FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES DE SOCIEDADES ANÔNIMAS E LIMITES DE APLICAÇÃO DA BUSINESS JUDGMENT RULE (REGR...
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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES DE SOCIEDADES ANÔNIMAS E LIMITES DE APLICAÇÃO DA BUSINESS JUDGMENT RULE (REGRA DE JULGAMENTO DE NEGÓCIOS)

NOVA LIMA 2010

HENRIQUE ABI-ACKEL TORRES

RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES DE SOCIEDADES ANÔNIMAS E LIMITES DE APLICAÇÃO DA BUSINESS JUDGMENT RULE (REGRA DE JULGAMENTO DE NEGÓCIOS)

Dissertação apresentada ao Curso de Pós Graduação Stricto Sensu, da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito obrigatório para obtenção do título de Mestre em Direito Empresarial. Linha de pesquisa: As sociedades empresárias e suas atividades. Orientardor: Professor Doutor Jason Soares de Albergaria Neto.

FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS NOVA LIMA 2010

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Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial

Dissertação intitulada “Responsabilidade dos administradores de sociedades anônimas e limites de aplicação da business judgment rule (regra de julgamento de negócios)” de autoria do mestrando HENRIQUE ABI-ACKEL TORRES, para exame da banca constituída pelos seguintes professores:

______________________________________ Prof. Doutor Jason Soares de Albergaria Neto Orientador

______________________________________ Prof. Doutor Luiz Fernando da Silveira Gomes

______________________________________ Prof. Doutor José Marcos Rodrigues Vieira

Nova Lima, 28 de outubro de 2010. Alameda da Serra , 61, Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900

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Dedico este trabalho ao meu avô Ibrahim Abi-Ackel, exemplo de pessoa e fonte de inspiração, ao meu avô Ney Torres, motivo de orgulho e fonte de amizade e sabedoria, à memória das minhas falecidas avós, que com certeza seguem iluminando minha vida, e ao meus pais e irmãos, maiores amigos e incentivadores.

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AGRADECIMENTOS

A toda minha família, principalmente meus pais, irmãos e avós, pela paciência nos momentos de angústia que todo processo criativo gera, e pelo incentivo em momentos de incerteza ou dúvida.

A todos os meus amigos, pela compreensão dos momentos em que minha convivência foi subtraída e pelo conforto que encontrei em todas as vezes que surgiram dificuldades.

Em nome do André e da Loyanna, agradeço todos os meus colegas de trabalho, pelo incentivo e pelo companheirismo.

Ao Doutor Jason Albergaria Neto, meu orientador, agradeço pela paciência e motivação que em nenhum momento faltaram.

Agradeço, enfim, a todos que em nenhum momento deixaram de acreditar em meu potencial, me incentivando até nos momentos mais difíceis.

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A humildade é a única base sólida de todas as virtudes. Confúcio

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RESUMO

Numa sociedade cada vez mais interessada no mercado de capitais, é necessário encontrar respostas claras do Direito Empresarial a questões melindrosas que se multiplicam na medida em que se expande a atividade negocial. Entre estas questões toma vulto crescente a da responsabilidade civil dos administradores das companhias que, em diversas ocasiões, são responsabilizados em qualquer circunstância pela ocorrência de prejuízo. Há, sempre, a responsabilidade do administrador pelo prejuízo, ou se restringe essa responsabilidade a casos em que ocorra nexo de causalidade e ato ilícito? Este ato ilícito seria tipificado como ação culposa ou tida como mera infração do dever? São estas questões, bem como a exclusão de responsabilidade pela aplicação da regra de julgamento de negócios (business judgment rule) que pretendemos estudar, através da análise que nos parece adequada da legislação e da doutrina pertinentes, tanto no sistema civil law, como no sistema common law, onde se originou este instituto. Pretendemos, assim, estabelecer requisitos para aplicação da norma de responsabilidade civil, bem como impor limites à sua utilização. Para tanto, será necessária a análise dos meandros da estrutura administrativa da companhia, de cada um de seus entes, de como se dá a responsabilidade e se definem deveres, como também será necessário investigar os requisitos para reparação do dano (responsabilidade civil), com a consequente necessidade de nos aventurarmos no campo da responsabilidade penal. No curso desses estudos tornou-se necessária a abordagem histórica, para compreendermos os primórdios da aplicação da regra de julgamento de negócios na doutrina norteamericana, além da maneira como ocorreu a transposição deste instituto para o Direito pátrio. Veremos como é importante o estudo de princípios basilares do direito para compreendermos a aplicação deste instituto em nosso sistema jurídico. A transposição, para o direito pátrio, do instituto reclama a mais profunda compreensão de seu significado. Não devemos nos esquecer, ainda, da enorme importância que terá a compreensão da função social da empresa, pois uma administração voltada para a ética e para os mecanismos da governança corporativa

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em muito facilita a separação entre atos passíveis de responsabilidade civil ou penal e atos voltados para o interesse da companhia, praticados em ambiente de boa-fé. Palavras-chave:

Responsabilidade.

Responsabilidade

Civil.

Sociedades

Anônimas. Administração. Administrador. Regra de julgamento de negócios.

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ABSTRACT

In a

society immersed in the capital markets, it becomes increasingly

necessary to find clear answers within the scope of Corporate Law to the multitude of cunning issues that emerge as trading expands. The civil liability of corporate managers is one such issue, as they sometimes are deemed accountable for loss regardless of the circumstances in which it occurs. Are managers always liable for loss, or such liability should be restricted to cases in which there is causal nexus and tort? Would tort of this kind be tipified as a culpable act or simply as a breach of duty? This dissertation aims at studying such issues, as well as the exclusion of liability via the application of the business judgement rule, by analyzing the relevant law and doctrine we deem appropriate, according to both civil law and common law, from which this procedure originates. Thus, with this study, we intend not only to establish requirements to apply the civil liability rule, but also impose limits for its use. In order to do so, we needed to conduct in-depth analyses of the management structure of a company, as well as of each one of its members, including the definition of duties and accountability, the requirements for actions of damage (civil liability), and the consequent need to venture into criminal liability. During the study, we employed a historical approach to understand how the business judgement rule started to be applied in the United States’ legal system, and how this procedure was absorbed and applied in Brazilian Law. We will see how important the study of legal fundaments is to understand the application of this procedure in our legal system. To use such procedure in the Brazilian justice system requires in-depth understanding of its principles. Additionally, we should not forget the importance of fully understanding the company’s social role, since an ethical management based on sound corporate governance helps separate those actions liable to civil or criminal liability from those focused on company interests practiced in good faith. Key words: Accountability. Civil liability. Companies. Management. Manager. Business Judgement Rule.

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SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 10

2 2.1 2.2 2.3

A ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS ................. 14 Os órgãos da administração ................................................................................... 14 O conselho de administração.................................................................................. 21 A diretoria e o exercício do poder nas Sociedades Anônimas ................................ 30

3 3.1 3.2 3.3

DO ADMINISTRADOR DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS...................................... 36 Deveres dos administradores ................................................................................. 36 Conflitos de agência – a relação entre acionistas e administradores ..................... 49 Gestão, governança corporativa e responsabilidade social .................................... 53

4 DA RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR ............................................... 61 4.1 Dos riscos inerentes à atividade e dos atos dos administradores passíveis de responsabilização ................................................................................................... 61 4.2 Da responsabilidade civil dos administradores ....................................................... 71 4.3 Aspectos penais da responsabilidade dos administradores.................................... 77

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A BUSINESS JUDGEMENT RULE OU REGRA DE JULGAMENTO DE NEGÓCIOS............................................................................................................. 83 5.1 Ação de responsabilidade civil dos administradores e seus aspectos processuais 83 5.2 Conceito e requisitos para aplicação da regra de julgamento de negócios ............ 90 5.3 Limites de aplicação da regra de julgamento de negócios ..................................... 99

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CONCLUSÃO ......................................................................................................... 104

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 107

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1 INTRODUÇÃO

Em decorrência da falibilidade do ser humano, muitas vezes o próprio executivo contratado para a administração da companhia, ao exercer um juízo de valor, toma uma decisão que, ao ser executada, revela-se equivocada, levando a companhia a uma situação de prejuízo. No contexto atual, de crescimento mais intensivo do mercado de ações e de maior utilização da sociedade anônima como forma de alavancar recursos, é necessário encontrar respostas claras para situações em que o prejuízo venha a existir. Daí a necessidade patente de se estudar a fundo as questões que envolvam a responsabilidade do administrador, principalmente no âmbito das sociedades anônimas, onde se verifica cada vez mais a profissionalização da atividade administrativa. Um dos mecanismos interessantes para efetivar garantias ao administrador de empresas, tendo em vista a necessidade de se proteger frente aos erros escusáveis que possa vir a praticar quando de seus juízos de valor, é a business judgment rule, insculpida no art. 159, §6º da Lei 6.404/76. Este dispositivo determina que, se o patrimônio da companhia sofrer prejuízos, cabe ação de responsabilidade civil contra os administradores, podendo o juiz, no entanto, excluir a responsabilidade do administrador que agir com boa-fé e visando os interesses da companhia. Vê-se, pois, que existem, no bojo do ordenamento jurídico pátrio, meios de garantir que o administrador, quando imbuído de boa-fé, não seja diretamente responsabilizado pelos prejuízos ocasionados por sua própria ação. É de grande interesse que se investigue os limites deste mecanismo, a business judgment rule, de forma a delimitar o alcance de sua aplicação, dentro do conceito de um Direito Empresarial pautado na boa-fé. Para tanto é necessário abordar experiências e lições oriundas do Direito pátrio e estrangeiro.

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Pretende-se, com o exame dos aspectos da business judgment rule, delimitar o alcance das garantias ao administrador e da responsabilidade dos mesmos nas sociedades anônimas. Tal discussão encontra enorme relevância no contexto atual, de profundas e acaloradas discussões sobre a ética na administração de empresas e questões ligadas à gestão e governança corporativa Tornou-se essencial, em tempos atuais, compreender os caminhos a serem seguidos em busca de uma melhor aplicação das normas, tanto no âmbito da própria administração das empresas, como no âmbito jurisdicional. Não há duvida de que o instituto da business judgment rule, trazido do Direito norte-americano, deve ser compreendido na medida de sua integração na ordem jurídica brasileira, resolvendo dúvidas que possam advir de sua aplicação. No entanto, para estudar as questões que envolvem a business judgment rule e seus limites, dever-se-á partir de uma análise da estrutura administrativa das companhias, dos deveres e funções dos membros destes órgãos, para só então tratar dos riscos, responsabilidades e demais aspectos, inclusive processuais, oriundos da atividade dos executivos. Só com este estudo poder-se-á definir com precisão os limites que norteiam o juízo de aplicabilidade deste princípio na legislação pátria, sem se perder de vista a imprescindível análise dos demais elementos que definem a responsabilidade dos administradores. Esse estudo é importante para definir a noção de boa-fé e de culpa lato sensu no exercício da administração. O estudo aborda necessariamente o conceito de responsabilização no sistema da common law, sobretudo em face das suas diferenças com o sistema da civil law, principalmente no que tange à gradação entre culpa e dolo, bem como o conceito de responsabilidade como quebra de um dever fiduciário. Necessário, ainda, analisar a discricionariedade das decisões no âmbito da administração da companhia, para delinear como são construídas tais decisões, tendo em vista que estas são juízos de valor, sujeitas, portanto, ao risco próprio da atividade administrativa.

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Fixadas a abrangência e a validade dos elementos que constituem o princípio, bem como os de sua aplicação, tornar-se-á fundamental o estudo do tema sob o enfoque dos riscos inerentes à administração de uma companhia. A abordagem da questão, em todos os seus pontos, ensejará um enfoque, senão completo, bastante esclarecedor dos elementos integrantes da business judgment rule, para que sua aplicação seja tratada dentro dos princípios basilares da ciência da administração de empresas, de forma a impedir qualquer arbitrariedade ou engessamento da atividade empresarial. Assim, tem-se que o objetivo geral da presente pesquisa é demonstrar a importância de se delimitar a incidência da responsabilidade dos administradores, a fim de dar a segurança jurídica necessária para que o Poder Judiciário utilize de mecanismos como a business judgment rule. Demonstrar-se-á que, a responsabilização do administrador está sujeita a precauções, como a análise de risco, do erro, da culpa, do dolo e da boa-fé, todos de acentuada subjetividade e que demandam, portanto, estudo aprofundado. Há ainda que se analisar profundamente os deveres que os administradores devem seguir, para compreender como deve ser uma administração ética, simultaneamente voltada para os interesses da companhia. Mais especificamente, estudar-se-á, a partir da delimitação dos elementos estruturantes deste instituto transposto do direito estrangeiro, sua problemática e construção teórica, os limites de definição da responsabilidade dos administradores e de aplicação do instituto no âmbito do nosso judiciário. Pretende-se estudar o limite de aplicação deste instituto, tendo em vista o seu transplante do direito norteamericano sempre com vistas à função social da empresa. A inserção de tal elemento em nosso ordenamento jurídico leva à questão de se definir o que é uma atuação administrativa subordinada à boa-fé e aos princípios basilares da ciência da administração, no que tange às sociedades anônimas. Assim, visa-se encontrar a melhor forma de aplicação da business judgment rule, através da análise estrutural de seus elementos, buscando um sistema que garanta a boa condução dos negócios de uma companhia, com vistas à correta responsabilização quando de prejuízos oriundos de uma má administração, tanto no

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âmbito penal quanto civil, levando-se em especial consideração o risco inerente à atividade comercial.

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2 A ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS

2.1 Os órgãos da administração

Afim de melhor delimitar o estudo das responsabilidades atribuídas aos administradores, não se poderia deixar de fazer uma breve incursão na estrutura orgânica do exercício de administração das companhias. Pela imensa complexidade do tema, além do fato de não ser exatamente este o escopo do presente trabalho, não temos a pretensão de esgotá-lo, mas de apresentar apenas algumas noções basilares sobre a matéria, necessárias à compreensão do assunto objeto do presente estudo. Muito se discute sobre a verdadeira natureza jurídica dos órgãos e entidades que administram as sociedades anônimas. No entanto, vale trazer a definição de Requião (1973)1 acerca da estrutura administrativa das sociedades anônimas:

A sociedade comercial, assim, é constituída de vários órgãos, que permitem a sua presença no mundo exterior: na sociedade anônima a assembléia geral é o órgão de deliberação e de vontade; o conselho fiscal é o órgão de controle e fiscalização; o diretor, gerente ou administrador de qualquer sociedade personificada é o órgão de execução da vontade social.

A verdade é que o órgão efetivamente deliberativo das companhias se encontra na assembléia geral, o que, em eventual ambiente de capital pulverizado, pode causar situações sui generis. Assim, os órgãos administrativos, em tese, seriam os verdadeiros executores de deliberações alcançadas pelos entendimentos entre os sócios, seja ou não o capital pulverizado. Obviamente, pela dinâmica das relações empresariais e pelo aumento da velocidade necessária para a tomada de decisões, num ambiente cada vez mais globalizado e virtualizado, os membros dos órgãos administrativos tomam decisões de extrema gravidade sem uma profunda análise de conseqüências e fundamentos.

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REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 268.

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É aí que se insere a necessidade do estudo da estrutura e ambiente de tomada de decisões, a fim de delimitar o ponto em que essa dinâmica de tomada de decisões é ou não prejudicial à companhia, e como garantir direitos aos administradores que tomam decisões dentro de suas responsabilidades e deveres, mas cometem erros de boa-fé. A disciplina das sociedades por ações, no direito brasileiro, é tratada na Lei das Sociedades Anônimas (LSA)2, que adotou como regra o sistema de duplicidade de órgãos da administração, especialmente importante para delimitarmos a divisão de responsabilidades na direção da companhia. Esta dualidade de órgãos é formada, por um lado, pelo conselho de administração, órgão colegiado e, por outro, pela diretoria, órgão nem sempre colegiado. A respeito dos modelos de administração das sociedades, assim ensina Verçosa (2008)3:

[...] Passemos, portanto, ao estudo da diretoria da sociedade anônima que, como se sabe, é o órgão executivo, aquele que faz realizar o objeto social, assumindo direitos e obrigações em nome da sociedade por meio da celebração de contratos, da emissão e/ou aceitação de títulos etc. [...] O modelo brasileiro, excessivamente centralizado nas mãos do controlador pessoa natural, tornou os administradores em geral (conselheiros de administração e diretores) quase que empregados do primeiro, mesmo porque a legislação dá margem a esta visão, uma vez que os últimos são demissíveis ad nutum. A diretoria não é um órgão colegiado, cabendo ao estatuto determinar as funções específicas de cada um dos seus membros (LSA, art. 143, IV). Não havendo norma a respeito, competirão a qualquer diretor a representação da companhia e a prática dos atos necessários ao seu funcionamento regular (LSA, art. 144). No entanto, objetivando resguardar os interesses da companhia, o estatuto pode determinar que certos atos de administração sejam assinados em conjunto por um mínimo de dois diretores (especialmente designados ou não) ou, ainda, que sua aprovação dependa necessariamente da aprovação da maioria dos diretores (qualificada ou não).

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BRASIL. Lei n. 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2008, v. 3, p. 437-438. 3

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Outra medida de segurança prevista no estatuto pode referir-se à necessidade de prévia e expressa autorização do conselho de administração para que os diretores possam praticar negócios superiores a um valor estipulado ou quanto à alienação ou oneração de bens do ativo imobilizado da companhia.

Na verdade, a condução dos negócios, seja qual for a esfera administrativa responsável, nada mais é que o efetivo cumprimento do objeto social da companhia, o que está expressamente determinado pelo art. 154 da LSA, a saber: “Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa”. Ao contrário do que poderia sugerir uma análise superficial, o sistema de dualidade de órgãos administrativos das companhias não é optativo no Brasil. Neste ponto, comungamos com o entendimento de Carvalhosa (2009)4. A opção é residual na medida em que apenas as companhias fechadas e de capital fixo podem deixar de constituir ambos os órgãos de administração, sendo a duplicidade dos órgãos obrigatória em sociedades de economia mista, companhias abertas, e nas que adotem o regime de capital amortizado, abertas ou fechadas5. A própria existência do conselho de administração se fundamenta na necessidade de conciliar os interesses dos acionistas, principalmente em companhias abertas e em um ambiente de capital pulverizado. Neste ponto, não podemos deixar de transcrever lições da doutrina norte americana, no que diz respeito à estrutura de suas boards6 e, conseqüentemente, à delegação de poder na estrutura societária. Nos dizeres de Kraakman7: Delegated management is an attribute of nearly all large firms with numerous fractional owners. Delegation permits the centralization of management necessary to coordinate productive activity. Equally important, delegation of decision-making power to specific individuals notifies third parties as to who in the firm has the authority to make 4

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 5. 5 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 5. 6 O significado do termo board no direito norte-americano é semelhante ao do conjunto das estruturas administrativas das sociedades, no direito pátrio. 7 KRAAKMAN, Reinier, HANSMANN, Henry, et al. The anatomy of Corporate Law: A comparative and Functional Approach. 4. ed. New York: Oxford University Press, 2006, p. 11-13.

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binding agreements. The authority issue, in particular, quickly become intractable in a firm in which numerous owners and managers are no distinct, as in a large general partnership that fails to allocate authority by agreement and to signal this allocation of authority clearly to third parties. […] […] This structure – as opposed, for example, to a structure concentrating authority in a single trustee, as in many private trusts – facilitates mutual monitoring and checks indiosyncratic decisionmaking. However, there are exceptions. For example, most close corporation statuses, such as those governing Germany´s GmbH or France´s SARL, permit business planners to dispense with a collective board in favor of a single general director or one-person board – the evident reason being that, for a very small corporation, mos of the board´s legal functions, including its service as shareholder representative and focus of liability, can be discharged effectively by a single elected director who also serves as the firm´s principal manager.

A idéia é assegurar aos acionistas minoritários maior participação no processo de tomada de decisões, trazendo-os para a gestão da companhia. Claro que nem sempre isso funciona na prática, pois não é fácil a tarefa de envolver investidores nas decisões dinâmicas diárias da companhia. Extremamente interessante, neste ponto, o ensinamento de CORÊA-LIMA8 a saber:

João Eunápio Borges, depois de afirmar que aos acionistas pertence, afinal, a propriedade da empresa e a direção da sociedade, acrescenta que a realidade é diferente dessa teoria. E que a democracia dos acionistas se transformou na oligarquia dos diretores. Efetivamente, diz ele, citando Pierre Vigreux, tudo se passa como se numa república democrática, 90% (ou mais) dos eleitores, displicentes ou desiludidos, em vez de comparecerem pessoalmente às urnas, dessem procuração aos seus candidatos, para votar em nome deles9. Na verdade, os acionistas abandonam o exercício de seus poderes. E o legislador deve levar em conta esse fenômeno. Cabe-lhes defender a massa dos acionistas contra o abuso de poderes por parte dos administradores. Certo, os acionistas são inevitavelmente conduzidos a desinteressar-se da administração social, e a falta de estímulo não se pode substituir por nenhuma técnica legislativa. Sem

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CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 45-46. 9 BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. Rio de Janeiro: Forense, 1964, p. 420.

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embargos, deve o legislador agir contra os administradores infiéis à sua função tutelar10.

Ainda que surjam graves questionamentos sobre a representatividade que os órgãos da estrutura administrativa – tanto no modelo unitário como no modelo dual – exercem, ou se realmente fazem valer a vontade dos acionistas da companhia, podemos sintetizar a competência de cada órgão, obedecendo à metodologia de Verçosa (2008)11. Para este autor, o conselho de administração é órgão de decisão colegiada, funcionando a partir de propostas apresentadas e aprovadas em reuniões regularmente convocadas e instaladas, relativas à sua competência. Seu funcionamento, assim, seria apenas interno, não podendo atuar na realização direta da atividade da sociedade12. Já à diretoria compete agir no plano externo, em relação ao próprio objeto social, assumindo direitos e obrigações em nome da sociedade, podendo tomar decisões isoladas ou de forma colegiada (dependendo de como dispõe o estatuto social) 13. O mesmo autor continua adiante, in verbis14:

Dentro da estrutura organizacional das sociedades, cada órgão tem sua função própria; e especificamente no que diz respeito às companhias a lei proíbe expressamente a delegação do conselho de administração à diretoria, e vice-versa, quanto às atribuições e poderes que lhe são conferidos por lei. A regra vale para qualquer outro órgão que tenha sido criado pelo estatuto. As competências dos órgãos da companhia são originárias ou complementares entre si (atendendo, naturalmente, aos preceitos da Teoria Organicista15, a partir dos quais se verifica a existência de um sistema). Mas, ao mesmo tempo, verifica-se a presença de competência derivadas ou suplementares, como acontece, por exemplo, no caso da convocação de assembléias-gerais diante da omissão dos administradores a seu respeito. 10

TANAKA, Kotaro. A Reforma da Lei sobre Sociedades Anônimas no Japão. In: RF, 85/45. VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2008, v. 3, p. 406. 12 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2008, v. 3, p.406. 13 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2008, v. 3, p. 406. 14 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2008, v. 3, p. 406. 15 A Teoria Organicista bem como as outras teorias a respeito da estrutura administrativa das sociedades anônimas serão tratadas adiante. 11

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A jurisprudência tem vacilado em algumas oportunidades a respeito deste tema, reconhecendo algumas vezes que um membro do conselho de administração, em certos casos, pode representar a companhia, fazendo às vezes de diretor, baseado em um costume estabelecido dentro daquela. Ocorre que nosso ordenamento jurídico jamais eleva à condição de norma costumeira aquela prática sistematicamente realizada ao arrepio da lei (o chamado ‘costume contra legem’)16. O reconhecimento do desvio de função dos órgãos administrativos da sociedade implica quebra do regime de segurança e certeza que a lei estabelece com a determinação de competências privativas indelegáveis. Nas suas relações com terceiros, esses dois elementos são fundamentais para realização de negócios dentro de um nível de risco claramente avaliado17.

Na verdade, o conselho de administração é um órgão formalmente decisório, assim como a diretoria. O que os distingue é que enquanto o primeiro tem competência decisória apenas interna, o segundo tem poder de representação externa da companhia, nos limites da lei ou do estatuto. A manifestação da vontade social da companhia se faz através dos diretores, de acordo com a sua função e seu exercício no quadro estrutural-administrativo da sociedade. Trataremos adiante da estruturação do poder dos administradores, inclusive trazendo à baila as diversas teorias a respeito da natureza jurídica dos poderes de administração. Interessante, neste ponto, trazer os ensinamentos de Carvalhosa (2009)18 a respeito das prerrogativas dos administradores:

As prerrogativas outorgadas por lei constituem poderes. São poderes latu sensu porque compreendem a atuação do agente na esfera jurídica alheia e, ainda, poderes stricto sensu, pois representam o direito de dispor dos bens alheios como prerrogativa própria e não delegada.19

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A este respeito, v. comentário de acórdão de autoria de Paulo Guilherme de Mendonça Lopes in RDM 120/183 17 Trataremos da questão do desvio de função mais adiante no presente trabalho. 18 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 29. 19 TANDOGAN. Notions preliminaires a la théorie générale des obligations. Géneve: Georg, 1972, p. 42.

