Linguística

Universidade Estadual de Campinas Instituto de Estudos da Linguagem XIX Seminário de Teses em Andamento

Transdiciplinaridade em foco: Uma homenagem aos Professores Kanavillil Rajagopalan, Marilda do Couto Cavalcanti e Suzi Frankl Sperber.

Caderno de Resumos Expandidos

Campinas 04, 05 e 06 de Novembro de 2013

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

COMISSÃO ORGANIZADORA XIX SETA

Reitor Fernando Ferreira Costa Vice-reitor Edgar Salvadori De Decca

Divulgação Científica e Cultural Alex Contin Jessica Norberto Patrícia Lopes

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM Diretora Matilde Virgínia Ricardi Scaramucci Diretor-Associado Flávio Ribeiro de Oliveira

Linguística Alan Lôbo Janaina Olsen Rodrigues Josie Siman Letícia Schiavon Kolberg Marina Peixoto Soares Rogério Luid Modesto dos Santos

COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO Coordenador Fabio Akcelrud Durão Sub-comissões de Pós-graduação: Linguística Plínio Almeida Barbosa Suzy Maria Lagazzi Paulo Sérgio de Vasconcellos Linguística Aplicada Maria Viviane do Amaral Veras Maria Rita Salzano Moraes Marcelo El Khouri Buzato

Linguística Aplicada Ana Amélia Calazans da Rosa Jordan Oliveira da Silva Junot Maia Paula Baracat De Grande Rafael Salmazi Sachs Teoria e História Literária Aline Zouvi Clara Carolina Souza Santos Daniel Arantes Luiz Maurício Azevedo

Teoria e História Literária Marcos Antonio Siscar Fabio Akcelrud Durão Márcio Orlando Seligmann Silva Divulgação Científica e Cultural Susana Oliveira Dias Monica Graciela Zoppi-Fontana Cristiane Pereira Dias

2 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

NOSSOS AGRADECIMENTOS AO APOIO RECEBIDO DE:

PRPG

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Resumos

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Divulgação Científica e Cultural

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Adriana de Lima Barbosa (LABJOR/UNICAMP) O PAPEL DOS MUSEUS DE CIÊNCIA NA FORMAÇÃO DA CULTURA CIENTÍFICA: A EXPERIÊNCIA DOS MUSEUS CATAVENTO CULTURAL (ESTADUAL), SABINA (MUNICIPAL) E EXPLORATÓRIO DE CIÊNCIAS (UNIVERSITÁRIO) O interesse crescente pela Ciência, atestado por diferentes pesquisas de opinião pública, revelam a importância das instituições museais de Ciência e Tecnologia (C&T) para a sociedade via suas características educacionais, motivacionais e lúdicas. Nos últimos dez anos se viu um crescimento da importância da C&T na realidade brasileira e, também, da ciência brasileira no exterior, principalmente no que se refere à academia. Esse amadurecimento das questões científicas motivadas pelas necessidades de um mundo que vive na era da informação, vem se refletindo nas públicas públicas voltadas para os setores científicos, educacionais e de indústria e comércio. Também nos últimos dez anos vê-se no Brasil um crescimento, ainda que tímido, de iniciativas museológicas dinâmicas (hands on), com o intuito de atrair e despertar o interesse da C&T em crianças e adolescentes. Apesar das iniciativas adotarem discursos similares calcados no reconhecimento delas para o futuro estratégico em um país cujo baixo nível de aprendizado de Ciências, Matemática e Leitura é uma realidade, cada instituição possui seus objetivos próprios e uma singular formatação de sua estrutura administrativa. Cada instituição é também única na maneira de pensar seus conteúdos, apresentação e público. Compreender o papel desses centros científicos-tecnológicos na educação não-formal e suas formas de atuação na sociedade brasileira para a formação da cultura científica é o objetivo desta pesquisa. Trata-se de um estudo de caso múltiplo, no qual serão estudadas três diferentes propostas de vínculo administrativo-financeiro: o estadual, o municipal e o universitário. Para a pesquisa, foram escolhidas instituições localizadas no Estado de São Paulo, a citar: Catavento Cultural (estadual), Sabina Parque Escola do Conhecimento (municipal de Santo André) e Museu Exploratório de Ciências (universitário da Universidade Estadual de Campinas). A hipótese central deste trabalho é que os museus e centros de ciência, por suas características lúdicas, contribuem para a divulgação de conceitos científicos e tecnológicos, além de motivar alunos e 6 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

professores para melhorar o ensino de ciências nas escolas e formação do pensamento crítico. Contribuindo assim, para a formação da cultura científica. De forma adicional, ao irem aos museus de ciência com suas escolas, muitos estudantes retornam posteriormente com os pais e demais familiares. Também será aferida a importância que o as instituições museais recebem dentro de suas próprias instituições, a partir da análise de ações institucionais como suporte de infraestrutura e recursos humanos, repasses financeiros, além do registro dos motivos que fizeram com que os museus existissem. A pesquisa contextualizará o papel das universidades brasileiras na estruturação de museus e centros de ciência, bem como dos municípios e dos estados. Para tanto, a pesquisa discorre sobre a trajetória dos museus e centros de ciência selecionados desde suas fundações, mapeando suas ações para a comunidade em geral e para as escolas, em particular. Tendo como base os Parâmetros Curriculares do Ensino Nacional de Ciências (PCNs) para a Educação Básica acompanhará as atividades e visitas. A opção em priorizar o acompanhamento de estudantes do Ensino Básico devese à importância dos anos iniciais de ensino para a formação de uma cultura científica sólida. Outro aspecto a ser considerado são os resultados de pesquisas, como os da Prova ABC (Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização), publicada em agosto de 2011, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). De acordo com seus resultados, metade das crianças de escolas brasileiras públicas e privadas concluintes do 3.º ano (antiga 2.ª série) do Ensino Fundamental não aprendeu os conteúdos esperados para esse nível de ensino. \"O papel dos Museus de Ciência na formação da cultura científica: a experiência dos museus Catavento Cultural (estadual), Sabina (municipal) e Exploratório de Ciências (universitário)\" é uma pesquisa que busca fazer uma análise completa e profunda dos museus e centros de ciência brasileiros e suas políticas. Palavras-chave: Comunicação; Divulgação Científica; Cultura Científica; Educação Científica; Unicamp

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Ailton Alex Contin (LABJOR/NUDECRI/IEL/UNICAMP) MÍDIA E ECONOMIA: LIMITES, FATOS E VERSÕES. O PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DO GOVERNO FHC (1995-2002) Nos jornais e revistas de grande circulação, o noticiário econômico é pautado pelo interesse público, empresarial, financeiro e pelas relações entre Estado e sociedade. Alterações no processo inflacionário, conflitos internacionais com embargo econômico, oscilações nas bolsas de valores, quebra de bancos, oscilações de impostos em produtos, investimentos, consumo, salários são alguns dos temas recorrentes na mídia. Com as mudanças dos hábitos de consumo e o aquecido desenvolvimento econômico brasileiro na década de 1970, um novo público, composto por economistas, empresários, estudantes e assessores técnicos públicos e privados, passam a se interessar pelas notícias econômicas e se tornam parte do universo da mídia. Contudo, quando o jornalismo econômico se encontra com temas relacionados às políticas econômicas e planos de governo, as críticas à sua independência começam a convergir com as críticas da práxis do jornalismo e a questionamentos quanto à manipulação das informações e a capacidade de a imprensa influenciar e induzir seus leitores de acordo com suas políticas e ideologias. A partir do momento que passa por lentes de captura diferentes dos agentes da mídia, como afirmam Cremilda Medina e Patrick Charadeau, a realidade pode ser distorcida ou manipulada, intencionalmente ou não. Sobre manipulação, o jornalista Perseu Abramo (Padrões de manipulação da grande imprensa, 2003) propõe uma teoria estruturada em cinco os padrões: os de ocultação, fragmentação, inversão e indução; e o quinto, referente às televisões e rádios que é o que o autor chama de padrão global ou padrão específico do jornalismo de televisão e rádio. Todos estão ligados com o trabalho e a dinâmica nas redações e a forma como a notícia é tratada por repórteres, editores e demais profissionais deste ambiente. Além de Abramo, outro crítico da forma como a imprensa manipula informações é Aloysio Biondi. Junto da obra de Abramo, Biondi propôs nove truques utilizados pela imprensa brasileira durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Além disso, Biondi também foi crítico da ação da imprensa frente ao processo de privatização das empresas estatais brasileiras. Iniciado no final da década de 1980 e intensificado na de 1990, esse processo de 8 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

desestatização do Brasil foi alvo de poucas críticas negativas e muita conivência, na visão de Biondi. O processo teve amparo legal. Em 1990 é criado o Programa Nacional de Desestatização (PND) por meio da Lei 8.031, de 12 de abril daquele ano, assinada pelo então presidente da República Fernando Collor. Apesar de antes desta data já ter acontecido privatizações de 39 empresas de diversos setores e uma arrecadação de 735 milhões de dólares, foi no governo de FHC (PSDB), de 1995 até 2002, que este processo foi mais acelerado. De 1995 a novembro de 2000 foram privatizadas 40 empresas, sendo sete concessionárias de serviços públicos. Contudo, apesar de algumas poucas vozes dissonantes, a crítica em geral, por conta do processo neoliberal, aponta o processo como benéfico para o Brasil. Tendo como pano de fundo as privatizações, este trabalho parte das relações entre economia e mídia para estudar se a grande imprensa manipulou ou não as informações sobre esse processo durante os dois governos do presidente Fernando Henrique Cardoso. Com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e orientação da professora doutora Graça Caldas, o projeto busca examinar quais foram e como foram narrados os fatos sobre esse processo em quatro revistas brasileiras semanais de grande circulação (Veja, IstoÉ, Carta Capital e Época), considerando os fatos, as abordagens, as versões, face à importância da mídia na formação do imaginário social. O trabalho se insere nos Estudos Culturais de Stuart Hall e será estruturado como um Estudo de Caso múltiplos considerando o referencial teórico de Dominique Wolton e os limites entre argumentos e a manipulação da palavra de Philippe Breton. A discussão sobre o processo de privatização e a forma como a grande imprensa tratou o tema trazem também à tona discussões importantes sobre o “espaço público” de Habermas, as mediações entre público e privado, e também sobre o papel do jornalismo e da qualidade da informação jornalística na constituição de um interesse público. A partir da interação entre espaço público, interesse público e o papel da imprensa neste cenário, é possível problematizar mais uma vez qual foi o papel da grande imprensa na cobertura do processo de privatização das empresas estatais brasileiras. Considerando que o “espaço público pressupõe (...) a existência de indivíduos mais ou menos autônomos, capazes de formar a sua própria opinião, não ‘alienados aos discursos dominantes’, que acreditam nas ideias e na argumentação” 9 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

