Carlos Branco Ferreira 2015

Relatório Final _____________________________________________________________________________

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Carlos Alberto Salgueiro Galhardo Branco Ferreira Estágio Profissionalizante – Relatório Final NOVA Medical School/Faculdade de Ciências Médicas Universidade Nova de Lisboa

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I – INTRODUÇÃO / ENQUADRAMENTO Desde o séc. XVIII que os sucessivos modelos de educação médica ambicionaram saber refletir as dinâmicas de exigência da sociedade portuguesa. A este propósito é incontornável evocar a portentosa e afamada reforma de 1911. É, todavia, a derradeira das reformas do ensino médico, que começou a bosquejar-se em 1988, que, pessoalmente, reputaria de sem precedentes; ademais exacerbada pela concomitância com o avassalador processo de Bolonha. Posiciona-se na interface entre: a) o progresso imparável do conhecimento biomédico e do desenvolvimento tecnológico; b) a mudança do paradigma reivindicativo dos doentes atinente quer à qualidade/segurança dos cuidados de saúde prestados, quer aos meios implicados para tal e c) o frenesim das reiteradas adaptações na gestão e política de cuidados de saúde. Desde a sua génese, que remonta Comissão Interministerial para a Revisão do Ensino Médico (1989), até à atualidade, a formação pré-graduada em Medicina sofreu um cômputo de marcantes alterações. Uma das mais pungentes é, indubitavelmente, a conversão do 6º ano num estágio profissionalizante, incorporador de uma percentagem apreciável de treino clínico ex-alocado à formação pós-graduada. Desta mudança decorreu a necessidade de definir, para os estagiários, a aquisição de objetivos cognitivos, desempenhos clínicos/aptidões e atitudes/comportamentos curriculares; suscetíveis de consubstanciar as competências nucleares que se estabeleceram como indispensáveis ao médico pluripotencial recém-formado.

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A conclusão dos seis estágios parcelares que – ao abrigo do disposto no regulamento do curso de Mestrado Integrado em Medicina da NMS/FCM – perfazem o estágio profissionalizante aludido, pressupõe o presente relatório 4

final. Posto este enquadramento traço, como objetivo principal do mesmo, no decorrer da minha análise (secção III), a verificação e respetiva discussão do cumprimento das metas de ensino/aprendizagem delineadas para o 6º ano; tal como vertidas quer nos documentos pluri-institucionais concertados, quer nos programas dos estágios parcelares – para tal recorrerei à discriminação ex ante, na secção II, dos elementos que, durante o ano letivo, considero mais relevantes para saldar esse desiderato. Considero que aquela verificação se coloca com tanto mais acuidade quanto, recentemente, foram publicados estudos (efetuados em amostras de alunos estagiários) denunciadores de resultados sombrios quanto à performance de alguns indicadores que, nesta matéria, reputaria de fulcrais.

II – CORPO/DESENVOLVIMENTO Apresento uma súmula dos elementos mais valorizados durante o estágio profissionalizante, que permitiram praticar os 4 níveis de diferenciação: teórico, observarão/demonstração, aplicação/realização e rotina. i) benefício de um programa formativo contínuo, consistindo em: a) seminários teórico-práticos (Medicina, Cirurgia, Pediatria); b), sessões clínicas hospitalares

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(todas as especialidades) e apresentação de casos clínicos com revisão teórica de fim de estágio (pelos grupos de estagiário/todas as especialidades) ii) presença em reuniões clínicas de serviço (especialidades hospitalares), por vezes multidisciplinares (ex. na Psiquiatria com: psicólogos, enfermeiros, 5

assistentes sociais) e em reuniões de decisão terapêutica, com várias especialidades (ex. Cirurgia ) iii) participação nas seguintes actividades clínicas: a) consulta externa (diferentes consultas de todas as especialidades), em regime observacional ou autonomia; b) urgência (excepto MGF); c) enfermaria (excepto MGF e Psiquiatria); d) bloco operatório (Cirurgia, Ginecologia-Obstetrícia), em regime observacional e de 2º ajudante; e) Pequena Cirurgia, em autonomia (Cirurgia); f) técnicas diversas (GO, Gastrenterologia, Pneumologia, Cardiologia), em regime observacional e g) sala de tratamentos em autonomia (ex. Cirurgia). iv) observação/realização/rotina da abordagem/gestão do doente numa conceção biopsicossocial/holística; respeitando os aspetos pessoais, culturais, familiares, laborais, religiosos, económicos, etc. (muito patente em MGF, mas válido para todos os doentes) v) abundante incentivo, por parte dos tutores dos diferentes estágios, à responsabilidade clínica, à revisão teórica e à autonomia na realização até à rotina de: anamnese, uma miríade de manobras de exame objetivo (mais ou menos direcionado), determinação de diagnósticos, prescrição de terapêutica e de exames complementares de diagnóstico simples vi) autonomia na observação de doentes complexos internados (ex. Medicina Interna), com o respetivo registo diário (em diário clínico) de: ocorrências,

