FARIA DE VASCONCELOS UM EDUCADOR DA ESCOLA NOVA NAS SETE PARTIDAS DO MUNDO

FARIA DE VASCONCELOS – UM EDUCADOR DA ESCOLA NOVA NAS SETE PARTIDAS DO MUNDO AIRES ANTUNES DINIZ, ESAB, PORTUGAL A Pedagogia no início do século XX es...
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FARIA DE VASCONCELOS – UM EDUCADOR DA ESCOLA NOVA NAS SETE PARTIDAS DO MUNDO AIRES ANTUNES DINIZ, ESAB, PORTUGAL A Pedagogia no início do século XX está num momento de viragem. As décadas finais do século XIX acumularam muitos conhecimentos de pedagogia e psicologia. Renovaram o paradigma de Pestalozzi, Froebel e Herbart. A Pedagogia insere-se na perspectiva de John Dewey. Valoriza a experimentação pedagógica. Com os modelos alemães de Herbart-Zoller e as utopias de vários autores, origina a Escola Activa, incorporando as conquistas da psicologia (Messer, 1927). Faria de Vasconcelos é influenciado e influencia esta transição paradigmática, acredita na utopia que transforma cientificamente a Escola. 1 – A Formação do Pedagogo António Sena Faria de Vasconcelos Azevedo nasceu em Castelo Branco em 2 de Março de 1880 e faleceu em 11 de Agosto de 1939. Após o Ensino Secundário, matricula-se na Faculdade de Direito de Coimbra e licencia-se em 1901. É uma formação de base logo ultrapassada pelo estudo dos fenómenos sociais e psicológicos. Tem esperança numa pedagogia, como tecnologia e utopia, que resume assim: “Eduquem-se e instruam-se as multidões; assegurem-se os direitos ao trabalho e à vida; reforme-se a família segundo as exigências da moral social;... “(Faria de Vasconcelos 1986, pág. 77). Viaja com frequência e estuda em vários países da Europa. Preocupa -se com as massas informes e violentas porque pessimistas e sem futuro. São as multidões. Afirma que “O problema da educação e da instrução popular está na ordem do dia em todos os países cultos” Quer ultrapassar as condições concretas do povo português, que são as do analfabetismo. Quer promover “a admissão pacífica da multidão na cidade”. Preocupa-se com a falta de conhecimentos úteis, o resultado de uma educação que “age mais sobre a memória do que sobre a inteligência” (Faria de Vasconcelos, 1986, pág. 93). Em 1903, elabora uma memória sobre a psicologia das multidões infantis em que defende uma reorganização das escolas para controlar a emergência da criminalidade infantil. Para ele, as crianças progridem pela individualização dos processos colectivos. Em 1904 doutora-se em Ciências Sociais na Bélgica. Para isso, estuda as influências da psicologia individual nos grupos sociais, cuja sensibilidade social depende da forma como os comportamentos sociais se integram e se contratualizam formal ou informalmente em função do tamanho e da organização do grupo social. Descobre que se formam quando há sensibilidade social para definir e tratar os problemas colectivos. Deixa de considerar os grupos sociais como uma multidão sem regras.