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Essa prerrogativa legal sobre a propriedade alheia, não outorgada pela vontade dos sócios, representa, como ressalta Germain20, um novo tipo de poder que na esfera privada não foi ainda consagrado pelo direito. Trata-se, ainda, como ressalta o mesmo autor, do fenômeno dialético de dispersão da propriedade societária e da concentração do poder de administrá-la21

O conselho de administração tem, assim, poderes deliberativos e corporativos no âmbito da administração societária, bem como deveres para com diversos órgãos. Por sua vez, a diretoria também tem deveres de observância de normas e orientações, bem como poderes deliberativos e executivos. Diante disto, não restaria alternativa senão instituir o princípio da indelegabilidade, a fim de impedir que um órgão assuma competências e atribuições pertencentes ao outro, o que poderia, eventualmente, causar uma confusão entre as atribuições e dificuldade de delimitar atos em desvio de função ou abuso de poder. Carvalhosa (2009)22 entende que a indelegabilidade assegura a legitimidade das competências tanto dos órgãos como dos atos praticados pelos seus respectivos membros. Estamos perfeitamente de acordo com este entendimento, pela necessidade incontestável de se delimitar competências a fim de atuar quando houver necessidade de responsabilização. Assegurando a legitimidade das competências e dos atos praticados pelos órgãos, temos uma divisão de responsabilidades, podendo haver desvio de função quando houver atuação de um órgão dentro da função de outro, ou fora da função de ambos, conforme o caso. É questão extremamente interesse a que se coloca quanto às conseqüências de um ato praticado em desvio de função no âmbito administrativo da companhia. Entendemos que este pode ou não gerar responsabilização, o que vai variar das conseqüências deste ato, até para determinar o ramo do direito aplicável a esta responsabilização.

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GERMAIN. apud PRADA, Iglesias. Administración y delegación, p. 40, nota 21. Trataremos mais a respeito desta dispersão e deste dilema quando lidarmos com os conflitos de agência. 22 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 41. 21

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Não obstante, é importante ressaltar que, havendo diferença de competências e responsabilidades, sendo estes legítimos quando praticados por quem tem a função determinada, o nível de responsabilidade perante os acionistas é diferenciado. Ora, se a composição do conselho de administração é determinada por deliberação da assembléia geral e a própria composição da diretoria é determinada através de deliberação deste conselho, o nível de responsabilização não poderia ser o mesmo. O próprio fato da divisão de funções entre estes órgãos é determinante, pois ao conselho cabem decisões e competências internas, enquanto a diretoria tem poderes externos e de representação e execução de situações cuja deliberação já ocorreu anteriormente, devendo o estatuto prever como será dividida a competência entre os dois ou mais membros da diretoria. Ainda assim, a conseqüência de um ato praticado fora da competência do administrador poderá sofrer ser uma sanção semelhante, dependendo, em muito, dos efeitos deste ato. De qualquer forma, para fins didáticos, ainda que delimitemos neste capítulo questões específicas do conselho de administração e da diretoria, trataremos ambos os membros mais adiante como administradores, pois tanto os membros de um órgão, como de outro, são administradores latu sensu.

2.2 O conselho de administração

A princípio é interessante anotar a crítica de Carvalhosa (2009)23 à modalidade dual de administração e à própria criação do conselho de administração. O autor entende não haver necessidade deste órgão no âmbito das companhias, considerando este, na prática, inútil e dispendioso.

23

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 8-9.

22

O autor, no entanto, admite e destaca a atuação do conselho de administração em caso de joint ventures24, como órgão executor e representante de interesses de grupos estratégicos, atuando, nessa situação, como órgão ativo na consecução do objeto social, a saber:

Na formação das joint ventures ou dos conglomerados, tem o Conselho a função de assegurar aos grupos minoritários e estrangeiros importantes para o desenvolvimento das companhias em termos de capital, tecnologia, preferência de mercado ou de crédito etc. uma efetiva influência, em alguns casos até preponderante, na condução dos negócios sociais, inclusive pelo exercício do poder de veto previsto nos respectivos acordos de acionistas para determinados assuntos e matérias. Dessa forma, o Conselho de Administração será o órgão de execução dos acordos de acionistas notadamente dos acordos de voto em bloco (art. 118), o qual posiciona, em termos de privilégios, ou paridade, ou de veto, determinados grupos influentes de acionistas minoritários nas joint ventures. O Conselho, nesses casos, será, com efeito, o órgão que decidirá os destinos da companhia, independentemente das posições majoritárias ou minoritárias de capital social dos diversos grupos de acionistas estrategicamente posicionados na companhia. Seria o que, na prática norte-americana, denomina-se active board25. (...) Por outro lado, nas companhias controladas inteiramente por um bloco de acionistas (art. 118), distanciadas, portanto, do regime de joint ventures e dos conglomerados, a existência do Conselho de Administração é inteiramente inútil, já que nenhum poder efetivo tem o referido órgão, como já se verificou universalmente. Por isso que, no direito norte-americano, são chamados de passive boards26. Nesta última hipótese, o poder efetivo de administração está nas mãos dos controladores, constituindo o Conselho um órgão meramente homologatório das decisões tomadas por aqueles nas reuniões prévias (art. 118).

24

A expressão joint venture designa uma forma de aliança entre duas ou mais entidades juridicamente independentes com o fim de partilharem o risco de negócio, os investimentos, as responsabilidades e os lucros associados a determinado projeto. 25 A expressão board of directors é a tradução para o inglês do órgão Conselho de Administração; sendo considerado active quando tem uma atuação ativa, ou seja, atue positivamente. 26 A expressão board of directors é a tradução para o inglês do órgão Conselho de Administração; sendo considerado passive quando não tem uma atuação ativa, portanto, tendo uma atitude passiva.

23

Adiante, o mesmo autor27 trata das características do conselho de administração:

Assim, os membros do Conselho não tem competência individual nem deliberam isoladamente28, embora lhes caiba de modo individual o poder de diligência junto aos diretores sobre assuntos de competência desse órgão. Sendo um colégio e atuando como tal, suas deliberações pressupõem convocação, quorum de instalação e de deliberação, decidindo por maioria de votos individuais (art. 140), não tendo eficácia nem a vontade isolada, prevalecendo a vontade dos conselheiros representantes do controle ou da maioria do capital social. O Conselho de Administração representa apenas o fator capital na empresa constituída sob a forma anônima, na medida em que somente os acionistas podem fazer parte do órgão (art. 146).

O conselho de administração é um órgão coletivo que faz parte da administração da companhia. Seus membros não podem decidir a não ser de forma colegiada, podendo fazer diligências junto aos diretores para formar suas deliberações. O art. 140 da LSA29 define de forma clara a composição e eleição do conselho. A saber:

Art. 140. O conselho de administração será composto por, no mínimo, três membros, eleitos pela assembléia geral e por ela destituíveis a qualquer tempo, devendo o estatuto estabelecer: I – o número de conselheiros, ou o máximo e mínimo permitidos, e o processo de escolha e substituição do presidente do conselho pela assembléia ou pelo próprio conselho; II – o modo de substituição dos conselheiros; III – o prazo de gestão que não poderá ser superior a três anos, permitida a reeleição;

27

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 11. 28 BERT. L´exercise du pouvoir dons lês sociétés commerciales. Paris, Sirey, 1961, p. 118 apud CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 11. 29 BRASIL. Lei n. 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.

24

IV – as normas sobre convocação, instalação e funcionamento do conselho, que deliberará por maioria de votos, podendo o estatuto estabelecer quorum qualificado para certas deliberações, desde que especifique as matérias. Parágrafo único. O estatuto poderá prever a participação no conselho de representantes dos empregados, escolhidos pelo voto destes, em eleição direta, organizada pela empresa, em conjunto com as entidades sindicais que os representem

Assim, percebe-se que a estrutura do conselho é livre, apenas devendo respeitar as normas estipuladas no estatuto. A fim de melhor compreender a composição do conselho e a dos mecanismos criados para lhe dar representatividade, não podemos deixar de esclarecer o conceito de voto múltiplo no âmbito das companhias. Ao eleger conselheiros de administração, os acionistas que representem pelo menos um décimo do capital social com direito a voto, podem requerer a adoção de voto múltiplo30. Atribui-se a cada ação votante tantos votos quantos sejam os membros do conselho. O voto múltiplo é disciplinado pelo art. 141 da LSA31 e tem o intuito de facilitar a representação do grupo de acionistas minoritários (não controladores) no conselho de administração32. Diz o artigo, in verbis:

Art. 141. Na eleição dos conselheiros, é facultado aos acionistas que representem, no mínimo, 1/10 do capital social com direito a voto, esteja ou não previsto no estatuto, requerer a adoção do processo de voto múltiplo, atribuindo-se a cada ação tantos votos quantos sejam os membros do conselho, e reconhecido ao acionista o direito de cumular os votos num só candidato ou distribuí-lo entre vários. §1º A faculdade prevista neste artigo deverá ser exercida pelos acionistas até quarenta e oito horas antes da assembléia geral, cabendo à mesa que dirigir os trabalhos da assembléia informar previamente aos acionistas, à vista do “Livro de Presença”, o número de votos necessários para a eleição de cada membro do conselho. §2º Os cargos que, em virtude de empate, não forem preenchidos, serão objeto de nova votação, pelo mesmo processo, observado o disposto no §1º in fine. §3º Sempre que a eleição tiver sido realizada por esse processo, a destituição de qualquer membro do conselho de administração pela assembléia geral importará destituição dos demais membros, 30

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade Anônima. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 155. BRASIL. Lei n. 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. 32 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade Anônima. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 155. 31

25

procedendo-se a nova eleição; nos demais casos de vaga, não havendo suplente, a primeira assembléia geral procederá à nova eleição de todos o conselho. §4º Terão direito de eleger e destituir um membro e seu suplente do conselho de administração, em votação em separado na assembléia geral, excluído o acionista controlador, a maioria dos titulares, respectivamente: I – de ações de emissão de companhia aberta com direito a voto, que representem, pelo menos, 15% do total das ações com direito a voto; e II – de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito de emissão de companhia aberta, que representem, no mínimo, 10% do capital social, que não houverem exercido o direito previsto no estatuto em conformidade com o art. 18. §5º Verificando-se que nem os titulares de ações com direito a voto e nem os titulares de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito perfizeram, respectivamente, o quorum exigido nos incisos I e II do §4º, ser-lhes-á facultado agregar suas ações para elegerem em conjunto um membro e seu suplente para o conselho de administração, observando-se, nessa hipótese, o quorum exigido pelo inciso II do §4º. §6º Somente poderão exercer o direito previsto no §4º os acionistas que comprovarem a titularidade ininterrupta da participação acionária ali exigida durante o período de três meses, no mínimo, imediatamente anterior à realização da assembléia geral. §7º Sempre que, cumulativamente, a eleição do conselho de administração se der pelo sistema do voto múltiplo e os titulares de ações ordinárias ou preferenciais exercerem a prerrogativa de eleger conselheiro, será assegurado a acionistas ou grupo de acionistas vinculados por acordo de votos que detenham mais do que 50% das ações com direito a voto o direito de eleger conselheiros em número igual ao dos eleitos pelos demais acionistas, mais um, independentemente do número de conselheiros que, segundo o estatuto, componha o órgão; §8º A companhia deverá manter registro com a identificação dos acionistas que exercerem a prerrogativa a que se refere o §4º.

Buscou-se tornar o instituto do voto múltiplo uma ferramenta para assegurar que o grupo minoritário possa efetivamente ter seus representantes no conselho de administração. Sendo este conselho um mecanismo concebido para dar verdadeira representação a todos os grupos envolvidos na companhia, em determinadas circunstâncias ele é essencial para dar representatividade ao conselho de administração.

26

Pela sua importância quase que essencial para garantir a representatividade a todos os atores envolvidos no âmbito da companhia, é que a própria LSA consagrou o voto múltiplo em seu texto, através do citado art. 141. Temos, portanto, que o voto múltiplo é o instrumento principal para assegurar representatividade aos minoritários no conselho de administração, e este é o órgão que, em tese, assegura aos minoritários participação ativa na estrutura administrativa da companhia, ou efetivamente, no ambiente de tomada de decisões estratégicas para a companhia. Observe-se, ainda, que a Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 200133, alterou a redação do citado art. 141 da LSA. Nos ensinamentos de Correa-Lima (2005)34:

Dois são os pontos primordiais a serem considerados na exegese do art. 141: (1) a idéia de que é salutar a participação dos acionistas minoritários (não controladores) no conselho de administração; (2) o cuidado para evitar que o acionista minoritário (não controlador) consiga eleger a maioria dos conselheiros de administração. Essa preocupação aparece com clareza no §7º do art. 141.

Interessante, também, anotar, a respeito, o entendimento de Carvalhosa (2009)35:

Outra inovação é a faculdade de o estatuto prever que os empregados poderão eleger um representante para o cargo de conselheiro, em assembléia especial dos empregados, organizada pela companhia conjuntamente com as entidades sindicais a que estejam filiados os trabalhadores. Ainda quanto à composição do órgão, criaram-se mecanismos mais eficientes de representação dos minoritários no Conselho de Administração (§§ 4º a 8º deste art. 141). Assim, a lei de 2001 confere ao grupo de titulares de ações com direito de voto, que represente no mínimo 15% do total de capital votante da companhia, e ao grupo de titulares de ações preferenciais que represente pelo menos 10% do capital social total o direito de elegerem, cada um, um representante e seu suplente no Conselho de Administração. E, caso esses percentuais não sejam atingidos isoladamente por um grupo 33

o

BRASIL. Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001. Altera e acrescenta dispositivos na Lei n 6.404, o de 15 de dezembro de 1976, que dispõe sobre as Sociedades por Ações, e na Lei n 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. 34 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade Anônima. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 156. 35 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 104105.

27

ou outro de acionistas, poderão os ordinaristas minoritários e os preferencialistas agregar suas ações para atingir ao menos 10% do capital social total, elegendo, em conjunto, apenas um conselheiro e seu suplente. A eleição desses conselheiros será feita em separado na mesma assembléia que eleger os demais membros do Conselho, e dela não participará o acionista controlador. Para evitar que ‘minoritários de véspera’, oportunistas ou especuladores venham a influir na administração da companhia, a Lei n. 10.303, de 2001, exige, ainda, como requisito para a eleição dos representantes dos minoritários e preferencialistas no Conselho a comprovação de que os acionistas votantes já eram titulares das ações com que participam da eleição do representante três meses antes da realização da assembléia geral respectiva e que esta titularidade manteve-se ininterruptamente nesse período prévio. A lei de 2001 atendeu também os interesses dos controladores das companhias, garantindo que terão sempre maior número de representantes no Conselho de Administração (§7º deste art. 141). Determina essa Lei (n. 10.303, de 2001) que, havendo eleição dos representantes dos minoritários ordinaristas e dos preferencialistas pelo procedimento acima descrito, cumulativamente com a eleição de conselheiros pelo procedimento de voto múltiplo36, do que pode de fato resultar em número de conselheiros eleitos pelos minoritários e preferencialistas igual ao superior ao dos representantes do controlador, poderá este último individualmente, ou o grupo de acionistas vinculados por acordo de acionistas que detenham, em ambas as hipóteses, mais de 50% do capital social, eleger a maioria dos membros do Conselho de Administração, mesmo que para garantir essa maioria o número total de conselheiros da companhia acabe por ultrapassar o previsto no estatuto social.

Fica claro, assim, que a Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, numa visão moderna da sempre complexa divisão de poderes entre as diversas categorias de stakeholders37 buscou equilibrar os interesses dos acionistas minoritários (não controladores) com os interesses dos grupos que controlam o poder votante nas companhias. Tal providência é de importância fundamental, haja vista a necessidade

36

CARVALHOSA, Modesto em nota de rodapé: “A propósito, v. resposta do Colegiado da CVM à Consulta n. 3.649/2002, em 16-4-2002, acerca do procedimento de eleição de membros do Conselho de Administração, no qual se afirmou que é ‘inadmissível que determinadas ações votem no processo de voto múltiplo e no processo de eleição em separado previsto no novo §4º do art. 141 da Lei n. 6.404/76, de forma que entendo que uma vez utilizadas as ações em um processo, não poderão as mesmas ser utilizadas no outro processo’”. 37 Segundo definição do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Shareholders correspondem a grupos que podem afetar ou serem afetados, de modo significativo, pela empresa, incluindo os próprios acionistas. Enquanto stakeholders são todas as partes interessadas que devem estar de acordo com as práticas de governança corporativa executadas pela empresa. São elas: os empregados, clientes, fornecedores, credores, governos, entre outros, além dos acionistas.

28

de evitar conflitos entre os vários atores que funcionam no âmbito dos interesses envolvidos na direção da empresa. Em se tratando da ferramenta do voto múltiplo, evitar a utilização de fórmulas que visem burlar, especular ou impor interesses de determinado grupo é de suma importância para que prospere a boa condução dos negócios da companhia, através de uma administração unida. Não vislumbramos a necessidade de detalhar a técnica propriamente dita do voto múltiplo, nem as fórmulas de Gerstenberg e de Huff, tratadas por Correia Vianna38. Tais equações levam em considerações hipóteses de pleito, situações que não constituem o principal objetivo do presente trabalho. A respeito da competência do conselho de administração, necessário proceder à leitura do art. 142 da LSA39:

Art. 142. Compete ao conselho de administração: I – fixar a orientação geral dos negócios da companhia; II – eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhe as atribuições, observando o que a respeito dispuser o estatuto; III – fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da companhia, solicitar informações sobre contratos celebrados ou em via de celebração, e quaisquer outros atos; IV – convocar a assembléia geral quando julgar conveniente, ou no caso do art. 132; V – manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, quando o estatuto assim o exigir; VI – manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, quando o estatuto assim o exigir; VII – deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição; VIII – autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo permanente, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros; IX – escolher e destituir os auditores independentes, se houver. [...] 38

VIANNA, Correia. O processo. p. 2. apud CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 122. 39 BRASIL. Lei n. 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.

29

Necessário ressaltar que, em havendo acordo de acionistas, este vincula não apenas seus subscritores, mas os membros do conselho de administração ou diretores eleitos pela atuação destes, ainda que não sejam signatários do acordo. Não há qualquer infringência do dever de independência do conselheiro eleito devido ao fato de seguir o acordo de voto em bloco. O próprio acordo deve conformar-se com o interesse social (art. 118 da LSA). Obviamente, o próprio interesse social não será incompatível com o interesse comum dos acionistas. Veja-se o que diz Carvalhosa (2009)40 a respeito da questão entre o dever de independência e os acordos de acionistas:

Assim, não poderá o administrador representante do acordo de controle obstruir o exercício desse poder-dever estabelecido na convenção de voto em bloco. Estará ele, ao desobedecer, por ação ou omissão, a diretriz dada majoritariamente pelo bloco de controle em reunião prévia praticando abuso de poder, para o qual o próprio art. 118 prevê o dever de suspensão da eficácia desse mesmo voto abusivo (§8º) ou a execução específica mediante autotutela (§9º) por parte dos outros acionistas convenentes ou de seus representantes no Conselho de Administração ou na diretoria. A eficácia do acordo de voto em bloco reside, portanto, nessas salvaguardas legais (§§3º, 8º e 9º), que instrumentalizam a sociedade na sua obrigação de fazer observar a convenção arquivada em sua sede (§8º), ou na execução judicial ou arbitral (§3º), ou então na execução específica por autotutela dos convenentes prejudicados e por seus representantes nos órgãos e administração da sociedade (§9º). Assim, a infringência do acordo, por ação ou omissão, por parte de qualquer administrador eleito em virtude dele constitui conduta ilícita, contrária ao interesse social (§2º), não podendo em conseqüência prevalecer.

Temos assim, que o fato de haver acordo de voto em bloco não retira dos conselheiros a sua independência, mantendo-os atrelados ao interesse social, pela própria convenção entabulada. Reitere-se, ainda, a indelegabilidade da competência deliberativa do conselho, que somente pode ser exercida pelo colegiado.

40

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 138.

30

Desta indelegabilidade decorre o fato de a competência das atribuições do conselho serem estipuladas ex lege e formarem um rol exaustivo. Nos dizeres de Verçosa (2008)41: “Como se disse em relação ao art. 139 da LSA, é proibida a delegação de atribuições e poderes dos órgãos de administração entre si ou em favor de outros órgãos que tenham sido criados pelo estatuto”.

2.3 A diretoria e o exercício do poder nas Sociedades Anônimas

A diretoria é um órgão indispensável em toda e qualquer companhia. Não possui sempre composição colegiada, porém, o estatuto pode determinar que decisões relevantes sejam tomadas em reuniões – que não desvirtuam a responsabilidade que cada diretor possui individualmente. Ascarelli (2008)42, Catedrático da Universidade de Bolonha, nos traz uma excelente definição do órgão diretivo das sociedades anônimas, a saber:

Nas sociedades anônimas, em substância, o direito parte do conceito de que, em conseqüência do número dos acionistas e da variabilidade deles, o sócio, como tal, não pode administrar, direta e pessoalmente, a sociedade. Daí a distinção entre sócios e diretores; entre um órgão deliberativo (assembléia) e um órgão que preside à gestão normal da sociedade (diretores). (...) A evolução sucessiva, a não ser em algumas manifestações43, foi democratizando a sociedade anônima e frisando o princípio de serem, os diretores, ‘mandatários’ (os norte americanos dizem trusts) da sociedade.

A Diretoria é o órgão executivo da sociedade anônima. A respeito da sua composição e características, vale lembrar as lições do grande MIRANDA44, in verbis: “Construtivamente, a escolha do diretório pela assembléia é negócio jurídico interno, pelo qual a pessoa jurídica, de que a assembléia é órgão, se cria ou provê a outro órgão. (...)” 41

VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2008, v. 3, p. 418. 42 ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. 2008. p. 482. 43 Como a Lei alemã de 1937. 44 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, v. I, p. 388.

31

Deve-se ressaltar que a existência ou não do conselho de administração não interfere nas funções da diretoria, excetuando-se o fato de que os membros da diretoria serão eleitos pelos membros do conselho quando este existir, e não pela assembléia geral. Assim, criado o órgão diretivo da companhia, passam os diretores a acumular, no exercício de seus cargos, funções de gestão e representação da sociedade, conforme o que dispuser o estatuto social. É o que determinado pelo art. 143 da LSA45:

Art. 143. A diretoria será composta por dois ou mais diretores, eleitos e destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de administração, ou, se inexistente, pela assembléia geral, devendo o estatuto estabelecer: I – o número de diretores, ou o máximo e mínimo permitidos; II – o modo de sua substituição; III – o prazo de gestão, que não será superior a três anos, permitida a reeleição; IV – as atribuições e poderes de cada diretor. §1º Os membros do conselho de administração, até o máximo de 1/3, poderão ser eleitos para cargos de diretores. §2º O estatuto pode estabelecer que determinadas decisões, de competência dos diretores, sejam tomadas em reunião de diretoria.

A diretoria da companhia se compõe de duas ou mais pessoas físicas residentes no país, não necessariamente acionistas (art. 146 da LSA) e que preencham os requisitos exigidos pelo Código Civil e pelo art. 147 da LSA. Por alteração estatutária, critérios podem ser modificados, bem como a composição deste órgão46.

45

BRASIL. Lei n. 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 161162. 46

32

No sistema unitário, tanto a eleição como a destituição caberão à assembléia geral. No sistema bipartido, igual prerrogativa cabe ao conselho de administração47. A diferença é significativa, pois no sistema bipartido, os acordos de acionista acabam por não prevalecer para a eleição da diretoria. A eleição da diretoria, assim, contém maior representatividade no sistema unitário, por ter a participação real dos acionistas em assembléia, enquanto que no bipartido a escolha decorre do conselho de administração, sem interferência da assembléia. O próprio §2º do citado art. 143 da LSA enfatiza o caráter de colegiado não obrigatório da diretoria, quanto às tomadas de decisões, submetendo-a às determinações do estatuto, no entanto48. A verdade é que, o fato de diversos diretores partilharem poderes, não significa que eles não se desincumbem das atribuições legais comuns a todos, o que veremos adiante. O estatuto é que determina as atribuições individuais dos diretores, como ensina Valverde (1941)49: “Os preceitos estatutários que discriminam esses deveres formam o regime disciplinar da administração”. A responsabilidade do administrador há que ser julgada dentro dos limites de suas atribuições50. Conforme

ensina

Carvalhosa51:

“Essa

discriminação

estatutária

tem,

outrossim, o efeito de exonerar da responsabilidade os diretores que não estejam

47

PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado. AgI 72.554-2. Relação Desembargador Jones Figueiredo, 4ª Câm. Cív. do TJPR, j. em 29-9-1998 apud CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 162. 48 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 165 cita a seguinte nota: “Sampaio de Lacerca (comentários, cit. p. 166) leciona que a diretoria será um órgão colegiado se não existir Conselho de Administração. A lei francesa, com efeito, em seu art. 124, reveste o directoire de caráter colegiado. Roblot (Traité, cit. p. 805) assevera que o art. 99 do Decreto de 1967 procurou conciliar a natureza colegial do directoire com a eficácia necessária às suas atividades, fazendo-o por divisão de funções entre seus membros. Ainda a respeito da matéria, arts. 113 e 115 da lei francesa de 1966 e Ripert-Roblot, Traité, cit., v. 1, p. 768, 786 e 792.” 49 VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por ações. Rio de Janeiro: Forense, 1941, v. 1, p. 294. apud CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 166. 50 Que, conforme os autores citados acima, é consubstanciado no direito americano nas by laws ou nos articles of association, e este limite das atribuições é de extrema importância para o tema estudado neste trabalho. 51 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 166.