(Dominique Wolton, Pensar a comunicação, 2004, p. 512), é passível de verificação a afirmação de Biondi (O Brasil provatizado: um balanço do desmonte do Estado,2003, p.10), de que “houve uma intensa campanha contra as estatais nos meios de comunicação, verdadeira ‘lavagem cerebral’ da população para facilitar as privatizações”. Palavras-chave: Mídia; Economia; Jornalismo Econômico; Privatização; Manipulação

Ana Paula Soares Veiga (UNICAMP) POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO INTEGRADA E POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA NAS UNIDADES DE PESQUISA DO MCTI O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) mantém desde 2003, em sua estrutura organizacional, uma Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social, subdividida em dois departamentos – i) Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia e ii) Ações Regionais para Inclusão Social. Uma das mais abrangentes atividades do Departamento de Popularização e Difusão da Ciência é a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, realizada anualmente. Entretanto, não se verifica uma política de comunicação do MCTI junto aos seus 16 institutos de pesquisa, que promova a difusão do conhecimento e a popularização da ciência de forma sistêmica e integrada. Esta pesquisa pretende avaliar as estratégias de divulgação e os produtos e serviços disponíveis nos sites desses institutos de pesquisa na Internet, voltados especificamente para os diversos públicos de não cientistas – meios de comunicação, educação (professores e estudantes de ensino fundamental e médio) e instituições públicas e privadas. A partir dessa análise, pretende-se apresentar diretrizes para o desenvolvimento de uma política de divulgação e comunicação integrada dirigida a esses institutos do MCTI e seus múltiplos públicos, visando fortalecer a credibilidade e a imagem dessas instituições, bem como oferecer à sociedade uma informação de qualidade, que possibilite transmitir de forma eficiente, eficaz e adequada o conhecimento gerado pelos pesquisadores. O projeto tem como objetivo geral analisar as políticas de comunicação e as estratégias de divulgação do MCTI e de seus institutos de pesquisa, para avaliar a atuação dos mesmos na área de 10 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Difusão do Conhecimento e Popularização da Ciência. A pesquisa terá como foco principal a comunicação digital nos sites dos institutos de pesquisa vinculados ao MCTI e no próprio portal do Ministério na Internet. Mais especificamente, o projeto pretende: 1) Traçar um breve histórico da política científica e de divulgação científica no Brasil; 2) Fazer uma reflexão sobre a importância e a função da comunicação digital no processo de popularização do conhecimento e da ciência no Brasil; 3) Examinar a política de comunicação científica do MCTI e suas estratégias em relação aos seus institutos; 4) Verificar a estrutura e as estratégias de divulgação do MCTI e de seus institutos por meio da comunicação digital, visando seus diferentes públicos; 5) Verificar se a política de comunicação do MCTI está em consonância com as diretrizes traçadas para a popularização da ciência durante a 4ª Conferência Nacional de CT&I; 6) Analisar os sites do MCTI e de seus 14 institutos de pesquisa; 7) Mapear os sites do MCTI e de seus institutos para verificar se existe uma identidade visual e estrutura de comunicação integrada. O trabalho será desenvolvido a partir de: i) pesquisa bibliográfica com fontes primárias e secundárias nas áreas de Comunicação Pública, Comunicação Digital, Comunicação Institucional, Jornalismo Científico e Divulgação Científica; ii) observação e análise de sites na Internet; iii) entrevistas semiestruturadas (com roteiro prévio) com assessores de comunicação, secretários e ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação. A metodologia proposta é o Estudo Múltiplo de Caso. O estudo será desenvolvido por meio da análise da política de comunicação do MCTI e do mapeamento da estrutura e das estratégias de comunicação de seu portal e dos sites na Internet de seus 16 institutos de pesquisa, com foco na divulgação dos produtos e serviços de difusão de conhecimento e popularização da ciência disponíveis. Serão analisadas ainda as Salas de Imprensa desses institutos, com base nas categorias analíticas estruturadas por Alessandra De Falco (Comunicação e Inovação em Portais Corporativos - Os casos da Embraer, Natura, Faber-Castell e Rigesa. Artigo baseado na dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, Mestrado, da Universidade Metodista de São Paulo, 2009). Pretende-se também comparar esses sites com iniciativas de instituições similares no Brasil e/ou no exterior, que possuem uma política de comunicação voltada para a divulgação de produtos e serviços direcionados a 11 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

público de não cientistas. Espera-se obter um panorama geral das políticas, ações, atividades, produtos e serviços voltados para a Difusão e Popularização da Ciência dos diversos institutos de pesquisa vinculados ao MCTI, disponibilizados em seu site na Internet para acesso do grande público. Palavras-chave: Políticas Públicas de Comunicação; Portais dos Institutos do MCTI; Comunicação Digital de Ciência

André Luis Portes Ferreira Coelho (LABJOR/NUDECRI/UNICAMP) BRACE YOURSELVES, MEMES ARE COMING - FORMAÇÃO E DIVULGAÇÃO DE UMA CULTURA NERD ATRAVÉS DE IMAGENS ENGRAÇADAS DA INTERNET A pesquisa busca explorar as possibilidades de divulgação cultural que existem nos blogs e sites humorísticos da internet, principalmente o material produzido por usuários. Chamados pelos próprios internautas de “memes”, essas imagens permeiam as redes sociais, blogs e sites específicos para sua publicação, todos interligados, como assim permite a nossa atual configuração da internet – o conteúdo é trocado entre plataformas virtuais de forma livre, irrestrita, e até mesmo irrefreável. Sem qualquer conhecimento de sua origem formal, ou mesmo de sua autoria, os chamados memes não são entidades próprias, mas sim padrões, modelos prontos de divulgação, que flutuam pelo mundo virtual, permitindo que qualquer usuário o “apanhe”, crie sua própria versão, alterando-o como desejar, e novamente solte-o para o mundo. Enquanto a divulgação de cada imagem individual é limitada às conexões que o usuário estabelece com a internet, a propagação dos memes em si é extremamente eficiente, tornando possível que mesmo usuários casuais reconheçam as imagens, e entendam seu funcionamento. Ao longo do trabalho, foi explorada a criação dos memes, e o processo de autoria dentro dos padrões da subcultura de criadores de memes, modificando-se conforme se faz necessário dentro das condições de produção. Essa modificação, ao contrário do que se imagina inicialmente, não traz qualquer prejuízo para a identidade do “meme”, pois mesmo alterado, ele mantém determinadas características que tornam possíveis reconhecê-lo como sendo o mesmo. Pelo contrário, faz com que o meme se “adapte” e 12 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

continue a ser repostado e compartilhado, garantindo assim seu status contínuo nesse Darwinismo imagético. Memes, em geral, são replicados através dos mais diversos meios, como escrita, imagens, e até mesmo da oralidade, remetendo aos contos de fadas, músicas populares, e outras tradições orais. Porém, através da internet, criamos um espaço em que a replicação de um meme pode ser maximizada; um espaço virtual sensível, no qual podemos significar conforme “vivemos” nele, enquanto ele não existe como representação de um determinado espaço pré – existente, mas sim a simulação, a sintetizar a complexidade do mundo real através de uma visualização numérica, em pixels, que já não corresponde mais ao real. Como conseqüência deste envolvimento, podemos dizer que a internet hoje foi tomada por um enorme fluxo de informação publicada por usuários, através de blogs, fóruns e grupos de discussão, um novo lugar para o convívio social e o jogo. Assim, tomando as comunidades de redes sociais como exemplo, é um espaço em que além da interação social, existe o debate de opiniões, a troca de informações e até a produção e compartilhamento de conteúdo, tornando cada membro responsável pelos tópicos, pesquisas e até imagens, criando assim um ambiente ideal para que os “memes” possam se replicar – adaptando elementos precedentes da comunidade em questão, criando seus próprios “memes”, suas representações, e divulgando-os no mesmo espaço, ou seja, na internet. E é nesse espaço, sob essas condições, que temos o processo de divulgação cultural nas comunidades, tanto a comunidade recebendo e alterando sentidos externos quanto divulgando e re-significando seus próprios elementos. Dentre os conceitos debatidos ao longo da pesquisa, incluem-se a definição do que é uma subcultura, como uma subcultura interage com a norma social, perturbando-a, uma exploração discursiva da subcultura nerd (os principais produtores de memes), a assimilação cultural da subcultura nerd, e o conceito de memória metálica, a memória da máquina, que se opõe a memória discursiva e memória de arquivo, por sua materialidade metálica, sua existência enquanto simulacro e não representação, e sua horizontalidade, na qual as memórias estão ao alcance de um mecanismo de busca. Na apresentação, pretende-se demonstrar algumas imagens criadas por usuários, e analisa-las, buscando a de-superficialização da imagem enquanto texto, buscando assim compreender o processo de produção de sentidos nos memes. 13 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Podemos afirmar que os “memes” são textos, por serem capaz de levantar e negociar sentidos, mas cabe agora irmos além da imagem e da legenda, buscando o que mais é dito, por quem é dito, e o que é silenciado, mas continua gerando significados. Através da análise do discurso e a leitura de imagens, podemos analisar elementos da subcultura nerd, e o modo como sua ideologia interage com o discurso social corrente, além de entender o processo de sua constituição discursiva. Palavras-chave: discurso; meme; cultura nerd; divulgação cultural; internet