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Verifica que o progresso das comunicações reduz indefinidamente a superfície do globo, melhorando os entendimentos sociais (Faria de Vasconcelos, 1986, pág. 133). Formava-se nos anos 00 do século XX em todo o Portugal um novo paradigma pedagógico que faz a transmissão, articula e torna coerentes a psicologia e a pedagogia. As crianças passam a ter uma atenção maior e as preocupações com a mortalidade infantil faziam já parte das agend as e das mensagens dos Congressos Pedagógicos, onde se dramatizavam 32451 mortes de crianças entre 0 e 2 anos (Liga Nacional de Instrução, a), 1909; pág. 134). Em 1909, já se pedia a criação nas Escolas do Ensino Normal da cadeira de psico-fisiologia infantil (pág. 9). A este pedido não é indiferente a comunicação sobre “O problema da protecção e educação da infância anormal” apresentada por Faria de Vasconcelos (1909). Mostrava conhecimentos que tinha estudado em Decroly. Analisava e comparava os diversos tipos de anormalidades e as suas classificações. Trazia até nós as soluções sociais adoptadas em diversos países. Os Portugueses tinham assim conhecimento da psicologia dos anormais. Verificado o papel doentio das escolas nalgumas taras, propõe a criação de vários tipos de escolas. São os asilos-escolas para idiotas e imbecis profundos e escolas especiais para atrasados mentais e pedagógicos. Todas estariam apoiadas na colaboração médica e pedagógica. Este trabalho é elaborado a convite do Conselheiro Marqu es Mano para construir um projecto de organização do ensino especial das crianças anormais, cuja economia na sua viabilidade e vantagem explicou num longo relatório. No seu livro Lições de Pedologia e Pedagogia Experimental, tem na página de rosto uma referência a Rousseau. Mostra como a psicologia da criança se transforma na metodologia básica da prática educativa. Define a Ciência Educativa que baseia no Estudo Científico da Criança, na associação eficaz do médico e do educador, na colaboração sincera da família e da escola e, finalmente, na habilitação profissional do professor. Conhece a ciência pedagógica nos vários países. Reconhece o avanço das novas teorias na América Latina, refere expressamente Mercante e Sennet na Argentina, realça os seus laboratórios bem montados. Fala da Bolívia sem referir o seu papel. Fala de Cuba, de Aguayo e da Revista Cuba Pedagógica e de muitos países da América Latina, mas sem referir o Brasil. Lourenço Filho era muito jovem. Na apresentação, acrescenta um quinto pilar no desenvolvimento da pedagogia. É a criação de laboratórios de pedologia nas Escolas. As Escolas Novas merecem -lhe já simpatia e promete um livro sobre elas para breve (pág. 240). Não pode tratar o tema dos deficientes e promete mais um livro sobre o anormaes (pág. 258). Nunca o fará.

2 – O Organizador e Experimentador da Escola Nova Em 1910, na sequência do Movimento da Escola Nova, que prolifera em diversos países da Europa, Faria de Vasconcelos (1915) é pioneiro numa Experiência Pedagógica deste tipo na Bélgica. Funda e

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dirige a Escola Nova de Bierges-lez-Wawre só para a crianças normais. Infelizmente, esta experiência é interrompida pela 1ª Guerra Mundial. Prejudicou a sua afirmação como pedagogo inovador. O seu mentor teórico Adolphe Ferriére (1915) avalia-a muito favoravelmente- Enquadra-a em Projectos que este teorizou anteriormente. Mostra-o no famoso prefácio ao livro de Faria de Vasconcelos (1915, nota de pé de página 1 na pág. 7). Ferriére analisa o comportamento de seis Escolas Novas 1. Conclui que Faria de Vasconcelos só não cumpre os trinta critérios por não ter condições para alojar os alunos em pequenos grupos e por a Bélgica não permitir a coeducação. A nota final desta experiência é 28,5 pontos em 30 possíveis. É um trabalho que Lourenço Filho não conhece (1936 e 1963). Também a avaliação das escolas novas para Lourenço Filho consiste em 29 critérios e mais um. Por isso, não têm isometria com os avançados por Ferriére. Outras escolas obtêm pontuação maior, mas Faria de Vasconcelos, alcança o máximo possível nas condições sociais e políticas em que trabalha. Ferriére (1915) no prefácio a este livro que agora se analisa, acaba por afirmar que Faria de Vasconcelos, apesar de origem portuguesa, é belga pelos estudos, por ensinar na Universidade Liv re de Bruxelas e pelo casamento. Faria de Vasconcelos (1915, pág. 217) explica como a organizou num meio rural, próximo de Bruxelas. A sua aplicabilidade depende do que se sabe dos anormais. Mostra a ligação a Portugal. Convida para o Comité de Patronage não só Alves da Veiga, ministro de Portugal na Bélgica, mas também o Ministro do Brasil para a Bélgica, Oliveira Lima. Mostra a unidade da cultura luso-brasileira. Não a esquece numa experiência pedagógica, que podia estender em caso de sucesso aos dois países. Os dois embaixadores são padrinhos da sua Escola Nova com outras personalidades da Pedagogia como Compayré, Decroly, Ferriére e outros. O acto de ir ver o real ou o simples fazer comanda esta Escola. Tenta ligar em cada actividade lectiva os vários ramos do conhecimento, numa perspectiva de concentração de esforços para que eles sejam percebidos por cada um dos alunos nas suas interligações mútuas. Mas, este processo pedagógico é interrompido pela guerra. Felizmente, será explicitado mais tarde no ens ino das Ciências Naturais na Bolívia. 3- Faria de Vasconcelos e a afirmação das Culturas Locais Em 1915, em Cuba orienta a Reforma Pedagógica que ensaia, exercendo o cargo de Inspector Especial, no Ministério da Beneficência. Funda aí escolas novas, tentando repetir a experiência belga, incentivado por Claparéde (Dias, 1969, pág. 89). Em 1917 vai para a Bolívia, onde funda a secção de Psicologia da Escola Normal Superior de la Paz. É professor e director da Escola Normal de La Paz. Publica diversos trabalhos e influencia o pensamento pedagógico latino americano. Na viagem, vê e elogia “O triunfo 1

Abbotsholme e Bedales na Inglaterra, Roches na França, Lietz e Odenwald na Alemanha e Bierges na Bélgica.