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encarregados daquelas funções, em caso de infração legal, salvo conivência ou negligência (art. 158)”. E mais adiante52:

Entre os atos de gestão da competência dos diretores incluem-se: a aquisição e o arrendamento de bens e serviços ligados ao objeto social; a contratação de mão-de-obra e de serviços para a sociedade, com e sem relação de emprego; o recebimento dos créditos da companhia; bem como contrair dívidas decorrentes dos negócios ordinários da companhia, para tanto emitindo, aceitando e endossando títulos de crédito do comércio. Dentro desse amplo espectro, cabe ao estatuto determinar os poderes e funções de cada diretor, fazendo-o explícita e exaustivamente. Também deve ser estabelecido, no estatuto, o processo de representação orgânica da companhia, determinando quando será ela exercida em conjunto ou isoladamente, em razão dos negócios jurídicos envolvidos e de sua alçada.

E ainda53:

A representação orgânica é exclusiva dos diretores (art. 138). Tratase de norma imperativa, não podendo o estatuto atribuir esse poder de representação aos membros do Conselho de Administração ou a qualquer outro órgão (art. 139). O estatuto poderá apenas disciplinar a maneira como será exercida essa representação, discriminando quais os diretores que exercerão e como o farão, se conjuntamente ou separadamente.

As normas comuns relativas às responsabilidades dos administradores (conselheiros e diretores) se aplicam, quando comuns. É o que determina o art. 145 da lei: “Art. 145. As normas relativas a requisitos, impedimentos, investidura, remuneração, deveres e responsabilidades dos administradores aplicam-se a conselheiros e diretores”. Obviamente o preceito é relativo. Nem sempre se aplicam as normas relativas a um ente de forma exatamente idêntica a outro ente, ainda que em situações semelhantes. Exemplo disso é o fato de poder se ter um órgão colegiado como 52

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 167. 53 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 180.

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conselho de administração e uma diretoria formada por apenas uma pessoa. Ora, isso implica numa aplicação um pouco diferenciada da regra descrita no citado artigo. Relativamente aos poderes dos administradores, inúmeras teorias tentam explicar sua natureza jurídica. Nosso ordenamento jurídico adotou a teoria organicista da administração, o que não nos escusa de lembrar alguns fundamentos da preterida teoria contratualista, onde a relação entre os administradores e a sociedade é de natureza contratual, expressa por mandato54. Os poderes administrativos nas sociedades seriam, portanto, delegados. Como mandatários, poderiam ser nomeados e destituíveis a qualquer tempo, agindo sempre em nome e por conta dos acionistas55. Existem inúmeras críticas à teoria contratualista. A principal delas se baseia no fato de não se poder falar em mandato quando se fala de uma função delegada sem a qual a própria sociedade inexistiria. Ora, os próprios administradores são imperativos de existir para constituírem eventual mandato56. Outra crítica importante é o fato de, não possuindo a própria assembléia geral os poderes de gestão e representação, próprios dos administradores, não se poderia falar em mandato, pois este exige pelo menos dois sujeitos o que tecnicamente não se verifica no caso57. No que tange a teoria organicista, vale citar Carvalhosa (2009)58: 54

Brunetti, Tratado del derecho de lãs sociedades, Buenos Aires, UTEHA, 1960, v.2, p. 465; RipertRoblot, Traité élementaire de droit commercial, Paris, LGDJ, 1977, v. 1, p. 766; André Tunc, Le droit anglais des sociétés anonymes, Paris, Dalloz, 1971, p. 112; Halperin, Sociedades anônimas. Buenos Aires: Depalma, 1975, p.399. apud CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 20. 55 COMPARATO. Aspectos jurídicos da macroempresa, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1970, p. 13. apud CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 20. 56 Garrigues-Uría, Comentário, cit., p. 26; Brunetti, Tratado, cit., v. 2, p. 465; Massineo, Manuale di direito civile e commerciale, Milano, Giuffré, v. 4, p. 460. Apud CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 21. 57 VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por ações. Rio de Janeiro: Forense, 1941, v. 2, p. 276. apud CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 21. 58 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 22.

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Buscam-se no direito público os subsídios doutrinários para melhor explicar a teoria do órgão no contexto das sociedades por ações59. Assim, semelhantemente aos aparelhos do Estado, os órgãos de administração nas sociedades anônimas têm atribuições derivadas da lei e não da assembléia geral60. O poder da administração societária origina-se da lei, estando os seus membros coletiva (Conselho de Administração) ou individualmente investidos, portanto, de poder legal61. Como lembra Orlando Gomes, a responsabilidade do administrador não é derivada do contrato, mas ex lege; daí ser orgânica62.

E em decorrendo a responsabilidade ex lege, sendo orgânica, decorre a sua indelegabilidade, bem como dos poderes inerentes a ela. Este fato é extremamente importante para o tema aqui tratado, como se verá adiante neste estudo. É importante fixar a noção de que, em sendo os diretores os que exercem o poder executivo e de representação da companhia, não devem exceder os poderes inerentes à sua função. Esta noção é importante para tratarmos, adiante, de seus deveres e responsabilidades específicos.

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LEÕES, Barros. Direito do acionista ao dividendo, São Paulo, 1969, p. 63. apud CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 22. 60 BRUNETTI. Tratado. cit., v. 2, p. 466. apud CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 22. 61 RIPERT-ROBLOT (Traité, cit., v. 1, p. 766), a respeito da reforma da legislação francesa de 1940, modificada pela lei de 1943, que deu nova estrutura à administração das companhias, nota de: CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 22. 62 Orlando Gomes, RT, 249:16. apud CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 22.

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3 DO ADMINISTRADOR DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS

3.1 Deveres dos administradores

A finalidade da administração, como tal entendida a própria condução dos negócios da empresa, nada mais é que o efetivo cumprimento do objeto social da companhia. Isto está expresso no já citado art. 154 da LSA63. Os administradores devem sempre atuar nos padrões éticos e de boa-fé, o que sempre dará guarida às suas decisões e ajudará na satisfação das necessidades sociais e exigências da comunidade que cerca a empresa. Assim, é extremamente necessária a definição e a correta delegação de poderes, formando uma estrutura administrativa sólida. De qualquer forma, vale lembrar os ensinamentos de Verçosa (2008)64 a respeito das finalidades das atribuições dos administradores, nas quais o interesse coletivo, similar ao bem público, se confunde com a função social da empresa. Embora não esteja explícito no texto o modo específico de agir do administrador, é evidente que este se mantém na escala de valores própria à finalidade da empresa. É possível, segundo a lição do referido e eminente doutrinador, selecionar esses valores de modo a compor uma espécie de roteiro de conduta, no qual figura a diligência na realização do objeto social como a primeira das preocupações. De fato, o objeto da empresa se confunde com sua própria licitude, aprovado e registrado como foi, o respectivo Estatuto Social. Esse registro dá ingresso à empresa no mundo jurídico, incorpora-a ao esforço comum de produção e distribuição da riqueza e a torna, portanto, agente dos interesses coletivos. Entre os deveres dos administradores da empresa figura também em destaque e até mesmo como corolário importante do primeiro, a orientação da empresa no sentido de atender às exigências do bem comum e à função social da propriedade.

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BRASIL. Lei n. 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2008, v. 3, p. 456-457. 64

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Esse senso de responsabilidade social impõe a escolha de estratégias adequadas, nas quais se encontra o equilíbrio entre o interesse empresarial e as exigências do bem público. Preocupações dessa natureza vêm ganhando força em todos os países, pois a necessidade de ajustar interesses particulares às necessidades coletivas tornou-se cada vez mais relevante, tendo em vista, principalmente, a conquista da harmonia social pela atenuação de desigualdades. É o próprio Verçosa (2008)65 que leciona:

Pode-se dizer que o legislador, neste ponto da LSA, condena o chamado ‘capitalismo selvagem’, ou seja, aquele que busca o lucro a qualquer preço, independentemente dos efeitos negativos que a atividade empresarial possa gerar, especialmente os danos ao meio ambiente. O dispositivo vertente está em perfeita consonância com os princípios gerais da atividade econômica previstos no art. 170 da Constituição Federal – CF, especialmente nos incisos III (função social da propriedade), V (defesa do consumidor), VI (defesa do meio ambiente), VII (redução das desigualdades regionais e sociais) e VIII (busca do pleno emprego).

É claro que qualquer empresa organizada irá buscar maximizar suas oportunidades de lucro, ainda que preocupada com questões sociais. A grande contribuição empresarial ocorre quando os administradores conseguem coordenar ações que dêem lucro e tenham em vista os princípios esposados. O que é condenável é o que se entende por conflito de interesses, ou quando há a presença de interesse oposto ao da companhia nas ocasiões em que o administrador é parte em negocio que a sociedade está para concluir com aquele mesmo administrador ou com outros em conjunto66. É esta, na prática das atividades empresariais, uma das questões mais delicadas, quase sempre de identificação difícil, pois muitas vezes se torna impossível ou extremamente difícil, com risco de juízos nem sempre fiéis, a distinção entre os interesses, sujeitos a superposições com intercâmbios que podem mascarar ou comprometer a realidade. O certo é que o administrador não é o delegado ou representante permanente de quem o elegeu, distinção, essa, ainda maior quando se trata do conselheiro de 65

VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2008, v. 3, p. 456-457. 66 MENDONÇA, Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. V. 4. p. 64. apud VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2008, v. 3, p. 456-457.

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administração. O administrador está substantivamente preso ao interesse da sociedade e só na eventualidade de serem compatíveis os interesses dos que o escolheram para o cargo. São deveres gerais, que incumbem a toda a classe de administradores, sem distinção de categorias, pois mesmo o controlador se submete às disposições traçadas no parágrafo único do art. 116 da LSA, cujo alcance ultrapassa os limites internos da companhia. O conflito de interesses resultante da prática de atos, como, por exemplo, o recebimento de vantagens pessoais no exercício das atribuições empresariais, se insere no quadro de proibições estipuladas nos dispositivos legais67. Percebe-se, assim, que a finalidade das atribuições dos administradores é mantê-los agindo para o bem da companhia, ou seja, obedecendo ao art. 154 da LSA, já citado alhures. A pessoa jurídica, a companhia, é um sujeito de direito absolutamente distinto dos membros que compõem sua administração. Portanto, ela – empresa – é a titular dos direitos e obrigações assumidos em seu nome ou que passam a existir devido à sua atividade. Exemplo claríssimo disso é a máxima romana societas distat a singulis68, consagrado em nosso Código Civil e de grande importância para a delimitação das responsabilidades, mormente quando estamos lidando com negócios jurídicos que envolvem alto risco e capital pulverizado. Segundo Correa-Lima (2005)69, “todo o disciplinamento jurídico dos deveres dos administradores e controladores pode-se resumir-se nessa única premissa latina: honeste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere70.” Deste citado princípio de origens latinas decorre o que chamamos de “deveres” a serem seguidos pelos administradores, como entes que possuem enorme responsabilidade perante interesses que eles administram. São basicamente quatro: obediência (à lei e ao estatuto, diligência, lealdade e de informar. 67

VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2008, v. 3, p. 458-459. 68 Esse adágio romano pode ser traduzido como “as pessoas jurídicas têm existência distinta de seus membros” e se encontra consagrada no artigo 20 do Código Civil brasileiro. 69 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade Anônima. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 181. 70 A expressão latina significa “viver honestamente, não prejudicar a ninguém, dar a cada um o que é seu”.

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O dever de obediência significa a submissão à lei e ao estatuto social. A infringência ao dever de obediência gera a prática dos chamados atos ultra vires, ou seja, aquele que transcende o objeto da sociedade. O objeto será definido no estatuto, daí a necessidade da sociedade ter um estatuto bem delineado, com seu objeto claro. A própria exposição de motivos da LSA determina que a definição precisa e completa do objeto social possibilita a caracterização do abuso de poder e desvio da atividade. Por óbvio, os administradores possuem poder discricionário ao exercer sua gestão, contudo, não podem ultrapassar o objeto social de forma que venha gerar prejuízos à companhia. Corrêa-Lima (1989)71 assim define os atos ultra vires: “O dever de obediência ao estatuto significa que os administradores devem agir dentro dos limites definidores do objeto social, ou seja, intra vires. Quando extrapolam esses limites, eles agem ultra vires”. Interessante observar que o dever de obediência tem consonância nos corolários da teoria organicista. Vemos em Miranda (1954)72 a afirmação de que “o órgão nem representa, nem tem a posição de representante legal”. E continua73:

O órgão não representa; presenta, pois é órgão. Tal concepção do Código Civil Brasileiro, de fonte germânica. As pessoas jurídicas são incapazes de obrar, pois que têm órgão; o que o filho sob o pátrio poder, o tutelado e o curatelado não têm: a esses alguém representa ou assiste. A representação da pessoa jurídica seria concepção pseudo-romanística, e a teoria da ficção, pseudo-romanística, uma vez que as entidades, de que falamos, não eram, em direito romano, pessoas.

No entender do grande civilista, aos que exercem poder de direção, sócios ou apenas administradores, na qualidade de órgãos (diretores e conselheiros), são impostos direitos e deveres. No dizer de Silva (2007)74:

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CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 60. 72 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, v. I, p. 253. 73 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, v. I, p. 256. 74 SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 107.

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Os direitos e deveres da sociedade não são direitos e deveres dos sócios ou administradores; entretanto, é por meio das pessoas naturais, como órgão da sociedade, que esta se faz presente. Nesse momento, cabe acrescentar que os administradores possuem o dever de obediência ao contrato ou Estatuto Social, devendo agir nos limites do objeto social, isto é, intra vires. Em contraposição, se os administradores extrapolam os limites do objeto social, agem ultra vires (art. 158, II da Lei de Sociedades por Ações), e nos atos intra vires responderão por culpa ou dolo pelos prejuízos causados75.

Silva (2007)76 continua, adiante:

Se um agente da companhia comete um ato ilícito decorrente de ato regular no escopo da prestação de serviço, a companhia não pode se defender com base nos atos ultra vires. Essa conclusão advém da necessidade de se proteger o terceiro inocente dos abusos da companhia de que não se tinha controle. A moderna doutrina ultra vires desenvolveu-se do ponto de vista de considerar nula a transação em que a sociedade ou administrador não tinha poderes para entrar na transação, o que causava resultados indesejáveis à atividade empresarial. Em visão mais moderna, esses atos passaram simplesmente a ser anuláveis. A companhia era constituída somente para propósitos delimitados. Entretanto, essa visão não era realista, o que permitia à companhia se beneficiar de contratos e recusar a realizar determinadas obrigações com base em contratos ultra vires. (...).

O ato ultra vires, assim, é aquele que está em desacordo com os poderes da administração, estabelecidos no estatuto social. Ou aquele que se encontra fora da atividade e objeto social da companhia, ocorrendo com abuso de poder. O administrador deve, assim, aderir suas condutas aos interesses da companhia, jamais agindo em abuso ou em desacordo com os poderes que lhe são entregues como órgão pertencente à estrutura administrativa da companhia. A respeito da aplicação prática do dever de obediência, Corrêa-Lima, citando Valverde nos ensina que77:

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CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedades anônimas. Aide, 1989, p. 105 apud SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 107. 76 SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 120. 77 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 60.

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Entre nós, Valverde, aderindo à teoria inglesa, entende que a sociedade ‘não é responsável por atos ou operações estranhas ao seu objeto, praticados pelos diretores’78. Seguindo a orientação de Valverde, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que ‘os atos praticados pelo diretor da sociedade fora dos limites dos poderes estatutários não são nulos, mas inexistentes’79. Essa teoria, reconhecida com o nome de ultra vires, predomina até hoje na Inglaterra, onde foi pela primeira vez formulada no julgamento do caso Ashbury Railway Carriage & Iron Co. versus Riche, em 1975.

O art. 153 da LSA trata do dever de diligência, in verbis: “Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios”. O dever de diligência, na definição de Corrêa-Lima (2005)80:

Diligência significa cuidado ativo, zelo, aplicação, atividade, rapidez, presteza. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios (art. 153). Diligência é mais que mera prudência.

Assim, entende-se que o dever de diligência congrega o cuidado que o administrador deve ter com os negócios da companhia, agindo de forma a alcançar o objeto social e dentro dos padrões da boa-fé. Verçosa (2008)81 não foge à definição esposada pelo festejado autor citado acima:

Neste contexto, o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. O descumprimento do padrão determinado na lei acarreta responsabilidade do administrador pelos prejuízos que a sociedade tenha sofrido.

Podemos sintetizar o dever de diligência como algo que transcende uma mera prudência e cuidado na condução dos negócios. É o efetivo envolvimento do 78

VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por ações. Rio de Janeiro: Forense, 1941, v. 1, p. 44 apud CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 60. 79 RT, 126/428. 80 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedades anônimas. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 181. 81 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2008, v. 3, p. 455.

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administrador nos negócios da companhia, enxergando os resultados desta como os seus próprios. Prossegue Verçosa (2008)82:

De um lado, o administrador deve realizar o máximo do seu esforço para que a sociedade implemente toda sua capacidade operacional na busca de lucros, divisando novos mercados, captando nova clientela por meio de mecanismos eficazes, reduzindo custos desnecessários – enfim, tornando-se tão eficiente quanto possível. Riscos surgem nessa atividade, que devem ser previstos dentro da experiência do mercado e minimizados por meio da realização de seguros de operações de hedge e de swap. Mas, como se disse acima, administradores extremamente dinâmicos ou malintencionados podem ultrapassar o limite do risco aceitável, para ingressar no campo da gestão temerária ou fraudulenta, a qual, no mais das vezes, causa prejuízos para a sociedade e responsabilidade civil (e eventualmente penal) para os administradores que assim procedem.

Existem dificuldades, no entanto. Ensina-nos Silva (2007)83:

Todavia, dificuldades começam a surgir quando se observa a existência de uma série de tentativas de interpretação do dever de diligência, enfim, na elaboração de um conceito objetivo do que seria este dever. Não obstante o fato de vários conceitos terem sido elaborados84, as diferenças entre eles não estão claras. Assim, como bem salientaram Lamy e Bulhões, o dever de diligência deverá orientar os administradores sem entorpecê-los na ação com excessos utópicos.

A prudência, a retidão, sempre em vista o objeto social da companhia são o corolário do dever de diligência. Não há que se limitar a função administrativa, mas apenas evitar excessos na condução da companhia. Torna-se impossível traçar um conceito objetivo único para o dever de diligência.

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VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2008, v. 3, p. 456. 83 SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 15-16 84 SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 15-16, anota que: “The American Law Institute Principles of Corporate Governance categorizes the statutes into those that use ´due care´, ´care that an ordinarily prudent person would exercise in like position and under similar circumstances´, ´care that an ordinarily prudent person would exercise under similar circumstances´, ´care exercised by a prudent person in his own affairs´ and those that, like the Model Act, add ´in a manner he reasonably believes to be in the best interests of the corporation´” (VAGTS, Detlev F. Basic Corporation law: material, cases, text. 3. ed. Nova York: The Foundation Press, 1989, p. 7).

43

O paradigma do dever de diligência, como podemos verificar na leitura do art. 153 da LSA, é originário na figura romana do vir probus, do bonus pater famílias. Porém, este não pode ser um paradigma fixo. Não se pode deixar de mencionar, a respeito, a figura do standard of care, diligence and judgement, que no sistema do common law corresponde ao nosso dever de diligência. No direito norte-americano há gradações para o nível de responsabilização do administrador, o que torna esse paradigma mutável. No dizer de Carvalhosa (2009)85, a responsabilização dos administradores deverá levar sempre em conta o grau de negligência que lhe é atribuído, calculado segundo o nível de cuidado estabelecido em cada caso. A graduação da responsabilidade por negligência deve levar em conta o vulto da companhia, havendo evidente diferença de tratamento entre o administrador de uma pequena empresa e uma entidade econômica de grande porte. Prossegue Carvalhosa (2009)86 na afirmativa de que a regra geralmente aceita é a seguinte:

[…] ‘The more fair and satisfactory rule is that degree of care and diligence which na ordinarily prudent director could reasonably be expected to exercidse in a like position under similar circumstances’. A common law também admite determinadas circuinstâncias de caráter subjetivo que podem ser excludentes de responsabilidade, sempre dependendo de cada caso. Tais fatores eventualmente excludentes seriam doença, velhice, distância e mesmo incompetência. Especificamente, no que respeita ao stardard of care, tem ele sido variadamente entendido, no direito norte-americano, como reasonably prudent man, ou na ordinarily prudent director in similar business, ou ainda ‘the same degree of fidelity and care as na ordinarily prudent man would exercise in the management of his own affairs of like magnitude and importance’.

Enfim, o caráter mutável do sistema common law favorece a não manutenção de um paradigma único, perigo que corremos em nosso sistema codificado. A

85

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 275276. 86 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 275276.

44

verdade é que existem, sim, vários graus de responsabilidade quando falta o dever de diligência, e a gradação só pode ser feita no caso-a-caso. O dever de lealdade está descrito no art. 155 da LSA. Esta disposição legal não se limita a exigir do administrador a obediência à ética, resultante da relação de confiança indispensável entre a empresa e o administrador. A sorte da primeira depende, em grande parte, da adesão aos interesses da segunda, pelo qual deve ele zelar acima de quaisquer outros de seus deveres. No lugar de estabelecer um padrão geral de comportamento para o administrador, de forma a vinculá-lo genericamente à sorte da empresa, o legislador preferiu especificar no texto da lei o que lhe pareceu primordial nessa relação e o fez de forma a estabelecer condutas perfeitamente claras, as quais estabelecem, no seu conjunto, um quadro nítido de lealdade aos interesses da empresa. As regras, descritas com clareza, não se prestam a dubiedades, pois ferem de frente os problemas relacionados com a questão da confiança que merece o administrador. São elas:

Art. 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado: I – usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício do seu cargo; II – omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia; III – adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta tencione adquirir; §1º Cumpre, ademais, ao administrador da companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários. §2º O administrador deve zelar para que a violação do disposto no §1º não possa ocorrer através de subordinados ou terceiros de sua confiança. §3º A pessoa prejudicada em compra e venda de valores mobiliários, contratada com infração do disposto nos §§1º e 2º, tem direito de

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haver do infrator indenização por perdas e danos, a menos que ao contratar já conhecesse a informação. § 4º É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários.

Este dever está intimamente ligado à questão do já comentado conflito de interesses. No dizer de Verçosa (2008)87: “A fidelidade à sociedade da qual alguém é administrador coloca-se como um dos deveres fundamentais do cargo”. E continua:

Outra conseqüência de elevadíssima importância está no resguardo com respeito aos negócios da companhia, sabendo-se que no momento atual do desenvolvimento da atividade econômica as informações estratégicas de uma empresa correspondem a um dado fundamental do seu sucesso, sabendo-se da intensa preocupação em proteger a atividade contra a chamada espionagem industrial, a qual não se dá somente neste campo específico, mas em todos aqueles nos quais o conhecimento do know-how do concorrente é de fundamental importância para, se possível, alijá-lo do mercado. E uma das formas mais utilizadas para tal finalidade ilícita está em corromper administradores de sociedades rivais.

Silva (2007)88 sintetiza o dever de lealdade no mesmo sentido:

O administrador deve servir com lealdade para com a sociedade. No que tange ao dever de lealdade, é importante destacar o conflito de interesses e o insider trading. O dever de lealdade requer que os administradores evitam a autonegociação (a chamada self-dealing transaction) ou o conflito de interesses com a companhia, agindo de boa-fé e no interesse da companhia. O dever de lealdade está relacionado com transações em que há: (i) conflito de interesse entre o administrador e a companhia; (ii) conflito de interesse entre companhias por terem administradores em comum; (iii) vantagem obtida indevidamente por administrador em oportunidades que pertenciam à companhia; (iv) administrador competindo com a companhia; (v) informações falsas ou indevidas a acionistas; (vi) negociação do insider; (vii) abuso da minoria; (viii) venda de controle.

