Org: Margarida Sobral Neto (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Secção   B2   –   Instituições   e   dinâmicas   económicas   e   sociais   na   Época   Moderna   Org:  Margarida  Sobral  Neto  (Faculdade  de  Letr...
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Secção   B2   –   Instituições   e   dinâmicas   económicas   e   sociais   na   Época   Moderna   Org:  Margarida  Sobral  Neto  (Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de  Coimbra  

Moderador/Chair:  Carlos  Pimenta     Margarida Sobral Neto - CV Margarida Sobral Neto licenciou-se em História e doutorou-se em História Moderna e Contemporânea na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. É professora associada com agregação da mesma Faculdade. É membro Correspondente da Academia Portuguesa da História. Integra o Centro de História da Sociedade e da Cultura. Coordena o Centro de Estudos de História Local e Regional Salvador Dias Arnaut (CEHLR). É consultora da Rede Proprietas; membro da Société d’ Études Rurales, da Rede Portuguesa de História Ambiental e sócia fundadora da Associação de História Económica e Social. É diretora da Revista Portuguesa de História.

Instituições e dinâmicas económicas e sociais: novas perspetivas teóricas e metodológicas. As instituições constituem um objeto de renovada reflexão, análise e de elaboração teórica e metodológica, das ciências sociais, desde os anos 70 – em particular da economia, sociologia e ciência política. Este debate sobre as instituições assume a designação de Novo Institucionalismo (NI) e alicerça-se no pressuposto “Institutions matter”. O reconhecimento da relevância, na sociedade contemporânea, de um novo debate sobre as instituições afere-se pela atribuição de 4 prémios NOBEL a cientistas sociais, a maioria economistas, que se distinguiram, ou foram distinguidos, pela produção de conhecimento neste campo (Ronald Coase, 1991, Douglas North, 1993, Oliver Williamson, e Elinor Ostrom 2009). O campo de investigação e de produção teórica e metodológica denominado como Novo Institucionalismo abriga perspetivas plurais e muito diversas que traduzem, por um lado, a complexidade do objeto de análise, e por outro, a dificuldade em encontrar uma conceptualização que permita uma comunicação eficaz entre as diversas ciências sociais.

A minha incursão na bibliografia referente ao NI explica-se pela convicção de que o diálogo entre a história e as outras ciências sociais produz benefícios mútuos, convicção que adquiri sobretudo nas obras de Vitorino Magalhães Godinho, Fernand Braudel e Eric Hobsbawm. Vitorino Magalhães Godinho considerava a História “uma forma de pensar os problemas do nosso tempo”, forma de pensar que tem a vantagem de conferir ao presente uma espessura temporal, em alguns casos de longa duração, que alarga a dimensão da experiência do presente. Trata-se, no entanto, de uma incursão ousada, talvez mesmo temerária, dada a dificuldade em esboçar sequer um estado da “arte” neste campo. A minha comunicação situar-se-á, assim, em dois níveis. No primeiro, enunciarei alguns conceitos, problemáticas em análise, linhas de pesquisa e alguns resultados referentes ao NI. No segundo, apresentarei uma faceta de análise do estudo das instituições, as “instituições para a ação coletiva”, mais especificamente as formas de autogoverno de “recursos comuns” pela comunidade dos seus utilizadores. Neste segundo nível, caminharei num terreno mais seguro, dado que falarei sobre os resultados de um diálogo que tenho travado com a obra de Elinor Ostrom no âmbito da investigação sobre questões de história das comunidades rurais, em particular sobre relações sociais interligadas com questões de história da propriedade, da gestão e da apropriação de recursos rurais, tema que constitui a minha principal linha de interesse, de investigação e de publicações. Reportando-me ao primeiro nível, impõe-se começar por clarificar o conceito de instituição. O Novo Institucionalismo alargou o campo do conceito de instituição que passou abranger para além das estruturas enquadradoras da vida económica, política e social (por exemplo as estruturas burocráticas das organizações) as normas orientadoras e condicionadoras da ação e da interação dos indivíduos, dos atores sociais. As instituições passam a ser consideradas como as regras do jogo numa sociedade”, regras que orientam, protegem e constrangem. Estas normas são de diversa natureza:

Regras formais: leis definidas e impostas pelo Estado ou outras instituições e normativos de autorregulação de uma comunidade Normas informais: normas culturais e simbólicas interiorizadas e partilhadas pelos indivíduos na aceção de Habitus (Bourdieu) ou de “costumes em comum” (Tompson).

