarado Territorio Libre de Analfabetismo por la UNESCO. En ese momento, decía, tanto Farruco como el también poeta Gustavo Pereira se preguntaban cómo corresponder al hermoso gesto cubano con una acción que le hiciera justicia, es decir, al hecho de que un país bloqueado por el imperio más grande que conozca la historia pudiera donarnos 25 millones de libros. Como respuesta

surgió la creación de la Biblioteca Básica Temática, con títulos de interés general (las cooperativas, las fronteras, la tierra, la organización social, el ambiente, la sexualidad, la lectura, hasta completar 25 títulos) y escritos por escritores, no por técnicos. Los libros los comenzamos a preparar en el 2003, salieron publicados el año 2004 con el sello del CONAC (hasta alcanzar la cifra de 25 millones), pero como te digo, son los antecedentes de esta Fundación que el próximo febrero cumplirá dos años de fundada. De ese esfuerzo que en un comienzo contaba con dos personas y una computadora fue surgiendo la necesidad de pensar en una editorial nueva del Estado venezolano, con un perfil masivo en sus ediciones y con una fuerte impronta popular, es decir, distinta tanto a Monte Ávila Editores Latinoamericana como a Biblioteca Ayacucho. Una editorial en pie de lucha, por un lado, por otro, inclusiva, y que hiciera realidad un modo de producción que contemplara la creación de un gran taller editorial, donde estuviesen reunidos lectores, editores, transcriptores, correctores, diseñadores, diagramadores, para de esta manera garantizar los tiempos de producción y el control de los costos de la producción misma. Esto lo logramos equivocándonos lo más rápido que pudiéramos, pues el desafío era el de llegar a imaginar y poner en marcha un taller que pudiera llegar a editar mil títulos al año. Te podrá imaginar lo que esto suponía cuando hablamos de que para aquel momento contábamos con una computadora y dos personas. Pues bien, ese taller hoy día está montado, somos noventa y cinco personas y con diversos equipos. De varias maneras hemos visto y vemos la realización de nuestros objetivos. Primero, poniendo el libro al alcance de las mayorías en distribuciones completamente gratuitas o con precios muy accesibles para el público de menor poder adquisitivo. Por ejemplo, nuestros libros pueden ser adquiridos desde 25 centavos de dólar hasta dos dólares. Son libros completamente subsidiados. También incorporando al mayor número de escritores venezolanos que no tenían

dónde publicar sus libros. Para esto, en una primera instancia, creamos un certamen que lleva el título “Cada día un libro”, en el primer concurso ganaron 169 (ya editados) y en el segundo 87 (editados en un 50%). Estimulando la creación de círculos de lectura (en este sentido todavía falta mucho por hacer), dotando al circuito del libro de una distribuidora nacional que hoy tiene el mismo tiempo de fundada que la editorial El Perro y la Rana, y creando nuevas librerías del Estado (que hasta hace muy poco eran 10 y en la actualidad contamos con 52, con mínimo de una librería por cada entidad estadal. Fortaleciendo los eventos del libro, como el Festival Mundial de Poesía (mes de mayo) y la Feria Internacional del Libro en Venezuela (mes de noviembre), que son eventos nacionales, no sólo de la capital, Caracas, que anteriormente devoraba para ella misma y unos cuantos miembros de la clase “culta” los beneficios que llegan actualmente a públicos muchísimos más numerosos y diversos. FM Se consideramos su condición de editorial del Estado, ¿cuál es su relación con el Ministerio de Educación? MM Es muy difícil el trabajo con una institucionalidad que venía con años de mal funcionamiento. Difícil el trato, difíciles los acuerdos, difícil hablar el mismo idioma. En esto tenemos una seria debilidad que esperamos modificar con las renovaciones de los puntos de vista en el Ministerio de Educación y sus zonas educativas en el país. FM ¿De qué modo se concretiza la distribución de libros venezolanos afuera del país? ¿Cuál es el alcance de esa distribución se pensamos en el mercado editorial español y hispanoamericano? MM Pues para ser francos apenas comienza, y comienza justamente con la creación de la Distribuidora Nacional del Libro, con capacidad de establecer los acuerdos con otros distribuidores o libreros internacionales. Y también para tener una presencia efectiva en las ferias internacionales más importantes. De este modo, y desde una política integracionista en Venezuela, creo que con el circuito hispano-americano podremos más pronto que tarde tener un catálogo bien completo y multinacional, al menos ese es el sueño, y un sueño que hoy ya cuenta con los mecanismos y herramientas de los tratados culturales del Alba para poder alcanzarlo. FM ¿Es posible hablar de un trabajo común envolviendo El Perro y La Rana y otros proyectos editoriales como Fundación Biblioteca Ayacucho y Monte Ávila Editores?

MM Pero por supuesto que sí, absolutamente cierto. Y no sólo como potenciales compañeras editoriales, sino como lo que somos, una tríada editorial del Estado Venezolano con perfiles definidos y con hilos institucionales bien claros, una tríada que semana a semana se reúne todos los lunes en la mañana para analizar los planes y proyectos de la Plataforma del Libro y la Lectura (integrada además por el Centro Nacional del Libro, la Casa Nacional de las Letras Andrés Bello, la Distribuidora Nacional del Libro, la Fundación Librerías del Sur y el Centro de Estudios Latinoamericanos Rómulo Gallegos). FM Actuaste en la dirección general del Festival Mundial de Poesía en su edición inaugural. ¿De qué manera este dialogo con los escritores del mundo ha ayudado a difundir la literatura venezolana?

MM De una manera formidable y donde se unen varios aspectos, el primero, la calidez del contacto que tiene repercusiones indecibles en el tiempo y en el diseño de trabajos en conjunto; el segundo, la aproximación a la realidad venezolana de los escritores que ven empañada su mirada por todas las mentiras que los medios privados de comunicación comentan sobre nosotros, cuestión que se convierte en dispositivo revelador de un forjamiento de una Venezuela más democrática y justa, y esto, en no pocas ocasiones, se convierte en un estímulo de conexión para el diálogo y la difusión de lo que realmente ocurre en el país, incluyendo por supuesto lo que ocurre en la literatura, o en el mundo del libro y la lectura. FM Se hablamos un poco de poesía, ¿cómo tienes observado en tu

país las conexiones entre tradición y ruptura? MM Hablar de tradición en Venezuela es justamente hablar de una constante serie de rupturas. Nuestra tradición (si por ella entendemos una vasta y sorprendente unidad heterogénea y multifacética) se le podría aplicar lo que Octavio Paz llamaba “la tradición de la ruptura” en el siglo XX. Pero si ponemos en la poesía en rigor “venezolana” como punto de partida a Andrés Bello ya hacemos notar una ruptura con la tradición heredada de España, la poesía cumple con un nuevo principio identitario y así inicia su ruptura con la poesía española, a pesar de nutrirse sobre ese suelo (eso sin remontarse al español Juan de Castellanos, el primer poeta que escribe sobre Venezuela). Pero desde entonces hasta la actualidad (con sus debidos puntos álgidos y empozamientos) no ha dejado de persistir un espíritu de auto-renovación. Cada nueva promoción se opone de forma radical a lo anterior, pero a su vez destacan ciertas constantes. Se puede sentir a Vicente Gerbasi en la poesía de Ramón Palomares como a Ramos Sucre dentro de la poesía de Armando Rojas Guardia, como en cualquier tradición. Pero lo que sí destaca es su heterogeneidad: a la vez que Ramón Palomares iniciaba a experimentar fusionando la poesía de vanguardia con las voces de la oralidad andina, trujillana, Juan Calzadilla desarrollaba sus poemas satíricos bajo un lenguaje racionalizado y perfectamente gramatical por llamarlo de alguna manera. Y ambos formaban parte de las trincheras del Techo de la Ballena sin conflictos estéticos. La conciencia frente a la tradición es ambigua, cabe mencionar, pues muchas veces si por un lado más rompe con la “tradición”, por otro lado se asa con fuerza a otra. Actualmente pareciera que no falta mucho para que las voces de la ruptura se hagan oír, ya que no es osado decir que nos encontramos en un punto intermedio, laxo, entre un extremo y otro, que amerita una nueva ruptura y un nuevo programa que forje, valga la contradicción, nuevos espacios dentro de nuestra complicada tradición. FM ¿De qué modo actúan las representaciones diplomáticas venezolanas, en la esfera cultural, en otros países latinoamericanos? ¿Es posible deducir alguna interferencia negativa del ambiente político? MM Creo que en esta materia hay mucho por hacer, por entender que la imagen del país debe pasar necesariamente por las representaciones simbólicas en su sentido más amplio y por ello

patrimoniales para poder difundir una imagen más auténtica y palpitante de nuestras realidades. Contamos también con delegaciones culturales en el exterior que van de buenas a magníficas, pero en líneas generales el trabajo está por hacerse. La interferencia negativa a la que aludes tal vez pudiera relacionarse también con las respuestas interesadamente políticas y despreciativas y alarmistas con las que aparecen marcadas ciertas acciones de nuestras representaciones en el exterior, por ejemplo la publicación en Brasil de obras de Bolívar en un tomo traducido al portugués que tiene como original la obra publicada por nuestra Fundación Biblioteca Ayacucho, no es más que la presencia obtusa de reaccionarios activadores políticos negados al diálogo que hoy reclaman muchos pueblos como condición necesaria para poder crear una tierra más emancipada de los grandes poderes imperiales. Así pues, amigo Floriano, que sigamos nosotros los poetas construyendo ese universo de afinidades con el amor y la fuerza de los versos y la música de nuestros sueños. Para ver si así... FM Me arriesgo a preguntarte lo que piensas acerca del vacío incuestionable existente en las relaciones entre Brasil y América Latina, lo que es, aunque una lástima, un hecho histórico. MM Es obvio que el principal sesgo existente entre la cultura brasileña con el resto de América Latina es de orden lingüístico. Y por supuesto que esto ha desarrollado culturas en cierta medida distintas, de hecho, diría divergentes pues no difiere en nada el sustrato brasileño que el de cualquier parte de América en su espíritu esencial, y nuestras historias han estado de alguna forma u otra imbricadas (en lo político podemos decir que tanto para bien como para mal, echando un vistazo al pasado siglo XX) pero la relación ha sido permanente a pesar de la división histórica y lingüística. Pero Brasil hace frontera con todos los países del continente y el sesgo no es tan profundo como con las Guyanas. Ahora bien, creo que los intercambios se fortalecen, sobre todo porque juntos bogamos hacia una unidad latinoamericana, y está en nosotros y las próximas generaciones darle fortaleza a unos lazos

que en realidad son eternos. Creo que es un prejuicio de orden cultural que ha desalentado previas iniciativas, pero que poco a poco, nuestras experiencias culturales se enlazarán con mayor fuerza, atendiendo al constante intercambio entre ustedes y nosotros.

Floriano Martins (Brasil, 1957). Um dos editores da Agulha. Entrevista realizada em novembro de 2007. Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do artista Felipe Ehrenberg (México).

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

Guillermo Fernández: "La aventura humana todavía tiene sentido" [entrevista] Alfonso Peña .

San

José, 1981. Viernes por la tarde. Por las cercanías del Farolito, en medio de los postreros juegos pirotécnicos de la puesta de sol, vamos caminando y charlando en cuadrilla. Nos regodeábamos en una conversa que giraba y volvía a retorcerse de Carlos Santana a Buck Mulligan; del comandante Fidel a Jimi Hendrix; de las chicas del Fito’s a las del Tauro’s. Nos pertenecía la tarde. Íbamos camino a la noche. Se podía permitir cualquier vaina. Siempre y cuando tuviese cohesión. Esa palabra le encantaba al

Sufi. El poeta (¡nada de joven poeta!) se nos unió en la esquina del bar Buenos Aires. Lo primero que hicimos fue pedir una botella de saragua. En la barra el poeta nos enseñó su libro recién editado. El Sufi dijo, alzando el vaso ámbar, “hay que festejar a los poetas. Un libro, lo que se llama un buen libro no sale todos los días”. Recalcó: ¿lo dijo Ferlinghetti? ¿Poesía? ¿De qué hablábamos? El Dr. Faustus pidió música. El viciado ámbito sintió la vibra de más de un bolero. Va acorde con el lugar. Lo de bar Buenos Aires se debe al tango, no, al trío Buenos Aires. Pero tiene que ver con el tango. Lunfardo. Bandoneón. Por aquí ha dejado su huella Ray y Gilberto y Daniel y te acordás cuando nos vimos con el Pibe y Kalay. Conforme avanza la noche se dan momentos de altísimo voltaje. El poeta charló sobre Antonin Artaud y el Sufi recitó de memoria el mensaje al Dalai Lama. Cheo sirvió otros saraguazos. En ese mismo momento se escuchaba por el recinto: ¡Somos tus muy fieles servidores. ¡Oh Gran Lama…! ¡Enséñanos, Lama, la levitación material de los cuerpos, y como evitar ser retenidos por la tierra…! Caminamos al amanecer por las calles de Chepe. Estampidos y luciérnagas de neón en la fiesta noctívaga. Sabor acre gas lacrimógeno en nuestras bocas. Era la recompensa de la cruda inmisericorde. Llegamos a la buhardilla-redacción de la revista. A cargar baterías: a subir, nada del horrible down. De repente el Sufi, en un malabarismo: ¡eso de no se sabe de donde lo sacó, de donde vino!, esgrimió una reserva celestial. Era la pócima aligerante del elixir redivivo. Después de la primera reverberación de Purple haze, como un canto visceral, cada uno a escuchar de rodillas esa artera letanía. Con las manos yertas se teclea el suelo al compás del requintazo dislocado. El poeta se inclina ante la sólida “remington”. Pareciera que la sondea, que le mete un latigazo entre la armazón engrasada. Es el duelo con la página en blanco. Es posible que diga, que murmure, que musite con suavidad. Las yemas de sus dedos aceleran el ritmo. Por momentos se vuelve tenso, expectante. El carro de la máquina en cada ir y venir ¿violencia tenue? desgarra palabras, resquebraja adjetivos, trastea metáforas. La página en blanco se va trocando en una mancha grisácea. De repente una figura sobresale entre la textura de la página. Es una especie de esqueleto cartografiado. Son lamparazos en blanco y negro. En la mente del poeta se repite el sonido taquicárdico de la guitarra; por su mano corre un espasmo que lo lleva a la poesía.

Se hizo la mañana. [AP] AP Guillermo, ¿cómo y cuándo fue tu encuentro con la palabra poética? Vos te lanzas al ruedo, siendo muy joven, con un poemario bien equilibrado, La mar entre las islas. GF Mi contacto con la poesía, recuerdo, data desde que tuve conciencia de mí mismo. Admiraba la poesía como una forma convencional de decir no, trasgresión del mero acto de transmitir frases cotidianas. Me aficioné a la poesía con una pasión que creció con los años. Necesitaba explicarme con la poesía. Incluso consideré que ésta podía tener efectos en el mundo, una capacidad de transformación casi milagrosa. Con los años se modificó esa creencia que imagino deriva de una tendencia ancestral de los hombres que hacían uso de la palabra con fines mágicos. El libro de los muertos es un buen ejemplo de esa aspiración del hombre creador. Leí una vez un poema magnífico del norteamericano Allan Tate en el que retrataba esa búsqueda de su juventud por modificar el mundo, un poco nostálgico de esa presunción imposible. Me emocionó ese hallazgo. Siempre tuve la convicción de que la poesía era más que un género literario, la poesía era una demanda cósmica o fuerza universal en la que un grupo de hombres y mujeres estábamos enlazados. La poesía era una “religión”, en un cierto sentido, una religión que poseía su propia ceremonia secreta. Con el primer poemario, probé el placer de las palabras. La mar entre las islas fue una experiencia amorosa con el verbo que no he vuelto a experimentar jamás. Obviamente, el estilo del libro puede no ser contemporáneo, pero supuso mi inserción en el medio literario del país. Ahora lamento no haber podido sostener la voz de dicho primer libro. Entré en un fiero universo sin diálogo con la palabra, buscando y buscando en otros poetas. Fue una fría época de casi diez años donde el placer de la palabra fue espina del ánimo. Asumí, después de La mar entre las islas, ese libro escrito por un joven ingenuo, que se debía escribir como T.S. Eliot. Pero ya T. S. Eliot había escrito su Tierra baldía. Conocer a grandes poetas filósofos fue paralizante. AP Desde ese tiempo, asumiste un compromiso con la palabra poética. El poema trabajado como una totalidad, desnudo, sin artificios. Es probable que el misterio esté en la “buena cocina”, como sucede con algunos artistas plásticos. GF Creo que el poema, es decir, cada poema es irrepetible. No creo en producción a chorro, sino en una labranza paciente, particular. Paul Valèry tardó veinte años en escribir Cementerio marino; Rilke, otros veinte para terminar sus Elegías. A veces trabajar un poema

también significa sacrificarlo, dejarlo en el olvido. A veces solo nos queda una frase. En este sentido, no soy aficionado a la idea de que se puede escribir todos los días. La verdadera poesía es el breve resultado de un artista durante toda la vida. Tenemos el caso de Charles Bukowski, que escribió grandes poemas a la par de otros muy malos, megalómanos, efectistas. Lo mismo le ocurrió a Neruda, que le escribió odas a Stalin. Constantino Cavafis es el tipo de poeta que solo escribió lo que debía escribir. La “buena cocina”, como vos lo decís, tiene que ver a veces con largos periodos de silencio. Incluso es buena cocina la imposibilidad de escribir. Porque es un hecho que hay épocas en que el poeta está dormido, como vapuleado por la realidad, soportando a ese hombre penoso de todos los días, ese que solo mira y calla. En algún momento, sin embargo, como un asaltante, el poeta nos arrebata la murria, la pereza, la estrechez mental, y volvemos a nuestra lucha, a sentirnos despiertos. AP Se puede percibir en tu poesía una preocupación por decir las cosas de una manera categórica, pero a la vez el lenguaje está trabajado con una alta dosis de símbolos y metáforas herméticas, que pueden llevar al lector por diversos senderos, quizá es una manera de no ser complaciente, ni lineal. ¿Cuáles fueron tus lecturas, tus influencias? GF Vivimos la época de la comunicación complaciente, porque todo está configurado mediante la necesidad de vender de la forma más expedita y fácil. Este mecanismo del capitalismo ha permeado toda la cultura. No en balde algunos de los escritores más famosos hoy se confunden con vedetes. La mercadotecnia aplicada al libro, desde la venta de las grandes editoras a las corporaciones comerciales, tiene a mi parecer repercusión solapada en el mensaje del creador que aliena su trabajo a los moldes de mayor venta. Esto ha sido como alisar el verbo hasta convertirlo en una vestimenta de uso masivo. En este marco existen resultados buenos, pero no todo es bueno.

Desde muy joven supuse que el verbo debía tener su vecindad con el lenguaje arquetípico. Esta había sido mi experiencia con la lectura de los simbolistas y parnasianos. Nunca consideré que la poesía pudiera ser sencilla expresión cotidiana. Para mí debía ser búsqueda del lenguaje perdido, de ese que solo se pudiera evocar, nunca designar de manera precisa. Obviamente, esa fue una actitud superada. Creo que el poeta debe hablar con la lengua de todos días. Pero a mí me ha costado mucho. Fui presa de cierto alambicamiento que algunos no han tardado en señalar, incluso de manera negativa. Hoy estoy de acuerdo con que la claridad es básica en la comunicación poética. Sin embargo, me siguen gustando poetas como Rene Char o Rilke, como Rimbaud o Baudelaire, este último mi poeta, el poeta por excelencia, el médium, el albatros sin destino en la sociedad, el cantor de viejitas raídas, el alucinador, el gran evadido que nunca pudo evadirse, el más tierno de los condenados. Hoy ser sencillo es el reto más grande del mundo. Ser sencillo es botar toda afectación, es rehuir el facilismo expresivo de coyuntura, la pose progre, el nihilismo de pacotilla que a tantos seduce. AP Después de escribir el poema, ¿qué queda? ¿Un signo indescifrable, un castillo de naipes, pasas al otro lado del cristal o es tu propia vivencia? GF Después de un poema queda una sensación de trabajo a veces inconcluso. Es la experiencia de muchos poetas, y también la mía. Lo que se produjo ya no permite enmiendas. He considerado a veces que algunos poemas han sido tan vivenciales que ya ni siquiera entiendo qué emoción los produjo ni qué quisieron decir. Me quedo con unos cuantos que representan mejor lo que dije, la intuición que tuve en ese momento. Sé también que escribí algunos poemas que solo derivaron de una situación coyuntural; los miro ahora con extrañeza y, por qué no, con cierta pena. Lamento, por otro lado, haber botado algunos poemas que me parecen hoy valiosos. Los tiré a la basura en un trance de intolerancia tan grande conmigo mismo que solo me parece posible gracias a la existencia de un “otro” dentro de mí capaz de ser infame con el esfuerzo y el amor de mi vida. Hoy envidio a los poetas que protegen su arte contra el agitado mundo moderno que nos tocó vivir. Incluso envidio a los golfos de la poesía, porque yo también fui un golfo de la poesía, un vividor

desinteresado del verbo. Me parece maravilloso que existan jóvenes que “desperdicien” su tiempo escribiendo poemas. A veces los considerados “buenos” poemas, esos que ganan premios, son como esqueletos de mariposas. También comprendo hoy que la poesía es más una actitud. La poesía no es un género literario. Mentiras. Eso de los géneros está bien para los profesores de literatura. La poesía es una forma de aproximarse al universo, y esa forma es la más noble de todas, la más real y transparente. Ninguna otra expresión nos ubica de manera tan esencial en el universo como la poesía. La verdadera poesía no puede mentir. Y los hombres, a pesar de que viven en la mentira, saben esto y en el fondo la temen y la veneran. Cuando un poeta entra al mundo con una voz nueva, atrae los corazones, los atrapa en una comunicación libre de todo interés. Es el acto supremo de comunicación. AP Vayamos a tu poemario Atrios ¿De qué modo se gesta? No es un poemario como el anterior. Más bien está en el tránsito de hacer de la palabra un objeto sucinto. No es que no haya brillantez, o metáforas deslumbrantes. Más bien se puede adivinar en la poética una dinámica imaginativa, cierto matiz filosófico en el tratamiento de la palabra. GF Es cierto lo que decís. Atrios es un poemario en que traté de pensar sobre el mundo de una manera grave y trágica. Quise lograr un máximo de concisión. Algunos poemas todavía me gustan, son ensayos sobre una concepción fragmentada de lo vivido en los ochenta: falta de rumbo existencial, horror al prójimo, disipación, crisis amorosa, todos estos ingredientes que fueron mis recetas preferidas, y que ahora me suenan hueras, o por lo menos no me atañen. En sí el poemario, aunque no brillante en sus imágenes ni “positivo”, contiene algunos trabajos concretos que son como esculturas en las que labré mi tiempo personal, mi vacío de esa época, que tal vez solo fue mío, o también parte del tiempo que viví. En Atrios también se configura una suerte de reflexión dislocada. Mi idea en ese tiempo era que no se podía decir nada racional del mundo, que la lógica no podía ser presentada en el texto literario, porque no existía tal cosa en la vida. Solo se podían ofrecer brochazos de las circunstancias, o epifanías cuya transcripción era desoladora. AP Existe una

“corriente” ligada a la poesía social o revolucionaria. A veces pareciera que esa “tendencia centroamericana”, que aún respira, convierte a la poesía en un ticket de caja registradora, de logotipo de supermercado. Parece que cercena el mito, le niega toda posibilidad de metamorfosearse en un “objeto artístico”. Convierte a la poesía en un fetiche del “cataclismo” actual. GF Cuando se produjo la revolución en Nicaragua, el entusiasmo que se produjo en el país fue enorme. Recuerdo que hubo una feria del libro en lo que es hoy la Plaza de la Cultura y que en dicha feria los nicaragüenses eran la atracción. A todos los que deseábamos escribir los colegas de Nicaragua nos recomendaban hacerlo sobre la revolución, el pueblo, la lucha guerrillera… Recuerdo que había revistas literarias con poemas que explicaban cómo se diseñaban granadas. Vos te acordás de eso porque llegaban al apartado de la Revista Andrómeda que dirigiste por tantos años. A la distancia nos parece ficción. Ahora no veo por ningún lado a esos poetas revolucionarios. Creo que fue una moda. La moda también puede ser producida en París o en cualquier país de Latinoamérica. La moda es aplastante y encubre lo que no es considerado moda. Con todo esto tampoco se puede ser muy cruel. Se entiende el entusiasmo por cambiar las estructuras sociales de estos países. Pero creo que la idea de amoldar toda expresión en el intento de denunciar la injusticia ha producido demasiada mediocridad en las letras. Recuerdo un poeta que hablaba lindezas sobre la revolución ante su sétimo café en el conocido bar Chelles. Este señor nos decía, en tono muy sabiondo y sentencioso, a los más jóvenes, que mientras Guatemala padecía los crímenes de una dictadura, nosotros, los poetas jóvenes e inconscientes, nos dedicábamos a escribir una poesía amorosa y llena de adornos. Este señor ahora viaja en limosina y dejó de escribir. Para nada le importan los indígenas de Guatemala, ni la palabra pueblo. Escribe los discursos de los presidentes. Después de tanto tiempo persiguiendo la poesía, incluso huyéndole, incluso odiándola por muchas razones (entre ellas por desaliento, realismo feroz e inquina de lo que se valora hoy como poesía),

supongo que uno escribe solo lo que puede escribir desde su más auténtica soledad. Lo que queda de tanto bullicio es una comunicación básica entre un semejante y otro, un mensaje que permitió la comunicación esencial entre los seres. Ahora bien, estoy de acuerdo con que la poesía se puede convertir en un fetiche ideológico. En un extremo está el arte al servicio de la revolución, y nos encontramos con dicterios stalinistas peligrosos, y en otro extremo está el arte al servicio del peor nihilismo, donde se pueden exhibir perros que mueren de hambre. Abomino de cualquier bando. AP Hace tiempo quiero que abordemos un tema que está vinculado –de uno u otro modo– con esta conversación. Me parece que aquel joven poeta, que vivía a veces como un “guerrillero” en ciernes, o un trashumante noctívago, tenía amplia posibilidad de manejarse en los parámetros y el estilo de la poesía exteriorista y no lo hizo. Más bien era contundente en sus postulados y cierto matiz de desprecio sobresalía entre sus labios para hablar de esta corriente. Cuando se hace una relectura de sus poemas queda la impresión de estar leyendo a un poeta fuera de serie; descollaba y sobresalía entre las modas del momento. Como lo intuyes, me refiero a la figura de David Maradiaga. GF David Maradiaga fue el más grande poeta de su generación. Escribió poemas que aún no han sido completamente asimilados. Son parajes nuevos en la poesía nacional, algo así como Eunice Odio, a quien la han convertido en un icono. Lamento pensar que lo mismo sucederá con David. En el futuro, será considerado una especie de oráculo que muy pocos entendieron y que puede ser utilizado como mecha para muchos petardos exhibicionistas. David fue un poeta que vivió a su modo. Su visión era la del águila, pero su carne era solo la de un simple muchacho sin rumbo, casi un expatriado. Era un artista capaz de profesar las más grandes contradicciones. Era un ser llameante que pasó al lado de quienes lo quisimos y lo entendimos, a pesar de que fue intratable, iracundo, injusto en la amistad, injurioso, exigente. Cuando leo sus poemas, me sitúo en aquellos años desiertos que nos tocó vivir, y digo desierto porque David fue –ahora lo comprendo– el símbolo de los ochenta y noventa en nuestro país: un alma atribulada y llena de sed por conquistas imposibles. David Maradiaga era un poeta que debió vivir más. Aún recuerdo muchos de sus buenos poemas que se perdieron. Resuenan en mí,

desde el día que lo conocí en aquella cantina alucinante que se llamó El Lobo Púrpura, donde tantos nos consagramos a beber y a convivir con una poesía de ladrillo, de flores lunares, de locos encantadores. Lamento que mucha de la poesía de Maradiaga se haya perdido. En su tiempo encontró impedimentos reales para que una editorial le aprobara uno de sus poemarios. El académico insulso que le negó esa posibilidad puede hoy ser un oscuro catedrático que habla sobre literatura, pero su poesía y su mente son manufacturadas. En cambio, el espíritu de David es flamígero; su verso está lleno de posibilidades, cada una de sus sentencias son como frases de esfinge. En vida, por supuesto, le cayó mal a todo el mundo. Era realmente un geniecillo imparable. Recuerdo el día que le fue a decir a una escritora de poemas eróticos muy respetada en el país (porque el costarricense es muy pusilánime y mojigato ante el sexo) que era solo una burguesa llena de chichés. Lo sacaron del recital. Lo iban a linchar en la calle. Un día agravió a un poeta oficial, buen poeta por cierto, porque había dedicado su vida a ganar premios, a utilizarlos para su propio beneficio, lo cual en este país es moneda común. David Maradiaga comprendió que escribir en Costa Rica era la tarea más ridícula. Jamás le iban a abrir un espacio, a él que era demasiado sincero, demasiado poeta para achicarse ante el lambiscón, el académico roñoso. Su vida era ciertamente un viaje de excesos que en él parecía tener un sentido. Es extraño. Ahora bien, David Maradiaga se ha convertido en el icono de un grupo de poetas que juegan de peligrosos. Son los chicos malos que han venido a sustituir a David. Sin embargo, ninguno de ellos escribe como Maradiaga, ninguno de ellos es realmente un poeta maldito como lo fue realmente David, y ninguno de ellos lo ha leído seriamente. Si realmente leyeran a David, entonces encontrarían a un poeta superior y refinado. Nada de medio pelo. AP Pasemos a Danzas, otro de tus poemarios. En el año 2002, la Editorial UNED realizó una cuidadosa edición. En alguna ocasión, el poeta Alfonso Chase dijo: “es celebración… Danzas es la celebración de Guillermo a través de su poesía”. Conversemos en términos de estructura y concepción de la idea poética. GF Danzas es un poema que estructuré durante varios años. Se trata, ciertamente, de una celebración. En realidad, es un libro de poemas amorosos, el campo donde mejor me he sentido, porque es donde más sueños prohijé desde que me enamoraba de la vibración

terrena y no tan terrena de las mujeres. Compruebo, a cinco años de publicado el libro, que también tengo algunos poemas favoritos y otros no tanto. Pero me gustó elaborar el proyecto. Sobre todo, estaba realmente enamorado de una forma platónica, y este estado triste para un hombre lascivo y carnal como yo era la segunda vez que me ocurría. Quizá el amor es la estación que nos une a todo lo existente. Por lo demás, no hay mucho amor en los días de un hombre y una mujer. Vemos, por ejemplo, el tumulto en una ciudad y nada parece más alejado del amor como el placer, gozo y comunión con un ser que nos invita a su vida. Todo es sucio y raído. Hasta las financieras están pobres. Hasta los templos exudan tristeza planetaria. El amor, para mí, fue como la droga natural que me mantuvo alerta durante largos periodos de tiempo y donde pude haber sido solo un autómata. Solo el amor me ha alejado del automatismo. Y eso lo sé. Por eso lo he buscado tanto. Agradezco al amor la posibilidad de haber escrito sobre él, de haberme sentido un mortal habitado de súbito por la danza de los planetas. Claro que todo pasa y nos queda el recuerdo de la danza. Y la danza efectivamente nos sucedió. Mi libro recoge esos instantes, como casi cualquier poema de amor que recoge la fragancia de la fuga que somos todos cuando deseamos que algo permanezca fijo. AP Después de la publicación de Danzas, das a conocer el volumen Efecto invernadero, que es una selección de cuentos. Lo cotidiano y lo fantástico se entrecruzan y conforman un laberinto eficaz. Queda la sensación de que tu narrativa está cargada de elementos líricos que le confieren a la prosa la musicalidad y cadencia que el lector busca. Estos son textos vitales, orgánicos, con la adición especial del elemento sorpresa, pero con una alta dosis de plasticidad poética. GF Efecto invernadero fue una obra que me gustó escribir. Había empezado a componer una novela que no había cuajado, y que se concretó en el cuento que lleva el libro por título. Ahora lamento no haberla terminado. Me faltó empuje. El cuento, así, inconcluso trata sobre un viejo amigo de los libros que visita La Espiral, una compraventa de libros usados que yo sitúo en Paseo de los Estudiantes. Allí se reúne con algunos amigos, también obsesionados con la literatura. Mientras un día escapa de los “chapulines” en la Avenida Segunda, busca refugio en otra compraventa donde conoce a Carla, una absurda vendedora de

libros y revistas que parece mujer necesitada, de esas que uno conoce por la vida y que son sobrevivientes de relaciones y proezas sin cuento. El hombre se siente a sus anchas con la vendedora e inicia con ella una historia de amor. Creo que Efecto invernadero posee cuentos, como vos decís, que intercalan lo más cotidiano con lo fantástico. La lectura sobre todo de los norteamericanos como Raymond Carver, John Cheever, Robert Fox, y otros, y de cuentistas como Borges y Cortázar, Rulfo, ha sido fundamental. Algo sí es cierto: cuando leí a Antón Chejov me mordió la serpiente. Me prometí escribir alguna vez algo parecido a La dama del perrito; tanto me intrigó este cuento, por ser tan perfecto. La lectura de Chejov fue apasionante. Llevaba mi antología del ruso por doquier. Releía sus relatos con una admiración desbordada. He llegado a pensar que de tanto releer los mismos trabajos de un autor le queda a uno como una costra en el cerebro, una costra verbal, que luego sirve de basamento para los futuros cuentos que uno escribirá. Debo decirte que también he rendido culto a Ray Bradbury, el mago de Crónicas marcianas. Cruciales han sido los cuentos de Nathaniel Hawthorne, Flaubert, James Joyce y el irlandés Dylan Thomas, este último un cuentista fabuloso. Me parece que en Costa Rica existe mucho material para escribir. No hay que ir tan lejos para saber que en nuestro suelo hay exceso de vivencia fantástica, capaz de inspirar a cualquier escritor. Costa Rica en el fondo es como un continente y pasan cosas extrañísimas. El lugar común de que nada ocurre aquí desde el big bang y que ha hecho “célebre” a un escritor nacional que se cree demasiado listo, es una de las creencias más baratas que existen. Es un hecho que algunos escritores en este país se la pasan hablando trivialidades con el fin de obtener la venia oficial y el beneplácito de los académicos aburridos. Gracias a Dios, la literatura demostrará que en este país ocurren cosas todos los días. ¿En dónde no es así? Claro, comprendo que algunos deban ir a París para decir que han vivido, como si cambiar de lugar geográfico lograra retocar una imaginación pobre. AP Durante muchos años te has balanceado en la cuerda de la

creación, la edición y la crítica. ¿Nos podrías hablar sobre estas ocupaciones? GF Me gustaría dedicarme a la creación tiempo completo. Sin embargo, esto no es posible en países como los nuestros donde ser “creativo” solo se permite en las agencias publicitarias. Ahora bien, para ganarme la vida he tenido que hacer de todo. Me fui haciendo editor por fuerza de las circunstancias. Hoy día puedo diagramar mis propios libros. Me encanta hacerlo. También he escrito comentarios de libros. Podría vivir comentando libros de todo tipo en una página literaria. Creo que es una de las ocupaciones más dignas que conozco. El comentador de libros es un escudriñador de sentidos. Yo no creo que sea un crítico literario. Los críticos literarios son sospechosos. He conocido varios que escriben con mucho sesgo. Hay uno que escribía en La Nación y que le encantaba encajar en lo que él consideraba “actual”. Como una vez le estaba editando un libro en la Editorial Costa Rica y le hice unas observaciones sobre su puntuación que no le gustaron, pero que no pudo rebatir porque eran congruentes, entonces se vengó de mí escribiendo de Efecto invernadero una crítica mordaz en su columna. El señor afirmaba que los personajes del libro eran miserables, y que los cuentos no encajaban en el formato clásico. En otra ocasión, celebraba a un poeta por ser moderno y escribir en verso libre. Otro día escribió sobre Jacques Sagot y lo puso a la altura de Chejov o Allan Poe. El caso es que Jacques Sagot tiene una presencia mediática y yo no. Yo soy solo un escritor marginal. He conocido de todo en cuanto a crítica y me parece que no existe casi nada serio respecto de ella. Algunos afirman, por ejemplo, que Los detectives salvajes, de Roberto Bolaño, es la novela que le hubiera gustado escribir a Borges. Y nada más inexacto. Borges jamás hubiera imaginado escribir dicha novela porque es demasiado existencial, sus alusiones sexuales son demasiado ricas, sus personajes son espontáneos y nada filosóficos. Los de Borges sí. Borges era esencialista. No tenía el sentido laxo de lo prosaico en la vida y buscaba un orden ideal en sus cuentos donde pudiera mantener a raya el irracionalismo de la vida cotidiana, su entropía vertiginosa. Los críticos me parecen como especies de trasquiladores de ovejas. Trasquilan la oveja hasta que la dejan sin rastro de lo que era antes. Pienso que hay comentadores con ojo crítico. El comentador puede reelaborar. Pero el crítico académico quiere hacer moldes donde se encasille todo. Su ánimo de encasillamiento es temible. Pueden hacer de una obra carente de sustancia una obra

