INDULTO E AS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS Mariana Iannarelli do Couto Colodette1 Hassan Magid de Castro Souki2 Banca Examinadora³ Resumo: Com o intuito de demonstrar as características da benesse de indulto e analisar o conflito de interpretações quanto à redação imprecisa do referido decreto, faz-se necessária a busca aprofundada sobre os entendimentos dos Tribunais Superiores e doutrinadores, a fim de singularizar um posicionamento e explanar o princípio da razoabilidade como o balizador da sanção penal. Palavras-chave: indulto; penas; penas privativas de liberdade; penas restritivas de direitos. Sumário: 1. Introdução; 2. Breve Histórico; 2.1. Indulto; 2.2. Conceito; 2.3. Natureza Jurídica; 3. Penas restritivas de direitos; 3.1. Conceito; 3.2. Características; 3.3. Espécies; 3.4. Conversão; 3.5 Da possibilidade de concessão do indulto aos condenados a penas restritivas de direitos; 4. Considerações finais; Referências

1. INTRODUÇÃO Como manifestação da Soberania do Estado, o indulto revela-se verdadeira complacência do Poder Público, consistindo no benefício concedido privativamente pelo Presidente da República, que significa o perdão da pena, concedido de forma individual, ou coletivo, ampla ou restritivamente, a preencher os requisitos, objetivos e subjetivos da lei. Tal benesse objetiva por sua vez fazer desaparecer as consequências penais da sentença, que, quando da aplicação do instituto possibilita a extinção da punibilidade ao condenado beneficiado. Conforme minuciado ao longe deste estudo, a concessão do indulto não está condicionada ao cumprimento da pena em privação de liberdade. A discussão, portanto, gira entorno da possibilidade de concessão do indulto ainda que tenha havido a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direito. Desta maneira, surgem políticas criminais pelas quais o aprisionado, mesmo que a sentença que o condenou esteja transitada em julgado (em definitivo), e assim com as penas específicas fixadas para o seu cumprimento, poderá se ver solto e ver suas penas tidas como “cumpridas” em período consideravelmente anterior àquele fixado pelos tribunais. Isto é, verá extinta a sua punibilidade, conforme art. 107, inciso II do Código Penal Brasileiro e não poderá mais ser punido pelo ato que cometeu e foi julgado. Trata-se de um benefício concedido ao autor de um crime por órgãos diversos ao do Poder Judiciário, “inspirados por conveniências políticas ou por espírito de humanidade” (FRAGOSO, 1983, p. 410). A metodologia utilizada será o método dedutivo, no qual consistirá uma abordagem bibliográfica dentre doutrinas e jurisprudências, principalmente abordando o princípio da razoabilidade na aplicação do indulto às penas restritivas de direitos. 2. BREVE HISTÓRICO Nos moldes do Decreto Presidencial n°7.648 do ano de 2011, art. 1°, XII, temos a concessão de indulto às pessoas, nacionais e estrangeiras que forem condenadas à pena privativa de liberdade, desde que substituída por pena restritiva de direito, na forma do art. 44 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, ou ainda beneficiadas com a suspensão condicional da pena, que tenham cumprido, ainda que por conversão, privadas de liberdade, até 25 de dezembro de 2011, um quarto da pena, se não reincidentes, ou um terço, se reincidentes. Referida hipótese de indulto foi inaugurada pelo Decreto n° 7.046/09, que prevê a concessão do instituto do indulto às pessoas condenadas à pena privativa de liberdade, desde que substituída

LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685

por pena não privativa de liberdade, na forma do art. 44 do Código Penal, que tenham cumprido, ainda que por conversão, privados de liberdade, até 25 de dezembro de 2009, um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes. A partir de então, os Decretos de indulto dos anos seguintes repetiram, com pequenas alterações, a redação do inciso IX, prevendo a possibilidade da concessão do indulto aos sentenciados aos quais foi deferida a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. O artigo 1º do Decreto nº 4.904/03, diferentemente da tradição dos demais decretos de indulto, suprimiu a possibilidade de extensão à pena restritiva de direito, no mesmo âmbito em que aborda sua aplicação acerca das penas restritivas de liberdade. Sua redação diferenciar-se-ia daquela do Decreto de nº 4.495 de 2002 que, em seu artigo 1º, inciso VI, previa a extinção de punibilidade ao condenado beneficiado com suspensão condicional da execução da pena até 31 de dezembro de 2001, ou que teve a pena privativa de liberdade substituída por pena restritiva de direitos (SZNICK, 1999, p. 98). Embora o breve período de tempo, algumas questões parecem terem sido “dogmatizadas”, no sentido da sacralização de determinados entendimentos jurisprudenciais, e começam a ser irrefletidamente aplicadas. 2.1. Indulto A teor do disposto no art.84, XII, parágrafo único da Constituição Federal, é de competência privativa do Presidente da República a confecção do decreto de indulto, podendo ainda delegar tal atribuição aos Ministros de Estado, Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, sob observância dos limites traçados nas respectivas delegações. Tem-se que, “o indulto decorre de ato de favor, discricionário do Presidente, que não só pode deixar de concedê-lo a seu livre critério de conveniência e oportunidade, como também lhe é lícito impor-lhe restrições e condições” (TJSP, Ag. 215.234/3-1, 2a camara, rel. Des. Canguçu de Almeida, j. em 2-12-1996, RT, 738/627). E ainda, trata-se de competência constitucional insuscetível de limitação por lei ordinária, à luz do art.84, XII da CR/88. Embora a concessão de tal instituto seja de competência privativa, como já mencionado, não é autoexecutável e se traduz em mera expectativa de direito, tanto que sua aplicação depende de decisão judicial, cabendo ao juízo verificar o preenchimento dos requisitos exigidos, identificando os condenados que serão alcançados pela benesse presencial, por sua vez, através de sentença de natureza declaratória.

136

CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA

O indulto poderá ser individual ou coletivo, sendo em primeira hipótese concedido a apenas um condenado, ou na segunda, alcançando determinado grupo de condenados. O indulto individual por sua vez (graça), pode ser total ou parcial, alcançando todas as sanções impostas ao condenado na primeira hipótese, e na segunda, sendo aplicável de forma restrita, implicando a redução ou substituição da sanção aplicada, nominado para tanto de comutação. A petição do indulto, conjuntamente com os documentos que devidamente deverão instruí-lo, será entregue ao Conselho Penitenciário, para elaboração de parecer, salvo quando ele for o órgão requerente e posteriormente encaminhado ao Ministério Público de Justiça (art.189 da LEP). Em seguida, nos termos do art. 190 da Lei de Execuções Penais: O Conselho Penitenciário, à vista dos autos do processo promoverá as diligências que entender pertinentes e fará, em relatório, a narração do ilícito penal e dos fundamentos da sentença condenatória, a exposição dos antecedentes do condenado e do procedimento desde depois de sua prisão, emitindo seu parecer sobre o mérito pedido e esclarecendo qualquer formalidade ou circunstancias omitidas na petição. Processada no Ministério da Justiça e com relatório do Conselho Penitenciário, nos moldes do art. 191 da LEP, a petição será submetida neste momento a despacho do Presidente da República, a quem serão remetidos os autos. O indulto individual poderá ser admitido ou negado, e uma vez concedido, o juiz da execução (art.66, III, f da LEP) declarará extinta a pena ou ajustará a execução aos termos do decreto, no caso de comutação (mera redução de pena). Já o indulto coletivo é ato não provocado, portanto de manifestação espontânea da autoridade competente a uma classe específica, veiculado por meio também de decreto, e tendo como objetivo alcançar um grupo de sentenciados que se encontram em determinada situação jurídica em comum (MARCÃO, 2009, p. 295). O Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de decidir que “é admissível em tese a aplicação do indulto coletivo, quando a condenação, embora pendente de recursos de defesa, já não pode ser exasperada à falta de recurso da acusação” (STF, HC 71.691/1, 1A t., RE. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 9-8-1994, v.u., DJU). De acordo com o que sustenta a doutrina, somente após o trânsito em julgado definitivo da sentença condenatória, é que poderá o condenado ser indultado. Referido entendimento é mais benéfico ao condenado, haja vista que o instituto do indulto extingue apenas as consequências penais, persistindo, portanto, os efeitos extrapenais entre os quais, em exemplo, a obrigação de reparar o dano, e, sendo assim, se incidente o indulto, o condenado teria obstada a possibilidade de discutir na instância recursal eventual tese a ele mais benéfica. São passíveis da concessão de indulto os condenados que se encontrarem em livramento condicional ou no cumprimento de penas restritivas de direitos, por força da ausência de expressa proibição para tal. Concedido o indulto, seja em qual modalidade o for, seus efeitos poderão alcançar inclusive pena decorrente de condenação por crime de ação penal privada, já que nestas o Estado permite ao ofendido apenas o exercício do jus persequendi in judicio, e não o jus puniendi. Admite-se ainda, a soma de penas, nos termos do art. 111 da LEP, a fim de alcançar o tempo da pena indicado no decreto de indulto. No âmbito de concurso de crimes, se o decreto negar a concessão do benefício a um deles, o condenado não receberá a benesse, ainda que em relação aos demais crimes praticados em concurso atendam aos requisitos objetivos e subjetivos.

LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685

Em tese, caberá ainda o indulto quanto às medidas de segurança. Embora a prática não tenha seguido neste sentido, ante o fato de que, sem o exame de cessação da periculosidade não se pode dar por concluída a medida de segurança. Quando da aplicação cumulativa de multa, se a mesma não foi excluída expressamente pelo decreto presidencial, poderá ser afetada pela concessão do benefício. Há que se falar nos crimes que não admitem indulto individual, quais sejam, os hediondos e equiparados (CR/88, art. 5.°, inc. XLIII), e o não cabimento do indulto coletivo nos crimes hediondos haja vista a vedação expressa na lei dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/90, art. 2º). Segundo o Professor Luiz Flávio Gomes, o Presidente da República, no entanto, poderia sim conceder indulto coletivo para crimes hediondos, uma vez que a Constituição Federal nada diz sobre o âmbito. De qualquer modo, é certo que se tem excluído os crimes hediondos dos decretos de indulto coletivo (art.2, I, da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990; art. 44, caput, da Lei n° 11.343, de 23/08/2006). 2.2. Conceito Têm-se o seguinte entendimento: O indulto propriamente dito, ou indulto coletivo, destina-se a um grupo determinado de sentenciados e inclui os beneficiários tendo em vista a duração das penas que lhe foram aplicadas, além de outros requisitos subjetivos que poderão ser estabelecidos por lei. Pode ser total, com a extinção das penas, ou parcial, quando as penas são diminuídas ou substituídas, aqui se observa que não há uma extinção da punibilidade, mas somente uma diminuição na diminuição da “reprimenda”, ou seja, abranda-se a penalização. Diferentemente da graça, é espontâneo, como citado anteriormente de competência do Presidente da República sendo delegável (PERETE, 2010). Neste sentido, embora o art. 107, II, do Código Penal estabeleça a anistia, a graça, e o indulto como causas de extinção de punibilidade, a Lei de Execuções Penais, nº 7.210/84, refere-se apenas à anistia e o indulto como tais. 2.3. Natureza jurídica O instituto do indulto é de natureza coletiva e concedido de ofício, enquanto a graça por sua vez se dá em caráter individual e condicionada a prévia solicitação. O indulto é igualmente comparado à graça, subsistindo sua diferença à medida que a graça é individual, e o indulto por sua vez, coletivo. A sentença judicial que defere ou indefere o indulto (de forma plena ou parcial) tem natureza declaratória, de modo que, preenchidos os requisitos descritos no decreto indulgente, somente resta ao juiz da execução criminal declarar a existência do direito, cujos efeitos retroagem ao dia 25 de dezembro do ano em que foi editado. Tal natureza, que decorre das normas constitucionais, foi corroborada em alguns dispositivos do Decreto Indulgente de 2012, em que a Presidente da República teve a intenção de mencionar que cabe aos juízes de execuções criminais de todo país apenas “declarar” o direito ao indulto. Sendo assim, pode-se mencionar o artigo 3º, caput, e o artigo 4º, caput, do referido decreto, conforme abaixo se constata: Art. 3º-“Na declaração do indulto ou da comutação de penas deverá, para efeitos da integralização do requisito temporal, ser computada a detração de que trata o art. 42 do Código Penal e, quando for o caso, o art. 67 do Código Penal Militar, sem prejuízo da remição prevista no art. 126 da Lei de Execução Penal. (...)