Andrea Klaczko (UNICAMP) DISCURSOS PEDAGÓGICOS NO EXERCÍCIO DE PRODUÇÃO DO JORNALISMO COMUNITÁRIO Essa pesquisa é parte do Projeto Barracão, um projeto de extensão realizado pelo Laboratório de Estudos Urbanos (LABEURB/NUDECRI – Unicamp) e financiado pelo Ministério da Educação (MEC) por doze quatro meses, de julho de 2011 a julho de 2013, na linha de Arte e Cultura. O projeto já acontecia desde fevereiro de 2010, com algumas reuniões e oficinas no bairro Eldorado dos Carajás. Localizado na periferia da cidade de Campinas, o Eldorado existe desde 1996 e é fruto de uma ocupação de terras próximas ao aeroporto Viracopos, conseguindo o estatuto de bairro somente em 2011. O Projeto Barracão teve como método de atuação diferentes oficinas destinadas especialmente às mulheres, crianças e adolescentes do bairro. Desviando de um caráter assistencialista ou profissionalizante, essas oficinas teriam como finalidade possibilitar aos moradores do bairro o exercício da cidadania através da diferentes formas de sensibilização do indivíduo, como informática, artesanato, cinema e comunicação. Para Dias, as oficinas teriam como principal objetivo \"colocar o sujeito em confronto com sua realidade, a fim de mostrar que o sentido do espaço que ele habita, já significado como sendo de periferia, pode ser outro. Assim como o sentido dos espaços dos quais ele se sente excluído também pode ser outro. Nosso objetivo, portanto, é desnaturalizar a relação inclusão/exclusão, produzindo para essa “oposição”, outros 14 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

sentidos, e demonstrando sua contradição (Cristiane Dias, Revista da Abralin, 2011)\". E é justamente essa oportunidade de colocar o sujeito em confronto com sua realidade que faz do Barracão um projeto que possibilita aos sujeitos participantes das oficinas o exercício de cidadania. Cidadania aqui colocada não somente como os direitos básicos garantidos pelo Estado a um cidadão, mas como a possibilidade de transformar esses indivíduos em sujeitos políticos. Em nossa pesquisa de mestrado propusemos trabalhar com adolescentes de 14 a 20 anos dessa região de Campinas, para produção de dois periódicos comunitários para o Eldorado dos Carajás. Um seria impresso e outro online, com o objetivo de, partindo das teorias da comunicação comunitária, envolvê-los em uma produção de conhecimento para o bairro, permitindo a este grupo de jovens o exercício reflexivo do local aonde vivem. Paiva & Sodré (2002), defendem a comunicação comunitária como uma alternativa de ferramentas para dar voz às minorias marginalizadas. Os pesquisadores a definem como um veículo de pressuposto político feito pela e para a comunidade, com o objetivo de produzir mensagens sob a ótica daquela realidade, diferente do discurso produzido pela grande mídia. Com nosso projeto, queríamos possibilitar aos adolescentes a experimentação das diferentes linguagens jornalísticas nas oficinas, mesmo que esse contato fosse feito sem que eles tivessem a consciência de qual seria nosso objetivo final, a produção de periódicos. No primeiro momento, aspirávamos apenas sensibilizá-los às técnicas de fotografia, escrita e diagramação. Depois que eles já estivessem dominando as práticas dessas diferentes linguagens, poderíamos mostrar a eles como utilizá-las como ferramentas para produzir algo. Nossa vontade é que partisse dos meninos a ideia de produzir um pequeno jornal para o bairro, que viesse deles a consciência da possibilidade de transformação da técnica em ferramenta. Os pontos de chegada dependeriam da forma de interação com esses jovens e do próprio perfil que seria criado pelo grupo. Planejamos, então, dois grupos de oficinas: o primeiro em que ocorreria essa sensibilização à fotografia, escrita e diagramação; e o segundo com a produção efetiva dos periódicos para o bairro ou do produto que nasceria nessa interação com os adolescentes. A partir da formação do nosso grupo de trabalho, composto por sete jovens, pudemos amadurecer a forma como aplicaríamos os exercícios de 15 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

sensibilização às técnicas jornalísticas e readaptar nosso cronograma para que o trabalho se desse de forma aprofundada, para que os adolescentes pudessem acompanhá-lo da melhor forma possível. Todo material produzido por esses meninos nas oficinas virou nosso material de análise, assim como os relatórios produzidos por nós, ao final de cada encontro. Nosso trabalho teria como objetivo principal evidenciar os efeitos de sentido criados por nós ao ministrar as oficinas, e pelos adolescentes, ao receberem as propostas de trabalho do dia. Compreendemos que toda relação criada entre nós com esses meninos é dada através da produção de discursos. Discurso como efeitos de sentido que são estabelecidos a cada oficina, entre a oficineira e os adolescentes, isto é, entre os locutores. Calcados sob a ótica da análise do discurso, nesta dissertação buscamos analisar os discursos produzidos por periódicos comunitários, bem como todo o processo de produção de sentidos construídos nos encontros com os adolescentes. As perguntas com que trabalhamos para produzir a análise foram: Como a comunicação comunitária pode ser trabalhada nas condições vigentes? Quais são os efeitos de sentido criados nas oficinas para a tal Comunicação Comunitária? Quais efeitos de sentidos essas formações imaginárias produzem e como lidar com eles? Palavras-chave: Jornalismo Comunitário; Análise do Discurso; Comunicação; Projeto Barracão; Discurso Pedagógico

Andréia Guimarães Moura (UNICAMP) FOTOGRAFIA E QUADRINHOS: CONSTRUÇÃO HÍBRIDA DA REPORTAGEM EM O FOTÓGRAFO Este trabalho procura compreender a importância da construção híbrida da reportagem em O Fotógrafo. A obra é uma proposta inovadora que traz um diálogo entre quadrinhos e fotografias no desenvolvimento da reportagem. É um relato sobre uma das missões da ONG Médicos sem Fronteiras no Afeganistão, ocorrida em 1986, e fotografada por Didier Lefèvre e impressa em 3 tomos. A pesquisa busca entender como a mescla dos gêneros jornalísticos, das linguagens, propicia oportunidade para desenvolvimento de material mais aprofundado, reflexivo. Como os subjetivismos presentes nos quadrinhos 16 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

e nas próprias fotografias permitem ao repórter ampliar o universo de cobertura da informação. Deste aprofundamento, pretende-se entender o papel da imagem, dos signos expressos por elas, na configuração de conceitos, ideias e na legitimação destes valores no imaginário do leitor. No desenvolvimento do trabalho há um interesse de trazer entendimento sobre como este hibridismo criado em O Fotógrafo possibilita a criação de novos espaços de debate social. Estudando os efeitos de recepção deste tipo de material. Compreendendo como essa tendência, o hibridismo, a mescla de linguagens diversas, pode mudar os rumos do jornalismo e promover com mais eficiência seu papel social. Estudar os gêneros utilizados na obra e compreender como a interação das linguagens permite um aprofundamento de conteúdo. A obra faz uma interessante junção de gêneros. A começar ela se denomina uma reportagem. Por outro lado ela se utiliza também dos quadrinhos, que por sinal já é híbrido em linguagens (texto/imagem). Por fim, ela se utiliza de mais um recurso em seu enunciado discursivo: a fotografia. A grande novidade é exatamente isto, o diálogo que ela propõe entre os quadrinhos e as fotografias. Ela é o que poderia ser denominada de “híbrido do híbrido”. Utiliza um gênero emergente, o Jornalismo em Quadrinhos (gênero que já é híbrido em linguagens por unir o conceito de reportagem ao conceito de quadrinhos) e o mescla a outra linguagem (a fotografia) criando uma espécie de hibridismo peculiar. E é este misto de formas que torna o material produzido desta maneira, tão rico. Neste tipo de reportagem, o quadrinho possibilita o aprofundamento do fato porque abre um espaço enorme para as significações. Com a imagem é possível falar mais ao leitor. Mais que simplesmente no texto bruto do jornal ou nas imagens rápidas da televisão. Ele pode ver com calma, ler com calma, significar com calma, refletir e resignificar. Neste caso, a fotografia que acompanha os desenhos fornece as provas. Enfim, o diálogo entre estes gêneros produz um material jornalístico ímpar. Mais que simplesmente informar, contar um fato acontecido, a obra propõe reflexões profundas. Através do subjetivismo proporcionado pelos quadrinhos e fotografias abre-se espaços para que haja um diálogo sobre questões que em outras situações, ou relatos, não aconteceriam. É importante entender como este espaço de significação é construído através do discurso híbrido da obra e qual papel O Fotógrafo desempenha como precursor de um novo gênero. Refletindo a óbvia 17 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

tendência de convergência entre a comunicação e as artes. O estudo se foca primeiramente na leitura dos teóricos relacionados aos quadrinhos e fotografias. Desta leitura contextualiza-se os gêneros (histórico e tendências). Em um segundo momento são estudados cases de hibridismo no jornalismo e seus efeitos sociais e acadêmicos. Como os elementos jornalísticos se apresentam, como o novo gênero deve ser entendido, explorado. Na apresentação da pesquisa neste evento, pretende-se abordar as seguintes questões: como um procedimento multi-metodológico (que utilize aspectos da analise do discurso, do paradigma indiciário, da semiótica) permite/ajuda/facilita a identificação das construções ideológicas “direcionadoras” na obra? Como ela ajuda a localizar construções que abram campo para a criação, manutenção, reformulação, reflexão sobre determinados (pré) conceitos? Como uma metodologia concebida desta forma pode identificar os signos, os elementos presentes no discurso, na maneira como as imagens são dispostas, que indicam conceitos, ideias, que direcionam o leitor (de cada tempo/época) a determinadas conclusões, resignificações? Tal procedimento metodológico poderia demonstrar que um aprofundamento da cobertura, propiciado por hibridismos como o da obra, abre espaço para discussão de diversas temáticas? Estas possibilidades, se verificadas, podem promover um novo espaço de debate social que o jornalismo acaba criando com o advento de um novo gênero.

