Classe Hospital. Hospital Class

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Classe Hospital Um estudo sobre o atendimento educacional no hospital de combate ao câncer Araújo Jorge em Goiás, Brasil

Hospital Class A Study on the educational service in fighting cancer hospital to Araújo Jorge in Goiás, Brazil Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira; Luanna Kellen Pereira da Silva; Cleomar de Sousa Rocha; Alzino Furtado de Mendonça; Ellen Synthia Fernandes de Oliveira; Nelson Filice de Barros Mestrado em Saúde Coletiva; Faculdade de Educação; Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual; Mestrado em Saúde Coletiva; Mestrado em Saúde Coletiva; Pós-Graduação em Saúde Coletiva Universidade Federal de Goiás; Universidade Federal de Goiás; Universidade Federal do Rio de Janeiro; Universidade Federal de Goiás; Universidade de Campinas Goiânia, Goiás, Brasil; Goiânia, Goiás, Brasil; Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil; Goiânia, Goiás, Brasil; Goiânia, Goiás, Brasil; Campinas, São Paulo, Brasil. [email protected];[email protected];[email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected] Resumo — Este artigo se propõe a apresentar um estudo sobre o atendimento educacional realizado no Hospital Araújo Jorge, ofertado a alunos da rede pública de ensino do setor de pediatria que se encontram em tratamento contra o câncer. Trata-se de um estudo de caso transversal, exploratório, de base qualitativa, contemplando o atendimento pedagógico hospitalar e destacando a estrutura, organização e ações pedagógicas desenvolvidas no hospital. Para a coleta de dados, foram utilizadas observações participantes sistemáticas no ambiente e entrevistas semiestruturadas com as professoras lotadas na rede de educação do Estado de Goiás que atuam na classe hospitalar do Hospital Araújo Jorge. Os resultados destacam os aspectos físicos da classe hospitalar, a organização didáticometodológica das aulas, bem como a experiência pedagógica marcante de uma das professoras participantes da pesquisa. Conclui-se que o ensino no ambiente hospitalar pode trazer aos docentes além de dor e sofrimento, o sentimento de felicidade e realização pela contribuição na vida dos educandos hospitalizados. Palavras Chave – Classe hospitalar. Hospital Araújo Jorge. Atendimento educacional hospitalar. Experiência pedagógica. Abstract — This article aims to present hum Study of the educational services conducted at the Hospital Araújo Jorge, offered the Pediatric Sector Students are in treatment against cancer. Starting from hum cross-sectional study, exploratory, qualitative base, and presented a case study looking at the hospital pedagogical service highlighting the structure, organization and actions developed in the Pedagogical Study in hospital. For Data Collection, Were used systematic Observations any environment and interviews with teachers as crowded in the State of Goiás Education Network That work in hospital class Hospital Araújo Jorge. Are presented

as results, The Physical Aspects of hospital class, as Well as the didactic and methodological organization of classes. Finally, it is presented a remarkable educational experience One of the teachers Participants Search. Keywords - Class hospital. Hospital Araújo Jorge. Hospital

I. INTRODUÇÃO A infância é uma fase muito importante na vida de uma pessoa. Em especial é nesta fase que várias estruturas da personalidade e carácter se formam. Crianças e adolescentes são curiosos e desbravadores, compondo, nestas fases, uma vivencia de descobertas. Dentre outras coisas, é nesta fase que preocupações com a aparência e com sua imagem percebida se afloram. Contudo, crianças e adolescentes internados no Hospital Araújo Jorge, em Goiânia, tem esta característica prejudicada. As crianças e os adolescentes em tratamento no Hospital em estudo interrompem boa parte de sua vida por causa do desgaste físico e psicológico por que passam ao longo do tratamento contra o câncer. Apresentar-lhes a importância do estudo nesse processo de tratamento não se caracteriza como uma tarefa fácil para as educadoras, dado que estas crianças e adolescentes, em geral, estão fragilizados e, consequentemente, desestimulados para o estudo. Tendo como tema a classe hospitalar, a presente investigação elege como objetivo compreender como se dá a estrutura, organização e trabalho pedagógico realizado no Hospital Araújo Jorge em Goiás, Brasil. Como metodologia, optou-se por um estudo transversal, exploratório, de base qualitativa, elegendo como