87

VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2008, v. 3, p. 460. 88 SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 18-19

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O dever de lealdade, portanto, trata da atuação do administrador como ente que deve proteger os interesses da companhia, sem colocar os seus próprios interesses em primeiro plano ou em conflito com os da empresa. Quanto ao insider trading, deve-se dizer que, diferentemente da situação de responsabilidade civil do administrador, que adiante veremos, e diferentemente do direito norte-americano, onde é tratado apenas quando há o efetivo aproveitamento (material fact) das informações privilegiadas, em nossa LSA, este fato é um ilícito meramente formal. Importante, a respeito, a lição de Carvalhosa (2009)89:

Diferentemente dos critérios de aferição da responsabilidade previstos no art. 158m em que prevalece o método comparativo de conduta diante dos usos da administração societária geralmente aceitos, na prática do insider trading configura-se a responsabilidade objetiva do agente. Trata-se de quebra do dever de lealdade para com a companhia, os demais acionistas e o mercado de ações. A responsabilidade objetiva no caso de insider trading estende-se aos controladores e terceiros que se aproveitaram do vazamento de informações (tippees). A responsabilidade decorre diretamente da ação ou omissão do administrador (tipper). Dispensa-se, nessa específica conduta de deslealdade, o nexo entre a ação ou omissão e o prejuízo ou dano sofrido pela companhia. É o que prescreve o inciso I da norma, que veda ao administrador o uso das oportunidades ‘com ou sem prejuízo para a companhia’. O dever de lealdade no qual se inclui a abstenção da prática do insider trading, não se funda, pois, no dano, mas no caráter fiduciário das funções de administrador. Trata-se de ilícito formal.

O art. 157 da LSA trata do dever de informar. Para o estudarmos, necessário apreendermos a noção de disclosure. No dizer de Carvalhosa (2009)90:

A publicidade de fatos relevantes (full disclosure) é o sistema que coloca os acionistas da companhia e os investidores em condição de avaliarem a oportunidade, o preço e as condições dos negócios de aquisição, e a alienação de valores mobiliários emitidos pela companhia91. Trata-se de regra de defesa da companhia contra eventuais argüições de seus acionistas e do público investidor em geral e, 89

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 303. 90 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 333. 91 BRUNYEEL, André. The belgian commision bancaire: functions and methods, Journal of Comparative Corporate Law and Securities Regulation, 2(1):9, 1978.

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ainda, da Comissão de Valores Mobiliários no que respeita à responsabilidade por transações no mercado que decorram de eventuais mutações no estado de seus negócios.

E ainda92: O sistema de revelação dos fatos negociais e institucionais relevantes da companhia constitui a mais importante salvaguarda para os investidores, porque lhes permite avaliar, por si mesmos, todos os dados necessários para a verificação do efetivo preço dos valores mobiliários emitidos pela companhia.

Este dever de informar é exclusivo do administrador de companhia aberta. Trata-se, inclusive, da prestação de contas, ao final do exercício social, para deliberação da assembléia geral ordinária da companhia. Assim dispõe Verçosa (2008)93 a respeito do dever de informar:

No tocante especificamente ao administrador da companhia aberta, em virtude da grande ênfase que o legislador dá aos princípios de plena abertura no campo das informações (full disclosure) e à transparência segundo a qual realiza os atos de sua competência (accountability), são estabelecidas regras especiais para tais finalidades no dispositivo sob comentário.

Silva (2007)94 nos mostra a origem do dever de informar, a saber:

O dever de informar é baseado, no Direito norte-americano, na lei federal sobre valores mobiliários Securities Exchange Act. No caso Malone v. Brincat (Del. 1998), a Suprema Corte de Delaware identificou uma área na qual os deveres fiduciários podem exigir informação positiva nas companhias abertas. O caso envolvia ação contra diretores, na qual se reclamava que estes haviam intencionalmente supervalorizado as condições financeiras da companhia durante um período de quatro anos em suas informações aos acionistas. A Chancellary Court, sem julgamento do mérito, entendeu com base na reclamação que não tratava de legislação federal. Por seu turno, a Suprema Corte ordenou que a Corte desse aos autores da ação a oportunidade de requerer novo julgamento em razão de pedido de existência de informações incorretas, determinando que os administradores fornecessem as informações aos acionistas de companhias abertas, em três diferentes contextos, 92

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 343. 93 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2008, v. 3, p. 465. 94 SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 50-51

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quando: (i) o Conselho de Administração buscasse a atuação do acionista em determinado assunto; (ii) o administrador disponibilizasse ao mercado mobiliário as atividades, e os prospectos da companhia; (iii) o administrador informasse aos acionistas sobre assuntos da companhia em geral, mas sem esperar qualquer atuação específica do acionista sobre os assuntos95. A legislação de Delaware reconhece o dever fiduciário do administrador de apresentar informações referentes a assuntos e áreas específicas em que a companhia pretende atuar. Os tribunais entendem que o dever de lealdade e a boa-fé são aplicáveis, requerendo do diretor a atuação de maneira honesta e com informação suficiente para os acionistas. A disseminação de informações falsas para acionistas caracteriza a quebra do dever fiduciário. Entretanto, é importante estabelecer se o prejuízo foi da companhia ou do acionista individualmente. Os prejuízos do acionista são cobertos por indenizações, devendo-se estabelecer corretamente no tribunal se se trata de ação derivada ou direta de responsabilidade do administrador.

É de se notar a enorme importância das informações divulgadas pelos entes da estrutura administrativa da companhia. Tais informações têm repercussões enormes para o patrimônio da empresa e dos acionistas, sejam controladores ou não controladores. Daí decorre a enorme importância do dever de informar. No âmbito da participação societária nas companhias, a informação é o instrumento, utilizado em diversas esferas. Daí a enorme importância deste dever. Podemos perceber claramente que o dever de informar transcende a prestação de contas ou balanço pela companhia (accountability) para levar ao administrador a obrigação de zelar por todo o contexto de informações concernentes à companhia, inclusive para fins de mercado. Assim, não só o dever de accountabilty se coloca como um dos corolários do dever de informar, mas, somado ao disclosure, podemos chamar a consecução completa deste dever de full disclosure, que permite aos stakeholders e demais participantes do mercado conhecer profundamente a companhia.

95

HAMILTON, Robert W. The Law of Corporation: in a nutshell. 5. ed. St Paul: West, 2000, p. 498 apud SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 50.

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3.2 Conflitos de agência – a relação entre acionistas e administradores

Qualquer relação em que uma parte depende do desempenho de outra é potencialmente suscetível a sofrer um conflito de agência. Chamamos de agente aquele de quem depende o desempenho geral da relação. Este conflito gera algumas dificuldades e um aumento dos custos de transação em situações onde estes interesses colidem. Na definição de Kraakman et al (2006)96:

[…] The core of the difficult is that, because the agent commonly has better information than does the principal about the relevant facts, the principal cannot costlessly assure himself that the agent´s performance is precisely what was promised. As a consequence, the agent has an incentive to act opportunistically97, skimping on the quality of his performance, or even diverting to himself some of what was promised to be principal. This means, in turn, that the value of the agent´s performance to the principal will be reduced, either directly or because, to assure the quality of the agent´s performance, the principal must engage in costly monitoring of the agent. The greater the complexity of the tasks undertaken by the agent, and the greater the discretion the agent must be given, the larger these ‘agency costs’ are likely to be98.

Uma característica importante da dispersão da propriedade foi que os vínculos entre acionistas e gestores das empresas se tornaram distantes. A propriedade e o controle decisório sobre esta se tornaram cada vez mais dispersos.

96

KRAAKMAN, Reinier, HANSMANN, Henry, et al. The anatomy of Corporate Law: A comparative and Functional Approach. 4. ed. New York: Oxford University Press, 2006, p. 21-22. 97 KRAAKMAN, Reinier, HANSMANN, Henry, et al. The anatomy of Corporate Law: A comparative and Functional Approach. 4. ed. New York: Oxford University Press, 2006. In: verbis: “We use the term ‘opportunism’ here, following the usage of Oliver Williamson, to refer to self-interested behavior that involves some element of deception misrepresentation, or bad faith. See Oliver Williamson, THE ECONOMIC INSTITUTIONS OF CAPITAISM, 47-49 (1985)” 98 KRAAKMAN, Reinier, HANSMANN, Henry, et al. The anatomy of Corporate Law: A comparative and Functional Approach. 4. ed. New York: Oxford University Press, 2006. In: verbis: “See,e.g., Steven Ross, The Economic Theory of Agency: The Principal´s Problem, 63 AMERICAN ECONOMIC REVIEW 134 (1973); John W. Pratt and Richard J. Zeckhauser (eds.), PRINCIPALS AND AGENTS: THE STRUCTURE OF BUSINESS (1984), Paul Milgrom and John Roberts, ECONOMICS, ORGANIZATION AND MANAGEMENT (1992).

50

Álvares, Giacometti e Gusso (2008)99 constroem interessante panorama acerca do conflito de agência como gênese da governança corporativa, conceito que será tratado adianta, a saber:

Nos anos 1970, a questão da governança corporativa ressurge, em virtude de alguns eventos ocorridos nos Estados Unidos e na Europa. Nos Estados Unidos, a insatisfação de acionistas de companhias que haviam falido e que buscavam compensação junto a diretores, conselheiros e auditores resultou em maior ênfase no controle, no nível dos conselhos, e em demandas de participação mais importantes dos comitês de auditoria e que estes fossem compostos por membros externos. Do ponto de vista teórico, o debate evolui em torno do conflito de agência. A necessidade da governança corporativa surge dos potenciais conflitos de interesses decorrentes entre os diferentes stakeholders. Segundo Gillan e Starks (2003), os conflitos decorrem de duas fontes principais: (I) os diferentes participantes têm diferentes objetivos e preferências; (II) os diferentes grupos de interesses têm informações imperfeitas uns dos outros sobre suas ações, conhecimentos e preferências. De acordo com Carlson (2004), os acionistas são, em última instância, os que decidem, pois são eles os proprietários. No entanto, como seria inviável um processo de tomada de decisões pelos próprios acionistas, eles delegam autoridade aos executivos da empresa. Estes deveriam agir como agentes dos proprietários e em conformidade com os interesses dos proprietários. O problema de agência emerge quando a gestão de uma empresa privilegia os próprios interesses em detrimento dos interesses do acionista.

É claro que existem pontos comuns entre os interesses dos atores envolvidos na companhia, sejam proprietários (acionistas – controladores ou não) e gestores. Estes pontos em comum devem, claramente, ser relevados, em detrimento aos conflitos de interesses, que em muito prejudicam a companhia. A partir da identificação do problema de agência é que começaram a surgir diretrizes gerais de governança e passaram a ser mais bem delimitados os deveres dos administradores das companhias. Os próprios investidores, seja qual for seu nível de interesse na companhia, começaram a se tornar mais proativos, atuando de forma incisiva e se organizando para influenciar na administração diária das empresas.

99

ÁLVARES, Elismar; GIACOMETTI, Celso; GUSSO, Eduardo. Governança corporativa: um modelo brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 6.

51

Este movimento de organização teve grande força nos atos 1990, e foi liderado pelos investidores institucionais (fundos de pensão, companhias de seguro, bancos, etc) nos EUA, que se redescobriram como atores com força real nos conselhos de administração das companhias. Este ativismo teve seu ápice no final do século XX, quando se começou a discutir a regulação deste monitoramento. No entender de Álvares, Giacometti e Gusso (2008)100:

Porém, continua o debate sobre a eficácia e a pertinência do ativismo dos investidores institucionais. Os defensores dizem que o monitoramento beneficia a todos os acionistas indistintamente e incentiva os executivos a adotarem uma perspectiva de longo prazo, indo contra a tradicional tendência de curto prazo da gestão. Por outro lado, há aqueles que alegam que os investidores institucionais não devem ter papel relevante na governança corporativa, pois não têm expertise para aconselhar os gestores, é que seu ativismo deturpa o papel primário dos fundos de pensão, que seria a gestão dos ativos de seus beneficiários. Monk defende que os fundos de pensão públicos deveriam ser aliados de investidores ativos mais do que ativistas.

Williamson (1996)101 assim sintetiza o conceito dos custos de agência (custos de transação gerados pelo conflito de agência):

Jensen and Meckling define agency costs as the sum of ‘(1) the monitoring expenditures of the principal, (2) the bonding expenditures by the agent, and (3) the residual loss’ (1976, p. 308). This last is the key feature, since the other two are incurred only in the degree to which they yield cost-effective reductions and the residual loss. Residual loss is the reduction in the value of the firm that obtains when the entrepreneur dilutes his ownership. The shift out of profits and into managerial discretion induced by the dilution of ownership is responsible for this loss. Monitoring expenditures and bonding expenditures can help to restore performance toward pre-dilution levels. The irreducible agency cost is the minimum of the sum of these three factors.

100

ÁLVARES, Elismar; GIACOMETTI, Celso; GUSSO, Eduardo. Governança corporativa: um modelo brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 9. 101 WILLIAMSON, Oliver E. The mechanisms of governance. New York: Oxford University Press, 1996. p. 176.

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Existem diversas estratégias para minimizar os custos de agência. No entendimento de Easterbrook e Fischel (1996)102:

Firms try to deal with the agency costs of management by writing contracts that align managers´ interests with those of investors. Paying a worker a piece rate rather than a salary creates correct incentives if the employer can observe output more easily than effort – so too with bonuses to managers if the firm succeeds – but such arrangements do not work automatically. The principal may have difficulty in observing output, especially the product of managers. Even if output can be observed, it typically depends on factors other than one person´s performance, including the efforts of other managers and random events such as developments in the industry or the economy as a whole. Contracts that provide for periodic adjustments based on (imperfectly) observed effort and output are superior to contracts that fix compensation in advance of either effort or results. Adjustment by renegotiation is hard given the difficulty of monitoring the effort and measuring the output of individual managers. To reduce the costs of contracting, firms seek to minimize the number of renegotiations by choosing ‘imcentive-compatible’ arrangements, which link managers´ and investors´ fates automatically.

A questão é que existem diversas formas para afastar os conflitos de agência. A esposada acima trata de uma estratégia contratual. Trataremos de alguns modelos de estratégias contratuais adiante, ao estudar o tema da governança corporativa. No entanto, não podemos nos esquecer das estratégias regulatórias. São estratégias

que

decorrem

da

própria

lei

e

buscam

otimizar

a

relação

investidor/administrador, formando um ambiente cooperativo. Kraakman et al (2006)103 consideram as seguintes as estratégias regulatórias (regulatory strategies): rules and Standards; setting the terms of entry and exit; consideram, ainda, as seguintes as estratégias de governança: selection and removal; initiation and ratification; trusteeship and reward. Cabe, no entanto, ressaltar a respeito das estrratégias regulatórias (regulatory strategies), no dizer dos autores104:

102

EASTERBROOK, Frank H.; FISCHEL, Daniel R. The economic structure of corporate law. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1996, p. 257-258. 103 KRAAKMAN, Reinier, HANSMANN, Henry, et al. The anatomy of Corporate Law: A comparative and Functional Approach. 4. ed. New York: Oxford University Press, 2006, p. 23-26. 104 KRAAKMAN, Reinier, HANSMANN, Henry, et al. The anatomy of Corporate Law: A comparative and Functional Approach. 4. ed. New York: Oxford University Press, 2006, p. 28-29.

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The legal strategies Just described can in principle be deployed to deal with the agency problems presented by any type of organization. Our interest here, however, is in the distinctive ways that those strategies are deployed in the context of business corporations. The law does not apply legal strategies in the abstract but only in the specific regulatory contexts. (…)

Em suma, o que podemos dizer, é que a dispersão da sociedade compartilhada, o conflito de agência, atrapalha em muito um ambiente cooperativo e a atuação dos administradores. Obviamente, minimizado, as discussões no âmbito corporativo trarão benefícios. Para tanto é evidentemente necessário uma administração ética, pautada na boa-fé. Com um ambiente cooperativo, fica mais fácil aplicar a regulação legal e os princípios de governança corporativa. Todos os atores ganham com este processo.

3.3 Gestão, governança corporativa e responsabilidade social

Cada vez mais se fala em governança corporativa como modelo de gestão nas companhias. As mudanças no modo de gerenciamento administrativo das sociedades anônimas decorrem experiências e inovações que tornaram a gestão cada vez mais profissional. O gestor profissional, ao administrar a companhia, possui diversos deveres, como os já citados, de diligência, lealdade, etc. Ocorre que o conceito de governança corporativa transcende em muito esses deveres. A governança corporativa é, na realidade, um novo paradigma de administração de empresas, que deve ser entendido como o conjunto de ações que visam minimizar os conflitos de interesses entre os acionistas a estrutura gerencial da companhia. Não há, todavia, um conceito definitivo do que seja a governança corporativa, podendo ela, no entanto, ser entendida como um conjunto de medidas que visam minimizar o atrito entre os acionistas (minoritários ou mesmo os controladores) e aqueles profissionais que administram a companhia.

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Trata-se de uma providência extremamente positiva, pois aumenta o valor de mercado da companhia, maximiza os lucros e melhora sua imagem perante a comunidade (shareholders, stakeholders)105 e até o próprio mercado mobiliário), além de contribuir em diversas outras esferas. Sem dúvida, as práticas de governança corporativa guardam íntima relação com os próprios deveres dos administradores. A necessidade de definir boas práticas emerge da própria exigência do mercado, tornando a gestão corporativa muito mais preocupada com os efeitos das suas tomadas de decisão, o que a torna, portanto, mais responsável. São os ensinamentos de Corrêa-Lima (2005)106:

Aparentemente os próprios agentes de mercado se conscientizaram dos méritos da boa gestão societária (= governança corporativa) e da importância e força do acionista minoritário (não controlador) para o desenvolvimento da economia nacional.

Este conceito de boa gestão societária, conhecida como governança corporativa, há muito já é utilizado na doutrina norte-americana. No conceito de Williamson (1996)107:

Governance is also an exercise in assessing the efficacy of alternative modes (means) of organization. The object is to effect good order through the mechanisms of governance. A governance structure is the usefully thought of as an institutional framework in which the integrity of a transaction, or related set of transactions is decided.

O sentido é o mesmo, ou seja, buscar uma estrutura que permita um arcabouço de decisões saudáveis para a empresa, obviamente dentro dos deveres dos administradores e sempre com foco nos interesses sociais da companhia. Claro que os empresários e executivos de empresas percebem que a transparência e o compartilhamento de decisões, por exemplo, com os acionistas possibilitam obter capital em condições mais favoráveis para poder competir. 105

Segundo definição do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Shareholders correspondem a grupos que podem afetar ou serem afetados, de modo significativo, pela empresa, incluindo os próprios acionistas. Enquanto stakeholders são todas as partes interessadas que devem estar de acordo com as práticas de governança corporativa executadas pela empresa. São elas: os empregados, clientes, fornecedores, credores, governos, entre outros, além dos acionistas. 106 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade anônima. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 107 WILLIAMSON, Oliver E. The mechanisms of governance. New York: Oxford University Press, 1996. p. 11.

55

Existem, no entanto, diversos modelos de governança corporativa no mundo, sistematizados a partir de diferentes concepções e características, dependendo do padrão do mercado. Esses diversos modos de governança, fundados, embora, no padrão consensual de defesa dos interesses da companhia sob o império da ética e da boa fé, importam na formação de uma espécie de pedagogia administrativa, da qual emergem linhas de conduta consagradas pelo êxito que alcançaram. Há, na prática da administração das companhias, experiências que elucidam o melhor comportamento em circunstâncias determinadas. De qualquer forma, o dever do administrador de qualquer companhia é envidar todos os seus esforços para que os objetivos sociais sejam alcançados. É o que diz o já citado artigo 154 da LSA. Na verdade, podemos contextualizar este mecanismo como o correto uso de diversas ferramentas de que dispõe o administrador. Obviamente ele tem diversas responsabilidades. Veja-se o que o Código Brasileiro de Melhores Práticas de Governança Corporativa, editado pelo IBGC, nos diz a respeito da responsabilidade corporativa:

Conselheiros e executivos devem zelar pela perenidade das organizações (visão de longo prazo, sustentabilidade) e, portanto, devem incorporar considerações de ordem social e ambiental na definição dos negócios e operações. Responsabilidade corporativa é uma visão mais ampla da estratégia empresarial, contemplando todos os relacionamentos com a comunidade com que a sociedade atua. A ‘função social’ da empresa deve incluir a criação de riquezas e de oportunidade de emprego, qualificação e diversidade da força de trabalho, estímulo ao desenvolvimento científico por intermédio da tecnologia, e melhoria da qualidade de vida por meio de ações educativas, culturais, assistenciais e de defesa do meio ambiente. Inclui-se neste princípio a contratação preferencial de recursos (trabalho e insumos) oferecidos pela própria comunidade.

Percebemos, assim, que a natureza do que se entende por responsabilidade corporativa ultrapassa o âmbito legal, e até mesmo administrativo e estatutário, envolvendo obrigações éticas, em atendimento aos anseios da comunidade. Estas exigências da comunidade, cada vez mais atenta às decisões tomadas dentro das empresas, formam ambiente fértil para o desenvolvimento das ferramentas de governança corporativa. Neste

cenário,

torna-se

a

governança

corporativa

um

mecanismo

extremamente interessante de gestão, constituindo, inclusive, um bem intangível

56

pertencente à empresa, mormente quando se consegue atingir níveis reconhecidos pelo próprio mercado, como a negociação de valores mobiliários em mercados que exigem certos níveis de governança (por exemplo, o Novo Mercado da Bovespa). Nunca é demais lembrar que a empresa é um dos atores que participam do contexto social. Devido à construção de inúmeros vínculos com a comunidade onde se insere, a companhia se insere em um âmbito em que não pode fugir da responsabilidade social. Daí surge a necessidade de, além de possuir uma administração que esteja profundamente voltada para o atingimento do objeto social, empenhada em estratégias conjuntas para tal, também estar envolvida na relação da sociedade ao seu redor. Ou seja: a comunidade que a cerca. Vale, aqui, citar Whitaker108:

Os líderes empresariais descobriram que a ética passou a ser um fator de competitividade. Por isso, é crescente a preocupação, entre os empresários brasileiros, com a adoção de padrões éticos para suas organizações. Sem dúvida, os integrantes dessas organizações serão analisados através do comportamento e das ações por eles praticadas, tendo como base um conjunto de princípios e valores. Da mesma forma que o indivíduo é analisado pelos seus atos, as empresas (que são formadas por indivíduos) passaram a ter sua conduta mais controlada e analisada, sobretudo após a edição de leis que visam a defesa de interesses coletivos. A credibilidade de uma instituição é o reflexo da prática efetiva de valores como a integridade, honestidade, transparência, qualidade do produto, eficiência do serviço, respeito ao consumidor, entre outros.

Pode-se observar que há, realmente, crescente preocupação na aplicação de valores éticos na condução dos negócios. Isso é positivo no momento em que a empresa assume o papel que seria do Estado, solucionando problemas que o ente governamental não tem conseguido, se inserindo no cerne da comunidade onde atua. Está demonstrado que, além da importância da ética e responsabilidade no contexto da administração societária, esta acaba por se tornar um bem intangível da 108

WHITAKER, Maria do Carmo. Ética empresarial: Novo campo de atuação do advogado. Mundo Jurídico. Disponível em: . Acesso em: 21 ago. 2008.

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companhia, com reflexos em marketing, receitas indiretas, e até a satisfação pessoal dos indivíduos que compõem a estrutura administrativa ou operacional. Com uma administração da sociedade baseada em pilares da ética, até a responsabilização dos administradores, por eventuais prejuízos, se torna mais rara, ficando muito mais fácil cumprir os deveres que lhe são impostos. A questão da responsabilidade social e da ética na administração dos negócios pode parecer um discurso utópico, mas tem tido cada vez mais importância nos debates concernentes às sociedades. No dizer de Sztajn109:

O estudo do Direito Societário, em geral, costuma levar em conta uma de uas vertentes: aspectos da organização interna, isto é, as relações dos sócios entre si e destes com os administradores e assessores/conselheiros da sociedade, ou, de outro lado, as relações externas, da pessoa jurídica com terceiros não sócios, fisco, empregados, fornecedores, consumidores, credores em geral. As relações externas, objeto do presente, pretndem avançar em outro campo, o das relações com a comunidade, credora de alguma forma, por práticas da sociedade. Ignorando o limite usual das relações da pessoa jurídica sociedade com seus credores diretos, imediatos, abordar-se-á o ângulo da responsabilidade social que tem ganho, a cada dia, importância nas preocupações da comunidade.

Podemos perceber, nas palavras da brilhante professora citada acima, que o debate tem transcendido as instituições para se inserir no cerne da sociedade. Isto é um evento extremamente relevante, pois não podemos falar em responsabilidade civil de administradores, ou até da sociedade, sem tratar dessa responsabilidade para com a comunidade. Trata-se de um efeito muito maior que a mera responsabilidade civil, perante a instituição e acionistas. É abrangente, passando a companhia a ter um papel relevante nas relações sociais. A brilhante professora continua, adiante110:

109

SZTAJN, Rachel. A responsabilidade social das companhias. In: Revista de Direito Mercantil-114, p. 34. 110 SZTAJN, Rachel. A responsabilidade social das companhias. In: Revista de Direito Mercantil-114, p. 40-41.