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americano (que) foi devido ao seu entusiasmo persistente, à sua capacidade de realização criadora, ao seu espírito de fecunda e inteligente organização do trabalho, ao altíssimo valor dos chefes que o dirigiram, à honradez administrativa da empresa.” (Faria de Vasconcellos, b), 1922, pág. 14). Mostranos uma Bolívia, falha de população, mas cheia de riquezas mineiras imensas que os vizinhos poderosos, entre os quais o Brasil, a que se juntaram a Argentina, o Chile e o Perú (pág. 145), já diminuíram e retalharam, cortando até a saída para o mar. Repele as afirmações que fazem dos índios “ininteligentes e incapazes de progredir” ( pág. 164) e para a contrariar proclama a necessidade de um “educar (que) é acordar actividades latentes, despertar aptidões, pôr em acção interêsses naturais e profundos, desenvolver os indíviduos em harmonia com as suas virtualidades prôprias, no seu meio natural e por processos adequados à natureza dêsses indíviduos e dêsse ambiente.” (pág. 165). É uma proposta de educação multicultural, que individualiza numa estratégia educativa para conseguir o fim da opressão cultural dos povos conquistados e colonizados e potenciar a sua natural liberdade política. Com Faria de Vasconcelos, a Escola Nova assume a missão de libertar as culturas locais subjugadas pela cultura dominante, que as obriga a aceitar conhecimentos e modos de ver que a impedem de ver o próprio real. Resulta da proposta do Dr. Daniel Sanchez Bustamante, um ministro da Educação Boliviano, que elaborou em 1919 o Estatuto da Educação e Instrução dos Índios (pág. 223). Aí, a Educação e Instrução da raça branca caminhou a passos adiantados com base n’”uma falange de professores educados no s princípios e nos métodos mais modernos da psicologia, da pedagogia e da metodologia acientíficas (que) transformou completamente a escola primária numa escola de trabalho produtivo, baseada na actividade própria do aluno e orientada por um elevado ideal social” (pág. 224). Na sessão de instalação do curso de Pedagogia em La Paz, Faria de Vasconcelos (1969), revela com clareza os propósitos de criar um curso de pedagogia, sintonizado com tudo o que se faz na Europa e no Mundo. Terá laboratórios experimentais para preparar os técnicos de educação na gestão da orientação e ensino dos jovens, produzindo e adaptando conhecimentos, onde a biologia e a psicologia são os troncos essenciais do curriculum. Cria por influência e conselho dele2, as condições do funcionamento e criação de um sistema educativo coerente, que permita o desenvolvimento local da cultura, da técnica e da investigação científica a vários níveis. Associa-o ao estudo rigoroso das condições naturais da Economia Boliviana que tem na sua imensa riqueza natural o elemento essencial da sua competitividade. Vemos isso na “Didáctica das Sciências Naturais” publicada na Bolívia, quando dirigia a Escola Normal. Em função da realidade natural local, introduz o estudo das ciências naturais porque “permite compreender eficazmente as relações entre os fenómenos naturais e as condições particulares do meio local.” (Faria de 2

Embora não o diga, mas sabemos pelo resto que escreveu que nada disto deixou de ter a su a marca de Educador imbuído do ideário da Escola Nova.