importante. ¿Y por qué? Porque tienen la jerga para hacerlo. Hay que recordar que vivimos un tiempo de jergas. Y los críticos academicistas viven del empleo de su jerga. Con esta forma de decir las cosas, complicada e inaccesible, pueden decir lo que deseen. Los críticos también son amigos de sus amigos y sus fobias. Me refiero, por ejemplo, a un libro del escritor Carlos Cortés donde trata de fijar un canon personal de la literatura de Costa Rica, y establecer un Olimpo literario donde su mirada sea la única por encima del resto. Es un libro que solo se puede producir en Costa Rica. Y servirá a la larga para estudiar sociológicamente la patología de los escritores consumidos en el egocentrismo de provincia. AP ¿Consideras que para cada disciplina hay que tener su propia visión, o por el contrario estás del lado de quienes sostienen que hacer poesía, narrativa, ensayo, crítica, es lo mismo, un juego con el lenguaje? Un viaje lúdico. GF Los géneros son solo guías. No deben ser respetados. Son modalidades que uno puede seguir por convención. Sin embargo, los géneros se entrecruzan. La creatividad es tan inusitada en la literatura que nada se puede estratificar en forma rotunda. Un día decís que la poesía debe tener estas características, y aparece el poeta que comprueba todo lo contrario. Otro día se dice que los cuentos deben tener un final sorpresivo, y aparece un cuentista a quien no le interesa sorprender al lector, porque le parece una condescendencia con quien busca recetas en el arte. Un día se establece que la novela debe tener estas estructuras, que no se debe emplear un tipo de discurso, que los personajes deben hablar como la gente de la calle, y resulta que aparece un autor que le interesa filosofar a través de sus personajes. Yo no creo en las recetas en ningún campo de la literatura. Las recetas son violadas constantemente. Las leyes terminan rotas, en el suelo. Supongo que me inclino a la idea de que uno tiene a mano un lenguaje vivo. Desde el momento en que uno sabe que el lenguaje está vivo, este empieza a brillar como una supernova en la mente. El lenguaje es como un dios. Pero también puede ser una hoja seca, un periódico viejo en un basurero, la voz predecible del político con su sonsonete vacío, las tímidas interpretaciones del científico social con su argot limitado. El escritor tiene un dios en el lenguaje y se resiste a ser cazado con facilidad. Ese dios es a veces lo que todos podemos sentir y no podemos expresar de la misma manera todos los días. Para mí, expresar lo inexpresable es el fin del creador. Eso que permanece en la boca de todo el mundo sin que aflore. Las

intuiciones que no pueden ser aclaradas, porque la vida es un enredo donde casi todo el mundo se presta las mismas frases y palabras para continuar a ciegas. AP Qué opinión te merece “el fenómeno poesía en Costa Rica”. Sorprende observar las sostenidas ediciones de libros, los recitales, las lunadas poéticas, los miércoles de poesía, las antologías, los festivales… Pareciera que efectivamente hay un “despegue” de la poesía y que es respaldado por un público/lector que demanda calidad. Pareciera que el costarricense se ha percatado de que la poesía es tan válida como cualquier otra manifestación cultural. GF Es un hecho, como vos mismo apuntás, que en la actualidad hay un movimiento poético en el país que es insoslayable. Nunca podríamos comparar esta época con los ochenta, una época tan desierta. Por cualquier lado hay recitales, incluso la poesía se pliega a funciones con música, teatro, política. Hay una poesía que parece devenir de una posición femenina sobre su concepto de lo que es placer, sexo o expresión propia de las mujeres. En este sentido, yo tengo muchas interrogantes. Por ejemplo, hay una asociación de mujeres que se presentan como escritoras como si hubiera una literatura con sexo masculino y femenino. Es un poco ridículo para ser sincero. Es como si los hombres propiciáramos una asociación de hombres escritores y nos presentáramos como escritores que tenemos una visión masculina de la realidad. Vivimos una época con mucha información, grupos y aspiraciones, pero igualmente confusa. Hay por doquier festivales donde la poesía es la invitada. En otros países ocurre lo mismo. Sin embargo, no estoy muy seguro de este movimiento cultural en torno a la poesía. Una vez fui invitado a Medellín a un Festival, el único festival al que he asistido, y me pareció verdaderamente un fenómeno interesante. Era increíble que tanta gente aspirara a escuchar a tantos poetas provenientes de países de todo el mundo. La actividad me produjo un impacto real. Jamás creí que la poesía tuviera una aclamación masiva. Los poetas eran como rockeros y así se comportaban. Se llevaban trajes típicos, instrumentos, se apelaba a los sentimientos del pueblo colombiano. Un poeta hindú compuso un poema hermoso acerca de su encuentro con un niño de la calle que le preguntó por su turbante. Fue muy conmovedor. En Costa Rica, veo que también hay una práctica que copió esta expresión cultural. Sin embargo, la idea democrática, típicamente costarricense, de que la poesía puede ser hecha por cualquier persona que pertenezca a un taller es una trampa. Hay buenos y malos poetas. No se puede alentar la mediocridad. Ni siquiera es justo conceder premios nacionales a estas personas como en los últimos años se suele hacer, porque la gente ve ahora el oficio de la poesía con mucha reserva. A mí me molesta que me designen hoy con el nombre de poeta, ya que hoy

cualquiera puede ser llamado poeta sin más ni más. No hay un parámetro cualitativo. Con todo y ser el Festival de Medellín una experiencia inolvidable, vi también muchas expresiones que no eran tan buenas, pero, en general, se trataba de conservar la calidad de algún modo. En Costa Rica no ocurre lo mismo. Quienes organizan festivales aquí invitan iconos para darle credibilidad a su celebración e invitan a poetas nada representativos a los recitales, poetas que no tienen obra, incapaces de un poema digno. Obviamente, aquí hay una enorme confusión. Hace unos años se le dio un premio nacional (como ya es casi costumbre) a una señora cuyo libro era realmente un grupo de viñetas sin ninguna trascendencia. La crítica que recibió fue aplastante. En lugar de que las cosas se aclararan, la señora empezó a aparecer en todos los medios, era invitada a todo, le salía a uno hasta en el espejo. Más bien quedó reivindicada. Al año siguiente el premio nacional lo recibió una amiga de ella. Ahora nadie sabe quiénes son. Volvieron al anonimato. No sé si solo en Costa Rica esto es posible, o si es un mal de nuestra época. Pero es un bodrio. No sé si me doy a entender, quizá porque creo que el problema es complejo. En la actualidad, no solo la poesía se ha difundido, sino también otros “géneros”, como los libros de autoayuda. Hoy la gente ve más telenovelas y tiene más diarios que leer. Por Internet se tiene toda la información que pueda uno pensar. Por otra parte, no creo que por esa disposición de datos, poemas, pensamientos colectivos o encadenados en correos electrónicos, culebrones, show talks, pasarelas eternizadas de Pits y Jolies, nuestra época sea más profunda. Lo que ocurre es una proliferación de actividades en torno a cualquier cosa. Yo creo que ha muerto un poco la imaginación para darle cabida a la mentalidad guinness, esa que solo puede pensar en grande o en pequeño, en blanco o negro, en ganador o perdedor. Honestamente te digo que el habitante actual es el más esnobista que ha existido, y vive en función de lo que resulta “interesante”, “sorpresivo”, “curioso”. No hay inclinaciones reflexivas hacia nada.

Da lo mismo un baile aeróbico que una sinfonía de Mozart. Por otra parte, no creo que el público demande calidad en la poesía. Para muy pocos la poesía es sagrada expresión. No son legión los que andan leyendo a Roberto Juarroz por la calle. Pero sí observo a muchos con sus libritos de Paulo Coelho como si fuera el autor más decisivo del cosmos. Secretarias, médicos y presidentes. Todos buscan formulistas seudosapientes para sentirse en algo real, porque la realidad se perdió para todo el mundo. AP El anverso de la pregunta: ¿de qué modo catalogas la poesía que se escribe y se publica “hoy” en el país y en el continente? GF Tengo alguna información de lo que se escribe en el país y en el continente. Y considero que hay abundancia pero no belleza formal. (Existen excepciones, por supuesto, y no me refiero a ellas en este contexto para no comprometerlas). Lamentablemente, si no hay belleza formal, aunque sea un anti-poema, el poema es solo una página de periódico que se quedará en el basurero. La belleza formal es necesaria. No sé de dónde ha salido la idea de que para escribir poesía hay que tratar voluntariamente de escribir mal, con mucho desenfado, como si se estuviera hablando en medio de una gran borrachera, y entonces se pudieran grabar las sentencias de los borrachos y escribirlas para compaginar un libro serio. Quizá estoy siendo un poco extremista al decir esto, pero, ¿quién sabe? Hay poetas que han seguido su camino con mucha seriedad, unos pocos tan solo. Lo demás es piñatería poética. Se escribe emulando a “San” Charles Bukowski. Y en literatura no se deberían tener santos que uno quiera plagiar impunemente. Charles Bukowski, a quien quiero tanto como artista, con todos sus defectos, se ufanaba porque le entregaba al fisco la suma de 60.000 dólares anuales, y eso le daba el permiso de llamar a su padre perdedor porque no había confiado en él cuando solo era un haragán. Por lo tanto, tenía también su ego burgués. Quienes lo imitan en su dejo, sin asumir su voz vigorosa, olvidan estos detalles. La belleza formal tiene que estar por algún lado, incluso si esta belleza se maldice, como en el caso de Rimbaud. Hay que trabajar el verso, no hay otra forma. El verso es solo un fin, aunque prosaico, pero es el fin del trabajo del poeta. Si no existe tesón y conciencia de la gran poesía escrita, no hay temple, la chapucería aflora. Por otro lado, hablando de producción nacional, hay un poeta que se hizo “notorio” en el país porque preguntó por el destino de la motocicleta en la que viajaba Jorge Debravo cuando murió en aquel

accidente, y no en el gran poeta que todos opinan fue el poeta de Turrialba. Para algunos fue muy rebelde, “irreverente” es el término exacto. Yo creo, desde mi apocada perspectiva, que para que un tema de este calado se imponga como debate o interés de los lectores locales, es porque hay cierta crisis. El autor en referencia tiene otros poemas por supuesto, que tendrán su valor, su razón expresiva y cualidad poética, pero que un poema dedicado a la motocicleta de Jorge Debravo se convierta en éxtasis de lucubración teórica es deplorable. Dice mucho de quienes leen hoy día. Por lo menos, no son los lectores que yo deseo. Paso de ellos con aburrimiento y cansancio. Pienso seriamente que en Costa Rica se sabe tan poco de poesía que proliferan expresiones como el trascendentalismo, que es la congestión gripal del estilo. Hay una señora de este grupo que ha ganado el premio nacional de poesía como en cinco ocasiones. Solo porque lo he visto lo creo. A su vez, la señora en cuestión ha concedido a su propio marido el premio, siendo ella integrante del jurado. El trascendentalismo es el arte de no decir nada. Y como eso es así, resulta bueno para el sistema. El sistema no es tonto, adolece de criterio estético, pero le interesa resaltar lo que es inofensivo, lo que causa saturación y “nadeo” mental. AP Otra de tus pasiones es enseñar a escribir. Durante años has acumulado mucha experiencia en dar talleres literarios en diversos ámbitos. Este punto también se presta para la polémica. ¿Cuál es la utilidad de un taller literario? Muchos escritores afirman, por su experiencia y oficio, que “el mejor taller es escribir y borrar, escribir y borrar”. GF Estoy de acuerdo con que el taller literario lo hace uno mismo. ¿Cómo se le va a decir a alguien que no sea redundante? Tal vez uno puede indicárselo, pero la redundancia es un defecto que debe ser superado por una pasión oficiosa del escritor. El escritor debe medirse con su escrito, doblegarlo, hacerlo cambiar de rumbo cuando se da cuenta que ha parido un monstruo; el escritor no puede ser complaciente con su obra. La complacencia es su mayor enemigo. Sin embargo, en los talleres hay gente que llega con muchas pretensiones y sin ninguna humildad. Podría ser más humilde Tostoi antes que esa gente que no soporta a veces una sola crítica. ¿Entonces ante qué estamos? Yo entré a la poesía por medio de un taller. Recuerdo que cuando leí mi primer poema se rieron de mí. Los miembros del taller tenían razón: mi poema era estrafalario, parecía un adefesio surrealista. Luego pasé a otro taller, dirigido por un reconocido escritor amigo, y empecé a aprender mucho. Muchos de los que estaban en el taller

querían ser famosos. Hoy son abogados o administradores. Yo pude guiarme hasta concluir un librito. Creo, a este respecto, que la guía es importante. A veces el acto de escribir es como un grito en el Sahara. Es demasiado duro. En los talleres por lo menos se conocen otras voces, el ego se llena de dolor y tristeza por críticas de lo más intolerantes, pero también florece el dulce deseo de la venganza. Y la venganza en la literatura es totalmente necesaria. En fin, los talleres no producen escritores. Los escritores verdaderos se tropiezan con ellos como se tropiezan con matrimonios y trabajos y amigos que se pueden utilizar para escribir. Pero los talleres no pueden producir nada que ya no esté en la mente del buscador de historias. Solo el diálogo, creo yo, es fundamental. Repito: quienes escriben en silencio, sin interlocutores, son los seres que más sufren. Lo sé por experiencia. AP Guillermo, en la casi totalidad de tus textos hay “un asombro” – casi como una saudade– por la belleza. En tu producción literaria es una constante. La reflexión me lleva a lo siguiente: en este mundo irracional en que vivimos, para qué belleza si todos los días, a toda hora, por satélite, cable, internet, somos atomizados por lo superfluo, lo fashion, lo light, la mentira y la corrupción entronizada en casi todos los estamentos de la sociedad de hoy. ¿Es compatible la belleza con lo vulgar y banal? ¿Cuál es el camino? GF Cuando vos me hablás de “belleza”, entiendo perfectamente que la expresión viene de un escritor, y los escritores poseen una definición muy extraña de la belleza. La belleza para ellos no es exactamente simetría perfecta. La belleza siempre ha sido la capacidad para hacer destellar de emoción la inteligencia humana. Así lo he entendido siempre. Por ejemplo, experimentamos la belleza cuando se nos comunica un hecho humano contado desde una perspectiva novedosa. Cuando el arte es capaz de revelarnos una verdad que estaba dormida para todos. Un poema que nos vuelve a interesar en el amor, cuando sobre él se ha dicho tanto; una novela que nos introduce en un mundo que no habíamos esperado; un cuento que presenta un dato de la vida, la muerte, el miedo, el sufrimiento, la magia, la verdad, de un modo que no se tenía previsto. Eso es belleza. Y la belleza, pese al tiempo que vivamos, pese al bombardeo de la estupidez, es un rescate de la humanidad, una muestra de que la aventura humana todavía tiene sentido.

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

La música del Pacífico colombiano: el complejo cultural del currulao Germán Patiño .

En Colombia, cuando hablamos de música del Pacífico, del Caribe, de los Llanos y de los

Andes, en realidad no estamos hablando de música. Nos estamos refiriendo a las cuatro grandes regiones culturales del país, [1] en las que aparecen diversos sistemas musicales, con múltiples variantes, en las que coexisten y se entrecruzan expresiones musicales tradicionales, populares y académicas. En cada una de ellas se manifiestan subregiones que muestran, a la vez, tanto continuidades como marcadas diferencias. Cada una de estas grandes regiones rebasan, además, las fronteras nacionales y no se delimitan, tan solo, por características geográficas o ambientales.

En lo que al Pacífico respecta, no se restringe a las llamadas Tierras Bajas Occidentales de Colombia y Ecuador, o Chocó Biogeográfico, ni mucho menos al Litoral oceánico colombiano. Abarca territorio de marismas, playas, manglares, sierras, ríos y valles interandinos. Y una población en la que resultan notorias las herencias africanas e hispánicas con mezclas desiguales de elementos culturales nativoamericanos. Desde una perspectiva histórica la región del Pacífico coincide con el ámbito antiguo de la Gobernación de Popayán en el Virreinato de la Nueva Granada, la Gobernación de Esmeraldas en la Audiencia de Quito y parte del Darién que hoy se ubica en la República de Panamá. Es comarca transculturada en la que predomina un mulataje particular, con retenciones africanas, hispánicas e indígenas que dieron origen al complejo cultural del currulao. Se trata de un ceremonial colectivo en que se integran diversas expresiones y ocasión esencial del intercambio comunitario. Allí se manifiesta la música, la danza, las costumbres alimentarias, la poesía de tradición oral o escrita, la permanencia del coplerío, los trueques de bienes y artesanías, y es el momento de negocios, enamoramientos, matrimonios, celebraciones civiles y comunicación de acontecimientos sobresalientes de la vida cotidiana. El currulao integra y pone al día, por así decirlo, a pueblos que viven aislados unos de otros en el dilatado mundo del Pacífico. El bambuco es la expresión musical característica del currulao. Originado en el sur de la región, en las provincias de Esmeraldas, San Lorenzo, Tumaco y Barbacoas, se conformó en un largo proceso de interacciones que culminaron, a finales del período colonial, como una música esencialmente rítmica, acompasada en 6/8 con acento en la quinta corchea, sincopada, polirrítmica y sustentada en el canto responsorial. Se difundió en manos de los esclavos que iban y venían desde haciendas a minas y viceversa, y de unas localidades a otras, propagando este hallazgo artístico hasta convertirlo en la expresión musical por excelencia de viejos esmeraldeños, caucanos y chocoanos. Desde allí partió para distintas regiones de Colombia, se integró con otras expresiones

culturales, especialmente durante el período de la Independencia, hasta convertirse en la primera de nuestras músicas nacionales. Desde luego, mientras viajaba se transformó. Le sucedió así incluso dentro del propio espacio del Pacífico, generando multitud de variaciones, que no solo adquirieron diversas denominaciones sino que llegó a considerárselas como géneros musicales diferenciados. Currulaos en sus matices de pango, corona y caramba, torbellinos, jugas, bambucos viejos, caderonas, patacorés, abozaos, aguabajos, y otros más, constituyen manifestaciones propias del universo musical del bambuco, como sucede también en el Caribe colombiano con bullerengues, fandangos, chandés, berroches, tamboras alegres y redobladas, etc. que pertenecen al mundo musical de la Tambora. El compositor y musicólogo Guillermo Carbó ha puesto en evidencia estas relaciones para el caso del Atlántico.

El Pacífico ha sido menos afortunado. Estudiado por folclorólogos, historiadores o antropólogos sin formación musical, no han sido capaces de apreciar similitudes y diferencias, por lo que se limitan a largos listados –alguno escribe sobre 26 géneros musicales distintos, sin contar las expresiones musicales indígenas- con lo que nos presentan una imagen caótica, negando la unidad cultural construida pacientemente a lo largo de más de tres siglos de convivencia, e incapaces de apreciar lo que constituyen variaciones en el ámbito de una cultura y las correspondientes transfusiones entre ella y otras. [2] ¿Cómo apreciar, entonces, lo que diferencia a la música autóctona del Chocó, la creada por los propios chocoanos, de las músicas europeas (polca, mazurca, contradanza, etc.) aculturadas en aquella subregión e interpretadas con trazos africanos? Por eso mismo han surgido confusiones semánticas. Currulao se volvió voz polisémica que significa encuentro comunitario, género

musical, baile de pareja y un tipo de tambor que acompaña a los grupos de tambora. Lo mismo sucedió en el Caribe con la expresión tambora: es la fiesta propiamente dicha, la música y la danza que en ella se interpretan, grupo de percusión e instrumento musical. Nada extraño, lo mismo sucede en otras partes de Colombia, de Sudamérica, de Africa y, con seguridad, del mundo (ver Carbó, Guillermo, www.tamboramusic.com). La tarea consiste en desenredar esa madeja, para lograr comprensión sobre lo que es esencial en una determinada cultura musical. El complejo cultural del currulao tiene en el ritmo del bambuco a su célula musical madre. No importa cuan drásticas hayan sido las variaciones y los nombres que adquieran, siempre se la puede identificar. Como sucede con el jazz, en cuya esencia se encuentra siempre el blues con su compás de 4/4 acentuado en el segundo y cuarto tiempos. El bambuco se hace visible en la danza, que es parte del currulao e inseparable de la música que se interpreta. Baile de pareja suelta, rito de enamoramiento, donde el zapateado del hombre es demostración de vitalidad, lo mismo que llamado de atención (costumbre africana, llevada a Andalucía por los moros), y adornado con floreos de pañuelo y sombrero. Lento en principio, se desarrolla en un crescendo constante y culmina con la languidez del amor consumado. La elegancia, la sensualidad y la coquetería es rol femenino, mientras el vigor y la destreza le corresponden al parejo. Aunque el tiempo se acelere, como en el abozao, allí estará la célula madre, visible en la danza de pareja suelta, en la sensualidad de la hembra y los reclamos del macho, así en esta variación se vuelva explícita la intención sexual (que se encuentra implícita en el pango o en la juga). Algo así como la relación que existe, para seguir con los ejemplos caribeños, entre la cumbia y el mapalé.

El currulao, como expresión compleja de una cultura de la cual la música es apenas una parte, no es rasgo insular en el Pacífico. Lo

acompaña el bunde, otro complejo cultural que se ocupa de la dimensión ideológica y espiritual. También voz polisémica, procedente de bunda, hispanismo antiguo que se conserva en lengua portuguesa y se refiere a rasgos anatómicos relevantes de etnias africanas, significa ritmo musical, danza y tumulto festivo integrado por multitudes con ocasión de carnavales. Pero su ámbito propio es el de las celebraciones religiosas, los cantos de adoración, los ritos funerarios y los villancicos navideños. Su música, con célula rítmica y acento diferente al bambuco, conserva la síncopa y el canto responsorial, y se emparenta con los cantos espirituales negros de otras regiones de Colombia y América. Así como en el complejo del currulao existen músicas que se ocupan de la espiritualidad religiosa (las jugas de adoración, por ejemplo), asimismo en el bunde se manifiestan expresiones orientadas hacia lo festivo (por ejemplo Ki le le, un bunde chocoano referenciado desde 1852 por Isaac Holton en el norte del Valle del Cauca). Sin embargo, esto es producto del entrecruzamiento de los dos complejos culturales en el ámbito de la misma región, aunque lo característico es que el primero se centre en la vida profana y el segundo en la vida espiritual o religiosa. Ambos contribuyen a la conformación de la compleja identidad cultural de la región Pacífico. Pero no solo hay comunidades tradicionales en este universo. Esmeraldas, Tumaco y Buenaventura son puertos marítimos que se han desarrollado como ciudades modernas, en las que predomina el modo de vida urbano. Quibdó, a su vez, es hoy ciudad e importante puerto fluvial. Otras comunidades se encuentran en tránsito hacia la modernidad. Los complejos culturales y las músicas se modifican. Se rompe con la tradición. Los procesos de transculturación continúan y abarcan expresiones de mundos lejanos y diversos. La música tradicional se transforma en música popular, se produce la separación entre músicos y audiencia, compositores e intérpretes, y orquestas y comunidad. Los conocimientos musicales comienzan a transmitirse por medios escritos y en el marco de estudios académicos. Sin embargo la fuerza de la cultura tradicional y del complejo del currulao es tal, tanto por su larga permanencia como por su vigor expresivo, que el tránsito musical a la modernidad no implica rupturas abruptas y hunde sus raíces en las músicas tradicionales. Se producen cambios progresivos que siguen perteneciendo a los mismos complejos culturales y enriquecen el universo espiritual del Pacífico. Músicos como Papá Roncón de Esmeraldas, Nano Rodrigo y Caballito Garcés de Tumaco, Petronio Alvarez y Peregoyo de Buenaventura, combinan instrumentos tradicionales (marimbas, cununos, bombos) con modernos (piano, contrabajo, guitarras eléctricas, saxofones, etc.), aprovechan nuevas experiencias

musicales (jazz, son cubano, rock) y se instalan en sensibilidades urbanas para producir obras de música popular en las que se respira la tradición y se conserva la identidad. Nuevas generaciones de músicos académicos continúan con esta labor renovadora haciendo gala de especial espíritu investigativo y en permanente contacto con los complejos culturales tradicionales. Tal el caso de Candelario González, Octavio Panesso, Neivo de Jesús Moreno, Mario Mancuacé, Esteban copete Álvarez, Alexis Lozano y tantos más. El bambuco sigue allí, como célula madre en las músicas del currulao, lo mismo que el bunde. Mejor aún, se puede apreciar tal cual es, en toda su limpieza autóctona, por el aislamiento secular de gran cantidad de aldeas del Pacífico, tanto en Colombia como en Ecuador. Más allá de formatos instrumentales (que pueden ser diversos, aunque algunos predominen), de distinciones absurdas entre variantes musicales del mismo conjunto cultural, o de intentos inútiles por segregar a las músicas del currulao y el bunde como “cosa de negros”, manteniéndolas ocultas en un andén del país, lo importante es comprender que la música del Pacífico es tradición fundamental de la propia cultura colombiana, y uno de los filones artísticos más ricos y diversificados. En realidad, un análisis extenso mostrará como buena parte de la música colombiana es tributaria del complejo del currulao.

NOTAS

1. Utilizando la división propuesta por Luis Ospina Vásquez en su imprescindible Industria y protección en Colombia, aunque, siendo objetivos, deja por fuera a las Islas de San Andrés y Providencia que, desde el punto de vista cultural, no pertenecen a mundo del caribe colombiano. Habría que aceptarlas como una quinta región, así sea pequeña, que forma parte del mas vasto territorio de las Antillas angloparlantes.

2. Defecto común a los escritos sobre música, y no solo sobre música tradicional, cuando la materia es abordada por melómanos o intelectuales sin formación musical. Ver un buen ejemplo en Barrios O., Ricardo, “Eddie Palmieri el rumbero del piano magistral y perfecto”, Nueva gaceta No 8, donde se habla de “afrojazz”, como si lo afro no estuviese ya contenido en el jazz, se desconoce la mejor literatura especializada sobre la música salsa y se producen párrafos como el siguiente: “Una obra artística transcurre y trae consigo efectos socioculturales cuando, con el correr del tiempo, se forman las bases de la filosofía y el pensamiento de su autor” (p. 17). ¿Cómo transcurre una obra artística? ¿Por qué la significación sociocultural del hecho artístico tendrá que esperar a que se formen “las bases de la filosofía y el pensamiento” de determinado autor? ¿Y que tiene que ver la música de Palmieri, o la salsa en general, con todo este rollo? ¿Habrá alguien, que hable castellano, que pueda comprender tal confusión? Para un buen estudio sobre la salsa y, en especial, el aporte portorriqueño a su desarrollo, ver Quintero R., Angel, Salsa, sabor y control, siglo XXI ed., México 1998. Germán Patiño (Colombia, 1948). Historiador y antropólogo. Ha ganado el Premio Andrés Bello con su libro Fogón de Negros (2007), preciso estudio sobre cocina y cultura latino-americana. Contacto: [email protected]. página ilustrada con obras del artista Felipe Ehrenberg (México).

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

Literatura e jornalismo: Marcos Faerman Claudio Willer .

Já coloquei à disposição em Agulha textos publicados apenas na versão impressa, em

livros esgotados há tempos: meu prefácio para Os Subterrâneos de Kerouac, o posfácio para Sagarana de Guimarães Rosa. Resgates. A seguir, mais um, bem antigo, de 1979: o prefácio da coletânea de reportagens Com as Mãos Sujas de Sangue de Marcos Faerman, o repórter do Jornal da Tarde e criador de Versus e Singular e Plural.

O tom de cultura de resistência desse prefácio talvez pareça datado. Mas nada teria a modificar nas observações sobre a relação entre jornalismo e literatura, exemplificada por reportagens como as de Faerman, escritas com estilo, na primeira pessoa. Quanto aos

temas, ao conteúdo das reportagens publicadas em Com as Mãos Sujas de Sangue, é desolador constatar que tanta coisa não mudou em décadas: a favela sobre o mangue na enseada dos Tainheiros em Salvador continua um antro da insalubridade; até hoje não resolveram o caso dos tupiniquins e guaranis desalojados pela Aracruz no Espírito Santo (nem dos pataxós do Monte Pascoal, tema de reportagem em Singular e Plural); o relato do incêndio em uma favela poderia ser recortada e colada, sem tirar nem pôr, em algum jornal de hoje. Lidas agora, algumas das matérias de Faerman são prenúncios, avisos de que ainda viria coisa pior. Além de Com as Mãos Sujas de Sangue, foram publicadas em livro reportagens de Faerman, em companhia de Fernando Portela e Percival de Souza, em Violência e Repressão (da Editora Símbolo); e seu capítulo sobre jornalismo e literatura em Repórteres, preparado por Audálio Dantas, da editora Senac (1998). E agora ele reaparece em mais uma coletânea, Versus – Páginas da Utopia, publicada pela Azougue, organizada por Omar de Barros Filho, o Matico. Foi sincronia: havia resolvido republicar meu prefácio de Com as Mãos Sujas de Sangue quando soube desse importante lançamento. Sobre Versus – Páginas da Utopia, pouco teria a acrescentar ao que foi observado por Adelto Gonçalves – outro dos amigos de Faerman e colaborador daquele periódico independente que circulou entre 1975 e 1979 – no Observatório da Imprensa, disponível em www. observatoriodaimprensa.com.br. Destacaria apenas o quanto ficou bonita a edição, graficamente a cargo de Toninho Mendes, o primeiro dos editores de arte de Versus. Abre com um depoimento sobre terror na Argentina de ninguém menos que Tomáz Eloy Martinez e a entrevista de Michel Foucault, ambas do número 1 de Versus. De Faerman, traz mais uma reflexão sobre a linguagem no jornalismo, As palavras aprisionadas, e a investigação sobre Segredos atômicos do Brasil. A diversidade é a marca de Versus – Páginas da Utopia: tem depoimentos, de Lívio Xavier a Hiroito Joanides, de Eduardo Galeano a Arnaldo Jabor; matérias literárias como o Jack London de Paulo Ramos; bastante entrevistas; documentos como A ética da conquista de José Martí; um texto de Rodolfo Walsh, autor emblemático para Faerman, A Carta da Morte; e pelo menos duas reportagens especialmente representativas de um jornalismo com tratamento literário, A perseguição, por Caco Barcelos, e Os mortos de setembro, sobre os túmulos chilenos, por Wagner Carelli. É interessante como, tendo sido Versus um jornal pioneiramente voltado para a América Latina, os parâmetros dessa literariedade parecerem provir dos mestres do assim-chamado realismo fantástico mágico: reportagem de qualidade literária seria aquela na qual se reconhecesse algo de um Rulfo, Fuentes, Marques, Roa Bastos, Asturias ou Carpentier.

Teria apenas uma observação sobre o que está em Versus – Páginas da Utopia, relativamente à saída de Faerman e outros colaboradores, por causa da transformação do jornal em veículo da Convergência Socialista. É certo que aquilo – a associação à tendência morenista do trotskismo – aconteceu por iniciativa do próprio Faerman. Outros participantes de primeira hora já se haviam afastado, descontentes com isso. E Versus acabaria de um modo ou de outro, quer fosse ao definhar como jornal de uma facção, como ocorreu, ou por qualquer outra das múltiplas causas que provocaram o encerramento do ciclo da imprensa independente no Brasil – e, concomitantemente e a seguir, também de jornais da grande imprensa (imagino o desalento de Marcão, se visse em que se transformou o Jornal da Tarde). Talvez, sem os militantes trotskistas a trabalharem na redação, passarem a noite na gráfica e venderem jornais nas ruas, tivesse acabado antes, financeiramente exaurido: basta lembrar que Versus pagava editores e colaborações, coisa que hoje muitos órgãos da “grande imprensa” se dispensam de fazer (eu mesmo recebia algo pela página dupla de poesia que preparei, das edições 16 a 23). Minha relação com os que ficaram em Versus após a ruptura é cordial – participei inclusive como jurado de um produzidíssimo concurso literário promovido por Omar de Barrosa Filho, o Matico em 1987. Mas não dá para aceitar as afirmações de Matico no prefácio, sobre o racha e suas conseqüências, as divergências do passado, que hoje soam pueris, dizendo que o tempo, como sempre, tratou dos ressentimentos. Coisa nenhuma. Houve traição. Marcão não engoliu o episódio e nunca quis saber de reaproximação com os que ficaram. E, convencido de que, da militância de orientação marxista, em suas várias facções, do estalinismo, do maoísmo ou da ortodoxia soviética aos grupos trotskistas, nada viria a não ser autoritarismo, o antigo quadro de organizações clandestinas abraçou desde então o ideário social-democrata. Uma das conseqüências, um episódio memorável, logo a seguir, na redação de Singular e Plural, quando propôs o exame da invasão do Camboja pelo Vietnã, justificando a pauta com a observação de que, pela teoria, seria impossível um país socialista entrar em guerra com outro. Rodolfo Konder, Paulo Markun e Marco Antonio Rocha, entre outros presentes, devem lembrar-se do ambiente naquela reunião. Em 1979, Marcão antevia o 1989 berlinense e o 1991 soviético. Complementando meu prefácio de Com as Mãos Sujas de Sangue, republico também, para agregar informação biográfica, o que escrevi quando Faerman morreu em 1999, e que na ocasião saiu no Zero Hora de Porto Alegre.

