Eliana de Almeida Pinto Juiz de Direito no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria

Eliana de Almeida Pinto Juiz de Direito no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • A actividade da Administração Pú...
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Eliana de Almeida Pinto Juiz de Direito no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • A actividade da Administração Pública, mesmo quando se organiza e desenvolve usando formas de direito privado, está sujeita a vinculações administrativas fundamentais às quais não pode fugir. A saber: • Princípio da prossecução do interesse público. Respeito pelo princípio da legalidade. Respeito pelos direitos fundamentais. Respeito pelas regras procedimentais administrativas. Sujeição à jurisdição administrativa

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • A Administração Pública actua sempre para prosseguir o interesse público, sendo este efectivamente indissociável de toda a actividade administrativa, independentemente de se tratar de entidades públicas que assumam formas organizacionais de direito privado ou não. • Vide artigo 266.º, n.º 1, da CRP e artigos 2.º e 4.º do CPA, que subordinam a Administração Pública ao princípio da prossecução do interesse público.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Só a lei pode definir os interesses públicos a cargo da Administração Pública, mesmo quando essa determinação é imprecisa, pelo que ela apenas pode actuar se tiver uma lei que a habilite. • O que significa que o princípio da legalidade se constitui como limite da acção da Administração e como seu verdadeiro fundamento, mesmo quando actua segundo as regras do direito privado – n.º 2 do artigo 266.º da CRP.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • O artigo 18.º, n.º 1 da CRP determina, por outro lado, a aplicabilidade directa dos preceitos constitucionais relativos aos direitos, liberdades e garantias tanto às entidades privadas como às entidades públicas, o que significa que tanto tem aplicabilidade directa à actividade administrativa que usa normas de direito público, como à que usa normas de direito privado. • Quanto às regras procedimentais são necessárias mesmo no desenvolvimento da actividade de direito privado da Administração Pública, face à necessidade de defender o interesse público e o respeito pela igualdade dos cidadãos.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Só com esta procedimentalização se garantem as melhores condições para a prossecução do interesse público, graças à obrigatoriedade de intervenção de vários órgãos, ao confronto de pareceres, à obrigação de fundamentação da decisão. • Assim se assegura, desse modo, a necessária imparcialidade imputada à Administração Pública, actuando ela usando normas de direito público ou normas de direito privado.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Mas então o que distingue a actividade pública da privada, sabendo que existe uma separação entre a esfera pública – a do Estado – e a esfera privada – a da sociedade ? • A nossa Constituição da República, nos seus artigos 9.º, 63.º, 64.º, 75.º e 81.º, confia à Administração Publica determinadas missões, confirmando a existência do tal espaço público próprio.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Quais os limites da privatização do exercício da função administrativa e quais os limites para a privatização da execução do exercício da função administrativa? • Paralelamente, questiona-se, ainda, se existe uma garantia institucional da “função pública”, como regime especial da relação de emprego público, materialmente distinta da relação laboral de direito privado?

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Uma coisa é a privatização material das próprias tarefas públicas, outra bem distinta é a privatização da execução de tarefas públicas. • Quando estamos a falar da privatização material das tarefas públicas, estamos a falar da “autêntica privatização”, já que aqui está em causa a mudança na natureza jurídica de uma tarefa, cuja titularidade passa para entidades privadas.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Coisa diferente é a hipótese de privatizar a execução de tarefas públicas, não ocorrendo, aqui, qualquer transformação na titularidade dessas tarefas, projectando-se ela exclusivamente na execução de uma missão que, todavia, continua a ser pública – “falsa privatização”. • Está em causa a possibilidade de participação de uma entidade de direito privado no domínio da execução de uma missão que é pública. Nestes casos, os mais frequentes, até onde é possível ir?