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É certo que a administração das sociedades está mudando. Os empresários descobriram a estreita ligação que há entre demonstrar responsabilidade social e resultados financeiros, entre atender a expectativas dos empregados, comunidade local e lealdade ao empregador e aos produtos e serviços oferecidos no mercado. Que maximizar o retorno dos acionistas depende, agora, de manter políticas que demonstrem a inserção real da empresa na comunidade. Nota-se que o público e os stakeholders passaram a requerer mais das companhias além da produção de resultados financeiros positivos. Há credores da ação social que se revelam quando preferem adquirir produtos de ‘marcas do bem’ ou oferecidos por sociedades com responsabilidade social. Exemplo da idéia de marcar o produto com alguma ação voltada para a comunidade é a informação encontrada em muitas áreas verdes da cidade que são conservadas por certa sociedade; outra forma, eventual, é a propaganda do guaraná Antártica durante o mês de dezembro de 1998, em que prometeu doar parte do preço da venda do refrigerante a uma instituição mantenedora de crianças carentes. Outra, ainda, aquela da cadeia McDonald´s que, periodicamente, transfere o resultado de um dia de vendas para alguma instituição que cuide de necessitados ou enfermos. A prática reiterada e consistente de tais políticas depende de decisões administrativas que devem encontrar eco na maioria dos sócios, daí o exercício do poder de controle ser relevante para a tomada e manutenção da responsabilidade social.

Não há como sintetizar melhor a mudança de paradigma que vem ocorrendo no âmbito das empresas. Cada vez mais preocupadas com a comunidade que as cerca, estas vêm se estruturando de forma a reverter suas ações em ganhos reais, seja no próprio mercado, seja na sua imagem e merchandising. A própria comunidade, e os investidores, passaram a exigir mais ações voltadas para este tipo de resultado das companhias. Este processo é extremamente interessante e benéfico, pois tem trazido maior transparência, ética e elementos

extremamente

interessantes

para

o

âmbito

administrativo

das

companhias. Tais iniciativas podem, inclusive, trazer mais os acionistas minoritários e outros stakeholders a se aproximarem do ambiente administrativo da sociedade, inclusive compondo o conselho de administração, algo que traz pluralidade e maior ambiente democrático para decisões de extrema importância para a companhia.

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Necessário tecermos comentários, ainda, a respeito do termo “corporate responsability” cunhado na doutrina norte-americana, interessante anotar a definição de Manne e Wallich111:

Corporations today are being asked to do a host of things. They are to turn out useful products, at a reasonable price, that give reliable service, do not damage the environment, and are easy to dispose of. In producing these goods and services, corporations are to treat their workers well, avoid discrimination, avoid pollution, conserve resources, pay taxes, and observe a variety of laws covering these and other matters. They are to contribute to society´s goals in areas outside or only marginally related to their own business, such as education, urban renewal, and good government. In what sense, and under what conditions, can these inherently desirable objectives can be considered ´corporate responsabilities´, and who or what makes them so? I take ´responsibility´ to mean a condition in which the corporation is at least in some measure a free agent. To the extent that any of the foregoing social objectives are imposed upon the corporation by law, the corporation exercises no responsibility when it implements them. Even so, compliance with the law can be generous or niggardly; there are borderlines and grey areas where the corporation can make decisions and exercise responsibility. In the areas of production, of relations with labor, suppliers, and customers, the corporation is under the control of the market. In the fundamental sense, it cannot freely determine the kind of product customers are to buy, or its price, or the wages to be paid. Again, there are ranges of discretion. The larger the corporation, the greater the freedom to vary product, price, and wages. Opinions differ as to the extent to which a corporation, by advertising, can condition its customers and achieve acceptance of socially undesirable products. Nevertheless, it seems clear, for instance, that an advanced-type car that met maximum safety and anti-pollution standards would not be commercial success if it had to be sold in completion with ordinary cars at a price covering the extra-cost. Neither could a corporation obtain labor at wage rates substantially below what other firms in the same industry are paying.

A observação dos autores acima citados é extremamente interessante. Vemos claramente que, não obstante a responsabilidade social ser algo extremamente importante para toda a comunidade, e constituir bem intangível da sociedade, ela se submete às regras do mercado.

111

MANNE, Henry G. and WALLICH, Henry C. The Modern Corporation and Social Responsibility. Rational Debate Series: American Enterprise Institute for Public Policy Research. Library of Congress, Washington, DC. 1972, p. 39-41.

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O que percebemos hoje em nosso país é algo que já ocorreu em outros mercados, principalmente nos Estados Unidos. Ou seja, uma maior exigência por parte do mercado em questões que visam à comunidade de trabalhadores organizados (sindicalizados), investidores institucionais, meio-ambiente. Isso tudo agrega valor às companhias que podem dizer que tem práticas responsáveis socialmente, principalmente a que se inserem em códigos da chamada governança corporativa. Claro que isso tem conseqüências diretas na responsabilidade dos administradores que, agindo dentro das políticas da companhia, quanto mais quando o próprio estatuto contiver mecanismos éticos, tem menos chances de serem responsabilizados pois, claro, tem menos chances de gerar prejuízos às empresas. Isso porque, entendemos que a própria responsabilidade social da empresa e uma administração ética, passa pela confecção de mecanismos próprios de controle e ferramentas de governança, que já citamos alhures.

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4 DA RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR

4.1 Dos riscos inerentes à atividade e dos atos dos administradores passíveis de responsabilização

O art. 927 do Código Civil brasileiro assim preceitua: “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, é obrigado a repará-lo”. Necessário tratarmos, antes de qualquer discussão, da concepção clássica dos atos ilícitos civis. Braga Netto (2003)112 leciona que:

Aludimos, já na introdução, que o referencial clássico associa à ilicitude civil a culpa, o dano e o dever de indenizar. São elementos sem os quais – pensa-se – é impossível a formação de um ilícito civil. São fartas, nos livros de doutrina, as menções a tais conceitos, quando se analisam os ilícitos civis. Aliás, não é sem significação o uso, quase sempre no singular, do termo ilícito civil, e não ilícitos civis, expressão essa que denota um gênero de várias espécies.

Não obstante a delimitação que faremos dos riscos inerentes à atividade e dos conceitos que guardam estreita relação com estes, o conceito de ilícito civil é importante para verificarmos a partir de qual ponto, e em que situações, há responsabilidade civil e, portanto, dever de indenizar. Antes de tratarmos dos riscos inerentes à atividade administrativa, há que se definir o conceito de ilicitude. Ensina-nos o grande civilista MIRANDA113 que “quando o fato contrário a direito acontece e alguém responde por ele, há ilicitude”. E continua, adiante114:

Os atos ilícitos stricto sensu, a que chamamos, de ordinário, apenas atos ilícitos, são os delitos, delitos de direito penal e delitos de direito privado, ou de algum ramo do direito público sem ser o penal. O mesmo suporte fáctico pode ficar sob a incidência de duas ou mais regras jurídicas, donde, com o mesmo ato, ter o agente de sofrer pena criminal, indenizar e sofrer perda do pátrio poder, ou de cargo público, ou de outro direito.

112

BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Teoria dos ilícitos civis. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 81. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, v. 2, p. 193. 114 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, v. 2, p. 202. 113

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Assim, temos que os atos ilícitos civis são aqueles contrários ao direito. São os delitos de direito civil, contrários à ordem jurídica e que, obviamente, têm efeitos e conseqüências, dependendo do seu grau de reprovabilidade. Necessário, assim, distinguirmos a causa dos atos, ou a culpa propriamente dita, o que faremos a seguir. O conceito de culpa e o seu elemento fático nos são dados de forma magistral por um dos maiores doutrinadores do direito privado brasileiro, Miranda (1954)115, a saber:

A culpa é inconfundível com a contrariedade a direito. Opera, no suporte fáctico, como plus. Culpa tem quem atua, positivamente, ou negativamente, como causa evitável de algum dano, ou infração. Há, no conceito, implícita, a reprovação, posto que haja culpa de atos não reprováveis e, até, de atos dignos de louvor.

E ainda116: Na mentalidade primitiva, tudo tem o seu criador, o causador, o que fez cair (casus, causa, culpa). Só posteriormente se baixou à psique humana, em seus processos interiores, para se apurar a culpa de cada um, a respeito de cada caso. O tratarem-se diferentemente o causador culpado e o causador não culpado já atendeu a sutileza psicológica, a que não chegara o direito primitivo. As sociedades mais desenvolvidas criaram tipos de homens em que a conduta seria padrão; por êsse padrão haviam-se de julgar os homens concretos. A negligência é o desvio em relação ao tipo normal, abstrato, que se procurou definir em termos de referência a homens concretos; o dolo, o desvio maior.

O que Pontes de Miranda denomina “culpa” é a nossa hoje chamada culpa lato sensu. À culpa stricto sensu, o grande civilista chama de “negligência”. Hoje nossa doutrina reconhece, ao lado da negligência, a imperícia e a imprudência. Corrêa-Lima (1989)117 assim sintetiza o entendimento de outro grande civilista, Pereira (1961)118, a respeito da doutrina dos atos ilícitos:

115

MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, v. 2, p. 245. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, v. 2, p. 247. 117 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 90-91. 118 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1961, v. 1, cap XXIII, p. 456-461 apud CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 90-91. 116

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Ao tratar do ato ilícito, o Prof. Caio Mário enumera, como requisitos deste: a) uma CONDUTA, que se configura na realização intencional ou meramente previsível de um resultado anterior; b) a VIOLAÇÂO DO ORDENAMENTO JURÍDICO, caracterizada na contraposição do comportamento à determinação de uma norma; c) a IMPUTABILIDADE, ou seja, a atribuição de resultado antijurídico à consciência do agente; d) a PENETRAÇÂO DA CONDUTA NA ESFERA JURÍDICA ALHEIA, pois enquanto permanecer inócua, desmerece atenção do direito. Linhas adiante, o mesmo professor enumera os requisitos essenciais da responsabilidade civil; a) em primeiro lugar a verificação de uma CONDUTA ANTIJURÍDICA, que abrange comportamento contrário a direito, seja por comissão ou por omissão, sem necessidade de indagar se houve ou não o propósito de malfazer; b) em segundo lugar, a existência de um dano, tomada a expressão no sentido de lesão a um bem jurídico, seja este de ordem material ou imaterial, de natureza patrimonial ou não patrimonial; c) e em terceiro lugar, o estabelecimento de um NEXO DE CAUSALIDADE entre uma e outro, de forma a precisar-se que o dano decorre da conduta antijurídica, ou, em termos negativos, que sem a verificação do comportamento contrário a direito não teria havido o atentado ao bem jurídico.

A respeito da culpa latu sensu, tem-se a doutrina de MIRANDA119, que trata da culpa in contrahendo da seguinte forma:

Assim, podemos ter o conceito de culpa in contrahendo. Culpa in contrahendo é toda infração do dever de atenção que se há de esperar de quem vai concluir contrato, ou de quem levou alguém a concluí-lo. O uso do tráfico cria tal dever, que pode ser o dever de verdade, o dever de diligência, no exame do objeto ou dos elementos para o suporte fáctico (e. g., não deixar que o documento caia da janela e se perca), exatidão no modo de exprimir-se, quer em punctações, anúncios, minutas ou informes. Cf. Tomos II § 225, 8; III, § 309, 2; IV §§ 383, 3, 8, 412, 4; V, § 543, 9; VI, § 638, 4. Primeiramente, havemos de repelir a teoria do contrato tácito de responsabilidade, bem como a teoria da responsabilidade por analogia. O que em verdade se passa é todos os homens têm de portar-se com honestidade e lealdade, conforme os usos do tráfico, pois daí resultam relações jurídicas de confiança, e não só relações morais. O contrato não se elabora a súbitas, de modo que só importa a conclusão, e a conclusão mesma supõe que cada importe a conclusão mesma supõe que cada figurante conheça o que se vai receber ou o que vai dar. Quem se dirige a outrem, ou invita outrem a oferecer, ou expõe ao público, capta a confiança indispensável aos tratos preliminares e à conclusão do contrato. Não há, porém, contrato tácito, nem negócio jurídico unilateral, que esteja à base da relação jurídica de confiança (sem razão, H. Stoll, Die Haftung für 119

MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, v. 38, p. 320-321.

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das Verhalten während der Vertragsverhandlungen, Leipziger Zeitschrift, 23, 532). O que há é dever de segurança do tráfico, como há o dever de não pôr nos caminhos objetos que possam provocar quedas, de guardar os animais e de fechar as torneiras na casa que se visita, ou nos bares ou nos restaurantes, ou em qualquer parte.

A partir da leitura do texto citado acima, podemos concluir que o grande civilista entende ser a culpa um conceito oriundo da criação de alguma relação jurídica. Num contrato, há culpa quando uma parte age em infração ao dever e obrigação criados. Assim, se distingue claramente a culpa do erro, pois o erro ocorre quando não há infração, mas simples engano quanto ao cumprimento daquela obrigação ou, no caso do erro de direito, engano sobre o direito aplicável à espécie. Segundo Bragga Netto (2003)120, a culpa é elemento necessário para a existência de um ilícito civil e, portanto, para o dever de indenizar:

A culpa, nos ilícitos civis, sempre recebeu lugar de destaque. O referencial teórico tradicional não admite que se fale em ilícitos civis sem mencionar a culpa. Assim, somente a violação culposa de um dever jurídico caracterizaria a ilicitude civil121.

A boa-fé se presume. Em nosso ordenamento jurídico atual, em toda a jurisprudência que trata do tema, são amplas as fontes que entendem ser ela objetiva, com base no Código de Defesa do Consumidor. Assim, no âmbito do tratamento das sociedades, também não pode deixar de ser presumido que se age em boa-fé, caso inexista culpa. Ainda que a culpa seja bem delimitada, há uma dicotomia entre a culpa inconsciente e a culpa consciente. Esta diferenciação é oriunda do direito penal e nos demonstra existir uma gradação ampla de culpabilidade, seja qual for a ação ou omissão praticada. Tal análise, ainda que extremamente subjetiva, não depende unicamente do resultado, e sim do animus daquele que age imbuído da culpa.

120

BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Teoria dos ilícitos civis. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 82. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 417 apud BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Teoria dos ilícitos civis. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 82. 121

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Importante, ainda, trazer a dualidade entre dolo e culpa, sintetizada da seguinte forma por Miranda (1954)122, in verbis:

A dicotomia mais importante é entre dolus e culpa. No latim e no grego, o étimo de dolus refere-se a ardil, astúcia, malícia, engano, tal como é o sentido do direito romano. Talvez alusão a isca, ou engodo para caçar, ou pescar, a pau de ponta. A reprovabilidade moral não era essencial ao conceito; provou-o A. PERNICE (Labeo, II, 2ª ed., 136), com os cômicos. Persistiu o sentido no direito, o que bem se revela na expressão dolus malus. De modo que não era só maldade que era dolo (´sciens dolo malo´ está na fórmula; cf. L. MITTEIS, Römisches Privatrech, I, 316s.). O conceito restingiu-se quando se fêz dolo o contrário de boa-fé (bona fides). Já não é só a violação das leis, ou dos direitos subjetivos, mas todo procedimento que contrarie o princípio da confiança nos outros. A expressão dolus generalis corresponde a êsse sentido, que começara a aparecer nos tempos republicanos e se acentuou nos tempos clássicos. Tal evolução se observou, depois, em todo o direito civil. Culpa, que, na linguagem dos leigos, se empregava no sentido de causação objetiva, fez-se, na linguagem jurídica, o determinar com inserção subjetiva. Nova restrição de sentido. Daí, em sentido mais amplo, também abranger o dolo (cf. CÍCERO, De Legibus 3, 4, 11 e muitos exemplos em A. PERNICE, Labeo, II, 2, 2ª ed., 8, nota 5). Êsse foi, por certo, anterior. Depois que ´qui casu´, em ´qui casu commiserit´ das XII Tábuas, Gaio intercalou ´ed est neglegentia´ (L. 9, D., de incêndio ruína naufrágio rate nave expurgnata, 47, 9), o que mostra, já então, ser mais estrito o sentido.

Assim, fica claro que o conceito de dolo é exatamente o oposto de boa-fé. Aquele que age em boa-fé, dentro do que se pode exigir de confiança nos negócios jurídicos (ou nos fatos jurídicos, na doutrina de Pontes de Miranda), jamais pode estar imbuído de dolo, pois este é exatamente o oposto, é a má-fé, ou todo o procedimento que contrarie o princípio da confiança nos outros, como quer dizer Miranda. Quanto à culpa, em sentido amplo, engloba o dolo, por ser uma contrariedade ao direito. Mas em sentido estrito, significa a ação ou omissão voluntária, por negligência, imprudência ou imperícia. Da ampla gradação que pode existir numa ação culposa lato sensu é que surge a necessidade de se determinar, com efeito, os elementos subjetivos que formam a culpa.

122

MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, v. 2, p. 247248.

66

Antes, porém, necessário citar a conclusão sintética que Miranda (1954)123 faz a respeito do dolo, a saber:

Dolo é a direção da vontade para contrariar o direito. No suporte fáctico, estão o ato, positivo ou negativo, a contrariedade a direito, e a direção da vontade que liga aquêle a essa. Não só o agente atua e contraria a direito: quer que o ato contrarie a direito; ou quer contrariar a direito, e atua para isso. Sabe que o ato (ou omissão) contraria a sua promessa, viola o direito, a pretensão, a ação ou exceção do seu credor, e pratica-o para contrariar a direito. A lei veda-lhe algum ato, ou omissão, e quer violá-la, praticando-o, ou omitindo. Não é preciso que o agente queira as conseqüências do ato, ainda que sejam próprias desse. Nem que as preveja. Basta querer o ato contrário ao direito.

Assim, percebemos que é suficiente o “querer” violar. Não se trata de um ato contrario à moral, mas necessita estar imbuído de vontade em violar o direito. O agente quer que seu ato seja contrário. Quanto ao erro de direito ele se distingue do dolo, segundo Pontes de Miranda124 na medida em que “Não atua com dolo o que atua crendo fazê-lo em estado de necessidade ou de legitima defesa. O erro de direito pré-exclui tratar-se de dolo”. E adiante125:

[...] Trata-se, porém, da ignorância da regra jurídica e não das conseqüências da infração dela. Aí, há contrariedade a direito, mas a ligação do ato a ela não se pode dar porque se ignora o direito e, pois, a contrariedade a ele. [...]

Portanto, entendemos que, quem age em erro de direito, pode ser responsabilizado como se agisse em negligência. Daí a necessidade de tratar dos diversos graus de negligência (ou culpa stricto sensu) que podem existir. Como já anotado supra, na doutrina de Pontes de Miranda, o que chamamos de culpa stricto sensu, é chamado apenas de negligência, tanto que a categoriza entre negligência consciente e inconsciente, caracterizando a culpa lato sensu separada em negligência e dolo.

123

MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, v. 2, p. 247248-249. 124 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, v. 2, p. 251. 125 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, v. 2, p. 251.

67

É importante, de qualquer forma, transcrever o entendimento deste grande mestre a respeito dos graus de negligência, a saber126:

Na negligência pura, o agente praticou o ato, ou omissão, sem querer o resultado contrário a direito: faltou, de sua parte, o cuidado que havia de ter, no trato com os outros homens e seus interesses. A negligência pode ser ligada à imprevisão do resultado contrário a direito, posto que fosse ele de prever-se; ou não ligada à imprevisão: então, o agente previu o resultado, e não no evitou, ou porque não o previu tão grave, ou o só previu como pouco provável, ou porque não quis apurar até que ponto era provável. Na primeira espécie, diz-se inconsciente a negligência; na segunda, consciente. Numa e noutra, há falta de cuidado, de amor, de carinho, de atenção. Negligência é descuidar-se; [...].

Não podemos deixar, neste momento, de trazer à discussão a teoria da imputação objetiva, oriunda do direito penal e que será mais detalhada adiante, na boa doutrina de Greco (2007)127:

E a teoria da imputação objetiva complementa ambas as dimensões de desvalor com novos aspectos. O desvalor da ação, até agora subjetivo, mera finalidade, ganha uma face objetiva: a criação de um risco juridicamente proibido Somente ações intoleravelmente perigosas são desvaloradas pelo direito. Também o desvalor do resultado é esquecido: nem toda causação de lesão a bem jurídico referida a uma finalidade é desvalorada; apenas o será a causação em que se realize o risco juridicamente proibido criado pelo autor. Ou seja, a imputação objetiva acrescenta ao injusto um desvalor objetivo da ação (a criação de um risco juridicamente desaprovado), e dá ao desvalor do resultado uma nova dimensão (realização do risco juridicamente desaprovado).

A questão da imputação objetiva será objeto de maior análise adiante, mas é relevante questionar, neste ponto, se a ação eventualmente negligente, ou dolosa, ausente de boa-fé ou erro de direito, cria realmente um risco juridicamente proibido. O administrador que se aventura em âmbito extremamente complexo, em decisões que são tomadas absurdamente rápidas, de forma dinâmica, estaria criando (com suas ações ou omissões) um risco inerente à própria atividade ou o risco seria algo que poderia ser juridicamente relevante e desaprovado?

126

MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, v. 2, p. 253. GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris: 2007, p. 12.

127

68

Tal questão só pode ser respondida a partir de uma profunda análise do ato do administrador. A decisão informada, cumprindo os deveres de diligência e lealdade, pautada na boa-fé, dentro dos interesses da companhia, entendemos estar encampada, ainda que seja arriscada. Isso porque a desaprovação jurídica do risco criado (e conseqüentemente do resultado obtido) só ocorre quando o risco não é inerente à própria atividade. Claro que não deixa de ser tema absolutamente melindroso, pois quando colocamos o prejuízo como corolário para responsabilização civil, volta-nos a questão de se ele é suficiente para a reparação ou se existe necessidade de haver um ato ilícito (culposo ou doloso) e um nexo de causalidade o prejuízo para que exista o dever de indenizar. Na doutrina de Braga Netto (2003)128:

É o ilícito que produz como eficácia o dever de indenizar. Ressaltese, porém, que no dever de indenizar pode estar compreendido o dever de ressarcir, que aliás deve ser priorizado. Denota, de qualquer sorte, o dever do agressor de recompor a esfera jurídica do agredido. É, sob o prisma sociológico, o efeito que presumivelmente mais importa ao ofendido, porquanto possibilita restaurar, na medida do possível, seu patrimônio jurídico, atingido com a violação. As demais eficácias, em princípio, não se prestam a isso, senão indiretamente.

Assim, temos que tal ilícito, producente do dever de indenizar (ou de ressarcir) que nos importa no presente estudo, tendo ele a eficácia de reformular o patrimônio do ofendido, já que trabalharemos com a idéia de um risco de prejuízo criado pela administração societária – ou efetivado. É de suma importância termos a idéia dos elementos da responsabilidade civil. Seja esta específica em relação aos administradores, seja na concepção civilista, no Còdigo Civil Brasileiro (CCB)129, nos dizeres de GONÇALVES130:

O art. 186 do CódigoCivil consagra uma regra universalmente aceita: a de que todo aquele que causa dano a outrem é obrigado a reparálo. Estabelece o aludido dispositivo legal, informativo da responsabilidade aquiliana:

128

BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Teoria dos ilícitos civis. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 101. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 130 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 32. 129

69

‘Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito’. A análise do artigo supratranscrito evidencia que quatro são os elementos essenciais da responsabilidade civil: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade, e o dano experimentado pela vítima.

Fica claro, pois, que é necessária a concretização destes elementos para fim de caracterização da responsabilidade civil. O autor prossegue, tratando da ação ou omissão ilícita como infração de um dever131:

O elemento objetivo da culpa é o dever violado. Para Savatier, ‘culpa é a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar’132. A imputabilidade do agente representa o elemento subjetivo da culpa. Clóvis Beviláqua, ao conceituar a culpa, põe em relevo o seu elemento objetivo: ‘Culpa em sentido lato, é toda violação de um dever jurídico’133. Para Rabut, ‘o estudo da jurisprudência não permite dúvida alguma sobre a existência de um primeiro elemento da culpa: ela supõe a violação de um dever anterior’134. Segundo Marton, a responsabilidade é necessariamente uma reação provocada pela infração a um dever preexistente. A obrigação preexistente é a verdadeira fonte da responsabilidade, e deriva, por sua vez, de qualquer fator social capaz de criar normas de conduta135. Qual a natureza do dever jurídico cuja violação induz culpa? Em matéria de culpa contratual, o dever jurídico consiste na obediência ao avençado. E na culpa extracontratual, consiste no cumprimento da lei ou do regulamento. Se a hipótese não estiver prevista na lei ou no regulamento, haverá ainda o dever indeterminado de não lesar a ninguém, princípio este que, de resto, acha-se implícito no art. 186 do Código Civil, que não fala em violação da ‘lei’, mas usa de uma expressão mais ampla: violar ‘direito’.