1. MARCOS FAERMAN, REPÓRTER DO NOSSO TEMPO (prefácio) Há momentos nos quais tudo se torna denúncia e chamado à conscientização, pelo simples fato de mostrar o que está aí, as coisas que estão acontecendo. Contrariando as proclamações saudosistas da morte ou decadência do gênero, estamos vivendo um tempo de reportagens. Nunca a produção jornalística brasileira foi tão diversificada, criativa e instigante como nos últimos anos. E também nunca se mostrou tão importante como instrumento de crítica e transformação da realidade. Nossa história recente tem sido escrita por e a partir de reportagens, algumas delas antológicas pela contribuição decisiva para romper a dicotomia entre os dois Brasis, o país oficial impingido pela propaganda oficial coadjuvada por todas as formas de arbítrio, censura e mistificação, e o país real, nossa verdadeira realidade. Na medida em que as pessoas têm algo a dizer, reportagens e textos que se apresentam como especificamente literários tendem a coincidir na mesma dimensão de reivindicação e testemunho. Nosso jornalismo tem permeado as demais formas da criação literária, com a conseqüente floração de romances-reportagem e de reportagens editadas em forma de livro. Estes anos recentes de repressão deixaram, entre outras coisas, um saldo de grandes textos de ficção que são descrições ou representações alegóricas da

nossa realidade social e institucional, e de reportagens detentoras das melhores qualidades da criação literária. Nomes como Loyola, Konder, Jordão, Pompeu, Louzeiro, Ângelo, entre outros, figuram ao mesmo tempo como expoentes do jornalismo e autores de denúncias corajosas das manifestações do arbítrio, e de contribuições definitivas ao acervo da nossa cultura literária. Este é, portanto, o momento oportuno para avaliar o verdadeiro alcance de um trabalho como o de Marcos Faerman. O enriquecimento da produção jornalística, já consubstanciado em uma bibliografia considerável de obras de profissionais do setor e de antologias de reportagens, é o contexto apropriado para uma reflexão mais atenta sobre a natureza da linguagem jornalística e sua verdadeira função crítica. Ao longo de seus quase vinte anos de carreira na imprensa, Faerman teve ocasião de abordar em primeira mão temas que subsequentemente viriam a comover a opinião pública. Como repórter, trouxe para as páginas do Jornal da Tarde – onde trabalha desde 1968 – histórias como a do absurdo internamento do líder messiânico Aparecido Galdino dos Santos; o assassinato da senhora Bensandon por policiais por causa de uma briga de vizinhos; [1] a farsa do julgamento dos autores do massacre dos índios CintasLargas; [2] as tentativas de expulsão pela força dos caiçaras moradores da praia de Trindade por um empreendimento imobiliário; o envenenamento da Enseada dos Tainheiros e as várias modalidades de pressão para expulsar os favelados que ali viviam; a expropriação das terras dos Guaranis e Tupiniquins por uma multinacional de celulose; e tantas outras histórias, algumas delas, nesta altura, contribuições definitivas à memória nacional, outras, temas atuais e que continuam em andamento. Marcos Faerman dedicou-se também à imprensa dita “alternativa”. E o texto mais pessoal, dentre aqueles que compõem a presente coletânea, foi originariamente publicado no Jornal Versus, do qual foi fundador e que durante anos esteve sob sua direção. Aqueles Antigos Chetás, Agora Sombras, é uma seqüência de interrogações: afinal, quem e quantos foram os Chetás? A dúvida cresce ao longo desse belo texto, no qual se fundem a crônica, a narrativa e o poema, até chegar às questões essenciais: Será que tudo isto é verdade? Como distinguir o real apenas entrevisto, os tênues indícios de um grupo de índios aniquilados, objetos rituais e naturalistas estrangeiros, de uma fantasia delirante do narrador? Essa questão fundamental, sobre a realidade do que está sendo descrito, ou sobre a articulação entre o conteúdo da reportagem e

aquilo que seria o “real”, permanece implícita nos demais textos, subjazendo à narrativa e orientando-a. Com efeito, todas elas poderiam não ser verdadeiras: poderiam pertencer ao campo do imaginário e ser tomadas por obras de ficção, exercícios de imaginação criadora, não estivessem avalizadas pela chancela de um órgão de comunicação e secundadas por outros dados e referências como garantia de sua credibilidade. Histórias como a do vigia morto, do suicida da Baixada do Glicério, do rapaz gratuitamente assassinado por policiais, podiam ter saído das páginas de Hammett, Chandler ou algum outro mestre do gênero. A descrição da seca de Irecê, da perseguição aos trindadeiros, da vida nas palafitas da Enseada dos Tainheiros, poderiam ser subscritas por um Rulfo, um García Marques ou outro expoente do “realismo fantástico”. Estamos, portanto, diante de uma obra que, ao apontar para a fragilidade da fronteira entre fato e ficção, entre o imaginário e o real, abre-se para vários níveis de leitura: como fruição do “prazer do texto”; como conjunto de documentos históricos e sociológicos; como alegoria e reflexão mais ampla sobre a condição humana; e como criação de códigos e metalinguagem. Uma das conseqüências desse jornalismo mais solto e “subjetivo”, desvinculado de critérios formais e restritivos de como seria um modo academicamente “certo” de fazer reportagem, sem pudor de ser “literário”, ou seja, honesto, belo e sensível como texto, é a existência de um estilo pessoal, diferenciado do restante da produção do gênero. O texto vivo e pulsante, explícita ou implicitamente formulado na primeira pessoa, expressa acima de tudo um compromisso com o real, e com a necessidade de representá-lo da forma mais fiel, conferindo-lhe um sentido. Para citar Derrida, “entre a carne demasiado viva do acontecimento literal e a pele fria do conceito corre o sentido”. [3] Uma das características do estilo de Faerman é a nãolinearidade, o discurso por vezes fragmentário e descontínuo, em alguns casos resultando em uma colagem ou montagem de fragmentos do texto e de impressões. Essa não-linearidade deve-se ao autor assumir plenamente suas interrogações e dúvidas, seus sentimentos de inquietação, hesitação e perplexidade diante da complexidade dos temas tratados. Há uma suspeita

sempre presente nas entrelinhas de que a história não termina por aí, que vai além e não se esgota nos fatos aparentes, e que sempre sobrará alguma coisa para ser dita. Nota-se uma estratégia no percurso para chegar ao fundamental, aos fatos que efetivamente interessam: o texto dá voltas, tem uma trajetória, como que movendo-se em um itinerário complexo em busca de seus sujeitos, abrindo parênteses que são novas narrativas, mostrando que cada história, por sua vez, contém outras histórias. Embora isso aconteça em todas as narrativas, o caso mais flagrante de inclusão, de um texto desdobrando-se em outros, é Os Últimos Tupiniquins, que se abre para, por sua vez, relatar a desgraça dos Guaranis. Traço distintivo do autor e signo da sua inquietação, a reportagem é aberta com uma série de perguntas: como eram os Tupiniquins, o que aconteceu antes da chegada do repórter? “São histórias que o sertão esconde”, lembrando-nos que reportagens, bem como as demais formas da linguagem e do registro dos fatos apenas levantam a ponta do véu, selecionando e privilegiando algum fragmento de um todo. O verdadeiramente inquietante, para Faerman, não é o que está relatando, porém o restante, o não-dito, o escamoteado, o indizível. Não estamos diante de um jornalista empenhado em garantir a boa consciência e a paz de espírito dos leitores, deixando-os repousar na crença de que estão sendo informados de alguma coisa. Faerman é o repórter do não-fato, da anti-reportagem, das dúvidas e vazios no texto. Esse questionamento do alcance da reportagem faz que o texto cumpra ao mesmo tempo uma função metalingüística, de crítica do jornalismo, e, em termos mais gerais, de crítica e relativização das nossas categorias de conhecimento. A história dos Últimos Tupiniquins começa com a descrição do “homem baixo, com a calça esfarrapada e a cara curtida”, que “não se parece com os tupiniquins dos bancos escolares, com suas penas, com suas flechas”. Um caboclo como qualquer outro, chamado Alexandre – mas não é um caboclo como outro qualquer, e sim o chefe dos Tupiniquins. Um índio que não é um índio, um chefe com cara de homem comum, advertindo-nos de que as coisas não são o que parecem, de que o aparente é mistificador quando visto pela ótica dos “bancos escolares” e demais fontes e veículos de um conhecimento estereotipado. A narrativa do caboclo/chefe é interrompida pela chegada de outro. Só que este é um Guarani, remanescente do grupo dizimado no Sul do país e que partiu em busca da Terra sem Males, território mítico situado “depois do litoral” onde não sofreriam mais perseguições. A reportagem abre-se para o relato da busca da Terra sem Males, contando como os Guaranis, após séculos de peregrinação, chegaram a um lugar inóspito e frio de Minas Gerais, sob a tutela da

Funai, para então desistirem e passarem a viver com os Tupiniquins. O contato com esses Guaranis guiados por uma crença mítica em um território adâmico reativou nos Tupiniquins, já completamente aculturados, “o amor pela condição de índio. E iria lhes ensinar que índio é um índio e branco é um branco”, levandoos a retomar seus costumes e tradições. Atualmente, ambos os grupos, Guaranis e Tupiniquins, compartilham a tragédia adicional de estarem sendo expulsos das poucas terras que ocupavam por uma multinacional da celulose, a Aracruz. O relato da Terra sem Males faz parte desse imenso acervo “das muitas histórias sem historiador que se descobrem no interior do Brasil”, as “histórias, histórias do sertão que o sertão esconde”, ou seja, a verdadeira história desse país. Também é uma parábola, e como tal das mais terríveis, colocando em questão o sentido do mundo, o devir humano em nossa civilização e a inutilidade de um fazer que não leva a nada, guiado por crenças ilusórias. Há uma tensão, um sinistro contraponto, neste episódio e em outros narrados em Com as mãos sujas de sangue, entre histórias de pessoas que vagam pela superfície do planeta sem chegar a lugar algum, e aquelas que estão em algum lugar, que dispõem de um espaço mínimo para viver, e são obrigadas a sair e retomar a errância planetária: tupiniquins, trindadeiros, habitantes da favela expulsos por um incêndio. O tema da errância é retomado na história da Madeira-Mamoré, a fantasmagórica ferrovia que deveria unir dois países e dois oceanos, e que na verdade acabou levando do nada ao lugar nenhum, cuja construção foi levada a termo à custa de milhares de vidas e uma horda de destroços humanos vagando pela Amazônia. E há também o tema dos lugares impossíveis, a saga dos seres humanos sediados no não-lugar, onde a miséria e degradação são absolutas. Como esse anverso da nossa civilização e de todos os seus valores aparentemente professados, a fantástica cidade das palafitas no alagado de Tainheiros na Bahia, casas suspensas sobre a lama em um lugar que não é água nem terra, ainda por cima bombardeado por venenosos resíduos industriais. “Nos Alagados nenhuma das nossas referências funciona”, pois estamos “no mundo irreal dos homens-peixes equilibrados sobre as pernas bambas das casas que o vento e o mar derrubam”, surpreendendo os habitantes do “mundo normal”. Também do rol de lugares impossíveis, a favela periodicamente incendiada e sempre reconstruída de Gênesis, cujos moradores demonstram que “a vida é mais forte que qualquer coisa”. E a favela do Sapo, onde mora um “poeta que guarda seus escritos em uma caixa de biscoitos”, personagem tratado com particular carinho, talvez por simbolizar, com sua crônica inútil e obsessiva do que se passa ao redor, a própria condição do jornalista em nossa sociedade.

E há lugares que não existem mais, acabaram de vez: contrapondose a Gênesis, a reconstrução do espaço, Irecê, “que não existe mais, acabou”, durante a seca que assolou o sertão da Bahia. Em Irecê, a reportagem explode: a violência dos fatos, as cenas dantescas proporcionadas por esse povoado de pessoas no limite da sobrevivência, o lugar invadido pelas cobras, os sobreviventes perguntando ao repórter, “o senhor é da chuva?”, tudo isso faz com que o texto se desmonte e se desestruture. Uma das partes da matéria, “vozes da feira”, consiste em uma sucessão delirante de falas, verdadeiro teatro do absurdo; em outra, as frases se contorcem e vão se empilhando e formando poemas: a épica dessas pessoas para as quais “a felicidade é uma refeição por dia”. A inquietação que pulsa no texto de Faerman, levandoo a transpor a fronteira de um jornalismo tomado em seu sentido mais estrito, confere-lhe grandeza literária pelo exercício da “interrogação radical”, na acepção dada ao termo por Maurice Blanchot: “Será o homem capaz de uma interrogação radical, isto é, afinal de contas será o homem capaz de literatura?” [4] Os textos que compõem Com as Mãos Sujas de Sangue partilham com a literatura, entre outros atributos, aquele que Roland Barthes denomina “valor interrogativo”: Pode-se conceder à literatura um valor essencialmente interrogativo: a literatura torna-se então o signo (e talvez o único signo possível) desta opacidade histórica na qual vivemos subjetivamente: admiravelmente servido por aquele sistema decepcionante que, a meu ver, constitui a literatura, o escritor pode, então, engajar profundamente sua obra no mundo, nas perguntas do mundo, mas suspender esse engajamento precisamente ali onde os partidos, as doutrinas, os grupos, lhe sopram uma resposta. A interrogação da literatura é então, num único e mesmo movimento, ínfima (com relação á necessidade do mundo) e essencial (já que é essa interrogação que a constitui). Essa interrogação não é: qual o sentido do mundo? nem mesmo, talvez: o mundo tem um sentido? mas somente: eis o mundo: existe um sentido nele? [5]

O próprio Faerman, em estudos já publicados, tem apontado para a sobreposição do jornalismo e criação literária. Seus textos sobre correspondentes de guerra, uma dos temas de sua predileção, mostram como as coisas se confundem nas situações-limite. A Guerra Civil da Espanha teve como correspondentes Malraux, Orwell, Dos Passos, Hemingway e Koestler. Em outros momentos, a verdade histórica, deformada pela censura, pelo facciosismo dos narradores ou dos editores de jornais, é subsequentemente resgatada pelo romance, como nas duas guerras mundiais: “Retratos desses dias vão aparecer depois em livros como “Uma Arma para Johnny” de Dalton Trumbo ou “Os Nus e os Mortos” de Norma Mailer. A ficção é um espaço que busca, então, reencontrar o real – quando o real é jogado para o círculo restrito da vivência individual dos fatos, pelos seus autores”. [6] Na mesma linha de raciocínio, Faerman tem chamado a atenção para a raiz comum ao jornalismo e à narrativa de ficção: a poesia épica de transmissão oral, com sua função de preservar a memória e a identidade dos povos, e o relato histórico. A paternidade nem sempre assumida do jornalismo passa por Homero e Heródoto. Faerman também situa entre suas referências e influências mais imediatas um romancista documental como John dos Passos, e James Agee, jornalista genial que teve seu primeiro trabalho de reportagem, agora antológico, recusado por ser “literário”. O interesse e fascinação pelos correspondentes de guerra deriva de não se tratar de uma situação atípica, mas de um caso-limite, que simboliza a própria condição do repórter autêntico: em pleno front, em uma luta constante para captar uma realidade dinâmica e fluida, às voltas com os mais complexos impasses e dilemas épicos, buscando preservar a integridade da sua narrativa e do seu compromisso com a verdade diante das mais variadas formas de censura e manipulação da informação. Outro personagem arquetípico para o repórter é representado pelo detetive das histórias policiais, com sua busca obsessiva e incansável da solução de algum mistério. Os papéis de sobrepõem facilmente: Faerman em certa ocasião exerceu concretamente essa função de detetive, descobrindo os culpados por um assassinato, e mostrando que o crime da família Besandon havia sido cometido por policiais. E um de seus personagens-referência, objeto de um detalhado estudo publicado no Jornal Versus, é Rodolfo Walsh, o argentino cuja biografia fascinante inclui as funções de escritor policial, brilhante jornalista e detetive, empenhado em desvendar crimes políticos na Argentina, até ser ele mesmo assassinado pelos agentes daquelas forças sinistras cujo funcionamento tentava expor.

Para Aníbal Ford, estudioso da obra de Walsh, seu trabalho “faz cambalear a linha divisória que separa literatura e jornalismo, recordando a superficialidade dessa divisão desde que vista a partir dos níveis mais profundos onde opera a cultura, e particularmente a partir da perspectiva histórica de uma cultura dependente”. [7] O jornalismo autêntico, tal como praticado por um Walsh, um Faerman, e todos aqueles empenhados em um “resgate dramático, interrogativo e afetivo, replicando fatos e personagens”, passa a ser “uma forma de mostrar os fatos e de refletir sobre o real que no fundo pode ser chamado de literatura se aceitarmos que esta não é necessariamente ficção”. A biografia de Walsh, e de tantos outros jornalistas assassinados por ditaduras, mostra o quanto este resgate pode ser dramático e arriscado nos países colonizados, dependentes e oprimidos por regimes autoritários. E é exatamente em tais condições que a função crítica do textos e torna mais importante. Jornalistas e escritores compartilham a mesma trincheira no mesmo front, nessa tarefa de descolonização a partir do texto tão bem definida por Silviano Santiago: “O escritor latino-americano nos ensina que é preciso liberar a imagem de uma América Latina sorridente e feliz, o carnaval e a fiesta, colônia de férias para turismo cultural”. Nessas condições, “o silêncio seria a resposta desejada pelo imperialismo cultural, ou ainda o eco sonoro que apenas serve para apertar mais os laços do poder conquistador. Falar, escrever, significa: falar contra, escrever contra.” [8] O silêncio, e também, acrescentaria, a submissão aos estereótipos e convenções de um jornalismo “certo” e “objetivo”, ou seja, emasculado e submisso à linguagem do poder, atualmente correndo o risco de ser circunscrito à posse de um diploma universitário, muito mais que a este tipo de compromisso moral tão bem exemplificado por Com as Mãos Sujas de Sangue, e que, em sua essência, consiste em um ato de amor e de engajamento na causa de todos os oprimidos e explorados sobre a face deste planeta.

NOTAS

1. O “caso Bensandon” já foi publicado em livro, em Violência e Repressão, coletânea de reprotagens de Percival de Souza, Marcos Faerman e Fernando Portela, ed. Símbolo, 1978. 2. Também publicado em Violência e Repressão. 3. Jacques Derrida, A Escritura e a Diferença, ed. Perspectiva, 1971. 4. A citação é do livro de Derrida. 5. Roland Barthes, em Crítica e Verdade, coletânea de textos da Perspectiva, 1969. 6. “As Aventuras e Desventuras de uma Tribo sem Sorte”, no Jornal da Tarde de 19/8/78 – também “Correspondente de Guerra”, Jornal da Tarde de 30/6/79. 7. “Walsh, la reconstrucción de los hechos”, por A. Ford, em “Nueva Novela Latino Americana”, org. por J. Lafforgue, ed. Paidós, 1972. 8. Silviano Santiago, Uma Literatura nos Trópicos, ed. Perspectiva, 1978.

2. ARS LONGA, VITA BREVIS (depoimento) Ars longa, vita brevis, é o que dizem dos criadores que morrem cedo. Aplica-se a Marcos Faerman, cuja vida intensa e produtiva, por suas realizações como repórter, criador e editor de periódicos, professor de jornalismo, escritor e administrador cultural, encerrouse a 12 de fevereiro de 1999, aos 55 anos. Mas, se houvesse chegado aos 70, sua quantidade de idéias e projetos também sobraria. Era daqueles cuja criatividade e talento não se ajustavam ao limite dos ponteiros de relógios. Regido pela paixão, transmitia sempre a impressão de iniciar uma insurreição libertária, no jornalismo, na política, na administração cultural e no dia-a-dia. Gaúcho (gremista fanático), depois de militar na imprensa estudantil e trabalhar no Zero Hora, veio em 1968 para São Paulo e o Jornal da Tarde, onde permaneceu até os anos 90. Dispondo de liberdade de atuação, fazia reportagem geral, inclusive policial, e, ao mesmo tempo, matérias no Caderno de Leituras sobre Herman Melville, Jack London ou Malraux, sobre Baudelaire ou Rimbaud, autores aventureiros ou transgressivos. Levado por outra figura anárquica do jornalismo, seu conterrâneo Tarso de Castro, colaborou no Pasquim. Integrou a equipe dos inovadores Bondinho e Ex. Em 1975, deu sua grande contribuição à florescente imprensa alternativa daquela década, com Versus, jornal-ponte, encontro de diferentes vozes, tendências e preocupações, reduto da resistência interessado em tudo o que fosse revolucionário e instigante, a ponto de publicar, em primeira mão, o Van Gogh de Artaud. Propunha-se ao diálogo latinoamericano, à aproximação com o restante do continente, pelo concurso de Eduardo Galeano (cuja Crisis tomava como modelo), Diane Belessi e outros. De modo pioneiro, abriu uma editoria para movimentos afro-brasileiros, e acompanhou de perto grupos e movimentos feministas. Foi uma realização da sincronicidade encontrar Faerman em 1977, e este imediatamente convidar-me para fazer uma seção dedicada à poesia em um jornal que, desde o primeiro número, me pareceu, de toda a imprensa alternativa, aquele onde gostaria de escrever. Cito o episódio como um dos inumeráveis exemplos de seu generoso empenho em publicar e divulgar todos aqueles em quem vislumbrasse competência para alguma coisa.

Descontente com o alinhamento de Versus, deixou-o em 1978, para criar a revista Singular e Plural. Eclética, fervilhante, durou apenas seis números; certamente, não por falta de assunto e substância, mas por excesso. A ecumênica redação, com Audálio Dantas como editor, Cláudio Abramo e Rodolfo Konder, em parceria, na editoria de Internacional, e outros jornalistas de primeira linha, abria-se para então estreantes como Miguel de Almeida e Leão Serva (assim como, em Versus, havia-se feito notar Wagner Carelli, entre tantos outros em evidência que começaram ou se projetaram nas publicações de Faerman). Dedicou-se, também, à comunidade judaica, editando Shalom e a revista da Hebraica. Esteve à frente da tentativa de uma edição brasileira de Crisis, que durou dois números. Lecionou jornalismo na PUC de Santos e, ultimamente, na Cásper Líbero, responsável por um arrojado jornal-laboratório, Esquinas. Depois de organizar eventos culturais em outros lugares, como o SESC, dirigiu, de 1993 a 95, o Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura. Pode ter surpreendido, ao escolher o patrimônio histórico, e não uma assessoria de comunicações. Mas, jornalista-historiador, repórter-arqueólogo, para ele vanguardismo e resgate da memória eram faces da mesma moeda. Saber enxergar o passado conferia solidez a suas inovações. Em 1994, comemorou os 440 anos do IV Centenário de São Paulo a seu modo: ao mesmo tempo, no Solar da Marquesa, a exposição fotográfica sobre os anos 50; no andar de cima do casarão histórico, a instalação de Guto Lacaz, alegoria do período; lançou a revista Cidade, toda de depoimentos; durante o Carnaval, em pleno marco zero da cidade, promoveu um festival de teatro ao ar livre incluindo a ousada encenação dos Mistérios Gozosos por Zé Celso. Evocar mortos faz sentido quando deixam algo a ser apontado como modelo, lição de vida. No caso de Faerman, principalmente a valorização da cultura literária, em seus cursos, palestras e artigos sobre história da reportagem. Condensado, seu ideário jornalístico está no que escreveu para a coletânea Repórteres, preparada por Audálio Dantas (Editora Senac, 1998). Novamente, traçou uma história do jornalismo e da reportagem indissociável daquela da literatura, ao começar em Heródoto e passar por Daniel Defoe e todos os escritores que foram cronistas de seu tempo. Reiterou a equiparação de John Reed, James Agee e Tom Wolfe, e John dos Passos, André Malraux e Steinbeck. Insistiu em que o jornalista tem que ler muito, pesquisar, vasculhar bibliotecas, sebos, livrarias, bancas. Jamais deixou de praticar essa recomendação: leitor voraz, quantas vezes não me telefonou, entusiasmado pela descoberta, em alguma loja de livros baratos, dessa ou daquela obra que, por algum motivo, merecia interesse.

Marcão, como o chamavam, foi o inimigo da burocratização do jornalismo, da edição segundo fórmulas e modelos. O defensor da grande reportagem, do jornalismo-aventura, no qual é preciso ir lá, envolver-se; o oposto do que é feito nas mesas da redação, recebendo informações passivamente das agências, quando muito checando-as pelo telefone. Chegou, por isso, como repórter, a desvendar crimes. O estilo literário nunca o impediu de obedecer ao requisito fundamental da precisão e clareza nos quando, onde e o que. A capacidade de aliar criatividade à informação factual fez que recebesse tantos prêmios, inclusive o Esso. A eloqüência e cultura o levaram a ser convidado a dar cursos e palestras. Será lembrado, creio, como o mais radicalmente literário dos nossos repórteres. Sua coletânea Com as mãos sujas de sangue (Editora Global, 1980) merece releitura pelas ousadias até hoje insuperadas, as reportagens na primeira pessoa, em tom de crônica, monólogo interior e prosa poética. Não-linear, encaixava histórias dentro de histórias; metalingüístico, interrogava-se sobre o que estava acontecendo; procurava, especialmente em dramáticas matérias sobre grupos indígenas extintos ou em desaparição, apontar para a informação perdida, o não-dito, os silêncios irreversíveis. Deixou textos que se sustentariam fora do âmbito jornalístico, e seriam lidos com prazer e atenção se apresentados como ficção. Nada tenho a retificar ao que escrevi sobre ele, na ocasião, em dez páginas de prefácio. E teria muito, muito mesmo, a acrescentar. Claudio Willer (Brasil, 1940). Um dos editores da Agulha. Contato: cjwiller@uol. com.br. Página ilustrada com obras do artista Felipe Ehrenberg (México).

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

Moacir Amâncio: desafios da poesia [entrevista] Álvaro Alves de Faria .

“A

borboleta, traça na antevéspera,/ espera num casulo o remexer,/ as cores, elas vão fazer o vôo/ daquelas brasas inda na paleta”. Esses versos podem, digamos, explicar a feitura de um poema, a realização de um poema, sua estruturação ? Digamos que a borboleta de Moacir Amâncio seja a poesia. Se for assim, essa borboleta está seguindo seu caminha natural em sua própria existência para nascer. Moacir Amâncio reuniu toda sua obra poética em “Ata”, juntando

no volume os livros “Do objeto útil” (1992), “Figuras na sala” (1996), “O olho do canário” (1998), “Colores siguientes” (em espanhol, 1999), “Contar a romã” (2001), “Óbvio” (2004), “At” (em inglês) e “Abrolhos” (em português e hebraico), que eram inéditos. Palavras medidas. Tudo no seu devido lugar. O poema de Moacir Amâncio é contido. Como se a palavra estivesse presa a se debater para saltar. Mas o poeta, no caso, não lhe dá essa permissão, se é que isso de fato existe. Num de seus poemas Moacir Amâncio afirma que “ao tentar dizer/ desdigo o não dito”. Talvez esses dois versos possam dizer essa poesia que é colhida das coisas animadas ou não que existem em torno da poesia. Três outros versos podem explicar melhor, levando o poema para a própria construção do poema, com uma matéria-prima especial: “Esta paisagem, quem sabe,/ só de janelas perfeitas/ na simetria dos ângulos”. É como se Moacir Amâncio estivesse a falar sobre a elaboração de sua poesia. Por que escrever poemas em inglês, espanhol e hebraico? Professor de Língua e Literatura Hebraica da USP, Moacir Amâncio responde: “Talvez pelo mesmo motivo que se escreve em português. Modos de dizer diferentes e que também procuram sua expressão, apenas isso. Acho que as experiências lingüísticas são insubstituíveis, embora a tradução seja sempre possível. Mas aqui, acho desnecessário. Se a pessoa não compreende esta ou aquela língua, tudo bem, o que conta, como numa colagem onde aparecem palavras russas, por exemplo, é a tensão provocada”. “Ata” é uma afirmação poética de fina elaboração, o poema construído palavra por palavra, trabalho meticuloso de um poeta que tem na poesia um olhar especial. Moacir Amâncio parece deixar claro que não se envolve em emoções poéticas. O poema deve existir dentro de seu limite. E esse limite indica a contenção de si mesmo como poeta dentro do poema, da literatura. O poema é uma peça literária. É resultado de trabalho, de exercício. É a observação. [AAF] AAF Moacir Amâncio: a exemplo de outros poetas brasileiros, você decidiu reunir toda sua obra de poesia. O que isso significa para você? MA Bem, deve ser normal que depois de uma série de livros

publicados os textos sejam reunidos num volume só. Você sabe, os livros de poemas são geralmente curtos, por diversos motivos. A poesia hoje, hoje, eu digo, diferente da prosa, não suporta menos o ritmo industrial. É uma outra relação com as palavras e com a vida – não vejo diferença nisso. Quando alguém diz que devemos procurar a poesia nos dicionários, entendo dicionário como vida bruta, a vida bruta nas palavras soltas e ao mesmo tempo em toda sua potência. As coisas ocorrem de modo mais lento e breve, portanto. No meu caso, a reunião dos volumes publicados, mais inéditos, etc., pode ser a conseqüência de uma intenção dos textos que, como já foi observado, formam um conjunto só, ou seja, um livro só, com as implicâncias que isso representa, correspondências entre as partes. AAF Você é um poeta econômico. Palavras medidas. Bem medidas. Exaustivamente medidas. Você tem receio de se expor como poeta dentro do poema, evitando, por exemplo, qualquer sentimento de emoção? MA Como fino conhecedor da matéria, você sabe que essas coisas dão muito trabalho. Eu não vejo diferença com o trabalho de um musicista ou de um compositor. Nada mais rigoroso, nada mais medido do que a música de própria autoria ou não. Nada mais técnico do que uma estrutura musical. Ela pode ser reflexiva, pode ser irônica, pode ser sentimental, pouco importa, sem as notas e todo aquele aparato, não será música. Poesia é igual, no verso e na prosa. Existem, além disso, diversos tipos de sentimentos, como você sugere na pergunta. Assim como existem diversos tipos de música e de poesia, ligados à época, por exemplo. O sentimento do Álvares de Azevedo era um. O sentimento do Bilac era outro. O sentimento do Augusto dos Anjos, do Mário de Andrade, do Mário Quintana – o grande Mário Quintana – e assim por diante. Não estou me comparando a eles, claro, é apenas para ilustrar um pouco. Há poetas, como o Quintana, que expressam a emoção de um modo imediato. Mas veja que coisa, o Quintana não é um poeta assim tão simples. É ardiloso, engana quem pensa que ele está dizendo algo, quando sua intenção se revela outra. Uma estratégia. Além disso, não podemos nos esquecer que as palavras dizem além da intenção do autor. Um texto de exaltação à vida pode se revelar um canto de morte, pelo contrário. Quer dizer, todo texto representa sempre um desafio tanto para quem escreve quanto para quem lê. Sempre tenho uma pergunta: e se as emoções acabaram, e se elas eram pura invenção?

AAF Moacir: aquela pergunta clássica que faço questão de fazer a todo poeta que entrevisto: Afinal, a poesia serve para que? MA Essa pergunta é terrível. Evidentemente, você repete a pergunta porque nenhuma resposta foi satisfatória. E o que eu disser também não será. Mas talvez a poesia seja simplesmente necessária à vida. Não falo só da poesia escrita, convencional, cantada, declamada, mas da poesia que está presente em todas as manifestações artísticas – e não podemos esquecer que nossa vida cotidiana também é representação. Há pessoas que dizem não gostar de poesia, não precisam disso, acham poesia uma coisa chata, etc. Mas consomem poesia da música popular, de alguma cena de novela na televisão, uma frase captada na rua enquanto caminhava até o estacionamento, no bar, num filme, num quadro, num pára-choque de caminhão, vai saber. Num sorriso. Tudo isso vai lá ou vem de lá e para qualquer pessoa, analfabeto ou letrado, busca sua correspondência nas palavras, no grito, no gesto, num assobio. AAF Você já tem bagagem poética e literária suficiente para me falar alguma coisa sobre a poesia brasileira hoje. Ou não há nada para falar? MA O grande perigo neste caso é a auto-referência. O cara começa a ditar regra a partir de sua própria ação. Ou então recorre a dois ou três críticos – uma superstição, pior ainda do que o caso anterior, porque pode ocultar até mesmo certa ou muita má fé. E mais, há um tipo de leitor e de crítica que recorre a teorias achando que aquilo tem peso de verdade absoluta, quando tudo fica num campo relativo, condicionado histórica e socialmente. Enquanto a leitura direta, o contato com o texto fica afastado, higienicamente afastado. Existem análises de textos pífios que nada mudariam se no lugar dos textos pífios colocassem uma notícia de jornal, da primeira página, e de repente até ganhariam em matéria de poesia. O pior é que com isso formam grupos, etc. Outro golpe mortal na poesia, os grupinhos, movimentos repetitivos, essas coisas. Então,

eu não dispenso a leitura do que é escrito no país, na medida do possível, corro atrás, procuro, escrevo para os autores quando não consigo seus livros. Não me interessam correntes nem nada, apenas os textos. Sou pela inclusão, não pela exclusão. Há casos de embuste óbvio, mas sempre podemos encontrar algo que vale a pena. Mesmo que não seja o que a gente escreveria ou gostaria de escrever. Sou contrário a opiniões taxativas. De repente Drummond, daqui a cinqüenta anos, continuará um autor importantíssimo, mas não será mais o maior poeta brasileiro do século 20. Sei que é história, mas acho que “A Luta Corporal”, do Ferreira Gullar, deveria ser mais lido e considerado como uma obraprima contemporânea. Veja, o Piva já vem sendo discutido e pensado como um autor importante na expressão e no comportamento – ele mistura as duas coisas. Ao mesmo tempo há uma tendência de voltar ao primeiro modernismo. Outros vão ao pré-modernismo. Outros procuram a música, a declamação, etc. Quer dizer, para mim, é uma salada saudável, ou pelo menos é o que temos à disposição e se nada mais há, isso significa alguma coisa, não há como dispensar. Para mim, tudo faz parte. Falo com quem escreve, não como leitor idiossincrático e este com certeza tem a sua totalidade de razão. Agora, acho que devo acrescentar o seguinte. Durante o tempo em que trabalhei diretamente em jornais e revistas, eu sempre mantive a mesma posição. Minhas idiossincrasias eram deixadas de lado. Sempre procurei publicar, entrevistar, divulgar o que chegava, sem discriminação. Quando na edição, escrevia muito pouco, de propósito. Uma vez cheguei a passar o livro de um poeta para quatro ou cinco resenhistas e todos me disseram que não valia a pena, a não ser que fosse para baixar a lenha. Se é assim, vamos deixar de lado, acabei desistindo. O poeta achou que eu estava jogando o livro dele no lixo. Não era verdade, na verdade eu o estava protegendo de uma traulitada que talvez fosse despropositada. AAF Você falou sobre imprensa. Como você vê o tratamento dado à literatura brasileira por jornais e revistas? MA Sempre dei ênfase à literatura brasileira. Certa vez, num jornal, levei a maior bronca por ter dado uma primeira página de caderno de variedades com romancistas brasileiros, pois achavam aquilo sem

importância. Você vê, em todo lugar do mundo o que conta é o autor do país, o fato local. Não deixo de estranhar que um autor mediano tem primeira página e até chamada na primeira página do jornal porque nasceu no Afeganistão ou no Bronx, e um autor brasileiro de qualidade equivalente ou muitíssimo melhor, corre sempre o risco de nem ser percebido. No entanto é esse autor que está participando de modo efetivo da vida cultural, política, social do país. A cultura, a literatura não é feita para a posteridade nem para ser traduzida. Ela é feita para o vizinho da frente. Já reparou? Quando a gente elogia um autor brasileiro alguém sempre pergunta: mas você gostou mesmo do livro? Se você critica de forma negativa um borra-botas londrino alguém aparece e comenta: puxa, mas todo mundo fala bem… AAF Nos anos 70 nós andávamos pela cidade discutindo sobre jornalismo, literatura e outras coisas inúteis da vida. Mas me lembro bem que você pouco falava sobre poesia. De repente você começou a escrever poesia. Como é que você se descobriu poeta e como é que você lida com isso? Como e quando ocorre o poema? MA Muito bem lembrado. Veja, sempre fui leitor de poesia. Sempre li de tudo, mas poesia sempre foi uma constante. Por exemplo, gosto de ler ensaios e romances, contos. Mas faço pausas, posso ficar bom tempo sem ler romances. Leio um romance esta semana, leio outro daqui a algum tempo, mais ou menos assim. Poesia não. Poesia faz parte. É como o ar. Mas naquele tempo eu estava interessado em escrever prosa. Fiz alguns textos experimentais, com a plena consciência disso, eram exercícios. Bom, de certo modo tudo é um exercício, mas espero ter sido claro. Como digo, comecei as coisas pelo contrário. Embora eu me lembre de alguns poemas escritos na juventude. Até publiquei em jornal, um deles. Mas tentava a prosa. Escrevi, antes de publicar qualquer coisa, um romance e uma novela. Eu evitava falar sobre poesia achando que não era assunto meu, eu me sentia meio intruso. Agora, aos poucos senti que a narrativa se tornava impossível e o texto se fragmentava. Algo se impunha, uma outra linguagem. Parei com a experiência da prosa, passando a pesquisar a linguagem poética. Foram mais de dez anos sem publicar nada, a não ser artigos e reportagens, algumas crônicas. Os textos às vezes vêm

por acidente. Certo dia, ou melhor, noite, após o fechamento do jornal, estava conversando com o pessoal e eu mencionei o Mário Quintana. Alguém disse, se não me engano um gaúcho, ah, mas o Quintana é um poeta antigo. Fiquei meio bravo e respondi em cima: “Poeta antigo é o Camões, e no entanto…” Fui para casa muito ofendido, não com o colega, mas com a frase dele, onde já se viu, falar mal do Quintana… Escrevi um poema em desagravo, sobre o Quintana. E isso antes do processo todo ter início. Eu tinha visto o Quintana uma vez, na redação do jornal dele em Porto Alegre, onde eu fazia uma reportagem. Fui ao jornal – eu conhecia alguém lá – e perguntei se ele estava, me apontaram a mesa, chegaria logo. Ele chegou, eu me apresentei, conversamos um pouco, ele estava no trabalho e eu não queria incomodar. Dei mais um tempo para ver o poeta escrevendo, de longe, depois fui embora – e eu não queria escrever poesia nenhuma, só gostava de poesia e do poeta e queria manifestar a ele minha admiração sem ser invasivo, de modo discreto. Eu o encontrei várias vezes, fiz até uma longa entrevista com ele. Quem não gosta do Quintana? Como o poema acontece? Varia muito. Pode ser decorrente de qualquer coisa, de uma idéia, de uma leitura, de uma conversa, de observações variadas, de uma emoção, música…

Álvaro Alves de Faria (Brasil, 1942). Poeta, ensaísta e jornalista. Autor de livros como Motivos alheios (1983), O azul irremediável (1992) e À noite, os cavalos (2003). Entrevista originalmente publicada no Rascunho # 93 (Curitiba, janeiro de 2008). O crédito da foto de Moacir Amâncio é de Pérola Wajnstejn. Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do artista Felipe Ehrenberg (México).

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

O jogo da vida em Lyn Hejinian Mauricio Salles Vasconcelos .