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Dentro da privatização da execução de tarefas públicas, pode ocorrer uma privatização funcional ou uma privatização orgânica. • No caso da privatização orgânica, importa apreciarmos vários graus de responsabilidade pública, distinguindo nelas: a. As tarefas de gestão e direcção, b. As tarefas de preparação das decisões a tomar, c. As tarefas de implementação ou execução material das decisões tomadas.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Quando uma entidade privada fica investida na responsabilidade da execução de uma tarefa pública de gestão e direcção, ela deve passar a estar sujeita a uma reserva de lei. • Já no caso da privatização funcional, ela situar-se-ia apenas na preparação ou implementação e execução das tarefas públicas, emprestando apenas as entidade privadas o seu know-how técnico no auxílio à decisão das entidades públicas.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Não existe nenhuma proibição constitucional geral do exercício de poderes públicos por entidades privadas, como bem resulta do disposto no n.º 6 do artigo 267.º da CRP, desde que esteja em causa apenas a transferência de poderes públicos de exercício. • A delegação de poderes públicos implícita nesta norma constitucional implica a transferência de poderes de auxílio na tomada de decisão pública delegante.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS Mas poderão todas as tarefas públicas ser executadas por auxílio de entidades privadas? • Defendemos a existência de um núcleo excepcional de funções do Estado que estão reservadas à Administração Pública em sentido estrito e que devem, por isso, ser desempenhadas por trabalhadores com vínculo público especial. • Acompanhamos, nesta parte, Pedro Fernández Sánchez que afirma a existência de funções administrativas protegidas por normas constitucionais que estão reservadas exclusivamente à Administração Pública Fernández Sánchez, in “Os Parâmetros de Controlo da Privatização Administrativa”, Almedina, p. 149.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS Que núcleo excepcional de funções do Estado é esse? • Exercício de poderes soberanos • Exercício de poderes de autoridade não soberanos

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS Os poderes de autoridade não soberanos. • Pedro Gonçalves define o poder público de autoridade como o poder estabelecido por uma norma jurídica de direito público (poder normativo), conferido a um sujeito para, unilateralmente, no desempenho de funções administrativas, editar regras jurídicas com eficácia externa imediata na esfera jurídica de terceiros, produzindo, por consequência, declarações com força especial e podendo ser usados meios de coacção sobre coisas ou pessoas. (Vide Pedro Gonçalves, in “Entidades Privadas com Poderes Públicos”, Almedina, p. 597 a 611).

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Estes poderes públicos de autoridade podem manifestar-se por multiplas vias, designadamente pela via: a. Do poder normativo, b. Do poder de declaração de efeitos jurídicos obrigatórios, c. Do poder de emissão de declarações com força probatória especial, d. Do poder de emprego da coacção sobre pessoas e/ou coisas, e. Do poder de recurso aos regulamentos administrativos, à prática de actos administrativos ou ao poder de celebração de contratos administrativos.

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E que funções de autoridade soberanas serão essas? As inerentes à soberania do Estado, por serem inadequadas à utilização do direito privado, sendo incontornável que sua a execução é insusceptível de quaisquer actos de privatização. As tarefas ligadas à garantia da independência nacional (Cfr. alínea a) do artigo 9.º e artigo 273.º da CRP). As tarefas de preservação da soberania estatal na ordem externa e de defesa da sua integridade territorial (defesa da independência nacional perante a comunidade internacional) As tarefas de preservação da soberania nacional na ordem interna (segurança, estabilidade interna, paz social e justiça- n.º 1 do artigo 202.º da CRP).

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS No âmbito das tarefas de preservação da soberania nacional na ordem interna, podemos individualizar: • A Administração da Justiça pelos Tribunais; • A tarefa de gestão global dos centros educativos (onde são institucionalizados menores pela prática de ilícitos) • As tarefas públicas denvolvidas pelas equipas de reinserção social e de vigilância electrónica (que também acompanham a execução das penas), já que a delegação do exercício de tais tarefas a entidades privadas colidiria com a responsabilidade exclusiva do Estado asseguraar a execução das penas, como função essencial de segurança interna e de realização da justiça.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • As tarefas de gestão global dos estabelecimentos prisionais (na medida em que são tarefas públicas exercidas no âmbito da função soberana de defesa da ordem e segurança públicas, estando os guardas prisionais autorizados ao uso directo da força, por um lado, e, por outro, estando na dependência hierárquica dos gestores/directores dos estabelecimentos prisionais, não podendo, portanto, ficar ao alcance de critérios lucrativos, caracterizadores da gestão privada).