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Vasconcelos, 1923, a), pág. 122). Como director da Escola Normal Mixta de Preceptores em Sucre, em Janeiro de 1919, cria o Syllabus do Cur so de Organização e Direcção de Escolas. É um programa detalhado do curso. Adapta-o às tarefas que quer desempenhar nesta nação sul-americana. Mostra como a Escola Nova pode ser aplicada nos vários graus de ensino. Numa nota sobre o emprego do Syllabus, diz que cada lição tem várias etapas. Preocupa-se com a aplicação dos programas e com a classificação final dos alunos. Propõe no final um quarto grau primário com tendências profissionais. É uma ideia que o acompanha ao longo da vida. Defende sempre uma pré-aprendizagem sem especializações, entende-a como preparação para a escolha da profissão. Em Março de 1919, na Revista Pedagógica, o órgão teórico da Escola Normal Mixta de Preceptores da República, que pertence à Universidade de Chuquisaca, mostra como estes temas são ensinados. Julián Fischer explica como faz a educação física na e a interliga com o fomento dos hábitos higiénicos e com os trabalhos manuais. Na sequência de um relatório feito antes para o Governo Boliviano, Faria de Vasconcelos mostra as virtualidades do self-government no civismo, na personalidade, no valor moral e na franqueza dos alunos e na melhoria geral das relações entre professores e alunos (1919, b). Mostra como se faz a reorganização dos jardins infantis, com indicação dos seus f ins pedagógicos e sociais. Preocupa-se com os regulamentos e com as condições materiais, em particular das higiénicas. Valoriza os diversos materiais criados por Decroly, Descoeudres e Montessori numa tradição começada por Froebel, onde a actividade manual tem dignidade pedagógica (1919, e). Define o quarto grau primário com tendências profissionais, que reforçará e aumentará a cultura recebida na escola, alargando a sua adaptabilidade, despertando aptidões e vocações (1919, f)). 4 – O Regresso a Portugal de Faria de Vasconcelos Volta em Dezembro de 1920 a Portugal. Em 1921 publica a primeira série dos seus Problemas Escolares e afirma aí a sua ligação ao mundo que percorreu. Na dedicatória revela essa ligação, os homenageados são Pierre Bovet, Edouard Cla paréde, com quem trabalhou em Genebra, onde foi assistente do Laboratório de Psicologia Experimental e secretário do Bureau International des Écoles Nouvelles 3, e ainda Adolphe Ferriére. Integra o grupo da Seara Nova. Com ele, Portugal entra no movimento da Escola Nova para integrar a vida e moldar “uma parcela considerável do destino humano”. (Faria de Vasconcelos, a) 1921; pág. 9). Intervém na organização científica da Reforma Escolar do Ministro João Camoesas4, um esforço que se perde por derrota política do Ministro. É o seu autor, mas quem assume a autoria política é João Camoesas, de quem é o amigo apoiante e lúcido. A

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. X, Página Editora, pág. 927-928. Ministério da Instrução Pública, 1923.

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Tábua de Matérias que alinha no final é bem elucidativa das prioridades e dos objectivos fixados. Define os graus de educação, com a separação dos graus em que a obrigatoriedade é afirmada conjuntamente com a gratuitidade. Vai defender os internatos como modo de melhorar a aprendizagem em ambiente familiar. São as Escolas Novas, expressamente criadas para se ultrapassarem os handicaps do s meios sociais. Servem para estruturar e desenhar experiências escolares. A Grande Inovação é a criação de Faculdades de Ciências da Educação, definindo as habilitações de entrada. Limita -as ao previsível mercado de trabalho nos vários graus de ensino infantil, primário, secundário, que seria tanto elementar como complementar, tanto geral como especial. Teriam um consultório Médico-Pedagógico, e outro de Orientação Profissional e ainda um Instituto de Psico-Pedagogia Nacional. Este Sistema Educativo tinha um percurso educativo que começava nos Jardins de Infância continuava com as Escolas Primárias para as crianças normais, remetendo as outras para Escolas de Anormais. Continuava com os liceus que seriam o caminho normal para as Universidades e Escolas Sup eriores. Paralelamente havia as Escolas Elementares Técnicas, dando conhecimentos que mais tarde continuavam a ser aprofundados nas Escolas Complementares Técnicas e Escolas Profissionais. As primeiras teriam continuidade nas Universidades e Escolas Superi ores e as segundas em cursos populares superiores e em Universidades Populares. Acentuava o seu carácter profissionalizante. A segunda série dos Problemas Escolares em 1929 (b) acrescenta ao seu Curriculum o facto de ser director do Instituto de Orientação Profissional “Maria Luísa Barbosa de Carvalho” e de Professor de Pedagogia na Escola Normal Superior de Lisboa. Foca com mais vigor e clareza a problemática das condições de vida e consequentemente de aprendizagem da criança. Incorpora de modo claro as teorias da psicanálise quando diz: “Com efeito, certas qualidades características da infância, mantidas, prolongadas e desenvolvidas no adulto, são uma condição indispensável para a realização de feitos grandes e fecundos.” (pág. 10). Faz do trabalho lectivo o modo didáctico de as valorizar por meio da Escola Nova ou Activa. 6 – A Orientação Profissional e a concretização da Escola Nova Em 1926 vai dar-se o último corte radical da sua vida científica. Decorre no Instituto de Orientação Profissional Maria Luíza Barbosa de Carvalho, onde dinamiza a investigação, criando em simultâneo a Biblioteca de Cultura Pedagógica. É o estratega cheio de visão dos caminhos da Orientação Escolar e Profissional ( Santos, 1969). É obrigado a esclarecer que os resultados dos testes psicotécnicos não medem valores como o esforço do aluno e o bom ou mau meio social em que ele vive. Desfaz mitos de professores em relação ao uso destes testes na avaliação de conhecimentos (Faria de Vasconcelos, b), 1928). Na análise da relação entre delinquência e inteligência vai provar que com a melhoria dos testes,