Quanto aos problemas centrais em debate um dos principais é o que se reporta à dialética entre estrutura e ação (structure and agency) No âmbito desta questão matricial do debate, formulam-se perguntas do seguinte teor: Como é que as instituições se organizam e estabilizam? Como funcionam as mesmas instituições em diversos contextos? As instituições são “armaduras sociais” ou “sistemas complexos adaptáveis”? Como é que se processa a mudança institucional? Quais os “custos de transação” inerentes à mudança? Que fatores externos e internos podem intervir na mudança institucional? Qual o papel e peso dos fatores externos e internos na mudança institucional? Qual o papel e campo da ação dos indivíduos na vida das instituições? Que tipo de comportamentos assumem ou podem assumir? Como é que os indivíduos se apropriam das instituições e as utilizam no sentido de atingir os seus objetivos? Qual o papel das instituições nos processos de crescimento económico ou de decisão política?

Num outro plano, colocam-se as questões metodológicas e teóricas, sendo algumas delas as seguintes: Quais as variáveis mais relevantes a trabalhar e quais as noções operatórias a utilizar? Que métodos utilizar?: o dedutivo, o indutivo ou uma combinação de ambos? Como formalizar a investigação empírica no sentido de obter informação comparável? Qual o papel da abordagem macro e da análise micro?

Que modelos formular? Quais os modelos mais adequados para acomodar a complexidade institucional?

Respostas a esta e a outras perguntas encontra-se na bibliografia conotada com o NI. Num esforço de sistematização e diferenciação de abordagens múltiplas, a produção científica de temática institucionalista tem sido arrumada em três tipos de abordagem: Institucionalismo de “escolha racional”. Institucionalismo sociológico: Institucionalismo histórico: O institucionalismo de “escolha racional” vê as instituições como conjunto de regras formais restritivas e centra o seu enfoque nos atores individuais. Ao analisar o comportamento destes atores, parte do pressuposto que eles definem as suas escolhas e estratégias de ação de acordo com critérios de racionalidade que visam obter a utilidade máxima. Esta abordagem analítica e metodológica recorre à teoria dos jogos e procura, através do método dedutivo, leis universais. A “escolha racional” perante dilemas sociais implicaria, no entanto, que os atores sociais dispusessem de informação perfeita e atuassem em situações de ação marcadas pela certeza e previsibilidade. Os autores integrados no Institucionalismo sociológico analisam as instituições como entidades e normas de conduta enraizadas na sociedade, fenómeno que se expressa através do conceito de embebedness (Polany e Granovetter) e de habitus (Bourdieu). Atribuem, ainda, particular relevância na explicação dos comportamentos dos atores sociais aos fatores culturais e simbólicos (Bourdieu). Quanto aos processos de mudança nas instituições, são vistos como um processo dinâmico e explicados através da dialética entre as estruturas e as ações dos autores sociais. O institucionalismo histórico tem como principal objetivo estudar os processos de institucionalização das organizações e instituições, os processos da sua estruturação, reprodução e desestruturação. Todas as instituições têm a sua história. A história institucional tem como objetivo estudar os caminhos do processo de criação e consolidação das instituições e aferir a

dependência das instituições da sua história, abordagem expressa através do conceito de “path dependance”, de dependência do caminho. O alargamento do horizonte temporal da análise suscita abordagens macro históricas. Por sua vez a prática do método indutivo permite formular conclusões de alcance geral a partir da identificação de regularidades. O institucionalismo histórico permitiu desconstruir alguns aspetos da teoria de escolha racional ao evidenciar, por um lado, a força das estruturas institucionais, e, por outro, ao evidenciar algumas características das “situações de ação” como a incerteza, a informação incompleta e a imprevisibilidade, variáveis que comprometem a ação individual.