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS No âmbito das tarefas de preservação da soberania estatal na ordem externa, individualizamos: • As tarefas inerentes ao poder de decisão diplomática, mas já não está abrangido o exercício da gestão corrente das relações diplomáticas do Estado, por se tratarem de tarefas acessórias à decisão diplomática propriamente dita.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Vital Moreira admite a atribuição a entidades privadas de poderes público-administrativos de autoridade, mas com dois limites: a. Exceptuam-se matérias reservadas constitucionalmente à Administração Pública. b. A atribuição de poderes de autoridade a privados não podem transformar-se em situções-regra Vide: Vital Moreira, in “Administração Autónoma e Associações Públicas”, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, p. 546.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Já Paulo Otero entende que o exercício de poderes públicos de autoridade, por regra, não podem ser delegados em entes privados, falando a este propósito na existência de uma reserva constitucional a favor das autoridades públicas Vide Paulo Otero, in “Vinculação e Liberdade de Conformação Jurídica do Sector Empresarial do Estado”, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 237 e segs.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Na verdade, o n.º 6 do artigo 267.º da CRP legitima a delegação de poderes públicos (apesar da sua redacção menos feliz), mas não podemos dela retirar legitimação para o exercício de poderes públicos de autoridade por entidades privadas, já que a norma apenas se reporta ao exercício de poderes públicos, no sentido de tarefas públicas em geral.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Dito isto, chegamos à questão fundamental: Existirão vinculações constitucionais à generalização das relações laborais de natureza privada (ou semelhantes ás de natureza privada) na Administração Pública? • A resposta a esta questão terá reflexos na discussão da existência ou não de um núcleo essencial do regime jurídico da Função Pública.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Paulo Veiga e Moura defende a existência de um estatuto próprio e exclusivo da Função Pública Vide Paulo Veiga e Moura, in “...A Privatização...”, ob cit, p. 391 a 393, • Lino José Baptista Ribeiro, Juíz Desembargador do Tribunal Central Administrativo do Norte, afirma que a admissibilidade de trabalhadores pelo direito privado ao serviço da Administração, “...de modo algum se pode transformar no regimeregra da relação de emprego público.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS Vide Lino José Baptista Ribeiro, in Privatização das Relações de Trabalho na Administração Pública – Direitos Adquiridos ou Arbítrio Legislativo?”, Colóquios, 2010, Associação dos Magistrados da Jurisdição Administrativa e Fiscal de Portugal, p. 234 a 235 • Liberal Fernandes entende não existir uma previsão constitucional clara da existência de um estatuto próprio e distinto da Função Pública, sendo a Constituição, nesta matéria, neutral. Liberal Fernandes, in “Autonomia Colectiva dos Trabalhadores da Administração. Crise do Modelo Clássico de Emprego Público”, Stvdia Ivridica 9, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, p. 27 e 28.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Ana Fernanda Neves e Fernanda Maças, por outro lado, entendem existir uma preferência constitucional por um regime estatutário na regulação das relações jurídicas de emprego público (Cfr. artigo 269.º da CRP), sujeitando a definição das Bases do Regime da Função Publica a uma reserva de lei (artigo n.º 1, alínea t) do artigo 165.º da CRP). Ana Fernanda Neves, in “ Os desassossegos de Regime da Função Pública”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. XLI, n.º 1, 2000, p. 49 a 69. Fernanda Maças, in “A Relação Jurídica de Emprego Público. Tendências Actuais”, Seminário Novas Perspectivas de Direito Público, IGAT, 1999, p. 13 e segs.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Miguel Lucas Pires não vê que dos preceitos constitucionais dedicados à Função Pública se possa retirar qualquer reserva de consagração de um regime autónomo e diferenciado das relações laborais públicas em relação às demais relações laborais privadas, explicitando que o artigo 47.º, n.º 2 da CRP apenas institui a obrigação de um recrutamento por mérito, como forma de consagrar a igualdade no acesso à Administração Pública. • Miguel Lucas Pires defende não se poder retirar a existência desse regime jurídico-laboral próprio da Administração Pública da alínea t), do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, sustentando que ele apenas estabelece que a definição das Bases do Regime da Função Pública deve constar de Lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei autorizado do Governo, ao contrário do que sucede com a criação do regime laboral comum.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS Miguel Lucas Pires, in “Os regimes de vinculação e a extinção das relaçõs jurídicas dos trabalhadores da Administração Pública”, Almedina, Coimbra, 2013, p. 27 e segs.