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procedimento de investigação o estudo de caso. A atividade de campo para a coleta de dados se deu no primeiro semestre de 2014. Foram realizadas observações sistemáticas em variados ambientes do hospital, bem como entrevistas semiestruturadas com as professoras de classe hospitalar, lotadas no Núcleo de Atendimento Educacional Hospitalar (NAEH) da Secretaria de Estado da Educação, Cultura e Esporte de Goiás (SEDUCE), a fim de compreender a percepção sobre classe hospitlar, a dinâmica do ato pedagógico, e relatos de experiência. Como forma de preservar a identidade dos sujeitos entrevistados, optouse por apresentar nomes fictícios. Apresentam-se conceitos e bases legais da classe hospitalar, algumas estratégias pedagógicas adotadas pelas professoras da classe hospitalar desenvolvidas no Hospital Araújo Jorge, assim como os desafios apresentados cotidianamente. Quanto a estrutura física, descrevem-se os ambientes destinados às aulas: quimioterapia – com atendimento mais individualizado – e a sala de aula – para atendimento em grupo. Sobre os tipos de atendimento, individual e coletivo, Mattos e Mugiatti [1] apontam que, no procedimento de escolarização individualizado, cada aluno deve receber atenção conforme suas demandas e necessidades, cabendo um diálogo efetivo entre o professor no hospital com a escola de origem de cada educando. Para os atendimentos coletivos, o atendimento deve se dar de forma integrada e colaborativa. II. BASES LEGAIS DAS CLASSES HOSPITALARES O atendimento educacional em ambiente hospitalar no Brasil é um direito de todo estudante da Educação Básica de dar continuidade aos seus estudos mesmo estando impossibilitado de frequentar a sala de aula regular. As bases que fundamentam esse direito são previstas em diversos documentos oficiais, sabendo-se que “a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família”, art. 205 [2]; que “cabe ao poder público criar formas alternativas de acesso aos diferentes níveis de ensino”, art. 5° [3]; que “a educação básica pode ser organizada de diferentes formas sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar”, art. 23 [3]; que “o sistema de ensino deverá assegurar meios, recursos, técnicas educativas e organização para atender alunos com necessidades educacionais especiais”, art. 59 [3]. Pelo exposto, os educandos com necessidades e/ou em condições desfavoráveis ao processo de escolarização deverão receber atenção especial por parte do poder público. Assim, crianças, jovens e adultos, no âmbito da Educação Básica, que se encontram impedidos de frequentar a escola por motivo de adoecimento ou convalescença têm direito a receber, gratuitamente, atendimento educacional tanto no hospital quanto em seu domicílio, quando for o caso. De forma específica, o atendimento hospitalar é contemplado pela Portaria n. 69/1986 [4], porém sem