Autora de uma obra extensa e essencial ao panorama da poesia norteamericana contemporânea, Lyn Hejinian é conhecida, sobretudo, por My Life (Copenhague & Los Angeles: Green Integer, 2002), um pequeno “clássico” adotado em escolas, admirado, especialmente, por sua peculiar composição autobiográfica, organizada em 45 blocos referentes a cada um dos anos de uma vida. À medida que são reconhecidas pelo leitor as marcas típicas de cada uma das idades, registram-se, em My Life, anotações-eventos extemporâneas, causando a quebra do falso efeito de englobamento contido no livro da vida. Tudo se dá por força de uma mobilidade de elementos, temas e frases que se repetem e se recriam de um extremo a outro de sua leitura, não cessando de sobrepor referências à continuidade da vida que “se conta” (em mais de uma direção, e para fora da

órbita de uma simples sucessão). Surpreende na leitura do livro a forma como a poeta reconstrói sua biografia, contando com o substrato da cultura ready-made, do livro de confissão, de experiência totalizada. Da cultura, mesmo, do livro, tomado como documento em partilha, legado em palavra, através de um projeto testemunhal transparente, criado numa única, particular via. A contar de uma autoria. Na linha do tempo. Discernível se mostra, nos 45 blocos compactados, precedidos sempre por um aforismo ou sentença poética, a presença interveniente do autor, compreendido como montador de uma dinâmica de tempo que se afasta do estrito molde de cada uma das idades enfeixadas, de ano a ano, pelo livro. Em catalogação e cognição, a súmula possível dos anos de vida só pode se dispor por um jogo combinatório e parcelar. Se por um lado há o específico, o reconhecível no tempo captado em flashs impressivos, assimila-se na leitura do livro de Hejinian a simultaneidade das idades com a época presente de sua escrita, dependente essa, por sua vez, da retrospecção e da redistribuição dos signos de toda uma vida, resumida em uma possível primeira metade (45 anos), bem no meio de seu transcurso. Como se pode ler nas seqüências iniciais do fragmento 2 de Minha Vida: Você derrama açúcar quando ergue a colher. Meu pai encheu um velho vaso de farmácia com o que chamou de “vidros do mar”, lascas de garrafas velhas arredondadas e texturadas pelo mar, abundantes nas praias. Não existe s o l i d ã o. Isso acaba por se enterrar na veracidade. É como se alguém chapinhasse na água perdida dos próprios olhos. Minha mãe escalou a lata de lixo de modo a amassar o refugo acumulado, mas a lataria estava pouco equilibrada, e quando ela caiu quebrou o braço. Ela só podia aceitar, balançando o ombro. A família tinha pouco dinheiro, mas tinha um bocado de comida. No circo, somente os elefantes eram

maiores do que tudo que eu podia imaginar. Pedra em forma de ovo de Colombo, paisagem e gramática. Ela queria algo onde o playground era terra, com grama, sombreado por uma árvore da qual pendia um pneu que era um balanço, e quando ela encontrou aquilo me colocou ali. Essas criaturas são compostas e nada do que fazem deve nos surpreender. [Como se dedicado a nós que “amamos ficar surpresos”] A estrutura numérica de My Life, em sua formulação compacta, disposta em blocos de um único parágrafo, que são introduzidos por inserts conceituais, sob a forma de sentenças-chave, acaba por propiciar um plano – um suporte espacial para intervenções na idéia e na imagem do tempo. Quanto mais se lê o livro de Lyn Hejinian mais se torna próximo seu fundamento compósito. As recorrências ao passado, o registro do instante e as inquirições sobre o futuro são feitos em todos os fragmentos, acontecendo no mesmo ato, sem hierarquizações. Ao incursionar pelas conjunções cartográficas de uma vida em trabalho de memória e montagem – para se fazer menção ao título de um autor decisivo da atualidade poética, o português Herberto Helder –, Hejinian redesenha a noção de tempo, subjetividade e escrita autobiográfica. Não estranha o fato de que esse pequeno livro voltado para o raconto de cada um dos anos de uma vida (ela, L. H., é de 1941) tenha continuidade com My Life in the nineties/ Minha vida nos anos 90 (2003). Tamanho é o poder de prospecção de um projeto construído sobre o misto paradoxal de efemeridade e emergência que funda cada vida. Curioso é perceber no projeto (desdobrado no livro de 2003) – a partir de um modelo, de uma codificação matemática preenchida pelo alinhamento dos motivos de uma existência – uma re-situação do transcurso do tempo, até os últimos anos do século XX, dentro da dinâmica de um mapeamento – com todo seu traçado genealógico – formado por anotações aparentemente concentradas em torno-de-si (do livro em que se lê Minha Vida). Associáveis a folhas na floresta (a autora cita Flaubert, em Minha vida nos anos 90), fragmentos frasais e sentenças se reúnem em blocos de uma progressão numérica, temporal, concebidos à maneira de compactos

plástico-cinemáticos nos quais a simultaneidade de evocações e relações se processa como conhecimento do que é impessoal, a atravessar a proposição autográfica do texto. Nesse possível conjunto – floresta, matriz arbórea da imagem de totalidade – só se trava contato com a dimensão discursiva do autobiográfico como experiência extensiva a qualquer um em leitura, ao modo de um jogo lançado com o tempo e o espaço que o livro engloba. No trabalho esmiuçador de retrospecções e recorrências, de um extremo a outro das idades aí enfeixadas, a idéia de evolução, assim como a síntese do tempo, inexistem. Muito antes, pulsa na leitura do “clássico contemporâneo” de L. H., a indagação constante acerca dos signos e dos saberes que formam uma única vida em uma extensão que é, simultaneamente, reiterativa e autodissolvente, pessoal e incognoscível. Foi um tempo antes de eu entender o que tinha ocorrido entre as estrelas para que se formassem as constelações. Eles estavam em um restaurante pertencente a dinamarqueses. Agora que eu tinha “idade suficiente para tomar minhas decisões próprias”, me vestia à maneira de todo mundo. As pessoas devem adular seus próprios olhos com suas vidas patéticas. As coisas sobre as quais eu falava se seguiram logicamente às coisas que eu tinha dito antes, embora não suportassem nenhuma relação com o que eu estava pensando e sentindo. Houve uma vez um homem desonesto que rodava uma milha irregular – após isso ele escreveu, em um estilo torto característico do século XIX, uma prosa de ciência com sentenças cumulativas. O ideal era a propriedade americana, tal como ela a recebeu de um fazendeiro. O que inclui compra de romances policiais e coletes de armas. Eu estava mais terrificada com os agentes do FBI do que com os homens não especificados que seqüestraram, assassinaram e enterraram a garota da quinta série na colina detrás da escola. Uma pausa, uma rosa, alguma coisa no papel. Foi nesse tempo que meu pai me proviu com todas as frases corretas acerca da beleza e da maravilha dos livros. Gado de cor pastava para o lado da colina, na Califórnia, em grande quantidade de amarelo único, impossível de ser visto, dessa distância e a essa hora, em qualquer gradação de luz e

sombra. Individualidade é animada por seu sentido de infinito. [Escrevi meu nome em cada um dos livros dele] Percebe-se, em My Life, um multidirecionamento de trilhas enunciativas capaz de reencenar as perspectivas de um eu e das vertentes conceituais desbravadas pela escrita de poesia na cena do presente. Todas as linhas estão em pauta, das ocorrências micrológicas do cotidiano até o tracejamento do campo cognitivo que envolve poeta e poema: formação cultural (Hejinian é de origem russa), sexualidade, geografia, espiritualidade, as imagens e os ditos/escritos da arte, os aforismos da filosofia, os modos de convívio (família, conjuntos imobiliários, comunidades artísticas), meio-ambiente, arquitetura, escrita-de-si, tecnologia, cultura planetária. Por meio de minha vida está posta em inquirição e invenção (não mais entendida como a senha estrita das vanguardas históricas) a existência do poema agora, para além do embate e do enlace facilmente resumíveis entre primeira pessoa e a objetividade formal da linguagem. Refletindo a respeito da grande receptividade alcançada pela obra junto à crítica e ao público, quando da segunda edição (1987) – algo que se deve à fusão de experimentalismo e comunicabilidade presente no livro –, Lisa Samuels, poeta e professora da Universidade da Virginia, argumenta que sua presença no cânone da poesia norte-americana pós-moderna se deve, entre muitas razões, pelo poder simultâneo de síntese e expansão obtido por sua linguagem. É como se a “autografia” – como a estudiosa opta por defini-la – elaborada por Hejinian possuísse uma rara gradação conceitual e cognitiva, capaz de especular sobre o decurso de uma vida no mesmo instante em que apreende os processos mais intricados da imaginação poética e daqueles relativos à passagem do tempo. Um projeto que trabalha tanto a construtividade, visível na formulação de seus blocos de prosa poemática, quanto o que Samuels define como felicidade da invenção na revisitação a cada um dos anos de uma vida em captura e continuidade. Não por acaso, à altura do 34º bloco de Minha Vida, Hejinian pode

grafar: Atrás e para trás, porque, amplo e a mais. De tal modo esta arte é inseparável da busca de realidade. O continente é maior do que o conteúdo. Um rio enreda a península. Mauricio Salles Vasconcelos (Brasil, 1956). Poeta e ensaísta. Autor de livros como Sonos curtos (poesia, 1992), Rimbaud da América e outras iluminações (ensaios, 2000), e Stereo (ficções, 2002). Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do artista Felipe Ehrenberg (México).

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

Para ler em voz alta: como se fosse um prefácio Diálogo entre Claudio Willer & Floriano Martins .

FM Nas conversas que orientaram a montagem da presente antologia consideramo uma presença marcante,

em tua poética, do erotismo ligado a deslocamentos. É como se estivéssemos diante de um alvo móvel. E mais: não é o parceiro que se busca conquistar, mas sim o próprio movimento do amor. E essa conquista, por sua vez, encontra-se atrelada ao mundo em sua integridade, ou seja, não se deixa seduzir por qualquer tipo de isolamento ou autismo. Eros ativo que se mistura à realidade buscando desarrumá-la, redimensionando-a. Eros andarilho, participante de tudo, envolvido com o que o Roberto Piva, na introdução ao livro Anotações para um Apocalipse (1964), situa como “transitório sagrado”, quando diz ainda de tua poesia que ela

emerge “como numa fecundação obscena, encantadoramente larvar e noturna”. CJ Não havia reparado nisso antes, só agora, ao arrumar os poemas para publicação. Coincidiu com releituras de Baudelaire e de A Dupla Chama de Octavio Paz, e tive esse lampejo, essa percepção de que minha relação amorosa, ou, ao menos, meu lirismo tem algo de diferente com relação à tradição lírica, e também ao modo como é subvertida em Baudelaire e afirmada no surrealismo. A mulher não é alguém idealizado, como no amor cortês, a ser conquistada, nem uma assombração, como em alguns dos poemas de Baudelaire. É uma companheira, indispensável para desarrumar ou desmontar o mundo - e a mim mesmo. Fomos só nós dois, unidos como um véu flutuante, à espera de maiores presságios - Assim lançamos nosso desafio, apenas os dois, e a conivência dos sabres e medusas - Este só nós dois, de O Vértice do Pântano, em Anotações para um Apocalipse, vai reaparecer, como um refrão, em um poema escrito uns 20, 25 anos depois, Chegar lá. Com uma diferença: o que era presságio, agora passa a ser relato de acontecimentos vividos. Como eu digo, É tudo verdade, tudo aconteceu mesmo. O amor é bom, digamos assim, porque transforma o mundo, nos confunde com o mundo - permite sentir o mundo na temperatura do corpo, como observo em Poética, ou é aquelas paisagens maravilhosas todas, lagos, montanhas, paisagem de sol nascente, da série Poemas para ler em voz alta, que ao mesmo tempo são o corpo da amada, nossos corpos, que são outra coisa e por isso são mais eles mesmos, corpos, em É assim que deve ser feito. Nos românticos, surreais, em Baudelaire na relação com Madame Sabatier e Marie Daubrun, a mulher é alvo, ponto de chegada, eles querem chegar lá, alcançá-la, encontrá-la - na minha poesia, a companheira é mais um ponto de partida, eu já cheguei lá, e agora quero acertar as contas com o mundo, como afirmo no poema Chegar lá, quero não deixar pedra sobre pedra. Transar, ato subversivo por excelência… Acho que é uma poesia bem contemporânea: a questão da conquista amorosa e da posse já foi resolvida, e agora a questão é outra, é o que fazer daí em diante. Com certeza (e nisso difiro de Breton e Paz), para mim não há contradição entre paixão e libertinagem - realização da paixão é poder fazer bastante libertinagem, instaurar a desordem, nem que seja simbolicamente. É fundir o Marquês de Sade e Novalis (lembrando, Novalis equiparou Sophie Von Kuhn, a quem havia perdido, que havia morrido, a uma santa), ou superar a dicotomia entre os dois. Que interessantes, as virtudes proféticas da escrita espontânea e automática - quarenta anos atrás, eu me saio com

esta: …os exilados voluntários, para partirmos juntos em busca da inviolável liberdade dos caminhos seguidos ao acaso, e da verdade contida nas escadarias, pórticos e paredões desabados. É mais uma versão dos elogios à flânerie e à disponibilidade. Sei lá se eu já havia lido La confession dédaigneuse de Breton, ou qual dos seus textos sobre disponibilidade e acaso objetivo, a exemplo de Nadja, eu já havia lido. Sei que estava fazendo isso. Eu vi essas escadarias, pórticos, paredões desabados - são lugares onde estive, lugares que existem – casarões em São Luiz do Maranhão, no Recife, em São Paulo, em… Um deles, aquela casa surrealista aqui em São Paulo, meio em ruínas, que aparece no filme de Ugo Giorgetti, Uma outra cidade, enquanto leio um poema. Outra, um daqueles desvãos do bairro da Liberdade, o beco da Igreja dos Enforcados, que é mostrado no mesmo filme do Ugo, enquanto Rodrigo de Haro lê seu poema. Estivemos lá. Será que é poesia o que escrevo? Relendo assim, dá-me a impressão de que é antes filosofia - filosofia empírica, bruta, ingênua, pois não sou filósofo. FM O Alexandrian chega inclusive a traçar, em Les Libérateurs de l’Amour, uma distinção entre homem e mulher dentro de uma perspectiva do amor no Surrealismo, ao dizer que “a mulher é feita para ser encontrada e o homem para a encontrar”, o que tanto confirma a idéia da mulher como alvo quanto acentua um machismo onde a libertinagem só era concebida como “um vagabundear a pena na escrita automática”. Evidente que a paixão se contradiria se acaso não instaurasse a desordem, de maneira que nunca entendi essa defesa de uma libertinagem apenas no plano do sublime, quase uma espécie de retórica da libertinagem. Seguindo em consonância com o que dizes, queria comentar sobre “as virtudes proféticas da escrita espontânea”, remetendo-nos aqui ao Octavio Paz que, já em um dos ensaios do Corriente Alterna (1967) afirmava que “una de las pretensiones más irritantes de la poesía moderna es la de presentarse como una visión, esto es, como un conocimiento de realidades ocultas, invisibles”. Se o imaginário é uma preanunciação do real, como não entender que conceitos como os de sonho, mistério, visão, inspiração, possam sentar-se à mesa ao menos para tracejar um esboço das realidades ocultas? Por outro lado, não compreendo quando separas poesia de filosofia. Que o façam os filósofos, talvez, mas nunca um poeta, pois os vasos comunicantes entre poesia e filosofia são por vezes tão intensos que

se confundem entre si. E já não se pode dizer que certo ranço acadêmico tenha afastado a filosofia da poesia, pois hoje este ranço se encontra bem mais acentuado na poesia que nos é contemporânea do que na própria filosofia. Ou talvez se mereçam, afinal, hoje mais do que nunca, e justamente por uma obtusa erradicação do empirismo, da condição bruta, ingênua, que deveria ser parcela ativa na instauração da desordem que ambas, poesia e filosofia, deveriam buscar. CW Exatamente. Não li esse livro do Alexandrian, conheço outro, Histoire de la Philosophie Occulte. Será que, de tanto aprofundar-se em ocultismo, adotou essa distinção radical, que entre ocultistas é ontológica, entre os sexos, microcosmo de uma polaridade universal, cósmica? A dualidade entre o que encontrado e o/a encontrado/a não se sustenta. Já encontrei. E já fui, com certeza, encontrado. E as duas coisas já coincidiram. Ora essa, a idéia da mulher passiva, receptora – não, de jeito nenhum, o mundo seria então uma chatice. Precisava examinar, também, o que Octavio Paz diz em Corriente Alterna. Ver que sentido ele dá a “irritante” – a quem a poesia profética irrita. Li esse livro faz tempo. Em La Búsqueda del Comienzo, seu ensaio sobre Breton, tem belas páginas sobre acaso objetivo. No restante da tua pergunta, tens razão. E digo mais: há um excesso de poesia inteligente hoje em dia. Prefiro algo mais visceral. De certo modo, eu me detenho, ou me contenho diante da decodificação da minha própria poesia. É claro que sou capaz de fazer isso, ler Claudio Willer como se fosse um outro autor, e extrair sentido do texto. Em 2003, estava programada uma apresentação no Memorial da América Latina, eu deveria ler poemas e falar, antes de sair de casa examinei um dos meus poemas, aquele número 6 de Poemas para ler em voz alta, e me perguntei: o que quer dizer, o que estou dizendo com isto, sejamos modernos como o amor…? Foi uma dessas imagens que “batem na janela”, como disse Breton – veio-me à cabeça e escrevi o resto do poema ao redor dela. Nela há

um paradoxo: o amor habitualmente é tido como eterno, e não como “moderno”. E uma inversão de atributos, ou de sujeitos – nós é que deveríamos ser ou que seríamos os modernos, não o amor. Além disso, uma inversão de algo que Drummond havia dito, ironicamente, é claro, de que não queria ser moderno, mas eterno. Aí então – durante essa releitura enquanto me preparava para ir ao Memorial da América Latina – eu me lembrei do que Baudelaire disse sobre modernidade – e com absoluta certeza eu não estava pensando nisso na época em que escrevi esse poema da série Poemas para ler em voz alta, estava então bem distante de Baudelaire – como você sabe, para Baudelaire o que caracteriza a modernidade é a mudança constante, é tudo sempre se transformar em outra coisa. Lido a partir daí, o poema todo faz sentido: a imagem inicial, seus olhos têm muitas cores/ que refletem o brilho de cada hora, ou seja, eles sempre estão mudando. E a imagem final, sobre a nossa crueldade – à luz dessa noção de modernidade, o poema torna-se terrível, pois diz que o amor é algo que é e não é, algo que muda o tempo todo, que vai mudar, passa, não permanece – em resumo, o amor não é uma coisa, mas uma relação que existe em um contexto, aquele do encontro entre pessoas, por sua vez mutantes. Mas ler poemas desse jeito, interpretando-os, é algo que deveria ser feito pelos leitores, pela crítica. Para isso é que existe ou que supostamente haveria crítica… Da minha parte, só posso dizer que, interpretado desse modo, cada poema, cada passagem de poema faz sentido. Sentidos. À tradicional observação de que “não faz sentido”, responderia que tudo está saturado de sentido. FM La Búsqueda del Comienzo não é propriamente um livro, mas antes uma seleta de textos sobre um mesmo tema. O ensaio sobre Breton, por exemplo, pertence originalmente a este mesmo Corriente Alterna que acabo de citar. No ensaio a que me refiro, “Conocimiento, drogas, inspiración”, Paz diz coisas como: "El poeta moderno declara que habla en nombre propio: sus visiones las saca de sí mismo. No deja de ser turbador que la desaparición de las potencias divinas coincida con la aparición de las drogas como donadoras de la visión poética." […] "Baudelaire es uno de los primeros que se inclina con ‘ánimo filosófico’, como él mismo dice, sobre los fenómenos

espirituales que engendra el uso de las drogas." […] "La tentación de las drogas, dice Baudelaire, es una manifestación de nuestro amor por el infinito. La droga nos devuelve al centro del universo, punto de intersección de todos los caminos y lugar de reconciliación de todas las contradicciones." É curioso, mas passa a idéia de que sua irritação vem do fato de que a poesia moderna considera uma relação íntima entre visão e droga, e que esta relação é fruto de uma experiência própria a cada poeta. De qualquer maneira, eu queria fazer uma observação aqui sobre o fato de teu lirismo divergir da tradição lírica brasileira. No Piva, por exemplo, quase sempre o vemos declarar suas afinidades no que diz respeito a essa tradição, embora ele também divirja da mesma. Em que exatamente radica a tua divergência e quais seriam então os pares identificáveis como eventuais cúmplices de uma aventura poética? CW Ah, sim, lembrei-me. É um ensaio muito bom, na seqüência do que ele escreveu sobre Henri Michaux. Ataca a hipocrisia da nossa sociedade na questão das drogas. E repete o que já dizia em El Arco y la Lira, sobre o poeta romântico como iluminado, vidente, querendo uma poesia que substitua a religião no mundo dessacralizado. Concordo. Isso do poeta-vidente, uma espécie de misticismo pagão, aquilo que Norman Brown chamava de misticismo do corpo, está no que escrevo, está em mim. Norman Brown é um pensador que está um tanto esquecido – e que devia ser relido, principalmente agora, nesse período supostamente pós-moderno, e que se seguiria a uma suposta liberação sexual. Que nada. Até o misticismo do corpo, a relação pagã, do paganismo subterrâneo, ainda há um longo caminho a percorrer. É um caminho da transgressão. Tradição lírica brasileira? Existe? Eu estava falando de uma tradição no sentido mais amplo, que inclui trovadores e românticos. E não divirjo propriamente. Apenas me diferencio. Vejo, permito-me ver algo de diferente, de pessoal no que escrevo. Aquilo que já disse antes, poesia como anarquia, amor também. Em meus poemas há metalinguagem o tempo todo, ou freqüentemente. É por isso que havia perguntado antes, será que não sou filósofo. Folheando ao acaso, em A Princípio, poema que certa vez um leitor sensível classificou como mais beat, leio: … tempo vitrificado/ em que não

importava a hora/ entardecer meio da noite madrugada/ acordava-se para algum ritual novo/ explorações pelos arredores da cidade/ ou por regiões do corpo/ conjurações e posses – observe como estou colocando no mesmo plano sexo, erotismo, percorrer a cidade, e a própria poesia. Logo adiante: se quiserem saber/ todo poema é participante/ a foda também é participante/ a paranóia é sagrada – a palavra-chave aí é sagrada, e não participante, ou melhor, participante, sim, mas no sentido de uma plenitude, de uma participação cósmica. Eu faço deslocamentos sem perceber, troco palavras ao escrever rapidamente – são erros criativos. No poema sobre o mar, Faz tempo que eu queria dizer isso, há o seguinte: é preciso nos desnudarmos totalmente/ e sabermos nos reconhecer/ pelo toque da pele/ como algo que termina e recomeça/ dois poemas entrelaçados/ mordendo-se como a serpente mítica – não deveriam ser dois poemas, são dois corpos – eu estava transando, fazendo sexo durante as madrugadas de suor cúmplice estampado nos lençóis. Confundi os dois planos, corpóreo e simbólico. Como gostei de ter escrito isto – e como eu gostei de ter feito isso que o poema relata. Procuremos, porém, evitar uma leitura redutora, demasiado centrada em mim, nas minhas próprias experiências, no que aconteceu comigo. Isso seria redutor, comprometeria a polissemia ou a natureza dialógica da escrita poética. O foco deve ser dirigido, não ao que fiz, ao que aconteceu, e sim ao texto, ao que está escrito. Uma vez publicado o livro, a relação passa a ser entre o poema e seu leitor. O que interessa é quais cordas de sua sensibilidade o poema fará ressoarem. Enfim, poesia não é um relato de experiências, ou não é apenas isso. É um diálogo com a própria poesia. O que me diferencia é meu intertexto, sugerido naquele bloco de citações, nomes de poetas, no início do poema A princípio. Claudio Willer (Brasil, 1940). Um dos editores da Agulha. Este diálogo foi publicado como prólogo da antologia Para leer en voz alta (Ediciones Andrómeda, Costa Rica, 2007). Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do artista Felipe Ehrenberg (México).

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

Rodolfo Kronfle Chambers: una curaduría en estado puro [entrevista] Aleyda Quevedo Rojas .

Con una curaduría de Rodolfo Kronfle Chambers: “Ecuador. La vida en estado puro”, cinco

artistas ecuatorianos exponen en la muestra que permanecerá abierta hasta el 6 de enero del 2008 en el Museo del Barrio: The (S) Files de Nueva York. Los ecuatorianos son parte de una muestra de 51 artistas en total. Los demás artistas son latino-norteamericanos radicados en Nueva York. Cada evento de esta naturaleza que organiza el Museo del Barrio tiene un país emergente invitado. Esta vez fue Ecuador y así lo destacan sus organizadores. Sin duda, es la ocasión para conversar con uno de los más lúcidos conocedores del

arte contemporáneo del Ecuador que encarna la imagen y la sabiduría del curador de arte, una figura que no existía en nuestro medio hasta hace algunos años, mas la exigencia del arte contemporáneo y las nuevas promociones de artistas ecuatorianos han hecho que surja esta figura que intenta poner en diálogo a una o varias propuestas artísticas y un público. Parecería que los artistas plásticos antes destinados a hacer de creadores, corredores de arte, montadores de sus exhibiciones, redactores de boletines de prensa, etc. Como los escritores en nuestro medio que tienen que ser creadores, impresores, difusores y comentaristas de su propia obra, porque no existe la figura del agente literario o en caso de la gente del teatro que les toca ser actores, directores dramaturgos etc. Hoy la figura del curador de arte, se hace indispensable en una muestra que se precie de tal, a esta figura debemos la sensibilidad que entable una muestra determinada con un público. En ese sentido no cualquiera puede ser un curador de arte contemporáneo, ya que mucho dependerá de su acervo y conocimiento del arte que tenga. Pero nos encontramos junto a Rodolfo Kronfle, él es una de las figuras más descollantes en el ámbito de la curaduría ecuatoriana y la primera pregunta que quiero hacerle parecería elemental, pero para esta entrevista resulta esencial: AQR ¿Qué es un curador? ¿Qué define y conforma este oficio? RKC Pecando de reduccionista un curador se puede definir, en última instancia, como una suerte de mediador entre una o varias propuestas artísticas y un público. Por lo general este personaje va a intentar ofrecer una mirada personal, una perspectiva puntual o una configuración dialogante y discursiva sobre un conjunto de obras que ha escogido exponer. Su bagaje y formación puede ser tremendamente heterodoxo (historiador, antropólogo, etc.) pero con un profundo conocimiento del campo del arte. AQR ¿Qué es el arte contemporáneo? ¿Qué de nuevo trae pues incluso a los entendidos, críticos y comentadores, no sólo ecuatorianos de pintura moderna (y moderna clásica), les resulta no sólo arduo definir, sino incluso hasta repudiable esta manifestación? RKC El arte contemporáneo es un campo radicalmente plural y diverso en sus manifestaciones, tanto así que definirlo taxativamente

resulta problemático. Sin embargo este paradigma se define por la distancia que toma de los métodos, conceptualizaciones y aproximaciones hacia el arte que definían la modernidad, entre estos la supuesta autonomía de la obra la cual, se tiene claro ahora, no puede vivir en un mundo aparte, sino que se contamina y nutre necesariamente de todas las influencias de un contexto, dialogando o reflexionando con el mismo. El análisis de estas relaciones contextuales se da en un concepto expandido de la cultura y es aquí –para contestar a la segunda parte de su pregunta- donde entran en juego las dificultades de anteriores generaciones de críticos y espectadores, habituados al análisis meramente formal de las obras más no a tratarlas como “textos” que pueden generar múltiples lecturas que se nutren de perspectivas metodológicas y académicas ajenas al campo tradicional del arte. Es en este momento que las maneras de analizar, legitimar y valorar el arte se trastocan creando cierta confusión y resistencia en los espacios más conservadores y en quienes no han seguido nutriendo su pensamiento de los cambios concomitantes en la historia y en la cultura. El asunto se complejizó de tal manera que en efecto ha generado una tremenda confusión (ahí debería justamente entrar a jugar el rol de guía de las instituciones culturales), para muchos el sentimiento que les provoca es el de una indefinida caída libre, una suerte de salto al vacío, y que en lugar de ser asumido con responsabilidad, como un reto intelectual, prefieren la cómoda actitud del desdén y el refugio cómodo de lo ya conocido. AQR ¿Por qué es que el arte contemporáneo produce resquemor en nuestro país? ¿Dónde se pueden fijar las fronteras con la pintura moderna? es la pintura arte contemporáneo? RKC El arte contemporáneo emplea todas las técnicas y medios de la tradición, la diferencia está en el tipo de uso que hace de ellas, se puede decir que los artistas hacen un uso selectivo de las mismas según lo que se quiera comunicar: se puede emplear un lenguaje con una intención estratégica de significación, se puede usar una técnica específica para activar ciertas filiaciones históricas, incluso es muy válido recuperar e incorporar haceres y modos de producción simbólica que no tienen relación con lo que llamamos arte, etc., en ese sentido por supuesto que existe la pintura contemporánea, un campo que como vemos puede ser muy amplio también. Tal vez una diferencia marcada con la pintura moderna sea

el hecho de que la misma no tiene un afán de lograr originalidad, un artista contemporáneo por lo general le preocupa poco aquello de crear un estilo propio porque tiene conciencia de que está expuesto a una serie de influencias infinitas y además ha abandonado el cliché del artista genio e inspirado. Por otro lado el arte contemporáneo suele demandar una actitud menos contemplativa o devocional del espectador a cambio de una actitud más involucrada. AQR Siendo la producción artística latinoamericana contemporánea —y la del Ecuador en ella— esencialmente periférica en los mercados del centro (pues las obras de los pocos y casi siempre los mismos artistas que circulan por las ferias mundiales se ve más bien como fenómenos aislados), ¿tiene posibilidades de insertarse en ese mercado y provocar la atención con sus propuestas? ¿Cuáles son los modos y formas, los discursos que legitiman a este arte? ¿Juega el mercado un rol importante, como sucede con la pintura, en la legitimación de este arte? RKC El mercado es un ente hoy por hoy indivisible de las lógicas de circulación y legitimación del arte. A mi criterio el fenómeno cada vez más expandido de las ferias comerciales de arte va incrementando su cuota de legitimación -avalando ciertos artistas, determinados fenómenos y centros de producción- una “tarea” que anteriormente la cumplían con mucha mayor autoridad los museos y la academia. Este es un tema complicado, muy criticado por algunas corrientes de pensamiento, pero que a su vez tiene sus raíces en el sistema económico mundial, es decir que la producción cultural es indivisible de las lógicas del tardo capitalismo. Las llamadas periferias (hay que tener presente además que no hay un solo centro, sino muchos) solemos protestar por tener que jugar dentro de estas lógicas pero a su vez —muy en el fondo— nos sentimos deseosos de participar del gran banquete. Como prueba de esto basta ver cómo los artistas que provienen de sitios no hegemónicos y que logran insertarse en los circuitos del mainstream ya no se plantean a sí mismos —por ejemplo— como artistas latinoamericanos, sino que reclaman una suerte de cosmopolitismo que los convierta en artistas internacionales y punto. Estos son temas muy analizados y debatidos hoy en día, como son las nociones de lo global y lo local, la aspiración de crear otros circuitos de intercambio cultural con ejes “sur-sur” en lugar de “norte-sur”, etc. AQR ¿Hay en el Ecuador artistas contemporáneos que destaquen fuera de sus fronteras por la calidad de su obra?

¿Quiénes son ellos? RKC Hay pocos pero creo esto cambiará, inclusive por las mismas lógicas del mercado y las demandas del mundo creciente de los museos y bienales, los cuales reclaman permanentemente nuevos actores, nuevos focos de atención, etc. No le quito ningún mérito a Tomás pero no creo que ni él mismo considere que es el único artista ecuatoriano digno de estar en una publicación de esa naturaleza. Este razonamiento lo aplico además a todos los seleccionados de Colombia, Argentina, etc. Es que no se puede reducir un continente con una producción tan rica y diversa en un libro, yo en lo personal estoy totalmente en contra del efecto que producen ese tipo de iniciativas, pero las entiendo como parte del juego mismo del mercado. Por otro lado soltar nombres así nomás me parece algo que puede ser muy antipático y con poca ética de parte de un curador, creo que el interés particular de cada curador es visible en su propio trabajo, soltar nombres así nomás sonaría como elaborar listas de recomendaciones para coleccionistas. AQR ¿Cómo es la relación entre artistas y curadores? ¿Es que acaso el curador a adquirido más peso que el artista en el mundo del arte? ¿Es el artista necesariamente dependiente de las propuestas expositivas del curador? RKC Se trata de una relación complementaria, más no competitiva. Creo que la labor curatorial es esencial para lograr otorgar algo de sentido a la pletórica producción cultural y ha contribuido a profesionalizar el campo institucional. Por otro lado si reconocemos que existen muchos artistas curadores la pregunta planteada pierde un poco de peso, creo que un artista puede perfectamente prescindir de trabajar con curadores si así lo desea pero a su vez he constatado como se puede enriquecer su trabajo en un diálogo productivo con los mismos. La figura del curador se ha satanizado bastante porque efectivamente algunos profesionales adquirieron un grado de poder exagerado, pero creo que son excepciones. AQR A propósito de la muestra en El Museo Del Barrio de Nueva York, el paisaje parecería ser el motivo, pero no, es sólo el pretexto para llamar la atención sobre la mirada, sobre las maneras distintas de mirar una geografía que nos contiene y parecería si no definirnos, si la historia oficial que nos cobija. ¿O de reveer las maneras como hemos venido viendo y viéndonos?

RKC Tu pregunta es muy interesante porque parte de un involucramiento con la premisa curatorial que planteo, con la sugerencia de mirada que aspiro provocar en el espectador. A esta invitación tú has respondido con tus propias lecturas que es lo que me interesa, la idea es hurgar un poquito en cómo nos vemos o cómo nos pueden ver, yo propongo estas obras como una herramienta de conocimiento y aproximación a una realidad. AQR ¿De qué manera proyecta esta muestra el trabajo de los artistas ecuatorianos? RKC Toda curaduría parte de un juego de restricciones y parámetros (de espacio físico, de enfoque, de tema, etc.), en el momento que una institución como el Museo del Barrio en Nueva York te pide una propuesta para mostrar artistas ecuatorianos pensé enseguida que poco o nada se sabe no solo de nuestro arte sino de nosotros mismo como país. De ahí surge la idea de emplear al paisaje como una excusa para hablar un poco del Ecuador y de la nueva escena artística, poniendo en diálogo diversas propuestas donde la geografía se presenta como el denominador común. Me interesaba transmitir la idea de que existe un arte vibrante e interesante post-Guayasamín ¡y tenía que hacerlo empleando solo a tres artistas! Luego de que los curadores del museo conocieron y se interesaron un poco más en lo que se hace por acá pude ampliar la propuesta a 5 artistas. No creo que esto represente todo lo que sucede, eso sería imposible de lograr aún con el doble de artistas, pero creo que es un abrebocas que logra despertar la curiosidad por lo que ocurre en el país. AQR ¿Cómo se percibe, en la escena ecuatoriana, una muestra de este tipo? RKC Debo suponer que se tomará como algo positivo, el problema reside a veces en la escasa articulación pública que los medios de comunicación hacen de un fenómeno así. Al arte se le da muy poco espacio en los medios por un lado y por otro lado el criterio de cobertura no suele

ser el más ponderado o exigente. Se suele cubrir a quien tenga mejores contactos y no necesariamente a quien esté ofreciendo algo de nivel. AQR Los artistas distintos, o los colectivos de artistas que existen en el país, ¿saben valorar eventos como este? RKC No lo sé, espero que sí, aunque siempre habrá quien sufra el síndrome de “quítate tú para ponerme yo”. Estoy seguro de que esto abrirá la puerta para nuevas oportunidades de visibilidad. AQR Usted señala que la muestra de los artistas ecuatorianos que participan en la Bienal del Museo del Barrio de Nueva York, se fundamenta en el paisaje, pero no en el paisaje tradicional, sino en el enfocado como un telón de fondo que ayuda a situar un conjunto de condiciones propias del contexto. ¿Para usted cuál es el telón de fondo que el Ecuador ha vivido en los últimos 15 años? RKC Bueno se trata de un escenario convulso en todo sentido, el cual ha obligado a pensadores –y aquí incluyo a los artistas- a generar reflexiones del porqué de esta situación. Estos paisajes intentan poner en perspectiva la inestabilidad política, la historia, la guerra, la identidad, nuestra posición en el mundo, nuestra economía, etc., en conclusión muchos de los temas que nos definen como país y cómo individuos. AQR La frase: La vida en estado puro, en su curaduría es una ironía o ciertamente cree que el paisaje tradicional ecuatoriano resulta más convulso y complejo que la vida en estado puro que propone el Ministerio de Turismo del Ecuador. RKC Claro que conlleva un giro irónico, pero a mi modo de ver esa ironía no la impongo yo, es que simplemente es un desvarío pensar que en el Ecuador vivimos la “vida en estado puro”, a mí me parece perversamente tragicómico. Esto no es una crítica al Ministerio de Turismo cuya función es “mercadear” al país y pues para eso —igual que en todas las campañas turísticas de países similares— hay que emplear ganchos publicitarios de este tipo, pero el slogan me resultó una buena plataforma para generar un diálogo con las obras y contrastar aquel ideal con la realidad. AQR Es decir, que si uno mira detenidamente la obra de cada uno de los ecuatorianos de esta muestra ¿puede seguir una huella histórica de la nefasta etapa política y económica que el país ha vivido en los últimos 15 años?

RKC Creo que cada obra puede iluminar algún aspecto que nos hable de aquello, quiero enfatizar, sin embargo, que más allá de los contenidos que estos trabajos transmiten, los escogí, además, porque son estupendas obras, las cuales hacen usos muy inteligentes, sensibles y significantes de los medios de representación que emplean, donde forma y contenido están entrelazadas de manera decantada. AQR ¿Hasta qué punto estos referentes históricos ecuatorianos pueden resultar interesantes a los visitantes del Museo del Barrio en Nueva York? RKC Pues yo creo que mucho ya que toda producción artística está informada por un contexto particular, y estas problemáticas más allá de señalar especificidades de nuestro país pueden fácilmente resonar y generar identificación en espectadores de cualquier proveniencia, lo mismo pasa cuando nosotros vemos arte producido en otras latitudes, obras que pueden aludir a la historia francesa, a la realidad cubana o africana, etc. AQR Usted destaca los paisajes fotográficos, en tomas únicas de María Teresa Ponce, que producen un diálogo con el paisajista imbabureño Rafael Troya de principios del siglo XX. Es decir, que el paisaje contemporáneo, no puede olvidar la gran tradición de la pintura paisajista. ¿Sí o no y por qué? RKC Como le mencionaba antes el arte contemporáneo puede usar la tradición para hablar del presente. En el caso de Ponce —en sus fotografías de los paisajes atravesados por el oleoducto— ella subvierte los cánones estéticos de un paisajista tan importante como Troya para hablar de una promesa de riqueza y progreso no cumplida. Troya enfatizaba la magnificencia del gran panorama por sobre la figura humana, y lo que hace Ponce es invertir esta relación para que reparemos en la importancia del ser humano dentro de

estos imponentes parajes. AQR Entonces llegamos a lo que Octavio Paz, ese gran pensador del arte contemporáneo, llamó en la literatura: ruptura de la tradición o tradición de la ruptura ¿Recoge este concepto su curaduría? RKC Creo que el pensamiento de Paz no se adapta al espíritu de estos artistas ni a lo que yo pretendo. El ímpetu de la ruptura es un impulso moderno, uno en que cada nuevo movimiento debía negar y obliterar al anterior. En el caso de Ponce y muchos otros artistas, en vez de negar las posibilidades de significación de todo el acervo del pasado, se mira a toda la creación simbólica de la humanidad como una inmensa cantera de materia prima con la cual se puede trabajar, jugar, resignificar, etc., para comentar el presente.

Aleyda Quevedo Rojas (Ecuador, 1972). Poeta y periodista. Ha publicado libros como Cambio en los climas del corazón (1989), La actitud del fuego (1994) y Espacio vacío (2001). Contacto: [email protected]. Página ilustrada con obras del artista Rodolfo Kronfle Chambers (Ecuador).

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

Sérgio Buarque de Holanda e Raízes do Brasil: a origem de um clássico Luís Estrela de Matos .