Fica claro, enfim, que o dever de indenizar nasce destes elementos descritos. Destaquemos duas questões importantes para o presente estudo: (I) o fato de o nascedouro do ato ilícito ser a infração a um dever, ressalte-se que os deveres dos 131

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 35-36. SAVATIER. Traité de la responsabilité civile em droit français, v. 1, n. 4 apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 36. 133 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil comentado, obs. N. 1 ao art. 1.057 apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 36 134 RABUT. De la notion de faute em droit prive, p. 26 apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 36 135 MARTON. Les fondaments de la responsabilité civile, Paris, 1938, n. 84, p. 84 apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 36 132

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administradores estão expressamente relevados na LSA; (II) a culpa no âmbito das companhias não é contratual, tendo prevalecido a teoria organicista, decorre da lei e do estatuto social, tanto que os próprios deveres aludem ao estatuto e a lei é plenamente aplicável. Este é exatamente o dizer da própria LSA, em seu artigo 158, in verbis:

Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II – com violação da lei ou do estatuto. §1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com elefor conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, ao coelho fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia geral. §2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não-cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles. §3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o §2º ficará restrita, ressalvando o disposto no §4º, aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres. §4º O administrador que, tendo conhecimento do não-cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do §3º, deixar de comunicar o fato à assembléia geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável. §5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer com a prática de ato com violação da lei ou do estatuto.

Cuida o art. de estabelecer a independência do administrador para assumir obrigações em nome da empresa, entendida essa autonomia como decorrência natural do exercício da gestão. Por esses atos, desde que dentro dos limites

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reconhecidos da gestão, não resultam para o administrador em responsabilidade pessoal. Outra, porém, é a situação, se o administrador, ainda que dentro de suas atribuições, age com culpa ou dolo ou em violação da lei ou do estatuto. O artigo em comento trata especificamente da ação e da omissão do administrador, de forma a responsabilizá-lo pelas conseqüências de seu ato não só quando o pratica, mas também quando, ciente do ato de terceiro, mesmo que também administrador, não impede, por omissão, a sua prática ou não se empenha para descobri-lo, se dele tiver conhecimento antecipado. A divergência registrada em ata, tanto quanto, se isto for impossível, a comunicação escrita e tempestiva de sua discordância aos órgãos superiores de administração coletiva da empresa, isenta-o de responsabilidades pelos danos. Os §§2º e 3º tratam da responsabilidade coletiva dos administradores, salvo quando específicas as obrigações estabelecidas no estatuto das sociedades abertas. Estas especificações parecem-nos necessárias para ressaltar a forma abrangente de que se valeu o legislador para determinas as responsabilidades do administrador e ao mesmo tempo o modo de afastar-se o mesmo da imputabilidade por ato de terceiro.

4.2 Da responsabilidade civil dos administradores

A questão tormentosa e difícil da responsabilidade civil dos administradores encontra-se intimamente ligada à delimitação de seus deveres como membros da estrutura administrativa da companhia136. É questão tão melindrosa que deve ser aplicada com extremo cuidado, sob pena de desencorajar homens probos e honestos a exercer a atividade de administradores de sociedades. Esse cuidado ocorre principalmente no sistema de common law. No dizer de Corrêa-Lima (1989)137:

136

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 89-90. 137 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 99-100.

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Alguns julgados norte-americanos parecem confirmar a opinião segundo a qual o critério de responsabilização de administradores de sociedades anônimas deveria ser menos rigoroso que o de apuração da responsabilidade civil em geral (torts). Segundo esses julgados, a exigência de um padrão de conduta por demais elevado desencorajaria homens honestos de servir como administradores de companhias. Numa dessas decisões lê-se o seguinte: ‘Se o teste da negligência, que é aplicável no campo da responsabilidade civil ou no campo dos direitos reais fosse similarmente aplicável nos campos dos negócios ou das atividades bancárias, seria realisticamente muito difícil assegurar os serviços de administradores de companhias hábeis e experientes. Essas pessoas raramente aceitariam um cargo de administração se pudessem ser consideradas responsáveis por qualquer negócio ou cada erro de julgamento’ (If the testo f negligence which is applicable in the field of torts or in the Estate Field were similarly applicable in the business or banking Field, it would realistically be very difficult IF not almost impossible to secure the services of able and experienced corporate directors. Such persons would rarely every accept a directorship if they could be held liable for every ‘bad’ account or every mistake of judgement)138. Cary chega mesmo a denunciar o que ele denomina de ‘síndrome de Delaware’, ou seja, a existência de um baixíssimo padrão de existência da justiça do Estado de Delaware para casos de responsabilidade civil de administradores de companhias139. Todavia, a regra, naquele país, parece ser a de um rigorismo judicial na apuração da responsabilidade civil dos administradores de companhias. Lá, todas as vezes que o legislador interveio na matéria foi para mitigar o rigor dos juízes.

Interessante, ainda, notar a diferenciação que Corrêa-Lima (1989)140 faz entre os modelos de abordagem da responsabilidade civil entre os sistemas common law e civil law:

Em ambos os esquemas, relacionam-se as noções de culpa e dever. Contudo, no esquema de civil law, a ênfase recai na noção de culpa, afastadas as distinções sutis entre esta e dolo. No esquema da common law, a ênfase recai na noção de dever ou deveres, o que torna necessária a explicitação analítica destes. A Lei n. 6.404/1976, quanto a esse assunto, é mestiça. Enfatizou ambas as noções. Enfatizou a noção de culpa, ressuscitando as 138

Smith versus Brown. Borhek Co. (414, Pa. 325, 200 A. 2d. 398), 1964, apud CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 99. 139 CARY, Federalism and Corporate Law, in Yale Law Journal, 83, n. 4 (1974), apud CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 100. 140 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 98.

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distinções sutis entre dolo e culpa, quando a elas se referiu expressamente141. E enfatizou a noção de deveres, ao dar ao assunto um tratamento detalhado, analítico e casuístico.

Assim, vemos que a LSA é de excelente técnica ao contemplar o paradigma legislativo brasileiro (civil law), não deixando de reafirmar a noção de culpa e dolo do CCB, ao mesmo tempo trazendo corolários do sistema da common law, o que importa em uma análise profunda dos deveres dos administradores. Tal técnica é extremamente interessante, no momento em que consegue unir noções de ambos os sistemas e permite uma aplicação extremamente responsável da responsabilidade civil aos administradores. O excelente doutrinador continua, adiante142:

Uma meticulosa comparação dos direitos, brasileiro e norteamericano, neste particular, autoriza a concluir, em suma, que no Brasil o rigor da lei procura compensar a benevolência dos juízes, ao passo que nos Estados Unidos o legislador tem procurado mitigar o rigorismo dos magistrados. Até que ponto a legislação interfere na mentalidade dos juízes, e até que ponto os juízes influem na explicitação do Direito? Eis um questionamento simultaneamente difícil e apaixonante. E subjacente a essa questão acha-se uma outra, mais profunda: o Direito é uma realidade dada ou uma realidade procurada? Não nos anima o propósito de tentar responder a essas indagações, senão o de apresentá-las, para ulteriores reflexões. Todavia, quaisquer que sejam as respostas, não há como negar a relevância do papel pedagógico da atividade judicial em tema de responsabilidade civil. Talvez em poucas áreas do Direito a responsabilidade do poder judiciário seja tão grande, nobre e importante. A reparação de prejuízos é relevante, sem dúvida. Porém muito mais importante é a função pedagógica dos julgados nessa área.

De qualquer forma, trataremos da questão do comportamento do judiciário adiante, quando estudarmos os aspectos processuais da responsabilidade civil, do caráter dos julgados. Mas é interessante notar as diferenças que geram os paradigmas de aplicação da responsabilidade civil, nos Estados Unidos e no Brasil.

141

LSA, Art. 158. CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 101. 142

74

Ainda que a responsabilidade civil dos administradores seja regulamentada pela LSA, esta se ajusta aos princípios da responsabilidade civil delineados pelo Código Civil, apenas adaptando-se às particularidades da sua função. Nos dizeres de Gomes (1972)143:

Em termos simples: o diretor da sociedade anônima não é um mandatário, mas, seu órgão. Desta aquisição doutrinária no campo da pessoa jurídica, segue-se que a responsabilidade do administrador não é contratual, pois a responsabilidade orgânica é responsabilidade ex lege.

Portanto, diante da teoria organicista da estrutura administrativa, fica claro que a companhia responde pelos atos de gestão, devendo os administradores responder quando agirem com culpa ou dolo, ou em violação ao estatuto ou à lei. Em suma, agindo os administradores na qualidade de órgãos da sociedade anônima, os atos que praticarem em decorrência de sua condição de tomadores de decisão são de responsabilidade da companhia, pois ela se faz presente através do administrador. Em atos regulares de gestão, o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair, porém pode ser responsável perante a companhia por prejuízos que causar. A respeito da questão, diz Verçosa (2008)144:

Do ponto de vista da responsabilidade em causa, o prejuízo à companhia causado pela conduta do administrador é o pressuposto de sua responsabilidade. Eventualmente, ele poderá perder a confiança da assembléia-geral ou do conselho de administração, conforme o caso, e ser afastado de suas funções em virtude de determinada conduta reprovável, mesmo que ela não haja causado dano ao patrimônio da sociedade. Mas o sistema societário de responsabilidade civil implica clara e necessariamente a presença do prejuízo efetivo. O prejuízo em questão pode ocorrer não diretamente no patrimônio da sociedade, mas em sua imagem no mercado, suscetível de perda de valor, por exemplo, por denúncia pública no sentido de que ela não costuma cumprir seus contratos, do que pode decorrer a perda de clientela potencial.

143

GOMES, Orlando. Responsabilidade dos administradores de sociedades por ações. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 8, p. 11-6, 1972, p. 12. 144 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2008, v. 3, p. 468.

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Para efeito da caracterização da responsabilidade vertente, não faz diferença se o administrador agiu ilicitamente no campo de administração ordinária ou extraordinária: o que importa é o prejuízo. Tendo em vista o pressuposto estrito da responsabilidade civil, o abuso de poder por parte do administrador que não tenha acarretado prejuízo não justificaria sua responsabilidade no plano civil, ao contrário do que defende Modesto Carvalhosa. A punição, no caso, fica restrita ao afastamento do administrador do seu cargo, pura e simplesmente, mesmo que possam ocorrer punições em outros ramos do Direito.

Assim, fica claro que o corolário para ensejar responsabilização civil dos administradores é o efetivo prejuízo da companhia. Obviamente há possibilidade de responsabilidade em outros ramos do direito por atos abusivos que não ocasionarem prejuízos. Não podemos, ainda, deixar de delimitar a noção de prejuízo, até por ser este um dos paradigmas de responsabilização civil dos administradores. Ensina-nos Carvalhosa (2009)145:

Estabelecendo a norma que o administrador responde civilmente pelos prejuízos que causar por abuso de poder ou com violação da lei ou do estatuto, reveste a noção de prejuízo de uma amplitude maior do que o dano meramente material Mesmo que não decorra da prática abusiva, ilegal ou antiestatutária nenhum prejuízo material para a companhia, configura-se sempre a responsabilidade do administrador. A ofensa ao direito da companhia é ato ilícito, mesmo que não ocorra nenhum prejuízo ao seu patrimônio. O termo ‘prejuízo’, na espécie, é sinônimo de ofensa ou lesão, que pode ou não materializar-se em perdas patrimoniais. Tem a companhia, conseqüentemente, legitimidade para argüir a responsabilidade de seus administradores sempre que estes abusem de suas atribuições ordinárias e ofendam o seu direito, de natureza legal ou estatutária, mesmo que, em ambas as hipóteses, a infringência não possa ser traduzida, no caso concreto, em efetivo prejuízo material. A presunção de infringência à lei ou ao estatuto é de sempre acarretar lesão, ainda que não se possa medi-la no plano material. Será, por exemplo, o caso de os diretores terem deixado de recolher impostos devidos pela companhia e, posteriormente, venha esta a ser beneficiada pela anistia fiscal no curso do processo administrativo. O fato de não se ter materializado o prejuízo, não 145

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 359360.

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descaracteriza a lesão nem elimina a responsabilidade do administrador. O administrador, na hipótese, acarretou dano jurídico à companhia, dano esse que o torna responsável. Será também o caso de abuso de poder. A ofensa ao direito da companhia constitui fraude, mesmo que não ocorra nenhum prejuízo materialmente mensurável. Será, ainda, o caso v.g. de desvio do objeto social. Ainda que as atividades empresariais antiestatutárias não levem a resultados desfavoráveis, em termos de lucros, a responsabilidade dos administradores caracteriza-se, pois, tal abuso ofendeu o direito da companhia de ver resguardada a integridade do seu estatuto apenas. Há, na espécie, ofensa ou lesão ao direito da companhia que, repetindo não se apura em termos patrimoniais. Se não fosse assim, nos casos de desvio ou abuso de poder na administração ordinária, deslocar-se-ia a discussão do requisito da causalidade para o do prejuízo. A mesma coisa ocorreria no que respeita à violação da lei ou do estatuto. Não mais se discutiria a relação de causalidade se fosse possível deslocar a questão para a existência ou inexistência de prejuízo material. Não é admissível, portanto, a interpretação restritiva do termo ‘prejuízo’ como sinônimo de ‘dano material’

Pensamos ser extremamente importante a distinção entre o prejuízo financeiro e o dano material. Para cada ação ilícita, contrária ao estatuto, lei ou deveres, por parte do administrador, não podemos nos prender simplesmente à noção de prejuízo para definir sua responsabilidade. É que realmente correr-se-ia o risco de deixar de lado a causalidade e o próprio ato de infração, o que poderia ser um risco. Ora, se para cada prejuízo ocorrido no âmbito empresarial responsabilizássemos os administradores, tal função se tornaria tão arriscada que homens competentes e probos não mais teriam motivação para exercer tal função. Daí entendermos ser extremamente de boa técnica a lei ter determinado tanto a culpa e o dolo, como também a infração ao dever, o que retira o paradigma única e exclusivamente do âmbito do prejuízo efetivo. Claro que em toda ação ilícita, relação causal e resultado, é gerado um prejuízo material. Este sim, com o seu nexo de causalidade presente, pode ser corolário da responsabilização civil dos administradores. Silva (2007)146 assim sintetiza a questão da responsabilidade civil dos administradores:

146

SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 136.

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O administrador será responsabilizado pelos prejuízos causados quando atuar com culpa ou dolo (mesmo que dentro de suas atribuições ou poderes) ou por violação da lei ou dos Estatutos. Além de culpa ou dolo, cabe ao autor da ação o ônus da prova do dano e do nexo de causalidade com a conduta do administrador. Na violação dos Estatutos ou da lei (dos deveres fiduciários), independente de ter agido culposa ou dolosamente, cabe ao autor da ação o ônus da prova do dano e do nexo de causalidade e, entretanto, cabe ao administrador (réu) o ônus da prova da observância desses. Assim, cabe repassar que esses deveres para com a companhia e seus acionistas incluem os deveres de diligência, lealdade e obediência. De maneira resumida, o dever de diligência requer que o administrador exerça o cuidado que qualquer pessoa em semelhante posição deve ter em similar circunstância; o dever de lealdade príbe a negociação entre administrador e sociedade, bem como o conflito de interesse, vedando a negociação em benefício próprio ou de terceiro; e o dever de obediência requer que a atuação discricionária do administrador esteja dentro do limite da lei e do Estatuto Social.

Fato é que a função de administrar uma companhia não é tarefa fácil. Além de uma aguçada percepção de mercado e de possibilidades de negócios, o administrador deve ter profundo conhecimento do estatuto e dos limites impostos à sua atuação, bem como de seus deveres. Além disso, jamais deve agir com culpa ou dolo, e tomar extremo cuidado ao assumir posições arriscadas, que possam levar a companhia a ter prejuízo. Fato é que há um limite à atuação jurisdicional, que nem sempre está preparada para lidar com situações ocorridas no âmbito empresarial. A atuação jurisdicional será abordada adiante, quando tratarmos dos aspectos processuais da responsabilidade civil dos administradores.

4.3 Aspectos penais da responsabilidade dos administradores

A LSA não contém disposições penais. Porém, continua em vigor o Art. 177 do Código Penal brasileiro147 (CPB), que tipifica fraudes e abusos cometidos na administração das sociedades por ações148. 147

Decreto Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 350353, comenta que a lei francesa dá muita ênfase à responsabilidade penal, nos artigos 437 e 439 da lei societária de 1966.

148

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Antes de adentrarmos nos aspectos penais propriamente ditos, entendemos serem válidos os dizeres de Corrêa-Lima (2005)149:

Existe todo um plexo de normas penais que extravasam o corpo do Código Penal brasileiro, espraiando-se por toda uma legislação esparsa. Leis possuímos, em profusão e abundância, às vezes repetitivas. Essa repetitividade traz como conseqüência sérios problemas de conflitos de lei no seu tempo. A matéria encontra-se numa área interdisciplinar e pouco explorada, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência brasileiras. Tem-se a intenção de que o legislador procura compensar a rarefação jurisprudencial com a multiplicidade de normas.

Os crimes a que o autor se refere, na legislação penal esparsa brasileira são: crimes falimentares, crimes contra a propriedade industrial, crimes contra a economia popular, crimes bancários, crimes contra o sistema financeiro nacional, crimes contra o mercado de capitais, crimes de sonegação fiscal, crimes contra a ordem tributária, crimes contra a ordem econômica, crimes contra as relações de consumo e crimes contra o meio ambiente. Neste momento é importante frisarmos a incapacidade do Direito Penal tradicional, com seus princípios, abarcar todas as hipóteses de ações típicas, ilícitas e culpáveis. Um dos entraves, em alguns casos, é a impossibilidade de responsabilização da pessoa jurídica por determinadas condutas, visto que o conceito de culpabilidade exige que o sujeito ativo do crime tenha capacidade de entender e agir de forma contrária ao direito, dotes impossíveis para a pessoa jurídica. Este elemento da culpabilidade denomina-se potencial consciência da ilicitude. Assim, é obrigatório que recorramos à teoria da imputação objetiva. Para Roxin (2004)150 a culpabilidade é apenas limite da pena, em função da prevenção geral e especial, não sendo o fundamento da pena. A culpabilidade seria apenas uma das condições necessárias para a imposição da pena, ao lado da necessidade preventiva da sanção penal.

149

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade anônima. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 415416. 150 ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Tradução de Ana Paula dos Santos Luís Natscherandetz. 3. ed. Lisboa: Vega, 2004, p. 99.

79

No direito penal, vige o princípio do nullum crimen, nulla poena sine praevia 151

lege

. Assim, não haverá ilícito penal sem expressa previsão legal. Não existe um

ilícito advindo de uma violação do conjunto de normas ou sistema penal. O tipo penal fechado representou uma grande conquista do direito penal em face do arbítrio, no sentido de que ninguém poderá ser privado de sua liberdade, ou punido de qualquer outra forma sem uma lei que, expressa e anteriormente ao ato, o definisse como crime. Não obstante as conquistas do finalismo penal, que dotou o tipo penal do elemento subjetivo (dolo ou culpa), retirando o desvalor da ação meramente do resultado152, entendemos ser extremamente interessante para a análise aqui proposta a questão da imputação objetiva, já citada alhures. Esta doutrina vê a necessidade de haver criação de um risco juridicamente relevante. Vejamos o que nos ensina Greco (2007)153:

Em síntese: será perigosa aquela ação que, aos olhos de um observador objetivo dotado dos conhecimentos especiais do autor, situado no momento da prática da ação, gere real possibilidade de dano para um determinado bem jurídico.

O risco criado, obviamente, pode ser juridicamente irrelevante. Assim, necessário entendermos a mecânica de desaprovação jurídica deste risco criado. Adiante, ensina o mesmo autor154:

Apenas ações perigosas podem ser proibidas; mas nem toda ação perigosa está proibida. Daí a necessidade de uma segunda etapa, na qual se valora quais dentre os riscos criados merecem a desaprovação do direito. Só quando ultrapassada esta etapa, o desvalor objetivo da ação típica estará completo. [...]

Trata-se de uma ponderação de princípios. Há o risco permitido em exercer uma atividade que, no presente estudo, se refere à administração de companhias, e 151

Trata-se do princípio da legalidade, no direito penal, significando que “não há crime, nem pena, sem lei anterior que o defina” 152 O desvalor da conduta unicamente no resultado dota o tipo penal de um aspecto objetivo sem sequer haver consideração quanto à relevância da ação. Tal doutrina, em muito superada, baseavase no positivismo e não analisava qualquer elemento da ação (ex ante). Já o finalismo, ao desvalorizar a conduta (ação ou omissão) dotou o direito penal de um aspecto subjetivo. 153 GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris: 2007, p. 30. 154 GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris: 2007, p. 37.

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em alguns casos o risco criado (ou efetivado) atinge a esfera do patrimônio de outrem. Roxin (2004)155, grande pensador do Direito Penal alemão, assim nos ensina:

Assim, a questão fundamental e decisiva é a seguinte: como se pode reconhecer se uma violação do dever de cuidado à qual se segue uma morte, fundamenta ou não um homicídio negligente? Como método de resposta, proponho o seguinte procedimento: examine-se qual a conduta que não se poderia imputar ao agente como violação do dever de acordo com os princípios do risco permitido; faça-se uma comparação entre ela e a forma de actuar do argüido, e comprove-se então se, na configuração dos factos submetidos a julgamento, a conduta incorrecta do autor fez aumentar a probabilidade de produção do resultado em comparação com o risco permitido. Se assim for, existe uma violação do dever que se integra na tipicidade e dever-se-á punir a título de crime negligente. Se não houver aumento do risco, o agente não poderá ser responsabilizado pelo resultado e, conseqüentemente, deve ser absolvido.

E continua, adiante156:

Após a aplicação prática a idéia do incremento do risco nos exemplos mais importantes, pode ver-se claramente onde radica o núcleo correcto das teorias anteriormente analisadas. As considerações sobre a ‘causalidade’ da violação do dever ou o postulado de uma especial ‘relação’ entre tal violação e o resultado são em princípios correctos, na medida em que a violação do dever não deu origem a um perigo superior ao risco permitido, tendo sido antes o resultado produzido sem ultrapassar os limites da tolerância legalmente fixados; o que sucede é precisamente que o resultado não se ‘baseia’ no caráter proibido da conduta.

Entendendo que o corolário para uma eventual responsabilização dos administradores seja a concretização de um prejuízo, o risco a que nos referimos aqui se volta para o patrimônio da sociedade. A nosso ver, a questão tem aspecto, inclusive, legislativo, pois a existência de uma norma específica (LSA), o risco juridicamente relevante só será efetivado quando desrespeitados os deveres estipulados nesta lei, por parte dos administradores.

155

ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Tradução de Ana Paula dos Santos Luís Natscherandetz. 3. ed. Lisboa: Vega, 2004, p. 257-258. 156 ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Tradução de Ana Paula dos Santos Luís Natscherandetz. 3. ed. Lisboa: Vega, 2004, p. 267.

81

Assim, agindo o administrador dentro dos deveres que lhe são impostos, numa administração ética e pautada na boa-fé, conforme a própria lei preceitua, ainda que exista a criação de um risco – o que ocorrerá a cada tomada de decisões relevantes e estratégicas para a companhia – este deixará de ser juridicamente reprovável, caso não resulte num resultado juridicamente relevante para fins de desvalor. Ainda nos dizeres de Greco (2007)157:

A rigor, não precisamos aqui dizer nada de novo. O risco permitido nada mais é do que um conceito formal, no sentido de apenas fornecer uma denominação comum para todos os casos em que, apesar de se criar um risco, ele não acaba sendo desaprovado pelo ordenamento jurídico. Isso significa que a alusão a um risco permitido não serve de fundamentação para resolver um caso qualquer: tem-se, isso sim, de perguntar por que há risco permitido, aplicando os critérios acima referidos, bem como os que abaixo seguirão, e só então se terá a resposta adequada para o caso que se quer julgar.

Ora, assim, o risco criado pelas decisões ocorridas no bojo da administração das companhias, nada mais é do que risco juridicamente permitido. Não há que se responsabilizar penalmente o administrador quando este não ultrapassar a seara do risco permitido. A realização do risco, ainda, há que se efetivar para haver desvalor da ação, ou responsabilidade penal. Preceitua o mesmo autor158:

Para que o autor responda pelo delito consumado, é necessário que, além do desvalor da ação, esteja presente o desvalor do resultado. O primeiro requisito deste é, obviamente, a causação do resultado, que, apesar de ter fundamental importância, não será examinado neste estudo. Pressupondo que o resultado ocorreu, como conseqüência da ação do autor, cumpre perguntar o que falta para que o autor possa responder pelo delito consumado. É disso que se ocupa o segundo componente da imputação objetiva, a realização do risco.

Fato é que, só haverá responsabilidade penal do administrador quando, somado à criação de um risco juridicamente reprovável, este risco se realize,

157

GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris: 2007, p. 61-62. 158 GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris: 2007, p. 83.

82

gerando resultados. Neste caso, o corolário deixa de ser um prejuízo, para se tornar o próprio resultado da ação que criou o risco desaprovado.

