PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÂO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA REGISTRADO(A) SOB N°

ACÓRDÃO

I imi mil mil um mu mu mi mu m m *02656571*

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 990.09.077732-0, da Comarca de São Paulo, em

que

é

apelante/querelado

VILLABLANCA BASTIAS

DIONEL

ALFONSO

sendo apelado/querelante

MARCOS

ANTÔNIO DE SANTANA.

ACORDAM, em 5 a Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O

julgamento

teve

a

participação

dos

Desembargadores PINHEIRO FRANCO (Presidente), TRISTÃO RIBEIRO E MARCOS ZANUZZI.

São Paulo, 08 de outubro de 2009.

PINHEIRO FRANCO PRESIDENTE E RELATOR

Apelação Criminal n.° 990.09.077732-0 - São Paulo Apelante/Querelado: Dionel Affonso Villablanca Bastias (ou) Apelado/Querelante: Marcos Antônio de Santana Voton. 0

:13.346

Queixa-crime. Injúria por preconceito. Delito caracterizado. Afirmações ofensivas contra o querelante lançadas em reunião de trabalho. Versão exculpatória isolada nos autos. Clara intenção de ofender, mormente se considerado o contexto em que perpetradas as ofensas. Querelante que se viu ultrajado como palavras de matiz racial e de origem. Condenação de rigor. Penas fixadas adequadamente. Substituição adequada. Apelo improvido.

Apelação Criminal contra sentença que condenou DIONEL AFFONSO VILLABLANCA BASTIAS (ou), como incurso no artigo 140, § 3o, do C. Penal, à pena de 1 ano, 3 meses e 12 dias de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de 60 dias-multa (mínimo legal), substituída a privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo prazo, e prestação pecuniária, no importe de um salário mínimo, destinada a entidade mantenedora de crianças portadoras do vírus HIV.

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Sustenta o recorrente que o fato é atípico, pois não proferiu as expressões com animus injuriandi. Quando muito, proferiu em desfavor do querelante, apenas, a expressão "comedor de bananas", jocosamente, todavia. Afirma que a prova colhida não atesta qualquer comportamento preconceituoso contra os funcionários do clube. Repisa a tese da inocorrência do dolo na hipótese, acenando, no mais, com a imprestabilidade do apurado nos autos da sindicância interna da agremiação para lastrear a condenação, eis que a prova não foi colhida ou renovada sob o crivo do contraditório. Diz que as versões colhidas na Polícia e em Juízo mostram-se antagônicas. Busca, em razão do exposto, a absolvição, com esteio nas disposições do artigo 386, III ou IV, do C. P.Penal (folhas 306/315).

Processado o recurso, subiram os autos, verificado seu processamento nesta Instância, por força da disposição inserta no artigo 600, § 4o, do CP.Penal. Parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça pelo improvimento.

É o relatório.

Cuida-se de ação penal privada ajuizada por Marcos Antônio de Santana contra DIONEL AFFONSO VILLABLANCA BASTIAS, com vistas à apuração do crime de injúria grave.

Segundo se extrai da queixa-crime ofertada, no dia 30 de agosto de 2.002, por volta das 10 horas e 30 minutos, nas

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dependências do Esporte Clube Pinheiros, nesta Capital, DIONEL, chefe do departamento de patrimônio da agremiação, em uma reunião, na presença de demais funcionários, teria ofendido a honra da vítima Marcos, rotulando-o

de:

"desqualificado",

"nego

safado",

"pernambucano",

"comedor de bananas", "macaco", "cheirador de farinha", dentre outros.

A sentença condenou o querelado como incurso nas penas do artigo 140, § 3o, do C. Penal, ao argumento de que as ofensas foram lançadas com o nítido propósito de injuriar.

E o fez bem.

DIONEL, em Juízo, alegou não ter praticado crime algum. Afirmou que, habitualmente, fazia emprego das expressões "comedor de bananas" e "chupador de bananas", mas em tom de brincadeira, apenas. Não as pronunciou, inclusive, fazendo alusão ao querelante. Disse, no mais, que em um momento mais tenso da reunião, referiu-se ao querelante como "maricon" e "comedor de bananas", pois fora cientificado que Marcos, no exercício de seu mister, costumava ser rigoroso com os funcionários da manutenção do clube no tocante à utilização dos equipamentos de proteção individual. Não pretendeu imprimir ao fato, todavia, qualquer conotação de ordem racial ou étnica. Negou, ao fim, o fato de ter rotulado o ofendido de "nego safado", "macaco", "desqualificado" e "pernambucano" (folhas 219/220).

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Sua versão, todavia, restou isolada no contexto probatório coligido. Severino Raimundo Batista da Silva, funcionário da área de manutenção do clube, confirmou, em Juízo, ter ouvido o querelado rotular Marcos, em uma reunião, como "pernambucano", "comedor de bananas" e "desqualificado". E tudo isso porque o querelante, no exercício do seu mister (técnico em segurança do trabalho), exigia que os funcionários, quando da realização dos reparos, utilizassem equipamentos de proteção individual (folhas 229/230).

O bombeiro civil Nilson Antônio Nascimento de Lima afirmou ter participado, apenas, da parte final da reunião. Posteriormente, disse ter ouvido comentários no sentindo de que DIONEL se referira à pessoa de Marcos como "pernambucano" e "comedor de bananas" (folhas 232/233), fato, inclusive, presenciado pelo pintor José Raimundo de Oliveira, que ainda relatou ter tomado ciência, em razão de comentários realizados, que DIONEL se referira a Marcos, ainda, como "macaco" e "cheirador de farinha" (folhas 234).

O encarregado José Ribamar de Sá Barros disse ter ouvido DIONEL rotular o querelante de "comedor de bananas", o que fez em tom de brincadeira, apenas (folhas 239). Tal declaração encontrou suporte, ainda, naquelas ofertadas pelo encarregado Manoel Rodrigues da Silva (folhas 240).

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A testemunha de defesa Roque Roberto Barbosa disse ter participado da reunião. Todavia, não ouviu o querelado proferir em desfavor do querelante qualquer frase ou expressão ofensiva à sua honra. Em arremate, disse que a pauta da reunião dizia respeito assuntos relativos a prazos para conclusão de obras nas dependências do clube e utilização de equipamentos de proteção individual.

Esse o quadro probatório colhido.

E, da sua análise, não há como se aferir a aventada ausência de dolo, no tocante às expressões ofensivas à honra do querelante.

Incontroverso que DIONEL exercia a chefia do departamento de manutenção do Esporte Clube Pinheiros. Marcos, por sua vez, desempenhava função técnica, voltada à segurança do trabalho. No dia dos fatos, em reunião com a equipe encarregada da manutenção do centro recreativo, foram discutidos vários assuntos, dentre os quais prazos e cronogramas para a realização de obras. Discutiu-se, ainda, tema atinente à utilização, quando dos reparos, dos necessários equipamentos de proteção individual, tais como cintos de segurança e capacetes, cuja exigência e fiscalização, no tocante ao uso, era incumbência afeta ao querelante.

E, dentro desse contexto, e em razão, ao que se infere, do exercício de suas funções, o querelado proferiu palavras

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ofensivas à honra e relativas, inclusive, ao seu local de origem, tudo a recomendar, mesmo, a manutenção da condenação tal como lançada. As declarações ofertadas por DIONEL têm indiscutível caráter negativo e traduzem um conceito depreciativo, atentando contra a dignidade e o decoro.

É bem verdade que ele procura se eximir ou ver sua responsabilidade diminuída, afirmando ter chamado Marcos de "maricon" e "chupador de bananas" apenas porque fora cientificado, por terceiros, que ele, quando do exercício de suas funções, normalmente implicava excessivamente com os funcionários da equipe de manutenção do centro recreativo, cobrando dos mesmos a utilização de equipamentos de proteção individuais. Fê-lo, todavia, jocosamente, sem pretender imprimir ao ato qualquer conotação de cunho racial ou étnico.

Sua

versão

exculpatória, todavia,

não

encontra

amparo na prova colhida, não havendo como se reconhecer a ausência de animus injuriandi. As declarações, inclusive, devem ser examinadas dentro do contexto pleno. E, dentro desse conjunto, o fato é que as ofensas foram lançadas em reunião de trabalho, após a discussão de tema relativo ao uso de equipamentos de proteção individual, cuja fiscalização competia a Marcos, o que fazia, inclusive, com rigor.

O recorrido, assim, queira ou não, desbordou dos limites do tema central e, com claro intuito ofensivo, porque adentrou em

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tema estranho ao assunto principal, rotulou o recorrente, em razão do mero fato dele desempenhar as suas funções, como deixou assentado a prova, ao menos de "comedor" ou "chupador de bananas", "maricon" e "pernambucano".

Sua intenção, assim, foi a de denegrir a imagem do querelante, muito embora o tema da reunião tivesse natureza diversa. A intenção, insisto, não era a de externar alguma insatisfação no concernente a eventual desvio ou excesso perpetrado por Marcos, quando do exercício de sua função de técnico da segurança do trabalho, a implicar, verbi gratia, no atraso de obras ou reparos nas dependências do clube, o que poderia ser feito, no exercício regular de um direito, aí sim de outra forma. Denota-se do conteúdo das declarações a finalidade pessoal do querelado atingir o querelante, o que a consciência jurídica não pode aceitar.

Evidenciada, pois, na hipótese, a intenção de ofender o decoro e a honra do querelante, que se viu ultrajado com palavras de matiz racial e de origem, como bem deixou assentado o E. Procurador de Justiça, não há como se acolher a escusa ofertada, com a nota de que se as supostas ofensas tivessem sido proferidas em tom jocoso, o querelante poderia e deveria ter ser retratado imediatamente, o que não fez.

A condenação, assim, é medida de rigor. Resta examinar as penas, que não comportam reparo.

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Atento às circunstâncias judiciais do artigo 59, do C. Penal,

especialmente

aquelas

atinentes

à

culpabilidade

(ofensas

reiteradas e de cunho étnico lançadas contra colega de trabalho) e às conseqüências do crime (o querelante passou a ser alvo de chacotas), a pena-base foi fixada em 1 ano, 3 meses e 12 dias de reclusão e 60 diasmulta e permaneceu cristalizada nesse patamar, à míngua de causas modificadoras. A substituição da pena privativa por restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo prazo, e prestação pecuniária, no importe de um salário mínimo, destinada a entidade mantenedora de crianças portadoras do vírus HIV, atende à finalidade da lei, mostrando-se, ainda, socialmente recomendável. O regime aberto, imposto para o caso de descumprimento, está adequado.

Meu voto, pois, NEGA PROVIMENTO ao recurso.

PINHEIRO FRANCO Relator

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