Talvez uma das tarefas mais difíceis para o pensamento seja o de tentar explicar as

razões que tornam um livro, um quadro, uma escultura, uma peça musical, fundamentais na vida cultural dos povos. Certa vez, Antonio Candido afirmou que um dos trabalhos do crítico, e historiador, Sérgio Buarque de Holanda pertencia a esse gênero específico de produto cultural. Tratava-se, segundo o autor de Literatura e Sociedade, de “um clássico de nascença”. Acredito, que pelo fato de vivermos dentro de uma cultura ainda muito jovem (em termos de Ocidente, História Ocidental etc.), não nos é muito fácil penetrar na dimensão histórico-conceitual de uma palavra (clássico) tão carregada de significado, tão enraizada. Ou melhor, talvez por

nossa tradição ibérica de séculos e séculos de Retórica, clássico soe aos nossos ouvidos, de hoje, como algo congelado, aquilo que não se deve tocar, uma espécie de objeto sacrossanto da alta cultura. Não creio que fosse esse o sentido que Antonio Candido tivesse em mente ao fazer tal afirmação, hoje também clássica, sobre Raízes do Brasil. Existe um ensaio do poeta, e crítico, T.S. Eliot, de 1945, intitulado “o que é um clássico?” que pode nos oferecer uma luz sobre a questão aqui abordada. Embora o autor procure debruçar-se sobre a importância de Virgílio para a Civilização Romana, algumas de suas ponderações têm aqui a sua pertinência. Em certo trecho do referido ensaio Eliot discorre: Ocorre que a história de Roma foi tão grande, o caráter da língua latina tão poderoso, que, em determinado momento, um único poeta estritamente clássico tornou-se possível, embora devêssemos nos lembrar de que isso exigiu que tal poeta, e toda uma vida de trabalho da parte do poeta, extraísse a obra clássica a partir da matéria de que dispunha. Desde que se guarde as devidas proporções, e singularidades históricas, seria interessante compararmos com o contexto aqui em foco. Primeiramente, o amor pela Língua, desde que por esse amor não se entenda a pretensa hegemonia parnasiana e vizinhanças olavobilaquianas. Qualquer leitor que tenha avançado, com atenção, uma única página de Raízes do Brasil percebe, de imediato, que está em presença de um grande estilista. Uma escrita forte, ágil, capaz de situar um grande conjunto de problemas e desdobrá-los em sínteses admiráveis. Vale citar um único fragmento dessa prosa ensaística tão ímpar em nossa cultura historiográfica: A vida parece ter sido aqui incomparavelmente mais suave, mais acolhedora das dissonâncias sociais, raciais, e morais. Nossos colonizadores eram, antes de tudo, homens que sabiam repetir o que estava feito ou lhes ensinava a rotina. Bem assentes no solo,

não tinham exigências mentais muito grandes e o céu parecialhes uma realidade excessivamente espiritual, remota, póstuma, para interferir em seus negócios de cada dia. E estilo, naqueles anos, parece ter sido uma constante de grande parte dos escritores, principalmente aqueles mais ligados a Semana de 22. Além de Sérgio Buarque de Holanda, lembro de Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Mário de Andrade, entre outros. Cito os artistas pois o autor aqui estudado esteve diretamente envolvido nessa revolução artístico-cultural que foram aqueles anos agitados. Inclusive trabalhando na famosa revista Klaxon, e fundador da Estética, juntamente com Prudente de Moraes Neto. Outro aspecto importante, decisivo para seu ofício de historiador, foi sua viagem à Alemanha, nos anos negros de 1929-31, como correspondente de O jornal, de Assis Chateaubriand. Através de um distanciamento positivo, S.B. de Holanda teve a possibilidade de analisar a história do Brasil de maneira mais totalizante, mais, por assim dizer, compreensiva, típica do olhar de um grande historiador. Na verdade, todo um esforço de uma teoria sobre a América, que desembocaria, em parte, em Raízes. Lembro-me aqui de Tocqueville, historiador que, através de uma curta viagem por terras americanas (1831-32), escreveu páginas inesquecíveis, porque ainda atuais, em sua obra, A democracia na América. Em nosso país os anos 20 e 30 repercutem, enquanto momento privilegiado, pela alta voltagem de uma prosa ensaística da melhor qualidade. Além de Raízes do Brasil, não podemos deixar de citar outra obra clássica, Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. Alguns anos antes a inquietante obra de Paulo Prado, Retrato do Brasil, publicada em 1928. Esses três trabalhos, cada um mantendo suas especificidades próprias, abriam novas e fecundas perspectivas para os estudos sobre o Brasil. São clássicos também no exato sentido de que não podemos entender nossa história, nossa cultura, sem tocarmos em algum aspecto por eles levantado. Há sempre um ineditismo na leitura de um clássico, o leitor sempre poderá experimentar algo inédito no já visto.

Lembro-me aqui do toque preciso de Ítalo Calvino na obra Por que ler os clássicos, lançada em 1991 na Itália: Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos. Antes mesmo de entrar um pouco mais no cenário específico que envolveu esses autores da cultura brasileira, retomemos as palavras de Eliot. Assim como o poeta Virgílio, Sérgio Buarque de Holanda conseguiu extrair da “matéria de que dispunha” (nas palavras do autor de Four quartets) o clássico Raízes do Brasil. O autor paulista reuniu, soube amalgamar, toda uma tradição historiográfica, todo um passado colonial e uma recente experiência republicana nas páginas de Raízes. Há nesta obra um verdadeiro salto, um momento de auto-consciência historiográfica indiscutível. Livro que abre novos horizontes teóricos, novos alcances metodológicos. Obra de rara e excepcional fusão entre uma sociologia compreensiva (ninguém havia lido Weber de maneira tão clara e pessoal) e história cultural (um pouco no gênero da Escola dos Annales). Erudição a serviço da produção de sentido, se assim posso me expressar. Há uma plasticidade no pensamento de S.B. de Holanda que torna suas idéias muito mais fecundas por aquilo que apontam, que desenham, do que propriamente pelo que está escrito.O espírito de ensaio permeando a construção da obra. Lembra, em certo sentido, Michelet ao se debruçar sobre a Idade Média. O autor de Monções é um historiador de grande poder de imagens. E pelas imagens consegue-se vivenciar o tempo naquilo que ele tem de eterno, de perene. Em Raízes do Brasil muitas vezes somos transportados ao nosso velho e praticamente desconhecido passado colonial. Uma história viva aliada a um sentido de erudição muito raro entre nós. Nas palavras de Antonio Candido: De todos os livros de Sérgio, Raízes do Brasil é o único do qual se pode dizer meio “alemão”, contrastando com os estudos históricos seguintes, Monções e Caminhos e Fronteiras. E hoje, mais do que nunca, o distanciamento histórico nos confirma que se tratava mesmo de uma obra clássica. Clássica porque fonte, aquilo que jorra, que ilumina tanto o passado que acaba por dar pistas para se entender o presente. É claro que o autor, S. B. de Holanda, desconhecia tal ordem de acontecimento. Ainda que sua genialidade e força argumentativa se revelassem desde idade precoce, seus primeiros passos foram no jornalismo. De qualquer forma, Raízes ultrapassava, em muito, os resultados esperados.

Voltando a Eliot, em seu famoso ensaio, o poeta faz a seguinte observação: E, naturalmente, Virgílio não pode saber que aquilo [a obra clássica] era o que ele estava fazendo. Ele foi, se algum poeta chegou a sê-lo um dia, agudamente consciente do que estava tentando fazer; a única coisa que não pôde almejar, ou não sabia que estava fazendo, foi escrever uma obra clássica, pois é somente graças a uma compreensão tardia (grifo nosso), e em perspectiva histórica, que um clássico pode ser reconhecido como tal.

E já que a perspectiva histórica nos auxilia rumo a uma leitura mais verticalizada sobre uma obra, devemos recordar certos acontecimentos que se entrelaçam com o próprio surgimento desse clássico chamado Raízes do Brasil. A Revolução de 30 que, em tese, trazia novas possibilidades ao necrosado processo político-partidário da República mais-que-velha mostrou, logo nos primeiros anos da década, sua verdadeira face. Em função de uma crescente descrença na força do liberalismo tradicional que pretensamente se instalava, posições políticas se polarizam (integralismo X comunismo) e o quadro social se apresenta em toda a sua dramaticidade. Raízes vive todo esse endurecimento da vida brasileira, ainda que superficialmente a obra se mostrasse um tanto quanto distante dos problemas mais imediatos dos homens naqueles anos. Mas a força teórica vinha para se impor, e o ensaio trazia à tona a possibilidade de se ler o presente (positivismo, caudilhismo, militarismo etc.) através da busca criteriosa das experiências e vícios do mundo colonial. Assim como Virgílio, quero crer que Sérgio B. de Holanda tinha aguda consciência do que estava ambicionando realizar e não é por acaso que ao adentrarmos nos dois últimos capítulos de Raízes (novos tempos e nossa revolução) uma espécie de instantâneo fotográfico dos tempos modernos se revele com todos os tons da

própria vida. Ali temos um todo: oligarquias, ditaduras, bacharelismos e tantos outros males de origem (parafraseando Bomfim). E ainda faltava algum tempo para as experiências não menos traumáticas no tecido histórico como o populismo mais arraigado, o golpe de 64, o tecnocracismo enquanto capítulo atualizado de um Positivismo mal digerido e toda a militarização da vida civil mais recente. Enfim... a terra do pau-brasil em todo o seu esplendor. Daí o lugar, em meu entender, inquestionável de um Oswald de Andrade. Nesse sentido há que antropofagizar a experiência brasileira. Caso contrário, os bispos sardinhas colonialistas ou pós-modernos nos massacrarão com seus rosários e catecismos, sua Eloqüência e Retórica francamente ibéricas. Em relação aos positivistas as linhas de Sérgio Buarque de Holanda talvez tornem o meu texto um pouco mais claro: Mas os positivistas foram apenas os exemplares mais característicos de uma raça humana que prosperou consideravelmente em nosso país, logo que este começou a ter consciência de si. De todas as formas de evasão da realidade, a crença mágica no poder das idéias pareceu-nos a mais dignificante em nossa difícil adolescência política e social. Trouxemos de terras estranhas um sistema complexo e acabado de preceitos, sem saber até que ponto se ajustam às condições da vida brasileira e sem cogitar das mudanças que tais condições lhe imporiam. Vale observar que essa idéia de transplante de “um sistema complexo e acabado de preceitos” já havia sido detectado quando de suas primeiras resenhas, nos anos 20, na Revista do Brasil. No artigo intitulado “Ariel”, Buarque de Holanda afirmava: No Brasil o hábito de macaquear tudo quanto é estrangeiro é, podese dizer, o único que não tomamos de nenhuma outra nação. É, pois, o único traço característico que já se pode perceber nessa sociedade em formação que se chama o povo brasileiro. É claro que a análise feroz e o posicionamento abertamente crítico de um rapaz de 18 anos chamou logo a atenção de nosso acanhado meio intelectual, principalmente por ser um meio extremamente dependente, naqueles anos, do

fluxo de idéias emprestadas das capitais européias. Vale lembrar aqui também a obra Triste fim de Policarpo Quaresma (1915) onde Lima Barreto, através de um major nacionalista, protagoniza uma situação que era corrente naqueles difíceis anos, qual seja: onde estão as idéias próprias e genuínas de uma cultura que se dizia brasileira? Indo além de uma leitura superficial da defesa do tupiguarani por parte do velho Quaresma, não seria possível estabelecer aqui uma teia de relações com as questões de fundo de um momento histórico que vivenciávamos? Para onde levávamos o nosso país? O que queríamos do Brasil? Até que ponto não éramos apenas macaqueadores de idéias mal, e rapidamente, engolidas? Penso que de alguma forma existe um terreno comum aos campos histórico e literário que merece ser melhor investigado. E, mais do que isso, penso que a experiência estética do fazer literário dos modernistas ajudou na desenvoltura e no teor estético, explicitamente estilístico, que permeia a grande obra Raízes do Brasil. E isso independentemente do estado de espírito em que se encontrava S. B de Holanda nos anos 30 com os caminhos e descaminhos da cultura e da história brasileira. De qualquer forma, e Antonio Candido afirma isso claramente, as conquistas dos surrealistas (inconsciente, escrita automática, entre outras) tiveram repercussão tanto em Prudente Moraes Neto quanto no próprio autor de Visão do paraíso. Mas voltando ao trecho citado do próprio Sérgio B. de Holanda, qual seria, então, a saída para a nossa menoridade intelectual e histórica? Para onde deveria seguir o destino histórico, se assim posso me exprimir, de um país (não haveria aqui uma filosofia da história sutilmente esboçada no pensamento dele?) ainda severamente amarrado por suas mazelas coloniais? Raízes do Brasil é uma tentativa lúcida e fecunda de responder essas e outras perguntas; perguntas que o autor se fazia lá pelos anos 20 e que atingem um ponto crucial em seu percurso intelectual quando os ventos “libertários” de 30 desenhavam, ainda que na superfície, novas possibilidades histórico-sociais para o povo brasileiro. Outras tentativas de resposta também se fizeram sentir naqueles anos, como já pontuamos anteriormente. Gilberto Freyre e Paulo Prado, ambos tentando levantar hipóteses plausíveis, ou não, sobre os primórdios de uma colonização feroz e múltipla que se configurava em espasmos e torções de pequenos ajuntamentos humanos, que um dia alcançariam o título de cidades e capitais. Uma das possíveis respostas, bastante original por sinal, que Raízes do Brasil trazia para nosso momento histórico-social se apresentava em linhas bastante radicais. Numa fase de nosso pensamento, marcado ainda por teorias que remetiam aos velhos problemas de raça/cultura, Sérgio B. de Holanda apontava novas fronteiras conceituais, mais maleáveis, porém bem mais eficazes na tentativa

de explicar o Brasil. Rompimento definitivo, diga-se aqui com todas as letras, com qualquer forma de evolucionismo e defesa consciente da psicologia social e da história da cultura, campos de força bem mais instigantes para as formulações de ordem interpretativa que o autor procurava. Eis uma chave: interpretação contra dogma, história para acrescentar possibilidade de se ler o real e não esquemas totalizantes e asfixiadores, tão comuns na prática dos historiadores. Seguindo o próprio Antonio Candido, Raízes é a dissolução última de nossas raízes ibéricas, como forma de se começar e afirmar algo de novo em nosso difícil e conturbado processo histórico. Urbanismo e cosmopolitismo seriam as coordenadas abertas aos avanços das classes médias, principalmente aquelas oriundas dos segmentos da imigração nãoibérica. Todos esses fatores compunham o arcabouço de esperanças que o pensamento de Sérgio B. de Holanda depositava nas páginas de Raízes do Brasil.

Luís Estrela de Matos (Portugal, 1964). Poeta e ensaísta, inédito em livro. Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do artista Felipe Ehrenberg (México).

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

Símbolos torcitários: modus operandi da máquina abstrata muriliana - a faca, a tesoura, o olhar Daniela Bunn .

Saio pela noite à procura de signos. ouço um serrote e sigo as linhas do texto: entro em um conceito sem bater. Daniela Bunn

Minhas mãos angustiadas pedem movimento, liberdade e mobilidade entre as folhas na tentativa

de potencializar alguns gestos: cortar, unir, colar fragmentos. Unindo leituras, percebo em Murilo Mendes uma atração por objetos cortantes, procuro em sua autobiografia alguns indícios da importância desses elementos. Contendo fatos tratados filosoficamente, A Idade do Serrote (livro escrito em Roma nos anos de 1965 e 1966) é marcado pela dialética do tempo: um ontem reconstituído com os olhos do agora. Segundo Carlos Drummond de Andrade, o livro é uma descrição dançante, rápida e minuciosa: “tudo veloz, em balé, mas nítido e fiel como era quando era”. Já Antonio Candido, em “Poesia e ficção na autobiografia”, caracteriza esse livro como uma leitura de duplas entradas: recordação ou invenção, memória ou obra criativa. Segundo o crítico, o narrador relembra fatos da infância e “mesmo que não acrescente elementos imaginários à realidade, apresentam-na no todo ou em parte como se fosse um produto da imaginação, graças a recursos expressivos próprios da ficção e da poesia, de maneira a efetuar uma alteração no seu objeto específico”(1). Logo nas primeiras linhas de A Idade do Serrote percebi algo de extrema importância: “perto do colégio uma serraria”(2). O contato de Murilo Mendes com instrumentos (segundo ele) hostis como a serra, o serrote, o machado, o martelo, a tesoura e a torquês deram-se nesta serraria: “via-os por toda a parte, símbolos torcitários”. A imagem desses símbolos torcitários que o acompanharam durante a infância perpassam sua obra operando idéias, cortando poemas e deixando à mostra algumas cicatrizes. Esses instrumentos promovem uma abertura ao perfurar textos a fim de promover uma nova condição para eles: fragmentos rasgados, picotados, furados, serrados que, no corpo do texto, movem a máquina muriliana.

1. O olhar: isca de contrários

Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo, Ando debaixo da pele e sacudo os sonhos. Não desprezo nada do que tenha visto. Murilo Mendes

A maioria das informações que o homem moderno recebe vem por meio de imagens e da relação íntima olho-cérebro. O olho, órgão receptor, serve como captação de

imagens, enquanto o olhar busca informações e significações. Um lança-se sobre os objetos; o outro recebe as imagens que emanam desses objetos. Na concepção atual, temos duas visões cruciais: ver simplesmente por ver e ver depois de olhar. Murilo Mendes utilizou-se do segundo tipo despreocupadamente para fundar suas poéticas: o olhar transcende o olho, afirma. Murilo possui um olhar que converge para todos os pontos criando linhas infinitas, caracterizando a desterritorialização do próprio olho. O poeta revela seu novo olhar visionário, “meu novo olhar é de quem desvendou os tempos futuros (...) meu novo olhar é de quem penetra a massa”, como o meio de captação de elementos e imagens. No poema Pirâmide, o poeta exclama: “meus olhos convergem para todas as coisas que de todos os lados convergem para mim”. O olhar funciona como uma isca de contrários capaz de abstrair essências, rasgando as barreiras do tempo e do espaço num corte transversal. Em A Idade do Serrote, Murilo, ao falar de personagens de sua infância, atribui a cada um deles um olhar característico: o olhar telegráfico do amigo Juvenal, o olhar mecânico do mendigo, o olho afiado do arquiteto, o olho-faca de Graciliano, o olho agudo de Lucio Costa, os olhos saídos de Tarsila e o seu próprio olho precoce. Na tentativa de captar essências (para a construção de uma poesia essencial), o poeta intersubjetivamente elege e exalta imagens. As imagens captadas pelo olho são decodificadas pela imaginação. O que Murilo Mendes faz, através de seu olho armado, em um primeiro momento, é abstrair do mundo em constante metamorfose as qualidades de um objeto sensível (qualidades essas que afetam o sujeito) dando-lhe estatuto estético através da fragmentação do discurso e da superposição de planos e imagens. Silviano Santiago, em Nas Malhas da Letra (1989), afirma que Murilo mergulha na própria experiência. No ensaio “O narrador pósmoderno”, o crítico vê o olhar pós-moderno não mais camuflado, apenas enigmático: O olhar pós-moderno é desejo e palavra que caminham pela imobilidade, vontade que admira e se retrai inútil, atração por um corpo que, no entanto, se sente alheio à atração energia própria que se alimenta visceralmente de fonte alheia. Ele é o resultado crítico da maioria das nossas vidas cotidianas.

Pelo olhar, homem atual e narrador oscilam entre o prazer e a crítica, guardando sempre a postura de quem, mesmo tendo se subtraído à ação, pensa e sente, emociona-se com o que nele resta de corpo e / ou cabeça (3) O olhar, tão fortemente assinalado por Murilo, observa atentamente o mundo em metamorfose e o relaciona intrinsecamente com o outro no sentido em que suscita inumeráveis interpretações em chaves fenomenológicas. Santiago afirma que a linguagem poética existe em estado de descontínua travessia para o outro. Travessia realizada em Murilo através do corte e da ruptura. Nos cacos de uma visão desiludida e catastrófica do mundo (cortada, desfiada, picotada), o olho armado detecta um universo abstrato como linguagem, mas constituído de elementos referencialmente concretos: as esferas, as máquinas, as pedras, os homens.

2. A tesoura: o grande X do universo Murilo potencializa a imagem da tesoura retirando dela mais do que a simples ação do corte. O corte não é visto por Murilo como interrupção, mas como uma camada interna que vem à tona: “abrese diante de nós a visão do fora e do dentro”. A fissura (ou o corte) é vista como signo do olhar: atravessar, cruzar, fazer caminho, criar rizoma. Um corte é um rizoma (lembro Deleuze). O rizoma não começa nem conclui, ele engendra as fugas e encontra-se, na realidade, entre as coisas, entre as telas. O corte é o entre-lugar que possibilita a visão de dois mundos: o fora e o dentro. Vejamos observações de Murilo sobre a tesoura – elemento que auxilia no movimento da máquina abstrata muriliana. Em Poliedro, Murilo escreve sobre: “Quem ousaria dizer que a tesoura só serve para cortar? Ela abre diante de nós - consciente - em forma plástica, reduzida, o grande X do universo”. A tesoura, instrumento de corte formado por duas lâminas (reunidas por um eixo) que se movem abrindo em cruz, abre o X do universo ao cortar o tempo. Murilo potencializa esta imagem delegando poder à tesoura. Não somente o ato de cortar, mas o ato de abrir diante de nós o objeto. Abre-nos também os olhos e opera tanto o tempo como o espaço (ligados inevitavelmente por um eixo): “Além disso, com a tesoura solerte operamos o tempo e o espaço. Fazer cortes no tempo e no espaço é praticar um conselho de Aristóteles – abstrair. Corte mental”.

Esses cortes, vistos em muitas de suas poesias já citadas, levam o olhar do poeta a uma abstração do tempo e do espaço - abstrair (num sentido primeiro), cunhado como a busca pelo essencial de cada elemento. Cortar a noite ou o corpo dando a cada metade autonomia é abstrair a essência da multiplicidade. Em outro fragmento, o verbo tesourar é marcado pelo medo do corte. O intelectual rasga, mas não quer se perfurado: A tesoura: pacífica ou ferina. Fere-nos às vezes. Mesmo se de mau humor sabe, instrumental, calar-se. Quanto a nós, tesouramos os outros porque tememos aplicar a tesoura à nossa própria pele. Quando eu era menino surpreendia a tesoura no cesto: fascinavame. Abrindo-a em X, temia que ela súbito adquirisse a forma feminina e me enterrassem as unhas no peito; mas na realidade a tesoura, discreta e ambígua, nunca me perseguiu. A tesoura, assim como o serrote, causa angústia ao poeta e é relacionada por analogia a uma mulher. A mulher aqui aparenta violência, diferentemente da figura sensual ou mesmo daquela comparada à igreja nos primeiros livros. Existe, porém o medo de ferir-se (pela tesoura ou pela mulher): medo da transmutação do corte abstrato ao corte concreto. Na busca por abrir e fechar o espaço, no silêncio do metal agindo, o poeta menciona A tesoura de Toledo: ................................................ Seu corte, inscrição e esmalte, A tesoura de Toledo Alude às duas Espanhas. Duas folhas que se encaixam, Se abrem, se desajustam,

................................................. Silêncio do metal agindo, Aguda obstinação Em situar o concreto, Em abrir e fechar o espaço, Talhando simultaneamente Europa e África, Vida e morte. A tesoura de Toledo alude às Espanhas (à moura e a cristã) que cortam os continentes europeu e africano. Lembrando o signotesoura temos novamente um eixo que liga as duas Espanhas sincronicamente separadas pelo corte desse objeto. Nesta Aproximação do terror, num campo repleto de tesouras, o poeta é ferido por leituras adquirindo cicatrizes no pensamento. Em Grafito na lápide dum alfaiate grego, o tempo roda com sua foice e ao mesmo tempo atrai a tesoura de Átropos, figura mencionada em várias poesias. Na mitologia grega existia a figura das Parcas divindades que comandavam o destino dos Homens: Cloto (fiar), Laquesis (sorte) e Átropos (inflexibilidade) moravam no reino de Plutão. Cloto carda o fio do destino e segura na mão uma roca à qual leva presos os fios de todas as cores e de todas as qualidades; de seda e ouro para os homens cuja existência há de ser feliz, e de lã e cânhamo para todos aqueles que estão destinados a serem desgraçados. Laquesis põe o fio no fuso e Átropos, na qual se fixa Murilo, corta impiedosamente o fio, dando fim à vida. Átropos com a sua tesoura fatal corta o fio da vida: nada escapa à divindade inexorável. Murilo utiliza essa imagem para ocasionar um corte no próprio poema no qual a imagem da tesoura se potencializa como forma de morte que divide a vida, padronizando-a. Assim, na Terceira meditação, “nobre é o silêncio noturno/ quando o espírito pálido percebe/ as tesouras da morte se movendo”. Em O Tigre, Murilo afirma que “a tigresa eternidade avança para mim sob a forma de uma tesoura: Átropos”. No Setor Délfico de Poliedro volta a mencioná-la: “As tesouras de Átropos definidoras definitivas desconhecem a história”. A mitização de um objeto familiar ou instrumento de trabalho como a tesoura é percebida em muitos textos. Não é uma escolha arbitrária, como mesmo relata Murilo. O

menino experimental sabe escolher seus objetos: “adora a corda, o revólver, a tesoura, o martelo, o serrote, a torquês. Dança com eles. Conversa-os”. A fissura (promovida pela tesoura de Átropos, de Toledo, de Murilo) está como a borda do buraco negro de Deleuze, nem fora, nem dentro: é e não é. Para Raul Antelo, “nem interior, nem exterior ao acontecimento, a fissura coloca-se ideal e incorpórea, na fronteira, no limiar das percepções” (4). A fissura é justamente este eixo (lembra novamente a tesoura) entre o dentro e o fora e configurase no limiar desses dois territórios. Pensando no resultado picotado da tesoura - a fissura - vemos a máquina agindo. Foi isto que aconteceu quando saí à procura de signos: símbolos torcitários que abrem a possibilidade de um espaço-outro através de uma proliferação picotada. Esta operação exige signos operantes como a tesoura além do olhar e da faca.

3. A faca de Fontana: il segno gestuale Lucio Fontana (18991968), artista ítaloargentino do segundo dopoguerra, é dos artistas mais paradigmáticos em relação à idéia de máquina criativa de Murilo, pois se utilizou também de elementos torcitários promovendo a abertura para um novo espaço. Afirmava não ser escultor, nem pintor, mas um artista spaziale. Em 1958, quando Fontana inaugura o ciclo dei tagli, conhecido como concetti spaziali, o corte revela a potencialidade do gesto criativo. Para entender os cortes e furos de Fontana é preciso conhecer a base teórica de seus experimentos espacialistas – a própria gênese da fissura. Fontana é o criador do espacialismo, no qual as telas são rasgadas ou furadas integrando o espaço à obra. No ato de furar a tela, onde supostamente estaria a figura está o corte, agora sozinho e sem cor na tela crua, cria a possibilidade de infinitas interpretações nas quais a própria fenda se perde no infinito e

revela o nada. O gesto demiurgo (operador de milagres) opera o corte na tela monocromática. Para ele, interessava a presença, o signo-gesto: “contro l’idea, basta un taglio”. Por esta liberdade visionária, Fontana violenta, nas palavras de Guido Ballo, a superfície da própria tela: Fontana inventa il segno gestuale, carico di energia, con cui buca, strappa, violenta la superficie della tela, del cartone, della carta: é un segno-gesto che supera fisicamente lo spazio bidimensionale e si arricchisce, in un secondo tempo, di accostamenti materici, per attuarsi poi nel gesto del taglio e infine nel contrappunto di sagome sovrapposte ai margini del quadro, in modo che dal quadro si passi decisamente alla pitturaoggetto. (5) O segno gestuale de Fontana, que ultrapassa a fissura intencionando superá-la, ultrapassa também o silêncio. O homem do corte une, como Murilo, elementos díspares: de um lado a tela, de outro, a faca. Fontana buscou signos materializados, objetos que provocaram reflexão, espanto, prazer e emoção. Essas sensações são despertadas pela imaginação do artista, a textura e a forma do quadro e podem causar (ou não) prazer estético. Para isso, o pintor usou objetos cortantes, praticou incisões na tela, rasgou o tempo com cortes enigmáticos, suprimindo as alegorias. As expressões artísticas deixaram de lado a necessidade de retratar fielmente o real e passaram a expressar formas e mensagens abstratas. Para o espectador, outros critérios, outras percepções: o olho é o primeiro elemento dessa nova percepção. Se a arte interpreta o mundo, requer fruidores com sentidos aguçados, como afirma Fontana, pois o artista espacial não impõe mais ao espectador. Cabe aos fruidores organizar sua rede de interpretações, compactuar como o novo corpo sem órgãos criado pelo artista ou mesmo pelo poeta. Fontana compõe e decompõe, é onde descobre o signo-gesto, uma contínua exploração espacial do corte na tela: “io bucco, passa l’infinito di lì, passa la luce, non c’è bisogno di dipingere, (..) tutti hanno pensato che io volessi distruggere: ma non è vero, io ho costruito, non distruto” (6). O signo potencializa o gesto que corta a superfície. Será esse o gesto que nos propunha Deleuze? Ao contrário, para Fontana a violência do corte obtém melhores resultados na formação do novo corpo-objeto. Fontana usa a tela para ultrapassar e superar a superfície. O gesto acentua o valor e deixa marcas de uma espacialidade infinita. Um corpo estranho atravessa a realidade física da tela - fura o que antes era o suporte da arte figurativa. A idéia de espaço e a idéia de infinito (sem começo delimitado) desencadeiam uma estrutura de movimentos no universo, cortes transversais, buracos negros criados por alguém que prefere se dissolver na totalidade. Os cortes sem dor de

Fontana ferem a tela. O corte não é somente rompimento é, porém a junção da ruptura com a composição. Em A Invenção do Finito, Murilo comenta: Fontana soube organizar seu universo próprio no qual estabeleceu os limites por meio de perfurações, e, mais tarde, por meio de cortes operados, seja na tela, seja na cerâmica. Espaços móveis, criações geométricas não euclidianas nasceram destas formas inéditas, atingindo por vez um grau de absoluta pureza. (...) a nova dimensão espacial descoberta pelos físicos atuais alegra o coração e a faca de Fontana, desde há muito tornado mestre na arte de dividir o espaço em harmonia com sua coesão interna. Fontana, permeado pelo conceito de invenção que não se trata de imaginação, mas de algo pensado, realiza uma operação mental não somente abstrata, mas, acima de tudo material. Segundo Argan, os cortes de Fontana eram suscetíveis a criar espaços, ou melhor, fragmentos no espaço. Para o artista, uma definição concreta do espaço resumia-se à finalidade teórica da arte. O espaço torna-se instrumento de comunicação, navalhando a tela ou rachando a escultura, surge como superfície física atravessada por outros corpos como perfurações e cortes. O próprio espaço abstrato é mutilado pela mão do artista. Perdidos no espaço entre tantos de artistas, músicos, poetas estão os objetos torcitários (peças de máquina) ganhando espaço no tempo e elegidos aqui como instrumentos que auxiliam no movimento da máquina – máquinas que trabalham umas nas outras e se entrecruzam continuamente (a tesoura, o olho, a faca). No poema O exilado, Murilo Mendes afirma que seu corpo está cansado de suportar a máquina do mundo. Mesmo assim, perdido entre tantos fragmentos mecânicos, o corpo resiste sabendo que a função da máquina é o trabalho que ela produz e o poeta a incorpora. Em Murilograma a João Cabral de Melo Neto, Murilo afirma “escrever com o corpo exato que nem uma faca”, uma máquina cortante. E em outro fragmento afirma “não destruas a máquina: olha para além dela”. Através desses instrumentos, Murilo experiência o corte no poema, no livro, na prosa. Em Fragmentos de Paris, o próprio Murilo absorve a idéia de corte e dilacera o

museu: (...) Entro na sala do Louvre onde estão montadas les grandes macchines de Delacroix. Tomo uma tesoura, recorto certos pedaços de La mort de Sardanapale, de La liberté guidant le peuple, de Les massacres de Scio, mormente do último. Deixo intacto les femmes d’Alger dans leur appartement, menos a incrível moldura. Componho assim quadros pequenos, orgânicos, operados da retórica gestual e da cor. O excedente é recolhido aos arquivos, matéria arqueológica, pasto dos críticos especializados. Baudelaire épouvanté recua, Malraux hesita, consulta seu espírito froundeur e a exigência do posto ministral: entre les deux son coeur balance (...). Neste fragmento, Murilo simula uma invasão ao Louvre e, portador de uma tesoura, recorta algumas obras de arte e através dos fragmentos obtidos compõe outras. Aqui, a operação do corte pode ser bem visualizada: o corte cria multiplicidades através de sua abertura. Segundo Umberto Eco (1971), na noção de obra de arte estão implícitos dois aspectos: no primeiro aspecto, o autor realiza um objeto acabado e definido aspirando uma fruição que o intérprete tal como o autor pensou; num segundo aspecto, o objeto é fruído por uma pluralidade de espectadores, cada um sofrendo uma diferente ação das características psicológicas e fisiológicas, ambientais e culturais, cada fruição é pessoal e vê a obra de um ponto de vista diferente. Fontana e Murilo se enquadram no segundo aspecto. Ambos criam uma “obra aberta” que sugere n possibilidades de interpretação. Numa operação mental inconsciente e maquínica, o artista, como cirurgião, intervém no outro. Intervenções instauram o corte e operam a máquina através dos símbolos cortantes: a FACA, promotora das fissuras, violenta a tela; a TESOURA, máquina de corte, inevitável Átropos, abre-se como eixo; o OLHAR, isca de contrários, abstrai essências. Elementos que abrem o entendimento do fora e do dentro: fissura. Lembro Derrida (1991) ao falar da margem que se mantém dentro e fora simultaneamente, assim é a fissura: limítrofe, é e não é, pertence e não pertence. A partir de formulações maquínicas de Deleuze, pude averiguar a máquina literária que funciona em Murilo: uma máquina abstrata individual de pensar que promove constantemente fissuras a partir dos elementos torcitários. Vemos, em Murilo, A idéia de máquina do corpo dentro do tempo, na qual o poeta afirma a existência de uma máquina abstrata que está em constante funcionamento: produzir sentidos, proliferar idéias.

NOTAS 1. CANDIDO, Antonio. Poesia e ficção na autobiografía. In: A educação pela noite e outros versos. São Paulo: Ática, 1989. p. 51 2. MENDES, Murilo. A Idade do Serrote. In: Poesia Completa e Prosa. Org. Luciana Stegano Picchio. São Paulo: Aguilar, 1994. p. 896 3. SANTIAGO, Silviano. “A permanência do discurso da tradição no modernismo”. In: Nas malhas da letra. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 50-51 4. ANTELO, Raúl. Transgressão e Modernidade. Ponta Grossa: UEPG, 2001. p. 269. id. 5. BALLO, 1970, p. 56. 6. FONTANA, 1982, p. 18.

Daniela Bunn (Brasil, 1979). Ensaísta. Este texto faz parte dos estudos desenvolvidos na dissertação de Mestrado: “L’Occhio del poeta: a máquina abstrata muriliana” (inédito). Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do artista Felipe Ehrenberg (México).

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

Ulises Estrella: el poeta y su mundo Marco Antonio Rodríguez .

