CARLA SOARES RODRIGUES DE CASTRO LIBERDADE DE TRABALHO E A QUESTAO DO FIM DO PASSE DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL

CARLA SOARES RODRIGUES DE CASTRO LIBERDADE DE TRABALHO E A QUESTAO DO FIM DO PASSE DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL CARLA SOARES RODRIGUES DE CA...
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CARLA SOARES RODRIGUES DE CASTRO

LIBERDADE DE TRABALHO E A QUESTAO DO FIM DO

PASSE DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL

CARLA SOARES RODRIGUES DE CASTRO

LIBERDADE DE TRABALHO E A QUESTAO DO FIM DO PASSE DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da UNIFIEO - Centro Universitário FIEO, para obtenção. do titulo de mestre em Direito, tendo como área de concentração "Positivação e Concretizaçtio Jurídica dos Direitos Humanos", dentro do projeto A Tutela da Dignidade da Pessoa Humana perante a Ordem Política, Social e Econômica, inserido na linha de pesquisa Direitos Fundamentais em sua efetivaçáo jurisdicional, sob orientaçtio do Prof. Dr. Domingos Sdvio Zainaghi.

CARLA SOARES RODRIGUES DE CASTRO

LIBERDADE DE TRABALHO E A QUESTÃO DO FIM DO PASSE DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL

Data: U

Nota:

3 1 8 I05

8.0

Aos meus pais José Carlos e Maria; aos meus irmaos Fernando e Sergio; a minha avo Faustina; aos meus avós, in memorian, Fernando, Alzira e Benedito; e ao meu querido Luiz Cesar

...com todo amor que h& nesse mundo...

AGRADECIMENTOS Ao querido Mestre e Orientador Doutor Domingos Sávio Zainaghi, sem o qual seria impossível a realização da presente Dissertação, por sua incansável dedicação e infinita pacihcia. Aos magníficos Mestres Luiz Arthur de Godoy e Odair Márcio Vitorino, pela ajuda incondicional e por fazerem despertar em mim o mesmo amor que eles têm pelo nobre exercício do Magist6rio. A todos os demais professores do Curso de Mestrado e de Graduação da UNIFIEO, pelo brilhantismo em ministrar o Direito, além do respeito e consideração dedicados. A todos os funcionários do UNIFIEO, por todo o auxílio e pela nossa "parceria" de mais de dez anos. A Família Mingorance Raffi por me guiar nos primeiros passos rumo ao exercício da advocacia, pelo respeito pessoal e profissional, e pela consideração e carinho dispensados. Aos meus estimados alunos do Curso de Administração de Empresas das Faculdades Magister, por me fazerem aprender muito mais do que os ensinei. A todos os meus amados familiares e amigos que sempre me apoiaram e incentivaram em todos os momentos.

RESUMO

Com as crises financeiras ultimamente vivenciadas pelos clubes brasileiros, que tinham na venda de jogadores uma de suas principais fontes de receita, fez ressurgir as criticas a extinção do passe no futebol. O instituto, previsto no Brasil pela "Lei do Passe" no 6.354 de 1976, consistia

no Direito de um clube receber indenização pela transferência de seu jogador a outro clube, tanto durante quanto após a extinção do contrato de trabalho, cabendo ao atleta 15% desse valor. Os critérios para fixação do passe constavam das resoluções no 10186 e 19/88 do Conselho Nacional de Desporto sendo que algumas transferências podiam alcançar valores altíssimos. De acordo com tendência internacional, a Lei Pelé, previu a extinção do passe a partir de 26 de Março de 2.001. Em seu lugar foi prevista a cláusula penal, a ser fixada pelas partes garantindo ao clube uma indenização sempre que seu atleta for comprado por outro ainda durante o contrato. Após seu término, no entanto, o atleta poderia transferir-se livremente sem pagamento de qualquer indenização. Para um melhor entendimento acerca das mudanças estabelecidas através de "Lei Pele", se faz necessário prosseguir em nosso estudo abordando, primeiramente, os aspectos do contrato de trabalho do profissional de futebol. Em seguida, estudaremos os órgãos da justiça desportiva, a composição de seus Tribunais e a hierarquia das decisões e recursos; o instituto do passe (surgimento, extinção e direito adquirido para contratos celebrados antes do advento da "Lei Pelé"), analisando sua constitucionalidade (ou inconstitucionalidade) principalmente no que concerne ao principio da liberdade de trabalho.

Este é o enfoque principal desta dissertação, que pretende abordar essa questão: se o instituto do "passe" era inconstitucional e no que ele afetou quanto a liberdade de trabalho do atleta já que muitos estudiosos do Direito Desportivo o apontam como um "resquício da escravidão"

ABSTRACT

With the financia1 crises we have nowadays by the Brazilian clubs, that had in the players' sale one of her revenue main fontes, did resurge the criticisms to the pass extinction in soccer. The institute, foreseen in Brazil by the "Pass Law" n. 6.354 of 1976, it consisted in the Right of a club receive compensation by the your player's transfer to other club, so much during how much after the work contract extinction, fitting to athlete 15% of this value. The criteria for pass fixation consisted of the resolutions n. 10186 and 19/88 of Conselho Nacional de Desporto and some transfers could reach high values. According with international tendency, Lei Pelé, foresaw the pass extinction from March 26th, 2.001. In your place was foreseen the penal clause, the being fastened by the parts guaranteing to the club a compensation whenever your athlete was bought for other still during the contract. After your terminus, however, athlete could transfer freely without payment of any compensation. For a better understanding concerning the established changes through "Law Pele", does necessary to prosecute in our study boarding, fírstly, the work soccer professional contract aspects. Soon after, we will study the sport justice organs, the composition of their Courts and its decisions and resources hierarchy; the pass (appearance institute, extinction and right acquired for celebrated contracts before the advent of the "Law Pele"), analyzing your constitutionality (or unconstitutionality) mostly in the that concerns to the initiate of work freedom.

This is the main focus of this dissertation, that intends to board this matter: if the unconstitutional pass" was institute and in the that it affected regarding athlete work freedom since many studious of the Sport Right point it as a "slavery vestige".

Introdução I . O FUTEBOL 1.1. O "Homo Ludens" e o Futebol 1.3. Evolução Histórica do Futebol 1.4. Evolução Legislativa do Futebol 1.5. Legislação Comparada e Internacional 1.6 Legislação Brasileira Aplicável 2. JUSTIÇA DESPORTIVA 2.1. Justiça Comum e Justiça Desportiva 2.2. Órgãos Integrantes da Justiça Desportiva 2.3. Composição dos Tribunais de Justiça Desportiva 2.4 Hierarquia das Decisões dos Recursos do Órgãos Desportivos e seus efeitos 3. LEGISLAÇAO DESPORTIVA EM VIGOR 3.I.Lei do Passe (Lei no6.354/76) 3.2. Lei Pelé (Lei no 9.615198) 4. ASPECTOS DO CONTRATO DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL 4.1. Conceito de Atleta 4.2. Do Contrato 4.2.1. Sujeitos do Contrato 4.2.I.1. O Empregador 4.2.1.2. O Empregado 4.3. Forma do Contrato 4.4. Capacidade do Atleta para Celebrar Contrato 4.5. Modalidade do Contrato

4.6. Conteúdo do Contrato

48

4.7. Cláusula Penal

49

4.8. Cláusula Penal e Passe: um é substituto do outro?

51

4.9. Cláusula Penal e Multa Rescisória

53

4.10. Indenização de Formação e de Promoção

56

4.1 1. Cessação do Contrato de Trabalho

57

4. I1.I. Rescisão Indireta

57

4.1 1.2. Rescisão por Justa Causa

59

4.1 1.3. Resilição

61

5. O FIM DO "PASSEJ1

62

5.1. O Caso Bosman

62

5.2. Vínculo Desportivo x Vínculo Empregatício

64

5.3. Fim do "Passe" e Direito Adquirido: A Questao da Continuidade do "Passe"

65

em Contratos Firmados Antes e Depois do Advento da "Lei Pelé" 5.4. Fim do "Passe" e "Direitos Federativos"

67

5.5. A Impenhorabilidadedo "Passe" nos contratos celebrados após o advento

68

da "Lei Pelé" 5.6. O Instituto do "Passe" e as Controvérsias quanto a sua Constitucionalidade 70 5.7. A "Lei Pele e as Controvérsias quanto a sua Constitucionalidade

74

5.8. Liberdade de Trabalho e Fim do "Passe": Introdução

77

5.8. I. Direitos Fundamentais ou Direitos do Homem?

78

5.8.2. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Direito Constitucional do 79 Trabalho 5.8.3. Liberdade de Trabalho e Fim do "Passe"

81

Conclusão

85

Bibliografia

88

Anexos

93

Nesta dissertação, trataremos de tema referente a "Liberdade de trabalho e questão do fim do passe do atleta profissional de futebol", baseados na Lei no 9.615 de 24 de março de 1.998, batizada de "Lei Pelé" e demais dispositivos atinentes à matéria. Há inúmeras leis desportivas, normas estatutárias, regulamentos de

competições, códigos de justiça e disciplina desportivas, resoluções de combate à dopagem e à violência desportivas, etc. Diante disso, é necessário conciliar os princípios constitucionais e os ditames legais atuais e futuros com as características do campo desportivo, de forma a normas que o regem sejam respeitadas e interpretadas adequadamente. A atual legislação esportiva inovou ao substituir o passe pela cláusula penal,

que limitou ao máximo de 100 (cem) vezes a remuneração anual ajustada entre atleta profissional e o clube empregador (entidade de prática desportiva), além de adotar um redutor para cada ano do contrato em vigor, autorizando, porém, a livre pactuação da multa no caso de transferência internacional. A mudança não produzirá efeitos juridicos com referência aos contratos anteriores a 26 de Março de 2.001, uma vez que respeita os direitos adquiridos decorrentes dos contratos de trabalho e vínculos desportivos firmados com base na legislação anterior (Lei no 9.615198, artigos 28 e 93 na redação dada pela Lei no9.981100). A fim de melhor entendermos o tema, inicialmente faremos um apanhado da evolução histbrica do futebol. Abordaremos, primeiramente, o "homo ludens" e, posteriormente sobre o que vem a ser

0

futebol, e qual a importancia deste para

toda a sociedade brasileira. pois sabe-se que o esporte. especialmente o futebol. tem uma função social importante, pois propicia interação entre os diversos grupos sociais. Com o decorrer do estudo mostraremos a evolução da legislação desportiva. Levantaremos também alguns pontos controvertidos acerca da inconstitucionalidade da chamada "Lei Pelé". Posteriormente veremos o que nosso estudo se prop6e analisar: se o instituto do "passe" era inconstitucional e no que ele afetou quanto a liberdade de trabalho do atleta já que muitos estudiosos do Direito Desportivo o apontam como "um resquício da escravidão"

I. O FUTEBOL: Há muito tempo que as crianças se divertem "jogando bola" (futebol), e atualmente, com a ampla divulgação de torneios desportivos pelos meios de comunicação, dificilmente se encontra alguém que nunca tenha ouvido falar em "futebol". Pode-se afirmar que o futebol é um esporte muito popular no Brasil, mas também em todo mundo. Apesar de existir uma referência ao Brasil, como o pais do futebol, o fato é que o futebol é um fenômeno mundial', praticado há muito mais tempo do que imaginamos, como veremos adiante:

1.I. O "Homo Ludens" e o "Futebol:

Para JOHAN HUIZINGA* (1.872 - 1.945), historiador holandês, a idéia de jogo é central para a civilização. Em seu "Homo Ludens", de 1.938, ele afirma que todas as atividades humanas, incluindo filosofia, guerra, arte, leis e linguagem, podem ser vistas como o resultado de um jogo, ou, para usarmos a terminologia técnica, "sub specie ludi" (a titulo de brincadeira). Conforme nos ensina HUIZINGA, o "homo ludens", o homem que brinca, não substitui o "homo sapiens" (homem que sabe, que raciocina), se colocando ao lado e um pouco abaixo deste, mais ou menos na mesma categoria que o "homo faber" (homem que trabalha). O nobre autor conclui, muito sutilmente, que o amor ao jogo é o traço que distingue os homens dos outros animais.

'

WITTER, José Sebastião. "Breve História do Futebol Brasileiro". São Paulo, Editora FTD, 1.996, pág. 4. HUIZINGA, Johan. "HomoLudens". Alianza Editorial, Madrid, 1.984 (1.954).