A NOSSA POSIÇÃO • A Constituição da República Portuguesa, desde a sua revisão de 1989, prevê muito claramente a existência de trabalhadores ao lado de funcionários e agentes administrativos na Administração Pública e isso merece do intérprete uma análise concreta, no sentido de ter sido intencional a sua admissão simultânea.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • A Constituição assumiu uma posição concreta de admissão da possibilidade das actividades da Administração Pública poderem ser desenvolvidas recorrendo tanto a trabalhadores vinculados por relações laborais privadas, assim como recorrendo a trabalhadores vinculados a um regime público estatutário . • A Constituição estabeleceu, no seu artigo 269.º, sob a epígrafe “Regime da Função Pública”, um estatuto da Função Pública, o que indicia a vontade de tomar posição sobre o assunto.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • A CRP inclui no Regime Jurídico da Função Pública todos os trabalhadores da Administração Pública (estadual, regional e local), os militares e agentes das forças militarizadas, os trabalhadores das empresas públicas que prestem serviços públicos essenciais e os trabalhadores das entidades públicas independentes, qualquer que seja a natureza dos respectivos vínculos jurídicos. • Este “Regime da Função Pública” distingue-se do regime laboral comum, prevendo especialmente o n.º 1 do artigo 269.º da CRP que “... os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público...”.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Também por isso se acautela a regra da proibição da acumulação de funções e/ou cargos públicos (Cfr. n.º 5 do artigo 269.º da CRP), bem como o respeito pelo princípio da imparcialidade da Administração. • Também por isso se instituiu a regra da obrigatoriedade do concurso no acesso à Função Pública, em condições de igualdade e liberdade (n.º 2 do artigo 47.º da CRP), distinguindo-se, claramente, das formas de acesso a um posto de trabalho numa pessoa colectiva de natureza privada.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Também por isso se estabelece uma dupla limitação imposta aos trabalhadores da Administração Pública, relacionada com o respeito pela legalidade financeira, associada à sua responsabilização civil e disciplinar (Cfr. artigo 271.º da CRP). • Ainda se acrescenta o facto de nalgumas funções específicas do Estado os trabalhadores sofrerem de algumas importantes restrições quanto ao exercício de direitos, como é o caso dos direitos gerais de participação política (Cfr. n.º 2 do artigo 269.º da CRP), dos militares e agentes militarizados, cdos agentes dos serviços e forças de segurança (Cfr. artigos 270.º e n.º 4 do artigo 275.º da CRP) e dos magistrados judiciais e do ministério público (Cfr. n.º 3 e 5 do artigo 216.º da CRP).

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • É, por isso, para nós, indiscutível que a Constituição quis autonomizar o Regime Jurídico da Função Pública do restante mundo laboral e quis limitar a liberdade do legislador ordinário, por força da alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, obrigando-o a determinar o regime geral e o âmbito desse mesmo regime jurídico da Função Pública por Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei autorizado, obrigando a um amplo consenso político na sua delimitação.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS Vital Moreira e Gomes Canotilho, diferentemente de Miguel Lucas Pires, em anotação ao artigo 269.º da CRP, não deixam de sublinhar, todavia, que ao confiar à Assembleia da República a definição das Bases do Regime e Âmbito da Função Pública tal significa que estará excluída a possibilidade de eliminar pura e simplesmente a existência de um qualquer regime jurídico específico da Função Pública, diferenciado face às demais relações laborais privadas. Vital Moreira e Gomes Canotilho, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume III, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2010, p. 438, vide anotação ao artigo 269.º da CRP.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Concluímos, então, pela existência de uma reserva de “Função Pública” quanto ao exercício de poderes de soberania e de funções de autoridade pública, desde logo porque o exercício desses poderes de soberania e o uso de prerrogativas de poderes de autoridade, com carácter de permanência, estão reservados às autoridades públicas, incluindo-se a obrigatoriedade de actuação sob formas de organização jurídico-públicas e sob a égide do direito administrativo.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Sublinhamos por consequência a insusceptibilidade de laboralização dos vínculos laborais que envolvam o exercício destes poderes públicos de soberania e de autoridade, constituindo eles, quanto a nós, o núcleo essencial do regime jurídico da Função Pública. • Aliás, o exercício de poderes de soberania e de autoridade públicas, com carácter de permanência, são inadequadas para a utilização do direito privado, conforme estabelece a alínea a) do artigo 9.º, 202.º e 273.º da CRP.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Além das funções de soberania e de autoridade, o artigo 269.º/6 da CRP sujeita todos os restantes trabalhadores da Administração Pública (estejam ou não sujeitos a um regime estatutário público) ao interesse público e a respeitar direitos e deveres que podem ser mais amplos ou mais comprimidos, dependendo das áreas e/ou sectores em que trabalham, e, por isso, entendemos que a Constituição não dá qualquer pista que nos permita determinar um critério definidor das situações em que certas actividades do Estado possam ser levadas a cabo por trabalhadores vinculados por relações jurídico-laborais comuns ou com um vínculo laboral público.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Por isso, divergimos de Paulo Veiga e Moura, Ana Fernanda Neves e Fernanda Maças, na parte em que defendem a existência de uma preferência constitucional-regra pelo regime estatutário da Função Pública, para além das funções que exigem o exercício de prerrogativas de autoridade e de soberania. • Além do exercício destas funções de soberania e autoridade públicas, a Constituição da República Portuguesa não quis criar critérios que apontassem para um alargamento dessa reserva de “Função Pública” ao exercício das demais actividades da Administração Pública, ficando tal alargamento dependente da determinação concreta do âmbito desse regime jurídico da Função Pública pelo legislador ordinário.