menção ao apoio pedagógico. A classe hospitalar, como política pública de atendimento à demanda de alunos afastados da escola por motivo de adoecimento ou convalescença, só foi lançada em 2002, pelo Ministério da Educação (MEC), por meio da então Secretaria de Educação Especial, em atendimento à Resolução CNE/CEB n. 2/2001 [5], com o documento denominado “Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações” [6]. O propósito do documento, dentre outros, foi subsidiar e estruturar ações políticas de organização dos sistemas educacionais nos municípios e estados brasileiros. No Estado de Goiás, Brasil, a atenção especial a crianças, jovens e adultos da rede pública de ensino da Educação Básica, hospitalizados ou em atendimento domiciliar, iniciou em 1999, por meio do projeto de atendimento educacional hospitalar denominado “Projeto HOJE”, da então Superintendência de Ensino Especial (SEE/GO), órgão da Secretaria de Estado da Educação, Cultura e Esporte de Goiás (SEDUCE). Em consonância com a política nacional do MEC, a proposta das classes hospitalares, tiveram como base legal, no plano estadual, a Resolução n° 161/2001 [7] do Conselho Estadual de Educação de Goiás, que valida o Projeto Hoje, executado pela equipe de profissionais ligados ao Hospital de Combate ao Câncer e à SEDUCE, por meio da SEE/GO. Atualmente, com as mudanças implantadas na esfera administrativa estadual, o atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Estado de Goiás, tradicionalmente conhecido como Hoje, é ofertado pelo Núcleo de Atendimento Educacional Hospitalar – NAEH, sob a Gerência de Ensino Especial da SEDUCE. De acordo com os documentos oficiais da Gerência [8], [9], o atendimento hospitalar é realizado exclusivamente em hospitais da Rede Estadual de Saúde de Goiânia, sendo eles: o Hospital de combate ao câncer Araújo Jorge (HAJ), Hospital de Doenças Tropicais Anuar Auad (HDT), Hospital Alberto Rassi (HGG), Hospital das Clínicas (HC), Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, Hospital de Urgência de Goiânia (HUGO), Hospital Materno Infantil, Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (CRER), e, mais recentemente, o Hospital de Dermatologia Sanitária (HDS). III. ESTRUTURA FÍSICA E PEDAGÓGICA A classe hospitalar visa atender a educandos hospitalizados, seja em tratamento, seja em convalescência, dando início ou continuidade a sua escolaridade, em hospitais, evitando-se, desse modo, que o ensino a essas pessoas seja interrompido. Quanto ao processo de aprendizagem, a classe hospitalar deve contribuir para o retorno e reintegração dos educandos hospitalizados ao ambiente escolar [6], [9]. O atendimento educacional hospitalar, como dito, ocorre em Goiás por meio do NAEH, em parceria com

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nove hospitais públicos de Goiânia, tendo como públicoalvo crianças, jovens e adultos matriculados na rede pública de educação. Com a política de atendimento, em Goiás, instituída desde 1999, o Hospital Araújo Jorge foi o primeiro a oferecer tal atendimento [10]. Fundado em 1956, por meio da fundação da Associação de Combate ao Câncer em Goiás, o Hospital Araújo Jorge (nome dado em 1977), insituiu a primeira classe hospitalar no ano de 1999, por meio de um projeto do NAEH, denominado de Projeto Hoje. Atualmente, o Hospital Araújo Jorge conta com duas professoras do quadro de docentes da SEDUCE que realizam atendimento educacional no quarto andar, na ala da pediatria. As aulas ocorrem em dois ambientes distintos: na sala de quimioterapia (local em que as aulas ocorrem de forma individual), e em uma sala de aula com estrutura apropriada para que as crianças e adolescentes realizem atividades coletivas. Com 28m² (7m x 4m) essa sala de aula dispõe de um quadro branco, 17 cadeiras adultas e 10 cadeiras infantis, um aparelho de televisor, um aparelho de DVD, com caixas de som, um aparelho de ar condicionado, quatro mesas, duas das quais infantis, uma pia e um bebedouro com água filtrada. Na avaliação da professora Daniele, pouquíssimos são os hospitais a oferecer uma sala de uso exclusivo às crianças e adolescentes com a saúde fragilizada. A sala reproduz o ambiente escolar e tem por objetivo fazer com que os educandos tenham, de certo modo, uma fuga do ambiente hospitalar. Tal ambiente, segundo avalia a professora, é de fundamental importância no processo de formação dos alunos. A sala de pediatria apresenta um ambiente bem colorido e alegre e tem uma casinha na sala de espera, local este reservado às brincadeiras das crianças. No corredor são guardados os livros literários em móvel em formato de trenzinho que atrai a atenção das crianças, um modo interessante de incentivá-las à leitura. A sala conta com um variado acervo literário como gibis, revistas, livros, bem como com diversos tipos de jogos. Na sala há também uma caixa de brinquedos, resultado de inúmeras doações. De acordo com as professoras entrevistadas, os materiais mais utilizados nas aulas são livro didático, massinhas, cola branca, lápis de cor, tinta guache, papel crepom, tarefas fotocopiadas e giz de cera. O setor de quimioterapia possui um espaço amplo e é restrito a pacientes em tratamento, equipe de saúde e às professoras de classe hospitalares. Na quimioterapia há dois ambientes, dos quais um é destinado exclusivamente para receber os pacientes que necessitam de determinados medicamentos injetáveis. Essa sala possui nove semileitos que contam com cadeiras inclináveis, nove cadeiras para os acompanhantes, dois aparelhos de ar condicionado e quatro televisores de plasma de 32 polegadas, um bebedouro de água filtrada, uma pia de tamanho adulto e infantil, com