O caso do governo dos recursos comuns

Nas últimas décadas, a utilização e gestão dos bens comuns (commons) tem sido objeto de debate, nomeadamente o que se travou em torno das teses de Garrett Hardin. No artigo Tragedy of the commons, publicado em 1968, na revista Science, Hardin ressaltou a vunerabilidade dos bens comuns de open access (acesso livre) a atitudes de sobre exploração de recursos geradoras de insustentabilidade e mesmo de destruição. Leituras políticas desta tese defenderam a eliminação da fruição e gestão comunitária de recursos; ao mesmo tempo que defendiam os modelos de gestão estatal ou de propriedade privada como os mais adequados à gestão destes recursos. A cientista social Elinor Ostrom, na obra Governing The Commons, The Evolution of Institutions for Collective Action (1990) desconstruiu a tese de Hardin nos termos seguintes: “A descrição de Garrett Hardin dos utilizadores de recursos comuns – uma pastagem aberta para todos – como seres presos numa tragédia inexorável de uso excessivo e destruição foi amplamente aceite, uma vez que era congruente com o pressuposto de não cooperação do Dilema do Prisioneiro e outros jogos de dilemas sociais. Este pressuposto atraiu a atenção de académicos e legisladores em todo o mundo. Muitos defenderam que os recursos comuns não pertenciam a ninguém. Portanto, acreditava-se que os funcionários governamentais tinham que impor novas variáveis externas (por ex. políticas novas) para prevenir a sua destruição, por parte dos utilizadores, que não podiam fazer outra coisa senão destruir os recursos dos quais dependia o seu futuro (e dos demais) (Ostrom, 2009).

Elinor Ostrom ao mesmo tempo que tentava demonstrar a não aplicabilidade dos raciocínios dedutivos de Hardin invocava argumentos teóricos alternativos, nomeadamente os decorrentes de outras reconfigurações da teoria dos jogos, ao mesmo tempo que apresentava evidência empírica referente a boas práticas gestão de pescarias e sistemas de irrigação por partes dos seus utilizadores. Evidência empírica colhida na literatura disponível e em observações diretas decorrentes do trabalho de campo, permitiu a Ostrom demonstrar a existência de instituições para a ação coletiva “robustas”. A meta-análise da diversidade de experiências observadas em todo o mundo, permitiu a Ostrom identificar um conjunto de “regularidades institucionais”, denominado “design principles”, que, segundo a autora, garantiam a gestão eficaz e sustentável dos “fundos comuns de recursos” (Common Property Resources – CPRs) (Ostrom, 1991, 2011). 1. O primeiro consiste numa definição clara do território de implantação dos recursos comuns, bem como do grupo de pessoas detentoras de direitos à sua utilização. 2. O segundo implica a existência de uma consonância, uma adequação, entre normas de apropriação e fruição e condições locais 3. O terceiro pressupõe que a maioria dos indivíduos a quem se aplicam os regulamentos de uso dos recursos comuns possa participar na sua alteração. 4. O quarto implica a existência de monitorização das normas de utilização dos recursos comuns e dos comportamentos dos utilizadores, monitorização a cargo dos próprios utilizadores ou de pessoas responsáveis perante eles. 5. O quinto estabelece que os utilizadores que violem as normas de utilização fiquem sujeitos a sanções, estabelecidas em função da gravidade e do contexto da transgressão, sanções aplicadas por outros utilizadores, por pessoas da confiança dos utilizadores ou por ambos. 6. O sexto pressupõe que os utilizadores e os seus funcionários possam aceder a instâncias locais de resolução de conflitos entre utilizadores ou entre utilizadores. 7. Finalmente o sétimo implica que os direitos dos utilizadores de criarem as suas próprias instituições não sejam modificados por autoridades externas. A investigação efetuada por Elinor Ostrom permitiu-lhe apresentar instituições eficientes de autogoverno e concluir: “Alguns textos académicos sobre a “tragédia dos comuns” recomendavam o controlo do estado sobre os principais recursos comuns no sentido