Carina Pascotto Garroti (UNICAMP) SEMANA NACIONAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA NO BRASIL: AVANÇOS E DESAFIOS (2004-2012) Criada em 2004, a Semana Brasileira de Ciência e Tecnologia (SNCT) é resultado do avanço da crescente produção científica brasileira e do reconhecimento do país como um novo player internacional. Embora seja visível o interesse da população pela área, esse interesse nem sempre é acompanhado pela necessária compreensão pública da Ciência. Ao entrar na agenda pública governamental e se tornar um programa oficial de governo, o programa de popularização da ciência permite ampliar e diversificar as atividades de divulgação científica 18 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

para a sociedade brasileira, inserindo o grande público no debate nacional sobre avanços, benefícios e riscos da CT&I. Esta dissertação recupera a história da evolução da Semana, que passou de 1.848 atividades e 252 municípios em sua edição inicial (2004) para 28.148 atividades e 722 municípios em 2012. Examinar as contribuições da SNCT para a popularização do conhecimento científico no Brasil e entender seu papel na formação da cultura científica é um dos principais objetivos deste trabalho. Alguns dos objetivos específicos são: avaliar o processo de criação e evolução da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, criada no Brasil em 2004; descrever as estratégias, os critérios de seleção dos temas escolhidos para cada Semana e suas atividades, incluindo recursos financeiros, humanos e materiais de divulgação; examinar, por meio do portal da Semana de 2012 (Departamento de Popularização de Difusão da C&T da Secretaria de C&T para Inclusão Social do MCTI), as atividades desenvolvidas no país, durante o período de 8 a 28 de outubro de 2012 (semana anterior, durante e posterior); acompanhar, na cidade de São Paulo, algumas das atividades realizadas em diferentes instituições; verificar como a SNCT foi divulgada no período analisado, 8 a 28 de outubro de 2012 (Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo); recuperar os materiais de divulgação da SNCT 2012 (site da SNCT, folders, cartazes, jornais, etc), analisando seu conteúdo e formatos; fazer um balanço dos resultados da Semana de 2012. Trata-se, portanto, de um Estudo de Caso único (YIN, 1989), de natureza qualitativa, com foco nas atividades da SNCT de 2012 intitulada “Sustentabilidade, Economia Verde e Erradicação da Pobreza”. A pesquisa concentrou-se nas atividades da cidade de São Paulo, responsável por 51% da produção científica nacional e detentora das principais universidades públicas do país (estaduais e federais). Durante a realização da Semana – de 15 a 21 de outubro de 2012 – foram acompanhadas atividades realizadas na cidade de São Paulo em diferentes instituições (escolas, universidades, shoppings, parques públicos, centros e museus de ciência e instituições de pesquisa). A seleção destas atividades obedeceu a critério da diversidade e relevância. De um total de 28.148 atividades no país, 741 aconteceram no estado de São Paulo e 329 na capital. Os dados coletados indicam reduzido número de atividades no município, face sua importância científica. Revelam, também, concentração das atividades em poucas instituições e com público quase que essencialmente escolar. A 19 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

pesquisa aponta, ainda, aspectos positivos e negativos da Semana realizada ainda quase que integralmente com recursos públicos. Apesar dos resultados positivos da SNCT, muito ainda precisa ser feito para que a divulgação científica seja de fato incorporada à prática cotidiana das instituições de pesquisa, sejam elas públicas ou privadas, bem como objeto de reflexão permanente no âmbito escolar para a formação de uma cultura científica cidadã, numa perspectiva crítica e analítica. Embora seja perceptível a ampliação de atividades, observa-se, também, problemas estruturais de organização e de articulação entre o Ministério de Ciência e Tecnologia e o da Educação; tímida participação das empresas privadas; precária divulgação da mídia em geral; concentração das atividades nas áreas de Física, Química e Biologia e quase ausência de atividades relacionadas às áreas de Ciências Humanas e Artes. Palavras-chave: Comunicação Pública da Ciência, Cultura Científica, Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, SP, Brasil

Débora Menezes (LABJOR-UNICAMP) COMUNICAÇÃO, MOBILIZAÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: A APA DA SERRA DA MANTIQUEIRA As políticas públicas relacionadas às unidades de conservação (UCs) no Brasil pressupõem a participação da população nos processos de gestão destes espaços naturais protegidos por lei. Para tanto, foram criados diversos mecanismos de controle social e de mediação pelo Estado, que são: consultas públicas para a criação e ampliação destas unidades, realização de diagnósticos socioambientais participativos, e finalmente a formalização, quando a unidade de conservação é criada, dos chamados conselhos gestores (constituídos por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações residentes na área). Ações de comunicação, com foco em educação ambiental, mobilização social e produção de conhecimento são também utilizadas para possibilitar e ampliar esse diálogo para a gestão se efetivar como participativa, promovendo a participação social. Porém, as relações de poder entre os diferentes atores sociais, suas culturas, interesses e entendimentos em relação ao 20 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

uso dos recursos naturais dificultam o processo de comunicação, mobilização e educação ambiental. A proposta deste trabalho é analisar o processo de comunicação e de mobilização social entre os atores sociais envolvidos na gestão participativa da unidade de conservação na Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra da Mantiqueira. Trata-se de um Estudo de Caso (Yin, 2001) de natureza qualitativa, que empregará o método exploratório (Selittz, et all, 1974), que permite maior familiaridade com o problema a ser estudado para torná-lo mais explícito ou para constituir hipóteses. Recorrerá, ainda, a alguns recursos da Teoria da Mobilização Social (Toro e Werneck, 2004). A opção por abordar que tipo de comunicação é essa de que estamos falando é a partir da proposta por Cox (2010), e se entrelaça com o que se apresenta como conceito de educação ambiental. À medida que os espaços públicos de debate sobre questões ambientais e participação social ampliaram-se, também houve avanço na reflexão sobre os processos e a natureza da comunicação realizada nestes espaços, para garantir o acesso ao conhecimento e sua utilização para mudanças em assuntos de interesse público, na sociedade. Autores como Robert Cox (2010) trataram de especificar esta comunicação como “ambiental”, isto é, um campo de práticas e estudos de ações comunicativas que, abrangem os atores envolvidos (dos cidadãos comuns aos cientistas e governos, entre outros) nas questões socioambientais, os meios e situações por onde “circulam mensagens associadas a temáticas ambientais e ecológicas” (COX apud AGUIAR, CERQUEIRA, 2012: 12). Embora no Brasil predominem as pesquisas sobre jornalismo ambiental e o papel da mídia na educação ambiental, segundo Aguiar e Cerqueira (2012), há literatura que aponta os rumos da comunicação ambiental para além do jornalismo, associando-a mais diretamente à área de educação e mobilização social. Jurin, Roush & Danter (2010), indicam que o objetivo da comunicação ambiental seria “produzir cidadãos capacitados a respeito do nosso ambiente e problemas a ele associados, ciente de como ajudar a resolver esses problemas, e motivado para trabalhar pelas suas soluções” (apud AGUIAR, CERQUEIRA, 2012: 13). Esse objetivo é parecido com o que aponta a Política Nacional de Educação Ambiental (lei 9.795/1999). Seu texto descreve a educação ambiental como “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e 21 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (BRASIL, 1999). De acordo com o mesmo documento é papel da educação ambiental, ainda, incentivar a participação coletiva e individual na “preservação do equilíbrio do meio ambiente” (BRASIL, 1999). O debate entre educação ambiental e comunicação se entrelaçando existe antes mesmo da política pública, pois a complexidade das questões ambientais, e sua influência na vida das pessoas, exigem a participação social para se alcançar mudanças positivas. Participação, essa, que precisa avançar para além de conteúdos repassados às pessoas – são necessários processos de aprendizagem coletiva e de compreensão do outro e de suas necessidades, para então se chegar a um denominador comum para, por exemplo, mobilizar em torno de resolução de problemas e conflitos. Paulo Freire, educador que é referência também na educação ambiental, lembra que é necessário dialogicidade nos processos educativos, onde ser dialógico é “não invadir, não manipular, não sloganizar” (FREIRE, 1983). A comunicação ambiental teria, então, papel preponderante nos processos educativos relativos a questões ambientais, e ainda na mobilização de atores ao diálogo e participação nas instâncias de controle social. É uma perspectiva educadora da comunicação que, segundo a autora, adquire “uma função mais abrangente que a de informar fatos e passa a ter o papel preponderante de agente mediador do processo de educação ambiental, o que deveria torná-la (a educação ambiental) mais dinâmica, dialógica e especializada” (ALBUQUERQUE, 2009: 284). Palavras-chave: Comunicação Ambiental, Mobilização Social; Educação Ambiental, gestão participativa

Eliseu Pereira Couto (UNEB) ENTRE POETAS BALAIÊROS E CANTADORES: UM MOVIMENTO CULTURAL NO SERTÃO IRECEENSE O estudo que se faz tem suas raízes na década de 1980 quando alguns apreciadores amantes da arte passeiam pela Região de Irecê, interessados em produzir e divulgar a riqueza artístistico-cultural do 22 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

território. Aos poucos esses apreciadores vão construindo o que depois se formaria um grupo chamado de balaieros, formado de cantadores que exercem a profissão de radialista, poetas de cordel que estão na universidade, outros que trabalham com o comércio, professores. Esse “balaio cultural” é composto por vários “cipós” identitários diferenciados e que comungam de um só objetivo: divulgar e preservar a cultura para as gerações, tecendo assim os fios de tradição do Sertão ireceense em um tempo de pós-modernidade, da indústria cultural, do computador e da mídia eletrônica. Foi pensando no grupo como divulgador da cultura no Sertão de Irecê, que surgiu a seguinte inquietação: como se dá a atuação do grupo cultural balaieros com os meios e suas relações com o glocal? Dessa forma, para essa apresentação, faz-se um recorte abordando a questão das linguagens do cordel em tempos de pósmodernidade e transformação cultural. O movimento balaiero faz a relação do popular com a mídia através da informática, do jornal impresso e das redes sociais, trazendo manifestações consideradas tradicionais como é o cordel impresso em papel para o universo da internet. E é justamente um dos pontos defendidos pelo grupo o de não exclusão das possibilidades de movimentação dessa cultura pelos meios, ou seja, em um tempo de produção marcada pelos processos midiáticos, o movimento dialoga e valoriza as misturas em que o tradicional não é deixado de lado mais incorporado às manifestações modernas, trazendo assim a afirmação de que o desenvolvimento moderno não suprime as culturas populares tradicionais. Para chegarmos ao objetivo do estudo apresentado, nos situaremos a partir dos estudos culturais, midiáticos e identitários de Nestor Garcia Canclini que apresenta uma importante reflexão sobre a problemática da modernidade na América latina, da linguagem e das manifestações híbridas que nascem do cruzamento entre culto e o popular; John B. Thompson, trazendo uma reflexão sobre o papel da mídia na interação entre os indivíduos e consequentemente na formação das sociedades modernas e os impactos sociais que os meios de comunicação trouxeram para elas; Renato Ortiz, que procura mostrar que a identidade nacional está profundamente ligada a uma reinterpretação do popular pelos grupos sociais e à própria construção do Estado brasileiro, não existindo assim uma identidade autêntica, mas uma pluralidade de identidades, construídas por diferentes grupos sociais em diferentes momentos históricos. O caminho metodológico da pesquisa 23 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