sabonete líquido para higienização das mãos, papéis toalhas, e duas mesas infantis com cinco cadeiras. O outro ambiente é um local em que os leitos estão destinados a pacientes que precisam se submeter a quimioterapia e necessitam de um maior período de tratamento. O espaço conta com seis leitos adultos, dois infantis, com nove cadeiras para acompanhantes; e, tal qual o espaço anterior, esse possui também dois aparelhos de ar condicionado, quatro televisores de plasma de 32 polegadas, bebedouro de água filtrada, uma pia de tamanho adulto e infantil, sabonete líquido para higienização das mãos e papéis toalhas. À disposição das professoras da classe hospitalar, bem como dos pacientes submetidos à quimioterapia, estão dois computadores conectados à internet. No setor de quimioterapia encontra-se uma mesa onde há diversos livros literários de que os pacientes podem fazer uso. As professoras que trabalham no Hospital Araújo Jorge têm de cumprir as mesmas regras de biossegurança exigidas dos demais profissionais da saúde como: cabelo preso, brincos pequenos, unhas curtas, maquiagem leve, sapatos fechados e os uniformes sempre limpos. Diferentemente dos profissionais da área da Saúde, que utilizam jalecos brancos, as professoras utilizam jaleco corde-rosa. IV. ASPECTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS As professoras entrevistadas trabalham em turnos opostos. Daniele trabalha no período matutino (das 7h às 11h), e a professora Raphaella no período vespertino (das 13h30min às 17h30min). Especializada em educação inclusiva e em Atendimento Educacional Especializado – AEE, a professora Daniele atua na educação há trinta anos e encontra-se há seis meses na classe hospitalar. O público a que atende no hospital são alunos do Ensino Fundamental e Ensino Médio, na faixa etária de 4 a 18 anos. Também formada em pedagogia, porém sem curso de especialização, a professora Raphaella atua na educação há cinco anos, sendo três anos e meio dedicados às classes hospitalares, dos quais oito meses no Hospital Araújo Jorge. As professoras relatam que o atendimento acontece, preferencialmente, na sala reservada às aulas, porque o rendimento dos alunos é mais satisfatório, uma vez que a sala ser um ambiente diferenciado e com recursos materiais diversos, possibilitando, aos alunos, se sentirem mais dispostos a aprender. Antes do início das aulas, as professoras saem de leito em leito convidando os alunos para a sala de aula. Ressaltaram que o atendimento só se dá no leito quando o aluno se encontra em estado de saúde que o impossibilita de participar das atividades coletivas. O planejamento das aulas é feito diariamente e os conteúdos trabalhados nos encontros tem como base o Currículo Referência da rede estadual ou municipal de