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verificada desde que foram introduzidos, foi ultrapassada a ideia de que havia uma relação entre uma e outra. A população criminosa tende a ter a mesma curva de distribuição da inteli gência que a restante população. Considera provado que “O combate ao crime para surtir efeitos tem que remontar até à infância, idade capital na formação do indivíduo.” (Faria de Vasconcelos, 1936, c), pág. 142). Vai preocupar-se com os problemas de aprendizagem de alguns alunos, que numa percentagem de 30% a 40 % têm dificuldades de aprendizagem. Cria para eles o Instituto de Reeducação Mental e Pedagógica. Continua a valorizar o self-government, porque a “educação é tanto mais eficaz e económica quanto melhor utilizar as tendências naturais do indivíduo.” (1934, a), pág. 92). De facto, na sua passagem por Cuba, viu que o “método de W. Gill foi introduzido em Cuba, onde as crianças se tornaram autónomas primeiro que os adultos.” (Faria de Vasconcelos, 1921, a), pág. 177). Infelizmente, em 1934, o fascismo português está já em fase de consolidação e o capítulo dedicado ao self-government não é editado. Tem dois novos capítulos. Um é sobre o papel do desenho como forma de educação técnica. Outro é sobre Educação Técnica. Propõe-nos nele um período de pré-aprendizagem de preparação das qualidades gerais dos educandos para uma futura aprendizagem. Estrutura numa clara opção tayloriana que transfere para a Escola a organização científica do Ensino Técnico, em que se faria a reformulação científica do currículo escolar de acordo com a profissão. A psicologia aplicada na selecção e formação dos homens no seio da actividade militar ocupa a fase terminal da sua vida em que analisa a articulação entre as actividades motoras, sensoriais e mentais para com o uso dos testes, como resultado da organização dos serviços psicotécnicos melhorar a eficiência da actividade militar (Faria de Vasconcelos, 1937, b)). No estudo da capacidade aritmética valoriza a experimentação como modo de investigação e processo de descoberta e de comprovação rigorosa dos bons métodos de ensino para cada um das profissões (Faria de Vasconcelos, 1930, , b), pág. 1). Em caso algum se esqueceu ou desvalorizou os processos educativos da Escola Nova. 7 – A sua influência mundial O seu livro mais citado é Lições de Pedologia e Pedagogia Experimental, cuja 2ª edição é feita em 1925 pelas Livrarias Aillaud, com filiais na Livraria Chardon do Porto e na Livraria Francisco Alves do Rio de Janeiro. Este livro é traduzido em 1931 para espanhol, sendo amplamente divulgado na América Latina. Também A Metodologia de las Ciencias Naturales é distribuída a todos os professores da Bolívia. O livro Une École Nouvelle em Bélgique foi traduzido em muitas línguas, incluindo o chinês e o russo.5

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. X, Página Editora, pá. 927-928.