Quienes lo conocen de vista recelan de sus barbas provocadora de su aire de bucanero extraviado en el tiempo o de su estampa de monje benedictino -ascético, sabio y solitario- meditando siempre en cómo abolir los males del mundo o, al menos, en el bien morir; o lo perciben como un hombre demasiado adusto que no tolera a aquellos que no piensan como él. Los que lo conocen poco vacilan ante el torrente de su personalidad, su inteligencia sutil como un escalpelo para penetrar en lo más hondo de las cuestiones sobre las cuales versa, su proverbial honestidad intelectual, sus pasiones y decisiones fulminantes. Quienes somos sus amigos admiramos su vida y su obra: poesía, ensayo, magisterio, cine, su vocación de justo, su lucha incesante en contra de todo lo opuesto a su acendrada eticidad, la entrega puntual de su existencia a las

causas más nobles de los seres humanos. El Ulises homérico es, por sobre todo, el arquetipo del sobreviviente; encarna, entre otros valores, la dignidad y la generosidad, la inteligencia y la mordacidad, pero más es el héroe errante que sale airoso de la muerte y del roñoso corazón de los dioses y los humanos Y ésa es la impronta de la vida de Ulises Estrella. Peregrino de sí mismo, viajero contumaz del corazón humano, infatigable transeúnte por ciudades y libros, genuino contradictor de las convenciones sociales, soñador empedernido, recio y tierno, serio y risueño, libre y noble, insobornable y leal. Sí, Ulises es uno de los pocos sobrevivientes de ese amasijo de utópicos valores que caracterizaron a la generación de los años sesenta. Por otro lado, Ulises es un crítico, pero más un maestro. El maestro es quien procura frecuentar la razón de ser y la esencia de las cosas en su infinidad y del mismo ser en especial. Léanse sus páginas sobre cine, pero también sobre otras artes: poesía, música, pintura -allí están sus estupendas prosas poéticas sobre el Quito colonial-, erigiéndose en un creador de prontuarios de apuntes sobre variados enigmas, y en cuanto a las vertientes artísticas, autor de enunciados cuya génesis se asienta en el principio de la vida y cuyo final posiblemente se sitúe en ese mismo lugar. Por lo demás, de las pródigas manos de este maestro han salido mujeres y hombres talentosos y perspicaces, autores de textos trascendentes de cine, música, artes visuales. LOS TZÁNTZICOS, UN REFERENTE INDISPENSABLE Por 1962 aparece en Quito el movimiento Tzántzico. Su principal mentor, Ulises Estrella. Los jóvenes poetas y escritores que lo fundan reniegan de la tradición literaria y sus iconos sagrados, y cuestionan, enardecidos, la irresolución de los partidos políticos de izquierda. Una levadura ideológico-política, cuya sustancia cardinal era la libertad, agitaba esta corriente. Más allá de los dogmas, tituló

Fernando Tinajero, otro de los ideólogos del Tzantzismo, un ensayo cuyo solo título me releva de cualquier comentario. Izquierda antidogmática, entonces, en la que militaron -y han seguido haciéndolo- las dos cifras mayores de este movimiento: Estrella y Tinajero. Los recitales tzántzicos eran piñatas donde estallaban banderitas tricolores -aludiendo a la ecuatoriana-, que iban a las manos de los concurrentes con el lema de “ésta es su patria, cómansela, si quieren”, o se resolvían en papeluchos con versos escritos a mano. Un tiempo y un sitio. Quito, beata y novelera, cabía en el cuenco de una mano. Mito, provocación y leyenda. Historia de una revuelta, de una eclosión intelectual más bien, que convulsionaría a una generación (Convulsionario tituló Ulises a uno de sus libros en 1974), pero que no cambió la faz de un sistema de oprobio y de explotación, tampoco transformó las convenciones sociales que, en vez de atenuarse al menos, se han raigalizado más en el vacío que vivimos. Iracundia espectacular, explosión de coraje represado, de rebelión contra el statu quo que hastía hasta la rabia, que con-dena a la estupidez de por vida. Vivir es combatir a la sociedad burguesa, contestar, desde una actitud antidogmática, sus valores, métodos y objetivos. Una triple influencia se advirtió en la gestación del Tzantzismo: la revolución cubana, el existencialismo sartreano y los movimientos iconoclastas argentinos. Como quiera que fuese, más tarde, el Tzantzismo se abrió al debate riguroso, articulado en el compromiso con la libertad y formuló una proposición transformadora de nuestra problemática cultural a través de los frentes culturales esparcidos por todo el país. Creo que el ensayo profundo y esclarecedor sobre diversos temas de nuestro ser nacional partió de este movimiento, por lo que no es válida aquella alusión -si se quiere tendenciosa- de que fue tan sólo una estampida de actitudes irreverentes que no dejó ningún aporte de fondo. La figura mayor del Tzantzismo fue, sin duda, Ulises Estrella. Infatigable trabajador de la cultura, fundador de la Asociación de Escritores y Artistas Jóvenes del Ecuador, del Frente Cultural, de la Escuela de Educación Sindical, de la Asociación de Cineastas del Ecuador, de grupos de teatro y talleres de cine y literatura; poeta, cinéfilo, ensayista, instigador, dirigente sindical, ¿qué más…? La avasalladora personalidad de este maestro arranca desde el decenio de los sesen-ta y se mantiene enhiesta, inclaudicable ¡qué difícil empresa humana conservarse así!- incesante,

“objetora”, creativa. De acerado y altivo carácter, Estrella es un formidable sus-citador, complejo y sensible, fanático de la honestidad y el esfuerzo creador y constante, perpetuo fustigador de postizajes y puerilidades, cáustico con todo lo que le parece obstáculo a la edificación de una nueva sociedad, crítico inflexible de él mismo, única práctica que autoriza a los seres humanos a ejercer esa grave tarea con los demás. “Lo peor que puede pasarle al hombre es el vacío”, dice Ulises en uno de sus memorables poemas. Él superó desde hace rato ese trance, pues su vida está colmada de empresas y realizaciones culturales, en pertinaz beneficio de nuestro destino histórico inmediato. Sin embargo, jamás está inmóvil, siempre el paso siguiente, el otro, el otro. Agustín Cueva sentenció: “Mucho le debemos a Ulises Estrella, algún día tendremos que hacerle justicia”. Ojalá la publicación de su Antología poética esencial y mi palabra, que no trata de ser sino un modesto prefacio de la misma, hayan contribuido en algo al llamado de Cueva. LA CINEMATECA NACIONAL Una de las realizaciones culturales de mayor trascendencia de los últimos años en nuestro país es la Cinemateca Nacional. Todo empezó por 1964 cuando Ulises fundó el primer cineclub en el cine Granada en la plaza de La Merced y, a partir de 1967, en la Universidad Central: los dos, raigones históricos de la Cinemateca Nacional. En 1980 Ulises llegó con su proyecto a la Casa de la Cultura Ecuatoriana Benjamín Carrión, presidida por Edmundo Ribadeneira, a quien se debe la construcción del complejo de la Institución, el más significativo de América. Ulises organizó la Sección de Cine de la Casa y un inolvidable encuentro de cineastas andinos. Este hecho aceleró la creación de la Cinemateca Nacional, en la cual se ha escrito lo mejor de la historia del cine nacional: la integración del archivo fílmico ecuatoriano, su difusión en el cineclub, el desarrollo de una revista especializada, festivales del más alto nivel sin fines de lucro, y, quizá lo más fecundo, la formación de un público le todas las edades-, que se inició en el buen cine como vehículo de

cultura. Hablar de la Cinemateca Nacional es hablar de uno de los segmentos culturales que más beneficios sigue dando a Ecuador. Esa Cinemateca Nacional de Ulises Estrella resuma historia y ha puesto en alto el nombre de nuestro país en el mundo. LA OBRA LITERARIA Ulises Estrella publica su primer poemario en 1966: Ombligo del mundo. Dueño de un poderoso acervo cultu-ral, el poeta, en toda su travesía literaria, mira y remira el mundo para rehundirse en él, y desde ese espacio elucidar sobre otros temas, incluida su Quitología, entrañable y hondo ensayo sobre nuestra ciudad historia y personajes-. “Hemos sido esperados aquí en la tierra”, exclama Walter Benjamín. Así es. Precedencia del mundo y advenimiento del ser. Ulises contempla el mundo y delata su crueldad o desbroza portillos de luz a sus zonas ominosas. Intimidad del tiempo y alfabeto del espacio. Compromiso, encarnación del tiempo y poesía del espacio abierto: “No es la vida que te espera / sino que se esperanza la voz, / se columpia la canción, / te entusiasma el sendero pleno de primates…”. Pero hemos sido esperados y hallamos un mundo devastado, Ulises revela y acusa: “Hay niños que juegan juntos / entre mil y cien, / pero juegan a la guerra; / se esconden de sí mismos, / buscan bajo tierra la paz, / cavan y no hallan sino el miedo…” Los pasos iniciantes de la poesía tzántzica tienden al manifiesto efectista, al discurso arrebatado, al panfleto político, obturador de la validez estética. Ulises sale bien librado de esta propensión. Ombligo del mundo es una conclu-siva separación de usos y pretextos. Crepitación de palabras fraguadas desde el asombro. Sacrificio del ritmo por versos largos, morosos, inacabables, para configurar exhortaciones urgentes. Desligadura de las impresiones. Exacerbado juego entre el poeta y el mundo. Luego vino Convulsionario, 1974, en el que la palabra aparece despojada de las adherencias que pudieron hallarse en el poemario anterior. Se ha adelgazado hasta mudarse en sonido, vibración, eco de susurros íntimos y de otras voces presentidas en la lejanía. Si sobre su primer libro se habló de su “hermetismo”, en éste, en nombre del “compromiso” de los intelectuales de izquierda, se

reclamó desgarramiento y ambigüedad. Nada de eso. Ulises buscó siempre la esencia de la palabra (Antología poética esencial 1960-2006 ha nombrado a este volumen), su sustancia, su nervadura última, su raigón, en donde turba todo su fulgor y su sombra para tramar su poética. “… adentro / siempre / vive una pasión / toda palabra / busca un acto / cada imagen / es proyecto / de cambio / poesía: / convulsionario”. Fuera de juego, 1983, es otro punto alto de su poesía. Cada perplejidad tiene su coartada y la palabra surge desnuda y limpia para desentrañar los pensamientos. El lenguaje explora los abismos, los nexos que a veces inventamos los mortales para separarnos del continente de los otros. “El infierno son los demás”, dijo Sartre. No existen los excesos; sólo el verbo noble y libre para la confesión y el aviso. Hombre y poesía caminando hacia la libertad -ficción y acaso epopeya-. “Antes / tendido al sol / dudosos pensamientos / estallaban en mí / lo desconocido / hincaba en las alturas / el más allá / surcaba entre el aire puro / ahora, / encontrando al sol / tras un tajo en la montaña, / sustento el empeño / de tomar por asalto / el cielo presente, / con rumor y grito / del mundo futuro”. Refrendario de su época. Obstinado y tenaz portador de la esperanza, registrador de las fundaciones del ser humano, negador de determinismos, intrépido recreador de fábulas donde imperan la paz y la justicia, conjurador de soledades, la escritura de Ulises Estrella es un testimonio vivo de su tiempo. La única manera de rescatar el pasado e inventar el porvenir es vivir un presente cambiante y perpetuo, pero en ininterrumpido movimiento. INTERIORES, EL LADO OCULTO DE LA VERDAD En 1986 Ulises Estrella publica Interiores. Como en ningún otro libro anterior, en éste, la verdad restalla, nítida, soberana, y la poesía aparece, como “la verdad del arte”, y ésta, para los seres humanos, no es sino la reciedumbre ante el dolor de ser y estar aquí en la tierra durante la vida cumplida. Cada quien con su verdad a cuestas. Pero ésta -sin excepción- es la hebra inasible e inaudible del tiempo que teje sin pausa lo que vemos: lo tangible, real, objetivo; sin importar que sea nítido o nebuloso. Por esto, la creación poética no se concibe en la conciencia del poeta, sino en su brío para encarar el tiempo y subordinarlo o, al menos, soportarlo y cruzarlo. Y la verdad en este libro reluce, más que

como un fulgor, como un reflejo -los bordes de una herida abierta, originaria, inalterable, fundacional-. Única raíz de la historia personal y colectiva, la verdad nace, crece y discurre en el dolor. Pero la verdad de Ulises -su dolor- no invalida, no petrifica, no anula, sino que se torna una y otra vez horizontes, aflictivos sí, pero remozados, distintos, que devienen en una sucesión de armisticios. “CÓMO / agarrar el mundo / con las dos manos / si la premura / desgarra / y estando separados y juntos / las manos nos delatan / ante nosotros mismos. / Comamos pues, / maíz, / ahora, / y retrocedamos el tiempo.” Para el retorno hacia nosotros mismos es preciso el éxodo y el refugio liberador en los distintos. La poesía de Ulises: búsqueda de todos y de todo, hallazgo de la otredad. Ulises sale de él y apremia la verdad, tornándola en guía y raíz de su palabra. En Interiores la extrema: demuele los signos heredados, se confiesa a sí mismo, se purifica, se redime -sin nada que se parezca a ritual religioso alguno-. Y en ese ámbito forja una conciencia, y ahí donde empieza la conciencia de un lenguaje, se inicia la recreación de una nueva escala de sentidos y pulsaciones, preludio del silencio, es decir, de la más alta poesía. La mayor virtud de la poesía se resuel-ve en la convocación del propio ser. La conciencia de un discurso poético conduce a la esencialidad de uno mismo, a su reconocimiento, a su despertar conmovedor y único. La palabra del poeta, permutada por su conciencia, lo transfigura en espejo de su entorno. Toda señal suya -conflagración o ventisca-, por fecundada que sea en los meandros más escondidos de su ser, pertenece a los demás. “TODA TIMIDEZ / es voluntad / quebrada”. O esto otro: “EN / un abrir / y cerrar / de ojos, / transcurrimos. / Los cuerpos conocidos / envejecen. / Las ideas / desconocidas / afloran. / Asidos / a la tierra, / quedamos, apenas entreabiertos”. O, por fin, de su Vientre del tiempo: “¿estos techos, / paredes, / camas, / mesas y ventanas, / serán / en verdad, / nuestras casas? / o, / quizás / tan sólo / vivimos / la

sombra / de esas cosas?” OTROS

TITULOS

En 2001 Estrella publica Digo, mundo. A este título, deben agregarse otros, al menos, los más importantes: Cuando el sol se mira de frente, 1989; Poemas del Centenario, 1895-1995 -que consta en esta antología, al igual que su Quitología y Vientre del tiempo-. Pero sería absurdo no referirnos, si quiera de paso, a su ensayo, y en este género, a dos de sus mejores logros: Reflexiones de fin de siglo, 2000 y La revolución necesaria, 2003. En ambos, la densidad reflexiva y la fuerza creadora de Ulises, intrínsecamente imbricadas, ajustan un riguroso instrumento en la divulgación de la sustancia misma de los asuntos sobre los cuales versan. En la línea crítica que sugería Barthes, es decir, incluyendo en el discurso, aunque sea del modo más velado y púdico, un discurso implícito, Ulises resuelve estos sugestivos materiales. Pero ésta es la hora de su poesía. Juicio y reconocimiento no exentos de estupor. Soberbio testimonio nunca despojado de fidelidad- de su insumisa disidencia. Proclama de un espíritu que, con proverbial e incorruptible pertinacia, no ha dejado de afirmar su oposición al status quo, la obra poética de Ulises Estrella, una de las más vitales de su generación en América Latina, es, por sobre todo, exploración y demanda de su verdad. Aproximarse a la histórica figura de Ulises Estrella, por tanto, no puede consistir en aplicarle una parda capa de elogios, sino en excavar en esa verdad suya, diversa y múltiple, y arrastrarla a la nuestra. Sólo así su esencia, divergente y discorde, nos aproxima -¿fusiona?- a la nuestra. No digo que sea ineludible convenir con él; declaro que, si de verdad apreciamos la poesía de la mejor ley, debemos oír lo que Ulises nos dice. Su palabra no nos conmina a una ferviente mediación, aguarda lo único perentorio: nuestro juicio.

Marco Antonio Rodríguez (Ecuador, 1942). Ensayista y narrador. Ha publicado libros como Rostros de la actual poesía ecuatoriana (1962, Cuentos del rincón (1972) y Un delfín y la luna (1985). Sus obras son textos de estudio en colegios y universidades; constan en los planes de estudio de Literatura Ecuatoriana e Hispanoamericana del Ministerio de Educación. Página ilustrada con obras del artista Felipe Ehrenberg (México).

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

William Burroughs: huésped en el espejo Carlos Bedoya .

Imposible leer a William Burroughs sin sacudirse, sin acoger la crueldad de su visión o las

intensidades que circulan por sus novelas, enraizadas en la fuente del mal. El rechazo, el asco, los escrúpulos producidos por la lectura de su obra nacen del choque con una gama de prejuicios y convenciones, especialmente de orden moral, característicos de un estilo de vida dominado por la sana razón. No se trata, como es obvio, de problemas estilísticos o de técnicas literarias, sino de asumir un texto pleno de paradojas y acercamientos al misterio valiéndose, con audacia, de la imaginación y la obscenidad. Atrevimiento que incluso causará, en 1962, un proceso judicial al novelista. (1)

Con Burroughs empezamos a vivir una experiencia visceral, inmersa en los cuerpos y el vacío. Su escritura es, ante todo, “experiencia a otro nivel”, una incierta aventura en un mundo donde el tiempo que nos quema es indicado por la venta cotidiana de droga y sexo, enmarcado por una industria (un monopolio de la venta) que se nutre de la criminalidad. Ante esta perspectiva deja de sorprender la persecución desatada contra Burroughs, pues -como ha dicho Lawrence Durrell en su correspondencia con Henry Miller-, “cualquier cosa que se escriba desde la cintura para abajo debe hacer frente a un mundo denso de honrados y obesos Bens”. En Las últimas palabras de Dutch Schultz (1970), ese mundo de la Industria, o sea el de la mafia, la policía, los jueces, etc., asoma no a través de los drogadictos o los homosexuales de obras anteriores, sino que es proyectado en torno a la criminalidad misma, sus escenarios y sus efectos. Uno de esos efectos es Dutch Schultz, pero los escenarios donde vivió y actuó (aquellos donde se comercia con la droga y el sexo) son fundamentales para la visión de Burroughs, tal como lo pone de presente en una breve página al comienzo del libro: “Las escenas son el médium en que los personajes viven y que moldea inexorablemente sus acciones. Cuando un personaje deja de aparecer en escena, está acabado.” Sobre un muro veteado de gris y rojo, deslizándose por hendiduras germina el cáncer, un juego entre muchos cosmos, que en Almuerzo desnudo se nombra como el “Crimen de la acción separada” o “crimen de la vida separada”, espacios y seres desgarrados entre la “carne miedosa” y la “áspera inocencia del movimiento flexible”, insertos en una superficie reveladora, un espejo en el cual es preciso penetrar para captar el sentido de este crimen y “lo que significa desde el punto de vista del control perdido cuando el reflejo ya no obedece…”. El trabajo del escritor consistiría, en este caso, en aprender a leer en el espejo. Aquí los seres son huéspedes violentos e instintivos que una cultura arraigada en el estereotipo y el sometimiento a la memoria (la tradición) intenta acorralar y modificar. Dutch Schultz fue uno de esos huéspedes. Su verdadero nombre era el de Arthur Flegenheimer, hijo de inmigrantes alemanes nacido en Nueva Cork. Su errancia adquirió matices definitivos en la prisión, al ser detenido por un robo. Su historia criminal registró un rápido ascenso e igualmente una violenta caída luego de llegar a ser uno de los gangsters más poderosos de la época, manipulando un gran imperio cervecero (durante la prohibición del alcohol en los Estados Unidos) y negocios en apuestas y “protección” de comerciantes. La desmesura de Schultz le creó problemas con los amos del “Sindicato” de la Mafia (la “Asamblea del Consejo”). Luego de evadir

la acción judicial por evasión de impuestos, iniciada por el presidente Herbert Hoover alrededor de 1927 y durante la cual fueron encarcelados Al Capone, Frank Nitti, y otros, después de evadir hábilmente aquella acción, Schultz fue asesinado en el orinal de una de sus tabernas favoritas (“The Palace Chop House”) el 23 de octubre de 1935, al parecer a manos de Charlie Workman, un pistolero pagado por el “Sindicato”. En el transcurso de una agonía que se prolongó por veinte horas, y al tiempo que era interrogado, Schultz produjo un delirio de unas 1200 palabras, transcrito por un taquígrafo de la policía. Con base en este delirio elaboró Burroughs su novela: “Las últimas palabras de Dutch Schultz constituyen un notable documento, un inspirado delirio que revela al Holandés como un artista en potencia. Raras veces el sentimiento de la muerte ha sido comunicado de modo tan vivo. Entre estas palabras flotan los secretos de la vida y de la muerte.” Burroughs ha querido hacer explícitas las analogías de sus procedimientos literarios con el lenguaje cinematográfico, dando a Las últimas palabras de Dutch Schultz el carácter de película: “La película es toda en blanco y negro salvo las escenas en que hay muerte y derramamiento de sangre. Un mundo en blanco y negro salpicado por explosiones de sangre.” La imaginación nos patentiza un universo de horror en la avalancha de conmociones que van dando un cuerpo inmaterial a la energía que pasa por Schultz, a este perpetuo acoso entre la pasión y el vacío. Condensando elementos de la historia “real” con elementos imaginarios Burroughs construye su ficción, un arduo artificio ajeno e inherente, a la vez, al orden de la Industria, iluminador de las fuerzas y los fantasmas que reverberan en éste, un mundo en donde la vida está amenazada, ciegos como somos a la inminencia continua del morir. La muerte es esta escena donde los actores olvidan su aburrimiento. Ella es ese horizonte brumoso fuera del cual están acabados. Una multiplicidad de imágenes (similar no sólo a la película cinematográfica, sino también, y en especial, a la película de los

sueños y al efecto de la morfina) nos sume en acontecimientos a los que el nombre del personaje y sus relaciones con el propio placer y la soberanía otorgan cierta unidad, una coherencia fragmentaria (2). Referido a la experiencia de su vida, el delirio de Schultz logra una intensidad aun mayor, al dejar aparecer los vínculos del criminal con un destino cruel e inexorable, un destino que le posee y amenaza con devorarlo. Su actitud es claramente la de un fascinado por los “poderes del mal”, alguien que nunca estuvo dispuesto a sucumbir, sometiéndose por entero a lo inexorable, entregado a sentimientos de esclavo: “Por favor, meted en cintura a los amigos del chino y al comandante de Hitler. Yo soy delicado y estoy subiendo y te haré feliz si puedo. Madre, es la mejor jugada y no dejés que Satanás te arrastre demasiado aprisa. ” Los continuos cortes de la narración corresponden a desfasamientos de nuestra experiencia. Es en sus páginas donde la dispersión de la conciencia, el sentimiento de la muerte, se desbordan y dirigen la película, al modo de una irrealidad implacable. Tenemos, de pronto, que abrir nuestra mente a las excitaciones, a las proliferaciones de los seres y las cosas, al espacio en el que somos cómplices del asesinato y condenamos al asesino, moviéndonos como siervos de la culpabilidad. La culpa de sentirnos adictos al crimen de la “vida separada”, persiguiendo y encerrando a quienes cuestionan con su estilo de vida semejante separación. Es esta película de la que nos soñamos espectadores y no participantes, gracias al asidero constituido por una cultura de voyeurs. No se trata de reproducir esos objetos impotables elaborados por uno de los brazos de la Industria (en este caso cinematográfica), sino de recuperar para la palabra su potencia de imagen y utilizar algunos procedimientos del cine en tanto estos resulten tan eficaces como los del sueño. Tal preocupación es una constante en la obra de Burroughs e incluso a ella hace referencia el propio autor: “Implícita en Nova Express aparece una teoría sobre que eso que llamamos realidad es verdaderamente una película. Es un film, lo que yo llamo un film biológico” (3). Es pues la imagen, el nudo de fuerzas hormigueantes, “la película eléctrica” que nos arrastra al espacio. Para vivir en el ser donado por la imagen no basta un ejercicio literario, es necesario llegar a ser un vidente, adquirir el poder de ver y hacer ver, tarea que presupone un apartarse de lo conocido. Sobra tal vez decir que Burrough, a la manera de sus amigos beatnicks, ha buscado siempre este poder, como instrumento decisivo en la tarea de corroer las bases de nuestras sociedades. Acaso participamos de una película mientras estamos viendo otra, morimos y vemos morir a los otros. Y aceptarlo es quizá una de

nuestras mayores imposibilidades (y defensas). La posibilidad de una apertura a la muerte se nos ha vuelto impensable, siendo capaces únicamente de desplazar el instante de su proximidad, puesto que tal cercanía trastorna. Todas las costumbres occidentales respecto a la muerte y la promiscuidad entre los vivos y los muertos, manifiestan esta separación. Hemos perdido toda familiaridad con la muerte, aunque no por eso se olvide ella de nosotros (4). La sola presencia de los muertos constituye hoy en día algo desagradable. Es preciso alejarlos lo más posible, instalarlos en un lugar permanente del cual no deberían salir en mucho tiempo. El cementerio ha perdido su antiguo rasgo de asilo o lugar habitable donde “la gente bailaba o sencillamente disfrutaba el place de juntarse” (5). Cuesta admitir esta relación entre el goce y la muerte, la sentimos como algo ante lo cual sólo es posible reaccionar, llorar, asumir un comportamiento nihilista. La solemnidad de nuestros ritos fúnebres excluye la fiesta. La risa, el baile, el erotismo se nos presentan como lo extraño al acontecimiento de morir. Pero es desde la muerte que fluyen todas nuestras vidas y al renunciar a ellas renunciamos, tal vez, a todo. Preferimos en cambio los hábitos de control que configuran la llamada identidad personal, para garantizarnos una esterilidad segura, una estupidez estable. Optamos por ser adictos a la aspirina, al cine, a la t. v., a los libros o a la Coca Cola, diluimos la visión de la muerte en los objetos del bienestar. Por vía de estos objetos llegamos a sentirnos capaces hasta de impedir la irrupción de la muerte o de preverla y organizarla. Tal sería, posiblemente, el sueño de la medicina occidental, sueño de una salud perfecta corroída a diario por el cáncer, dominada por el virus que cree controlar. Dutch Schultz es un signo de sensibilidad de esas fuerzas que el Bien (o Modelo de nuestra moral) relega en tanto instancias de los poderes del deseo y la devoción a lo demoníaco. Frente a tales potencias intervenimos de un modo cauto en esta película. La figura del Holandés alcanza un aire satánico y, como él mismo lo dice, algunos exorcismos se requieren, cierto desacuerdo, para insistir en el mal. Dejamos ser al mal (ese otro poder) pero sin permitir que Satanás nos “arrastre demasiado aprisa”. Este poder reside en una

paciencia, en el combate con algo o alguien que lo habita y es actor en él. Se hace peligroso para la Iglesia del Mal cuando adquiere una atmósfera de cosa sagrada, de iniciado en un azar del cual es imposible desprenderse. Lo vemos tomar esta forma en cierto momento de la novela, al enclavarse la imagen en una antisolemnidad semejante a la del pop art. Cuando Schultz, sentado junto a la chimenea, toma whisky y lee La vida de Napoleón, de Emil Ludwig , Burroughs destaca su “batín bordado que le da un aura extrañamente exótica y majestuosa como de sumo sacerdote de un culto de adoración diabólico de alguna película olvidada.” Nos referimos antes a cierta singularidad que actuaba en el criminal, algo que era actor en él. Es esta otra de las obsesiones de Burroughs a lo largo de su obra: el doble y las múltiples personalidades de un individuo. En un principio se nos habla de Albert Stern, “el Profesor”, como “ejemplo de alguien que sólo por error continúa en escena cuando la policía lo atrapa acusándole de ser el pistolero que asesinó a Schultz. No hay razón alguna para creer que hubiese disparado contra nadie, salvo contra sí mismo.” Y más tarde vamos encontrándolo en puntos esenciales de la vida de Schultz: es el médico que asiste el parto de su madre, luego es su profesor en la escuela, más tarde aparece como integrante del “Sindicato” y en la última escena de la obra su voz asedia la fortaleza de Schultz, “lejana y quejumbrosa”, llamándole por el nombre de Arthur Flegenheimer. El “Profesor” pide que le dejen pasar a verlo, que le permitan “entrar y comer…”, para convertirse de nuevo en el partero de su madre: “Stern termina y se quita la mascarilla. Horrible rostro de niño de la calle.” Cuando asesinan a Schultz, a causa de su desmesura, resurge la imagen de Stern, recordando los procesos de desintegración y de control de identidad ampliamente trabajados en Almuerzo desnudo. El Holandés Errante pide que lo dejen solo al morir, y “todos los actores se disuelven en el rostro de Albert Stern.” Albert Stern (“judío, delgado, tísico”) surge entonces como unidad de una subjetividad incierta, inasible. Es el presunto asesino de Schultz en la medida en que se erige siempre como factor del orden limitante de su deseo. Es quizá un eco de esta organización social incapaz de aceptar la energía excesiva de un criminal que hizo un arte de su experiencia de la muerte, avanzando siempre, sin cerrar los ojos ante el miedo. Subjetividad dispersa que sólo una escritura aleatoria podría expresar. El tiempo y el espacio son otros, el mismo Schultz es otro, es alguien fuera y dentro del escenario, el poder del Bien y el Castigo, el régimen productor de culpabilidad: “Y su guarida era el más recóndito retiro de mi propio cuerpo.” Dutch fue asesinado en el momento en que escapaba al control de la mafia y la policía. Su sociedad le convertía en criminal pero fijándole cierto límites. El mismo Lucky Luciano, presidente del sindicato del crimen, consideró peligroso a Schultz al dejar de plegarse éste a la voluntad del grupo.

Según Luciano, los planes de Schultz chocaban con los de la organización, no “eran buenos para las relaciones públicas.” En cierto modo, Albert Stern es y no es el asesino. Es también lo asesinado. En todo caso, no es posible ubicar con exactitud su función. En relación a él sugiere algo igualmente impreciso el novelista: “El enigmático e inquietante personaje de Albert Stern ejerce un extraño influjo. ¿Por qué fue identificado y detenido como el asesino de Schultz? ¿Quién y qué era exactamente el “Profesor”? Tales preguntas quedan en el aire al final de la obra lo que deja la impresión de que se trata del alter ego rechazado de Dutch.” Arthur Flegenheimer, Dutch Schultz, Albert Stern…son pues un mismo personaje y varios. Al dejar de ser una réplica de las organizaciones que controlan el crimen debió ser eliminado. Al escapar del control de la “casta intocable” se imponía someter “la experiencia a otro nivel” a un proceso de destrucción: “-No tienen sentimiento- dijo el doctor Benway, destrozando en pedazos a su paciente. -Sólo reflejos… Insisto en la necesidad de destrucción” (6). Escapar al control supone tomar distancia respecto al poder que fundamenta el sentido común. La voluntad de manipulación absoluta se acentúa cada vez más en Occidente, expresándose de manera compleja en el neofascismo, a la manera como funcionan los partidos políticos en este mundo sujeto por el crimen institucional (en cualquiera de sus polos). El ideal de estos partidos, como el “Divisionista” por ejemplo, es el más completo control sobre la individualidad, y se dirige hacia el estereotipo absoluto: “Parece probable que, a menos que se detenga el proceso de división, con el tiempo sólo haya réplicas de un sexo en todo el planeta: es decir, una sola persona con millones de cuerpos separados.” (7) Controlar una singularidad quiere decir someterla al tiempo y apropiarse del tiempo, negándole una posible proyección hacia el espacio. El movimiento de la máquina es inflexible , una interrupción en su ritmo pronto es detectada. Su acción se inscribe sobre el cuerpo. Su reino es el de la palabra desprovista de la materialidad de su enunciación y reducida al plano de los significados: “Salid de la palabra tiempo para siempre. Salid de la

palabra cuerpo para siempre. Salid de la palabra mierda para siempre. Todos fuera del tiempo y el espacio.” (8) Burroughs invoca el silencio, abre la posibilidad de una “escritura silenciosa”, “la escritura de espacio”. Hay que borrar la separación con lo oscuro, recuperar el brillo eléctrico de una experiencia mágica. Dar a las fuerzas del criminal lo imposible, un campo ilimitado. No oponerse a él, abrirle la opción de una existencia ligada a la crueldad y a la maravilla de la vida. Lo admirable en este tipo de criminal no es tan sólo el ejercicio de una transgresión sino, sobre todo, el exceso de espacio abarcable por su acción. En este espacio de lenguaje, la amalgama de imágenes conserva la contingencia de una sensibilidad visionaria. Continuos cambios de tensión ocasionan también el riesgo de desconectarse por completo, poniéndose en juego un nuevo campo de espejos. Hay en William Burroughs la afirmación de una soberanía, la potencia de un sol ebrio y una celebración de la vida enriquecida por el peligro, por el goce de sufrir tormentos misteriosos y persistir en el vacío de la existencia. El delirio de Schultz, las huellas de ese delirio son el canto a una pasión desbordante, son la exaltación de las cosas que estamos por recuperar. Se trata de iluminarnos acerca de cómo hemos llegado a estar por debajo de los impulsos instintivos, convirtiéndonos en criminales. Lo poético del criminal sería -como sugiere Nietzsche- su danza con una ausencia sobre esa fisura en la que finalmente se desliza: “El tipo de criminal es el tipo de hombre fuerte situado en unas condiciones desfavorables, un hombre fuerte puesto enfermo. Lo que le falta es la selva virgen, una naturaleza y una forma de existir más libres y peligrosas, en las que sea legal todo lo que en el instinto del hombre fuerte es arma de ataque y de defensa.” (9) Hay que ser fuerte para vivir en el placer de crear. La fortaleza de Schultz, aquella fuerza extraña y devoradora tras su rostro, deshecha por una ráfaga de balas, no fue la de ningún “orgulloso ganador de un concurso de chillidos” sino la de un ángel de la muerte “condenado a ser siempre una flor de pared”, como decía el “Profesor”.

NOTAS 1. La droga está presente en toda la obra y la vida de Burroughs, recorre cada espacio de sus novelas. Schultz sólo experimentó el estado de morfina luego de ser herido y ya en el estado agonizante en que se produjo su delirio: “La morfina administrada a quien no es adicto produce un flujo de imágenes en el cerebro que parecen vistas desde un tren en marcha. Las imágenes son borrosas granulosas y se mueven a saltos como en una película antigua.” 2. Citado por Susan Sontag, en “Burroughs y el futuro de la novela”. 3. Como escribe el poeta Gregory Corso, en un texto incluido en La poesía y los poetas: “Es el hombre quien hace de la muerte un negocio miserable, asqueroso; quien hace de la muerte algo espantoso, algo afligente para todos. Todos debemos morir, pero lo que cuenta es cómo morimos.” 4. Philip Aries, “La muerte domesticada », revista Plural 56. 5. Almuerzo Desnudo. 6. Almuerzo Desnudo. 8. Cartas del Yagé. 9. El crepúsculo de los ídolos.

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

artista convidado Manchuria, visión periférica: la obra plástica de Felipe Ehrenberg Fernando Llanos .

No hay opción, me voy por que el sistema está mal, el sistema es una pelota de víboras…Prefiero molestar con la verdad que complacer con las mentiras, la política es una guerra sin muertos y hoy el deceso es mi carrera. Va por México y chingo a mi madre si no. Ana Guevara (La mejor velocista mexicana de la historia, en su declaración al retirarse. Enero 16, 2008.) Es, como él mismo lo define, un ejemplar que puentea entre los representantes del muralismo mexicano, el movimiento de ruptura y las generaciones actuales de artistas plásticos. José Ángel Leyva (Fragmento del texto "La muerte viva", una entrevista con Felipe Ehrenberg.) Manchuria, "tierra

de los manchúes", es una región asiática al noroeste de China. En un principio la habitaron aguerridas tribus nómadas y posteriormente formó parte de arrebatos territoriales entre diversas dinastías y naciones, tanto que dicho terruño forma ya parte de la historia de China, Mongolia, Japón y Rusia. De hecho, está presente en la historia de las artes marciales coreanas, influyó en la historia del cine y música japonés, fue medular en la decisión estadounidense de involucrarse en la segunda guerra mundial y hasta está vinculada a la biografía de Marco Polo. Su historia es sin duda fascinante… sin embargo no tiene nada que ver con México ni directamente con la obra de Felipe Ehrenberg. Felipe fue el que bautizó esta exhibición, y lo hizo de la manera más arbitraria y en el mismo tono con el que ha trabajado durante los últimos cincuenta años: sin buscar títulos pomposos, ni altisonantes, respondiendo a su mero impulso creativo. Su curador, consciente de la importancia hoy en día de los esquemas horizontales, de los modelos participativos, y sobre todo del modo de operar del neólogo cimarrón, decidió mantener el titulo propuesto por el artista. A una fiesta de diez lustros de faena profesional se le debe de bautizar de acuerdo a la voluntad de los progenitores, sobre todo cuando practican tan religiosamente la autogestión. Podemos, eso sí, dibujar un paralelo entre Manchuria y Ehrenberg. Manchuria es una tierra difícil de ubicar, semidesconocida, periférica y de fronteras borrosas. Exactamente sin fronteras y sin límites establecidos es el trabajo de Felipe; él forma parte no de una historia, sino de las múltiples historias del arte contemporáneo

mexicano y mundial. Es reconocido como uno de los artistas más provocadores e importantes de este país. Participante activo en el movimiento FLUXUS cuando residió en Europa en los 70s y luego, a su vuelta a México, protagonista del Fenómeno Grupal. Ehrenberg ha escrito capítulos en la historia nacional del cine experimental, del arte sonoro, la performance, el videoarte y hasta en cuestiones digitales. Ha sido cómplice, maestro, tutor, mentor, avatar y padrino de un sinnúmero de artistas de varias generaciones, en diferentes latitudes y longitudes. Muchas de sus propuestas fueron tan polémicas que cambiaron el rumbo del arte en México.

Esta exposición contiene poquísima obra 'formal'; más que representar una visión única de la obra del artista, habla de pistas, de huellas que nos invitan a adentrarnos en territorios indómitos, una idea de lo que ha significado y significa la obra de Felipe Ehrenberg en un país que padece amnesias imperdonables, pero que comienza a ver los vidrios rotos (1), que empieza a ser consciente de ese lugar ambiguo, periférico y difuso, desde donde ha trabajado este artista durante toda su carrera.

Esta es la primera retrospectiva que se presenta de su obra; es un trabajo de tres años de investigación, una búsqueda por cristalizar una pequeña parte de esa basta historia contemporánea que sólo conocemos de manera oral. Para dejar de importar referentes, o por lo menos para conocer los que hay de propios. Hurga en ese pasado rico e intenso que protagonizó Ehrenberg, para entender mejor nuestro presente y proyectarnos mejor hacia el futuro. Este montaje está construido de la misma manera en que el artista ha desarrollado su carrera: sin contenerse en el margen de lo políticamente correcto, sin medirse en adjetivos visuales y tratando de mostrar los fundamentos representativos de su basta producción. Como artista/curador, me siento honrado por que esta exhibición sea parte del proyecto del Museo de Arte Moderno, que hoy por hoy busca la recuperación de los lenguajes excluidos del discurso actual.

NOTA 1. "Soy uno de los vidrios rotos que forman parte del calidoscopio. Al mismo tiempo, soy el ojo que los ve: incapaz de fijar cualquiera de las visiones cristalinas que forma cada movimiento, incapaz de quedarme fijo…". Felipe Ehrenberg, en su libro: Vidrios rotos y el ojo que los ve. Fernando Llanos (México, 1974). Artista plástico e curador. Contato: yo@fllanos. com. Página ilustrada com obras do artista Felipe Ehrenberg (México).