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anamnese, exame objetivo, listagem de problemas ativos/relevantes (com interpretação dos ECDs requisitados) e plano (prescrição, requisição de exames ou consultas de outras especialidades, etc.) vii) acompanhamento de reuniões com doentes e/ou respetivas famílias para 6

discussão dos seus casos clínicos; nomeadamente em situações limite (ex. malformações ou aborto em Obstetrícia) e graves ou paliativas (ex. cancro avançado, em qualquer especialidade) viii) observação da gestão de aspetos administrativos associados a procedimentos clínicos (ex: indução do trabalho de parto e aborto em GO; baixa médica, renovação da carta de condução em MGF ); ix) acompanhamento da gestão de processos de articulação: a) de UCP com outras unidades de saúde (ex. referenciação em MGF); b) de unidades de saúde com outras instâncias como tribunais, penitenciárias, escolas, etc. (ex. Psiquiatria); c) de uma especialidade com outras do mesmo ou outros hospitais (ex. Medicina Interna) x) elaboração de notas de alta ou de transferência (para o domicílio ou outras unidades e saúde) e de certidões de óbito xi) acompanhamento de visitas domiciliárias e/ou prestação de cuidados médicos em ambiente rural (MGF), com especificidades próprias xii) prática de prevenção primária (consultas de diferentes especialidades), secundária e terciária (ex: ginásios de reabilitação cardíaca em Cardiologia) xiii) promoção da auto-suficiência na utilização dos diversos softwares usados na informatização das consultas médicas

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xiv) observação de gestão de conflitos em contexto de urgência (ex. acompanhantes em Pediatria) – aptidões interpessoais de comunicação xv) elevada rotatividade dos estagiários por vários médicos subespecializados do Serviço (GO), fomentando a relação com colegas 7

xvi) observação de consultas de enfermagem (MGF), fomentado a relação com outros profissionais de saúde

III – REFLEXÃO CRÍTICA FINAL Dos elementos enumerados na secção II, decorre a possibilidade de elencar os objetivos atingidos. Assim: - a revisão/consolidação de conhecimentos teóricos previamente obtidos (abundantemente discriminados nos doc. de consenso e nas fichas de cada unidade curricular) fica assegurada pelas seguintes vias: a) as expostas em i); b) pelo estudo requerido pela necessidade de saber gerir, em autonomia, os doentes (tantas vezes com co e multimorbilidades) e saber discuti-los com os tutores (como decorre de iii), v) e vi)) nos diversos ambientes de observação (consulta, internamento, urgência, etc.); c) por ser esse um dos critérios de avaliação do estagiário. A rotação pelos 6 estágios parcelares predispõe o contacto com as patologias mais prevalentes em crianças, grávidas, adultos e idosos, fomentando o conhecimento sobre as mesmas – quer na dimensão clínica, quer na básica que lhe está subjacente. Nem todos os utentes são doentes. O esforço que incumbe ao médico fazer na prevenção primária requer o conhecimento epidemiológico das doenças. Obviamente que dos inúmeros requisitos definidos na lista de conhecimentos e aptidões há, necessariamente, Carlos Alberto Salgueiro Galhardo Branco Ferreira

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alguns que não são atingidos na sua plenitude. Não valerá a pena estar a discriminá-los caso a caso. A elevada carga teórica, teórico-prática, o trabalho de enfermaria, a apresentação de casos clínicos e respetivas revisões teóricas, etc…. em simultaneidade com a pressão omnipresente da Prova Nacional de 8

Seriação tornam a revisão teórica de todos os temas, por vezes, inviável. A título de exemplo cito os objetivos de aprendizagem definidos pela UC de Saúde Mental ou os conhecimentos de bioética e direito médico que de espera que o médico detenha. É claro que, em contrapartida, outro objetivo que considero atingido