será o olhar lançado sobre o jornal O Balaio que serve de cenário para se ver, conhecer com mais detalhes o movimento dos balaieros no Sertão ireceense, possibilitando também a reconstrução do contexto artístico-cultural mais amplo desse movimento, destacando a literatura de cordel como escolha privilegiada nessa pesquisa, através do estudo e análise dos cordeis produzidos pelos cordelistas balaieros, situando suas produções e formação como cordelistas. O trabalho está dividido em três seções: na primeira seção intitulada Os balaieros no sertão ireceense, se toma o jornal O Balaio como cenário para se conhecer a formação e movimento do grupo. Esse jornal é uma produção do Instituto Balaio de Gente, projeto que foi criado pelo grupo e que promove o intercâmbio cultural no Território de Irecê. Nesta seção se fala dos diferentes sujeitos que fazem parte do movimento, com suas diferentes identidades individuais, mas que no grupo comungam de uma identidade que é a cultural e poética. Na segunda seção, que chamamos de Os cordelistas no balaio: de leitores a produtores, estudaremos os cordelistas como balaieros e a contribuição destes para o jornal, destacando a formação dos poetas e suas trajetórias de leitores a produtores. Busca-se também entender uma produção de cordel escrito na região em um momento “tardio”, já que essa produção só se materializa a partir dos anos 2000. Logo, nessa seção procura se entender o movimento como a base para o surgimento dos primeiros cordeis locais em tempos de cultura globalizada. Por último, a seção O sertão “tá” mudado: da tradição no cordel à relação com a pós-modernidade, a ideia é reconfigurar o sertão pelos conteúdos dos cordeis, falando da transição de um sertão de costumes rurais que convive com um sertão urbano e comercial; da convivência entre a cultura popular e a cultura midiática e suas representações, inclusive lançando um olhar sobre o próprio discurso dos poetas que se encontra nos prefácios e apresentações dos livretos. Para tanto, se explora nessa seção o conteúdo dos cordeis em seus temas, formas, repetições e críticas, mostrando o sertão a partir do olhar dos poetas cordelistas. Nas considerações finais se diz que ainda cabem coisas no balaio, pois como afirmou um dos poetas em uma das nossas conversas, esse balaio de cultura não possui tampa e quem nele entra não consegue mais sair. Assim se percebe que o balaio cultural regional ireceeense nunca se enche nas suas misturas e hibridizações. Palavras-chave: Cultura; cordel; sertão; cidade; movimento 24 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Felipe Schmidt Fonseca (LABJOR) LABORATÓRIOS DE CULTURA DIGITAL EXPERIMENTAL Este trabalho reflete sobre algumas das implicações de se analisarem como potenciais laboratórios experimentais uma série de práticas colaborativas organizadas através de grupos e redes dedicados ao ativismo midiático, relacionadas em especial às tecnologias digitais de informação e comunicação, e seu impacto na sociedade. Tais práticas estão expressas em uma série de desenvolvimentos ocorridos no Brasil ao longo da última década, em campos diversos. Examino a possibilidade de articular esse tipo de configuração com o histórico internacional das últimas décadas a respeito de laboratórios de mídia ou laboratórios de arte/tecnologia, e questiono seu enquadramento na ideia de uma suposta economia criativa. Sugiro então questões críticas para pensar laboratórios em rede relevantes para o Brasil dos dias de hoje. Minha aproximação conceitual de tais temas busca referências em teóricos contemporâneos como Ned Rossiter, que estuda as redes organizadas como propostas de instituições mais adequadas ao cenário sociopolítico contemporâneo, dentro de um referencial de teoria crítica de mídia; Tiziana Terranova e Fred Turner, que apontam o determinismo político implícito em um discurso triunfalista da cibernética; Tatiana Bazzichelli, que identifica formatos híbridos entre a arte engajada e o empreendedorismo digital; e Clemens Apprich, que relaciona a imagem de uma era pós-mídia em Guattari com formas emergentes de ativismo. Também utilizo Michel de Certeau, em especial a oposição que propõe entre estratégia e tática na apropriação de objetos. Tal reflexão é parte de minha pesquisa de mestrado em andamento, na qual estou explorando arranjos criativos e experimentais que engendram a produção de conhecimento livre, articulados com a ideia de uma cultura digital particularmente brasileira. Tais arranjos são por vezes chamados de laboratórios experimentais, em uma interpretação particular de um histórico de colaboração interdisciplinar que deu origem a diferentes formações institucionais, em especial o Media Lab do MIT, célebre universidade dos Estados Unidos. Minha pesquisa busca problematizar esta interpretação linear, tomando por fonte meu próprio histórico como indivíduo inserido nesses contextos. Ao longo da última década, tive a oportunidade de observar e participar 25 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

do cenário que veio a ser conhecido como "cultura digital brasileira". Trata-se de um arranjo complexo que evoca uma inventividade que seria típica das culturas brasileiras, transposta para as possibilidades das novas tecnologias de comunicação e informação. Promove a construção de um discurso que remete à prática popular da gambiarra; à sociabilidade dinâmica e orientada a projetos dos mutirões; e à apropriação antropofágica, traço supostamente característico da maneira como as culturas brasileiras articulam identidade e apropriação de elementos externos. O discurso da cultura digital brasileira é tecido por pessoas situadas em diversos contextos sociais e institucionais: grupos dedicados ao ativismo de mídia, coletivos artísticos, escolas e universidades, redes de produtores culturais, empreendedores e corporações de tecnologia e comunicação, instituições sociais, departamentos de governo e outros. No discurso que adotam, costumam ser recorrentes tópicos como licenças abertas e cultura livre, inclusão digital, redes colaborativas, diversidade cultural, autonomia, apropriação crítica de tecnologias, arte eletrônica, ciência cidadã, entre outros. Em suas práticas, poderíamos identificar dois movimentos complementares - não tanto como categorias demarcadas quanto tendências, horizontes de pensamento e ação. Os dois movimentos frequentemente operam juntos, oferecendo vocabulários e modos de ação complementares. O primeiro movimento, que chamo aqui de "compensatório", busca essencialmente reduzir desigualdades criadas historicamente na maneira como as tecnologias são adotadas na sociedade, e oferecer oportunidades de transformação para determinados grupos sociais. São ações que se baseiam na compreensão de que as tecnologias de informação e comunicação criam possibilidades que - por diversas razões - são desejáveis para a sociedade, e buscam incorporar a tais dinâmicas grupos sociais que de outro modo não teriam acesso a elas. Argumentam também ter por objetivo equilibrar o impacto que a disseminação das novas tecnologias tem sobre as populações e o planeta. A ideia do acesso às tecnologias de informação e comunicação como um direito fundamental está muito presente no discurso de tais projetos. O segundo, que denomino "exploratório", avança em direção a possibilidades e sentidos ainda não estabilizados das novas tecnologias. Falo aqui de um universo de reflexão e produção experimentais que em vez de basear-se em trazer mais 26 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

pessoas para uma suposta era da informação busca desconstruir, criticar e interferir na maneira como as tecnologias operam dentro da sociedade. Naturalmente, alguns dos projetos de inclusão digital adentraram essa arena. Uma vez ali, acabaram se aproximando de outros campos que também estavam orbitando a ideia de cultura digital: ativistas inspirados por movimentos urbanos internacionais, artistas trabalhando na fronteira arte/ciência/tecnologia, hackers desenvolvendo software livre e organizando espaços de trabalho autogeridos, empreendedores orientados pelo universo do código aberto. Nesse contexto, uma construção que vai surgindo ao longo dos anos e sendo apropriada para diferentes finalidades é do laboratório como espaço coletivo capaz de articular oportunidades, interesses e habilidades, e também como maneira de escapar às armadilhas do trabalho criativo orientado unicamente ao mercado. Palavras-chave: laboratórios experimentais; metareciclagem; inclusão digital; software livre; cultura livre

Fernanda Cristina Martins Pestana (LABJOR/IEL – UNICAMP) TRANSBORDAR MARGENS, DESENHAR PASSAGENS: MODOS DE HABITAR O MUNDO COM ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO Este trabalho se propõe a pensar com a obra “Vinte e um veleiros” (s/ data), do artista brasileiro Arthur Bispo do Rosário (1909-1989), a possibilidade de composição de uma “trama” (Ingold, 2011) de coisas, corpos e objetos que se deslocam das condições que estabilizam as suas existências, para uma movimentação que os permitam habitar outros significados, sentidos e/ou sensações. Arthur Bispo do Rosário é uma artista de biografia marcada pela vida hospitalar, pois passou mais de cinqüenta anos internado na instituição psiquiátrica Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, diagnosticado como esquizofrênicoparanóide, onde produziu uma vasta obra, entre linhas, bordados e objetos coletados no hospital. Constitui-se assim uma figura em torno da personalidade de Bispo, uma figura oscilante entre os territórios da arte e o da loucura. Desde que seu trabalho começou a ser divulgado pela mídia, na década de 80 e, mesmo após a sua morte, as obras de Bispo têm inspirado muitos pesquisadores das áreas da psiquiatria e da 27 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

psicologia, e a própria crítica cultural. Tentativas de decifrar a figura de Bispo, encontrar em seus objetos possíveis narrativas como registros biográficos, e fixar um comprometimento com a representação de um mundo pessoal, é o que envolve muitas das publicações encontradas sobre Arthur Bispo do Rosário. Dizeres sobre um trabalho artístico estabilizados, então, apenas no que correpondem a vida de seu autor, naquilo que costuram o corpo de um único sujeito aos objetos por ele criados. Diante desse modelo no qual a crítica e a divulgação cultural se sustentam, essa trabalho propõe uma tentativa de encontrar o que escapa desse diálogo direto entre artista e obra. O que pode um objeto de arte, composto por fragmentos e materiais coletados do mundo, proliferar, entre sentidos, significados e sensações, para além das biografias e significações fixadas em autor e obra? Pensar com os Veleiros de Bispo do Rosário como o artista pode inventar outras possibilidades de “habitar” (Ingold, 2011) o mundo, que não se dão apenas pelo que está dado por escritas narrativas que fixam histórias e memórias. Para isso, esse trabalho se aproxima dos filósofos pósestruturalistas Gilles Deleuze e Félix Guattari (1992), para pensar os Vinte e um veleiros como “compostos de sensações” capazes de sustentarem-se por si sós, independentes de seu criador. Objetos que abrigam existências próprias, entre sentidos e sensações, que não são necessariamente conectados à biografia de Bispo do Rosário. Veleiros que podem ficar de pé sozinhos, independentes de determinações que os fixem a alguma identidade, temporalidade ou territorialidade dada. Compõem uma “trama” (meshwork), como nos sugere o antropólogo Tim Ingold (2011), de conexões e afetos entre artista-mundo-público; uma trama que nos apresenta a possiblidade de pensar a composição da materialidade do mundo para além de propriedades físicas e químicas. Uma noção de materialidade que se dá nas relações, conexões e afetividades entre o homem e os objetos do mundo; desestabiliza suas existências rígidas nas estruturas da linguagem, do significado e da cultura, pois o modo como o mundo e a matéria são organizados nas artes contemporâneas podem dar a ver outros modos de pensar/habitar o mundo. Modos que colocam os objetos em movimento de formação, ou de “desformação”, como poderia nos propor Manoel de Barros (2009), movimento em que a materialidade fluída deixa-se afetar pelos encontros inesperados com o outro, dilui a figura de Bispo e os entendimentos dados aos objetos que habitam o 28 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

mundo. Veleiros que transbordam as margens dos regimes dominantes da linguagem nos dizeres bordados em suas velas, e que desenham passagens de habitantes outros, para além da crítica cultural que amarra artista e obra. Uma proposta, portanto, de pensar com os Vinte e um veleiros possibilidades de (re)compor tramas a proliferar afetos, sentidos e sensações, bem como traçar modos de habitar o mundo e as coisas, mesmo que esses modos perpassem os planos do não-dizível, do não-tátil, e do silêncio. Uma vontade de vasculhar modos de habitar uma imensidão de possibilidades, entre experimentações, coisas e palavras que compõem objetos e afetos. Transbordar as margens da própria pesquisa, desenhar passagens com as escritas tecidas. Palavras-chave: arte; divulgação cultural; Arthur Bispo do Rosário; materialidade; experimentação.

Flavia Batistela Tonin Gonçalez (UNICAMP) PESQUISA E MÍDIA ESPECIALIZADA. ANÁLISE QUANTITATIVA SOBRE A DIVULGAÇÃO DO BEM-ESTAR ANIMAL As pesquisas com bem-estar de animais de produção existem no Brasil desde os anos 80, mas foi na última década, por interesse da indústria, pressão internacional e despertar dos consumidores que a mídia especializada, direcionada aos produtores, identificou a importância do tema e passou a tratá-lo com mais frequência entre as suas pautas. Sabe-se que as matérias jornalísticas são um apoio à divulgação científica e incentivo para a aplicação das tecnologias no campo. Para corroborar a influência da mídia no campo, de acordo com a Associação Brasileira de Marketing Rural, 36% dos produtores rurais leem revista em geral e 24% leem revistas especializadas. Entre as justificativas para o crescimento do interesse pelo bem-estar animal no Brasil, a comunidade científica reconhece que a mídia discorreu sobre o tema de forma positiva, estimulando as práticas e enfatizando suas vantagens sem tratá-lo como uma imposição. As pesquisas nessa área também têm aumentado. Análise realizada no Diretório de Grupos de Pesquisas no Brasil, desenvolvido pelo CNPq, mostrou que a cada ano, novos grupos são formados com atenção para o tema. O mesmo crescimento é visto na publicação de artigos relacionados ao bem-estar animal. 29 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Acredita-se que o interesse pela área tem sido, em parte, motivado pela importância econômica que envolve a questão e por estar relacionado a uma demanda do consumidor – interno e externo –, cujas raízes estão em princípios éticos. O objetivo geral do estudo foi, a partir da análise quantitativa, confrontar o resultado da evolução das pesquisas na área de agrárias que envolvem o “bem-estar” animal e as citações do tema na mídia especializadas em agronegócio. Pretendese identificar se houve o mesmo progresso. Acredita-se que o bem-estar animal é um tema de mídia, mas que ainda é pouco explorado. Para construção do cenário de evolução do interesse da comunidade científica, foi considerado o número de Grupos de Pesquisa iniciados no Brasil e inscritos no CNPq com interesse em realizar estudos sobre o tema. Foi avaliado o quantitativo de publicações que citaram as expressões “bem-estar” e “bem-estar animal” em bancos de teses e artigos. A coleta foi feita nos bancos Lilacs, Scielo, Science Direct e Pubmed. Por parte da mídia, as indicações foram construídas a partir da contagem da citação, em um período de dez anos (2003 a 2013), da expressão “bem-estar”, quando está se referindo aos animais. Para análise, foram escolhidas as três únicas revistas especializadas em agronegócio, auditadas pelo Instituto Verificador de Circulação; com cobertura nacional, independentes e de distribuição mensal. Entre elas está a Globo Rural, que tem tiragem de 77.603 exemplares, sendo 82% de assinaturas. É a mais antiga revista do segmento e líder no setor. Tem por missão transmitir aos grandes produtores rurais o que há de novo no mundo agropecuário. Outra é a Dinheiro Rural, com tiragem de 54.847 exemplares, sendo 82% de assinaturas. Tem um olhar do agronegócio corporativo, com objetivo de revelar as estratégias dos empresários do agronegócio. Por fim, a terceira publicação é a Revista DBO com tiragem de 23.000 exemplares e distribuição apenas para assinantes. Tem um índice de releitura superior a duas vezes por exemplar. Das três é a única que é direcionada especificamente para a pecuária de bovinos de corte. Ao confrontar os dados do interesse da comunidade científica e a repercussão na mídia, foi possível identificar, em princípio apenas pelo viés quantitativo, como foi a divulgação científica sobre o tema bem-estar animal. Verificou-se se há reflexo de veiculação na mídia com o mesmo interesse do crescimento visto pela comunidade científica. Com os resultados também foi possível identificar períodos e/ou anos de maior interesse que podem estar relacionados a 30 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

acontecimentos de comum interesse. Os dados embasarão a análise qualitativa que será feita com a classificação e análise das matérias em segundo momento. Palavras-chave: jornalismo científico, mídia especializada, agronegócio, bem-estar animal, revista

Gilberto Penteado Stam (LABJOR / UNICAMP) DO CÉREBRO AO SER: DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DE NEUROCIÊNCIA E PSICANÁLISE A neurociência e a psicanálise são consideradas hoje as principais disciplinas que se propõe a entender o funcionamento da mente humana. Embora a psicanálise conte com a tradição de mais de um século de clínica e teoria e um público bastante amplo, sua participação na grande mídia é bastante restrita. Já a neurociência chega com uma abordagem empírica capaz de, pela primeira vez, demonstrar a importância dos fatores biológicos para a mente e atrair a atenção de um público mais amplo. Esse trabalho de pesquisa tem por objetivo comparar esses dois campos de divulgação científica e o diálogo entre eles, tendo como motivação principal o grande interesse do público pela neurociência, por um lado, e as grandes deficiências que a neurociência apresenta para explicar a mente humana – notadamente, uma visão materialista da mente que não é apoiada por dados experimentais e uma incapacidade de definir cientificamente o que seja o sujeito. Serão analisados textos de diversas origens, entre eles Veja, Superinteressante e Galileu, além de internacionais, como o New York Times e o programa de rádio americano Radio Lab. A questão inicial que se colocará na análise dos textos jornalísticos sobre neurociência é: o que falta explicar no discurso sobre a mente e de que forma isso é contornado. Ao longo dessa análise, será possível verificar quais são as crenças dos cientistas dessa área a respeito das relações entre o cérebro e a mente: 1) tudo que sentimos, fazemos e somos é determinado pelo cérebro? 2) existe de fato uma vida mental que está além do determinismo biológico? 3) Se sim, como ela pode ser explicada do ponto de vista biológico? 4) Quais são os limites da neurociência? 5) Ela pode conviver com a psicanálise? De que 31 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

maneira? Além disso, a análise de textos de jornalismo terá por objetivos observar diferentes estilos ou formas de abordar o assunto e de se relacionar com lados diferentes do debate. Podemos prever alguns estilos possíveis como: a) o texto marqueteiro, que repete o entusiasmo científico, apresentando a neurociência como uma grande e revolucionária promessa b) o articulador, que procura conciliar ou articular com a psicanálise ou outras visões diferentes c) o parafraseador, quer repete o que a fonte diz sem fazer nenhuma análise disso d) o agente externo, que não é da área mas introduz insights importantes e novos e) o amador ingênuo, que levanta pontos importante mas expõe sua vida pessoal para isso, etc. A psicanálise servirá aqui como ponto de referência e de comparação. Pergunta-se de que forma a psicanálise aparece na grande mídia (ou porque não aparece mesmo quando o tema é tradicionalmente abordado pela área) e se ela pode responder por aquilo que falta na neurociência. Quando as duas áreas aparecem juntas, pergunta-se de que forma é definido no limite entre elas. A partir dessa análise, serão delineados alguns dos eixos de discussão que aparecem de maneira apenas oculta na divulgação científica de neurociência. Os textos marqueteiros, por exemplo, geralmente compartilham a crença predominante entre os neurocientistas de que estudar o cérebro equivale a compreender o funcionamento da mente, ou seja, a ideia de que o cérebro e a mente são fenômenos equivalentes. Essa teoria, que geralmente não é apresentada de maneira explícita, é um pressuposto de muitos neurocientistas embora no meio científico exista um amplo e ainda não resolvido debate sobre sua validade. Dessa forma, aquilo que é polêmico do ponto de vista científico, aparece como algo bem resolvido no discurso do neurocientistas e jornalistas. Um dos resultados disso é que a neurociência geralmente não menciona a psicanálise, que não segue a mesma metodologia e os mesmos pressupostos. Esse é uma contradição central na neurociência, que em sua versão mais radical (e também a mais difundida) tenta afastar de sua área tudo aquilo que é característico do humano para redefinir o ser humano a partir de critérios puramente biológicos. Esse fenômeno tem reflexos importantes nas próprias ciências humanas. Influenciadas pelo prestígio da área, elas se apropriam cada vez mais de conceitos da neurociência. Dessa forma, as humanidades, que em outros períodos da história excluíam por definição tudo aquilo que era biológico, perdem 32 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

aquilo que as definiam como disciplina propriamente humanas, diante da hegemonia da neurociência. Embora no futuro isso possa significar uma reorganização de saberes e disciplinas, o resultado por enquanto é uma visão cada vez mais biológica do ser humano e da sociedade. Abordando as discussões ocultas na divulgação científica da neurociência e o seu diálogo com a psicanálise, essa pesquisa pretende avaliar quais elementos contribuem ou poderiam contribuir para uma divulgação científica que apresente a neurociência de maneira menos empobrecida, incluindo outros elementos do debate científico e filosófico que geralmente não são incluídos quando esse assunto é abordado. Palavras-chave: jornalismo científico; neurociência; psicanálise; determinismo; materialismo