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De facto, J. B. Damasco Penna, o tradutor brasileiro da 6ª edição de 1953 da Pedagogia Científica – Psicologia e Direcção da Aprendizagem de A. M. Aguayo, professor da Universidade de Havana, Companhia Editora Nacional, 1953. Sabe mos ter tido uma grande influência na formação dos professores brasileiras. Aí mostra conhecer bem Faria de Vasconcelos, que cita em notas de rodapé. Aparecem ainda referências a Alberto Pimentel Filho e António e Luísa Sérgio. Outros autores e tradutores brasileiros ligados à Escola Nova são citados. É o caso de Lourenço Filho e de Anísio Teixeira. Mais tarde, Mário Gonçalves Viana (1947, pág. 160) vai citar A. M. Aguayo na sua Didactica de la Escuela Nueva, bem como outros autores brasileiros. Sabemos também que Faria de Vasconcelos esteve no Brasil onde recebeu “um convite vantajosísimo”, mas a obrigação associada de renunciar ao regresso a Portugal, impediu a sua aceitação (Costa, 1869, pág. 36). Também em João de Sousa Ferraz nas suas Noções de Psicologia da Criança com aplicações educativas, Edição Saraiva, 1950, encontramos referências gerais a Faria de Vasconcelos e específicas a Alberto Pimentel Filho. O livro de Faria de Vasconcelos usado é o de Psicologia Geral que é um livro publicado em 1924 (a)) onde expõe de modo sequenciado o estado da arte psicológica, que sendo uma das bases da Escola Nova, influencia de modo claro o modo como Ferraz pensa a aplicação dos métodos psicológicos na educação da criança. Será analisado em 1953 por Sílvio Lima, um homem duramente castigado pelo fascismo português, que preparou o doutoramento com Édouard Claparéde. Há um vaivém ininterrupto entre um e outro lado do Atlântico. Estes livros mostram como a Escola Nova, como utopia, juntou portugueses e brasileiros, intermediados por Aguayo, que Faria de Vasconcelos bem conhecia e estimava. Também a passagem de Faria de Vasconcelos por Cuba o influenciou a propósito da ideia de self -government. No quadro da Escola Nova, Claparéde influencia não só Faria de Vasconcelos, ma s ainda muitos Portugueses e Brasileiros, estando pessoalmente em Belo Horizonte nos finais de 1929 e início de 1930. Mas, só em 1931, é publicada em Portugal uma tradução do seu trabalho. No Brasil, já tinha sido feita por iniciativa de Lourenço Filho (Amaral, 1931; págs. 5-15). Nas opiniões recolhidas no livro dos visitantes do Instituto de Orientação Profissional, na sua maioria de portugueses, há muitas de estrangeiros. É o caso de A. Fabra Ribas do Bureau International du Travail; de Luis Sampedro e U berfil L. Barreto, inspectores do Uruguay; A. Nieto Caballero de Bogotá Colombia; Pedro Issac Rovira Carreró da Universidade de Santiago de Compostela, do director do Reformatório de Madrid ; de D.Y. Gonzalez Fraga; de Gerardo Seguel; Adolphe Ferriére; J. Maquet, secretário geral da Association Internationale pour la Protection de l’Enfance; Manuel Cicero da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, Cecília Meireles. Antenor Costa do Instituto de Educação do

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Rio, médico legista e professor de Medicina Legal, Osório de Oliveira, Afrânio Peixoto 6, Leonídio Ribeiro do Rio de Janeiro; A. Iglesias Vilaruella; Leora James Sheridan e Mary Vivian Conway de San Diego, California; Solange Corbin de Mongoux. Também lá esteve Jorge Ferradu, professor chileno de psicologia experimental 7. Afrânio Peixoto só em 1937 parece ter conhecido o trabalho de Faria de Vasconcelos. Tinha já observado em 1933 como a globalização se fazia na Cultura e na Pedagogia em particular. De facto tinha escrito: “Hoje em dia a “globalização” da cultura mal suporta o arteficio indidáctico, das monografias especializadas, instrutivas talvez, certamente não educativas, por inapetentes e fatigantes.”8 Infelizmente desconhecia antes o que se fazia em Portugal. Viu talvez e só bastante mais tarde o trab alho de Orientação Profissional que se fazia neste Instituto. Mas, mais vale tarde que nunca. O que observou aí levou-o a escrever: “ Um Instituto de Orientação Profissional é, por definição, um substituto leigo - e científico - da Providência... Providência Social em que cada homem venha a ocupar o seu lugar. Os lugares bem ocupados por gente idónea, porque bem “orientados” profissionalmente. O Instituto de Orientação Profissional de Lisboa, graças à sua formação científica e seu exercício técnico, que l he imprimiu seu sábio director, honra a cultura portuguesa e se pode comparar aos mais prestadios do mundo. É o meu depoimento.”