83

5 A BUSINESS JUDGEMENT RULE OU REGRA DE JULGAMENTO DE NEGÓCIOS

5.1 Ação de responsabilidade civil dos administradores e seus aspectos processuais

A responsabilidade civil do administrador de uma companhia é apurada, judicialmente, por ação de responsabilidade civil. Corrêa-Lima (1989)159 ensina: Do ato do administrador pode resultar prejuízo para a sociedade ou para determinado acionista. Na primeira hipótese, teremos uma ação social. Na segunda, uma ação individual. Entretanto, pode o acionista, ut singuli, exercer a ação social, a meio caminho entre a ação individual stricto sensu. Em outras palavras, poderíamos dizer que a ação social visa ao ressarcimento de um prejuízo causado pelo administrador ao patrimônio da sociedade. A ação individual visa ao ressarcimento de um prejuízo causado pelo administrador a qualquer pessoa, acionista ou não. A ação social não exclui a que couber ao acionista ou terceiro dirtamente prejudicado por ato do administrador.

O art. 159 da LSA assim preceitua: Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembléia geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio. §1º A deliberação poderá ser tomada em assembléia geral ordinária e, se prevista na ordem do dia, ou for conseqüência direta de assunto nela incluído, em assembléia geral extraordinária. §2º O administrador ou administradores contra os quais deva ser proposta a ação ficarão impedidos e deverão ser substituídos na mesma assembléia. §3º Qualquer acionista poderá promover a ação, se não for proposta no prazo de três meses da deliberação da assembléia geral. §4º Se a assembléia deliberar não promover a ação, poderá ela ser proposta por acionistas que representem 5%, pelo menos, do capital social.

159

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 110-111.

84

§5º Os resultados da ação promovida por acionista deferem-se à companhia, mas esta deverá indenizá-lo, até o limite daqueles resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados. §6º O juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia. §7º A ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador.

Segundo Batalha (1985)160: A responsabilidade dos administradores pode ser efetivada pela sociedade, pelos sócios ou pelos credores, através de ação social (exercida pelos novos administradores, ou por uns contra outros; ecercida pelos sócios, na omissão dos administradores) ou de ação individual (para defesa dos direitos pertinentes especificamente ao sócio, ou de direitos dos credores). Os administradores assumem, nas sociedades in genere, as responsabilidades de mandatários, devendo exercer suas atribuições dentro do objeto constante do contrato social ou do estatuto, atendendo aos critérios de lealdade e boa fé. São responsáveis pelo excesso de mandato (atos ultra vires) e pelos atos praticados contra a lei o estatuto ou o contrato social e ainda pelos atos praticados quando haja conflito de interesses ou concorrência à sociedade. A responsabilidade tem natureza solidária, salvo quando determinado administrador prova não ter participado do ato danoso e não ter incorrido em omissão culposa deixando de tomar conhecimento de atos que normalmente deveria ter verificado.

Carvalhosa (2009)161 assim trata dos efeitos destas ações:

A ação social, seja intentada diretamente pela companhia, seja substitutivamente pelo acionista, visa a restabelecer o equilíbrio interno da pessoa jurídica, colhendo esta os benefícios do processo e as respectivas reparações162. A ação individual aproveita apenas ao seu autor, sendo seu pressuposto que tal favorecimento judicial não prejudicará o direito dos demais sócios163. Ainda que outros acionistas ou classe deles 160

BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito processual societário. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 382. 161 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 380381. 162 VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por ações. Rio de Janeiro: Forense, 1941, v. 2, p. 51. 163 Contrariamente à lição de Valverde. Sociedades por ações, p. 51.

85

possam estar interessados no resultado, este não se lhes estende, pois estão fora do processo, ainda que seus efeitos possam afetar legitimamente o patrimônio ou direito deles.

A ação social pode ser exercida originariamente pela sociedade (ação social originária – ut universi) ou pelo acionista (ação derivada – ut singuli). A ação derivada ou derivative suit desenvolveu-se enormemente nos direitos norte-americano e inglês, sendo considerado o principal mecanismo de defesa dos direitos dos minoritários. Nestes ordenamentos jurídicos, pode-se atribuir o surgimento da derivative suit ao fato de que raramente a companhia move ação contra seus administradores, pois estes acabam por ser quem corporifica a vontade social. Quando

a

assembléia

geral

ordinária

(AGO)

ou

assembléia

geral

extraordinária (AGE) delibera em promover a ação, esta dever ser proposta no prazo de três meses, conforme determina o §3º do art. 159 da LSA. Caso isso não ocorra, poderá ser proposta por qualquer acionista. Quando ocorre uma ação derivada na hipótese do §3º do art. 159 da LSA, há uma substituição processual por determinação legal, onde os resultados revertem em prol da companhia. Ensina-nos Corrêa-Lima (1989)164: A ação derivada é, pois, uma ação social exercida pelo acionista, ut singulari, visando a obter ressarcimento de um prejuízo causado pelo administrador à companhia165. Trata-se de um caso de substituição processual por determinação legal. Substituição processual é uma figura em que terceiro, em seu próprio nome, defende em juízo direito de outrem166. Os resultados da ação derivada promovida pelo acionista deferem-se à companhia167 Julgando um dos raríssimos casos levados à justiça brasileira nessa área, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, acertadamente, que ‘a ação (derivada), apesar do seu caráter social, é promovida em nome exclusivo e pessoal do acionista...’. Segundo aquela Corte, se a ação devesse ser proposta em nome da sociedade, representada 164

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 113-114. 165 RIPERT, Georges. Tratado Elemental de Derecho Comercial. Buenos Aires, 1954, vol. II, p. 425 apud CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 113-114. 166 LOPES DA COSTA, A. de A. Direito Processual Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 106 apud CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 113-114. 167 LSA, art. 159, §5º.

86

pelos acionistas, não seria necessário que a lei dissesse que os seus resultados beneficiarão o patrimônio social. Isso seria a conseqüência natural da ação168. Pensa diferente o Ministro Cunha Peixoto, que critica o julgado em foco. Para ele, ‘a condenação é a favor da sociedade. Logo, a ação é em nome da sociedade’169

Não comungamos aqui com o entendimento do Ministro Cunha Peixoto. Ora, o fato de a companhia ter resultado favorável na demanda, significa que este resultado, qualquer que seja o ganho, reverterá em favor do acionista que promoveu a ação, ainda que de forma indireta. O simples fato de a companhia ganhar valor de mercado, aumentar seu patrimônio, ou até passar a ter uma melhor administração170 constitui ganho que, sem a menor sombra de dúvida, aproveita ao acionista, ainda que minoritário. Semelhante também, o entendimento de Carvalhosa (2009)171:

No campo do direito processual, o titular é o acionista, e, no campo do direito privado, o titular é a companhia172. A sentença, portanto, produzirá efeito, revestida da autoridade de coisa julgada, para quem não foi parte no processo. Atinge a decisão judicial alguém que, processualmente, ficou estranho à lide, ou seja, a companhia173. Esta a razão por que se deferem os resultados da ação à sociedade. Indiretamente, no entanto, os efeitos da sentença alcançam o acionista substituto, não só quanto à preclusão, como também especificamente no que respeita à indenização dos ônus processuais com que arcou.

168

RT, 169/203. PEIXOTO, Carlos Fulgênio da Cunha. Sociedades por Ações. São Paulo: Saraiva, 1973, 4º vol, p. 95 apud CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 113-114. 170 Entendemos, aqui, que a gestão da companhia, mormente se construída dentro de padrões de governança corporativa (v. capítulo 2), torna-se bem intangível da companhia o que, obviamente, constituí ganhos para todo o arcabouço de relações societárias da empresa. 171 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 383. 172 ALVIM, Arruda. Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, v. 1, p. 426 e s. apud CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 383. 173 ALVIM, Arruda. Op cit. p. 428 apud CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 383. 169

87

Quando a assembléia geral (AGO ou AGE) delibera não promover a ação, a legitimatio ad causam ativa do acionista dissidente nasce imediatamente, independente do prazo estipulado. Requer-se, porém, que seja proposta por acionistas que representem pelo menos cinco por cento do capital social, conforme reza o §4º do art. 159 da LSA. Trata-se de espécie de litisconsórcio ativo que, embora não necessário174, acaba por ser indispensável. Questão que não pode deixar de ser analisada é a das denominadas strike suits, ou ações derivadas temerárias, propostas por acionistas minoritárias, com o intuito de chantagear a companhia ou seus administradores175. Tal figura representa risco, principalmente no Brasil, onde o Judiciário infelizmente carece de experiência de lides a respeito. Ainda são poucos os julgados de ações sociais em nosso país, em comparação com o enorme número de demandas que assolam nossa Justiça. Nos Estados Unidos, a solução para evitar a proliferação de ações desta natureza foi a exigência de uma caução. Corrêa-Lima (1989)176 nos ensina: No Brasil, caução idêntica só é exigida quando o autor da ação derivada, nacional ou estrangeiro, que residir fora do país ou dele se ausentar na pendência da demanda, não possuir, no território nacional, imóveis que assegurem o pagamento das custas e honorários de advogado da parte contrária177. Nas demais hipóteses, não será exigida a caução. Todavia, o litigante de má-fé, se for o caso ‘indenizará à parte contrária os prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou’178.

Continua o autor, ainda a respeito dos mecanismos utilizados para impedir a utilização das strike suits179:

174

Segundo o art. 47 do CPC. O litisconsórcio necessário ocorre quando o litígio não ode ser objeto de tutela jurisdicional, senão com a participação necessária de todos os consortes. No caso em tela, ele não é necessário pois há possibilidade de a ação ser promovida apenas por um legitimado ativo, caso do §3º do art. 159 da LSA. 175 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 119-120. 176 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 119. 177 Código de Processo Civil (CPC), art. 835. 178 CPC, art. 16 a 18 e 135. 179 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 119-120.

88

A proliferação das chamadas strike suits nos Estados Unidos levou o legislador e a jurisprudência a adotarem outros mecanismos visando a desencorajá-las. Em 1945, Franklin Wood preparou um relatório para o Governador do Estado de New York, Thomas Dewey. Esse relatório, conhecido com o nome de Wood Report, analisou 1.400 ações derivadas propostas por acionistas minoritários em Nova York, de 1932 a 1942. Dessas 1.400 ações, 573 envolviam companhias abertas. O Wood Report detectou uma verdadeira indústria espúria de ações derivadas em Nova York, e suas conclusões levaram o legislador daquele Estado a simplesmente aboli-las. Contudo, depois disso, e principalmente em outros Estados, as ações derivadas têm sido utilizadas com uma intensidade cada vez maior180. Com intuito de evitar as chamadas strike suits, e ainda evitar a alienação de ações da companhia com o objetivo de deslocar a competência para a justiça de outro Estado, a jurisprudência norteamericana definitivamente orientou-se no sentido de que só o acionista que já era acionista por ocasião do suposto ato lesivo do administrador tem a legitimação para a propositura da ação derivada (contemporaneous-share-ownership-requirement). No Brasil a doutrina é unânime no sentido de que esse requisito é desnecessário181. Devido, precisamente ao seu pouco uso entre nós, a ação derivada suscita e suscitará muitos questionamentos interessantes e difíceis.

A verdade é que temos ainda um longo caminho a percorrer, a fim de resolver esses questionamentos que, com certeza, surgirão no direito pátrio. Além das ações sociais ut universi e ut singuli a LSA prevê também a ação individual. Seu intuito é reparar toda a lesão a um direito próprio do acionista ou de terceiro, que venha a ser causada por ato imputável aos administradores182. Nos ensina Carvalhosa (2009)183: “Ao propor a ação individual, o acinista tem em vista o seu próprio interesse, embora o resultado de seu procedimento judicial possa coincidir com os interesses de outros acionistas”

180

DYKSTRA. The Survial of Derivative Suit. University of Pa. Law Review, 116/74 (1967) apud CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 119-120. 181 PEIXOTO, op cit.; MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, v. I, tomo 50, p. 410. apud CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 119-120. 182 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 390. 183 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 390.

89

A propositura desta ação (individual) independe de qualquer decisão tomada na assembléia, conforme podemos verificar na leitura do §7º do art. 159 da LSA. Ocorre, que a linha que distingue a ação social da ação individual é extremamente tênue. Sobre a distinção entre elas, diz Carvalhosa (2009)184: Um dos critérios possíveis seria o de prejuízo de natureza diversa. É o caso do uso de informações confidenciais pelos administradores. Nessa hipótese, não corre diretamente dano material significativo para a companhia. Mas dessa prática (insider trading), surgem danos materiais e efetivos para os acionistas, em face da manipulação, no mercado, das ações dos administradores, em detrimento dos direitos de negociação em igualdade de condições dos outsiders. Configurase, pois, a plena legitimidade individual dos acionistas para propor medidas contra os administradores. A segunda hipótese é a do dano personalizado. Será o caso, por exemplo, de recusa do fornecimento de certidões, de que trata o art. 100, a determinado acionista. Da mesma forma, a protelação no pagamento de dividendos, pela criação de formalidades inadmissíveis ou abusivas. Assim, todos os atos ilegais, antiestatutários e com abuso e desvio de poder, discriminadamente dirigido a determinado acionista, ensejam ação individual. A terceira hipótese é a da existência de relação contratual direta entre o acionista e o administrador. Será o caso, v. g., de abuso de utilização de procuração outorgada pelo acionista (art. 126), ou seja, o ato ilícito do administrador não prejudica a companhia, mas, sim, o acionista pessoalmente. Também ocorre a hipótese de danos causados aos acionistas, na avaliação dos patrimônios líquidos das companhias envolvidas em incorporação, fusão e cisão. Havendo supervalorização, em tais avaliações, em detrimento do acionista, o cabimento da ação individual será inquestionável. Em suma, a admissibilidade da ação individual ocorre toda vez que o administrador, por abuso ou desvio de poder ou por descumprimento da lei ou do estatuto, negue ou protele o exercício de direitos pelo acionista; ou, então, cause-lhe prejuízos materiais, em termos de depreciação do valor de suas ações ou dos dividendos respectivos ou da fraudulenta indução à sua negociação. Será cabível, ainda, a ação individual, no caso de ato ilícito nas relações contratuais diretas entre o administrador e o acionista, ligadas ao exercício de funções deste no seio da companhia, com o já citado exemplo das procurações outorgadas, na forma e para os efeitos do art. 126.

Na doutrina de Verçosa (2008)185:

184

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 390. 185 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2008, v. 3, p. 476.

90

Note-se que a ação individual de que se trata importa responsabilidade do administrador por ilícito praticado nesta condição, não sendo a sociedade passível de responsabilização. Pode-se visualizar, por exemplo, um caso de ato ultra vires societatis, ou seja, negócio praticado pelo administrador além dos seus poderes e atribuições, como tal claramente previsto no estatuto social, de que o terceiro teria condições de conhecer se tivesse agido com um mínimo de diligência. Diante do não-pagamento da obrigação assumida e não podendo a sociedade ser responsabilizada, caberá a ação do prejudicado contra o administrador, pessoalmente.

Segundo Batalha (1985)186 há, ainda, possibilidade de ação de anulação de atos dos administradores: Independentemente da ação de responsabilidade civil contra os administradores pelos prejuízos causados ao patrimônio social, qualquer sócio pode postular a anulação de atos dos administradores praticados contra a lei ou o estatuto, ressalvados os direitos de terceiros, em atenção ao princípio da aparência, segundo o qual aquele que, sendo administrador, excede os seus poderes, praticando atos que não poderia praticar nos termos do contrato social, não pode ter seus atos anulados, posto que tal anulação iria prejudicar terceiro de boa fé. A solução seria continuar a sociedade obrigada pelos atos praticados, ressalvado o direito à postulação de ressarcimento contra os administradores responsáveis (...).

Assim, em sendo postulado pedido de anulação de atos dos administradores que tenham excedido os seus poderes ou o objeto social, o terceiro de boa-fé não é prejudicado, havendo ressarcimento de seus danos.

5.2 Conceito e requisitos para aplicação da regra de julgamento de negócios

A origem histórica da business judgment rule como princípio da jurisprudência nos Estados Unidos remonta a 1829, no caso Percy v. Millaudon, decidido pela Suprema Corte da Lousiana. Este leading case foi decidido de forma a determinar que o simples prejuízo não é suficiente para fazer o administrador da companhia responsável, sendo necessário provar que o ato era incompatível com o padrão comum exigível do homem médio. 186

BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito processual societário. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 290-292

91

Da mesma forma agiram a Suprema Corte do Alabama, em 1847 (Godbold v. Branch) e a Suprema Corte de Rhode Island, entre 1850 e 1853. Esta decidiu que “o administrador não seria responsabilizado pela conseqüência do erro se agiu de boafé e nos interesses da sociedade, bem como com o devido cuidado e diligência187. No Direito Brasileiro a regra de julgamento de negócios tem duas posições doutrinárias, uma capitaneada por Bulgarelli e outra por Corrêa-Lima. No entender de Silva (2007)188:

[...] verifica-se que Bulgarelli não foi feliz ao entender que, ao inserir a boa-fé e o fim visado como forma de caracterização da exclusão de responsabilidade, os julgadores não mais responsabilizariam os administradores por atos praticados. Ao contrário da afirmação, a regra do business judgment rule busca evitar que pessoas capazes fiquem com receio de administrar a companhia, sabendo que poderão colocar em risco ou até perder todo seu patrimônio pessoal quando assumirem qualquer risco, mesmo que inerente à atividade da companhia. A regra tem por finalidade estabelecer parâmetros para evitar a responsabilização do administrador se agiu de boa-fé e no interesse da companhia. Seria muito simplório reduzir a regra ao simples preenchimento dos dois requisitos, entretanto a regra do business judgment, apesar de ter origem na common law e ter sido desenvolvido nos Estados Unidos, deve ser analisada para evitar que permaneça incompreendida no Direito brasileiro, sujeitando-se a afirmações que não retratam nem refletem a intenção do legislador e o brilhantismo dos autores da Lei de Sociedades por Ações.

O próprio Corrêa-Lima (1989)189, ao falar do desafio de interpretação que a regra de julgamento de negócios nos impõe, traz a análise do professor Bulgarelli (1978)190 a respeito, entendendo que o dispositivo do 6º do art. 159 da LSA parece dotar o juiz de uma desarrazoada dose de subjetivismo: Analisando esse dispositivo, o Prof. Waldírio Bulgarelli escreve, textualmente, o seguinte: “Foi infeliz a lei das sociedades anônimas, ao conceder um verdadeiro Bill de indenidade aos administradores 187

SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 141. O autor também cita o precedente Hodges v. New England Screw Co., 3 R.I. 312 (1850) e o seguinte: “Many of these early cases simply stated that directors and officers were not liable for honest mistakes or errors of judgment. Other cases held that directors and officers incurred liability only for errors ‘of the grossest kind’. [McMurray, Marcia M. An historical perspective on duty of care, duty of loyalty, and the business judgment rule. (Special Project: Directors and Officer Liability). Vanderbilt Law Review, Saint Paul, v. 40, n. 3, p. 613-4. April 1987.] 188 SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 142. 189 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 122-123 190 BULGARELLI, Waldírio. Direito comercial. São Paulo: Atlas, 1978, p. 210.

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culposos, no §6º do art. 159 dispondo que ‘o juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia’. Pela sistemática geral do direito das obrigações, são fatores excludentes da responsabilidade apenas a força maior e o caso fortuito; agora devem ser acrescidos, em tema de sociedade anônima, também a boa-fé e o fim visado. Seria RIDÍCULO, não fosse TRISTE, e parece mesmo ser ambas as coisas, tal dispositivo, que ensejará por certo, tendo em visa a tendência sempre benévola de nossos magistrados, que nenhum administrador de companhia, de ora em diante, venha a ser responsabilizado.

Corrêa-Lima (1989)191, adiante, esposa seu entendimento a respeito do dispositivo legal, que nos parece mais adequado que o do Professor Bulgarelli. A saber:

A norma do §6º do art. 159 da LSA, na verdade, nada mais é que o transplante, para a legislação do anonimato, de princípios gerais de direito e de teorias elaboradas há séculos pelo gênio dos juristas do sistema de civil law. Infelizmente, com esse transplante, repetiu-se, neste ponto, aquele defeito estigmatizado por Roscoe Pound e referido em capítulo anterior: princípios e teorias ficaram escondidos por detrás da norma, correndo o risco de serem incompreendidos e mal interpretados. Assim, o procedimento mais correto talvez seja o de despir os princípios da roupagem normativa, de que se revestiram. Ou simplesmente procurar vê-los através dessa roupagem. É bom deixar bem claro que a sociedade, o direito, a lei e o bom senso só exigem do administrador, qualquer que seja ele, e qualquer que seja a empresa ou coisa administrada, os mais elevados padrões éticos. Informação, decisão e ação são os passos da atividade administrativa, escandidos pela ciência da administração de empresas. Cada um desses passos requer um requisito essencial, que são, respectivamente, verdade, sabedoria e coragem. Além disso, para que a caminhada conduta a uma direção correta, o ambiente deve ser de boa-fé.

Corrêa-Lima (1989)192 traz até uma ilustração interessante de como ele entende estarem os valores localizados no âmbito da administração societária, voltada para a ciência da administração:

191

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 124. 192 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 125.

93

É interessante notar que o entendimento do eminente autor citado nos leva a crer que em nosso sistema de civil law muito nos preocupamos com a letra fria da lei. Muitas vezes, princípios são sintetizados nela ou, como no caso em apreço, estando já sintetizados por aplicação jurídica em países de common law, acabam transplantados (consciente ou inconscientemente) para nossa legislação e, necessitam ser entendidos para uma aplicação consciente. A grande diferença entre esses dois sistemas legais é que nos países de common law, a experiência prática e aplicação de princípios gerais do direito acabam por gerar a norma. Em países de civil law, não é a experiência que gera a regra mas o contrário. A regra passa a ser experimentada na prática. Parece-nos o caminho mais acertado para uma correta aplicação de corolários como a regra de julgamento de negócios nos inspirarmos nas experiências de países que a sintetizaram. Daí a necessidade veemente da incursão histórica que se faz na experiência norte-americana. A doutrina norte-americana enuncia duas premissas à business judgment rule: (I) a própria natureza falível humana; (II) a necessidade de dinamizar os negócios sem sobrecarregar a máquina judiciária193. Isso sem falar na convicção de que pessoas boas, honestas e integras não quereriam servir como administradores

193

CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 128.

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de empresas se a lei delas exigisse um grau de presciência não exigido pelo cidadão comum194. Assim, é importante buscarmos a origem do instituto, no direito norteamericano, para a compreendermos e melhor aplicarmos. No dizer de Silva (2007)195:

A regra estatui que as decisões ou julgamento do negócio honestos e tomados de boa-fé e com base em investigações razoáveis não serão questionáveis judicialmente, ainda que a decisão seja enganada, infeliz ou até mesmo desastrosa. Como no caso Shlensky v. Wringley, 237 N.E.2d (III.Ap.1968), a decisão dos administradores do time de beisebol Chicago Clubs de não ter jogos noturnos ao não instalarem luzes no Campo de Wringley. E, ainda, no caso Kamin v. American Express Co., 383 N.Y.S.2d 807 (Sup.Ct.1976), sobre políticas de dividendos e distribuições de resultados foram declaradas tendo os administradores poderes discricionários para determinar a quantia e a freqüência dos dividendos que não estarão sujeitas à análise judicial desde que os dividendos não sejam arbitrários ou irracionais196. Se a decisão é ilegal a business judgment rule não protegerá esta decisão, como no caso Miller v. AT&T Co., 507 E2d 759 (3d Cir.1974)197

O mesmo autor198 divide a racionalidade por trás da business judgment rule em cinco fatores199: No primeiro fator, os tribunais reconhecem que, mesmo desinteressados, bem-intencionados e informados, os administradores poderão tomar decisões sem cuidado ou 194

ARSHT, Samuel S. The Business Judgment Rule Revisited, in Hofstra Law Review, 81/93 (1979) apud CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 128. 195 SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 143-144. 196 Directors must satisfy their duty of care in declaring dividends and authorizing other corporate distributions of property to the shareholders: […] Directors have broad discretion in determining the appropriate amount and frequency of dividends. Accordingly, the courts will not disturb the business judgment of directors in declaring dividends unless the directors´ action is arbitrary and irrational or involves a conflict of interest between themselves and the shareholders (SOLOMON, Lewis D.; FESSLER, Daniel Wm; WIMARTH Jr.; ARTHUR E., Corporations and alternative business vehicles. Santa Monica, 1994, p. 4-24-25) apud SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 143-144. 197 HAMILTON, Robert W. Corporations. 3. ed. St Paul: West, 1992, p. 468 apud SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 143-144. 198 SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 192-193. 199 BLOCK, Dennis J.; BARTON, Nancy E.; RADIN, Stephen A. The business judgment rule: fiduciary duties of corporate directors. 5. ed. New York: Aspen Law & Business, 1998, v. 1, p. 12-18 apud SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 192.

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planejamento, fazendo com que a companhia perca grandes quantias de dinheiro. Por essa razão, a regra do business judgement encoraja pessoas competentes a se tornarem administradores que sem a regra declinariam por receio de serem pessoalmente responsabilizados200. No segundo fator, a regra do business judgment rule reconhece que os atos dos administradores, por si sós, representam um risco e incerteza, por isso encoraja os administradores a se engajarem em atividades que tenham potencial para ótimos retornos, mas com alguns riscos. Os administradores têm de ter discricionariedade para entrar em novos mercados, desenvolver novos produtos, inovar e assumir outros riscos. Comumente citado ‘os fundadores da McDonald´s Corporation, que investiram US$ 3 milhões na patente de uma nova técnica de fabricar hambúrguer, nunca teriam tomado essa decisão lucrrativa’201. No terceiro fator, a business judgment rule evita que os tribunais se envolvam em complicados processos de tomada de decisão – tarefa que eles não estão devidamente equipados para executá-la. Os administradores são, na maioria dos casos, mais qualificados para tomada de decisão que os juízes. Entretanto, para um juiz é relativamente fácil verificar se o administrador tomou uma decisão de boa-fé, devidamente informado e com cautela, no interesse da companhia. No quarto, a regra do business judgment garante aos administradores mais do que os acionistas. Se aos acionistas é concedido o direito de demandar revisão de decisões dos administradores, o resultado pode ser a transferência de autoridade do conselho de administradores para qualquer acionista que deseje reclamar. Em resumo, a regra protege a sociedade e seus acionistas de outros acionistas. No quinto, os tribunais entendem que acionistas descontentes podem sempre destituir administradores. Por fim, os autores de ações contra administradores, obrigatoriamente, devem provar os fatos alegados, assim, o administrador deverá apenas fazer prova em contrário, comprovando a razoabilidade e a legalidade da conduta. A justiça da transação 200

The business judegment rule is a judicially-created doctrine based on the view that qualified persons would not choose to serve as corporate directors or officers in the law imposed upon them a higher standard of care than of an ordinary person in the performance of his duties. From the corporate perspective, the rule allows corporate management to formulate policy and to make business decisions without the fear of personal liability. In effect, the business judgment rule bars judicial inquiry into actions taken by corporate directors in good faith and made with the exercise of sound business judgment (GOLDBERG, Mindy K. The business judgment rule, due care and experts: how much information is enough? Journal of Law and Commerce. Pittsburgh, v. 193, p. 225. Summ. 1987.) apud SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 192. 201 BLOCK, Dennis J.; BARTON, Nancy E.; RADIN, Stephen A. The business judgment rule: fiduciary duties of corporate directors. 5. ed. New York: Aspen Law & Business, 1998, v. 1, p. 13 apud SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 192.

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isentará o administrador de responsabilidade. Os tribunais têm entendido que a regra do business judgment, como presunção em favor do ato do administrador, é uma forte, poderosa e substantiva regra de Direito e não meramente uma forma de defesa. Várias decisões judiciais têm entendido pela presunção de que o Conselho de Administração atuou de forma independente, com a devida cautela, de boa-fé e acreditando honestamente que seus atos foram no interesse da sociedade202.

Podemos dizer que são cinco os elementos da regra de julgamento de negócios, consolidado em reiteradas decisões dos Tribunais norte-americanos: (i) decisão ou julgamento do negócio; (ii) desinteresse e independência; (iii) dever de diligência; (iv) boa-fé; (v) inexistência de abuso de discricionariedade203. No entender de Corrêa-Lima:

Como se vê, pois, o §6º do art. 159 da Lei n. 6.404 de 1976 não concede nenhum bill de indenidade aos administradores culposos. Não estabelece nenhuma isenção de responsabilidade por fraude, má administração, decisões apressadas ou impensadas. Pelo contrário, exige do administrador um elevado padrão de conduta no desempenho de sua atividade. ‘Um diretor não ode fechar os olhos ao que está ocorrendo em volta dele na condução dos negócios da companhia e dizer que está no exercício de seu julgamento de negócios’. (a director cannot close his eyes to what is going on about him in the conduct of the business of the corporation and have it said that he is exercising business judgment).204

A business judgment rule, na realidade, nada mais é que a consagração do princípio do livre convencimento motivado dos juízes, bem como da possibilidade do julgamento por equidade. Ensina-nos Carvalhosa (2009)205:

202

Courts presume that management hás acted in good faith, on na informed basis, and in the honest belief that their actions were taken in the best interest of the corporation. Essentially, the business judgment rule protects the management or directors from liability for honest mistakes of judgment which are an incident of corporate management by assuming they have fulfilled their fiduciary duties of loyalty and care. This presumption creates a heavy burden on parties challenging management´s actions to show that they abused their fiduciary duties either by acting without care or disregarding their duty of loyalty by allowing personal motives to influence their decisions (LAU, Michael H. Q. L. Adequate remedies for tender offer abuse: resurrecting manipulation and reforming the business judgment rule. The University of Hawaii Law Review. Manoa, v. 9, n. 1, p. 230-31, Summ, 1987.) apud SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 193. 203 SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 195. 204 Casey v. Woodruff, 49, NY.8.2d at 642/643. 205 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 380381.

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A regra contida no §6º tem alcance maior do que a mera reprodução, sob outros termos, do art. 131 do Código de Processo Civil. O princípio do livre convencimento do juiz, na apreciação das provas, fatos e circunstâncias constantes dos autos, já havia sido lembrado por Valverde206, nos seguintes termos: ‘Na apuração da responsabilidade civil dos diretores, dada a variedade e multiplicidade dos atos de gestão, têm os juízes poder discricionário, pois que, em cada caso, deverão ser apreciadas as circunstâncias que precederam, coexistiram, ou sucederam à atuação do diretor. Aliás, essa autoridade dos juízes foi amplamente consagrada no Código de Processo Civil de um modo geral’. E em outro trecho: ‘É fora de dúvida que o juiz tem igualmente, nesta hipótese, o poder de apreciar, sob todos os aspectos, a conduta do diretor, para decidir sobre a obrigação em que este está ou não de reparar os prejuízos decorrentes do ato infringente da lei ou dos estatutos’. Na realidade, o que a norma estabelece é a faculdade do juiz de decidir por eqüidade. Diz, com efeito, o art. 127 do Codigo de Processo Civil que o juiz decidirá por eqüidade, nos casos previstos em lei. E o §6º da norma ora comentada constitui previsão legal. Temos, assim, que na espécie, o juiz poderá decidir não de acordo com as regras de legalidade estrita, mas segundo motivos de equidade207. Trata-se, pois, de critério de julgamento, facultado ao juiz, diverso daquele previsto no art. 131 do Código de Processo Civil, em que o livre convencimento do juiz não lhe permite decidir fora das regras contidas no direito positivo aplicáveis à espécie. A faculdade de julgamento por eqüidade, que se estabelece no §6º, conjugada com o art. 127 da lei processual, tem como pressupostos a boa-fé do administrador e convicção de que ele agiu no interesse da companhia. O primeiro exclui evidentemente o dolo e o segundo, a negligência e a imprudência, já que, nestes casos, impossível seria pensar-se em conduta visando ao interesse da companhia. Também estão excluídos do critério de eqüidade os casos de fraude à lei (arts. 153 a 157), pois, nestes, a conduta assumida pelo administrador, ao fraudar o direito da companhia, dos acionistas e dos investidores (insider trading), torna-o plenamente responsável, não podendo o juiz opor o critério de eqüidade àquele da estrita observância da lei (art. 158). Portanto, o critério de equidade aplica-se apenas aos casos de administração ordinária da companhia.

206

VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por Ações. Rio de Janeiro: Forense, 1941, v. 1, p. 321. apud CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 380. 207 MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Aspectos processuais da Lei das Sociedades Anônimas, Conferência na Associação dos Advogados de São Paulo, 1980 apud CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com modificações das Leis n. 9.457, de 5 de maio de 1997, 10.303, de 31 de outubro de 2001, e 11.638, de 28 de dezembro de 2007. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. 3, p. 380.

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Percebe-se, pois, que a análise judicial dos casos em que se busca a responsabilidade civil de administradores, nada mais é que a ponderação judicial, onde se aplica, por eqüidade, os corolários da responsabilidade civil. A própria conceituação já vista do ato ilícito, elemento essencial para a responsabilidade civil208, e a gradação subjetiva da culpa, demandam que o juiz, ao analisar o caso concreto, busque a convicção da norma jurídica (expressa ou não) que se aplica ao direito. Assim, temos que a regra de julgamento de negócios nada mais é que uma norma geral de direito e, portanto, não comungamos com a opinião de Bulgarelli a respeito de sua aplicação e perigos. O Judiciário brasileiro tem é que ter maior preocupação com normas específicas – como esta em comento – que tratam e disciplinam uma atividade completamente diferente das triviais, a atividade empresarial, dinâmica e com meandros que só podem ser compreendidos através de um estudo específico. Importante ressaltar que o transplante da business judgment rule do direito norte-americano para o pátrio, de forma expressa, o que fez o legislador ao inserir o §6º do art. 159, trouxe à tona a necessidade de discutir esta aplicação, bem como a dinâmica dos negócios da companhia. Somente assim os operadores do direito fazem incursões históricas, estudam o instituto e podem tratá-lo como verdadeiro corolário que sedimenta os deveres dos administradores, tornando a administração societária ética e voltada para os interesses da companhia Não se pode concordar com aqueles que enxergam o instituto apenas como mera aplicação do julgamento por equidade, ou o vêem como elemento que busca dar imunidade aos administradores. O que é sempre necessário é um zelo para que o princípio não seja aplicado de forma irresponsável. Aí sim há risco, e isso dá a responsabilidade ainda maior para que todos os juristas busquem compreender o instituto em suas origens.

208

Ainda que em países que adotam o common law a responsabilidade civil seja colocada como infração a um dever, em nosso país a LSA tratou analiticamente dos deveres do responsabilidade, portanto, estes se tornaram mandamentos legais, regras objetivas, que sendo quebradas, geram um ato ilícito, exatamente por ser uma ação que fere a lei. O mesmo pode-se dizer de ações dos administradores que venham a ferir o Estatuto Social.

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5.3 Limites de aplicação da regra de julgamento de negócios

A verdadeira concepção da business judgment rule nos Estados Unidos foi esta, e talvez seja das maiores contribuições do direito norte-americano para os mecanismos de governança corporativa, quiçá a melhor contribuição, neste contexto, de todo o sistema da common law – É o entendimento de Williamson (1996)209:

What is known as the ‘business judgment rule’ holds that ‘absent bad faith or some other corrupt motive, directors are normally not liable to the corporation for mistakes of judgment, whether those mistakes are classified as mistakes of fact or mistakes of law’ (Gibson, 1986, p. 741). Not only does that rule serve as ‘a quasi-jurisdictional barrier to prevent courts from exercising regulatory powers over the activities of corporate managers’ (Manne, 1967, p. 271), but ‘The courts´ abdication of regulatory authority through the business judgment rule may well be the most significant common law contribution to corporate governance’ (Gibson, 1986, p. 741). The business judgment rule, which applies to the relation between shareholders and directors, can be interpreted as a particular manifestation of forbearance doctrine, which applies to the management of the firm more generally. To review alleged mistakes of judgment or to adjudicate internal disputes would sorely test the competence of courts and would undermine the efficacy of hierarchy.

Em algumas situações, a business judgment rule se coloca e é necessária uma aplicação mais cuidadosa deste instituto. É o uso do instituto como o que chamamos de defensive devices em situações como, por exemplo, a tentativa de tomada de controle, tratada por Bryer and Vlahakis (1984)210 da seguinte forma:

There appears to be a growing judicial and legislative trend in the United States towards limiting the arsenal of defensive devices available to a corporation´s board of directors in a takeover situation. Until recently, the distinct attitude of federal and state courts was to afford a board of directors broad discretion in a corporate control contest to implement any defensive step which, in the board´s reasonable business judgment, would further the best interests of the company´s stockholders, as well as the customers, suppliers, employees and other economic and social constituencies served by 209

WILLIAMSON, Oliver E. The mechanisms of governance. New York: Oxford University Press, 1996, p. 98. 210 BRYER, Barry A. and VLAHAKIS, Patricia A. Takeover defence: the business judgment rule reviewed. New York: International Financial Law Review, September 1984, p. 20.

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the company211. The so-called business judgment rule limits the ‘judicial inquiry into actions of corporate directors taken in good faith in the exercise of honest judgment in the lawful and legitimate furtherance of corporate proccess’212. The business judgment rule nurtured and environment of great creativity in devising methods to prevent a takeover or to assure the successful consummation of a corporate transaction with a chosen partner. One of the defensive tactics developed and refined within this environment is known as a lock-up arrangement. Lock-up arrangements typically involve the sale of an option to buy, or the outright sale of, a block of stock or valuable assets by a company seeking to defend against a takeover or to assure consummation of a friendly deal. Lock-ups may deter a disfavored bidder to the extent that they make unavailable assets which the bidder wishes to obtain213. Lock-ups may also increase the cost of the acquisition for a disfavoured bidder or make it prohibitively difficult for a disfavoured bidder to garner the votes necessary to proceed with its strategy.

Este é só um exemplo de posições defensivas que podem ser assumidas sob a proteção da business judgment rule. A criatividade do mercado é ampla nesse sentido. Claro que há limites para essa utilização e a própria defesa deve ser legítima. Os mesmos autores acima citados214 comungam deste entendimento, citando os casos Thompson v. Enstar Corp., DMG Inc. v. Aegis Corp. e Norlin Corp. v. Rooney, Pace Inc., a saber: The Enstar215, Aegis216 and Norlin217 cases indicate that courts may back away from the business judgment rule in takeover situations when the defence is too extreme or clearly designed primarily to entrench management. These cases reflect the growing judicial and legislative impatience with defensive devices intended to block or disrupt the free market forces that have historically yielded high premiums to stockholders in takeover situations.

211

Nota: See generally Lipton, ‘Takeover Bids in Target´s Boardroom’, 35 Bus Law 101 (1979) concluding that the business judgment rule applies to a consideration by the board of directors of a target of an unsolicited takeover bid and that directors should consider the impact of a prospective takeover on customers, suppliers, employees, and the community. LIPTON, Takeover Bids in the Target´s Boardroom; An Update After One Year, 36 Bus Law 1017 (1981) apud BRYER, Barry A. and VLAHAKIS, Patricia A. Takeover defence: the business judgment rule reviewed. New York: International Financial Law Review, September 1984, p. 20. 212 Auerback v. Bennet, 47 NY 2d 619, 629, 419 NYS 2d 920, 393 NE 3d 994, 1000 (1979). 213 See 1 M Lipton & E. Steinberger, Takeovers & Freezeouts section 1.04[6], at 1-30 (1984). 214 BRYER, Barry A. and VLAHAKIS, Patricia A. Takeover defence: the business judgment rule reviewed. New York: International Financial Law Review, September 1984, p. 20. 215 Thompson v. Enstar Corp., Civ Action No. 7641, slip op at 13 (Del Ch June 20, 1984). 216 DMG Inc. v. Aegis Corp., Civ Action No. 7619, slip op at 2 (Del Ch June 29, 1984). 217 Norlin Corp. v. Rooney, Pace Inc. No 84-7360, slip op at 4 (2d Cir June 27, 1984).

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A questão é que num ambiente onde o mercado de valores é livre, podendo inclusive trazer benefícios para as partes envolvidas na negociação de valores da companhia, o judiciário deve abster-se de exercer um poder – digamos – regulatório. A respeito das tomadas de controle e aplicação da business judgment rule, Silva (2007)218 nos ensina que a discussão gira em torno do conflito de interesse que pode surgir no que tange ao administrador da companhia-alvo, empenhado em defender a companhia de ataque potencialmente prejudicial, mas muitas vezes interessado em defender sua própria posição na companhia. O autor219 prossegue, adiante:

No Direito norte-americano, existem critérios específicos para analisar as defesas nas tentativas de tomada de controle, tais como: (i) transações de ações white squire; (ii) venda de ativos crown jewel; (iii) transações white knight; (iv) oferta de recompra de ações, oferta de permuta e dividendos extraordinários; (v) ações ordinárias com superdireito de voto; (vi) planos de poison pill; (vii) defesas nãoestruturadas nas disputas pelo controle; (viii) empréstimos-ponte; (ix) opções de lock-up de ativos; (x) cláusulas de no shop e window shop; dentre outras. Por seu turno, a business judgment rule se provou como instrumento flexível que o Judiciário utiliza para restringir abusos caso a caso, sem necessariamente inviabilizar a tomada de decisão dos administradores e sem se transformar em um substituto do administrador. Apesar de a regra da business judgment rule ser aplicada nas decisões de defesa de tentativas de tomada de controle, há decisões contrárias à aplicação da regra para proteger administradores. Nesses casos, recai o ônus de prova no administrador, que deverá demonstrar que agiu no melhor interesse da companhia e não no interesse pessoal de se perpetuar na administração. Em alguns casos, tem-se entendido como questionável a utilização da regra do business judgment rule por não ser decisão do dia-a-dia da companhia.

Não nos deteremos na análise dos mecanismos de defesa de tomada de controle citados, tais como white squire (transações de ações com terceiros), crown jewel (venda de ativos jóia da coroa), transações white knight, oferta de recompra de ações, permuta e dividendos extraordinários, ações ordinárias com direito a

218

SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 210 219 SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 212.

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supervoto, poison pill shareholder rights plans (planos de pílula de veneno), resistência não-estruturada nas disputas pelo controle, etc. Isso porque, ainda que a casuística tenha a sua importância, o que nos importa delimitar é o ambiente de aplicação da regra de julgamento de negócios, que entendemos ser o âmbito do dia-a-dia da companhia e em decisões informadas, interessantes para a companhia e revestidas de boa-fé. Os mecanismos de defesa acima citados são fruto da grande criatividade que detém os que atuam no mercado de capitais e da dinâmica sobremaneira aumentada do ambiente empresarial. Sua logística é extremamente complexa. Em algumas situações, apenas se revestidos da business judgment rule é que os administradores teriam condição de manejar algumas dessas ferramentas. Fato é que apenas no caso a caso é que temos como verificar a aplicação correta e dentro dos propósitos da regra de julgamento de negócios e fica aqui uma certeza: o Judiciário brasileiro e o próprio sistema jurídico (inclusive doutrina) de nosso país, ainda não foi testado o suficiente no que concerne a este instituto. Resta-nos observar a aplicação desse instituto. Neste contexto de incerteza quanto à forma como será aplicada a regra no direito brasileiro, e até quando dos primórdios de aplicação da regra no direito norteamericano, houve um movimento de incerteza quanto à administração das companhias abertas. No dizer de Silva (2007)220:

A necessidade de limitar a exposição dos administradores a riscos e custos de um litígio fez crescer a busca por instrumentos que a reduzissem. Pessoas com boas condições financeiras estavam recusando o exercício da função de administrador, especialmente em companhias abertas, para evitar tais riscos, a não ser que lhes fossem oferecias garantias para o desempenho dessas funções. A indenização e o seguro surgiram como instrumentos para limitar a exposição à responsabilização. No Direito Societário, especialmente na responsabilização de administradores, a indenização pode significar o reembolso que a companhia faz aos administradores por despesas incorridas na defesa processual, particularmente as referentes a custas e

220

SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 239.

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despesas processuais, honorários advocatícios, bem como pelas quantias pagas nos acordos ou condenações judiciais. Por seu turno, o seguro por responsabilização de administradores (hoje conhecido no mercado brasileiro como seguro ‘D&O, derivada da expressão inglesa Directors and officers liability insurance) visa a garantir o pagamento de despesas relacionadas a processos de responsabilização dos administradores.

O nascedouro destes mecanismos, seguros e indenizações, foi a tentativa de evitar a fuga de pessoas qualificadas da atividade de administração das companhias. O que entendemos, enfim, é que, diante de tantos mecanismos de controle, de responsabilização, e de exclusão destas, o direito cumpre o seu papel de buscar uma proporção entre a aplicação de institutos, proteção de diversos atores que participam da sociedade anônima, buscando uma aplicação ponderada de princípios. Este é o grande objetivo do Direito, o de buscar razoabilidade à casuística que se apresenta diuturnamente em nossos tribunais.

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6 CONCLUSÃO

Administrar uma companhia não é tarefa fácil, ainda mais em ambiente de capital extremamente pulverizado e de ativismo de diversas classes de acionistas. Havendo participação plena nas assembléias, e atuação de congregações de acionistas, a tarefa do administrador passa a ser extremamente importante, além de arriscada. É o administrador, sendo ele diretor ou membro do conselho de administração, quem conduz a companhia no sentido de atingir seus objetivos específicos dentro do que mandam o estatuto e a lei, e seu objetivo geral, que é obter lucro. Assim, é justo que ele esteja cercado de garantias adequadas para que um erro de boa-fé, praticado com o objetivo de servir à companhia, ocasione sua responsabilização patrimonial. O problema será sempre o de saber se o administrador estava bem intencionado e seu erro se justifica no ambiente dinâmico, cada vez mais virtualizado, onde suas decisões às vezes são tomadas em frações de segundo. Há necessidade de se estabelecer o equilíbrio entre o ativismo dos acionistas (minoritários ou não), sempre em defesa do êxito da questão, e as circunstâncias em que foram praticados os atos de administração, de maneira a estabelecer à luz da razão se deve haver responsabilização ou exclusão da responsabilidade. Para tanto, tornou-se necessário estudar detidamente os fundamentos da responsabilidade civil. Tanto a culpa lato sensu, seu nexo de causalidade e o dano, extremamente importantes no sistema civil law, como a quebra de regras como corolário da responsabilidade, no sistema common law, são objeto de idêntica atenção. A dicotomia das formas de responsabilização civil nos sistemas jurídicos está presente em nossa Lei de Sociedades Anônimas, que estabelece claramente as normas de conduta a que estão sujeitos os administradores. A lei não faz distinção entre culpa e dolo, mas ao estabelecer regras que devem ser obedecidas pelos administradores, cumpre o papel de estabelecer um padrão de conduta. A verdade é que a separação entre conduta culposa stricto sensu e conduta dolosa pode ser bem tênue, principalmente quando falamos em culpa consciente e

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dolo eventual. A criação de um risco juridicamente relevante, e não permitido, utilizada na doutrina penal da imputação objetiva é o corolário para haver responsabilização, inclusive civil, em algumas ocasiões. Ainda que o ponto focal da responsabilidade civil continue sendo o prejuízo, este deve guardar o necessário nexo de causalidade com a conduta culposa (ou negligente) responsável pelo risco. Isso tudo sem deixar de lado o fato de a conduta do administrador dever, necessariamente, ter ferido um dos deveres que devem ser os pilares de suas ações (obediência, informação constante, diligência, etc.). A inserção do §6º no art. 159 dda LSA, transplantou para a legislação pátria o princípios da business judgment rule, há muito consagrado no direito norteamericano. A inovação obriga os operadores do direito brasileiro a estudar fundamentos

desse

mecanismo,

entre

eles

o

próprio

princípio

do

livre

convencimento motivado e a questão do julgamento por equidade, que já havia sido consagrado em nosso Cóidigo de Processo Civil – CPC. Não obstante todo o alarde que se faz a respeito da aplicação da business judgment rule, cercada por críticas e elogios, este mecanismo nada mais é do que um afastamento da responsabilização do administrador quando o juiz entende que as provas carreadas ao processo (seja qual for a modalidade de ação ajuizada), não são suficientes para compor os elementos de responsabilidade civil. Ou seja, o instituto implica no julgamento por equidade, quando não existem elementos suficientes para responsabilização do administrador – seja por ausência de culpa, nexo de causalidade, etc., seja por não haver quebra de algum dever do administrador. A questão é que a dinâmica de tomada de decisões nas empresas, e até do equilíbrio de forças que fazem parte da gestão, no cotidiano da companhia (stakeholders), é delicada e, principalmente em companhias abertas, extremamente complexa. A quantidade de atores que participam deste ambiente é grande e este contexto faz aflorar a criatividade, criando-se diversos mecanismos de tomada de controle e de defesa da companhia, para citar alguns exemplos. É extremamente importante que existam mecanismos (como a regra de julgamento de negócios) que permitam equilibrar essa estrutura. É sabido que nossos tribunais, infelizmente, ainda não estão plenamente preparados para lidar com questões que envolvam grande complexidade de relações envolvendo a

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estrutura de poder das companhias. Isso porque sequer existem muitos processos ajuizados a respeito, e o tema é de grande dificuldade. Somente à medida que casos sejam apresentados aos nossos Tribunais, havendo a análise de casos concretos, poderá surgir a inspiração para resolução das situações que nos são apresentadas, e estas sendo resolvidas, surgirá a experiência da aplicação de diversos mecanismos e institutos que poderão ser utilizados no dia-a-dia da administração corporativa. Estes mecanismos, claro, têm que ser limitados e bem definidos, sob pena de seu uso acabar sendo equivocado e causar maiores conflitos. Assim, entendemos que a adoção do mecanismo da business judgment rule é benéfico para o ordenamento jurídico pátrio e para toda a ordem legal vigente, pois regrou o julgamento por equidade no que concerne à responsabilidade dos administradores de sociedades anônimas. Se não houvesse um contrapeso como tal, correr-se-ia o risco de ficarmos à mercê das incertezas que ocorrem na casuística dos processos judiciais.

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REFERÊNCIAS

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Governança

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