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

livros da agulha 1. Dejen en paz a la Gioconda, de Alfredo Hlito. Ediciones Infinito. Buenos Aires. 2007. “Yo sospecho de las grandes palabras, porque generalmente no quieren decir nada.” “Nunca escribí por oficio y me cuesta mucho hacerlo, porque tengo tal sospecha de las palabras, que llego a pesarlas hasta el gramo”. “Desconfía de las palabras. Siente que hay un abismo entre el discurso articulado y esa serie de gestos solitarios en que consiste la pintura.” Son algunas citas de Alfredo Hlito sobre el lenguaje y la escritura, a lo largo del tiempo. El lector coincidirá conmigo en que proponerse usar las palabras a la luz de esa exigencia (“Trabajé, pero no lo suficiente”), que colmó y mantuvo Alfredo Hlito durante toda su vida, es por lo menos arriesgado y angustioso. Y sin embargo, no sin sentirme abrumado al mismo tiempo por mi vieja amistad y mi respeto, intelectual y humano, he aceptado el fraterno encargo de su esposa, mi querida Sonia Henríquez Ureña, y de su hija Gabriela, para hacerme cargo nada menos que de la edición de todos sus escritos inéditos. Aunque calibré la responsabilidad del compromiso, que seguramente me excedía, al mismo tiempo no podía negarme a enfrentarlo. No sólo porque desde siempre fue cordial y afectuoso conmigo sino también porque, en gran medida, ambos compartíamos el mismo linaje. El destino, que no es sino otro nombre de los dioses, me convirtió de improviso, casi niño, en el más joven de una legendaria revista de vanguardia: Poesía Buenos Aires (1950-1960), que no sólo fue la continuidad natural en lo poético de Arte Concreto-Invención, aquel movimiento del que Hlito fue una figura consular sino que, por ello mismo me

regaló desde muy joven el contacto con figuras significativas y ejemplares de nuestro arte moderno, entre las cuales la relación con Alfredo, tan distante, tan parco entonces, tan exigente también consigo mismo, fue por parte de él desde un comienzo tan generosa como persistente para conmigo. Con ser cabalmente merecida, intuyo que la creciente resonancia incluso internacional que viene alcanzando la pintura de Alfredo Hlito (1923-1993) no ha hecho sino comenzar. Y si me parece que tan feliz circunstancia no debería valorarse sin dejar de tomar en cuenta que se trata, sin duda, de uno de nuestros artistas más exigentes con respecto a su obra y menos dados a la complacencia en cualquier otro aspecto (“No pertenecía al género de la pintura instintiva; y le horrorizaba la palabra expresión en la que veía la justificación de la facilidad y de la inercia”), confío en que la perspectiva de dicho reconocimiento se ampliará hasta incluir todos los aspectos de su entera personalidad. Porque Alfredo Hlito no es sólo un gran pintor, un pintor de raza, sino también un legítimo intelectual, un pensador de fondo, un escritor de ley. Y no menos exigente en estas lides que en sus otros dominios: “Pintaba y también escribía sobre pintura. Sus escritos eran lúcidos, exigentes, documentados. Todas sus inquietudes intelectuales se volcaban en ellos mejor que en la pintura. En una prosa un poco solemne elaboraba hasta lo inverosímil para dar cabida a un afán totalizador.” Nunca fue demasiado habitual, ni siquiera entre los propios escritores, que un artista fuera capaz de reflexión. Pero en aquel brillante grupo de jóvenes creadores que en 1944 dieron a luz el memorable único número de la revista Arturo, y que al año siguiente fundaron la Asociación Arte Concreto-Invención, tanto el poeta Edgar Bayley como dos pintores, su hermano Tomás Maldonado y nuestro Alfredo Hlito, no eran tan sólo jefes de escuela, teóricos del movimiento, sino sin duda alguna verdaderos intelectuales, extraordinariamente dotados de pensamiento y expresión. De tal modo que, en todos ellos, pero quizás de una manera que no imaginábamos tan marcada muy especialmente en el caso de Alfredo Hlito, que estos inéditos han terminado por revelarnos ampliamente, la producción ensayística iba a resultar tan significativa como su propia obra creadora. Que ello no haya sido aún debidamente valorado entre nosotros no es su culpa claro sino, por el contrario, de la desventurada errancia de nuestra sociedad y nuestra cultura, primero hacia el olvido cuando no a la indiferencia, y últimamente hacia la banalidad, acaso formas de lo mismo. Yo creo que lo más importante que le debo a la poesía es haber tenido la oportunidad de conocer, muy temprano, y de llegar a confraternizar con gente excepcional, con gente fuera de serie, gente de este país maravilloso y desdichado, que producía y a pesar de todo sigue produciendo riquezas que derrocha o que desdeña, riquezas no sólo materiales por supuesto. Dentro de esa gente que me tocó conocer allá a comienzos de mi adolescencia, creo que una de las personalidades más intransigentes, uno de los artistas más lúcidos,

más enemigo de toda retórica, era y es Alfredo Hlito. Alfredo tuvo siempre una relación muy especial y muy intensa con la poesía y con la palabra. No es sólo uno de los más exigentes y rigurosos pintores argentinos sino que también, como pueden comprobar precisamente estos textos, es un hombre de una lucidez no sólo en cuanto a la teoría, no sólo como intelectual (porque es uno de los grandes intelectuales argentinos), sino que es un gran escritor, un hombre capaz de manejarse con la palabra en los límites de la exigencia más radical y de esa carencia de solemnidad y grandilocuencia que él aplicó también a su pintura, cuando no a su propia persona, y de planteárselo con una honestidad que a veces puede llegar a ser hiriente, hiriente para él porque no se permitía ninguna facilidad en absoluto, e hiriente para nosotros los que lo seguimos leyendo, porque son verdades de a puño las que dice, y verdades muy fuertes y verdades dolorosas. Por supuesto que no son las verdades de ninguna ortodoxia, no son verdades únicas, son más bien preguntas que él se va planteando, permanentemente, con una integridad no sólo intelectual sino también humana, tan deslumbrante como demoledora, y tan conmovedora como precisa: “Respondiendo a preguntas que nunca me fueron formuladas, encontré el pretexto para estas entrevistas fantasmales” Con Alfredo compartimos momentos especiales, inolvidables, que fueron muy importantes, indelebles para mí. En el mismo año 1957 en que, junto con Francisco Urondo, otro miembro de la revista, lo invitamos a aquella memorable Primera reunión de arte contemporáneo organizada en Santa Fe para la Universidad Nacional del Litoral, que se iba a convertir de algún modo en la cumbre del arte argentino de vanguardia, se le pide también que envíe una colaboración para Poesía Buenos Aires, que fue su ensayo “Arte y poesía”. Y ya un año antes de que él, según nos informa posteriormente, decidiera abandonar “la ortodoxia concreta”, Hlito toma en ese texto una serie de distancias, primero consigo mismo y luego también con sus compañeros. Distancias de la inteligencia, y distancias de la ética. Pocos años después, comenzó a orientar en la editorial Nueva Visión, que recién comenzaba, su excelente colección Arte y Estética, que Alfredo dirigía con Francisco Bullrich y donde me hizo el honor de encomendarme una de las primeras traducciones de esa serie, un libro de Gillo Dorfles: Constantes técnicas de las artes. Al poco tiempo, en 1961, algunos miembros de Poesía Buenos Aires, inspirados probablemente por Bayley, creamos algo así como una cooperativa de edición, el Fondo de Escritores Asociados, que contó siempre con el generoso y despojado diseño gráfico de Alfredo, quien vigiló personalmente cada título en la imprenta Lumen. Fueron terminados por él con una sobrecubierta en papel transparente, mediante un doblez muy especial, para el cual no admitía modificaciones y con lo que literalmente enloquecía a los de la imprenta. Y no sólo eso: casi como excepción, porque no conozco otro caso similar, me hizo el honor de ilustrar mi libro Entre dientes (1963), siendo yo entonces muy joven.

Leer estos textos (que van desde los ensayos completamente terminados hasta los apuntes espontáneos de sus diarios acaso secretos, y donde Hlito se plantea por supuesto no sólo su inalterable relación con la pintura sino también con la escritura y muchos otros temas afines, demostrando de paso al hacerlo los alcances todavía hoy para muchos inusitados de sus inquietudes y de sus conocimientos, incluyendo su relación con los demás y consigo mismo), me admira tanto como me conmueve. Porque, si con una lucidez ejemplar ahonda decididamente y sin prejuicio alguno en todos esos asuntos, logrando iluminadoras visiones de temas como el impresionismo y el concepto de modelo, los manifiestos del arte moderno o las relaciones entre lenguaje y arte, por ejemplo, para citar sólo algunos, también me parece percibir que a lo largo de los años Alfredo va perdiendo cierta prevención, cierto distanciamiento (“No soy de los que se paran frente a la cosa y saben en seguida lo que tienen que hacer. Debo esperar, mirar y ser mirado hasta que se produce el llamado. El momento estático en que se neutralizan todas las resistencias.”), y como ocurre con todas las cosas humanas que maduran se va encontrando, se va aceptando, se va abriendo, las cosas se muerden la cola como el ouroboros, y uno se encuentra al final con lo mismo que estaba en el comienzo, y él lo dice: “Pintar es estar fuera de sí, en la cosa que a su vez se nutre de uno. Magnífico círculo vicioso.” [Rodolfo Alonso]

2. Fora de portas, de Carlos Garcia de Castro. Organização de Floriano Martins. Coleção Ponte Velha. Escrituras Editora. São Paulo. 2007. Contato: fatima. [email protected]. A Escrituras Editora, dentro da Coleção Ponte Velha, edição apoiada pelo Ministério da Cultura de Portugal e pela Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas (DGLB), publica Fora de portas, de Carlos Garcia de Castro, organizado por Floriano Martins, com prólogo de Nicolau Saião e ilustrações de Nelson Magalhães Filho. Ao entrarmos na poesia de Carlos Garcia de Castro, deparamos de imediato com aquilo que é uma marca característica dos seus versos: a celebração de um certo real muito terra a terra, daquilo a que se usa chamar os movimentos inscritos em um cotidiano mensurável, tudo o que afinal está disperso nas horas exteriores e interiores - o corpo, os utensílios recorrentes, os ritmos de uma existência em família ou em comunidade, os amigos que passam ou que o poeta freqüenta e freqüentou, os lugares domésticos ou de passeio que viu, tudo isso que nos enrola em nostalgia se mais tarde recordamos ou, então, que nos permite confirmar nos mapas da nossa existência ou minutos que por nós

passaram e, perdendo-se embora, passam a viver em nós para sempre. As presenças de gente e de momentos que nos dão notícias disso que é o mundo, do que vai pelo mundo ou o poeta intui que exista (e nós com ele) nesse universo de complexidade a que é costume chamar os outros. Não nos deixemos enganar: esse mundo de notações é apenas o invólucro em que o autor acondiciona um outro universo que se projeta em outro espaço, mesmo em outro tempo, esse verdadeiro núcleo duro do que constitui de fato a sua poesia. Carlos Garcia de Castro (Alto Alentejo, Portugal, 1934). Obra poética: Cio (Lisboa: Edição do Autor, 1955), Terceiro Verso do Tempo (Lisboa: Edição do Autor, 1963), Portus alacer (Portoalegre: Edição do Autor, 1987), Os Lagóias e os Estrangeiros (Lisboa: Edição do Autor, 1992), Rato de campo (Lisboa: Edição do Autor, 1998).

3. Poemas para leer en voz alta, de Claudio Willer (Organización, entrevista y epílogo de Floriano Martins, traducción de Eva Schnell). Ediciones Andrómeda. San José, Costa Rica. 2007. Contacto: manija05@yahoo. es. Claudio Willer (1940) es uno de los más apreciados poetas de nuestro tiempo. Se le conoce en círculos concéntricos en donde se valora su labor cultural, sus ensayos, su narrativa pero sobre todo su poesía. Ahora Ediciones Andrómeda edita una colección de su poesía, con una conversación-prólogo entre Floriano Martins y el autor, en donde la inteligencia mutua produce un texto limpio, y necesario, sobre detalles de la vida y la poesía de Willer, más aspectos inéditos sobre un poeta de gran relieve, para los que apreciamos su labor cultural y la grandeza de su arte poética. Como las más recientes ediciones de Andrómeda, está bellamente impresa y constituye un homenaje de admiración y un reconocimiento a un talento literario excepcional, según mi criterio. La organización, entrevista y epílogo son de Floriano Martins, ese puente necesario entre los poetas latinoamericanos, él mismo creador y difusor cultural. La traducción al español es de Eva Schnell y la muestra gráfica de Raúl Vázquez. Desde “Anotaciones para un Apocalipsis” (1964), incluido como final del libro, hasta “Extrañas Experiencias” (2004), toda la poesía de Willer, contenida en este volumen, es un acto de insurgencia, afirmación y construcción de un destino poético de relevantes méritos, en la cual se muestra la originalidad del poeta y la vasta influencia de los poetas mayores del siglo XX, lo que nos permite reconocer una obra de lectura provocativa, con imágenes desbocadas y una salvaje apropiación del mundo, lo que también nos hace sentir una vocación poética

que refleja el pulso social y una acerada visión de lo que ocurre. La poesía de Willer es suntuosa, elegante, nacida de un fluido manejo del lenguaje, y la traducción lo afirma, rico en detalles y palabras claves para la observancia de la comunicación como algo de extraordinaria trascendencia. Son cuarenta años de ejercicio poético lo que contiene esta antología, lo que nos permite ubicar al autor entre los grandes poetas del Brasil y de Nuestra América, con un aporte real que lo convierte en un maestro del lenguaje de nuestro tiempo, abriendo con sus temas una bifurcación de lo subreal hacia lo cotidiano observable. El poeta, viajero adentro de su propio mundo, y más allá de todos los linderos, nos ofrece una muestra compacta de su trabajo, en el cual casi todos sus poemas gozan de una excelencia que combina la reflexión y el deleite, el desengaño y la certeza. Poemas en voz alta es una antología compacta, deliberadamente selectiva. Una especie de viaje por nuestra época en la palabra, altísima, de un poeta abierto y clarividente, útil para entenderlo en su magisterio provocativo, necesario para ubicarlo entre los más audaces y valientes creadores de este tiempo. Un acierto de Andrómeda, Alfonso Peña, Floriano Martins y una traducción, creo que impecable, de Eva Schnell. Un filtro de luz para adentrarnos en la palabra vida de este autor. [Alfonso Chase]

4. Fogón de negros, de Germán Patiño. Convénio Andrés Bello. Prémio Andrés Bello de Memória y Pensamiento Iberoamericano. Bogotá, Colombia. 2007. Contacto: [email protected]. En "fogón de negros" se analiza la cultura de manera integral, esto es, lo que el hombre hace, pero sobre todo, se estudian la cocina y los hábitos alimentarios para dar cuenta de la naturaleza y del destino de los habitantes de una vasta región de la naciente Colombia en el siglo XIX. Estudio documentado y poéticamente escrito sobre la gastronomía de una región del suroccidente colombiano. El autor revela, a través de un proceso de recuperación en fuentes históricas e indagaciones personales, como la gastronomía y las artes de mesa en una zona determinada en la que han confluido en el tiempo diversos grupos étnicos, en especial los descendientes de africanos esclavos, despliegan una densa red de relaciones significantes en las que se ven reflejadas la vida y las tensiones de la colectividad con sus elaboradas expresiones culturales, entre ellas las refinadas e imaginativas preparaciones que hacen del comer una función no únicamente fisiológica, sino altamente simbólica y sensorial. Este libro, premiado en la modalidad de ensayo por un jurado internacional en

el Premio Andrés Bello de Memoria y Pensamiento Iberoamericano, y ricamente ilustrado con medio centenar de ilustraciones alusivas, es reflejo, además, de la trama que teje con sus amplios conocimientos el autor, al hacer del ensayo un variado escenario del gusto, la palabra, la reflexión y las imágenes.

5. Llama de amor viva: Sextynas, de Joaquim Estevez da Guarda. Cadernos do Subsolo. Porto, Portugal. 2007. Distribuído no Brasil pela Editora e Livraria Crisálida. Belo Horizonte. Visite: www. crisalida.com.br. Contato com a editora: [email protected]. Contato com o Autor: [email protected]. Sendo a literatura investigação do humano, é apenas natural que a erotografia (sob qualquer forma) seja antiga como a civilização. Aliás, em seu Eros e Civilização, o filósofo Marcuse postulava que Eros, como princípio vital, rechaça a repressão e o controle. Para deixar jorrar essa pulsão eruptiva, o poeta português Joaquim Estevez da Guarda retoma a sextina do século 12 em seu livro Llama de amor viva: Sextynas (Cadernos do Subsolo, Porto, Portugal, 2007). A sextina é uma complicada composição poética criada pelo trovador provençal Arnaut Daniel, que dela se serviu para bem cantar folguedos amorosos. Dante e Petrarca também praticaram a forma. Tecnicamente, a sextina consiste em seis sextilhas mais um terceto final, sendo que as rimas se repetem, de cabo a rabo, segundo uma ordem estrita, impondo uma circularidade ao discurso poético. Neste Llama de amor viva – um verso tomado de empréstimo ao místico Juan de la Cruz –, Estevez da Guarda engaja-se na militância amatória de um Bocage clássico para louvar a “glória das feminis carnes” e o “lúbrico tormento” da cópula, chamando as partes ditas pudendas por seus nomes impróprios. Numa era em que a pornografia eletrônica é um business bilionário, esta celebração do gozo carnal constitui, na verdade, uma transgressão às normas vigentes – a farta oferta de sexo virtual, a “neocaretice” pós-advento da Aids, as múltiplas formas de obscenidade em cartaz no mundo-mercado, no circo da mídia, na chamada sociedade do espetáculo e do controle. A surrada questão “arte ou pornografia” sequer se coloca aqui, pois o sextinário sexy de Estevez da Guarda – erudito e popular a um só tempo –, se filia a uma robusta tradição latina de letras lascivas, onde nada do que é humano é estranho à poesia. Em dez elaboradas “sextynas em medida velha e medida nova”, este liber libertinário exalta o gozo demasiado humano – o coito sem protocolo, sem

repressão e sem preço. O poeta põe as musas em pêlo, com pleno domínio da forma, do repertório clássico e da tradição portuguesa. Como assinala, no prefácio, o poeta galego Xosé Lois García, ao exaltar a liberdade instintiva, “doada pela própria natureza”, o sextinário compõe uma “liturgia laica” para espíritos livres. A língua franca de Eros reafirma, ainda e sempre, sua primazia. [Luiz Roberto Guedes]

6. Mansões abandonadas, de José do Carmo Francisco. Organização Floriano Martins. Coleção Ponte Velha. Escrituras Editora. São Paulo. 2007. Contato: [email protected]. A Escrituras Editora, dentro da Coleção Ponte Velha, edição apoiada pelo Ministério da Cultura de Portugal e pela Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas (DGLB), publica Mansões abandonadas, de José do Carmo Francisco, organizado por Floriano Martins, com prólogo de Nicolau Saião e ilustrações de Sérgio Lucena. A poesia de José do Carmo Francisco, tão simples, tão bela e simultaneamente tão arrojada, evoca nostalgia, amor ao pequeno fato que, todavia, tem um universo próprio. Um humor magoado que se transfigura e que nos dá, por extenso ainda que sobriamente, uma grande e bela indignação antes as injustiças da sociedade, fidelidade à infância e aos seres que a preencheram, ligação ao sinal próprio do homem, patente em retratos de figuras tutelares e, finalmente, a discrição e a serena mágoa que são freqüentemente o prólogo da mais justa alegria não profanada por sistemas de valores discriminatórios. Carmo Francisco é um poeta multifacetado, claramente tributário de Florbela Espanca no que esta tinha de intenso, magoado e repleto de paixão. Humor magoado e incursão pelo cotidiano são características maiores da sua poesia, que sabe muito bem levar a água ao seu moinho poético onde a farinha é de diversas cores: a cor cinzenta da vida-vidinha, a cor violeta de um fantástico social que se desprende dos poemas assumidamente simples. Sua poesia sabe ser discreta, sem aquelas redundâncias que anos e anos de metafísica mal assimilada nos habituaram a verificar em certos poetas, alguns dispondo mesmo de certa aura. Por intermédio de uma brusca inflexão, o poeta conduznos então na direção certa. E o que ainda é melhor é que nós, leitores, podemos chegar a ela sem ser necessário exagerar na indicação.

José do Carmo Francisco nasceu em Caldas da Rainha, Portugal, em 1951. Estreou como jornalista no Diário Popular de Lisboa, em 1978. Entre 1992 e 1996 entrevistou, na revista Bola Magazine, dezenas de figuras das Artes e das Letras na rubrica “Um cafezinho com”. Tem colaborado em diversos jornais e revistas do país. Desempenhou funções da direção da Associação Portuguesa de Escritores e é secretário da Associação Portuguesa de Críticos Literários. Organizou duas antologias editadas pelo Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas: O Trabalho – antologia poética e O Desporto na Poesia Portuguesa. É co-autor do livro Glória e vida de três gigantes, sobre o Sporting Clube de Portugal, o Benfica e o F. C. Porto, editado em 1995. Publicou os seguintes livros: Iniciais (1981), Universário (1982), Transporte sentimental (1987), Jogos Olímpicos (1988), 1983 – Um resumo (1991), Leme de luz (1993), Mesa dos extravagantes (1997), As emboscadas do esquecimento (1999), De súbito (2001), Os guarda-redes morrem ao domingo (2002), O saco do adeus (2003) e Pedro Barbosa, Jesus Correia, Vítor Damas e outros retratos (2005). O livro Iniciais venceu, em 1980, o Prêmio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores atribuído por um júri constituído por Armando Silva Carvalho, Fernando J.B. Martinho e Pedro Támen. A sua obra está referida no Dicionário de Literatura de Jacinto do Prado Coelho, da Editora Figueirinhas. Poemas seus são estudados nas universidades de Pádua e Veneza na cadeira “I linguaggio Del cálcio come cultura”. Colaborou no Dicionário Cronológico de Autores Portugueses do Instituto Português do Livro.

7. Ták-Méwö, de Macarena Barahona. Ediciones Andrómeda. San José, Costa Rica. 2007. Contacto: [email protected]. En el nombre del poemario significa trozo de corazón, en lengua bribrí. Pero no estamos ante un libro de poesía étnica, está de moda, advierto, sino ante uno de los más concretos aportes en poesía de Macarena Barahona Riera, en la plenitud de su enfrentamiento y disfrute del lenguaje, en una edición audaz y hermosa, con una muestra gráfica de Fabio Herrera, y un diseño no convencional de Viviana Ujueta. Es un encuentro de la escritora consigo misma y con las fuerzas de la naturaleza, desplegadas como parte de lo que se dice y sus resultados en su transformación interna. La autora está por vez primera en pleno dominio de un lenguaje de síntesis que, por lo explícito, nos remite a temas recurrentes en toda su poesía, pero esta vez definidos como dardos en busca de un blanco fluyente. No es tradicional esta poesía, en lo que tiene de uso del legado, sino que la autora escribe como lo desea, con una plena concepción del mundo, que varía, cambia, se expande o se constriñe, con el mar como motivo esencial y todos los elementos de la naturaleza encarnados en su mirada y en su cuerpo. El amor es visto como una

fuerza torrencial, que abarca todos los elementos conocidos, y aquellos inventados, para darle fuerza a su manera de escribir. Es una poesía suelta, rápida, llena de objetos y pasiones, erotismo natural como el viento, que logra transgredir todos los límites. Pero eso no se queda detenido. De un poema a otro se van descubriendo las fuerzas naturales, el corazón de la tierra, el lenguaje de aire y los mitos ancestrales profundamente adentrados en su cosmogonía. Es un libro que propone una liberación de los sentidos, una superación de amores superpuestos, lejanos unos, más cercanos otros. Poesía antropófoga porque devora sustancialmente todos los cuerpos, para darle forma al futuro, que es la poeta misma sumergida en los mitos indígenas para asimilarlos, para hacerlos suyos sin ninguna previsión. Un libro para recrear esencias, escrito, suponemos, como un torrente y que puede leerse como un solo poema que termina frente y ante el mar, de costa a costa, aunque la fragmentación de los temas nos permite encontrar la singularidad de esa poesía. Algunos de los poemas son de antología, otros entre lo mejor que ha escrito la autora, en lo que pareciera el cumplir un ciclo para cerrar otro, a partir del Atlántico (1993), el cual auguraba la recuperación del paisaje externo, en relación con los sentimientos e ideas poéticas que éste provoca en Barahona Riera. La limpidez del texto, la síntesis de una propuesta estética que, plena de ideas ancestrales, se establece en el presente. Un libro hermoso, ilustrado en detalle, con extraños dibujos de Fabio Herrera, y en su propuesta ilustrativa. [Alfonso Chase]

8. Tríptico a solo, de Maria Estela Guedes. Organização de Floriano Martins. Coleção Ponte Velha. Escrituras Editoria. São Paulo. 2007. Contato: fatima. [email protected]. A Escrituras Editora, dentro da Coleção Ponte Velha, edição apoiada pelo Ministério da Cultura de Portugal e pela Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas (DGLB), publica Tríptico a solo, de Maria Estela Guedes, com organização e prólogo de Floriano Martins e ilustrações de Eduardo Eloy. Tríptico a solo aproxima os gêneros teatro e relato de viagem, distantes apenas aparentemente, permitindo ao leitor observar como a autora os costura de forma substanciosa, agregando-lhes uma acentuada visão crítica, primeiramente através de depoimentos da própria autora, seguidos de uma entrevista em que complementamos abordagens, não sem deixar em aberto o tema para que o próprio leitor se enverede por suas raízes, matrizes, abismos.

Aqui se reúne pela primeira vez este tríptico da dramaturgia de Maria Estela Guedes, e ela mesma comenta a respeito de cada uma das peças, a exemplo do que revela sobre Ofício de trevas: “na peça, a personagem feminina, Lucy, de Lúcifer, o anjo da rebelião, assume o seu próprio sacerdócio porque não acredita no alheio: nem no sacerdócio científico nem no religioso. O rito que ela lidera é poético: ela acredita na Poesia como interlocução divina, acredita na Palavra como portadora de Verdade”. Maria Estela Guedes – nascida em Britiande (Lamego), em 1947. Dramaturga, narradora, poeta, ensaísta e editora. Membro da Associação Internacional de Críticos Literários (AICL), da Associação Portuguesa de Escritores (APE), da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) e do Instituto S. Tomás de Aquino (ISTA). Investigadora no Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade, da Universidade de Lisboa (CICTSUL). Dirige aquela que, seguramente, pode ser considerada a mais importante publicação virtual existente em Portugal, TriploV, que atende tanto ao aspecto mais tradicional de uma revista de cultura quanto ao ambiente científico, uma vez que Maria Estela Guedes é também uma consistente investigadora científica. Nesta área destacam-se seus estudos sobre Naturalismo, desenvolvidos a partir do vínculo com o Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa. Uma parcela desses estudos encontra-se reunida em um volume intitulado Lápis de carvão, publicado em 2005.

9. De Ainda a Vislumbre, de Saúl Dias. Coleção Ponte Velha. Organização de Floriano Martins. Escrituras Editora. São Paulo. 2007. Contato: fatima. [email protected]. A poesia de Saúl Dias privilegia a fugacidade do cotidiano pelos meios mais despojados, mais diretos, mais envolventes. Cada um dos seus livros traz consigo, logo no título, uma espécie de frêmito que simultaneamente aponta e rodeia, se é que não mesmo exibe e oculta, o que há de mais secreto na sua inspiração. Trata-se invariavelmente de títulos muito simples, reduzidos quase sempre a uma única palavra. Mas a verdade é que cada uma de tais palavras ora lhe serve para, ironicamente, exprimir, em termos de quantidade ou de tempo, um como que espanto pelo fluxo da própria produção poética -- Tanto (1934), Ainda (1938) --, ora lhe permite indicar, do modo mais conciso e ao mesmo tempo mais esquivo, quer o que subjaz a essa mesma produção -– Sangue (1952), Gérmen (1960) --, quer o alvo para que incessantemente ela aponta – Essência (1973) --, quer ainda, como é o caso da coletânea Vislumbre (1979) --, o também esquivo ponto de vista pelo qual toda ela se tem realizado.

O expressionismo de Saúl Dias tem raízes exógenas e desenvolvimentos pessoais que lhe conferem um estatuto de independência e de influência em relação ao ideário presencista, concebido em 1927 por José Régio. A consciência modernista do pintor, desde os primórdios da sua criação, sem prejuízo das atrações românticas e pré-rafaelitas que a modulam a par e passo, salvaguarda fundamentalmente a autonomia estética das formas visíveis, ou a existência de uma visibilidade do invisível, e sobrepõe à expressão vital uma expressão artística que não receia constituir-se em sistema particular, dotado de uma expressão retórica interna, mas aberta ao espaço exterior da pintura européia contemporânea. A originalidade de Saúl, no contexto presencista, advém do mergulho desassombrado nas águas revolutas do modernismo artístico, libertando a linguagem das suas simbologias tradicionais e usando a imaginação livre como meio de composição e reinvenção da leveza aérea das formas que pesam, esforço que teria transposição direta e inovadora para a poesia de Saúl Dias. Há um perfeito diálogo entre a obra poética de Saúl Dias e a obra plástica de Julio, dois nomes encarnados em uma só pessoa: Júlio Maria dos Reis Pereira (Portugal, 1903-1983), que vai além da simples atuação de dois pseudônimos. Poeta e pintor também coexistem em um mesmo plano estético. A plástica está representada por óleos, desenhos, aquarelas, com reconhecimento internacional, tendo participado de exposições históricas, a exemplo da Exposição dos Artistas Modernos Independentes – com Almada Negreiros, Vieira da Silva, Arpad Szenes, Mário Eloy, António Pedro (1936); da Exposição Internacional Surrealismo e Pintura Fantástica (organizada por Mário Cesariny e Carlos Martins, 1984); e Desenhos dos Surrealistas em Portugal, 1940-1966 (Porto, 1999).

10. Cuentos del San José Oculto: otra vuelta de tuerca (Selección y prólogo de Tomas Saraví). Ediciones Andrómeda. San José, Costa Rica. 2007. Contacto: [email protected]. Ediciones Andrómeda, bajo la responsabilidad editorial de Alfonso Peña, editó antes el primer volumen de esta serie sobre la narrativa josefina, y ahora nos presenta este segundo volumen: Otra Vuelta de Tuerca (¿En homenaje a Henry James?), ese cultor de los personajes y fantasmas de su tiempo, selección y prólogo de Tomas Saraví. El prólogo demuestra la capacidad de Saraví en descubrir la geografía oculta, para algunos, en nuestra capital, con esa prosa y esos giros que lo vuelven inconfundible, erudito, perspicaz y una especie de

guía turístico, a lo Dante, llevándonos, de imagen en imagen, por los vericuetos de esta ciudad, que tan bien conoce y de la cual es cronista marginal. Oculta es una imagen real de la ciudad, en donde ocurren sucesos que nos toman desprevenidos, pero allí están. Con cantinuchas, callejuelas, avenidas y paseantes que son el testimonio vivo de que existimos realmente. No solo es el paisaje de una ciudad misteriosa solar, o sórdida, sino la acción interna de sus gentes, haciendo su vida al descampado, u ocultos en esos sitios en donde se habla de lo divino y lo profano, con la audaz propiedad de ser protagonistas, o simples personajes de ficción. Si se le lee en detalle, el prólogo es una especie de cuento, o un monólogo que es representado de manera clara y personal, buscando establecer puntos de partida y de no regreso, que luego encontraremos en las narraciones. Los escritores seleccionados son variados, distintos, cada uno con su estilo y su manera de narrar lo que miran, sienten o inventan. Myriam Bustos, Alfonso Peña, Adriano Corrales, Alberto Cañas, Guillermo Fernández, Alexander Obando, Laura Fuentes y el que esto escribe. Todos diferentes al momento de construir el cuento, de darle otra vuelta a la tuerca, perfilando personas, sucesos y sitios, algunos con apellidos del barrio: es decir nombres propios que son y pertenecen al aura que rodea este San José oculto. La Bustos retoma las pasiones insólitas, las relaciones entre Alvaro e Irene, y el narrador, descubriendo los elementos eróticos y emocionales de los otros personajes, en una especie de cuadratura del círculo que existe en esas parejas abiertas, que terminan cerrándose a su propia manera de entenderse. Es una imagen de un San José, y de una clase social determinada, jugando con las ideas, y llevándolas a la práctica, en el peligroso y gozante abismo de las relaciones peligrosas, Supuso y sabía, como término de la narración, nos adentra en un mundo que pareciera abrirse hacia los placeres de la mente, que son en verdad los de la carne. Todo en familia. Como lo expresa el título de la narración. La Amatista perfecta, de Alfonso Peña, e eso: una historia exacta sobre una mujer perfecta, la Condesa y sus extravagantes relaciones en nuestra ciudad, la que se va y vuelve, convertida en la viuda negra, en una ensoñación propia de la Oculta, y en donde pasado y presente nos definen la historia grotesca, con una joya colgando de un cuello, mitad real y todo ensoñación. Un cuento de extraña perfección verbal, imágenes oníricas, en la murmuración constante de una ciudad transformada en ruina femenina, que todos hemos creído ver deambulando. Adriano Corrales ha escrito un cuento que resume su idea de la narrativa en donde la acción predomina, más las costumbres propias de un sector de jóvenes mujeres, en una especie de alucinación del protagonista frente a un idilio, en donde mezcla experiencias personales y la fantasía de lo que se espera, y toma forma definitiva en Jota A, una especie de musa desquiciada a la cual el protagonista de vida y busca en la ausencia. Una acción que muestra las costumbres más emblemáticas de un sector de personas, las venturas y

desventuras de un poeta y un final idiosincrásico. Es decir: feliz. Las nieves del tiempo, de Alberto Cañas es una joyita incrustada con ingenio, inteligencia y belleza, en donde se relata un encuentro posible, con el tiempo determinando una aventura, que empieza de nuevo, o una cita que se cierre para el protagonista y en donde la lejanía y la ausencia constituyen la esencia narrativa. Recompensas de Guillermo Fernández, es la historia de una periodista que busca las razones de un crimen y a un posible asesino, en los alrededores centrales de la capital. Está presentado de manera polivalente, con opiniones de quienes vieron, admiraron o repudiaron a un hombre llamado Pavarotti. Mendigo, indigente, pedigüeño, el idiota sensible de calles y aceras. El final, previsto, es sorprendente pero real. Un estudio detallado por medio de una periodista que indaga un crimen, convertido en anécdota y en las palabras fluyentes de una niña. Alexander Obando, con maestría, y siguiendo la línea de su narrativa, nos cuenta una historia en dos planos, en donde las dos protagonistas, Nikky y Krys, miran el cortejo funerario de Lady D. Es una descripción de los deseos, la decadencia de un mundo y dos cuerpos que se acercan o se separan, en la ilusión de estar y luego difuminarse. Un lenguaje rico en detalles, descripciones, con una frase final muy propia de la inteligencia de Obando: No existe en el mundo tierra más fértil que la de un cementerio. Tríptico, de Laura Fuentes, es un ejercicio de lenguaje y ficción. Es un cuento de múltiples cuentos posibles que se evapora entre el viento, la luna y un baúl ajeno, y propio, según sean las circunstancias. Un hermoso ejercicio de palabras. Y colorín colorado que el próximo libro sea: Amar en San José, Morir en la Oculta, Sobrevivir en la descubierta, Existir en la descampada. Etc. [Alfonso Chase]

parceiros da agulha nesta seção

Livros para Agulha deverão ser enviados aos editores, nos endereços a seguir: Floriano Martins - Caixa Postal 52874 Ag. Aldeota - Fortaleza CE 60150-970 Brasil Claudio Willer - Rua Peixoto Gomide 326/124 - São Paulo SP 01409-000

revista de cultura # 61

fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2008

discos da agulha 1. Kill Hollywood me, de Britta Persson. Selo Bonnier Amigo. Janeiro de 2008. Visite: www.brittapersson.com. Britta Persson é mais um talento promissor oriundo da Suécia, o país do pop perfeito. Com sua aparência de nerd universitária, Britta decidiu empunhar seu violão folk e soltar a voz para cantar todas as suas amarguras. Apresentou-se ao lado de Kristofer Åström e gravou, em 2004, dois CD's caseiros para registrar e divulgar suas composições, marcadas pela extrema melancolia. Começou distribuindo-os a quem se interessasse. E o resultado foi a venda de duas mil cópias. Em 2005, é a vez do lançamento do EP Found At Home. Essencialmente acústico, com discretas pitadas de percussão e alguns backing vocals quase imperceptíveis. Cinco canções curtas e dolorosas (destaque para a clássica “Defrag My Heart”, gravada anteriormente no 1º CD caseiro) que ela interpreta quase chorando, como em “When You Leave” e “StockholmAmsterdam”. Legítimos lamentos folk que nos remetem a outras divas do estilo, como Joni Mitchell e Suzanne Vega. No ano seguinte, o 1º CD propriamente dito. Sem perder sua habitual melancolia e a voz sempre chorosa, Britta acrescenta a algumas músicas de Top Quality Bones And A Little Terrorist outros instrumentos, como teclados (“Winter Tour”, “Low or Wine” ), violino (“This Spring”), acordeon (“Bellamy Straat Straat”), discretos ruídos (“Train Song”) e a participação de outros

artistas (Åström divide os vocais em “Bummer Summer”). O destaque fica para “You Are Not My Boyfriend”, com sua levada ironicamente dançante. Em janeiro de 2008, Britta surpreende com o novo álbum Kill Hollywood Me, uma agradável e deliciosa surpresa. Com raro talento para compor belas melodias, preferiu economizar nos violões folk para abusar das guitarras e teclados. Provável incômodo para os fãs mais puristas de sua fase acústica. Cliffhanger abre caminho para mostrar essa nova fase. Um rock feito com capricho, recheado de guitarra, piano e bateria, pronto para grudar nos seus ouvidos por tempo indeterminado. Logo a seguir temos “At 7”, com sua batida contagiante e o refrão entoado em coro, um exemplo do esmero dedicado às vozes em suas novas composições. E o velho e bom violãozinho também comparece, embora nunca sozinho, nas faixas “In Or Out”, “Kill Hollywood Me”, “Can I Touch” e “Car Song”. Kill Hollywood Me é, de longe, o melhor trabalho da musa nerd que já foi anunciada como uma das próximas atrações do heróico projeto Invasão Sueca para 2008. Enquanto o boato não se concretiza, aproveite para conhecê-la melhor. Só não me venha, depois, reclamar que apaixonou-se também por ela perdidamente. [André Assis]

2. Jukebox, de Cat Power. Matador Records. 2008. Visite: www.catpowerthegreatest. com. Desde o lançamento de The Greatest, em 2006, Chan “Cat Power” Marshall tem dividido opiniões entre os fãs. Após passar por um tratamento de desintoxicação devido ao consumo excessivo de álcool, há quem a acuse de tornar-se uma cantora mais comercial. Quem acompanha seu trabalho, lembra muito bem daquela menina de camiseta e calças jeans, com o cabelo no rosto, empunhando guitarras distorcidas e berrando a plenos pulmões. Era a típica cantora maldita, tímida nos palcos, que esquecia as letras, cantava de costas e tocava nas piores espeluncas. O fato é que a moça, agora, tem experimentado uma nova fase em sua carreira, compondo músicas mais elaboradas, acompanhada por excelentes músicos e sua voz nunca soou tão bem.