No ano anterior, Afrânio Peixoto (1936) tinha escrito que:” A Educação é o caminho que vai do real ao ideal.” (pág. 285), assume aí que a educação é um acto social, tendente a criar autonomia individual. Tinha já explicado o que entendia por Escola Nova. Era uma forma de educação nascida com a Escola dos projectos de John Dewey (pág. 212). Mostra como o filósofo americano influen cia os teóricos da Escola Brasileira que cita e descreve sucintamente nos seus projectos e experiências. Mas, para ele, os pioneiros são Decroly, Bovet, Ensor, Claparéde, Geheeb e Ferriére. Mostra-o na fotografia inserta neste livro. Conhece bem várias e variadas experiências da Escola Nova, mas desconhece a da Bélgica e por isso a de Biérges. Conhece no Brasil a experiência Brasileira de Armanda Álvaro Alberto, que ensaia estes novos procedimentos pedagógicos na Escola Regional de Mériti, na Baixada Flumi nense, com uma adaptação rural, trabalho em comunidade, interesses naturais das crianças, cooperação da família na obra escolar. Mostra como Lourenço Filho, em S. Paulo, na Escola Rio Branco, instala uma escola de projectos à Dewey, como Fernando Azevedo a oficializa e institucionaliza e como Anísio Teixeira se propõe executar e efectuar os procedimentos da escola progressiva, onde se receberia a influência portuguesa. 6

A data é Lisboa, 15 de Março de 1937. Boletim do Instituto de Orientação Profissional, (2ª edição), nºs. 2 e 3, 1928, pág. 67. 8 In prefácio da primeira edição de 1933, reproduzida na página 7 da edição de 1936. 7

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Infelizmente, Lourenço Filho (1936 e 1963) quer na terceira edição portuguesa, traduzida por Enrique de Leguina para espanhol, que li na segunda edição da tradução em 1936, quer na oitava edição já no início dos anos sessenta, ignora o papel de Faria de Vasconcelos. Também entre uma e outra edição, Lourenço Filho mudou muito o que diz. Fala a gora bastante mais de uma tecnologia psicológica e sociológica que podem servir para estruturar de uma nova forma e bem diferente uma Escola Nova, que permanece no seu ideário. Vê-se, que é mais um técnico de Psicologia que um activista da Escola que nos fala. A utopia dos primeiros anos do século XX de que foi um arauto em 1929 e nos anos seguintes, mantém-se no essencial, mas a forma inicial parece estar algo já distante da sua forma de ver os problemas no final da sua vida. O seu percurso é, contudo, mui to semelhante ao de Faria de Vasconcelos, isto se o entendermos com a desfasamento que o lugar e o tempo vivido obrigam a diferenciar. Um, Faria de Vasconcelos nasceu em 1880, o outro, Lourenço Filho nasceu nos finais do século XIX quando estas experiência s estavam já em marcha. Tudo resulta talvez da prática da investigação psicológica, em que esta procura cada vez mais a melhoria da adequação dos alunos e dos profissionais aos meios sociais e tecnológicos, e que são as Escolas e os locais de trabalho. Ago ra a preocupação não é já a criação da escola nova, mas a boa adequação de cada um esse meio sócio-técnico que se quer científico num sentido tayloriano. Saviani (1987) mostra por isso que este movimento ficou limitado a um paradigma demasiado produtivista e tecnicista, em que se perdeu toda a capacidade de mudar e de fazer uma verdadeira e democrática Educação Popular no Brasil. Mas para Portugal é já outra história. 8 – O Continuar da Ligação à Bélgica Faria de Vasconcelos manteve sempre a sua ligação à Bélgica. É a sua Escola de Formação como professor e Investigador e, agora, local de actualização e de partilha da sua produção científica. Mesmo quando criou o Instituto de Orientação Profissional “Maria Luísa Barbosa de Carvalho” em 1925, a sua ligação à Bélgica manteve-se no aspecto da cooperação científica e no apoio activo dos seus amigos belgas como é o caso de Christiaens (Alves, 1969, pág. 58). É este director do Instituto de Orientação Profissional de Bruxelas, que nos informa que Faria de Vasconcelos tinha sido um dos membros mais activos da Sociedade Belga de Pedotecnia, que se ocupava da Orientação Profissional (A. G. Christiaens, 1928). No Congresso Internacional de Protecção à Infância, em Outubro de 1931, Faria de Vasconcelos aparece de uma forma difusa num Congresso onde o sector Internacional se circunscreve à Bélgica. Em muitas e diversas comunicações, protagoniza uma actuação pedagógica multifacetada. Propõe aí que: “Ao lado da formação mental e da aquisição de conhecimentos, seria precis o empreender, com um

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cuidado igual, a cultura física e a cultura moral do adolescente. Uma tal organização por mim proposta e que foi, aliás, aprovada e votada unânimente pelo Congresso da Associação Internacional de Protecção à Infância que se efectuou em Lisboa em 19329, estaria em estreita ligação com os serviços de orientação profissional,” (Faria de Vasconcelos, 1935, a), pág. 16). Em 1931 dará conta no Congrés Internationale de la Protection de l’Enfance do que foi feito entretanto e do que foi fazendo para encaminhar o nosso sistema pedagógico para uma via humanizante. Alberto Pimentel (1932, págs. 68 -85) silencia este acontecimento na segunda edição das suas Lições de Pedagogia Geral e de História da Educação e só fala do Instituto de Orientação Profissional. Nesse mesmo Congresso, Faria de Vasconcelos (1931, c)) volta a preocupar-se com a articulação correcta entre o Ensino Básico, feito no sentido de uma pré aprendizagem com vista a preparar uma aprendizagem profissional adequada no ensino secundári o. Mostra a influência Taylor na defesa de uma melhor preparação profissional, que racionalize as práticas oficinais nos locais de trabalho. Preocupa-se com a questão do abandono escolar como falha importante de uma sociedade. No retomar da ligação à Bélgica, a nova utopia de Faria de Vasconcelos é o Taylorismo. Por isso, preocupa-se com as condições em que a vida profissional se prepara, se inicia e se realiza. É nesta preocupação acompanhado por Ferriére e Christiaens. Em 1924 10, são publicadas as “Cause ries Pédotechniques”, publicadas pela Société belge de Pédotechnie, com o apoio do Instituto J -J. Rousseau de Genebra. Está aí um texto de Faria de Vasconcelos (1924, b)) sobre o Interesse na Criança. Defende que toda a actividade mental ou psíquica da criança é condicionada pelo interesse. É por isso necessário direccioná -lo e aproveitá-lo para nas diversas idades se obter o máximo do esforço educativo. Parte de Herbart para introduzir com prudência os diversos contributos da psicologia e conseguir uma mel horia efectiva do processo pedagógico. Caracteriza a forma como o interesse da criança se diferencia do interesse do adulto. Vai propor pedagogias diferenciadas ao longo dos níveis etários e por sexos. Ferriére(1928) colabora com dois artigos no Boletim do Instituto de Orientação Profissional. Sintoniza-se com Faria de Vasconcelos ao citar uma fórmula preciosa para guiar a organização escolar que é:“ Os maiores efeitos úteis com os menores esforços inúteis.” (pág. 26). A ligação à Bélgica mantém-se até ao fim da vida. Escreveu em 1937 “Les sanctions en éducation; leur légitimité, leurs modes, leurs résultats», publicado pela Jean Vromans em Bruxelas (Alves, b), 1969; págs. 113).

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Existe provavelmente aqui um erro de data. Deve ser 1931. Segundo a capa, mas no interior existe a data de 1914.

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Um Epílogo Injusto que é o Epílogo Possível Faria de Vasconcelos podia ter sido tudo o que queria. E merecia-o pelo trabalho. Mas a guerra, e os homens mesquinhos, bloquearam-no muitas vezes, mas fez obra. Este Santo da Lusa Casa fez milagres que ninguém quis ver, provocando parte do nosso atraso colectivo. Há na vida de Faria de Vasconcelos muitos silêncios. Um deles refere-se à primeira mulher, uma belga. É um silêncio que não quero quebrar. Há um outro silêncio quanto à sua mulher boliviana, Celsa Quiroga Faria de Vasconcelos, com quem casou em 1923 e quem teve dois filhos, um engenheiro e uma bailarina. A sua história é um hino ao amor que atravessa continentes. Valoriza uma mulher capaz de se unir numa terra madrasta a um homem desprendido dos bens terrenos - e que não cuida do bem estar dos seus na pressa e vontade de produzir ciência (Dias, 1969). É uma grande mulher e não o queria esquecer (Gomes, 1969). Devo-lhe o acesso aos livros que colocou na Biblioteca Municipal de Castelo Branco. Possibilitou a realização deste trabalho. Espero não ter desmerecido o seu esforço e do exemplo de amor que nos deu na salvaguarda dos valores da Ciência, em particular da Pedagogia. Só entrevi o que pude e só mostrei uma parte. Espero que seja a mais importante. Por isso, e também porque as dúvidas persistem, o trabalho terá de continuar. Está agora a Escola Activa também a comandar os meus passos.

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