Giselle Soares Menezes Silva (UNICAMP) DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E ENSINO INFORMAL: AS AÇÕES DA SEARA DA CIÊNCIA O presente artigo é parte integrante do projeto de pesquisa “É proibido não mexer: Divulgação científica e a Seara da Ciência”, iniciado em 2013 no Programa de Pós-Graduação em Divulgação Científica e Cultural do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Tem como objetivo analisar as ferramentas de divulgação científica utilizadas pela Seara da Ciência, espaço de divulgação científica e tecnológica da Universidade Federal do Ceará (UFC). Criada em 1999 por um grupo de professores dos departamentos de Química Orgânica e Inorgânica, Matemática, Física, Biologia, Geografia e Computação da UFC, a Seara visa estimular a curiosidade pela ciência, cultura e tecnologia, demonstrando relações com o cotidiano e promovendo a interdisciplinaridade entre diversas áreas do conhecimento. A instituição, que possui como lema a frase “é proibido não mexer”, reúne diversos projetos com o intuito de popularizar a ciência, como laboratório de pesquisas, salão de exposições, realização de vídeos sobre a vida e a obra de cientistas de renome nacional e cearenses e manutenção de um portal na internet (www.searadaciencia.ufc.br) que 33 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

recebe, em média, de 4.500 a 5.000 visitas diariamente, possibilitando o acesso do público à ciência. A Seara oferece, ainda, cursos a estudantes e professores de escolas públicas, seu principal público-alvo, para que os visitantes possam despertar o interesse para a pesquisa. Diariamente são recebidas cerca de cem pessoas de escolas públicas ou particulares da capital e do interior, em visitas programadas ou não. Semestralmente são oferecidos cursos básicos e experimentais a alunos de nível médio nas áreas de Química Física, Matemática e Biologia. As aulas são ministradas por monitores treinados e supervisionadas pelos coordenadores de cada área da Seara. Além disso, em janeiro e julho, tradicionais meses de férias, estudantes e professores participam do projeto Interação Ciência e Educação – Busca de Jovens Talentosos, um curso que tem como objetivo selecionar quatro estudantes para um estágio com bolsa em laboratórios de pesquisa da UFC, sob orientação de pesquisadores que os conduzem nas atividades de iniciação científica. Durante o curso, também são selecionados dois professores para estagiarem na sede da Seara e pesquisarem novas formas de transmissão do conhecimento. Esses professores desenvolvem objetos e aparelhos que demonstram fenômenos e princípios científicos e ajudam a orientar os alunos e monitores do salão de exposições. Outras atividades desenvolvidas pela Seara são o show “Magia da Ciência”, uma combinação de fenômenos instigantes da Física, Química e Biologia, apresentado em eventos científicos e em colégios, e o grupo de teatro científico, que apresenta peças e esquetes abordando temas como a importância dos insetos e o funcionamento do corpo humano e monólogos que contam, de maneira resumida, a história de cientistas famosos como Einstein, Lavoisier e Darwin, ou de personalidades que tiveram papel importante no Estado, como o sanitarista Rodolfo Teófilo. A partir das entrevistas já realizadas para a pesquisa com professores dirigentes da Seara, percebe-se que ainda não existe um registro rigoroso do alcance e da repercussão real do trabalho da entidade, com estatísticas e análises de resultados. No entanto, é possível perceber, em depoimentos informais e através de outras manifestações, uma grande aceitação do público-alvo da entidade, apesar de não existirem até o momento parâmetros formais para aferir esses resultados. Dessa forma, a pesquisa apresentada neste artigo, que encontra-se em fase inicial, poderá suprir, de certa maneira, esta lacuna da Seara da Ciência, ao trazer para o debate as ações de divulgação científica por 34 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

ela desenvolvidas. Para a análise, utilizamos uma metodologia híbrida, mesclando o estudo de caso ao método da observação participante, que consiste na inserção do pesquisador no ambiente natural de ocorrência do fenômeno e de sua interação com a situação investigada, e a entrevistas semiestruturadas realizadas presencialmente ou via e-mail. Palavras-chave: divulgação científica; ensino de ciências; educação informal; museus; Seara da Ciência

Graziele A. de Moraes Scalfi (UNICAMP) COMUNICANDO A CIÊNCIA E A FAUNA BRASILEIRA ATRAVÉS DA LITERATURA INFANTIL O Brasil é detentor da maior diversidade biológica entre todos os países, abrigando 15% do número total de espécies do planeta. Entretanto, a fauna e a flora silvestre é praticamente desconhecida pela população brasileira. Um dos fatores que contribuem para este cenário é a influência desde tenra idade que a mídia exerce através de desenhos animados, filmes, jogos e livros infantis que divulgam a fauna, com destaque para os grandes animais africanos. Nesse contexto, os livros infantis podem ser um instrumento eficaz para auxiliar na comunicação, introduzindo e apresentando o tema para crianças. Um olhar para o mercado literário infanto-juvenil aponta para um cenário favorável, onde o número de livrarias aumenta, nas redes de grande porte, e os espaços destinados às crianças tornam-se cada dia mais sofisticados. A venda de livros infantis acompanha essa tendência, ocupando o segundo lugar no ranking de tipos de livros comercializados pelas livrarias. Surgem as editoras especializadas não só em livros textos, mas também em livros-brinquedo, feitos para “ler com as mãos”. Além do mais, para atender as demandas tecnológicas, a comercialização de conteúdo digital, incluindo o e-book, ganha cada vez mais importância para as livrarias. Contudo, observa-se que o valor atribuído ao livro infantil, como mercadoria e objeto de consumo, tem se refletido nas características do produto oferecido para as crianças. São, na maioria, livros produzidos com enfoque, predominantemente, comercial, com capas e modelos chamativos, de tamanhos diferenciados, quase 35 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

sempre com recursos de interatividade, livros-brinquedo, para ler no escuro, na água, com jogos diversos, enfim, com atributos cada vez mais criativos para chamar a atenção do consumidor no momento da compra. O que, por sua vez, são fatores que influenciam positivamente o crescimento do mercado de livros infantis. Entretanto, a preocupação em comunicar conteúdos informativos e em estimular o prazer pela leitura passa, crescentemente, a integrar um segundo plano na escolha para muitos consumidores. E isso, obviamente, reflete-se nas características dos livros infantis lançados no país, afetando diretamente o espaço dedicado aos livros que tem como propósito divulgar a ciência. Diante deste cenário, parte desta pesquisa tem como objetivo analisar a literatura infantil como um instrumento para a divulgação da ciência a partir de um levantamento de livros sobre animais brasileiros para o público infantil com idades de 3 a 7 anos, tendo como metodologia a análise de conteúdo baseada nos estudos de Bardin (2008). Posteriormente a pesquisa realizará um estudo de recepção com o público-alvo (crianças de 3 a 5 anos) sobre a fauna brasileira, tendo como mediador o livro Mami o quê, presente no corpus do estudo. Os primeiros resultados desta pesquisa apontam que apesar de haver um número significativo de livros com o tema que aborde os animais brasileiros, quando analisa-se as obras direcionadas para a divulgação de temas científicos, este número se reduz, a ponto de considerar que são escassas as obras que apresentem o caráter instrutivo e lúdico sobre a fauna nacional. Outro resultado importante encontrado neste estudo, é em relação a quantidade de livros sobre o tema, que não estão acessíveis para compra, seja por estarem esgotados ou indisponíveis em grandes redes de livrarias. Observou-se também que dentre os livros analisados, os mais atraentes são os livros interativos, os quais são produzidos fora do país, de autoria estrangeira e, claramente, com um custo mais elevado de produção. Esses resultados iniciais propõe reflexões sobre a causa destes acontecimentos e faz acreditar que ainda há muito o que fazer no Brasil para impulsionar este segmento, seja pela criação de programas de incentivos, seja pela premiação como forma de reconhecimento para obras com este viés. Portanto, são pontuais as obras que tratem de animais brasileiros sob o olhar da divulgação científica.

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Jessica Norberto Rocha (LABJOR/UNICAMP) A CULTURA CIENTÍFICA DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA TRIANGULAÇÃO DOS DADOS COLETADOS NO CURSO À DISTÂNCIA PEDAGOGIA UAB/UFMG Para a educação de qualquer pessoa no mundo contemporâneo, é fundamental a noção sobre o que acontece em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), isto é, seus principais resultados, seus métodos, usos, riscos e limitações, bem como, os interesses e determinações que governam seus processos e aplicações. Ser um cidadão alfabetizado cientificamente, no sentido cívico, é buscar informações, analisar, compreender, reavaliar, criticar, expressar opiniões e argumentar sobre questões de ciência e tecnologia relacionadas, especialmente, com a vida cotidiana, o futuro próximo e imediato. Formar um cidadão crítico é permitir a melhora da sua qualidade de vida. Por esse motivo, uma política educacional que vise a elevação da qualidade da Educação Básica aos patamares necessários e desejáveis e que dê suporte a políticas nacionais de desenvolvimento científico e tecnológico, precisa estar, também, articulada a uma política científica nacional para a área de Educação. Entretanto, apesar dos avanços registrados na área, o cenário da formação da Cultura Científica brasileira ainda se mostra frágil e limitado, com amplas parcelas da população sem acesso à educação científica e à informação qualificada sobre CT&I. Fragilidade e deficiência semelhantes também são encontradas na educação científica formal, nas escolas. O ensino de Ciências, em diferentes níveis, tem apresentado lacunas preocupantes, de acordo com pesquisas nacionais e internacionais. Diversas avaliações mostram que o desempenho dos jovens brasileiros em ciências, na maioria das vezes, está aquém do desejado. Associado à isso, é necessário refletir sobre a qualificação e formação dos professores no país: quem forma quem? O professor é um formador de opinião de grande influência na construção do imaginário de seus alunos, principalmente das crianças, e possui um papel relevante na formação de cidadãos críticos e na promoção da tomada de decisão para assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação. Por todos esses fatores apontados por diferentes autores, torna-se necessário o presente estudo de como os professores da Educação Básica percebem a ciência e a tecnologia e como essa percepção 37 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

influencia no seu discurso em sala de aula e suas práticas pedagógicas. Vários trabalhos sobre as concepções de ciências, a formação do professor e suas prática pedagógicas já foram desenvolvidos e publicados. No entanto, poucos têm sido abordados à luz dos modelos de pesquisa em Percepção Pública da Ciência, que se constitui na proposta metodológica desta pesquisa, agregando a isso o processo de formação de professores para a Educação Básica no curso de Pedagogia a distância da Universidade Aberta do Brasil da Universidade Federal de Minas Gerais (UAB/UFMG). O presente estudo tem como objetivo central identificar e analisar a Cultura Científica de professores e futuros professores da Educação Básica à luz dos modelos de pesquisa em Percepção Pública da Ciência. Entender a Cultura Científica desses professores e seus referenciais deverá contribuir para o entendimento das suas práticas pedagógicas para o Ensino de Ciências e discussões sobre CT&I. O trabalho foi desenvolvido em três fases: 1) percepção da ciência pelos alunos do curso Pedagogia UAB/UFMG; 2) a cultura científica dos professores e suas práticas pedagógicas; e 3) o panorama e suas repercussões. No primeiro momento, desenvolvemos a pesquisa por meio de um questionário com perguntas fechadas e abertas aplicadas nos alunos do curso de Pedagogia da UAB/UFMG. Desses alunos, uma parte está em formação inicial e outra parte já é professor em atividade. No segundo momento, entrevistas semiestruturadas em profundidade foram realizadas com apenas aqueles alunos que se declaram, no questionário, professores de ciências. Assim, no terceiro momento, foi possível fazer uma triangulação dos dados coletados nos momentos anteriores e construir um panorama sobre a atual formação desses professores e futuros professores, sobre sua recepção e participação dos assuntos atuais da área científica e sua relação com a sociedade, as atitudes e valorização da ciência e, consequentemente, como essa cultura científica influencia nas suas práticas pedagógicas. Neste trabalho, serão apresentados os dados finais da pesquisa. Palavras-chave: Cultura Científica, Educação, Comunicação, Percepção da Ciência, formação de professores