Jukebox, o mais recente trabalho, teve seu lançamento anunciado pela Matador Records para o dia 22 de janeiro de 2008. A relação e a ordem das músicas, no entanto, sofreram algumas alterações, ao contrário do que havia sido divulgado pelo site da gravadora. Há, inclusive, uma edição limitada contendo um CD bônus com mais cinco músicas. O CD, em sua versão alterada, já circulava livremente pela internet desde o início do ano. Parte desse repertório foi apresentado em suas últimas turnês, inclusive na última edição do Tim Festival em 2007. A exemplo de Cover Records (2000), Jukebox é um disco de covers. O que também se assemelha entre ambos é a capacidade de Chan para recriar músicas alheias a ponto de, praticamente, tornar-se sua co-autora (quem já ouviu “(I Can't Get No) Satisfaction” dos Rolling Stones no CD de 2000, sabe muito bem do que estou falando). Mas, ao contrário do trabalho anterior, cujos arranjos eram mais econômicos - limitados à presença discreta de violões, guitarras e piano -, em Jukebox Cat Power vem acompanhada por uma banda completa (a Dirty Delta Blues, formada por músicos de primeira). São 12 faixas com músicas do repertório de Frank Sinatra, Hank Williams, James Brown, Bob Dylan, Joni Mitchell, Billie Holiday, Janis Joplin, entre outros, além de composições da própria (“Metal Heart”, presente no CD Moon Pix de 1998, e “Song To Bobby”, dedicada a seu mestre Bob Dylan). Logo de início, somos surpreendidos por “Theme From 'New York, New York'”, imortalizada por Frank Sinatra e a qual você reconhecerá apenas com o encarte das letras nas mãos. Esqueça o famoso musical de uma New York repleta de luzes. Sob o comando de Chan, ela transformou-se num pungente blues. O mesmo acontece com um antigo sucesso do lendário cantor country americano Hank Williams (que, ironicamente, morreu em decorrência de coma alcoólico). “Ramblin' (Wo)man” é resgatado de um baú empoeirado do Alabama para adquirir o status de um dos mais belos e comoventes blues das últimas décadas. Chan Marshall também não se intimidou ao interpretar “Don’t Explain” eternizada pela diva do blues Billie Holiday. Manteve a mesma melancolia, com a inconfundível marca “Cat Power”. O mesmo não se pode dizer de “Woman Left Lonely”. Insuperável na voz de Janis Joplin, Chan Marshall optou por uma interpretação mais discreta. Um dos pontos altos de Jukebox fica com a regravação de uma de suas próprias músicas: “Metal Heart” soa mais visceral do que nunca.

Seus fãs, certamente, irão se dividir. Mas o fato é que Jukebox é um de seus melhores trabalhos. Um concorrente de peso ao título de Melhor Álbum de 2008. [André Assis]

3. Momentos, de Gerardo Alfonso. Unicornio Producciones Abdala. 2002. Contacto: [email protected]. Visite: www.abdala.cu. - He aprendido que integrar elementos disímiles que tengan relación hace el producto más fuerte. No creo en la pureza ni de las razas, ni de los géneros musicales, ni de las literaturas, ni de los lenguajes. Es como si la diversificación y la mixtura de los elementos hiciera los troncos más sólidos y los resultados más poderosos. El instinto universal es a mezclarse. En cuanto a la música es lo mismo… los irlandeses con un violín, los otros por aquí con un charango, los africanos con unos tambores y al final las músicas vuelven a mezclarse y surge el jazz, el spiritual y se mezcla con el country, que es un derivado de las sonoridades celtas. Instintivamente -como me gusta tanto lo que produce el hombre para bienvoy asimilando y trato de reproducir todo lo que asimilo en forma diferente. A veces hago los géneros tal y como están concebidos; a veces los mezclo y produzco mi propio género que es, por ejemplo, el guayasón… Mi naturaleza está vinculada al criterio de juntar, de coleccionar. [Gerardo Alfonso, fragmento de uma entrevista a Estrella Díaz, 2005]

4. Pura Chonta, de Grupo Bahía Trio. Estúdios Takeshima. Cali, Colombia. Contacto: [email protected]. Además del trío andino de tiple, guitarra y bandola, o del trío vallenato de acordeón, caja y guacharaca, en el Pacífico colombiano ha surgido un conjunto instrumental integrado por la marimba de chonta, los cununos y el bombo o tambora, que mantiene el sabor autóctono de

la música que interpreta y la polirritmia que le es propia. Originado en la parte sur del Litoral, debutó con gran acogida en el V Festival de Música Petronio Álvarez, de la mano de Hugo Candelario González, el director del Grupo Bahía. Sorprendió por su sonoridad, el armonioso complemento entre percusión y melodía, y la variedad de aires y géneros musicales que puede ejecutar. Resultó un descubrimiento musical muy interesante que propone libertad en el uso de los instrumentos, siendo ésta una característica de las músicas tradicionales. La verdad es que, si bien lo usual en un currulao es la integración del conjunto con dos o tres cununos, dos bombos, una marimba, cantadoras y guasás, también es frecuente que se produzcan combinaciones diversas, que sorprenden por su variedad y riqueza musical. Pueden apreciarse, en Guapi, Timbiquí y otras poblaciones, grupos callejeros en los que varias cantadoras con Guasás se acompañan de uno o dos bombos y uno o dos cununos, recorriendo la población desde la madrugada y entonando bundes, jugas, currelaos, bambucos viejos, arrullos etc. También es común ver la participación de una o dos flautas en el conjunto de marimba. A veces, jóvenes que cantan y se acompañan con las palmas, desfilan en bailes callejeros acompañados de un bombo y un palo de guadua que se percute con baquetas, en remembranza del tradicional carángano. El trío del Pacífico es una de esas combinaciones especialmente afortunada, porque está al alcance tanto del músico autóctono como del académico. Al ser de carácter ocasional, y al no formar parte de los conjuntos “reconocidos folkloricamente” se rige por la improvisación, en especial de la marimba, lo que requiere de ejecutantes con especial capacidad, y tiene el potencial de sorprender en cada interpretación. Esa cualidad le permite incursionar en modalidades musicales con características similares, populares y modernas como el jazz, o también combinarse con otras músicas tradicionales. El trío de marimba, cununos y bombo, es una de las riquezas menos conocida de la música colombiana, pese a que está enraizado en una antigua tradición. [Germán Patiño]

5. Though, I'm Just Me, de Maia Hirasawa. Razzia Records. 2007. Visite: www. maiahirasawa.com.

Ela já esteve no Brasil em 2007 participando, com outras bandas, da 3ª edição do projeto Invasão Sueca (projeto que iniciou em 2006 e que contempla algumas capitais do País com novidades musicais da terra do pop perfeito). Mesmo ano em que lançou seu primeiro disco solo, Though, I'm Just Me. Apesar do nome, Maia Hirasawa é mesmo da Suécia (nasceu por lá no dia 5 de maio de 1980) e tornou-se conhecida através da banda Hello Saferide, de Annika Norlin. A princípio, contribuiu com alguns backing vocals no primeiro disco da banda (Introducing..., de 2007) até ser considerada, mais tarde, como a “outra metade” do Hello Saferide com a gravação do EP Would You Let Me Play This EP 10 Times a Day em 2006. Alguns EP's e singles depois – muito bem recebidos pelas rádios de seu país – Maia, finalmente, investiu num CD inteirinho só dela, recheado de delícias folk e indie pop. Em Though, I'm Just Me, sua voz extremamente adocicada e cristalina (lembrando bastante The Concretes, também sueca) está presente em onze músicas cujas letras revelam um pouco de sua vida pessoal e sentimental e ressaltam o valor da amizade. “Still June”, uma das melhores faixas, abre o CD delicadamente: apenas ela, violões e alguns backing vocals dão o tom para belos versos como “deveria ser inverno agora, mas meu coração ainda está em junho”. Mas logo o clima melancólico dá lugar à alegrinha “Crackers”, com a participação da conterrânea Miss Li, arranjos de metais e pianinhos. E por falar em piano, os teclados - uma especialidade de Maia - são presença constante na maioria das músicas. Entre os pontos altos do disco, estão a encantadora “You and Me and Everyone We Know”, com a presença de um grupo de crianças cantando e batendo palmas, seguidas por comoventes acordes de violoncelo e piano. E na alegríssima “And I Found This Boy”, que contagia tudo como um super animado musical (ou como se os Concretes resolvessem brincar de The Go! Team). Mas, infelizmente, o disco tem que acabar. Sentamo-nos, então, à sua volta. Ela dirige-se ao piano e, sob uma tênue luz, sussurra-nos os sensíveis versos de “Roselin”. De uma forma tão frágil e delicada quanto uma caixinha de música. [André Assis]

6. Brincos do mar e o infinito…, de Mário Montaut & Floriano Martins. Participação especial: Ana Lee. Produção dos Autores. Contato: [email protected]. Visite: www.mariomontaut.com. O mar não usava brincos nem era o Mário infinito ainda (rs). O Claudio Willer me apresentou ao Floriano Martins, ali no Conjunto Nacional da Av. Paulista. Lançamento do livro Cinzas do Sol, no ano de 2001. Nesse encontro estavam também Graco Braz Peixoto, Mona Gadelha e Contador Borges, todos recitando poemas de Floriano. Foi o início de nossa amizade e de nossas parcerias, que logo engendraram sete composições inspiradas nos temas da peça Sombras Raptadas, quatro delas incluídas neste disco. Vieram outras canções, novas parcerias e amizades. Ana Lee, sempre presente e cada vez mais envolvida na trama, cantou grande parte das músicas, fez vários duos comigo. Juntos, Ana e eu musicamos a letra "De todo coração", que o Floriano escreveu para nós. E tantas aventuras acontecendo nesse tempo. A feitura das canções, as infinitas horas de estúdio, as ilustrações e colagens do encarte, a constante troca de idéias, por e-mails, sempre, e na cidade de São Paulo, onde Floriano, Ana e eu tivemos a alegria de nos perder em horas de papo, reflexões, cinemas, teatros, tudo regado com bom vinho e excelente humor. Por intermédio do Floriano, tive a felicidade de compor com a Maria Estela Guedes, a Rosa Alice Branco e a Helena Vasconcelos, essas poetas portuguesas que me deram tanto prazer. Por ora não conseguiria mesmo falar num outro tom, que não o da amizade, cumplicidade e paixão, que resultaram neste álbum. 2, 3 Brincos do mar e o infinito … Em ciranda emergiram as jóias brincando na superfície d’água, marinha, e no horizonte o mar… e o infinito. Roberto Gava, Regina Hasegawa, Maria Estela Guedes, Rosa Alice Branco, Helena Vasconcelos, Brau Mendonça, Ozias Stafuzza e muitos, muitos se juntaram ao trio que assina a obra. Delicada tal o buraquinho que a menina faz na orelha para estrear o primeiro brinco. Impetuosa qual o mar. Cristalina aqui, obscura ali. Política e esteticamente incorreta, às vezes. Cânticos. Da paixão e outras graças. Por tudo isso e muito mais um disco quase genial (rs). E a razão é toda do Ozias ao dizer que só acredita no Mário infinito quando eu der um show de brincos. Brinco de beijos!!! [Mário Montaut]

7. Doce boleros míos, de Marta Valdés. Con

Rey Ugarte. Unicornio Producciones Abdala. 2003. Contacto: unicornio.abdala@cimex. com.cu. Visite: www.abdala.cu. Como anuncia el título del disco, Martha Valdés nos regala en esta ocasión doce boleros propios, obras que gozan de gran popularidad entre los amantes del género e incluso se han convertido en clásicos del repertorio bolerístico cubano e internacional. A su lado, el inconfundible guitarrista Rey Ugarte. Notas Discográficas: A quien pueda interesar: A finales del año 2004, puse en manos del amigo y colega Lázaro García una copia hecha en casa, de este disco cuya grabación yo me había costeado el año anterior y cuyos horizontes deseaba ensanchar por los caminos de un sello discográfico como Unicornio, al cual me unían experiencias anteriores. Esa copia estaba acompañada de una carta que pretendía conducir la audición de mi amigo a partir de mi propia visión del trabajo que habíamos desarrollado durante un año el guitarrista Rey Ugarte y yo. La noticia feliz de que mis deseos se verían coronados por el éxito al hacerse realidad el disco, venía acompañada de una invitación, por parte de Lázaro, a incorporar mi breve carta como nota introductoria a esta producción y llegó de esta forma: - Marta: ahí te va tu carta tal como me la enviaste: es, sin dudas, un excelente disco. (Lázaro). En mi disco verás que la guitarra está en un plano parejo a la voz. Eso es lo que quise. Lo grabamos en directo, salvo alguna palabrita o frase que hubiera que mejorar. No se cantar mejor, así que lo he dejado como vas a escucharlo. Lo que más vale es el haber grabado las melodías tal como las pensé, el haberlas fraseado (a veces queriendo hacer feeling, vamos, más allá de lo coloquial, a lo conversado). Rey Ugarte ha partido literalmente de mi armonía para hacer lo suyo. Es un guitarrista así y a mi me gusta su manera de enfocar mis cosas. Puede que a algún otro guitarrista - de hecho ha ocurrido - le parezca que hay mucho protagonismo del instrumento en este trabajo y no es así. Es que la proporción, en la idea misma, entre la guitarra y la voz, es - como diría Tata Güines - "fifty-fifty". Quiero que tengas presente esta óptica mía, que no es algo casual sino que se trata de un tejido contrapuntístico que bien puede someterse a análisis.

Gracias otra vez por acoger con cariño a esta criatura mía. Besos, [Marta Valdés]

8. Por La Habana, de Miriam Ramos. BIS Music. 2000. Contacto: bismusic@artexcm. colombus.cu. Visite: www.discuba.com. Una ciudad no son sólo sus edificios y monumentos o el trazado de sus calles sino el espíritu de sus habitantes, el genio o el carácter que haya podido marcarlos. La Habana es La Habana no sólo por el Prado, el Malecón o la Plaza de la Catedral sino por el legendario mito que su ser y su ánimo han ido creando en nuestra identidad. Y en ese mito – atravesado por una manera de ser intransferible, inimitable- alienta un poderoso mundo interior como el que se expresa aquí, ahora, en este bello universo habanero que nos regala Miriam Ramos, habanera ella misma, enamorada de los misterios de esta ciudad cantada por trovadores y rumberos; dibujada en sones y guarachas pero que llega hasta aquí de la mano de un grupo muy especial de músicos jóvenes que recrean esa mítica Habana revivida en los ensueños de Silvio Rodríguez, Marta Valdés, Amaury Pérez, Carlos Varela y Liuba María Hevia pasando por la visión de compositores –de generaciones precedentes- como son los maestros César Portillo de la Luz, Julio Gutiérrez y Fernando Mulens. Una Habana que no es sólo pátina sino energía incalculablemente fértil, porosa y, por ello mismo mestiza de alma y piel. La cubana que recorre todas las composiciones pertenece al imaginario nocturno de esta ciudad abatida físicamente tal vez pero triunfante en su historia y, sobre todo, en su porvenir. Una Habana que necesitamos todos: los que nacimos en ella, los que la vienen a conocer por vez primera o los que luchan por permanecer a su sombra para siempre. Esa Habana intangible es la que necesitamos y la que podemos paladear en la obra de arte que este disco es. [Nancy Morejón]

9. Cantar la trova, de Miriam Ramos. Con Pancho Amat. Egrem. 2005. Contacto: [email protected].

cu. Visite: www.egrem.com.cu. Desde que tengo memoria de mi relación con la música, estas canciones están a mi alrededor. Algunas de las que aparecen en este CD las he cantado ante el público en innumerables ocasiones, otras las ofrezco al oyente por primera vez. Pero cada una forma parte inseparable de mi vida personal –como cubana que soy al fin y al cabo- y de estos años en los que me he dedicado profesionalmente a la canción. Recuerdo que cuando daba mis primeros pasos en la Televisión –allá por los años 60- y a pesar de algunos defensores a ultranza de “lo más moderno” (generalmente foráneo) insistía yo en cantar estas canciones rebosantes de belleza, candor y cubana. Lo he seguido haciendo a lo largo de mis más de cuarenta años de carrera. El público cubano lo sabe bien: la Vieja Trova no es para mí “algo” a lo que echar mano para verme favorecida por las veleidades de la moda. Para abordar este trabajo he contado con el apoyo de Pancho Amat y sus músicos. Ha sido un verdadero placer grabar este disco con profesionales como ellos, que fundamentan su conocimiento de esta zona de nuestro cancionero en una auténtica veneración por eso que intentamos definir como lo “cubano”. Que usted disfrute estas canciones al escucharlas como nosotros al haberlas grabado, hará realidad el milagro de la música: compartirla. Si es así, entonces podremos ser –usted y nosotros- felices protagonistas de lo que alguien dijo alguna vez: “lo mejor que tienen los milagros es que suceden”. [Miriam Ramos]

10. The shapes we make, de Mary Timony. Kill Rock Stars. 2007. Visite: www. marytimony.com. Se existe uma cantora a quem podemos chamar de ilustre desconhecida, ela atende pelo nome de Mary Timony. Ex-integrante das extintas Autoclave (banda feminina de indie rock formada em 1990 que lançou apenas um disco em 1991 e desfez-se no mesmo ano) e Helium (banda que surgiu em 1992 e

sobreviveu até 1998, na qual substituiu Mary Lou Lord, mudando em muito a personalidade do grupo, com três CD's lançados pela Matador Records), Mary poderia muito bem figurar no rol das queridinhas indie rock dos anos 90, como Juliana Hatfield e Liz Phair. Em 2000, a cantora, guitarrista e tecladista americana estreou em carreira solo com o surpreendente CD Mountains. Repleto de arranjos que nos remetem a melodias medievais, com uma infinidade de teclados, violoncelos, flautas, delicados solos de guitarra e vocais suaves, em nada lembrava suas atuações como guitarrista riot-grrrl-lolita-blasé na barulhenta Helium. Os álbuns que vieram a seguir foram The Golden Dove (2002), que ainda mantinha resquícios do 1º trabalho solo, e Ex Hex (2005), em que a cantora passou a investir novamente no formato guitarra-baixo-bateria, numa sonoridade mais indie rock, sem perder seu estilo próprio e o vocal inconfundível. Em 2007, ela retorna como banda propriamente dita. Sob o nome de Mary Timony Band e acompanhada por integrantes da banda Medications (Devin – ex-namorado de Mary - na bateria e Chad no baixo), lança seu 4º CD, The Shapes We Make, em que são revisitados alguns elementos de seus trabalhos anteriores, de forma mais experimental. Nele, sobressaem-se as guitarras inspiradas de Mary, com solos e acordes inusitados, mesclando distorções com momentos introspectivos. Os destaques do álbum ficam por conta da inspirada e radiofônica “Each Day”, com um gracioso arranjo de teclados e versos reflexivos como “All we are is/The dust of stars/And a million molecules of things/We will never know...”. “Killed by the Telephone” e “Summer's Fawn”, com seus acordes e solos dissonantes. A hipnótica “Pink Clouds”, que lembra os experimentalismos guitarrísticos da banda Television. E a melodiosa e pianística “Window”, cujo lirismo, dominante em seu trabalho de estréia, se faz presente. Ilustre desconhecida que é, Mary Timony dificilmente será ouvida em rádios, comentada em resenhas ou agraciada com MTV Awards. De qualquer forma, fica o registro: é uma das melhores, ousadas, maduras e talentosas vocalistas/guitarristas/tecladistas da atualidade. E a prova disto está em The Shapes We Make, um de seus melhores trabalhos. Merece cinco estrelinhas. [André Assis]

parceiros da agulha nesta seção

Discos para Agulha deverão ser enviados aos editores, nos endereços a seguir: Floriano Martins - Caixa Postal 52874 Ag. Aldeota - Fortaleza CE 60150-970 Brasil Claudio Willer - Rua Peixoto Gomide 326/124 - São Paulo SP 01409-000

banda hispânica argentina Endereço postal, expediente e equipe

bolívia chile

honduras méxico nicarágua

colômbia

panamá

costa rica

paraguai

cuba el salvador equador

peru porto rico r. dominicana

espanha uruguai guatemala venezuela

dossiês

antología de la literatura paraguaya (teresa méndezfaith) césar dávila andrade (equador) jorge luis borges (argentina) juan antonio vasco (argentina)

.

Editorial "Hay cosas mágicas!" Escutei isto da boca de um poeta, o argentino Horacio Salas, na abertura do I Encontro de Poesia Latinoamericano, em Manaus (novembro de 2000), mas o encontro é história de que falo em outra oportunidade. Dou-me conta, sim, das coisas mágicas de que trata o poeta Salas. Inicialmente, num dia não muito distante, do fundo da revolta da orfandade à língua portuguesa, o surgimento do Jornal de Poesia. Em pouco tempo, mais de 2.000 poetas da lusofonia no ar. Depois, a constatação de que o mundo lusófono seria muito pouco. Ibéricos, pois! Navigate, Hiberia! Navigamus. Um dia, Hiberia, era mar, um mar de poente, e me arribei de ti.

Assim foi que escrevi em Salomão. Agora, a nova mágica: a ampla navegação ibérica, não apenas lusa, mas ibérica, este mundaréu de mar e chão de 1 bilhão de habitantes irmanados pela fala quase a mesma. E, quem sabe, um dia cheguemos à outra península, Latium, onde tudo, de nossa banda, principiou. O Jornal de Poesia não poderia ter feito escolha melhor para cuidar da Banda Hispânica: o poeta, crítico e tradutor brasileiro Floriano Martins, ele quem iniciou, ainda no papel e tinta, este trabalho que aqui faremos no virtual. Quando toda a intelectualidade brasileira virava as costas a este mundo novo, Floriano era um dos poucos que se correspondia com os poetas da América Latina. O projeto é fazermos a integração inicialmente com os hispânicos do Novo Mundo, tão próximos e inexplicavelmente tão distantes. Dentro de 1 ano queremos ter aqui pelo menos uns 30… 300… 3.000 poetas! Não há limites! Navigare necesse. Estamos apenas iniciando. Se vai crescer? E você tem dúvidas? A proposta inicial do JP era uma meia centena de poetas… Fechamos o 2000 com 2.007! E a Banda Hispânica é muito maior… aguardem. O projeto de Floriano Martins engloba tanto a reflexão crítica sobre os inúmeros poetas hispano-americanos quanto a mostra de sua poesia. A laboriosa equipe da Banda Hispânica é composta exclusivamente pelo tradutor, ensaísta, crítico de literatura, biógrafo e poeta, do Ceará para o mundo, o Floriano Martins. Nem o Jornal de Poesia, nem o seu editor, Soares Feitosa, interferem em nada na Banda Hispânica. Escreva para o Floriano.

Soares Feitosa

Revistas de cultura são o grande bálsamo propiciador de um diálogo imediato entre leitor e produção cultural. Em alguns momentos funcionam como verdadeiros manifestos de uma geração. Em outros, atuam como uma deusa de mil braços e mil olhos. Em sociedades definhadas por uma cultura monetária, firmam o único elo possível entre dois pólos indispensáveis. Na América Latina assumiram conotações diversas no decorrer do século XX, definindo posições tanto estéticas quanto políticas, segundo as circunstâncias de seu cultivo. A criação de um projeto como Banda Hispânica se aproxima desse universo, podendo ser visto como uma revista eletrônica, não no sentido periódico em que se costuma observar essa aventura editorial, mas no de difusão sistemática de focos de cultura que não habitualmente dialogam entre si. Importa-nos criar uma condição de conhecimento mútuo, saltando fora da corriqueira falácia em defesa de uma identidade cultural. Interessa, isto sim, acentuar a multiplicidade, dando voz às manifestações poéticas relevantes em todos os 19 países que constituem a América Hispânica, não sem incluir a própria Espanha, de radical importância para o desdobramento dessas culturas. Banda Hispânica compartilha a idéia de José Martí de que "conhecer diversas literaturas é a melhor maneira de livrar-se da tirania de algumas delas". O projeto define-se como a criação de um banco de dados permanente enfocando inúmeros aspectos ligados à poesia na América Hispânica e na Espanha. Seu desdobramento não está atrelado a um caráter periódico, mas sim à participação de todos aqueles que tenham contribuições

relevantes a apresentar. É nossa idéia criar condições diversas de diálogo, para tanto recuperando textos críticos publicados na imprensa, ao longo de décadas, ao mesmo tempo em que abrigando depoimentos de poetas e críticos, entrevistas, tudo quanto se relacione com a abrangência proposta. Desde já conclamamos a todos os editores de revistas de cultura que nos enviem, por meio eletrônico, textos vinculados ao tema, matérias circuladas em suas publicações, dignas de um acesso permanente, para que somemos esforços no sentido de burilarmos uma grande mesa de diálogo em torno da poesia hispanoamericana. Banda Hispânica será sua permanente revista eletrônica, lugar de encontro com a diversidade cultural de todo um continente. Sendo projeto original do Jornal de Poesia, encontra-se também vinculada à revista Agulha, em um enlace que reforça a idéia de que temos que concentrar forças em torno de projetos que possam contribuir para o enriquecimento e difusão de nossas culturas. Floriano Martins

projeto editorial do jornal de poesia editor geral e jornalista responsável

soares feitosa

coordenação editorial da banda hispânica

floriano martins

a

banda hispânica conta com a ajuda

valiosa dos correspondentes alfonso peña (costa rica), alfredo fressia (uruguai), américo ferrari (peru), bernardo reyes (chile), carlos m. luis (uruguai), carlos véjar (méxico), eduardo mosches (méxico), edwin madrid (equador), francisco morales santos (guatemala), harold alvarado tenorio (colômbia), jorge ariel madrazo (argentina), jorge enrique gonzález pacheco (cuba), josé ángel leyva (méxico), josé luis vega (porto rico), david cortés cabán (porto rico) e maría antonieta flores (venezuela) os dados curriculares de todos os poetas constantes da banda hispânica são de responsabilidade dos autores, cabendo unicamente aos mesmos quaisquer solicitações de alterações e atualizações. os poetas hispano-americanos que desejem participar da banda hispânica devem enviar, por meio eletrônico, seus dados curriculares atualizados, seleção de 5 poemas e resposta ao questionário abaixo: 1. ¿Cuáles son tus afinidades estéticas con otros poetas hispanoamericanos? 2. ¿Cuáles son las contribuciones esenciales que existen en la poesía que se hace en tu país que deberían tener repercusión o reconocimiento internacional? 3. ¿Qué impide una existencia de relaciones más estrechas entre los diversos países que conforman Hispanoamérica?

.

.

galeria de revistas ÍNDICE GERAL

exégesis (Porto Rico) [Floriano Martins] três revistas hispano-americanas: Archipiélago (México), Maga (Panamá), Matérika (Costa Rica) [F.M.] revistas hispano-americanas, I: um olho no passado recente [F.M.]

RETORNO PORTAL

revistas hispano-americanas, II: um encontro de duas linguagens [F.M.] triplov (Portugal): diálogo com Maria Estela Guedes [F.M.] rascunho (Brasil): diálogo com Rogério Pereira [Claudio Willer] jornal de poesia (Brasil): diálogo com Soares Feitosa [F.M.]

BANDA HISPÂNICA

digestivo cultural (Brasil): diálogo com Julio Daio Borges [C.W.] el artefacto literario (Suécia): diálogo com Mónica Saldías [F.M.] Jornal da ABCA (Brasil): diálogo com Alberto Beuttenmüller [F.M.] Fokus in Arte (Brasil): diálogo com André Lamounier [F.M.] Storm (Portugal): diálogo com Helena Vasconcelos [Maria João Cantinho] Babel (Brasil): diálogo com Ademir Damarchi [C.W.] Corner (Estados Unidos): diálogo com Carlota Caulfield [Maria Esther Maciel]

Arquitrave (Colombia): diálogo com Harold Alvarado Tenorio [F.M.] Fronteras (Costa Rica): depoimento de Adriano Corrales Arias Salamandra (Espanha): apresentação de Lurdes Martínez Tropel de Luces (Venezuela): diálogo entre Pedro Salima & amigos (Antonio Guerra, Luis Aníbal Velasquez, Mirimarit Parada, Jesús Cedeño y Eduardo Gasca) Iararana (Brasil): diálogo com Aleilton Fonseca [F.M.] Amauta (Peru): ensaio de Carlos Arroyo Reyes Portal de Poesía Contemporánea (Espanha): depoimento de maría martín arévalo Alforja (México): diálogo com José Vicente Anaya & José Ángel Leyva [F.M.] Capitu (Brasil): diálogo com Edson Cruz [F.M.] Común Presencia (Colombia): diálogo com Gonzalo Márquez Cristo & Amparo Osorio [F. M.] Cult (Brasil): diálogo com marcelo rezende [C. W.] Malabia (Espanha): diálogo com Federico Nogara [F.M.] Vaso Comunicante (México): diálogo com Ludwig Zeller & Susana Wald [F.M.] Matérika (Costa Rica): diálogo com Alfonso Peña & Tomás Saraví [F.M.] Palavreiros (Brasil): diálogo com José Geraldo Neres [C.W.] Piel de Leopardo (Argentina): diálogo com Jorje Lagos Nilsson [F.M.] Blanco Móvil (México) 1. Diálogo com Eduardo Mosches [F.M.] 2. Diálogo com Eduardo Mosches [F.M.]

Literatura on line (Brasil): diálogo com Laudemir Guedes Fragoso [Edson Cruz] Suplemento Literário Minas Gerais (Brasil): artigo de José Aloyse Bahia Telescópio (Brasil): diálogo com Everi Rudinei Carrara [C.W.] Alpha (Chile): depoimento de Eduardo Barraza Agulha (Brasil): diálogo entre os editores Decir del agua (Estados Unidos): diálogo entre Reinaldo García-Ramos & Jesús J. Barquet Tsé-tsé (Argentina): diálogo entre Reynaldo Jiménez & Pedro Favaron O Escritor (Brasil) 1. Jornal: diálogo com Erorci Santana [F.M.] 2. Revista: diálogo com Izacyl Guimarães Ferreira [C.W.] Punto Seguido (Colombia) 1. Depoimento de Oscar Jairo González 2. Pacto con la lujuria de la palabra [diálogo com os editores], por Eugenia Sánchez Nieto 3. La revista entrevista [diálogo com os editores], por Lucila Nogueira Letra Voz (México): carta de su editor, Margarito Palacios Maldonado

editores da agulha

. ..

.

galeria de manifestos

Parte significativa da cultura, no que diz respeito a defesas estéticas e de comportamento, tem sido prenunciada, evocada, combatida, polemizada, através de manifestos, textos volantes que despertam interesse, sobretudo, pela clareza e contundência com que as idéias ali são expressas. Manifestos foram, por exemplo, arma valiosa na exposição de temas e conflitos que marcaram o buliçoso período das vanguardas na primeira metade do Século XX. Ao longo da história há certas circunstâncias que alcançaram justamente em seus manifestos uma temperatura bem mais envolvente e reveladora do que as próprias obras ou renovações estéticas neles anunciadas. A Agulha inclui agora em sua agenda uma Galeria de Manifestos, a exemplo de nossa Galeria de Revistas, através da qual tanto apresentaremos manifestos atuais quanto faremos registro, para gozo e consulta de eventuais interessados, de manifestos de épocas anteriores. Leitores interessados darão contribuição imensa se nos revelarem novos textos, que nos dispomos desde já a publicar. Abraxas Primer Manifiesto Nadaísta 1958 Apartes [Bogotá, 1958] Surrealismo, Frida Kahlo & Eugenio Granell [Lisboa, 2006] Arte livre, imagética, espontânea [São Paulo, 1965] Manifesto 2006. Arte, Poesia e Vida [Paris, 2006] Manifiesto de los manifiestos, de Vicente Huidobro [Paris, 1925] Manifestos del Movimiento Lúdico [Chile, 2006]

hélio rôla &

floriano martins acesso às obras

óleo de trevas

últimas pistas

teatro de sombras

afrescos do inferno

quimeras

as tintas negras do jardim

catálogo secreto

altares do caos

provas finais

retratos falados

erografias

sobre os artistas Nasci Francisco Hélio Rola, em 1936 em Fortaleza, onde ainda vivo com minha esposa Efímia, 4 cães pé-duro (Rocinha, Canela, Trocim e Manchito) e uma gata, a Hortência, que já tem mais de 10 anos. Tenho dois filhos, André e Sylvia e uma neta, a Bárbara, todos vivem no Rio de Janeiro. Cresci filho de uma modesta família na periferia da cidade de Fortaleza. Minha mãe cuidava da casa como todas as mães, enquanto meu pai, garçom, mantinha-se ganhando uma miséria de trocados dos clientes em um atraente bar-restaurante

Averiguar pistas que nos levem ao nosso próprio passado, à infância, aos abismos familiares, sempre foi algo que me interessou mais no plano poético do que mesmo em termos de anotação cronológica: o mergulho nas zonas obscuras ou pouco visitadas de uma biografia como aventura poética. Ir ao encontro de personagens fundamentais, não somente parentes, que de alguma maneira contribuíram, quase sempre sem que jamais o tenham percebido, para a minha formação. Ao trazer tais figuras para a cena de um livro, por exemplo, onde

no centro da cidade, chamado Magestic, e que, na época, era ponto de encontro de personalidades importantes da cidade, como políticos, policiais, intelectuais e artistas. Alguns deles, de algum modo, contribuiriam para o meu envolvimento com a arte e com a ciência. Despertei, criança ainda, para o desenho ao grafitar calçadas e muros da vizinhança com troços de carvão – o gás de cozinha da época -, cacos de telha e pedaços de tijolo branco. Assim, fui alfabetizado e introduzido ao desenho e aos trabalhos manuais nessa e por essa vizinhança. Criança ainda, aconselhado por artistas, amigos e clientes de meu pai, freqüentei, por pouco tempo, a Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP), até o dia em que adotaram aulas com modelo feminino nu… Eu era menor, 9-10 anos. Com uma bolsa de estudos de um político amigo da família estudei em um bom colégio da cidade, conhecido pelo valor de seus professores, onde despertei para as ciências, notadamente a química, que passei a ensinar, além de tomar gosto pela filosofia por conta da excelência das aulas do professor Fernando Maia que também ensinava história. Após o curso médico fiz pós-graduação na USP e desde então me dedico à pesquisa na área biológica. Até então, nada fazia de arte quando em uma missão científica, em Nova York (67-70), por conta da influência de um amigo pintor americano, Joe Tobin e de sua mulher Margaret, escritora, voltei a pintar, desenhar. Nesta ocasião freqüentei, entre 6869, a Liga do Estudante de Arte de Nova York. Mais tarde, durante outra missão científica, em Paris (7981), ao lado da ciência, dei seguimento ao meu fazer artístico e acabei realizando uma exposição, “L’artisanat du quotidien”, em um centro cultural da região parisiense, em Meudon La Forêt. Desde então me envolvo com arte e ciência e, ao lado de várias tentativas artísticas, fotografia, pintura, desenho, gravura etc., no momento me dedico a “montar” e enviar para uma expressiva lista de endereços eletrônicos, de uma ampla gama de interesses, que vai da arte à ciência, da política ao trivial, um e-mail que chamo de rolanet -, que é uma imagem minha, foto, desenho, pintura, gravura etc. junto a um texto reflexivo, seja do neurobiólogo chileno Humberto Maturana ou do filósofo francês Michel Serres, ou de poemas dos poetas amigos Floriano Martins e do mexicano José Ángel Leyva. Às vezes me lanço solo, e digo algo. Para que serve tal arte? Me perguntam. Um amigo me disse que, a partir de sua própria experiência, ela poderia ser vista, lida e pensada como podendo alterar o tom reflexivo e estético do cotidiano daqueles que a recebem… (mas, como?) Haveria arte nisso?

naturalmente são mescladas com as artimanhas do desejo e as perversões da memória, elas ganham uma vida em grande parte distinta daquilo que realmente foram. Este humor alquímico tem sido um componente substancioso em minha poesia desde o momento em que passo a me situar em cena, ou seja, desde quando percebo a mim mesmo como personagem daquilo que escrevo. De alguma maneira, nos primeiros livros eu não participava da criação senão como um narrador, distanciado. Esta mudança de perspectiva não se deu apenas por efeito de leitura, mas antes por um acidente familiar, o coma que apanhou minha avó materna quando eu estava com pouco mais de 30 anos. Vê-la ali inerte no leito me provocou uma comoção interna, cujas fagulhas naturalmente foram despertando toda a experiência até então adormecida, misturando as tintas do vivido, existencial e intelectualmente. Foi quando perderam o sentido as demarcações entre arte e vida, e também as delimitações de gênero na criação artística. É o momento em que escrevo um livro intitulado Cinzas do Sol (1992), que excita toda uma nova maneira de encarar tanto a criação poética quanto a própria existência. O humor acima referido me levaria a dizer que a arte é fruto de uma avaria, de um desastre. A rigor, é isto mesmo, desde que não pensemos em tais fatos com os olhos de um desses catastrofistas de plantão que percebem os acidentes unicamente pela lente do fracasso. Sendo ininterrupta a existência – a morte não nos leva assim tão fácil como se imagina –, tudo aquilo que se desfaz essencialmente se refaz. Assim é que a cena da avó materna prostrada ao leito refaz em mim todo um cenário múltiplo de figuras com as quais convivi e a memória de alguma maneira havia apagado, e o faz não como uma recordação, mas antes trazendo tais personagens para um tablado de confronto com o presente, atualizando o convívio entre passado e futuro, bagunçando mesmo o coreto da existência. É o que faz a arte em seu sentido mais vertiginoso e essencial: pôr em confronto as coisas. Provocação, estímulo, investida, tudo isto passa a ser ambiente procriador de uma outra linguagem que define a poesia para mim. E tudo isto chama para o palco, para o fundo de cena, porque o convívio humano é mesmo teatral, somos sempre a representação de algo. Dentre as figuras inúmeras que conheci antes do coma de minha avó, destaco aqui a do artista Hélio Rola, pois estive em sua casa algumas vezes ali por volta de meus 17 anos. Ele não era propriamente um guru entre a clandestinidade artística dos anos 70, por mais que a provinciana Fortaleza então se organizasse espiritualmente como uma maquete mágica de Paris, porém sua casa, na Praia de Iracema, bairro underground à beira-mar, era visitada por todo o frenesi da época. Toda essa camarinha de hippies, desocupados, alienados, transeuntes do abismo, já sabemos no que deu: gente frustrada que se filiou ao poder de turno. Uns poucos enlouqueceram de abismo. Uma fatia ainda menor resiste, porém refeita pelo desfazimento de um sonho. E foi exatamente movido por esta confluência acidental que me reencontrei com Hélio Rola 20 anos depois. Enumerar coisas que fizemos, como as viagens ao México, minha curadoria de uma exposição dele, parcerias em revistas e livros, enfim, tudo isto tem aquele sabor bibliográfico que pode ser enumerado em

outro momento. Importa essencialmente referir-se à nossa parceria como uma afinidade existencial, este nosso jeito distinto de encarar o mesmo abismo, a aceitação do outro, a maneira como descarnamos a experiência de vida. Somos o outro, o mesmo um do outro. E nos descarnamos a nós mesmos em tudo o que fazemos.