VINCULAÇÕES CONSTITUCIONAIS • Quanto a nós é apenas indiscutível que a Constituição quis autonomizar um Regime Jurídico da Função Pública do restante mundo laboral e quis limitar a liberdade do legislador ordinário, por força da alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, obrigando-o a determinar o Regime Geral e o Âmbito do regime jurídico da Função Pública por Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei autorizado. • No fundo, quis impor ao legislador ordinário exercer os seus poderes legislativos, consensualizando-os no parlamento.

BREVIÁRIO HISTÓRICO • Na verdade, até 1982, constituia reserva relativa da Assembleia da República a definição das Bases do Regime e Âmbito da Função Pública. • Analisadas as actas da Assembleia Constituinte percebemos que a discussão em plenário da redacção dada ao artigo 269.º da CRP, na sua versão originária, resultarem as seguintes ideias: 1. O uso da expressão “regime da função pública” foi usado de modo genérico e vago, significando tão só o conjunto das normas que hão-de regulamentar e disciplinar a função pública; 2. A referência a “funcionários e agentes” é equívoca defendendo muitos deputados que seria preferível usarse a expressão “trabalhadores da função pública”.

BREVIÁRIO HISTÓRICO • Já na revisão constitucional de 1982 foi substituída a expressão “funcionário”, constante no artigo 269.º da CRP, por “trabalhadores da Administração Pública. • Ana Fernanda Neves defende que o que esteve na origem da alteração daquelas expressões, na revisão Constitucional de 1982, foi a de tão só “...explicitar a admissão de trabalhadores em regime de direito privado na Administração Pública...”, pugnando pela legitimação constitucional da introdução do direito laboral privado na Administração Pública (Que acompanhamos) Ana Fernanda Neves, in “Relação Jurídica de Emprego Público”, Coimbra Editora, 1999, p. 195.

BREVIÁRIO HISTÓRICO • Nesta discussão de alteração do artigo 269.º da CRP em 1982 presenciou-se à existência de duas teses em confronto: 1. A de que o “funcionário público” é uma espécie de trabalhador diferente dos outros e 2. A de que o Estado estabelece com os seus trabalhadores uma relação de trabalho idêntica às demais relações de trabalho criadas entre as empresas e os trabalhadores, chegando-se mesmo a adiantar, num futuro, a possibilidade de poder haver na função pública um regime privado de contratação.

BREVIÁRIO HISTÓRICO • Aliás, a discussão havida em plenário, a propósito da revisão constitucional de 1982, dos artigos 168.º, 269.º e 271.º da CRP, reflecte já a vontade de parte substancial do plenário em aproximar os regimes laborais da Função Pública, no sentido do vínculo jurídico das respectivas relações laborais, público ou privado se aproximarem. Vide actas do Diário da Assembleia da República n.º 125, de 22 e 23 de Julho de 1982, p. 5270,5276, 5278 e 5281.

BREVIÁRIO HISTÓRICO • Aquando da revisão constitucional de 1982, dos artigos 168.º, 269.º e 271.º da CRP, reflecte já a vontade de parte substancial do plenário em aproximar os regimes laborais da Função Pública, estejamos nós a falar de funcionários, agentes ou demais trabalhadores da Administração Pública, no sentido do vínculo jurídico das respectivas relações laborais, público ou privado se aproximarem.

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