é

a

capacidade

de

aprender

autonomamente;

pelo

que,

atempadamente, acredito ter oportunidade de rever os conhecimentos em falta. Essa determinação de desenvolvimento pessoal constitui, aliás, um atributo pessoal que se requer do jovem médico. Outro quesito teórico que se exige ao médico é o conhecimento da história da medicina. Por subscrever essa importância e ser uma área que desde sempre me apaixonou, frequentei, durante o ano letivo que agora termina, o ano curricular de um mestrado em História e Filosofia das Ciências e, ainda, estou no final do ano de tese do mestrado em Museologia noutras faculdades da Universidade de Lisboa. Esse facto sobrecarregou-me o ano letivo e não me deixou tempo para atender formação extracurricular de índole médica/clínica. Todavia, este novo modelo educativo valoriza a aquisição de conhecimentos ajustados às necessidades individuais. Defende-se, aliás, que as características extracurriculares de cada candidato podem representar um valor acrescentado em relação aos demais - em termos de atributos pessoais, penso os valores do respeito, da responsabilidade, do empenhamento, etc. não decorrem de uma lista de requisitos de uma unidade curricular. Penso que deter eu tais valores decorre

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do facto de nunca, durante nenhum estágio, ter sido repreendido a esse respeito. A necessidade destes valores é sistematicamente posta à prova nas várias especialidades e todos os contextos – a título de mero exemplo confrontei-me, no estágio de MGF, com valores culturais de uma vasta comunidade cigana no 9

Alentejo que, inclusivamente, interferiam com a relação médico-doente. Em termos de relações profissionais, neste ano mais que em qualquer outro, somos confrontados, sobretudo quando assumimos doentes em autonomia (tutorada), com a necessidade de saber comunicar com colegas e outros profissionais de saúde e, obviamente, com os doentes e seus familiares. Na secção II referi-me a todos estes aspetos. Quanto à relação com a sociedade, qualquer um dos estágios em questão deu repetida formação sobre os princípios de confidencialidade e consentimento informado (por ex. num âmbito os procedimentos invasivos nas subespecialidades médicas ou cirúrgicos). A rotinização das consultas sensibiliza para os aspetos da relação custo-eficácia despertados pelas situações de dificuldade financeira de muitos utentes e também pela própria proatividade do sistema (por ex. as receitas discriminam os custos dos fármacos ou pela estatística de ECDs requisitados por casa médico) - em termos de aptidões clínicas, em todos os estágios se insiste até ao zénite no treino de histórias clínicas que suscitam a capacidade de desempenhar um exame físico completo. O mais exigente a este respeito é o de Medicina Interna onde o estudo exaustivo de cada doente precisa do treino exímio desta aptidão. O seguimento de um doente requer as capacidades diagnóstica e terapêutica que foram repetidamente praticadas, assim como a capacidade de saber quando referenciar (que, ademais, mostra conhecimento dos próprios limites). Tudo isto decorre da secção II. O exercício mais autónomo e menos observacional não

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dispensa a habilidade de comunicar com o doente e/ou sua família, não apenas para obter uma boa história como para assegurar inteligibilidade e adesão terapêutica. Considero ser mais uma aptidão adquirida. Por fim há necessidade de domínio das ferramentas tecnológicas ao dispor da atividade clínica. Acresce 10

a necessidade de produzir e manter registos rigorosos e adequados dos doentes por todas as razões: segurança do doente e do médico, boa gestão do caso por outros especialistas que necessitem de ver o doente, etc. No que se refere a objetivos não alcançados: a) não tenho presentes os fundamentos teóricos, básicos e clínicos, de todas as patologias nomeadas nas fichas de cada UC (já falei sobre isso); b) sinto insegurança, em algumas circunstâncias de maior complexidade, de estabelecer um plano de investigação das hipóteses diagnósticas versus estabelecimento de prioridades relativamente aos problemas críticos e identificar os múltiplos fatores que contribuem para o sofrimento do doente e desenvolver estratégias de alívio em conformidade; c) tenho, nalguns casos, fragilidades em termos de terapêutica, especialmente no que concerne à dosagem, frequência das administrações, estabelecimento do plano

de

seguimento

e

d)

apresento

debilidades

em

identificar

e,

fundamentalmente, explorar diferentes oportunidades para adquirir experiência e formação em investigação e, neste domínio, compreensão de todos os problemas que se colocam à prática médica e ao exercício da investigação, nomeadamente ao nível dos conflitos de interesse. Para terminar considero ter atingido a maioria dos objetivos do estágio profissionalizante.

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