137

CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA

Art. 4º-“A declaração do indulto e da comutação de penas previstos neste Decreto fica condicionada à inexistência de aplicação de sanção, homologada pelo juízo competente, em audiência de justificação, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, por falta disciplinar de natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal, cometida nos doze meses de cumprimento da pena, contados retroativamente à data de publicação deste Decreto” (sem destaques no original). Conforme colacionado, um acórdão fora proferido pelo Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos autos de arguição de inconstitucionalidade nº 0288492.04.2011.8.26.0000 [5], vejamos: Além do mais, destaca a boa doutrina, em comentário à lei 8.072/90, que ‘o poder de conceder indulto haure seu fundamento de validade diretamente do art. 84, inc. XII, da Constituição Federal, de sorte que essa atribuição discricionária do Presidente da República não poderia ser restringida pela legislação comum, senão por outra norma constitucional’ (JUNQUEIRA, 2010, p. 399). À vista disso, temos na sentença que tem por objeto o indulto e a comutação de pena natureza de caráter meramente declaratória, na medida em que o direito já fora constituído pelo Decreto presidencial concessivo destes benefícios. 3. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS A denominação “penas restritivas de direitos” não é entendida como a mais adequada, uma vez que de todas as modalidades de sanções sob a referida chancela, somente um se refere de fato à restrição de direitos, especificadamente, art. 43, V, do CP, interdição temporária de direitos. Segundo concepção de Maurício Antônio Ribeiro Lopes, as penas restritivas de direitos indicam “a ideia de restrição de outros direitos que não o de liberdade de locomoção ou penas alternativas à de prisão” (LOPES, 1999, p. 23). Nos termos do art. 44 do Código Penal, temos que, as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II - o réu não for reincidente em crime doloso; III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. De acordo com o entendimento do renomado doutrinador Cezar Bitencourt, no caput do art. 44 do CP consta a autorização de que as penas privativas de liberdade não podem coexistir com as penas restritivas de direito, pois estas são autônomas e substituem aquelas. 3.1. Conceito O art. 47 do Código Penal contempla como pena alternativa (restritiva de direitos) a prestação de serviços à comunidade e a limitação de fim de semana, além da interdição temporária de direitos, penas estas, substitutivas por sua vez autônomas. As penas restritivas de direitos estão elencadas no art. 43 do Código Penal, sendo elas, a prestação pecuniária, a perda de bens e valores, a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a interdição temporária de direitos e a limitação de fim de sema-

LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685

na; redação de acordo com a Lei nº 9.714, de 25/11/1998 e art. 147 a 155 da LEP. Estas penas são espécies derivadas das intituladas penas alternativas, se dividindo pelo critério de natureza em pecuniária como a própria prestação pecuniária e a perda de bens e valores, as de natureza restritivas de liberdade quais sejam recolhimento domiciliar, limitações de fins de semana e prestação de serviços à comunidade e a restritiva de direitos, compreendendo as efetivas interdições ou proibições, entende o doutrinador Cezar Bitencourt. Ainda, em regra, não são cominadas no preceito secundário das normas incriminadoras, de modo que, a princípio atuam na fase da sentença condenatória, substituindo a pena privativa de liberdade, vide art. 54 do Código Penal (BITENCOURT, 2010, p. 224). 3.2. Características Em casos de crimes dolosos, a pena privativa de liberdade não sendo superior a 4 anos e o delito não tendo sido praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, caberá a substituição, para crimes culposos não há limite de pena. Não poderá haver reincidência em crimes dolosos ou, na hipótese de reincidência, a substituição deve se mostrar socialmente recomendável, desde que não se trate de reincidência específica. Noutros termos, em se tratando de reincidência, apenas a específica impediria, de modo absoluto, a substituição da pena, na reincidência genérica confere-se ao juízo certo grau de discricionariedade. A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, assim como os motivos e as circunstâncias do crime, devem igualmente demonstrar que a substituição é suficiente. É passível de regressão o benefício da pena restritiva de direitos, que será convertida em privativa de liberdade, nas hipóteses de descumprimento injustificado das restrições contidas na pena restritiva de direitos concedida. Outrossim, a conversão só será possível se estabelecendo um saldo mínimo de detenção, ou reclusão, de 30 dias. Na hipótese de superveniência de nova condenação em pena privativa de liberdade, a conversão também se efetuará. Contudo, o juízo pode deixar de revertê-la se for possível dar continuidade no cumprimento da sanção anterior. 3.3. Espécies As penas restritivas de direitos se dividem em duas espécies, genéricas e especiais. A primeira espécie se dá quando da possibilidade de serem aplicadas em quaisquer infrações penais que não exijam uma pena restritiva específica, como multa, prestação de serviços à comunidade, prestação pecuniária, perda de bens e limitação de fim de semana. A segunda espécie, as especiais, são aquelas penas aplicáveis apenas em determinados crimes. A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada em destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a um salário-mínimo nem superior a 360 salários-mínimos. A perda de bens se valores, consiste na entrega de bens do condenado ao Fundo Penitenciário Nacional, considerando-se como teto o prejuízo causado pela infração penal cometida. Já a prestação de serviços à comunidade se dá no dever de prestar determinada quantidade de horas de trabalho não remunerado e útil para a comunidade durante o tempo livre, em benefício das pessoas necessitadas ou de fins comunitários. A limitação de fins de semana, outra espécie desta classificação, consiste na obrigação de o condenado permanecer aos sábados e domingos, por determinado período, em casa de albergado ou em estabelecimento adequado. A multa, pena pecuniária tradicional, con-

138

CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA

tém aqui um caráter substitutivo. E por derradeiro, a espécie consistente na interdição temporária de direitos, que se subdivide em proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandado eletivo, proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do Poder Público, suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo e proibição de frequentar determinados locais. 3.4. Conversão Extrai-se do art. 45 do Código Penal que, na substituição previsto no artigo anterior, qual seja art. 44, o qual versa sobre as penas restritivas de direitos em substituição às penas restritivas de liberdade, proceder-se-á na forma deste e dos arts. 46, 47 e 48 do mesmo diploma legal. O julgador, em análise do caso concreto e dentro dos critérios legais ao fixar a pena definitiva, verificando a quantidade de pena (não superior a 04 anos) ou a natureza do crime (culposo), constatando a presença de requisitos legais, deve fazer a substituição por uma pena restritiva (art. 59, IV, CP). Ademais, no caso de indivíduo que já se encontra em fase de execução da pena, o condenado que não obteve a substituição na condenação poderá ter nova oportunidade de concessão, mediante a conversão. Sob o entendimento de BITENCOURT (2010), temos ainda que “os requisitos à conversão das privativas de liberdade em restritivas de direito são os contidos nos incisos I a III do art. 44 do Código Penal e somente a implementação de todos eles autoriza a concessão do benefício”. 3.5 Da possibilidade de concessão do indulto aos condenados a penas restritivas de direitos Impreterivelmente, insta registrar que a redação imprecisa dos decretos de indulto dão margem a interpretações desvirtuadas à aquelas do seu intuito originário. Diante de diversos julgados em prol da aplicação do indulto para os condenados a penas restritivas de direitos o entendimento, embora aplicado em algumas ocasiões, vêm significativamente sendo considerado trivial e ameaçado pela proposta a ser apresentada ao Ministério de Justiça, pelo CNJ, que pretendeu retrogradar no tempo e instituiu, na redação do indulto de 2013, a impossibilidade de aplicação do indulto aos sentenciados em penas restritivas de direitos. Inicialmente, deve-se observar que o Decreto Presidencial não necessitaria, taxativamente, como fez nos últimos indultos publicados, mencionar sua incidência às penas restritivas de direito, visto nosso sistema de penas a ser estruturado a partir da pena privativa de liberdade. Toda tipologia das normas penais incriminadoras é composta pela adição de preconceito à sanção. Esta, por sua vez, é concentrada na pena privativa de liberdade, ou seja, não há previsão independente, de pena restritiva de direito para crimes específicos, como podemos constatar com simples leitura normativa: “as penas restritivas de direito são autônomas e substituem as privativas de liberdade” - art. 44, caput, CP. Sua aplicação, realizada pelo magistrado, segue o comando do art. 59, inciso IV do CP, meio pelo qual visualiza a possibilidade de substituição da prisão por outras espécies de pena. Do que se percebe da redação legal, a pena restritiva de direito é substitutiva à privativa de liberdade, devendo o juiz, ao verificar os requisitos do art. 44 do CP, operar sua aplicação. É o que entende a doutrina. Senão vejamos: A interpretação contrária à política de encarceramento mínimo encampada pelas penas e medidas alternativas se mostra desproporcional em face dos destinatários do art. 44 do CP,

LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685

quais sejam, os pequenos e médios infratores. Exigir que a pessoa, beneficiada pela substituição da pena, cumpra um período presa para ser contemplada pelo indulto afronta a política criminal do CNPCP, além de ser irrazoável, desproporcional. (grifo meu) (MARIATH, 2010) Amparado neste entendimento, o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão teve a oportunidade de decidir sobre a matéria, concedendo o indulto em agravo interposto pela Defensoria Pública do mesmo estado. Confira-se a ementa: PENAL - PROCESSO PENAL - AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL - DECRETO Nº 7.046/2009 - ART. 1º, INCISO IX - INDULTO CUMPRIMENTO DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS - CONCESSÃO - AGRAVO PROVIDO. 1. O Decreto nº 7.046/2009 estabelece, em seu art. 1º, inc. IX, que será concedido indulto às pessoas “condenadas à pena privativa de liberdade, desde que substituída por pena não privativa de liberdade, na forma do art. 44 do Código Penal, que tenham cumprido, ainda que por conversão, privados de liberdade, até 25 de dezembro de 2009, um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes”. 2. A alocução “ainda que por conversão”, deixa explícito que apenados ao cumprimento de penas restritivas de direito, também fazem jus ao benefício do indulto, e não só aqueles que cumprem penas privativas de liberdade. 3. Entender de maneira diferente seria simplesmente beneficiar condenados por crimes mais graves, em detrimento dos médios e pequenos infratores, uma vez que somente aqueles, cuja penas não poderiam ser substituídas, poderiam obter a concessão de indulto. 4. Não sendo o agravante reincidente, não possuindo faltas graves homologadas pelo Juízo, e tendo o mesmo cumprido 1/3 (um terço) da pena, deve ser concedido o indulto. 5. Agravo provido. Unanimemente. (Acordão nº113.293/2012. Data do ementário: 11/04/2012, D. Relator José de Ribamar Froz Sobrinho). Nesse sentido, conforme acima explanado, razões não existem para a não concessão de indulto ao sentenciado que teve sua pena convertida em restritiva de direitos, no entanto ainda existe julgados contrários a esta real e palpável vertente. Passemos a análise de diferentes decretos de indulto em sua linha de “evolução”. Quando da interpretação do o Dec. nº 1.242 de 1994, pode-se concluir que o mesmo dispensou a análise das chamadas “condições subjetivas”, consistente em exame psiquiátrico e testes psicológicos que apontem um “prognóstico de não reincidência”. Esse decreto teria, pois, dado por suficiente à concessão do benefício que o sentenciado, além de não se encontrar dentro das diversas restrições previstas e ter cumprido determinada fração da pena, revelasse adequado comportamento prisional nos últimos doze meses, o que não deixa de ser também uma forma indireta de avaliar as chamadas “condições subjetivas”. No entanto, não foi esse o entendimento que prevaleceu. Invocou-se, também o preâmbulo do decreto, na parte em que este proclamou “conceder perdão aos sentenciados em condições de merecê-lo e proporcionar novas oportunidades aos que se mostram recuperados para o convívio social”. Sustentou-se ainda que apenas os exames técnicos poderiam demonstrar se o sentenciado “merecia” o benefício e “estava recuperado para o convívio social”. Conforme se vê, a interpretação é um tanto forçada. Primeiro porque há uma ponderável diferença entre a avaliação de um comportamento social, de natureza mais objetiva (no caso do sentenciado em livramento condicional ou sursis), e uma avaliação personalíssima, que tem acentuado conteúdo subjetivo. Segundo porque, conforme