Apesar de não constarem dados sobre estudos zoológicos na obra de HUIZINGA a época em que foi escrita (1.938) que o fizesse chegar a tal conclusão, ainda hoje, alguns outros autores, acreditam ser o homem o único animal capaz de jogar ao longo de toda a sua vida, com o intuito de obter prazer da brincadeira, o que tese que, atualmente não se sustenta, pois sabemos mamíferos em geral e até algumas aves brincam. O 1údico3 desempenha um papel muito importante no desenvolvimento de

todos os seres que a ele se submetem, sejam eles racionais ou irracionais. O surgimento da escrita alfab4tica se deu porque um escriba4 resolveu brincar

com sons, significados e simbolos. A filosofia, também é um grande "jogo" de conceitos. Até mesmo as guerras, especialmente as mais antigas, ocorreram segundo certas regras que lembram jogos, principalmente no que tange à estratégia. Tomando como exemplo o Direito: na Inglaterra, os juizes e advogados ainda usam perucas, evidenciando que no mundo das leis existe encenação e tem muito de teatro. Inclusive, ainda vale mencionar que na língua inglesa e em várias outras da Europa Ocidental, a palavra "brincar" (no inglês "to play", por exemplo) é utilizada como sinônimo para demonstrar o ator que representa um papel. Voltando a HUIZINGA, vejamos como o autor define jogo: "atividade ou ocupação voluntária executada dentm de certos limites fixos de tempo e espaço, de acordo com regras

Lúdico. [De /ud(i) + (ico)] Adj. Referente a, ou que, tem caráter de jogos, brinquedos e divertimentos.." In "Novo Dicionario Aur61ion, AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FEREIRA, Editora Nova ed. (14a impressão), 1.983, pág. 855. Fronteira, Ia Estriba. [DO Lat. scríba] S.m. 1. Doutor da lei, entre os judeus. 2. Oficial das antigas chancelarias

ou secretarias. 3. Aauele aue exercia a Drofissã0 de co~iarmanuscritos, muitas vezes mediante ditado; coi>içtal'. (grifamos). In "Novo Dicionário Aur61ion, Op. Cit., pág. 557.

livremente aceitas, mas absolutamente resttitivas, que tenha seu fim em si mesma e que se faça acompanhar de um sentimento de tensão, alegria e da consciência de que ela difere da vida ordinátia". O futebol, também chamado, não por coincidência, de "ludopédioff, significa,

etimologicamente, ''jogo de pés". Como define o historiador holandês, "trata-se de uma atividade volunt8ria e limitada espacial e temporalmenteJ', conforme passaremos a analisar, segundo os seus ensinamentos:

- É voluntária, pois são raros os casos em que a expulsão de um futebolista faltoso determinada pelo árbitro tenha de ser efetivada por intermédio da policia. Inclusive, não há notícias pelo menos por enquanto - de jogador que tenha exigido ordem judicial para deixar o campo, embora, tecnicamente, essa seja a única forma legal de expulsá-lo do ponto de vista do Estado de Direito. Daí conclui-se que os jogadores aceitam essas normas simplesmente porque querem.

-

É limitada espacialmente, tendo em vista que o jogo ocorre

num campo de futebol de dimensões mais ou menos definidas. São previstas algumas regras a serem aplicadas a cada vez que a bola ultrapassar os limites das "quatro linhas".

- É limitada temporalmente, pois dura, normalmente 90 minutos, excetuando-se os chamados "acréscimosnque ficam Ci cargo do

árbitro, geralmente decorrentes de paralisações durante a partida. Todavia, as regras do futebol são restritivas. Quem joga futebol, exceto o goleiro, renuncia a tocar a bola com a mão. As regras, outrossim, trazem nelas o objetivo do jogo: marcar um número de gols superior ao do adversário. É no último trecho da definiçiio de HUIZINGA "na consci&ncia de que [essa atividade] difere da vida ofúinána" que está o segredo do deslumbramento proporcionado pelo futebol. Para o torcedor, enquanto ele assiste uma partida, as regras que regem o seu cotidiano ficam temporariamente suspensas e, o que é por sinal, muito conveniente, já que a nossa realidade não anda tão prazerosa quanto merecemos, como deveria ser. Ademais, para o torcedor, as regras do futebol sempre fazem sentido e as suas leis são tão claras que ele as conhece melhor do que aquelas que regem a sua própria vida em sociedade. Para HUIZINGA, si90 pelo menos tres as funções do jogo: a agonistica (competição), a Iúdica (exuberância, ilusão) e a diagógica (passatempo, ócio). Todas essas regras se relacionam com o conceito proposto por Marx e Hengels de alineação O futebol, como qualquer outro jogo, se torna alienante, mas a alienação é

nada mais é do que uma das coisas que buscamos com o gesto de brincar. Na verdade, o notável historiador, viu no jogo os aspectos positivos e não os negativos. O jogo e a brincadeira podem até tornar impossível a verdadeira compreensão da Realidade (no sentido que lhe atribui a Filosofia), mas tiveram o mérito de auxiliar, mesmo que de maneira muito tênue, a produzir a linguagem, as

leis, a ciência, a própria filosofia, conceitos estes que podemos utilizar como indicativos da civilização. Entretanto, exagerado seria afirmarmos que a civilização moderna seja fruto do futebol, muito embora, saibamos que para muitos, um mundo sem ele seja considerado, necessariamente, um mundo pior. A moral do futebol talvez decorra, em parte, do fato de que há sempre, em cada jogo uma moral necessária. OS que assistem à derrota de seus times sempre podem ver na derrota a mão da injustiça, do destino, a reproduçiio da tragédia de Heitor, morto e ultrajado nos portões de Trbia por Aquiles, e que, no entanto, era quem tinha razão, era quem estava certo. Assim, como sugere o jornalista HELIO SCWARTZMAN~,editorialista da Folha de São Paulo, de cuja opinião compartilhamos:

"...o homem se saiu melhor do que seus parentes primatas porque tinha maior capacidade de brincar: sem querer, acabou criando a civilização. Mesmo que tudo isso não baste para explicar nossa paixão pelo futebol, serve para demonstrar que a ligação dos homens com o jogo é antiga, profunda e, porque não, inscrita no DNA".

5

"Ludopediow,matéria constante do site "Folha On Line", publicada na data de 27 de Junho de

2.002.

1.3 Evolução Histórica do Futebol: Não se pode determinar exatamente as origens desse jogo. Até mesmo nas cavernas pré-históricas existem pinturas que sugerem à existência de um jogo que poderia-se reconhecer como futebol. Em algumas regiões do Oriente Médio, há mais de 2.000 anos praticava-se um esporte que lembra o futebol

-o

Kemari.

Também na Grécia, em Roma e em toda a Europa durante a Idade Média, registrase a prática de jogos semelhantes ao futeboL6 As práticas esportivas são relatadas desde as mais primitivas civilizações (maias, incas e egípcios) possuindo, muitas vezes, cunho religioso. Na antiguidade, elas ganharam importância na Grécia e, na Idade Média, reapareceram de forma selvagem, transformando-se até mesmo em batalhas campais, o que levou Eduardo

II, em 1314, e Eduardo III, em 1.349, a proibirem sua prática na Inglaterra. No Brasil, o futebol foi introduzido oficialmente em 1.894, através de Charles Miller, um brasileiro que retornava de seus estudos na Inglaterra. Entretanto, antes disso, já se praticava o ''jogo de bola" no ~rasil.' Apesar de seu cardter elitistaa, náo parou de crescer. Enquanto nos clubes, nos colégios e nos primeiros estádios os filhos da aristocracia vestiam-se todos com uniformes, calçados especiais e manuais ingleses que ensinavam a praticar o novo esporte, aqueles que estavam do outro lado dos muros logo passaram a improvisar suas próprias partidas em terrenos baldios ou mesmo na própria rua, descalços e sem camisas a chutar uma bola, geralmente de forma improvisada.

7

WITTER, J O S ~Sebastiao. Op.cit., P. 8. WITTER, Jose Sebastiao.Op. Cit., P. 10.

"Era necessário ter recursos para adquirir as chuteiras e dividir as despesas com a compra das bolas e dos uniformes. Era material importado de Outros palses e que não custava barato. Por isso, inicialmente o jogo só era praticado por rapazes ricos." In WITTER, José Sebasti6o.Op. Cit., p. 1 1.

Em pouco tempo, surgem os times ligados a indústria e nas primeiras equipes de caráter popular, organizadas bem longe dos tradicionais clubes por pessoas de origem modesta, que, se possuiam algum traço aristocrático, tal traço era justamente jogar futebol, o esporte da elite. O resultado desse aprofundamento foi a criação de laços cada vez mais

intensos entre os jogadores, as equipes e seus admiradores

-

os fonedores -,

formando fortes vlnculos de identidade local e regional a partir dos clubes. Já a partir da vírada do século, a organização de campeonatos entre equipes e, posteriormente, de campeonatos entre seleções estaduais indicava que o diletantismo de inspiração britânica era coisa do passado. O futebol, devidamente aportuguesado, mobilizava um número cada vez maior de pessoas, em especial no Rio de Janeiro e em São Paulo, - os maiores centros urbanos do pais, - mobilizaçao esta que transformou a necessidade de vitórias em uma questão de sobrevivencia para os clubes: afinal, só equipes competitivas atraíam público e, por conseguinte, geravam renda para seus cofres. Para a torcida, o que importava era seu time mandar a campo a turma que soubesse vencer, o que por sua vez implicava não impor barreiras econômicas, sociais ou raciais aos jogadores. O jogo democratizava-se, para desespero da elite branca, que viu os clubes serem levados a pagar bichos (gratificações em dinheiro) como forma de atrair bons jogadores para seus quadros, não importando se estes fossem pobres ou ricos, negros ou brancos, mulatos ou imigrantes. Tal fato questionava aquilo que até então se julgava ser o próprio caráter do esporte - o amadorismo - e apresentava a possibilidade de vir a se adotar o profissionalismo no futebol no Brasil, a exemplo do que acontecia em alguns países europeus, como Itália e Espanha, e viria a acontecer nos vizinhos Uruguai e Argentina.

No final da década de 20, os favoráveis a tal proposta defendiam-na como uma forma de regularizar uma situação que na prática efetivamente existia, uma vez que boa parte dos atletas não era mais totalmente amadora, configurando uma situação

chamada pelos jornais

da

época

de

"falso

amadorismo" ou

"profissionalismo marrom". Por outro lado, o coro dos contrários replicava com o temor de que o salário acabaria com o "romantismo" dos amadores, subvertendo o "ideal olímpico"; na verdade, a defesa do amadorismo era também a defesa de uma posição de classe, já que mantê-lo significava manter o povo a distância daquilo que, segundo a elite, não lhe pertencia. Com a polêmica colocada, os anos 30 seriam um momento decisivo na relação entre o futebol e a sociedade brasileira. No inicio da década, muitos jogadores vão migrar em busca do reconhecimento profissional na Europa e no Prata; outros buscaram promover a organização de entidades de classe antes mesmo da incerta oficialização do profissionalismo. Naquele momento os jogadores lutavam por direitos, como se fossem profissionais, ao mesmo tempo que faziam questão de enfatizar seu amadorismo. E ainda que o movimento não tenha logrado êxito, seu comunicado demonstra que os atletas percebiam muito bem a situação contraditbria que viviam e, principalmente, que não concordavam com ela. Muitos dirigentes cariocas e paulistas também não, e acabaram por aceitar e oficializar o p r ~ f i ~ ~ i ~ nem a lsuas i ~ mrespectivas ~ entidades, a Liga Carioca de Futebol (Constituiçao Federal) e a Associaçao Paulista de Esportes Atléticos (APEA), em 1933.'

9

Sobre o procesço de oficialização do profissi~nali~m~ no futebol brasileiro ver: CALDAS, Waldenyr. "O Pontapb Inicial. Memória do Futebol Brasileiro" (1894-7933). São Paulo: IBRASA, 1990.

Pela própria complexidade dos interesses envolvidos, o acordo não significou a imediata solução das questões que então envolviam o futebol no Brasil, o que só viria a ocorrer no final da década de 30; para os jogadores, porém, agora as pendências entre "amadoristas" e "profissionalistas" já não tinham mais tanta importância, pois tornara-se legitima sua procura por aqueles clubes que Ihes pagavam para entrar em campo. Reconhecia-se de certa forma que para a maioria deles buscar a profissionalização nao se tratava de mera preferência, mas sim de necessidade: o futebol permitia a sobrevivência imediata e, quem sabe, a realização do sonho da ascensão social para muitos dos excluidos e explorados pela lógica do capital, que em sua fúria expansionista alcançara também o Brasil. Mesmo que esse sonho se transformasse em desilusilo, buscar realizá-lo era algo tentador para quem não tinha nada a perder. Conforme nos ensina ANATOL ROSENFELD, "dar pontapés numa bola era um ato de e m a n ~ i ~ a ~ 8 0Abria-se ~ ' . ' ~ assim uma nova perspectiva para sefores historicamente marginalizados

da

sociedade

brasileira,

perspectiva

essa

potencializada pelos meios de comunicação - a começar da imprensa: o número de publicações dedicadas ao esporte alcança um crescimento estmndoso, saltando de

"'

cinco, em 1912, para 58, em 1930. NOS

anos 30 o futebol ganharia para a sua divulgação um aliado ainda mais

importante que a imprensa - o rádio. Introduzido no Brasil em 1.922, é na década

Especialmente pp. 203-223. O mesmo pode-se encontrar de foma resumida em CALDAS, Waldenyr. "Aspectos sócio-políticos do futebol brasileiro". Revista USP - Dossiê Futebol, cit., pp. 44-45. 'O ROSENFELD, Anatol. O Futebol no Brasil. Negro, Macumba e Futebol. Sao Paulo1 Campinas: Perspectiva1Eduspl Editora da UnicamP, 1993, P- 85. l 1 Cf. SUSSEKIND, HBlio. Futebol em Dois Tempos. Rio de Janeiro: Relume-Dumarál Prefeitura, 1996. (Arenas do Rio, 2). p. 22

seguinte que ele vive o momento de sua expansão e consolidação como meio não apenas de comunicação, mas também de entretenimento. Além da imprensa e do radio, também o cinema, embora em escala muito menor que os outros dois veiculos, não ficaria imune ao "esporte bretão" - que, notese, aparecia com relativa frequência nos cinejornais e documentários de atualidades desde a década de 10.

A medida que as produtoras cinematogrhficas brasileiras descobrem que o caminho para fazer frente aos filmes estrangeiros era investir no gosto do grande público, a fórmula da comédia popular carnavalesca (a chanchada) torna-se seu grande filão; ainda se orientando por essa bússola, o futebol também torna-se tema da ficção cinematográfica, pano de fundo de filmes como "OCampeão de Futebol", de 1.931 (que conta com a participação do maior ídolo da época, Arthur Friedenreich), e Futebol em Família, de 1.938.12 interessante notar que este filme levou às telas o contexto futebolístico que prevalecia desde a virada dos anos 20 no cenário brasileiro

-

por um lado, as

dificuldades em reconhecê-lo enquanto profissão; por outro, seu aspecto irresistivelmente sedutor. Nele, o personagem Leônidas Jaú "abandona os deveres escolares sob pressão da família, que queria vê-lo professor, para dedicar-se ao futebol".13

l2Todo este trecho deve muito ao texto de WOLF, Jose. Cinema e futebol: uma história em dois campos. in: Cinema Brasileiro: 8 Estudos. Rio de Janeiro: MECI Embrafilmel Funarte, 1980. pp. 209212. Cabe notar que este foi o único texto encontrado a respeito do futebol enquanto tema da cinematografia nacional, dos seus primórdios ate o final da década de 70. l3VIEIRA, J O ~ Luiz. O A chanchada e o cinema carioca (1930-1955). in: RAMOS, Fernão (org.). História do Cinema Brasileiro. Sã0 Paulo: Circulo do Livro, sld. p. 181, nota 26.

Esse quadro demonstra que o futebol transcendera os limites dos estádios e tornara-se um fenômeno social que não se limitava aos aspectos emocionais e simbólicos, conferindo um princípio de cidadania a uma significativa parcela da população brasileira. Ao fim de um longo processo de conquistas no qual o principal papel foi desempenhado pelas classes populares, a profissionalização veio reconhecer, ao menos no universo futebolístico, a igualdade entre povo e elite (muito embora os preconceitos - principalmente o racial - nClo tenham desaparecido), além de incorporar o esporte ao ideário do trabalhismo do pós-30; embora a profissão não fosse oficialmente reconhecida - o que só veio a ocorrer em 1.976 -, o atleta, na prática, transformara-se em trabalhador. E isto significava muito dentro da ordem autoritária e corporativista do período, sob a qual era a categoria "trabalho" e sua legislação que pretendiam definir o cidadão e a cidadania.14 As diferenciações sociais tão explícitas em outros níveis vão se minimizar sob o efeito aglutinador do futebol, abrindo espaço para a formação de um sentimento comum de patriotismo à sociedade brasileira, o que foi de encontro ao processo de reelaboração de elementos de apelo popular promovido pelo governo de Getúlio Vargas com vistas à unificaçao cultural do pais, estabelecendo uma homogeneidade em meio à diversidade.15 Se o pais já estava em chuteiras, a pAtria também logo as calçaria, graças à Copa do Mundo, competição promovida pela FIFA a cada quatro anos e que

cidadania em recesso. l4Cf. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Do laissez-faire repressivo Cidadania e Justiça. A poiltlca social na ordem brasllelra. Rio de Janeiro: Campus, 1979; QUIRINO, cdlia Galvao & MONTES, Maria Lúcia. ConstituiçOes Brasileiras e Cidadania. São

j5uio: Atica, 1987 (Fundamentos.20).

Cf. VIANNA, Hermano. O Mist6rlo do Samba. Rio de Janeiro: Editora UFRJ / Jorge Zahar Editor, 1995. p. 61. A respeito das mudanças no campo da cultura promovidas pelo governo do pós-30, ver tambem CANDIDO, Antonio. A Revolução de 30 e a Cultura. Novos Estudos CEBRAP. Sgo Paulo, v. 2,no. 4, abril 1984.

começou a ser disputada em 1.930. Nas duas primeiras edições do torneio, realizadas no Uruguai e na Itália, respectivamente, a participação brasileira foi prejudicada - da primeira vez, por conflitos de poder entre dirigentes do Rio e de São Paulo; da segunda, pelas brigas entre "amadoristas" e "profissionalistas". Em 1.938, porem, com essas pendências resolvidas, o sentimento popular encontra o nacionalismo do recém-instaurado Estado Novo, e ambos convergem para a seleção de futebol. Três meses antes do inicio da competição, a ser realizada na França, boa parte das expectativas e preocupaçóe~nacionais já diziam respeito ao desempenho daqueles que defenderiam o nome do Brasil no exterior.16 Parecia a emocionante partida para uma guerra - e essa relação não deixa de estar correta na opinião de alguns autores, que sugerem que as nações encontram sua plena expressa0 através de duas maneiras, a guerra e o esporte.17 Colocando a pátria acima de tudo, ambas envolvem a luta, a competição, contra um inimigo comum, tornando-se assim ocasiões de afirmação das diferenças de um povo frente a outros (ou ao outro - o estrangeiro, o desconhecido, o diferente) e promovendo a auto-identificação entre os habitantes de um mesmo pais. No caso da Copa de 38 e seu impacto sobre o Brasil, consolidava-se assim a id6ia de "preenchimento" através da identidade nacional expressada pela seleção de futebol. Com o auxilio dos meios de comunicação, incorporou-se ao escrete18 o ideário do Estado Novo, e ambos contagiavam o pais. Os jogadores eram 0s

Cf. "cuida-se com patriotismo e entusiasmo da nossa ~eleçã0á 'Taça do Mundo"'. A Gazeta

l6

-

Ediçdo Esportiva. S8o Paulo, 14 de março de 1938, P- 5. DUKE Vic and CROLLEY, Liz. "Football, Nationalíty, and the Stdte". Essex: Longman, 1996. p. 4. sobre'a experi&nciada guerra influindo na organizaÇ80 das competiçbes esportivas internacionais (notadamente as Olimpladas), ver SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. "Jogos do poder. O ideal ollmpico resiste a manipulações, preconceitos e fanatismos".Ci4nciaHoje, vol. 20.

representantes do Brasil no exterior, e deles se esperava o mesmo que da na@o: coragem, disciplina, e, acima de tudo, patriotismo. Mas o mais importante era que a população brasileira via que esses representantes não lhe eram estranhos; ao contrário, tinham saído dela própria: eram negros, mulatos, filhos de imigrantes precisamente aqueles que haviam tomado

O

futebol dos pés da elite para

transformá-lo em uma das expressões populares mais enraizadas em nossa sociedade. Em que pese toda a importancia da ideologia nacionalista do momento, essa identificação primeira, da população com os jogadores e destes com a nação, é que foi fundamental para promover a coesão nacional em torno do futebol. Ainda sobre 38, a seleção chegaria à semifinal da competi@o, mas não passaria pela poderosa Itália, cujo time era praticamente o mesmo que já havia sido campeão em 34; enquanto os italianos, para a alegria de Mussolini, rumavam para a conquista do bicampeonato mundial, o escrete nacional disputaria o terceiro lugar, contra a Suécia. Mesmo vencendo, e conquistando assim a melhor colocação brasileira em Copas do Mundo até então,

0

posto parecia não interessar tanto para

um país no qual até o presidente não deixou de registrar suas impressões a respeito das partidas da equipe e seu impacto junto à população. Ap6s a derrota para os italianos, Vargas anotou em seu diário: "Despacho com os ministros militares. Não houve audidncias. 0 jogo de futebol monopolizou as atençóes. A perda do team brasileiro para o italiano causou uma grande decepçfio e tristeza

18

Escrete. [Do ingi. Scratch] S.m. V. seleçdo. Op. Cit., pdg. 557

O primeiro diploma legal a tratar do atleta profissional de futebol foi o Decreto no 53.820, de 24 de março de 1.964, que instituiu, entre outros aspectos, a participação do atleta no preço cobrado pelo respectivo "passe", no montante de 15% sobre o valor total. Além disso, passou o atleta de futebol a ter direito a férias e a intervalo mínimo de 60 horas entre partidas. Relativamente ao contrato de trabalho, estabeleceu o período de tempo minimo de 03 meses e máximo de 02 anos, para sua vigência. No respectivo instrumento, deveriam, ainda, constar cláusula de assistência médico-hospitalar obrigatória, além do direito do atleta a ausentar-se do trabalho para prestaç8o de provas e exames, quando estudante. Como requisitos essenciais para validade do contrato, o artigo 30,

'3

10,

dispunha que o atleta deveria ser alfabetizado, estar em dia com o serviço militar e ter mais de 16 anos na data da celebração do contrato, devendo ser assistido pelo pai ou responsável, se menor de 21 anos. Em seguida, veio a Lei no 6.354176 (vulgarmente conhecida como "Lei do Passe"), ainda em vigência, com algumas alterações provocadas pela Lei no 8.672193 (Lei Zico) e pela Lei no9.815198 (Lei Pel6). A Lei no 8.672193, popularmente conhecida como "Lei Zico", foi publicada em

1.993 e revogada expressamente, em sua totalidade, pelo artigo 96 da Lei no 9.615198, batizada de "Lei PeléW.A"Lei Zico" 6 considerada, por muitos, como o embrião da "Lei Pele" por conter claramente dispositivos inspirados naquela lei. Pela primeira vez, regulou-se a situaçao de atletas convocados para seleções, quando, em seu artigo 21,

5

1°, previa que "a entidade convocadora

indenizará a cedente dos encargos previstos no contrato de trabalho, pelo periodo em que durar a convocação do atleta". Poderia, ainda, haver a inclusão de cláusula penal para descumprimento ou rompimento unilateral de contrato de trabalho (artigo 22, caput). Admitiu-se, de forma inédita até então, a aplicação da legislação trabalhista e de seguridade social ao atleta profissional, embora não fosse suficiente para convencer certos doutrinadores da desnecessidade de esgotar as instâncias da Justiça Desportiva, antes de recorrer à Justiça do Trabalho, ao contrário do que prevê o artigo 29 da "Lei do Passe" (Lei no 6.354ff6). Quanto à vigência do contrato, a Lei no 8.672193 (Lei Zico) ampliava o prazo previsto pelo Decreto no 53.820164 e recepcionado pela Lei no 6.354/76 (Lei do Passe): mjnimo de 03 meses e máximo de 36 meses. Havia uma exceção, prevista no parhgrafo único do artigo 23, contemplando a hipótese de celebração do primeiro contrato profissional, que poderia ter prazo máximo de 48 meses, se realizado junto a entidade de prática desportiva, na qual

O

atleta vinha exercendo a mesma

atividade, nos últimos 24 meses. 1.5 Legislaçiio Comparada e Internacional:

O Estatuto dos Jogadores da FIFA, em vigor desde 01 de outubro de 1.997 (artigo 45), traz disposições gerais a respeito do Contrato de trabalho de atleta profissional de futebol, como a obrigatoriedade do contrato por escrito (artigo 50, A), da estipula@o do prazo (artigo 5O, 2) e concede às associaçbes nacionais de futebol o direito de estabelecer disposições adicionais. Este Estatuto prevê a suspensão de atleta profissional que firmar contratos de trabalho com duas associações desportivas distintas. Caso o jogador receba

ausência de estipulação de prazos mínimo e máximo para o contrato de trabalho, embora o artigo 6' preveja que o contrato deve necessariamente ser de prazo determinado. Assim, são possíveis situações como a do jogador brasileiro Denílson, que em 1.998 transferiu-se ao Real Betis, de Sevilha, e assinou contrato válido por 11 anos. Tal hipótese não seria possível em nosso pais. A forma do contrato deverá ser escrita, em três vias (artigo 3'). O Real Decreto 1.O06185 tamb6m dá margem a estipulação de retribuição mediante "convenio C O ~ ~ C ~ ~(artigo V O " 8').

1.6 Legislação Brasileira Aplicável Atualmente, o contrato de trabalho de atleta profissional de futebol 6 disciplinado especificamente pela Lei no 6.354176 (Lei do Passe), e pela Lei no 9.615198 (Lei PelB) e seu respectivo regulamento, o Decreto no 2.574198, com as devidas alteraç&s procedidas pela Lei no 9.981100 e pela Medida Provisória no 2.141, de 23 de março de 2.001.

2. JUSTIÇA DESPORTIVA:

2.1 Justiça Comum e Justiça Desportiva:

Ao interessado, não é livre o acesso a Justiça Comum e à Justiça Desportiva, vez que somente poderá ajuizar ações na Justiça Comum após esgotarem-se as instâncias da Justiça Desportiva, conforme artigo 217, 5 1' da Constituição Federal: xrt. 21 7.

6

dever do Estado fomentar práticas desportivas

fomais e não-formais,como direito de cada um, obsen/ados: ~j

f0

O Poder Judiciário só admitirá ações relativas B disciplina e

ás competições desportivas apds esgotarem-se todas as instâncias da justiça desportiva, reguladas em lei." A partir dessa informação poderia se concluir que a norma constitucional

supra citada vai de encontro ao princípio do artigo SO, inciso XXXV, da mesma Constituiçáo Federal, segundo o qual "a Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de Direito'1Entende-se que não, pois, além de ambas as normas serem constitucionais, o artigo 217, § l0 da Constituição Federal, "náo" impede o acesso ao Poder Judiciário, tão somente determina que se esgotem as instâncias da Justiça Desportiva antes disso. Não nos estendermos por demais nesse assunto, vez que a questão da constitucionalidade da "Lei Pelé" será estudada em item específico, mais adiante. Ademais, as decisões finais dos Tribunais de Justiça desportiva são impugnáveis, confome artigo 52, § 1°, da "Lei Pele" (Lei 9.615198). o que reforça a idéia segundo a qual não se vedou

0

acesso ao Poder Judicilrio e, até que haja

solução do recurso pelo Poder Judiciário, continuam válidos os efeitos desportivos produzidos em conseqüência da decisão proferida pelos Tribunais de Justiça Desportiva.

A Justiça Desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final, conforme reza o artigo 217, fj 2O,

da Constituição Federal. Entende-se que se a Justiça Desportiva, por suas instâncias, não proferir

decisão final no prazo constitucional de sessenta dias, passa a ser possível que o prejudicado ajuíze açáo na Justiça Comum, exceto se houver justa causa para o atraso da solução na Justiça desportiva. Pensar-se em contrário é admitir-se a não justiça.

2.2 Órgãos Integrantes da Justiça Desportiva: De acordo com o artigo 52 da Lei 9.615198 (Lei Pelé), com redação dada pela Lei 9.981100, a Justiça Desportiva compõe-se pelos seguintes órglos, autônomos e independentes da entidade de administraHo do despolto de cada sistema:

- Superior Tribunal de Justiça

Desportiva (funcionando junto às

entidades nacionais de administração do desporto);

- Tribunais de Justiça Desportiva (funcionando junto às entidades regionais de administração do desporto);

-

Comissões Disciplinares (com competência para processar e

julgar as questões previstas nos códigos de Justiça Desportiva).

Vale consignar que "sempre" são assegurados a ampla defesa e o contradítórío, ou seja, cada parte deve ter ciência de tudo o que acontece no processo para poder se manifestar a respeito, podendo produzir qualquer tipo de prova licita para a defesa de sue interesse.

2.3 Composição dos Tribunais de Justiça Desportiva:

O Superior Tribunal de Justiça Desportiva e os Tribunais de Justiça Desportiva devem ser compostos por nove membros (dois indicados pela entidades de administração do desporto e outros dois indicados pelas entidades de prática desportiva que participem das competições oficiais da divisão principal; dois advogados com notório saber jurídico desportivo, indicados pela OAB; um representante dos árbitros, indicados por estes; e dois representantes dos atletas, por estes indicados).

O mandato deles terá duração máxima de quatro anos, permitida apenas "uma" reconduçáo, poderão ser bacharéis em Direito Ou pessoa de notbrio saber jurídico e de conduta ilibada, sendo suas funções consideradas de relevante interesse público, podendo, se for servidor público. ter abonadas suas faltas, estas Consideradas como de efetivo exercício quando da participação nas sess6es do Tribunal de Justiça Desportiva. Ressalte-se que quanto aos dirigentes despodivo~ das entidades de administraçáo e das entidades de prática "é vedado" 0 exercício de cargo ou função na Justiça Desportiva, "exceto" quanto aos membros dos conselhos deliberativos das entidades de prhtica despodiva.

Tais normas se encontram nos artigos 54 e 55, incisos e Ej§ da Lei 9.615198 (Lei Pelé), com redação dada pela Lei 9.981100. Vale ressaltar que os órgãos da Justiça Desportiva, no exercício de suas funções, sob pena de nulidade, devem observar os principias "da impessoalidade, da celeidade, da publicidade e a da independência", devendo ser, suas decisdes, sob pena de nulidade, fundamentadas, publicadas, nunca correndo os processos em segredo de justiça (sempre púbicos) e disponibilizadas na internet em sítio próprio.

2.4 Hierarquia das Decisões e Recursos dos Órg80~Despottivos e seus

Efeitos:

Das decisees da Comissão Disciplinar, caberá recurso ao Tribunal de Justiça Desportiva, e deste a Superior Tribunal de Justiça Desportiva. O recurso ser6 recebido e processado com "efeito suspensivo" quando a

penalidade "exceder duas partidas c o n s e ~ ~ tou i ~quinze a ~ dias". Assim, se o jogador de futebol tiver sido julgado e a ele tiver sido aplicada a pena de não poder participar de mais de duas partidas consecutivas ou não poder jogar por mais de quinze dias, caso recorra, enquanto o Tribunal de Justiça Desportiva não julgar o recurso, o jogador de futebol poderá jogar normalmente nas partidas posteriores. Se aplicada outra penalidade que na0 as explicitadas (ou exceder duas partidas consecutivas ou os quinze dias) efeito do recurso é só ''devolutivo";

- uma Pena de multa, por exemplo -, o

OU

seja, enquanto o Tribunal de Justiça

Desportiva na0 julga o recuso do jogador de futebol. a penalidade aplicada persiste e o jogador deve pagar a muita de imediato.

3. LEGISLAÇÃO DESPORTIVA EM VIGOR:

3.1 Lei do Passe (Lei no6.354176) Conforme preceituava o revogado artigo 11 da Lei 6.354176 (Lei do Passe), Lei esta revogada em parte (derrogada) pela "Lei Pelé" (Lei 9.615198): " ~ r t .71. Passe é a importância devida por um empregador a outro pela cessão do atleta durante a vigência do contrato ou depois do seu t6rmin0, obsenladas as normas desportivas pertinentes". (grifamos). Hoje, não mais persiste o "passe" a favor do time em que o jogador de futebol trabalha, pois a Lei Pelé (Lei 9.615198) revogou a sua existência, também regulando o contrato do atleta profissional. Todavia, é mister salientar que, mesmo com o fim do passe atravks do advento da "Lei Pelél1- a partir de 26 de Março de 2.001 - 0s contratos celebrados anteriormente a esta data, ainda encontram-se sobre a égide da "Lei do Passe", ou seja, para estes contratos, especificamente, a figura do passe ainda existe,confomie veremos mais adiante. Assim, a "Lei do Passe" ainda continua parcialmente em vigor, tendo em vista que o artigo 96 da "Lei Pelé" revogou apenas os seus incisos 11 e V e os

l0 e 30

do artigo 30, 0s artigos 4 O , 6O, 11 e 13, 0 1 2' do artigo 15, 0 parágrafo único do artigo 16 e os artigos 23 e 26.

3.2 Lei Pelé (Lei no9,615198): A Lei no 9.615198, batizada de "Lei Pelé", estabeleceu normas sobre o

desporto no Brasil. Referida lei tentou tratar

0

desporto de maneira generalizada,

mas foi no futebol que teve o seu escopo principal, muito provavelmentel pela preferência desse esporte em nosso país, bem como pelo reconhecimento que o Brasil tem internacionalmente devido ao seu status de pentacampeão mundial. A "Lei Peié" trouxe como principal avanço a extinção do passe. A figura do passe era, além de controvertida em quase todos OS seus aspectos, abominada na relação de emprego, pois criava um vinculo perene entre o profissional de futebol e seu empregador que, mesmo com o fim do contrato, continuava vinculado ao clube, sem poder trabalhar e sem receber salhrios. Ademais, a "Lei Pelé"consoante O disposto em seu artigo 96, revogou, ainda, outros dispositivos da "Lei do Passe" (Lei no6.35416): 'rSão revogados, a partir da vigdncia do disposto no

9 20

do

artigo 28 desta Lei, os incisos I/ e V e os $5 7' e 3" do arfigo 30, os arts.

#O,

67 11 e 13, o § 2' do artigo 15, o parágrafo único do

artigo 16 e os arts. 23 e 26 da Lei no 6.354, de 2.9.1976". Veremos abaixo, expostas de uma forma mais diddtica a fim de facilitar o entendimento, algumas normas da "Lei do Passe", revogadas pela "Lei Pek1':

- o prazo de vigência do contrato de trabalho do atleta tinha de ser de 03 meses a 02 anos (artigo 3O, inciso 11);

-O

contrato tinha de prever 0s direitos e as obriga@es dos

contratantes, os critkrios para fixação do preço do "passen e as condiç&ç para dissolução do contrato (artigo 3O, inciso V);

-

O contrato de trabalho tinha de ser registrado no Conselho

Regional de Desportos e inscrito nas entidades desportivas de direção regional e na respectiva confederação

(5 1°,

do artigo

- O contrato tinha de ser fornecido pela confederação respectiva e com modelo por ela elaborado e aprovado pelo Conselho Nacional de Desportos (3 3', do artigo 3');

-

Havia exigência de comprovante de alfabetização do jogador

de futebol, de sua carteira de trabalho e de estar quite com o serviço militar alem do e atestado de sanidade física e mental, inclusive chapa dos pulmões (artigo 4 O , caput);

- O horário de trabalho era de até quarenta e oito horas semanais, ficando o jogador de futebol, à disposição do empregador (artigo 61' caput);

- O passe da entidade contratante existia e era definido como a importância devida a um empregador a outro ela cessão do atleta durante a vigência do contrato. OU depois de seu thrmino, observadas as normas des~ortivas pertinentes (artigo 11,

caputl) ;

- O empregador que cedesse o jogador de futebol podia exigir da outra equipe, que recebeu o jogador de futebol, o pagamento do passe (artigo 13, capuf):

- Cabia ao Conselho Nacional de Despodos expedir deliberaçáo sobre a justa proporcionalidade entre a pena e a falta cometida pelo atleta (§ 2O, do artigo 15) ;

- Podia haver a dissolução do contrato firmado com o jogador de futebol no caso de impedimento definitivo do empregador, inclusive por desfiliação do empregador, devendo o passe do atleta ser negociado em noventa dias, sob pena de concessão do "passe livre" (parágrafo único do artigo, do artigo 16);

-

AS

nomias sobre datas, horários e intervalos do jogo

obedeciam ao determinado pelo Conselho Nacional de Desportos e pelas entidades desportivas (artigo 23, caput);

- Somente havia "passe livre" ao fim do contrato e

a favor do

joqador de futebol que. ao atinair 32 anos de idade, tivesse dez anos de sefVic0 efetivo ao seu Último empre~ador (artigo 26, caput).

Na sua versão original a "Lei Pelé" n8o contemplou a cláusuia penal. Na Verdade, como já fora mencionado, a idéia de cláusula penal surgiu na "Lei Zico (Lei no 8.672193) e foi "recepcionada" pela "Lei Pelé" que não estipulou quanto e como seria fixado o valor da mesma. Esta previs80 foi incluida posteriormente pela Lei 9.981/00 que prevê um limite para sua fixação. Além do fim do passe, a "Lei Pel6" também trata de outra questao polêmica: a Obrigatoriedade dos clubes se transformarem em empresas comerciais. Referida Lei também regula o contrato do atleta profissional - em especial O do atleta profissional de futebol - objeto de nosso estudo.

Para um melhor entendimento acerca das mudanças estabelecidas através de "Lei Pelé", se faz necessário prosseguir em nosso estudo abordando, primeiramente, os aspectos do contrato de trabalho do profissional de futebol. Em seguida, estudaremos os órgãos da justiça desportiva, a composição de seus Tribunais e a hierarquia das decisões e recursos; o instituto do passe (surgimento, extinção e direito adquirido para contratos celebrados antes do advento da "Lei Pelé"), analisando sua constitucionalidade (OUinconstitucionalidade) principalmente no que concerne ao princípio da liberdade de trabalho.

4. ASPECTOS DO CONTRATO DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL: 4.1 Conceito de Atleta: O professor DOMINGOS

SAVIO

nos apresenta o conceito de

ZAINAGHI~O

atleta: 'I..

,por atleta pode-se entender toda pessoa que pratica esporte.

Conjugando este entendimento com o ate agora estudado, conclui-se que atleta profissional 6 todo aquele que pratica esporte como profssão2', entendida esta como exercicio de um trabalho ou como meio de subsist6ncia de seu exercente"

(grifamos). Tendo em vista a maior popularidade e as particularidades que envolvem o futebol e, outrossim, por ter a profissão de jogador de futebol uma legislação especifica ("Lei do Passe" - Lei no 6.354/76), 2.754/98), no

tj

O

regulamento da lei (Decreto no

10 do artigo 30, faz distinflo entre "atletas profissionais" e "atletas

profissionais de futeboln, sendo estes últimos objeto de nosso estudo.

20

''Direito DeSpodivo'', obra originada do 'CuSo de Direito D ~ J P o ~ ~ ~ministrado vo", na Escola Superior da Advocacia da OAB-SP, coordenado Por Carlos Miguel Aidar. Ia ed.. Editora Mizuno, Sao Paulo, 2.000. 21 ''do ponto de vista e w m i c o , um homem trabalha .De maneira objetjva, /@cionaRE6OND quando faz esforços tendo em vista produzir Um bem Ou prestar um sehç0.Jd a pmfissao 4 o meio pelo qual algudm exerce um trabalho, como forma de obter sua subsist8ncia e a de seus fami/iaares, Da\ [ermos o vochbu/o pmfissiona/, que quer indicar aquela pessoa que exerce um tmbalho corno prnrissao: ln: atDlnito esportivo". OP. Cl..P@. 55-50.

4.2 Do Contrato

4.2.1 Sujeitos do Contrato: São sujeitos do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol o empregado (atleta) e o empregador (pessoa juridica):

4.2.1 . I 0 Empregador: Diz o artigo l0 da "Lei do Passe" (Lei no6354ff6): " ~ d10. . Considera-se empregador a associação desportiva que,

mediante qualquer modalidade de remuneração se utiliza dos serviços dos atletas profissionais de futebol, na forma definda nesta Lei." Dessa forma, conclui-se que o empregador poderá ser somente uma pessoa jurídica (associação desportiva) e esta pessoa jurídica deverá efetuar registro na Federaçao Estadual e na Confederação Brasileira de futebol a fim de atender as formalidades exigidas pela legislação.

4.2.1.2 O Empregado: No que diz respeito ao empregado. vejamos o artigo 2' da "Lei do Passen:

yrf. zO.Considera-se empregado, para os efeitos desta Lei, o atleta que praticar o futebol, sob a subordinação de empregador, como ta/ definido no art. 14 mediante remuneração e contrato, na forma do artigo seguinte."

A definição legal prevista no artigo supra mencionado é incompleta levandose em consideração o que prevê o artigo 3' da C L T ~ ~pois , aborda somente subordinação, pessoalidade e remuneração, porém, não trata d a questão d a não-

eventualidade presente no artigo ora men~ionado~~. A subordinação, não caracteriza, vista de forma isolada, a existencia d e

vinculo empregaticio, conforme ilustra DOMINGOS SMO ZAINAGHI~~ "urna vez que não pode se imaginar que um atleta que Jogue apenas uma partida, tendo de obedecer as deteminações do técnico (empmgado do clube) e não estah diante de um contrato de trabalho1'. Dessa forma, o elemento que caracteriza o atleta como empregado é a

pratica continuada do futebol, como bem nos ensina RALPH CANDIA~~: nosso ver, deve&

ser considerada igualmente, como

condiçiio substancial, a prática continuada do futebol, por parte do atleta, afastando-se a possibilidade de participaçBo eventual que, embora remunemda, não confiig~reum contrato, ainda que o jogador se apresente, de forma intemitente, num prazo mínimo de três meses, aludido no art. 3'. A subordinaçEio no caso de esporádícas competiçdes, desapareceria por completo,

22

Adiao y da CLT: uC~"sid~&se empregado toda pessoa flsica que prestar serviços, de natureza

não eventual a empre@or, sob a dependencia deste e mediante salfirio'', in: CARRION, VALENTIN. " C ~ m à consoJldaçfio e ~ ~ ~ das ~ Leis ~ do ~ Trabalho", 26' ed., Editora Saraiva, 2.001, pág. 32, 23 De acordo com DOMINGOS SAVIO ZAINAGHI, "a subordinac80 que quer dizer dependencia, como

e melhor declarado pela CLT, pois mais abrangente, revela-se pela sujeiçao do atleta as odens,

pmgamaçdes e de$mina@eS do clube, emanadas de sues dirigentes ou dos prepostos, particularmente do técnico ou demais membros da comissao tbcnica (medico, preparador físico, &c.). A remuneracao, diferentemente da CLT que fala sal8ri0, 6 0 elemento caracterizador da onerosidade do contrato. Importante prestar aten@o ao termo"remuneraç80, pois aqui o legislador quis dar 6 financeira um carater mais abrangente. . in: "0s Atletas Pmffssionais de Futebol no Direito do Trabalhon, 1' ed., Editora LTr. 1.998. P&. 5940-

24 25

44Comenurios Op. Cit.., pág. 59. Contratos de Trabalho Especiais", Ia ed., Editora LTr. 1.987, pag. 12.

8

a contratação para apresentações em uma ou em algumas

partidas afigurar-se-ia ajuste com nítido cadter de autonomial regido pelas regras do direito civil.

A reiterada participação nos jogos, a serviço do empregado, afigura-se, pois, requisito fundamental para o surgimento da imagem do empregado amparado pelo disciplinamento sob estudo".

0 artigo 28 da "Lei Pelé" (Lei no 9.615/98)é de aplicação obrigatória para os atletas bem como para as entidades de prática profissional do futebol e, reza em seu § l0 que deve ser de aplicação subsidiária ao contrato de atleta profissional, as normas gerais da legislação trabalhista e da seguridade social. A "Lei do Passen(Lei no6.354/76), ainda vigente, tambbm traz a mesma previsao em

seu artigo 28:

grt.28. Aplicam-se ao atleta profissional de futebol as normas gerais da legislaçáo trabalhista e da Previdência Social, exceto naquilo que forem incompatíveis com as disposições desta Lei."

4.3. Forma do Contrato:

O artigo 442 da CLT, em seu capuf nos traz a definiç80 de Contrato de Trabalho: yrt. 442. Contrato individual de trabalho é o acode tácito ou

~omspondentea relação de emprego".

Apesar de a CLT permitir que

O

contrato de trabalho possa ser celebrado

tambkm de forma tácita (artigo 443), 0 contrato de trabalho de atleta profissional de

futebol deverá ser necessariamente escrito, por imposição legal do artigo 3" da "Lei d o Passe" (Lei no 6.354ff6) 26.

O professor JOSÉ MARTINS CATHARINO~'conceitua de trabalho do atleta Profissional de futebol da seguinte fon-tm:

"...6 aquele pelo qual uma (ou mais) pessoa natural se obriga, mediante remuneração, a prestar serviços a outra (natural ou jurídica) sobre a direção desta. O contrato de trabalho desportivo compreende duas espécies ou

subespécies, como e queira:

0

de atletas e o de auxiliares

despodivos. O de emprego atlético 6 o mais importante e especial e, por isso mesmo, o mais regulado com diversificação normativa.

A natureza desportiva do trabalho é que caracteriza, embora seja pmblematico se tenha o desporto a atividade rBmunerada. No sentido nobre e olímpico -

0

desporto como um fim em si

mesmo -, a resposta é negativa. Em princípio, o contrato de emprego atlético pode ser singular 0,

p/i.~n~ateral. Celebrado por um atleta com uma pessoa, ou por reunidos em conjunto organizado (equipe) ou não.

Na prática, desconhece-se tal plumlidade, embora sejam casos de contratos singulares conjugados , de dois

26

Vide AP~NDICE,o qual constam as leis pertinentes na integra. "Contrato de Emprego ~ ~ ~ p o i tdo i v Direito o Brasileiro". la ed. Sa0 Paul0 Editora LTr, 1.969, pag. 9.

27

atletas acostumados a jogar juntos, (fazendo ala atacante; dois zagueiros de área, ou dois goleiros - ':

4.4 Capacidade do Atleta para Celebrar Contrato: O atleta profissional de futebol poderá firmar seu primeiro contrato

profissional a partir dos 16 anos (artigo 29, caput, Lei no 9.615198 (Lei Pelé) e artigo

5' da "Lei do Passe"

-

Lei no 6.354176). Conforme

0

entendimento do parágrafo

Único, do artigo 5O da "Lei do Passe"(Lei no6.354176) até OS 21 anos. o contrato só poderá ser celebrado com o prévio e expresso assentimento de seu representante legal, mas a partir dos 18 anos, o contrato poderá ser celebrado mediante suprimento judicial, na falta ou negativa do assentimento do responsável legal.

A capacidade de firmar cOntrat0 e. por cOnseqÜ8ncia, de desempenhar profissionalmente atividades desportivas aos 16 anos, pode ensejar a participação de menores de 18 anos em partidas noturnas, situação proibida ~~nstitucionalmente (artigo 70, inciso XXXIII da Constituição

embora, na prática, saibamos

que tal vedaçao nao 6 obedecida pelos clubes.

28

Artigo 70, inciso XXXIII da Constituição Federal: "Ar[. 7' Sao direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alem de outros que visem melhoria de sua condiç80 social: ...XXXIII - proibiçAo de trabalho noturno perigoso ou insalubre a menores de 18 (dezoito) anos e de qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na andição de aprendiz. a partir de 14 (quato~e)anos;"

4.5 Modalidade do Contrato: O contrato de trabalho de atleta profissional de futebol será celebrado por

prazo deteminado, tendo duração mínima de 03 meses e mbima de 05 anos (artigo

-

29, caput, e 30,"Lei ~ e l é ' " ~Lei no9.615198)

4.6 Conteúdo do Contrato:

por imposição do artigo 3' e incisos, da "Lei do Passe" (Lei no 6.354/76), o contrato deverá conter os nomes das partes contratantes, devidamente individualizadas e caracterizadas; o prazo de vigência, pela própria natureza de Contrato de prazo determinado, ainda que O artigo 3'. inciso 11, Lei no6.354ff6, tenha sido revogado pelo artigo 96 da Lei no 9.615J98;0 modo e a forma de remuneração, com especificação do salário, prêmios e gratificações, além de bonificaçbes e luvas, quando for o caso; a mençao de conhecerem 0s contratantes os códigos, 0s regulamentos e 0s estatutos técnicos,

O

estatuto e as tI0rmas disciplinares da

entidade a que estiverem vinculados e filiados, além do número da CTPS do atleta.

O inciso V, do artigo 3O, dispunha sobre a obrigatoriedade de inclusa0 dos direitos e obrigaçdes dos contratantes,

OS

critérios para fixação do preço do

passe e as condições para dissoluÇa0 do contrato foi revogado pelo artigo 96, Lei no 9.6 15/98.

0 s contratos de trabalho serão, ainda, numerados pelas associações empregadoras, em ordem sucessiva e cronol@ica, datados e assinados pelo atleta

29

Vide A P ~ N D I C Eo, qual constam as leis peitinentes na ktega.

Poder-se-ia cogitar a aplicação do artigo 412 do C6digo civil3', para sustentar que o valor da cláusula penal n8o pode exceder o da obrigação principal. Entretanto, como o Código Civil e a Lei no 9.615/98 são normas de igual hierarquia, aplica-se esta última, norma especifica para os atletas profissionais.

4.8 Cláusula Penal e Passe: um instituto substitui o outro? Conforme preceitua o artigo I 1 da "Lei do Passe" (Lei no6.35476): " ~ d7 7. Entende-se por passe a importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta, durante a vigência do contrato ou depois de seu término, observadas as normas desportivas pertinentes"

Hoje, não mais persiste o passe para 0s contratos finados após o advento da "Lei PeléJ1 que entrou em vigor na data de 26 de Março de 2.001. Assim, para os contratos firmados a partir de 26 de Março de 2.001, no âmbito desportivo, a inclusã~de cláusula penal no contrato de trabalho de atleta Profissional 6 obrigatória, sendo aplicada nas hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral (artigo 28, caput, da Lei no 9.615198). Conforme já vimos, a ~láusulapenal passou a existir somente ap6s a extinçao do passe que passou a ser devido ao final do contrato como compensaç8o pela sua perda, Tendo em vista que o clube não tem mais direito a esse vinculo (passe) ao final do contrato surgiu, então, a figura da cI&~sulapenal como compensação.

31

Artigo 412 do código Civil (correspondenteao amgo 920 do Cbdigo Civil de 1.916, revogado pela da ~ominaç80imposta na cltbsula ~ n a l pode exceder o da Lei no 10.406/02): REALE, MIGUEL. "0 Novo Cbdigo Civil Bnsileiro". 1' ed.. Editora Revista dos principarTribunais, Sgo Paulo, 2.002, pág. 70.

No que diz respeito as diferenças entre passe e cláusula penal, assim nos ensina o notável professor ALVAROMEL0 FILHO": "Disso resulta que, ontoldgica e finalisticamente, passe e cláusula penal têm o mesmo objetivo, adaptando-se cada um dos sistemas ao respectivo regime: o do passe, na coexistência dos vínculos trabalhista e despodivo; e o da cláusula penal, na existência de um vínculo único, O trabalhista. Por isso, contrana a lógica do novo regime pretender-se que um atleta

-

na

hipótese em que, para exemplificar - O clube atrasasse parcelas muneratórias

- pudesse,

tambdm, cumulativamente com a

multa rescisória e os haveres devidos, exigir-lhe o valor da c/áusula penal. Seria ilógico que quem, como ele, já pela lei estivesse liberado do vínculo desportivo, ainda que viesse receber uma verba compensatória pelo passe, pois foi o clube que perdeu, conquanto

OS

mspectivos direitos jB se haviam

transferido para 0 atleta''. A cl&,jsulapenal foi introduzida pela nova legislaçao para compensar o clube pelo rompimento do vinculo contratua1 Por parte do atleta, pois ao término do contrato e com o advento do novo sistema, n8o haver8 mais nenhum vinculo, o atleta estará livre. Assim como nos ensina DOMINGOS SAVIOZ A I N A G H I ~ ~ :

"Novo Direito esportivo", l a ed., Editora Cultural Paulista, Sgo Paulo, 2.002,pág. 55. 33 "Nova ~~~~~~~~a~ ~ ~ ~ ~ Aspectos ~ d vTrabalhistas''. s : da ed.. Editora LTr. Sao Paulo, 2.002, 32

':..a cláusula penal não B uma forma disfarçada da manutenção do passe, mas sim, um meio de se evitar o aliciamento de jogadores durante uma ~0mpeti~ã0" Dessa forma podemos concluir, dentro do que vimos até entáo, que a cláusula penal é sucedânea do instituto do passe, porém não foi criada com o intuito de substitui-lo, até porque conforme mencionamos acima, via de regra, o instituto do passe ainda existe para contratos firmados antes do advento da "Lei Pele" (Lei no 9.615/76), a fim de que seja respeitado o direito adauirido, previsto no inciso XXXVI,

do artigo 50, da Constituiç30 ~ederal", o qual Veremos mais amiúde nos itens adiante.

4.9 Cláusula Penal e Multa Rescisória: ~ t muito é pouco tempo atrAs, a "Lei Pelé" nao trazia em seu texto original a distinção entre a cl&Jsula penal (instituto próprio do Direito civil e do Direito desportivo) da multa rescisória peculiar ao Direito do Trabalho.

O instituto da cláusula penal está explicitado nos parágrafos (mais precisamente pelo § 3O) introduzidos no attig0 28 do texto original do LGSD (Legislação Geral sobre Desporto), através da Lei no9.181100: grt.28. A atividade do atleta pmfissional, de todas as desportivas, 6 caracterizada por remuneraça0 em contrato f01n'ld de trabalho h a d o com entidade de prática desportiva. pessoa jurldca de direito privado, que

34

Art. 50, inciao XXXVI da ~ ~ n s t i t u i çFederal: io " m V I - a lei o ato jur(dico perh>jto e a coisa julgada;. (grifamos).

prejudicar6 o dimito adaujrjdo

deverá conter, obrigatohamente, cláusula penal para as h@ófeses de

descumprimento, mmpimento

ou

rescis8o

unilateral.

3 30. O valor da C l á ~ s ~penal l a a que se refere o caput desse arfigo s e h livremente estabelecido pelos contratantes ate

0

/imite máximo de cem vezes o montante da remuneração anua/ pactuada."

O instituto da multa rescisória vem disposto no art. 31, caput e em seu § 30 da Lei no 9.816198 ("Lei PeY"), sendo que o 5 3' foi introduzido pela Lei no 10.672 de 15

de Maio de 2.003: y r f . 37. A entidade de pdtica desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário do atleta em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a t&s meses, terá o contrato e trabalho daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir de qualquer OUra agremiaçao de mesma nacional ou internacional, 8 exigir a multa /~sscis&ja

e 0s haveres devidos.

5 30 Sempre que a mscis80 se opemr pelo disposto no caput desde artigo, a multa rescisóna a favor do atleta será conhecida pela aplicaçdo do disposto no arf. 4 79 da CLT."

Na realidade, cláusula penal e multa rescisóna na0

S ~ Oexpressbes

sinÔnimas, nem institutos jurídicos equivalentes, como se podia imaginar (talvez com interpretação conveniente, para alguns) antes da inclusao, na lei. dos parágrafos

acima mencionados. No entanto, àquela época, o jurista ALVARO MEL0 F I L H já~ ~ ~ vislumbrava esta distinção: "A multa rescisória a que se mfem o arfigo 31, é aquela típica

do Direito do trabalho, o que está denunciado pela referência expressa ao arfigo 479 da Consolidação das Leis do Trabalho, sempre correspondente a 50% do que o empregador cumpríria pagar ao empregado, at6 o final do contrato. já a cláusula penal, instituto de direito civil, ganhou espaço na

nova legislação desporfiva brasileira com caracterização específica, ou seja, sem que tenha que observar, na sua quantificação, o limite estabelecido pelo artigo 920 [leia-se artigo

4 12)do Código Civil". (grifamos). A fim de facilitarmos nosso estudo, elaboramos a tabela abaixo,

demonstrandode foma clara as diferenças entre O instituto da cláusula penal e o da multa rescisória: (prevista no artigo 31, caput e 5 3 O , da "Lei Pelé"):

- É devida pelo atleta ao clube;

- É devida pelo clube ao atleta;

- Resulta da infringhncia contratua1 (rompimento unilateral) por vontade do atleta;

- Resulta do atraso salarial por 03 ou mais meses imputável ao clube;

- Tem natureza

- Tem natureza moratdria como sanção de

- A responsabilidade por seu pagamento 6

- c de responsabilidade do clube ao qual o

pela quebra do pacto de pefmant?ncia;

transferida, por costume, ao clube adguirente ou clube de destino do atleta;

- seu valor, atk Cem vezes o valor anual Pactuado, 6 fixado pelas parfes contratantes e S~bmefidoa redutores estatuidos na lei;

35

Multa Rescisória

Cláusula Penal (prevista no artigo 28, caput e 3 39 da "Lei Pele):

atleta está vinculado;

- seu valor esfd lhitsd0 e Lado pelo artigo 479 da C

L

~

1 8 ed., Editora Cultural Paulista, Sáo Paulo, 2.002,pág. 55.

99

"Novo Direito Desportivo

inadimplemento salarial;

I

Vale mencionar que apenas a entidade que, comprovadamente, firmar o primeiro contrato de trabalho com o atleta e que poderá exigir as mencionadas indenizações ao novo empregador (artigo 29, § 3' da "Lei Pele" - Lei no9.615198). A previsão das indenizações de formação e de promoção, que vieram com o advento da Medida Provisória no 2.141, de 23 de março de 2001, atendeu às exigências dos clubes brasileiros, que, ao contrário dos clubes europeus, têm como principal fonte de renda a venda de jogadores. Ambas as indenizações, além de terem multiplicadores maiores do que o da cláusula penal, não sofrem incidência de percentuais depreciativos ao longo dos anos de contrato.

4.1 1 Cessação do contrato de trabalho

4.11. I Rescisão indireta

A rescisão indireta, na simples conceituação de SUSSEKlND, MARANHAO E VIANNA~~, é "o ato que manifesta a ~ ~ S O / Udo Ç ~contrato O de trabalho pelo

empregado, em virtude de inexecução contratualpor parte do empregador". Aplicam-se aos atletas profissionais, portanto, as hipóteses do artigo 483 da CLT, além do artigo 31 da Lei no 9.615198. Este, em seu caput, apenas delimita uma hipótese que poderia perfeitamente ser enquadrada na alínea "d" do artigo 483 da CLT: não cumprimento das obrigações do contrato pelo empregador.

Diz o aludido caput:

S~SSEKIND, Arnaldo, MARANHAO, Dblio, VIANNA, Segadas. "Instituições de Direito do Trabalho", "01. 01, ga ed., Rio de Janeiro, Editora Freias Bastos, 1.984, phg. 553.

"a entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato de trabalho daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra a g m a ç ã o de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a multa rescisória e os haveres devidos''. O § l0 do artigo 31, da "Lei Pelé (Lei no9.615/98) esclarece o que é salário:

"São entendidos por salário, para efeitos do previsto do caput, abono de férias, 13' salário, gratificações, prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho".

O não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciários (artigo 31, § 2 O , Lei no 9.615198) também configuram mora contumaz, ensejadora da hip6tese de

rescisão indireta descrita no artigo 31, caput. Por força do artigo 31, § 3O, será devida, ainda, pelo empregador-instituição desportiva, a indenizaçao prevista nos artigos. 479 da CLT, na ordem de metade da remuneração a que teria direito o empregado-atleta até o fim do contrato. Caso a iniciativa de rescindir o contrato seja do empregado-atleta, este deverá indenizar o empregador-instituição desportiva dos prejuízos que desse fato lhe resultarem, estando esta indenização limitada à mesma quantia a que teria direito o empregado, em idênticas condições (artigo 480. parágrafo único, da CLT~').

39 Arfigo 480 da CLT:"Havendo termo estipulado,^ empregado não se poderá desligar do contrato, sem justa causa, sob pena de ser obrigado a indenizar o empregador dos prejuízos que desse fato lhe resultarem. i j único. A indenizaçao,po&m, não poderá exceder Aquela a que teria direito o empregado em iddnticas condiçdes. OP. Cit., pag. 357.

4.1 1.2 Rescisão por Justa Causa

A rescisão por justa causa, cometida pelo empregado, se dá quando este incorre nas faltas previstas no artigo 482 da CLT, aplicadas aos trabalhadores em geral, e no artigo 20 da Lei no 6.354ff6, específicas do atleta de futebol: "ato de

improbidade, grave incontinência de conduta, condenação a pena de reclusão, superior a dois anos, transitada em julgado, e eliminação imposta pela entidade de direção máxima do futebol nacional ou intemacionar'. Analisaremos estas previsões de faltas peculiares a categoria dos atletas profissionais de futebol. Os atos de improbidade são aqueles praticados de modo desonesto. Conforme nos ensina ALICE MONTEIRO DE BARROS"'

f'pressupõem dolo e

caracterizam-se, em geral, pela prática do furto, do roubo, do estelionato, da apropriação indébita, enfim, pressupõem a obtenção de uma vantagem de qualquer ordem'" A grave incontinência diz respeito à falta de moderação no comportamento do atleta de futebol, dentro e fora do ambiente de trabalho, face à amplitude da subordinação. Assim, "a incontinência de conduta é avaliada com mais rigor do que

o critério adotado para os empregados em geral e poderá configurar-se mesmo fora das dependências da agremiaçáo " I Por conseqüência, incorre em incontinência de conduta o atleta que, por exemplo, frequenta "casa nofumas, para encontros constantes, amorosos, que

40

Atleta profissional de Futebol em Face da 'Lei Pelé", in Revista Amatra VI, Recife, no 09,

Março de 2.000, pág. 28.

41

Idem, Ibidem, pág. 28.

somente se concretizam depois de longa permanência na área de diversão, onde

quase sempre o uso imoderado de bebida faz parte de noitadafd2. Tal comportamento vai de encontro a um dos deveres do atleta profissional, que é o de "preservar as condições físicas que Ihes permitam participar das competições desportivas, submetendo-se aos exames médicos e tratamentos clínicos necessários a prática desportiva" (artigo 35, 11, Lei no 9.615198). Dispensável maiores comentários acerca da demissão por justa causa em caso de condenação a pena de reclusão, superior a dois anos, transitada em julgado, devido a incompatibilidade entre a prestação do serviço e a situa@o de clausura. A eliminação do futebol, imposta por entidade de direção máximo do futebol nacional ou internacional, também enseja demissão por justa causa, por motivos óbvios. Como exemplo, podemos citar o caso do goleiro chileno Roberto Rojas, que ao disputar uma partida pela seleçáo de seu pais contra o Brasil, em 1.989, trazia em sua luva um estilete, com o qual cortou-se, simulando ter sido atingido por fogos de artifício disparados pela torcida, recusando-se a continuar disputando a partida. Julgado pela FIFA, Rojas foi condenado a exclusão perpétua do futebol. Na época, Rojas jogava pelo São Paulo Futebol Clube, tendo seu contrato rescindido.

42

CANDIA, Ralph, apud BARROS Alice Monteiro de. Op. Cit., pág. 28.

4.1 1.3 Resilição

O artigo 21 da "Lei do PasseJJ(Lei no 6.354176) faculta a resilição do contrato às partes contratantes, a qualquer tempo, mediante documento escrito assinado

pelo atleta ou pelo seu responsável legal, além de duas testemunhas.

5. FIM DO "PASSE"

5.1 O Caso Bosman

O chamado caso Bosman, de grande repercussão na seara futebolística européia, principalmente no que tange aos países comunitários, teve como seu protagonista o jogador de futebol Jean-Marc Bosman, de nacionalidade belga. Este jogava desde 1.988 pelo Royal Club Liégeois SA, clube da primeira divisão daquele país, tendo um contrato que se expirava em 30 de junho de 1.990 e que lhe garantia

uma renda mensal de $120.000 BFR (francos belgas). Em 21 de abril de 1.990, o RCL propds ao citado jogador uma renovação contratual por mais uma temporada.

Todavia, a proposta apresentada reduzia o salário percebido por Bosman, que agora seria de $ 30.000 BFR. Não concordando com a proposta apresentada pelo clube belga, Bosman foi inscrito na lista de transferencias, tendo sido fixado o valor de $ 11.743.000 (BFR) como quantia a ser paga pelo clube interessado em adquirir o "passe" do jogador. Como não houve o interesse de nenhum clube em pagar o valor estipulado para a transferência de Bosman, este estabeleceu contatos com o clube francês Dunquerque, da segunda divisão daquele pais, tendo fechado um contrato que lhe garantiria um saldo mensal de $ 100.000 (BFR), mais uma "prima de contratación" de $900.000 (BFR). Em 27 de Julho celebrou-se também um contrato de entre o clube belga RCL e o clube francês Dunquerque no qual estipulava-se a transferência temporal, pelo prazo de 01 ano, mediante O pagamento por este último clube de uma compensação de $ 1.200.000 (BFR) que seriam exigiveis quando da recepção pela federação

francesa de futebol do certificado de transferência expedido pela federação belga. No mesmo contrato concedia-se ao Dunquerque a opção de adquirir definitivamente o vínculo do jogador mediante o pagamento de $4.800.000 (BFR). Como não houve a expedição do citado certificado de transferência, e por duvidar da capacidade financeira do Dunquerque, os contratos acabaram tornandose sem efeito. Destarte, em 31 de Julho de 1.990, o RCL suspendeu Bosman, impedindo-lhe de jogar aquela temporada. Por tal razão, o jogador ingressou, em 08 de agosto de 1.990, com uma ação junto a um Tribunal de Ia Instância de Liège, contra o RCL, requerendo, dentro outros pleitos, que os demandados ficassem proibidos de obstacularizar a sua liberdade de contratação. Assim, Bosman conseguiu, por meio do Tribunal de Justiça da Comunidade Européia, transferir-se, como informado, já que aquele Tribunal declarou que as normas sobre transferências previstas nas leis e regulamentos de cada pais da comunidade são incompatíveis com o mercado Único europeu. O fundamento está no artigo 48 do Tratado de Roma de 1.957, afirmando que aquela Corte que tal artigo tem efeito direto e que tanto pode ser invocado por um particular diante dos tribunais nacionais. Concluiu que as normas desportivas relativas as transferências são contrárias à livre circulaçi30 de trabalhadores dentro da comunidade Européia já que impedem ou dificultam um jogador de abandonar seu clube de origem ao término de seu contrato para exercer sua atividade em outro pais da comunidade.

O primeiro efeito lógico desta decisão, e também o mais importante, é que quando atingido o termo final do contrato de um jogador de futebol profissional com o seu clube, e sendo esse jogador cidadão de um dos Estados-membros da União Européia, o clube antigo não pode impedir

O

jogador de assinar um novo contrato

com outro clube noutro Estado-membro, de modo que o clube cedente não poderá mais exigir uma compensação financeira em caso de transferência do jogador. Por óbvio que esta decisão desagradou clubes, federações e confederaçbes, mas, mesmo assim, fora observada em todas as negociações envolvendo na transferência de jogadores.

5.2 Vínculo Desportivo x Vínculo Empregatício:

Antes do advento da "Lei Pelé" (Lei no 9.615198), o contrato de trabalho criava dois vínculos entre o clube e o jogador: o vinculo empregaticio e o vínculo desportivo. O término do primeiro não significava o término do segundo, e assim, o clube não podia recontratar o atleta, nem permitir que fosse jogar e outro clube. A tendência européia de acabar com o "passe" (Caso Bosman) foi consagrada pelo legislador pátrio no artigo 28, § 2O, Lei no 9.615198, ao associar o vínculo desportivo com o vínculo empregatício, dissolvendo-se ambos quando do término da vigência do contrato de trabalho, exceto quando o empregador-instituição desportiva continuar pagando os salários do atleta, para efeito da indenização de promoção (artigo 29, § 3O, 11, Lei no 9.615/98). A medida é amplamente benéfica para o atleta, concedendo-lhe a liberdade

de escolher seu empregador e acabando com um dos instrumentos de coação do clube na negociação para renovação de contrato: como os jogadores eram vinculados desportivamente à agremiação, independentemente do contrato de trabalho, não poderiam deixar o clube quando bem quisessem. Se não houvesse entendimento quanto aos valores da renovação de contrato, o passe do jogador era

estipulado na Federação local, geralmente em valor absurdo, sem obrigação de pagamento de salários. Como os interessados assustavam-se com o valor estipulado, não restava aos atletas outra hipótese senão aceitar a proposta do clube.

5.3 Fim do "Passe" e Direito Adquirido: A Questão Da Continuidade do "Passe" em Contratos firmados Antes e Depois do advento da "Lei Pelé" A partir de 26 de Março de 2.001, não mais existe a figura do "passe" no

direito desportivo brasileiro. Dispõe o 5 2O do artigo 28 da Lei no 9.615, de 24 de Março de 1.998, Lei Pelé:

'3 2* o

vínculo desportivo do atleta com a entidade contratante

tem natureza acessória ao respectivo vínculo empregaticio, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais, com o término da vigência do contrato de trabalho".

Em sua redação original a "Lei Pelé" (Lei no 9.615198) não previa expressamente a proteção aos direitos adquiridos para contratos firmados antes de

26 de Março de 2.001. Porem, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei no 9.981100, o artigo 93 ficou fez menção ao direito adquirido: ...somente produzirá efeitos jurídicos a partir de 26 de Mago

"

de 2.001, respeitados os direitos adquiridos, decorrentes dos contratos de trabalho e vínculos desportivos de atletas profissionais pactuados na legislação anterior".

A expressão "legislação anterior", acima grifada, tem dado origem a uma batalha jurídica: seria anteriormente a própria "Lei Pelé" (que é de 14 de Março de 1.998), ou seja, a Lei do Passe, ou anterior a data de extinção do passe (em 26 de Março de 2.001)? Acreditamos que nova redação do artigo 93 (dada pela Lei no 9.981100) tinha como intuito impedir batalhas jurídicas sobre o assunto, no entanto criou uma celeuma ainda maior. Sobre o assunto, vejamos como se posiciona o notável jurista DOMINGOS SÁVIO ZAINAGHI~~, em sua obra "Nova Legislação Trabalhista: Aspectos Trabalhistas? "Entendemos que não havia a necessidade de tal alteração [do caput do artigo 93 da "Lei Pelé"], uma vez que a Constituição Federal já tratava (e trata) do direito adquirido no inciso XXXVI, do art. 5 O 44" E, para explicar o conceito de direito adquirido, o célebre professor cita

PEDRO NUNES: "É toda vantagem jurídica, líquida, lícita e concreta que alguém

adquire, de acordo com a lei então vigente e incorpora, definitivamente, sem contestação ao seu patrimônio desde quando começa a produzir efeito útil em a seu titular, de quem não pode ser subtraída por mera vontade alheia; direito cujo início

de

exercício tenha

temo pretixo

preestabelecidas e inalteráveis.

43

ia ed., sao Paulo, Editora LTr, 2.002, pág. 42

ou

condições

todo direito impasslvel de

inciso XXXVI, do artigo 5' da ConstitUi~ã0Federal: "XXXVI - a lei não prejudicará o direito adauindo, o ato juridico perfeito e a coisa julgada". (grifamos).

44

retmatividade em virtude do que não se subordina a lei nova (CF, art. 5O, XXXVI; DL n. 4.657/42, art. 6O). Constitui-se por um

contrato ou por disposiçao legal. O mesmo que direito e f e t i ~ o " . ~ ~ De um lado estão os atletas. Para eles, o "passe" (vinculo desportivo) deixa de existir com o término do contrato de trabalho, estando o jogador livre para celebrar um novo contrato com um novo empregador. Do outro lado estão os clubes. Para eles (empregadores), no entanto, os contratos celebrados antes da vigência do artigo 28 da "Lei Pelé" (Lei no 9.615/98), não se aplicam a regra do que denominam de "passe livre" (fim do passe). Diante disso, podemos concluir então que para os contratos firmados antes de 26 de Março de 2.001, o instituto do "passe" (vinculo desportivo) continuará existindo. Contudo, todo contrato de trabalho celebrado a partir de 26 de Março de 2.001, não poderá conter mais a cláusula a respeito do "passe", pois este não existe mais.

5.4 Fim do "Passe" e "Direitos Federativos":

Quem acompanha os noticiários esportivos no rádio, na TV ou lendo jornal, já deve ter ouvido de jornalistas, dirigentes de clubes de futebol e até mesmo dos próprios atletas que os "direitos federativos" do jogador X pertencem ao clube Y,ou ao empresário Z, ou, ainda, metade Para um e metade para o outro. Já deve ter

45

"Dicionário de Tecnoiogia Jurídica" aPud ZAINAGHI, DOMINGOS SAVIO, Op. Cit., pág. 44.

ouvido também que o atleta detem 100% de seus "direitos federativos", bem como que 50% destes pertencem a um clube e outros 50% pertencem ao jogador, etc. Como já vimos incessantemente neste estudo (e continuaremos), com o advento da "Lei Pelé" (Lei no 9.615198) o passe deixou de existir nas relações de trabalho entre atletas e clubes para contratos firmados após 26 de Março de 2.001. Levando-se em consideração o termo "direitos federativos" e a forma como o mesmo vem sendo utilizado pelos interessados percebe-ser que seu intuito seria se tornar sinônimo de vínculo desportivo. Porém, de acordo com o que já estudamos, podemos concluir ser impossível, vez que o vínculo desportivo perdura somente durante a vigência do contrato de trabalho mantido entre clube e atleta.

5.5 A Impenhorabilidade do "Passe" nos contratos celebrados após o advento da "Lei Pelé": Tendo em vista a sobrevivência do "passe" para os contratos celebrados anteriomente a 26 de Março de 2.001. Veremos, neste item a possibilidade jurídica da penhora do "passe" em processo de execução forçada, partindo da premissa da permanência do "passe" para os contratos celebrados antes de 26 de Março de 2.001.

Embora não seja incomum a penhora do passe nas execuções por quantia certa contra devedor solvente propostas a entidades desportivas, ousamos defender que a boa exegese da legislação processual, comparada com a "Lei Pelé", permite

concluir pela sua impenhorabilidade, apesar de serem direitos obrigacionais não excluídos expressamente dos bens sujeitos a c o n s t r i ~ á o ~ ~ . A penhora necessariamente, há de ser útil, "de tal modo que não se poderá

afastá-los (os bens) de sua destinação, qual, seja, atender a finalidade da execução"." Diante da impossibilidade jurídica da expropriaçao dos direitos porventura penhorados, que representam a finalidade do processo de execução, seja mediante a alienação ou arrematação dos bens do devedor, seja pela adjudicação deles em favor do credor (CPC, artigo 647). Em qualquer dessas situações a transferhcia dos direitos do devedor para o credor ou terceiros, depende da anuência expressa do atleta, consoante prevê o citado artigo 38 da Lei no 9.615198, na redação dada pela Lei no 9.981100, o que veda a invasão de sua esfera jurídica. Vale ressaltar que o adquirente dos direitos só pode ser uma entidade desportiva ou o próprio atleta.

A penhora é o ato processual inicial da expropriação, para "à custa e mediante sacrifício desses bens, realizar o objetivo da execução".48 Além disso, a execução forçada não envolve os bens considerados impenhoráveis e inalienáveis, visto que, por sua natureza, apresentam-se inidôneos, impedidos de mudar de dono sob qualquer dos meios admitidos pelo Direito, "de tal

46

CPC, artlgos 649 e 650. 7 ~ Luiz Carlos ~ ~de. Da ~ Penhora. ~ ~Ed. Resenha ~ , Tributaria, 1994, p. 127. E para sua garantia o credor exerce o Direito de preferência sobre os bens penhorados e alienados na execuçCio (cpc, artigos 612 e 709, inciso I). 48 REIS, ~ o s é Alberto dos, apud THEODORO JUNIOR, Hurnberto. in "Processo de ExecuçBo", 130 ed., LEUD, item 7, p. 243. 4

forma que havendo a transferência (desapropriação), esta resulta inexistente ou É O caso do "passe", só transferível do titular se houver a anuência do atleta.

5.6

O

Instituto

do

"Passe"

e

as

Controvérsias

quanto

a

sua

Constitucionalidade O passe, que foi aniquilado com o advento da "Lei Pelé" (Lei no 9.615/98) - e

que ainda perdura nos contratos firmados anteriormente a 26 de Março de 2.001 -, é instituto altamente controvertido, principalmente no que diz respeito a sua constitucionalidade, pois estaria ferindo o principio constitucional da liberdade de

5 da Constituição Federal trabalho previsto no inciso XIII, do artigo ' Os dirigentes dos clubes foram (e são) visceralmente Contra a extinção do passe alegando que, sem O mesmo, as entidades desportivas não se interessariam em investir na preparação de um jogador. Na contramão deste entendimento estão alguns dos estudiosos do Direito do Trabalho que criticam-no, enxergando nele traços da escravidão, encontrando guarida na opinião dos atletas profissionais que almejam ter liberdade de trabalharem para quem Ihes aprouver.

ALVARO MEL0 FILHO^^ assim se pronuncia quanto ao passe: "Em primeiro lugar, sou contra o passe, dado que não há mais habitat para a permanência desse medieval instituto de tratamento do atleta como res, como coisa...Ocoma que o

cf.ROCHA,J O Sde ~ Moura. Sistema do Novo Processo de Execuçao, ed. RT , 1978, p. 303. "Direito Desportivo", obra originada do "CU~SO de Direito Desportivo" ministrada na Escola Superior da Advocacia da OAB-SP, coordenado Por Carlos Miguel Aidar, ia ediflo, São Paulo, Mizuno, 2000, pág. 183 e 184.

49 50

jogador tinha um contrato, cumpria esse contrato e a seu término pedia um aumento ao clube que se recusava a conceder, estabelecendo o impasse. Mas o passe não era do clube, o atleta ficava escravo do clube que não vendia o seu passe e também não admitia renovar o contrato". (grifamos)

AMAURI MASCARO

NASCIMENTO^' tamb6m mostra-se contrário ao instituto

do "passe":

"... O passe é uma instituição combatida. Consiste numa liberação dos serviços do profissional, que sem essa cessão de direitos não poderá transferir-se de empregador. (...) E criticado por Russomano nos seguintes termos: 'Nesse

sistema em matéria de direito do trabalho, não existe nada mais obsoleto, o trabalhador é reduzido a condição de res, e com tal submetido a poder arbitrário e despótico de deliberação do empregador. O direito do passe ou direito de transferência unilateral coloca o atleta sob a deliberação soberana do empregador, que decide a seu respeito como decide a respeito de coisas de sua propriedade" Entretanto, mesmo respeitando as opiniões dos juristas acima mencionados, ousamos discordar dos mesmos, uma vez que entendemos que na0 há qualquer inconstitucionalidade no "passe".

"Curso de Direito do Trabalho". 12' ed., Editora Saraiva, Sao Paulo, 1996, p ~ g361-365. .

O "passe" de forma alguma pode ser comparado a uma forma de escravidão,

pois é sui generis como o futebol que é formado por seus princípios próprios e também porque o escravo não tinha direito a participaçao no produto de sua "venda" (diferentemente do atleta que, quando da cessão, tinha direito a 15% de participação sobre a mesma), nem tampouco podia discordar com a sua transferência (a lei assegura ao atleta que a transação somente se efetuará mediante sua expressa e prévia anuência). Assim transcrevemos a opinião do professor e advogado especialista em Direito Desportivo, Evaristo de Moraes Filho:

"Em verdade o passe não cerceia, quando regulamenta a liberdade do atleta, não chegando nem de longe a poder ser acoimado de inconstitucional. Trata-se de instrumento adotado em toda a parte, regulado pela legislação internacional como única medida capaz de impedir a concorrência desleal e o aliciamento ilícito dos jogadores, dentro ou fora do país. Vivendo os clubes de renda auferida pelas exibições que dão, muitos dependem do renome e da fama dos seus atletas, como atrativos para uma grande platéia. Não raro, é o clube que faz a fama do atleta, educando-o, burilando as suas virtudes praticamente inatas e a sua própria personalidade. Tudo isso pode e deve ter uma correspondência patrimonial, que se traduz, afinal de contas, no direito, que ambos os contratantes possuem, de plena certeza de segurança

do vínculo que os prende, manifestado no contrato por prazo deteminado. Sem o instituto do passe, na ganância de auferir altas rendas nos espetáculos públicos, juntamente com o significado econômico e moral das vitórias, e dos campeonatos, não haveria mais certeza nem garantia alguma nas contratações, de cuja insegurança seriam vítimas e algozes, ao mesmo tempo, os atletas e as associações desportivas." Tendo em vista que o "passe" não vedava o livre exercício da profissão do atleta de futebol e não o obrigava a trabalhar para quem o mesmo não queria, entendemos, portanto, que a figura do passe não é inconstitucional sendo que o principal escopo deste instituto era de impedir o aliciamento de jogadores pelas associações desportivas durante as disputas de campeonatos e, principalmente, para servir de ressarcimento pelo investimento dos clubes nos atletas. Entretanto, mesmo o "passe" não vedando o exercício de trabalho do atleta, de fato, o mesmo criava certos impedimentos ou até mesmo dificultava o exercício da profissão. Porém, entendemos que o instituto do passe nao devia ter sido abolido, mas sim aprimorado, pois a Sua extinção trouxe sérios prejuízos financeiros aos clubes brasileiros que estão deixando de investir na formação dos atletas. Ademais, o advento da cláusula penal com0 suscedânea do "passe" pouco melhorou a situaçáo do atleta, pois beneficiou. como sabemos, apenas os jogadores mais valorizados.

5.7 A "Lei Pelé" e as Controv6rsias quanto a sua Constitucionalidade

Toda a lei ordinária que desrespeita normas constitucionais, é por consequência, inconstitucional. Assim são os artigos 22 e 27 da "Lei Pelé" (Lei no 9.615198). Eles desrespeitam sensivelmente o ordenamento constitucional regrado

no artigo 5O, incisos XVII, XVIII e 217, inciso I,da nossa Constituição Federal. O artigo 5O, incisos XVII, e XVIII encontra-se no título "Dos Direitos e

Garantias Fundamentais" da Constituiçao Federal. Autoriza tal dispositivo a liberdade de da criação de associações para fins lícitos, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento. Vejamos os artigos da Constituição Federal ora elencados: %ri. 5O. .

XVII

-

é plena a liberdade de associação para fins lícitos,

vedada a de caráter paramilitar, XVIII

-

a criação de associaç8es, e na forma da lei,a de

cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento "Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas fonnais e não-formais, como direito de cada um, observados: I

-

a autonomia das entidades desportivas dirigentes e

associações, quanto a sua organização e funcionamento

Vejamos os artigos da "Lei Pelé" ora elencados:

'Xrt. 22. Os processos eleitorais assegurarão:

I

- colégio eleitoral constituído de todos os Nados no gozo de

seus direitos, admitida a diferenciação de valor dos seus votos; I1 - defesa prévia, em caso de impugnação, do direito de participar da eleição; 111 - eleição convocada mediante edita1 publicado em órgão da

imprensa de grande circulação, por três vezes; IV - sistema de recolhimento dos votos imune a fraude; V - acompanhamento da apuração pelos candidatos e meios de

comunicação. Parágrafo único. Na hipótese da adoção de critério difemnciado de valoração dos votos, este não podercí exceder a proporção de um para seis entre o de menor e o de maior valor." Art. 27. As entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da fonna jurídica adotada, sujeitam os bens particulares de seus dirigentes ao disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de ?O de janeiro de 2002, além das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 7.07 7 da Lei no 70.406, de 70 de janeiro de 2002, na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros. "I - transformar-se em sociedade civil de fins econômicos;" (#R) "11 - transformar-se em sociedade comercial;" (NR)

"111 - constituir ou contratar sociedade comercial para administrar

suas afividades profissionais. "(NR) Quando a "Lei Pele prevê a obrigatoriedade dos clubes transformarem-se em empresas comercias e interfere claramente na organização das entidades desportivas ataca preceitos constitucionais, pois nenhuma associação pode ser compelida a transformar-se em sociedade comercial. A liberdade de associação é garantia individual. Sendo, pois, garantia individual não pode ser modificada nem mesmo por emenda a constituição. Mesmo que o legislador quisesse não poderia mudar tal dispositivo, a não ser é claro, se fosse detentor de um Poder Originário para feitura de uma nova constituição. Mas este não é o caso. Contudo, a "Lei Pel6", simples lei ordinária.

A criação de associações independente de qualquer autorização e a proibição de interferência em seu funcionamento correspondem aos pontos cardeais da Constituição que compõem a declaração de que a vontade coletiva dos diferentes e vários segmentos da sociedade têm o poder de mobilização autônomo, não submisso a normatização de origem estatal ou pública, fornecendo, por fim, dito inciso, garantia constitucional a autonomia coletiva das associações. Daí que, desse modo, independente de especificações legais, a liberdade de associação, por conseguinte, foi tornada informal, ou seja, foi deixada livre do cumprimento de formalidades, do que resulta, obviamente, o pleno poder de autogoverno, gestão e administração da associação, que são resolvidos por seus estatutos segundo a vontade coletiva do grupo de pessoas que a integra. Assim, toda existência e manifestação da associação está adstrita apenas à vontade coletiva de seus associados, mantendo a entidade afastada de intromissões governamentais, pois, com as autoridades públicas não conserva qualquer tipo de

vínculo: toda organização e exercício de atividades são resultantes unicamente da vontade do grupo, o qual ordena autonomamente seus interesses. Assim, cabe reparar que o poder normativo dos vários grupos de interesses diferentes não deve de maneira .alguma lesar ou obstruir liberdades e direitos de outrem. Já o artigo 22 da Lei 9.615198 ("Lei Pelé") prevê a organização dos processos eleitorais do Sistema Nacional de Desporto, elencando do inciso I ao V princípios informadores de tal processo. Isto também é encontrado no art. 24 do Decreto supra referido. No que tange a interferência desmedida do legislador e da administração pública na organização dos processos eleitorais do Sistema Nacional de Desporto, as regras do artigo 22 da "Lei Pelé", desrespeitam a autonomia das associações consagradas no artigo 5",inciso XVI11 e 217, inciso I da Constituição Federal de 1.988. Além disso, o referido artigo trata de matérias supérfulas que contrariam o

artigo 24, IX e § 1" da Constituição Federal, onde se prevê apenas a competência para editar normas de caráter geral.

5.8 Liberdade de Trabalho e o Fim do Passe: Introdução Este item traz o ponto culminante - tema - desse estudo. Assim, antes de adentrarmos ao tema propriamente dito, desenvolveremos o assunto desde o seu nascedouro, ou seja, dentro dos Direitos Fundamentais, pois a garantia de liberdade de trabalho encontra-se inserida no Título II da Constituição Federal, que trata dos "Direitos e Garantias Fundamentais". Após trataremos do

princípio da dignidade da pessoa humana e somente em seguida trataremos da questão da liberdade de trabalho e do fim do "passe". Ademais, faz mister ressaltar que o fim do "passeJ1e a liberdade de trabalho também foram tratados em outros itens desse estudo, o seu entendimento foi pulverizado por quase todo o corpo do texto.

5.8.1 Direitos Fundamentais ou Direitos do Homem? A primeira questão que se levanta a respeito dos Direitos Fundamentas é :

podem as expressões "direitos do homem" e "direitos fundamentais" serem utilizadas como sinônimas. Essas expressões são frequentemente utilizadas como sinônimas, porém segundo a sua origem e significado poderemos distingui-las da seguinte maneira, segundo o notável jurista JOAQUIM JOSÉ GOMES CANO TI LHO^^:

"direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os Direitos do homem jurídicoinstitucionalmente

garantidos

e

limitados

espacio-

temporalmente. OS direitos do homem amnceriam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal;

os

Direitos

fundamentais

seriam

os

objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta".

52"~ireito Constitucional". Livraria Almedeira, Coimbra,1.993.

Direitos

Segundo $ esse^^, os Direitos fundamentais almejam criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana. Os Direitos fundamentais propriamente ditos são, na essência, como ensina

~ ~ direitos , do homem livre e isolado, dimitos que possui em face do Carl ~ c h r n i t t"os Estado. E acrescenta: numa acepção estrita são unicamente os direitos da liberdade, da pessoa particular, correspondendo de um lado ao conceito de Estado burguês de Direito, referente a uma liberdade, em princípio limitada diante de um poder estatal de intervenção, em principio limitado, mensurável e contmlável. "

5.8.2 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e Direito Constitucional do Trabalho:

Conforme nos ensina RIZZAnO N U N E S ~"existem ~ autores que entendem que a isonomia é principal garantia constitucional, como efetivamente ela é importante. Contudo, no atual Diploma Constitucional, pensamos que o principal djmjto fundamental constitucionalmente garantido é o da dignidade da pessoa humana1'. A dignidade nasce com o indivíduo. O ser humano é digno porque é. A dignidade é inata, inerente a Sua essência. Todo ser humano tem dignidade sb pelo fato de ser pessoa. O professor CELSO ANTONIO PACHECO FIORILLO nos ensina que:

"Grundrechte", in: Staatslexikon, Heausgegeben Von Goreresgesellschaft, Bd. 2. 7. Auflage, 1986. in: BONAVIDES, PAULO "Curso de Direito Constitucional", 9' ed., Editora Malheiros, São Paulo, 1999. 54 "~erfassungslehrê", UnveRXmderter neudruck, 1.954,Berlim, pp.1631173. in: BONAVIDEs, PAULO, ficumo de Direito Constitucional", 9' ed., Editora Malheiros, S%oPaulo, 1999. 55

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