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educação, conforme origem do aluno. De acordo com Daniele e Raphaella, o planejamento é feito de forma a contemplar as necessidades individuais e coletivas dos educandos e dizem que nenhuma aula é igual à outra devido às condições e particularidades do ambiente e do aluno. A professora Raphaella diz trabalhar os conteúdos, sempre que possível, de forma interdisciplinar, dando ênfase a temas que abrangem variadas disciplinas/matérias de acordo com a série de cada educando. Por ser uma classe multisseriada, as atividades são diferenciadas para cada ano escolar, mas o tema é o mesmo para todos, apenas a ênfase e o aprofundamento do conteúdo se diferem. Após a realização das aulas, as professoras assumem a rotina de registro em formato de relatório que, semanalmente, são encaminhados ao NAEH. Nos relatórios são descritos todos os procedimentos utilizados na mediação da aprendizagem, além de informações individualizadas sobre os educandos. Esse documento é utilizado como ponto de partida para o planejamento do próximo encontro. Em geral, as avaliações são feitas de forma individual, quase inexistindo a figura da prova formal. Ao término de cada bimestre letivo, as professoras encaminham ao NAEH um relatório de avaliação, contendo registros do campo pedagógico, conteúdos abordados e o desenvolvimento de cada aluno. O método de avaliação é o mesmo para todos os alunos, um processo de avaliação contínua que leva em consideração todas as atividades desenvolvidas. Cada progresso é considerado pelas professoras na avaliação, e o resultado final é encaminhado para a escola na qual o aluno encontra-se matriculado. Os recursos lúdicos são explorados durante as aulas e também quando o aluno não tem condições de fazer atividades escritas, seja pela debilidade física, psicológica ou por indicação médica. Nesses casos, as professoras realizam atividades pedagógicas lúdicas com o fim de aprendizagem e/ou descontração. Os alunos hospitalizados, em linhas gerais, estudam os conteúdos iniciados na escola de origem. No entanto, pelo seu estado de fragilidade, pela quantidade de aulas ser reduzida em relação à escola regular, não conseguem acompanhar o mesmo ritmo de seus pares na escola. A este respeito, segundo Raphaella, os alunos e familiares devem estar cientes desse fato. O esforço para o avanço é essencial, segundo dizem, para que possam, no retorno à escola regular, acompanhar o ritmo da turma sem maiores prejuízos na aprendizagem. Barros [11] orienta que: [...], no âmbito do acompanhamento escolar é bastante comum que a atuação se dê no sentido do suporte para a superação de dificuldade de aprendizagem não apenas enquanto deriva do contexto de privação social dos pacientes mas também enquanto manifestação associada à patologia. Logo, nem sempre os programas curriculares, porventura encaminhados

pela escola, ou previsto pela série cursada, poderão ser cumpridos na íntegra. (p.89).

A autora apresenta uma realidade do acompanhamento escolar dentro do hospital, mostrando que o planejamento nem sempre será cumprido de acordo com o que se determina nas condições regulares de ensino, devido, principalmente, ao estado delicado em que se encontra o aluno que é paciente da instituição hospitalar. Sobre isso, as professoras afirmam que, não havendo possibilidade de ter atendimento educacional, devido ao estado de fragilidade do aluno frequentar a sala de aula, a aula é dada no leito e os conteúdos são substituídas por diálogos muitas vezes informais. V. RELATO DE EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA NO HOSPITAL ARAÚJO JORGE Optamos, no âmbito desta pesquisa, não acompanhar a rotina das aulas no hospital, devido, principalmente, às dificuldades de acesso a ambientes restritos. Como registro de experiências pedagógicas, solicitamos que as professoras pudessem nos apresentar uma história que julgassem ser marcante para nos relatar. Apresentamos, em seguida, uma das histórias contadas pela professora Raphaella. Antes de nos apresentar a experiência pedagógica, a professora Raphaella abaixou a cabeça, respirou profundamente e, em tom de voz baixo e voz trêmula, iniciou a história que, segundo ela, realmente marcou não só sua carreira de docente, mas sua vida pessoal. Ela nos contou a experiência pedagógica vivenciada com o pequeno Pedro, de sete anos de idade. Pedro era um menino meigo e atencioso, se mostrava sempre feliz mesmo durante o invasivo e complicado tratamento contra o câncer. Era de se admirar como ele conseguia esquecer, nos momentos de aula, toda dor e sofrimento que a sua doença trazia. O seu esforço e vontade insaciável para aprender fez com que Raphaella se envolvesse com o aluno. Toda vez que Raphaella chegava para a aula, Pedro se colocava para auxiliá-la com os materiais, sentava-se ereto na carteira e se punha atento e participativo durante toda aula. Conta que Pedro sempre almejava coisas novas e momentos prazerosos. Isso para ele era a oportunidade de aproveitar cada momento, sem deixar sobressair sua doença, pois a vida para ele era mais importante. Raphaella afirma que o vínculo estabelecido entre professor e aluno é essencial para o desenvolvimento da autoestima do educando. Todos os dias, Pedro, próximo ao meio dia, perguntava à sua tia, que o acompanhava no hospital, quanto tempo faltava para professora chegar e esperava sempre ansioso pela aula. A vontade de estudar e aprender estava além da doença. Na maioria das vezes Pedro esperava o chamado da professora na recepção e quando a professora chegava, ele, com alegria, corria para abraçá-la. Raphaella se

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entregou ao encanto de um menino tão carinhoso, disposto e feliz. Apesar das fortes reações aos medicamentos, ele encontrava formas de se colocar sorridente, demonstrando seu afeto, carinho e vontade de viver. Pedro só faltava à aula quando o estado de saúde o impedia. Houve um dia em que ele estava muito fragilizado e necessitou tomar muitos remédios. A professora apresentou esse fato por meio do seguinte diálogo: – Raphaella: Boa tarde, Pedro, tudo bem? – Pedro: Oi, esses remédios estão me fazendo passar muito mal. – Raphaella: Logo vai passar, não se preocupe. Devido você estar tomando os remédios e não ter condições de ir para sala, pode ficar descansando, aí quando você melhorar, vamos para a sala. Tudo bem? – Pedro: Não, eu quero participar da sua aula, não gosto de ficar aqui. – Raphaella: Meu anjo, você não tem condições de ir, ok?

Pedro a olhou de forma triste e acenou a cabeça como se tivesse compreendido o motivo de não poder participar da aula. Mesmo assim, 30 minutos depois, ele estava no fundo da sala observando a aula em grupo, e a professora dirigiu-se a ele dizendo: – Rafhaella: Pedro você precisa descansar, não pode ficar aqui desse jeito. – Pedro: Vou ficar aqui quietinho professora, quero apenas ficar aqui.

Quando havia recesso escolar, Pedro se mostrava bastante triste. As aulas faziam com que ele se esquecesse da dor das injeções e do mal-estar que o tratamento causava. Certo dia, durante as férias, seu estado de saúde agravou-se de tal maneira, que acharam por bem chamar a professora para vê-lo, pois ela era considerada por todos um ente familiar. Raphaella foi visitá-lo no leito, e, ao perceber seu estado de saúde, demonstrou-se preocupada. Apesar disso, a professora manteve-se firme e deu apoio a ele no período em que permaneceu enfraquecido. Pedro superou essa fase e se recuperou. Terminado o recesso escolar, a professora voltou a ministrar aulas, encontrando Pedro um pouco melhor, porém, o seu estado de saúde já não era tão estável. Mesmo debilitado, Pedro não se recolhia ao leito para descanço, preferia asssitir às aulas. A professora se sentia bastante comovida com aquela situação e não sabia que atitude deveria tomar, mas vendo que ele se sentia melhor no ambiente escolar, a educadora o deixava permanecer observando as aulas. Suas recaídas eram cada vez mais frequentes e a professora percebia que o estado de saúde do Pedro agravava-se, mas isso não diminuía a vontade dele em estudar, de aproveitar ao máximo o seu tempo de vida. Pedro pedia sempre mais e mais atividades à professora, e,

quando a aula acabava, se mostrava triste, pois não queria ir embora daquele ambiente e deixar de participar principalmente dos momentos de interação com a professora e colegas. Vítima de câncer no estômago, Pedro foi acompanhado integralmente por sua tia. Com a separação dos pais, Pedro passou a morar com a família de seu pai e dizia ser a tia sua verdadeira mãe. Após um dia de trabalho no Araújo Jorge, a tia de Pedro ligou para Raphaella dando-lhe a notícia do falecimento de Pedro, após sete meses do diagnóstico de câncer. A notícia deixou a professora muito abalada pessoal e profissionalmente. Era uma sensação pela qual, até então, não havia passado. Ela havia se formado para lidar com outras questões e não com o sofrimento e morte de seus educandos. As marcas dessa experiência são tão profundas que, muitos anos após a morte de Pedro, o fato foi narrado sob soluços e lágrimas, atestando o seu profundo sofrimento, que o luto fora passado, mas que a dor não fora curada. VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS Não se pode negar a importância do trabalho pedagógico e, por conseguinte, humanizador desenvolvido na classe hospitalar. De um lado as atividades educativas no ambiente hospitalar se mostram, uma experiência rica e desafiadora no campo pedagógico, exigindo do profissional que lá atua, uma formação mais humana e consciente do papel social que exerce. De outro, um ambiente recheado de armadilhas, visto que se trata, em essência, de uma relação conflituosa com o ambiente de saúde, cuja especificidade não é contemplada na formação dos professores. Para além das questões de bioética, o ambiente hospitalar pode trazer prejuízos aos docentes, como adoecimento pela transferência de sentimentos de dor, sofrimento e morte, categorias inerentes ao ambiente hospitalar. Conhecendo os desafios enfrentados, em nosso caso, pelas professoras entrevistadas, é que se tem a ideia de quão árida e árdua é a tarefa que elas realizam nos hospitais; todavia, é um trabalho nobre e necessário devido a sua significância na manutenção desses alunos nos processos educacionais. A esse respeito, podemos refletir, com Mattos e Mugiatti [1], que O educador, como párticipe da equipe de saúde, tem, portanto, a incumbência de retomar esse papel na sociedade, como agente de mudanças, mediante ações pedagógicas integradas, em contextos de educação informal, com vistas à formação de consciência criticas de todos os envolvidos, numa atuação incisiva, na reestruturação dos sistemas vigentes para uma nova ordem superior (p.24).

Durante as entrevistas, as educadoras relatam que se encontram nessa área, mesmo consciente dos desafios, por

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saberem que contribuem de alguma forma na vida desses educandos, fazendo-os se sentirem menos entristecidos e acreditando que em breve poderão voltar ao convívio social. Enfim, gostaríamos de registrar que, ao solicitar que as professoras pudessem nos contar uma história marcante, o que nos ficou é que toda experiência vivenciada no hospital se caracteriza como uma história marcante e, portanto, especial. Esses alunos/pacientes, seja por sua vontade de aprender, seja por sua vontade de viver, marcam a vida dessas educadoras. AGRADECIMENTOS Agradecemos de modo especial ao Núcleo de Apoio Educacional Hospitalar (NAEH) pelo apoio dado para a realização desse e de outros estudos e as professoras envolvidas nessa pesquisa que nos deram apoio, nos possibilitando acompanhá-las em sua rotina de trabalho e confiando-nos suas histórias de vida. REFERÊNCIAS [1] Mattos, Elizete L. M.; MUGIATTI, Margarida M. T. F. Pedagogia Hospitalar: a humanização integrando educação e saúde. 2ª Ed. – Petrópolis, RJ; Vozes, 2014. 181 p. [2] Brasil. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 35. Brasília, 1988. [3] Brasil. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 23 de dez. 1996. Seção 1. 1996. [4] Brasil. Centro Nacional de Educação Especial/Ministério da Educação e Cultura. Portaria nº 69, de 28 de agosto de 1986. Documenta. n. 310, out. 1986. [5] Brasil. Resolução CNE/CEB n. 2, de 11 de setembro de 2001. Estabelece as Diretrizes Nacional de Educação Especial. Diário Oficial da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF, 2001. [6] Brasil. Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações. Brasília: MEC; SEESP, 2002. [7] Goiás. Resolução n. 161/2001 – GAB/SEE. Aprova o projeto Hoje destinado ao atendimento educacional hospitalar por meio da Superintendência de Ensino Especial. Secretaria de Estado da Educação de Goiás. 2001. [8] Goiás. Núcleo de Atendimento Educacional Hospitalar – HOJE: o que é e como funciona. Gerência de Ensino Especial. Secretaria de Estado da Educação de Goiás, 2013. [9] Goiás. Núcleo de Atendimento Educacional Hospitalar – HOJE. Gerência de Ensino Especial. Secretaria de Estado da Educação de Goiás, 2014. [10] Neto. Zilma R. A pedagogia Hospitalar em Goiás. In: GOIÁS/SEE/SEF. Caderno de inclusão em comemoração aos 10 anos programação Programa Educacional numa Perspectiva InclusivaPEEDI. Goiânia, 2010. [11] Barros, Alessandra S. A prática pedagógica em uma enfermaria pediátrica: contribuições da classe hospitalar à inclusão desse alunado. Revista Brasileira de Educação. N°12, p. 84-93, Set/Out/Nov/Dez. 1999.

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