139

CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA

se sabe, preâmbulo não é norma legal, mas simples meio auxiliar de interpretação da norma; serve para facilitar a compreensão daquilo que o texto normativo contém, mas não tem força para se impor, quando o texto normativo nada diz a respeito. Noutro giro, o art. 4.º do Dec. nº 2.365 de 1997, ao contemplar com o benefício os condenados em regime de suspensão condicional da pena ou de livramento condicional, não contém a expressão “ter revelado condições pessoais favoráveis à permanência na comunidade”. Nesses casos, o simples fato de o sentenciado não ter cometido falta nos últimos doze meses, que consistiria na infringência às condições do LC ou do sursis, ensejaria a revogação desses benefícios, torna-o merecedor do benefício do indulto ou da comutação de pena, à luz desse decreto. É perceptível a diferença para com o próximo decreto em análise, no qual se eliminou a referência “aos que se mostram recuperados para o convívio social”, o que tornou, portanto, impossível justificar a complacência pelo fato de o sentenciado “estar recuperado”. Ademais, a benesse passou a ser um “estímulo ao esforço de ressocialização”. Nessa mesma linha encontra-se o Dec. nº 2.838 de 1998. O preâmbulo desse decreto também não contém a expressão “aos que se mostram recuperados para o convívio social”. Mas refere-se apenas “aos condenados em condições de merecê-lo (o indulto), proporcionando-lhes a oportunidade de retorno útil ao convívio da sociedade, objetivo maior da sanção penal”. Ora, no juízo do autor do decreto, condenados em condições de merecer o indulto são aqueles que preenchem os estritos requisitos elencados na parte normativa do texto, que são: a) não ter sido condenado ou não estar sendo processado por crime considerado hediondo, e outros especificados; b) não ter praticado falta disciplinar nos últimos doze meses; c) ter reparado o dano causado pelo crime, se solvente. O decreto que atualmente se encontra em vigor no Brasil em seu âmbito de abrangência no que diz respeito à quais indivíduos destina-se: Art. 1 Concede-se o indulto coletivo às pessoas, nacionais e estrangeiras: I - condenadas a pena privativa de liberdade não superior a oito anos, não substituída por restritivas de direitos ou multa, e não beneficiadas com a suspensão condicional da pena que, até 25 de dezembro de 2013, tenham cumprido um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes (Decreto nº 8.172, de 24 de dezembro de 2013). Conforme demonstrado, o texto não se refere a nada que possa ser entendido como “avaliação do universo subjetivo do sentenciado”. O novo decreto além de coibir a concessão da benesse aos condenados cujas penas foram substituídas por restritivas de direitos, não autoriza a concessão do indulto ao sentenciado cuja execução de pena tenha sido suspensa, que se encontre em livramento condicional do processo e cuja pena não exceda a oito anos. Exigir-se que o condenado se submeta a exame criminológico ou parecer da CTC e apresente “prognóstico de não reincidência” para a concessão de indulto ou comutação de pena, quando o texto específico do decreto nada contém nesse sentido, sob a única alegação de que tal é exigido para o livramento condicional ou outro benefício qualquer na execução penal, é misturar duas coisas diversas. É certo que, ao eliminar, como requisito do indulto, a avaliação do aspecto subjetivo do sentenciado, e, consequentemente, o “prognóstico de não reincidência”, o presente decreto esvazia em muito as funções do Conselho Penitenciário, cuja manifestação continua sendo obrigatória e até mesmo o papel do Judiciário na concessão desses benefícios. Isto posto, têm-se em objetiva análise do texto legal, que numa análise mais cuidadosa do decreto, constata-se que não se tem qual-

LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685

quer razão ao restringir a abrangência da benesse no que tangem as pessoas que se encontram em cumprimento de penas restritivas de direitos, e que na verdade, o presente decreto, é extremamente restritivo, chegando-se ao que se pode prever a um campo de abrangência cada vez menor do que aquele alcançado pelos decretos precedentes. Devemos para tanto supor, assim, que seria adequada uma solução intermediária, na qual fosse sintetizado normativamente que, também constitui requisito para a concessão do indulto e da comutação de pena evidenciar bom aproveitamento das medidas penais a que for submetido, e, quando o benefício implicar em liberdade, que o beneficiado tenha comprovadas condições pessoais favoráveis a sua reinserção social. No entanto, esta hipótese reside apenas no plano da especulação. Ora, na alternativa explanada, portanto, ficaria institucionalizada a avaliação global do sentenciado e essa avaliação seria sempre obrigatória, porém, o chamado “prognóstico de não reincidência” seria dispensável se o benefício não implicasse na liberdade do sentenciado. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme rotineiramente acontece ao final dos anos, os decretos de indulto normalmente apresentam uma base comum um tanto quanto restrita, no que diz respeito a seus beneficiários; as variações, de natureza liberalizante ou restritiva, seguem as tendências políticas e ideológicas recentíssimas do momento. Essas alterações, por vezes, são objeto de acirradas discussões no Conselho Penitenciário e controvérsia nos juízos de execução penal. No entanto, dada a efemeridade do texto legal, normalmente não se chega a um consenso doutrinário nem jurisprudencial a respeito delas: logo é editado um novo decreto, modificando o anterior, com o que a discussão perde seu objeto, ou parte de seu interesse (TEIXEIRA, 1999, p.115). Assim, nada forçoso seria lançarmos mão aos princípios norteadores do direito, se não, os da proporcionalidade e isonomia, a fim de singularizar um posicionamento acerca do assunto explanado e normatiza-lo neste sentido, tendo como balizadores da sanção penal a dignidade da pessoa humana e a razoabilidade.

REFERÊNCIAS Acórdão nº113.293/2012 oriundo do TJMA. Disponível em: . Acesso em: 19 de maio de 2014. BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado, 6a ed. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 224. CAPEZ, Fernando. Execução Penal Simplificado, Col. Direito Simplificado, 15ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p.143. Decreto nº 1.242 de 1994, Disponível em: . Acesso em: 19 de maio de 2014. Decreto nº 2.365 de 1997, de 05 de novembro de 1997. Disponível em: . Acesso em: 19 de maio de 2014. Decreto nº 8.172, de 24 de dezembro de 2013. Disponível em: . Acesso em: 19 de maio de 2014. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: parte geral. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983.p. 410. JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz e FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação Penal Especial, Ed. Saraiva, 6ª Ed., 2010, p.399.

140

CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA

LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Penas restritivas de direitos: Retrospectiva e análise das novas modalidades. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 23. MARCÃO, Renato. Curso de Execuçlão Penal, 7a ed. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p.295 a 303. MARIATH, Carlos Roberto. Indulto e pena restritiva de direitos: interpretação da norma à luz da política criminal. Disponível em: . Acesso em: 19 de maio de 2014. MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal, 12ª Edição. São Paulo: Atlas, 2014, p.653. ORSI NETO, Alexandre, Indulto coletivo: Natureza jurídica e conseqüências práticas da sentença judicial que a concede. Disponivel em: . Acesso em: 14 de maio de 2014. PERETE, Itala Rayara Santos. Anistia, graça e indulto. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 abr. 2010. Disponivel em: . Acesso em: 26 maio 2014. RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Tradução do Prof. L. Cabral de Moncada, 6ª ed., Coimbra, Arménio Amado, 1997. Revista Eletrônica Newton Paiva. Disponível em: , Acesso em: 18 de maio de 2014. SZNICK, Valdir. Penas Alternativas: Perda de pens, prestação de serviços, fim de semana e interdição de direitos. São Paulo: Liv. E Ed. Universitária de Direito, 1999, p.98. TEIXEIRA, Francisco Dias. O Indulto e as condições bubjetivas do sentenciado, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 1999 , vol. 25, p. 115.

NOTAS DE FIM 1 Graduanda em Direito pela Faculdade Newton Paiva. 2 Mestre em direito Internacional pela PUC-MINAS; Especialista em Direito Público pela Universidade Gama Filho; Graduado pela PUC-MINAS; Professor orientador deste trabalho. 3 Banca examinadora: Hassan Magid de Castro Souki; Cristian Kiefer da Silva.

LETRAS JURÍDICAS | N.2 | 1/2014 | ISSN 2358-2685

141

CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA