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O ESTADO DE S. PAULO

QUARTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2016

UM DEBATE SOBRE O FUTURO DA UNIVERSIDADE Encontro de reitores internacionais promovido pela USP e pelo Estado mostra que os principais desafios das instituições públicas – do financiamento à manutenção da excelência acadêmica – são globais. E podem ser superados de forma conjunta. CADERNO ESPECIAL

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O ESTADO DE S. PAULO

QUARTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2016

USP2024

MOMENTO DE PLANEJAR O FUTURO Já se preparando para completar 90 anos, Universidade de São Paulo convida instituições estrangeiras para discutir desafios para a próxima década

umo aos 90 anos, que serão completados em 2024, a Universidade de São Paulo (USP) está em momento de autoavaliação. Depois de realizar um diagnósticointerno sobre seus82 anos de vida, a instituição agora compartilha informações com as principais universidades parceiras no exterior para, juntas,abordaremquestõessemelhantes.O objetivo maior:descobrir oque é preciso fazer para garantir o futuro. Esse foi o mote da conferência USP 2024, realizada na semana passada na Cidade Universitária e em outros câmpus da instituição, com apoio do Estado. O debate reuniu reitores de cinco universidades estrangeiras com as quais a USP tem parceria: Humboldt de Berlim, de Buenos Aires, de Tsukuba, do Japão, e as francesas Jean Moulin Lyon 3 e Sorbonne Paris Cité. “A sobrevivência das universidades, como instituições de qualidade, vai requerer mudanças profundas de governança da organização, do desenho do currículo, novas abordagens de ensino, do acesso dos estudantes e de recrutamento e promoção dos professores”, resumiu o reitor da USP, Marco Antonio Zago, na abertura do evento. Para Zago, alguns desafios são como financiar as universidades e se elas devem ser abertas a todos. As instituições francesas, por exemplo, relataram não ter processo de seleção para ingresso no primeiro ano. Algumas instituições convidadas são mais antigas que a USP, com gran-

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des conquistas acadêmicas. A Humboldt de Berlim, por exemplo, existe hámais de200 anoseteve 29pesquisadores laureados com prêmios Nobel. Emtomunânime,osreitorespresentes apontaram que os desafios de todas as universidades, em tempos de globalização, são muito similares: internacionalização, financiamento, igualdade de gênero, acesso de estudantes, desafio do ensino diante das novas tecnologias e da universalização da informação com a internet, balanço entre quantidade e qualidade na pesquisa e multidisciplinaridade. “A relevância dessa relação internacional com a USP tem sido uma das coisas mais importantes para procedermos uma reflexão sobre a própria universidade”, afirma Raul Machado Neto, presidente da Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional e organizador do evento. “São universidades em boa parte mais consolidadas,maistradicionais,eestamos no processo de fazer uma reflexão e adaptar algumas dessas modificações em relação às experiências que eles já passaram.” Para Jacques Marcovitch, ex-reitor da USP, o mundo acadêmico está em permanente revolução. “Líderes universitários, em nível global, têm sido confrontados com transformações nunca vistas na história do ensino e da pesquisa.” O engajamento social na educação superior, a revolução digital eoscrescentescustosdotrabalhocientífico, segundo ele, são desafios para as universidades nos próximos anos. Parceiros. Machado Neto explica

que as cinco instituições participantes foram escolhidas por causa de seu alto nível de qualidade, mas também por serem todas públicas, como a USP, e porseremparceirasdepesquisadelon-

“Há quatro séculos, o que nós aprendíamos servia para dar um pequeno passo além do que nossos pais já sabiam. Era uma melhora quantitativa. Agora tudo muda vertiginosamente, e de modo qualitativo. Os ofícios que existirão na próxima década nem sequer conhecemos hoje. Portanto, educar com o conhecimento do passado pode ser uma frustração ao fim dos cinco anos do curso.” Felipe González EX-PRIMEIRO-MINISTRO ESPANHOL E TITULAR DA CÁTEDRA JOSÉ BONIFÁCIO DA USP

ga data (mais informações no quadro abaixo). Com as universidades de Sorbonne e de Tsukuba, a USP compartilha escritórios. As duas têm sala no câmpus da universidade em São Paulo eaUSPcontacomumgabinetenainstituição francesa, o que facilita o trânsito de estudantes e professores. Com a Universidade Jean Moulin Lyon,há umainiciativa deduplatitulação com o curso de Direito, por meio da qual alunos daqui podem fazer aulas extras de direito francês e ganhar o diploma nessa área. Há também um convênio de cooperação acadêmica, com intercâmbio de pesquisadores, em cursos de ciências humanas. Com a Universidade Humboldt de Berlim estão sendo desenvolvidos um projeto de pesquisa sobre cidades sustentáveiseumacooperaçãoemmedicina. Há um contrato entre o Hospital Charité da Universidade de Berlim

com a Faculdade de Medicina da USP para pesquisas em coração, câncer e doenças genéticas. Existe, ainda, uma aliança com as universidades de Buenos Aires e Autônoma do México, o que envolve a mobilidade de alunos, formação de grupos de pesquisa conjuntos e criação de mostras itinerantes. “Queremos consolidar uma presença ativa nesse cenário latino-americano, que ainda falta”, explicou Machado Neto. “Na América Latina, as universidades podem representar as forças para as mudanças sociais e econômicas”, completou Zago. José Goldemberg, também ex-reitor da USP e atual presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), explicou que a ideia de planejar o futuro e trocar experiências com os parceiros surgiu após coordenar um estudo sobre os 80 anos da USP, completados em 2014. “O que descobrimos é que há altos e baixos.Somosumauniversidadepública que custa para o povo de São Paulo parte dos seus impostos e, por isso, temos de responder às demandas do povo. A pergunta era: fizemos isso? Em parte, sim, mas a qualidade do trabalho não é tão grande quanto o esperado”,avaliou Goldemberg,emsua apresentação na abertura do evento. Na opinião do ex-reitor, a USP não pode se acomodar por ser uma das 200 melhores do mundo. “É bom, mas poderia ser melhor. O propósito do nosso estudo não era só olhar o passado, mas buscar o futuro, onde estaríamos em 10, 20 anos. Por isso, convidamos universidades do mundo inteiro para nos dizer como elas estão e por que estão indo melhor do que nós.” Convidado especial para a discussão, o ex-primeiro ministro espanhol

Felipe González, que assumiu pelo períodode umano a CátedraJosé Bonifácio da USP, lembrou que a sociedade que queremos no século 21 é a sociedade do conhecimento. Para isso, segundo ele, o papel da universidade é mais importante que nunca. “Porque define a quantidade e a qualidade do conhecimento das novas gerações”, afirmou. “E temos de treiná-las para transformar conhecimento em algo com valor para a sociedade.” Adaptação. Ele frisou que o maior de-

safio que todas as universidades têm pela frente é educar as novas gerações para as incertezas. Para González, a universidade tem de antecipar o futuro, não apenas relatar o passado. “É difícil educar para a incerteza, mas temos a obrigação de fazer isso. É a única maneira de garantir que teremos capacidade de resposta e adaptação às mudançasqueteremos.” Issosignifica ensinarasercriativo.“Em2024,provavelmentehaverá60%a70%denovasatividades que todavia ainda não existem e nem podemos imaginar.” Os cinco reitores estrangeiros, além de Zago e Goldemberg, estiveram na semana passada no Estado em meio à conferência USP 2024, onde discutiram quais são os principais desafios de suas universidades e o que têm feito, individualmente ou em parcerias para resolvê-los. A discussão é explorada nas páginas a seguir.

NA WEB Vídeo. Reitores comentam futuro das universidades estadao.com.br/e/reitoresusp

6

USP PELO MUNDO ● Parcerias

com instituições Universidade Humboldt de estrangeiras reforçam estratégia Berlim (Alemanha) de internacionalização da maior DATA DE FUNDAÇÃO: 1810 universidade do País EQUIPE ACADÊMICA*:

Universidade de Tsukuba (Japão) DATA DE FUNDAÇÃO: EQUIPE ACADÊMICA*:

2,4 mil

Universidade de São Paulo (USP) DATA DE FUNDAÇÃO:

1934

EQUIPE ACADÊMICA*:

6,1 mil NÚMERO DE ALUNOS:

94,9 mil

PROPORÇÃO DE ALUNOS ESTRANGEIROS:

2,4%

*Docentes, assistentes de professores, etc

1821

PROPORÇÃO DE ALUNOS

17%

ALUNOS:

DATA DE FUNDAÇÃO:

EQUIPE ACADÊMICA*:

PROPORÇÃO DE ALUNOS

14,7%

ALUNOS:

10,3 mil NÚMERO DE

316 mil

PROPORÇÃO DE ALUNOS ESTRANGEIROS:

2006**

EQUIPE ACADÊMICA*:

NÚMERO DE

16,4 mil

ESTRANGEIROS:

Universidade Sorbonne Paris Cité (França)

31,5 mil

NÚMERO DE

34,2 mil

ESTRANGEIROS:

DATA DE FUNDAÇÃO:

2,7 mil

NÚMERO DE ALUNOS:

1973

Universidade de Buenos Aires (Argentina)

4%

ALUNOS:

DATA DE FUNDAÇÃO:

1973

EQUIPE ACADÊMICA*:

667 NÚMERO DE

120 mil

PROPORÇÃO DE ALUNOS ESTRANGEIROS:

Universidade Jean Moulin Lyon 3 (França)

18%

ALUNOS:

27,5 mil

PROPORÇÃO DE ALUNOS ESTRANGEIROS:

16%

RELAÇÃO COM A USP:

RELAÇÃO COM A USP:

RELAÇÃO COM A USP:

RELAÇÃO COM A USP:

RELAÇÃO COM A USP:

Tem parcerias de pesquisa em mudanças climáticas, biodiversidade em metrópoles, gestão de água e resíduos e doenças genéticas, entre outros

Tem um escritório para tratar de intercâmbio e cooperação acadêmica no câmpus da USP. As duas universidades têm pesquisas conjuntas na área química, entre outras

Em 2014, as universidades de Buenos Aires e Autônoma do México formaram com a USP uma rede de aliança acadêmica latino-americana para favorecer intercâmbios e pesquisas comuns

Tem um escritório para tratar de intercâmbio e cooperação acadêmica no câmpus da USP, que também conta com uma sala na universidade francesa. Tem acordos bilaterais com a USP

Alunos de Direito da USP têm a opção de cursar parte das aulas do currículo de Lyon e ganhar uma dupla titulação. As duas universidades têm parcerias em Letras e Ciências Humanas

**Data da reunião de várias universidades para criação da Sorbonne Paris Cité

FONTES: USP E UNIVERSIDADES HUMBOLDT DE BERLIM, TSUKUBA, BUENOS AIRES, SORBONNE PARIS CITÉ E JEAN MOULIN LYON 3

INFOGRÁFICO/ESTADÃO

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COOPERAÇÃOÉ CHAVEPARA PENSAR QUESTÕESGLOBAIS

“Temos na Alemanha 59% de uma geração entrando em universidade. Mas o número de professores não cresce da mesma maneira. E temos de garantir que oferecemos qualidade.” Jan-Hendrik Olbertz,

Reitores ressaltam importância do intercâmbio de experiências, seja na gestão ou em trabalhos acadêmicos araauniversidadeolharpara o futuro, é preciso olhar para os seus pares lá fora. Achamadainternacionalização, considerada uma estratégia fundamental para planejar as instituições de ensino superior para as próximas décadas, parece remeter ao passado. Em sua criação, a USP recorreu ao modelo universitário francês, trazendo professores de lá para suas salas de aula. Hoje, no entanto,aideiaédecompartilharexperiências, erros e acertos, e buscar conjuntamente resolver problemas que atingem,em maiorou menorgrau,universidades em todo o mundo. “Os desafios que temos na Alemanha são bastante semelhantes aos de todas as universidades modernas e isso é resultado da globalização”, afirma Jan-HendrikOlbertz,reitorda Universidade Humboldt de Berlim. “E alguns problemas atuais que precisamos resolver pela ciência são tão complexos que não é mais possível resolver por uma nação ou uma instituição ou mesmo por uma disciplina. Por isso, precisamos de cooperação internacional.” Para ele, entre os desafios estão o financiamento – como balancear verba pública e privada – e como manter a excelência.“Um dos pontos principais é a contradição entre ensino e pesquisa. Como garantir que os alunos vão participardepesquisa dealto nível?” O alto índice de heterogeneidade que se tem na universidade também requer atenção especial na hora de planejar o futuro. “Precisamos de algumas ideias parainclusão social,paradeixaraspor-

P

REITOR DA UNIVERSIDADE HUMBOLDT DE BERLIM

tas abertas para pessoas jovens, que não deveriam depender do suporte econômico de seus pais para estudar.” Reitor da Universidade Jean Moulin Lyon 3, Jacques Comby concorda que, em muitos assuntos, as perguntas são mesmas em várias partes do mundo. Ele observa, no entanto, que as respostas às vezes têm de ser diferentes, levando em conta as características do país ou da região. “Muitas respostas precisam ser locais, por causa do contexto social, econômico ou político”, afirma Comby. “E a universidade é o melhor lugar para se obter essas respostas, baseadas em conhecimento.” No Brasil, a USP defende a internacionalização para criar um ambiente sem fronteiras ou bandeiras. “Nós queremos que nossos câmpus sejam verdadeiramente internacionais, em parceria não só com ambientes mais consolidados, mas também com os menos consolidados”, explica Raul Machado Neto, presidente da Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional. “Nós mandamos e recebemos estudantes. Também enviamos professores e estabelecemos grupos de pesquisa.”

“Os docentes têm de se formar e de formar os alunos para que adquiram novas capacidades. Além de fomentar conhecimento, têm de conseguir transmitir o valor do conhecimento.” Nelida Cervoni, VICE-REITORA DA UNIVERSIDADE DE BUENOS AIRES

“Temos de ser criteriosos na seleção dos professores. Fazemos uma concorrência internacional para isso, e também focamos na globalização das colaborações científicas.”

América Latina. Uma das iniciativas éfazer parcerias dentroda AméricaLatina. Em 2014, por exemplo, a USP criou com a Universidade de Buenos Aires (UBA) e a Universidade Autônomado México a Aliança Acadêmica Latino Americana. “A região está em um momento difícil de crescimento. Por isso é fundamental fazer alianças entre as universidades. De todo tipo: de inovação pedagógica, para novas tecnologias da informação, para a avaliação das carreiras. E isso traz uma situaçãodeesperançanãosó paraosuniversitários, mas para a região”, diz Nelida Cervoni, vice-reitora da UBA.

Jean-Yves Mérindol, REITOR DA UNIVERSIDADE SORBONNE PARIS CITÉ

ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR SE FORTALECE EM PESQUISAS Da epidemia de zika aos estudos climáticos, atuação conjunta propicia resposta mais rápida a assuntos complexos

D

esafios cada vez mais complexos exigem uma colaboração cada vez maior entre diferentes disciplinas para serem resolvidos, e cabe às universidades fomentar essa multidisciplinaridade para atender às demandas da ciência e da sociedade. A opinião é unânime entre os reitores que participaram da conferência USP 2024. Eles listaram o incentivo a essas parcerias intelectuais como uma das prioridades da academia para os próximos anos. “Os problemas globais não são simples, são extremamente complexos e

exigem respostas interdisciplinares”, disse o reitor da Universidade Sorbonne Paris Cité, Jean-Yves Mérindol. Um modelo clássico disso é o estudo das mudanças climáticas globais, que depende de uma forte colaboração entre váriasáreas da ciência – incluindo as ciências sociais – para compreensão de suas causas, consequências e soluções, tanto do ponto de vista social, quanto econômico e ambiental. Isso fica claro ao olhar a lista de autores do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das NaçõesUnidas,queincluidesdemeteorologistas e especialistas em física atmosférica até bioquímicos, ecólogos, médicos,economistas,sociólogoseantropólogos – cada um contribuindo com uma peça do quebra-cabeça. O geógrafo Jacques Comby, reitor da Universidade Jean Moulin Lyon 3, chamaatençãoparaaimportânciadasciên-

cia sociais, muitas vezes relegadas a um segundo plano de importância na hierarquia acadêmica. “A solução para o desenvolvimento não pode ser apenas tecnológica, científica. Precisamos da reflexão e da participação das ciências sociais”, diz o acadêmico francês, que estudajustamenteasmudançasclimáticas e outras formas de interface entre o homem e a natureza. O mesmo princípio vale para questões tecnológicas mais específicas. “Por exemplo, se você procura uma nova solução tecnológica para um carro ou um telefone, você precisa das ciências sociais, porque não é só um problema tecnológico, é um problema social também”, diz o matemático Mérindol. “Ainterdisciplinaridade entrepesquisa básica, tecnologia e ciências sociais é muitoimportante,tantoparaauniversidade quanto para a indústria.” Até mesmo no campo da robótica, a

multidisciplinaridade é indispensável, completa o reitor da Universidade de Tsukuba, Kyosuke Nagata. “Imagine que você tem uma empresa tentando desenvolverumcachorro-robô,quepode ser muito importante afetivamente parahomens idosos queperderam suas famílias. Se algo acontece com esse cachorro-robôeeleparadefuncionar,você diria que ele está quebrado ou morreu? Nós não sabemos”, diz o reitor japonês, que é biólogo molecular por formação. “Hoje a lei diz que ele está quebrado,mas paraohomem velhoeleestá morto. Nesse caso, precisamos de ajuda da filosofia, de uma colaboração entre robótica e ética, robótica e lógica; e essa área é muito forte na nossa universidade.” A ideia também foi incorporada numa iniciativa de excelência em pesquisas na Universidade Humboldt de Berlim. O reitor Jan-Hendrik Olbertz con-

tou que há grupos que trabalham ciência da computação com música, ou matemáticacomcomunicação.“Essaabordagem interdisciplinar permite à pesquisacontemporâneaumconhecimento mais profundo e amplo.” Incentivo. Tais parcerias entre disci-

plinas nem sempre ocorrem naturalmente, dizem os reitores – é algo que precisa ser incentivado pelas universidades, e que pode ocorrer tanto entre departamentos da instituição quanto entre pesquisadores de países e continentes diferentes. A importância da interdisciplinaridade também pode ser vista na resposta à epidemia de zika e sua relação com malformações congênitas em bebês, em que virologistas, entomologistas, neurocientistas,geneticistas, médicos eassistentes sociais estão trabalhando em conjunto na busca de uma solução.

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USP2024

Entrevista ] José Goldemberg & Marco Antonio Zago

USP QUER RENOVAR ENSINOE ATRAIR TALENTOS Universidade defende ampliar alternativas de ingresso na graduação e quer garantir incentivos à carreira docente; diversificar fontes de recursos é outra meta

e as principais questões são semelhantes às de outras instituições de ponta mundo afora, o tamanho da Universidade de São Paulo (USP), com quase 100 mil alunos, e as especificidades do ensino superior no Brasil representam desafios adicionais para os próximos dez anos. Em entrevista ao Estado, o reitor da USP, Marco Antonio Zago, e o ex-reitor José Goldemberg, hoje à frente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), apontam esses desafios e indicam possíveis soluções. Ambos defendem contato mais próximo com a iniciativa privada e diversificação das fontes de verba além dos recursos públicos, principalmente com a crise econômica do País. Para eles, também é preciso modernizar as práticas de salas de aula, com mais foco no método do que no conteúdo, e investir na atração de talentos – múltiplas portas de entrada e mais incentivos para quem se interessa por graduação, pesquisa ou docência.

S

l Quais são os principais desafios da USP nos próximos dez anos? ZAGO. São desafios similares aos de outras universidades do mundo. Passam pela questão de financiamento. No caso da USP, a busca de outras fontes de recursos além daqueles que vêm estritamente do governo do Estado. Em segundo lugar, a seleção de estudantes para a universidade. É claro que o panorama do Brasil é muito diverso em relação aos outros países, em que praticamente não há restrição à entrada na universidade. E aqui temos uma enorme competição: no caso da USP, de dez candidatos para uma vaga. Temos a questão da seleção dos professores e a progressão na carreira docente, a valorização das diferentes atividades da universidade. Na USP, é certo que muitos dos cursos são de elevada qualidade, são os melhores do Brasil em determinadas áreas, mas isso não se aplica genericamente a todos. Precisamos de melhora. O financiamento é também importante porque implica na questão da universidade com a sociedade que a

mantém e não só a relação com os governos. E, finalmente, temos a questão da governança, como as universidades escolhem os seus dirigentes, como os docentes ascendem na carreira, como a universidade escolhe reitor, os diretores, enfim. GOLDEMBERG. A USP atingiu a maturidade após seus 80 anos de existência. Ela tem quase 100 mil alunos, mais de 5 mil professores e os quadros são mais ou menos estáveis, com a crise econômica do País e a diminuição dos seus recursos. E com o fato de a universidade não poder crescer infinitamente, ela enfrenta problemas de renovação e manutenção da qualidade. Como não ficar estagnado? É necessário aproveitar o fato de que muitos professores estejam se aposentando para escolher professores jovens, mais agressivos e mais dotados. Isso é um pouco difícil de fazer em universidades públicas, como a USP, em que as pessoas fazem concurso e são estáveis. Não é como nas universidades estrangeiras, em que há uma espécie de competição permanente. A razão pela qual a universidade funcionou bem nos primeiros anos foi porque atraiu jovens talentosos que estavam espalhados pelo País todo. Para a sociedade brasileira, no momento em que está agora, a inovação é muito importante. Depois de 80 anos de um sucesso razoável, as pessoas tendem a ficar confortáveis. É preciso ter novos desafios.

l O governo japonês estabeleceu três classificações de universidade: as globais, as nacionais e as de revitalização social, priorizando algumas universidades de excelência para ter competitividade internacionalmente, inclusive com aportes extra de recursos. É uma experiência que já foi feita na Califórnia, nos Estados Unidos, e em outros lugares do mundo. O senhor acha que no Brasil deveríamos ter uma priorização de algumas universidades para termos competitividade internacional? ZAGO. Não se trata apenas de competitividade internacional. Trata-se de usar melhor os recursos para atender uma parcela maior da população, fazendo cada instituição assumir a vocação que tem. Há a experiência japonesa, a da Califórnia. Mas outros países estão adotando isso de maneira ativa, como a Alemanha e a Rússia,

Na USP, a eleição para reitor tem turno único. Participam cerca de 2 mil integrantes do Conselho Universitário, instância máxima da USP, e de conselhos centrais e das unidades. A lista tríplice dos candidatos mais votados é enviada ao governador, a quem cabe a decisão final

que elegeram instituições para competição internacional. Agora, isto não diz respeito à USP. É minha visão mais ampla sobre o ensino universitário. Temos quase 70 universidades federais e, certamente, qualquer um seria capaz de dizer que elas não são exatamente iguais e não deveriam ter a mesma visão. Essa questão prática caberia, inicialmente, ao governo federal. Porque, no caso do Estado de São Paulo, as três universidades públicas estaduais (USP, Unicamp e Unesp) cabem nessa categoria de universidades globais.

versidadebaseadoapenas emrecursos vindosdo Tesouro do Estadotem muitas limitações. Neste momento, por exemplo, temos uma crise econômica grandenoPaís, comreduçãonaarrecadaçãodeICMS.A universidadenão podeficar dependendoestritamente dessas variações. Em segundo lugar, porque é benéfico para a universidade manter uma relação mais clara com a sociedade. Essa relação implica não só umamudançanospadrões definanciamento, mas também uma oportunidade para que a sociedade possa contribuir para o planejamento, a gestão e a vida da universidade.

l A universidade tem condições de crescer e, ao mesmo tempo, atender essa demanda de acesso sem comprometer a qualidade das suas atividades acadêmicas? GOLDEMBERG. Não creio. A USP atingiu um tamanho em que vai ser impossível aumentar o número de estudantes e de professores. Já é uma das maiores universidades do mundo, com cerca de 100 mil alunos. A competição é muito grande, evidentemente, e é uma das razões pelas quais a universidade é boa. A universidade atingiu o seu limite e a situação econômica que está enfrentando hoje mostra que ela recebe das verbas do Estado aproximadamente 5% do ICMS, mas isso já está se mostrando insuficiente para atender às necessidades todas de uma universidade de ensino e pesquisa. Se ela fosse só de ensino, bastaria. O caminho é criar outras instituições. Não existe razão para que todas as universidades brasileiras sejam de ensino, pesquisa e prestação de serviço à comunidade. É impossível. Isso precisaria mudar. O Estado da Califórnia, que você citou, tem uma quantidade muito grande: são os community colleges, que não são universidades de quatro anos, mas de dois anos. A expansão do ensino superior no Brasil – talvez não no País, mas no Estado de São Paulo – passa pela adoção do modelo de community colleges.

l Como a USP pode melhorar a relação com o setor privado em busca de verbas e parcerias?

De várias formas. Em primeiro lugar, a questão central é a própria universidade se convencer de que essa é umavianão sópossível, comonecessária. Não só porque está ficando claro que o padrão de financiamento da uni-

ZAGO.

As fundações que existem na universidade, como a Fusp e várias outras, fazem um pouco essa ponte. A queixa no passado era de que oprofessor universitárionãoqueriasaber da realidade. Queria fazer trabalhos acadêmicos e a indústria não tinha como atingir a universidade. Já há esses mecanismos (de aproximação entre a academia e os meios produtivos). É preciso aumentá-los, atraindo o setor privado. As universidades públicas americanas e algumas privadas sem finslucrativosjá enfrentaramesseproblema com sucesso no passado.

GOLDEMBERG.

Desde 1989, as três universidades estaduais paulistas têm autonomia administrativa e financeira. Elas são financiadas com uma cota fixa de 9,57% da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Essa verba representa a maior parte do orçamento dessas instituições, que sofreram os reflexos da crise econômica do País

ZAGO. Essa é a linha que estamos procurando seguir. Isso exige duas coisas. Primeiro, existem essas fundações, um dos braços que podem ser usados para isso. Mas ainda falta a universidade tomar uma clara posição formal com relação a essas fundações. Vive-se uma certa zona cinzenta, em que um grupodepessoas nauniversidadevaloriza essas fundações, se utiliza delas. Elas têm um papel importante, complementar na universidade. Mas há grupos que negam sua importância e entendem que isso é uma forma de parasitismo.Teremos de caminhar na regulamentação clara na função dessas fundações na universidade e o Conselho Universitário (órgão máximo da USP) terá de se manifestar. Da última vez em que houve tentativa de fazer isso, o Conselho Universitário foi impedido de discutir o assunto. Mas ele retornará porque isso é fundamental para que se possa progredir. Se queremos que isso tome uma proporção maior e traga contribuição significativa do ponto de vista financeiro para a vida da universidade, é necessário que tudoissoestejamuitotransparente,regulamentado, e que as contas possam

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Especial H5

USP2024

“A USP atingiu um tamanho em que vai ser impossível aumentar o número de estudantes e de professores.”

“Não é viável imaginar que nos próximos decênios a universidade ficará presa exclusivamente ao modelo de financiamento estabelecido há mais de 20 anos”

“Não há nenhuma razão para que todas as universidades brasileiras sejam de ensino, pesquisa e prestação de serviço à comunidade”

“As universidades mais bem sucedidas tratam muito mais do método que do conteúdo”

“A ideia de que todos os doutores da USP ganhem o mesmo tanto, no fundo, desencoraja a criatividade”

“Diversificar métodos de entrada é uma boa solução” Marco Antonio Zago REITOR DA USP

José Goldemberg EX-REITOR DA USP E PRESIDENTE DA FAPESP

sempre ser examinadas por todos. Não estaremos inventando nada, mas simplesmentedandomaior clarezapara o funcionamentodo quejá existe. (A reitoria) pretende propor (um regramento para as fundações). Espero que seja neste ano. Não é viável imaginar que nos próximos decênios a universidade ficará presa exclusivamente ao modelo de financiamento estabelecido há mais de 20 anos. Foi muito bom, deu enorme liberdade para as três universidadespúblicaspaulistas,masaexperiência está demonstrando que precisamos de outros mecanismos. Nas universidades do exterior, a escolha de novos professores depende dos diretores das unidades, dosdecanos. Hámuitaliberdadeeconcorrência. Quando aparece um sujeito talentosodoAlabama,duasou trêsuniversidades de primeira linha, como Harvard,tentamatrairessa pessoaoferecendo vantagens. No Brasil, isso não é possível, porque no funcionalismo público os salários são todos iguais. Issosemprefoiconsideradoumobstáculo grande. Mas o que reparo, com otimismo,équecadavezquetemum concurso em São Carlos, ou na Medicina, quandoumprofessorse aposenta,aparecem vários candidatos. É um sinal de vitalidade.Emumpassadomaisdistante, algumas dessas cátedras eram quase hereditárias. Isso acabou. Agora existe competição. Tem muita competição para os doutores também, no começo da carreira. O melhor, evidentemente, seria dispor dos mecanismos que os reitores de outras universidades estrangeiras têm para atrair os mais competentes e mais promissores. Os órgãos do governo estão começando a introduzir alguns mecanismos, como no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, agência de fomento federal) com bolsas de excelência, e na Fapesp. No fundo, são gratificações pelo mérito. Mas são muito pequenas ainda. A ideia de que todos os doutores da USP ganhem o mesmo tanto, no fundo, desencoraja a criatividade. Deveria haver maneiras de prestigiar os mais empreendedores, inclusive os mais ambiciosos. Ambição faz parte da vida, inclusive de sucesso na ciência. GOLDEMBERG.

ZAGO. Existe uma questão que precisa ser adicionada. Por ser a universidade maisdestacadadoPaís,atraiautomaticamente os jovens mais talentosos. E

sempre ofereceu vantagens, em termos de vencimento, pelo menos equivalentes às de outras universidades. Agora temos uma situação séria, que pode significar a perda de competitividadedasuniversidadespúblicaspaulistas.A questãodo tetosalarial.Estamos limitadosporum dispositivoconstitucional, em que o teto dos professores daUSP correspondeaosubsídiodo governador. Sem entrar no mérito da questão, devemos lembrar que, no Estado de São Paulo, há três universidades federais que têm outro teto. Se essa situação persistir, não tenho dúvida de que um jovem talentoso vai preferir um concurso em uma federal do que na USP. Isso será, em longo prazo, destrutivo para a nossa universidade. l Como a universidade – a USP mais especificamente – pode preparar os jovens para um cenário de incertezas e para carreiras que estão se transformando ou para que nem existem ainda e vão existir em alguns anos?

Essa é uma missão difícil, mas possível de ser realizada. Ela exige que a universidade se modernize na abordagem aos currículos, aos cursos e às estruturas dos cursos. Esse é um dos pontos em que eu e a Pró-reitoria de Graduação da USP temos trabalhado. Começamos reduzindo a rigidez burocráticadauniversidade, quefazia qualquer mudança nos cursos levar dois ou três anos para entrar em vigor. Isso foi resolvido. Temos hoje as unidades tratando das suas estruturas curriculares e colocando em prática imediatamente aquilo que decidem. É preciso insistir muito mais nos métodos do que no conteúdo. Nas universidades latinoamericanas, nós temos, em geral, muita preocupação com conteúdo, com abranger o conteúdo completo sempre, de qualquer assunto que se fale, e com o currículo ser abrangente. Enquanto isso, as universidades mais bem-sucedidas tratam muito mais do método do que do conteúdo. Porque, na verdade, estamos falando de ensinar e treinar o estudante a tirar suas conclusões e resolver seus próprios problemas. Muito mais do que fazer com que ele se torne um indivíduo versado em um catálogo de conhecimentos já estabelecidos. Essa mudança de perspectiva, portanto, exige a redução dascargashoráriasparadisciplinastradicionais e um aumento das atividades que envolvam o estudante para resolver problemas. É só dessa forma que ZAGO.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 2014, que benefícios – como gratificações por tempo de carreira – devem ser incorporados no cálculo do teto salarial do funcionalismo público. Isso levou as universidades estaduais a cortarem salários acima do limite. Elas reivindicam remuneração igual aos de docentes das federais, correspondente a 90,25% do salário de um ministro do STF

podemos treinar o aluno para algo que não sabemos o formato que terá. Tem de treinar em habilidades mais básicas:capacidadedecomunicação,capacidade de trabalhar em grupo e resolver problemas. Trabalhar em grupo não é fácil. É algo que muitas pessoas acabam sendo incapazes de se adaptar depois. Não se trata somente de treinarparaserlíder.Mastreinarparaaceitar a liderança de um outro, para que o grupo seja positivo. Isso está sendo feito em grande escala na universidade. É reforçar os cursos básicos. E não tentar dar uma formação bitolada. Se quer formar engenheiros, não pode usar uma grande parte do seu tempo de aula e de laboratórioensinandocomose fazusinas hidrelétricas. Tem de ensinar os princípios fundamentais, porque daqui a 20 anos as usinas não serão construídas como eram no passado.

GOLDEMBERG.

ZAGO. Nesse aspecto, há outra questão que muitas vezes as pessoas não se dão conta.Oquejustificaqueumauniversidade de pesquisa é sempre a capacidade dar formação de melhor qualidade. Não é, como muitas vezes as pessoas pensam, que o professor faz seus experimentos, escreve seus artigos e vai mostrar este resultado na sala de aula. É porque o ambiente de pesquisa cria, para os estudantes também, este ambientede especulação, deexaminar resultados, de relação causa e efeito. Na USP, muitos estudantes fazem iniciação científica, que pode ocorrer em qualquer área do conhecimento. E em que se resume a iniciação científica? Umprofessor propõeum problemapara um estudante, que tenta resolvê-lo sob supervisão. Isto é: ele vai olhar os antecedentes, o que já existe, o que foi publicado, qual é a situação. Ele vai montar um experimento ou fazer uma arquitetura especulativa, para pensar a respeito daquilo. O aluno vai obter seu próprio resultado e suas conclusões, e depois vai relatar isso. O aluno que passou por essa experiência é um aluno completo. Se o estudante passoupelauniversidadeeaprendeuométodo científico, ele está preparado para a vida. A história de ele saber qual é o último protocolo para tratar enfarte do miocárdio é simplesmente um apêndice. Não é isso que vai diferenciar o estudante universitário bem formado, que vai trazer grandes benefícios para a sociedade, daquele outro

que tem uma formação superficial, que aprendeu um conjunto de regras, quedentrodedezanosestãocompletamente desatualizadas. l Neste debate sobre acesso e excelência, qual é o futuro da USP no universo da inclusão e das ações afirmativas – cotas, bônus, métodos de entrada? ZAGO. Uma coisa é fácil de responder: diversificar os métodos de entrada é uma boa solução. O que nós buscamos são alunos de excelência, aqueles que podem render mais para a sociedade. É fácil de entender que selecionar estudantes que estão no fim do ensino secundário, buscando aqueles que têm melhores condições, não é um processo simples. Os talentos podem ser buscados de formas diversas. Por isso, digo: diversificar os métodos de entrada. O vestibular que a USP usa, a Fuvest, é um sistema bom. É muito exigente, seleciona os alunos que estão bem treinados para aquele sistema. E nós sabemos a origem dos alunos que estão bem treinados para aquele sistema: aqueles das camadas mais favorecidas da sociedade têm mais chances de estarem ali. É um sistema que tem mais chances de retroalimentar essas diferenças sociais. Na medida do possível, temos de intervir. Não é para desfavorecer os que vêm de famílias mais abastadas, mas para que não percamos talentos outros que existem na sociedade. Ao lado do sistema vestibular que temos, há que buscar outras saídas. A USP já tem duas: uma é o sistema de bônus e a outra é o Sisu (Sistema de Seleção Unificada, plataforma digital em que os alunos disputam vagas públicas com a nota do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem). Ambas estão contribuindo para favorecer a entrada de grupos antes desfavorecidos na universidade. Se isso é suficiente ou não, é o tempo que dirá. Neste ano, pretendo conduzir uma discussão a respeito disso na universidade. Vamos examinar os resultados que já obtivemos. Podemos aumentar a inclusão sem comprometer a qualidade.

l A ideia é retomar o debate sobre as cotas na universidade? ZAGO. O reitor não tem opinião fechada com qualquer dos métodos que sejam adotados. A minha preferência é de que usemos mais de uma alternativa (de ingresso na universidade) para ampliar a inclusão social.

Neste ano, a USP adotou o Sisu como método alternativo de ingresso para preencher 13,5% das suas 11.057 vagas. As outras foram preenchidas pelo vestibular tradicional, a Fuvest. A mudança foi uma aposta da reitoria para aumentar a proporção de calouros da rede pública, de 35,1% no ano passado. A meta da USP é ter 50% dos ingressantes vindos da escola pública em 2018

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O ESTADO DE S. PAULO

QUARTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2016

USP2024

GARANTIRMAIS RECURSOSESTÁ ENTREDESAFIOS COMUNS

“Temos de colaborar com a indústria; eles são os profissionais em transformar a ciência básica em algo útil para a sociedade.” Kyosuke Nagata REITOR DA UNIVERSIDADE DE TSUKUBA

Crise econômica reduziu repasses públicos, obrigando universidades a buscar novas fontes de financiamento omentarainternacionalização e a interdisciplinaridade; desenvolvernovos modelos pedagógicos, adaptados ao mundo digital e à universalização do acesso à informação; promover a inclusão social e aumentar a produção científica, sem prejuízo à qualidade do ensino ou da pesquisa. Todas essasquestões,apontadascomoprioritárias pelos reitores na conferência USP 2024, exigem um fator em comum: a saúde financeira de suas instituições. A escassez de recursos é um problema crônico de grande parte das universidades públicas do mundo, agravado em tempos de crise econômica, como a que vivem o Brasil e alguns países da Europa. Diante do enxugamento das contas, do esfriamento da economia e da consequente redução na arrecadação de impostos, instituições que dependem majoritariamente de dinheiro público para compor seu orçamento veemse desafiadas a encontrar novas fontes de recursos. “É uma questão de sobrevivência”, diz o francês Jacques Comby, reitor da Universidade Jean Moulin Lyon 3. “Com a crise econômica, o financiamento estatal diminuiu muito. Se não desenvolvêssemosrecursos nossos, fi-

F

caríamos em uma situação muito crítica em cinco ou dez anos.” Segundo ele, nos últimos cinco anos a universidade aumentou suas fontes próprias em 40% e, com isso, conseguiu reduzir a dependência do governoem30%.Umadassoluçõesfoiinvestir em parcerias com o setor privado. “Muitos dizem que isso é perigoso, mas depende de como você faz”, pondera Comby. “Você escolhe o parceiro e as condições de parceria.” A Universidade de São Paulo (USP) busca um caminho semelhante. Para o reitor Marco Antonio Zago, as parcerias com o setor privado não são apenas “necessárias”, do ponto de vista orçamentário, mas também “benéficas para a sociedade”, no sentido de fomentarainovaçãotecnológicaefacilitar a transformação do conhecimento acadêmico em produtos e soluções concretas (leia mais nas pásg. 4 e 5). “É muito importante ter boas colaboraçõesentreuniversidades eempresas”, concorda o reitor Jean-Yves Mérindol, da Universidade Sorbonne Paris Cité. “Temos de ser cuidadosos, porque pode haver conflito de interesse. Mas ser cuidadoso não significa ser contra o princípio da colaboração. Ela é absolutamente necessária.” O reitor da Universidade Humboldt deBerlim,Jan-HendrikOlbertz,ressalta que as parcerias público-privadas têm de cuidarpara não comprometer a autonomia – financeira ou intelectual – das universidades. “É um assunto de responsabilidade pública. Parece simples, mas precisamos de mais dinheiro

“Para trabalhar com empresas precisamos ter mais autonomia e uma administração mais simplificada. Sempre vamos permanecer sob controle do Estado. Isso não é problema, mas precisamos de uma simplificação administrativa.” Jacques Comby REITOR DA UNIVERSIDADE JEAN MOULIN LYON 3

do lado público para garantir nossa independência, nossa liberdade”, afirma. “Se estou procurando por dinheiro de outra fonte, então ela tem expectativas. Por isso acho que é uma questão de encontrar um bom balanço.” Experiência. O tema é polêmico no

Brasil, onde muitos veem a aproximação como uma espécie de “privatização”dasinstituiçõespúblicas.Nasuni-

versidadesmaisconceituadas domundo,porém,comoCaltech,Oxford,Harvard e Stanford, a interação da pesquisa acadêmica com a indústria não só é bem vista como estimulada. Para o reitor da Universidade de Tsukuba, Kyosuke Nagata, é a forma maiseficientede transformarconhecimento básico em novas tecnologias. “Temos de colaborar com a indústria. Eles são os profissionais em transfor-

mar ciência básica em algo útil para a sociedade.” Mais do que isso, é preciso incentivar o empreendedorismo e a criação de empresas, acrescenta Mérindol. “Por isso investimos em startups geradas nos laboratórios e esperamos que elas cresçam e se desenvolvam”, diz o reitor da Sorbonne em Paris. “É muito importante apoiar essas empresas, especialmente no início.”

JULIO DE MESQUITA FILHO INSPIROU CRIAÇÃO DA USP ACERVO/ESTADÃO

Universidade tem vocação internacional desde a fundação, reunindo jovens professores europeus que se tornaram referência mundial José Maria Mayrink

O

jornalista Julio de Mesquita Filho dedicou os anos de exílio em Portugal, após a derrota da Revolução Constitucionalista de 1932, ao planejamento da maior obra de seus sonhos: a criação de uma universidade em São Paulo. Quando o engenheiro Armando de Salles Oliveira, seu cunhado e acionista do jornal O Estado de S. Paulo, foi nomeado interventor e o convidou para coordenar a comissão encarregada de levar o projeto adiante, ele já sabia o que fazer para a construção de um sistema universitário capaz de buscar solução para as deficiências do ensino em todos os seus níveis. “O principal problema com que lutamos, problema número 1, primacial do País, era, sem dúvida alguma, o do seu ensino superior”, dissera Julio de Mesquita Filho, ao comentar as conclusões de uma série de entrevistas feitas pelo sociólogo Fernando de Azevedo, em 1926, com personalidades de destaque sobre o aparelho cultural do Estado e a necessidade de se fundar, em São Paulo, a primeira universidade brasileira. Julio de Mesquita Filho vinha pensando nesse projeto desde 1925, quando publicou o livro A Crise Nacional, no qual sugeria a reforma do ensino. O jornalista participou, antes da revolta dos paulistas contra Getúlio Vargas, de uma comissão no-

Início. Julio de Mesquita Filho (quarto, de pé, da direita para a esquerda) com parte dos docentes contratados meada pelo governo estadual para preparar a futura universidade, trabalhando ao lado de Fernando de Azevedo, Lúcio Rodrigues e Raul Briquet. Na redação do Estado, que logo abraçou a causa, a discussão atraiu outros colaboradores, entre os quais Paulo Duarte. O projeto já estava maduro na cabeça de seu principal formulador quando os Mesquitas – Julio e seus irmãos Francisco e Alfredo – foram lutar nas trincheiras da Revolução de 1932. Tratando-se de projeto amadurecido desde o inquérito sobre a educação, na redação, na prisão e no exílio, a proposta foi implementada com rapidez: a USP foi criada em 25 de janeiro de 1934, aniversário de São Paulo,

por decreto de Armando de Salles Oliveira, nomeado interventor por Getúlio Vargas, numa tentativa de reconciliação com os paulistas. Mais uma vez, Julio de Mesquita Filho integrava a comissão encarregada de montar a instituição, agora ao lado de Fernando de Azevedo, Almeida Júnior, Fonseca Telles, Raul Briquet, André Dreyfus, Rocha Lima, Agelisan Bittencourt e Vicente Rao. A USP nasceu como uma universidade pública, leiga, gratuita, pluralista e democrática, no ensino e na pesquisa. O núcleo central foi a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, recém-criada, à qual se juntaram as tradicionais Escola Politécnica, Faculda-

de de Medicina e Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, além da Faculdade de Medicina Veterinária, a Escola Superior de Agricultura, de Piracicaba, o Instituto Biológico e o Instituto Butantã. A Cidade Universitária, mais tarde batizada de Armando de Salles Oliveira, era já um sonho de Julio de Mesquita Filho. Incumbido de coordenar a contratação de professores europeus, o jornalista pediu o auxílio do psicólogo francês Georges Dumas, professor da Sorbonne e seu amigo, entusiasta da modernização acadêmica. O professor Teodoro Ramos foi enviado a Paris para conversar com Dumas e efetivar a contratação. Eram jovens desconhe-

cidos que se tornariam figuras ilustres 20 anos mais tarde, como Fernand Braudel, Claude Lévi- Strauss e Jean Maugüé. Julio de Mesquita Filho convidava a equipe a reunir-se em sua casa para discutir os rumos da nova universidade. De Dumas, ele ouviu o elogio de que a USP fazia bem em contratar jovens talentos capazes de se beneficiar de sua experiência no Brasil, em vez de trazer medalhões europeus. O jornalista tomou o cuidado de evitar docentes clericais, fascistas e nazistas, para garantir um perfil pluralista e democrático. O resultado motivou Dumas a cumprimentar o diretor do Estado pela organização da universidade, especialmente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. “Contam vocês com uma das mais belas faculdades que se possa desejar, pois em nenhuma das faculdades da França existe um conjunto de professores igual àquele que representa atualmente nossa cultura em São Paulo.” Como afirmou em 25 de janeiro de 1937, em seu discurso de paraninfo da primeira turma formada pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Julio de Mesquita Filho considerava ser “de capital importância para as nacionalidades a organização de um ensino secundário capaz de suscitar valores e capacidades em condições de construir uma sólida elite dirigente”. Em 1976, o então governador Paulo Egydio Martins prestou uma homenagem ao jornalista, dando o seu nome à Universidade Paulista Julio de Mesquita Filho (Unesp), que se somou à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e à USP para se tornar a terceira universidade pública de São Paulo.

EDIÇÃO: ARI SCHNEIDER E CARLA MIRANDA / REPORTAGEM: GIOVANA GIRARDI, HERTON ESCOBAR E VICTOR VIEIRA / IMAGENS: FOTOMONTAGEM SOBRE FOTOS DE NILTON FUKUDA E SÉRGIO CASTRO / DIREÇÃO DE ARTE: FABIO SALES