de prevenir a sua destruição; outros consideravam que

a privatização desses recursos

resolveria a situação. O que podemos observar no mundo é que nem o estado nem o mercado são uniformemente bem sucedidos em criar as condições para que os indivíduos usufruam de um uso sustentado e produtivo dos recursos naturais.

Além disso,

comunidades de

indivíduos criaram instituições, não dependentes do mercado nem do estado para gerir alguns sistemas de recursos com graus razoáveis de sucesso (Ostrom: 1990). E num discurso feito no momento da entrega do prémio Nobel reafirmava: “A maioria das teorias económicas modernas descreve um mundo presidido por um governo (e não significativamente, por governos) e concebe o mundo através dos olhos do governo. Contrariamente, aos indivíduos privados, atribui-se-lhes uma capacidade limitada ou nula para a resolução de problemas que surgem entre eles” (Ostrom, 2009). O modelo de utilização de recursos decorrente da investigação de Ostrom, é um modelo de autogoverno que Ostrom considerava robusto e que pressuponha uma forte cooperação e corresponsabilização dos utilizadores dos recursos comuns no concernente à definição de normas de utilização, à monitorização da sua aplicação e à aplicação de penalizações pela sua transgressão. As investigações realizados no âmbito dos projetos coordenados por Ostrom permitiram-lhe desenhar modelos para a análise da diversidade institucional (2005) nomeadamente os referentes à governança policêntrica de sistemas económicos complexos (Ostrom, 2009), formas de governo que pressuponham, para além da cooperação dos atores sociais, a cooperação interinstitucional entre instâncias governativas.

BIBLIOGRAFIA BRINTON, Mary C; NEE, Victor, The new institutionnalism in sociology. Stanford University Press, 2001 GRANOVETTER, Mark (1985), “Economic Action and social stucture: the problem of embeddedness”, American Journal of sociology, 91, 3, 481-510. INHAKI, Iriarte-Goñi (2002), “Comnon lands in Spain, 1800-1915: Persistence, Change and Adaptation”. Rural History, vol. 13, nº 1. NETO Margarida Sobral (2003), “Biens et usages communaux au Portugal (1750-1950)". In Marie-Danielle Demélas & Nadine Vivier (dir), Les propriétés collectives face aux attaques libérales (1750-1914). Europe occidentale et Amérique latine, Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 174-194.

NETO, Margarida Sobral (2013b), “Propriedade e usos comunitários e sustentabilidade das economias camponesas (Olhares historiográficos)”. In Inês Amorim e Stefania Barca (org.), Atas do I encontro Internacional de História Ambiental Lusófona, col. Cescontexto, nº. 1, pp. 134-144. NETO, Margarida Sobral (2015), Governing the commons in Portugal: an historical approach ( http://www.ruralhistory2015.org/index.html). MOOR Martina De, et al, (2002), The management of common land in north West Europe, c. 1500-1850. Brepols, Turnhout:Brepols. NORTH, Douglass C. (1990), Institutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge: Cambrige University Press. OSTROM, Elionor (1990), Governing the commons. The evolution of institutions for collective action, Cambridge: Cambridge University Press . OSTROM, Elinor (2005), Understanding institutional diversity. Princeton: Princeton University Press. OSTROM, Elinor (2009), “Beyond markets and states: polycentric governance of complex economic systems” in Karl Grandi (ed.), Les Prix Nobel. The Nobel Prize 2009. Estocolmo, Nobel Fondation, 408-444.    

   

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