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Maísa Maryelli de Oliveira (UNICAMP) ROBÓTICA E EDUCAÇÃO BASEADA NA INVESTIGAÇÃO: A EXPERIÊNCIA DA EMEF PROFESSORA ELZA MARIA PELLEGRINI DE AGUIAR EM CAMPINAS Buscando promover a inclusão digital e melhorar os processos de ensino-aprendizagem por meio do uso de computadores portáteis nas escolas de educação básica da rede pública, a presidência da república criou o Programa Um Computador por Aluno (UCA). A implantação do Programa teve início em 2007, em escala experimental. Para a primeira fase, foram selecionadas cinco escolas públicas das cidades de São Paulo (SP), Porto Alegre (RS), Palmas (TO), Piraí (RJ) e Brasília (DF). Em 2010, o projeto foi ampliado, passando a atender cerca de 300 instituições das redes estaduais e municipais de ensino de todos os estados brasileiros e do Distrito Federal. Foi nesta segunda etapa, que a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Professora Elza Maria Pellegrini de Aguiar aderiu ao Programa, sendo a primeira e, até o momento, a única escola de Campinas (SP) a participar do UCA. No âmbito dos projetos de um computador por aluno (modelo 1-1), estudiosos avaliam que a distribuição de laptops nas escolas não assegura, por si só, alterações nos processos de ensino-aprendizagem. Constatações como esta motivaram o Ministério da Educação (MEC) a propor, além da formação de professores, ações destinadas a modificar a forma como os conteúdos curriculares são abordados nas escolas em que o Programa UCA foi introduzido. A intenção é estimular, por exemplo, a adoção de uma abordagem pedagógica que favoreça a aprendizagem por meio da investigação e da busca de soluções para problemas reais, em um movimento de superação ao ensino baseado na simples memorização de conteúdos. É justamente esta a proposta do projeto Laptop Educacional e a Educação Baseada na Investigação, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e coordenado pela Unicamp, em parceria com a equipe do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED). Este projeto teve início em 2012, junto a três escolas públicas do estado de São Paulo e duas do estado do Pará, as quais já participavam do UCA sob orientação da Unicamp. Entre as instituições paulistas envolvidas, está a EMEF Elza Maria. Por meio do UCA e do projeto de aprendizagem baseada na investigação, a escola pretende 39 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

desenvolver novas formas de construção do conhecimento, de modo que professores e alunos sejam capazes de explorar as possibilidades trazidas pelo uso dos laptops na situação 1-1. Neste sentido, a instituição promove atividades de robótica educacional junto às turmas do 5º Ano. A participação da escola no Programa UCA e no projeto de educação baseada na investigação e, ainda, a realização de aulas de robótica a colocam em uma posição diferenciada das demais escolas públicas de Campinas. Por isso, ela foi escolhida como objeto de estudo do presente trabalho. Este objetiva analisar a cultura científica dos alunos da EMEF Elza Maria, a partir de modelos de pesquisa em percepção pública da ciência e da tecnologia. A ideia é estudar a imagem que as crianças têm da ciência, da tecnologia e da robótica. A presente pesquisa será desenvolvida em três etapas. Na primeira delas, será feita a aplicação de um questionário mais abrangente, o qual visa, principalmente, a levantar evidências sobre a imagem que os alunos têm da ciência, da tecnologia e dos cientistas e seus hábitos informativos em C&T. No questionário, aparecerão, também, algumas perguntas dedicadas ao estudo da percepção dos alunos sobre robótica. Porém, é na segunda etapa da pesquisa que este último tema será explorado em profundidade. Nesta fase, pretende-se acompanhar as aulas de robótica educacional realizadas na EMEF Elza Maria e pedir aos estudantes que desenhem um robô. Acredita-se que, por meio dos desenhos, seja possível observar se os estudantes têm noção da infinidade de usos dos robôs; se, ao ilustrá-los, as crianças os representam inseridos em seu cotidiano; e se, em seu imaginário, figuram representações estereotipadas, tão difundidas pela mídia e pela indústria cinematográfica, dos robôs como sendo humanoides, ajudantes domésticos, super-heróis ou máquinas que irão substituir os humanos, por exemplo. Na terceira etapa, serão discutidas as evidências empíricas obtidas nas fases iniciais deste estudo e serão apresentadas as conclusões encontradas. Espera-se, assim, fomentar debates sobre os processos de ensino-aprendizagem da robótica, além de contribuir para a construção de indicadores que auxiliem o desenvolvimento de políticas públicas direcionadas ao despertar do interesse dos jovens pelos temas de C&T e pelas profissões tecnocientíficas. Palavras-chave: Percepção pública de C&T; Robótica; Programa UCA; Educação baseada na investigação; Ensino fundamental 40 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Marcelo de Albuquerque Vaz Pupo (UNICAMP) VISIBILIZANDO IMPERCEPTIBILIDADES: AGROECOLOGIA E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E CULTURAL A pesquisa de mestrado "Bem-te-vis imagéticos" entende que os processos sociais ligados a Agroecologia são ricamente estudados quando a análise recai sobre suas dimensões culturais. Neste cenário teórico-metodológico, produzo olhares da movimentação cidadecampo através do contato com expressões agriculturais e camponesas do Estado de São Paulo, especialmente em assentamentos de reforma agrária. Entrecortando o debate modernidade/pós-modernidade, reafirmo a conceituação de cultura como significados partilhados na sociedade para tencionar identidades e valores no entrelaçamento entre sentidos campesinos, ideário moderno e crise civilizatória. A Agroecologia anima este cenário investigativo e o retroalimenta, politizando a produção de conhecimento acadêmico ao reposicionar os atores envolvidos; na dialética da localidade-globalidade referente aos agroecossistemas; e à inscrição cultural dos povos do campo, que ao forjarem neles intimidades seculares agenciam princípios agriculturais que restabelecem virtudes como resiliência ecológica e capacidade de prover segurança alimentar. A legitimação pública crescente destes agenciamentos têm implicado constrangimentos ao conhecimento institucionalizado, às postulações da ideologia agronegociante, às normatizações de Estado, ao conjunto de símbolos e códigos que, massificado pelos espaços produtores de sentidos, traduzem o discurso único e a "monoculturalização" industrialista-consumista. Deslocam-se os territórios subjetivos e existenciais, abrem-se fissuras e feridas identitárias, despertam-se minoridades constitutivas dormentes. Há, contudo, uma clara imperceptibilidade social acerca destes vetores culturais produzidos como ausência pelas representações culturais circulantes. O processo histórico testemunhado pela era moderna parece reunir símbolos e significações que moldam inteligibilidades estruturantes do entendimento dicotômico entre cidade e campo, em detrimento deste, como um enovelamento de percepções que alheiam a interdependência existencial desta relação. A “ficcionalidade” própria da era moderna (estética), nos diz Jacques Rancière, “se desdobra entre a potência de significação inerente às coisas mudas e a 41 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

potencialização dos discursos e dos níveis de significação”. Um problema-pesquisa vai se delineando: como pensar dispositivos imagéticos, pedagogias culturais na reformulação político-subjetiva que compreende e apreende a relação campo-cidade? Penso a imagem em movimento como artifício disparador de significações que cingem o tema da dissertação e que dê, que abra visibilidade ao acervo que reuni do mundo camponês naquilo que me irrompe e naquilo que penso serem suas erupções – estas pautadas pelo nucleação política que a movimentação social organizada no campo gera e coaduna. Jacques Rancière subsidia aqui noções conceituais para pensarmos o movimento que gera no campo cultural os movimentos sociais do campo: "A política é essencialmente estética, ou seja, está fundada sobre o mundo sensível, assim como a expressão artística. Por isso, um regime político só pode ser democrático se incentivar a multiplicidade de manifestações dentro da comunidade". Que forma de agir e pensar é esta, camponesa, que resiste ao apagamento ideológico e subjetivo e a partir da memória imortal (pois intrínseca a nós todos) reelabora o real, a práxis, a vida (não só a deles, mas do conjunto)? Quais marcas nos fazem, quais são seus processos de aprendizagem? E que mundo é esse que se apresenta pra nós? Que realidades nos são servidas, como o prato principal, nas escolas, nas ruas, na TV, nas instituições públicas ou privadas, na igreja, no cinema? O mesmo “fast-food”, como que embalado num jornal de letras mortas, descartável, desenriquecido, esterilizado da lanchonete da esquina? Se Boaventura de Sousa Santos nos propõe uma sociologia das ausências para "expandir o presente", valorizando assim a experiência social que está em curso no mundo de hoje e evitar seu desperdício, como pensar uma “imagem das ausências”? Esta pesquisa olha este fato e pretende dissertar sobre elementos que podem contribuir à intenção de transformar esta ausência em presença; sobre os significados que podem assumir essa expansão do presente e de mundos na valorização da experiência social em curso representada pelas expressões agriculturais. Que plataformas de divulgação de ciência e cultura esse debate poderia gerar? Essas plataformas interessariam à educação do campo e às políticas públicas interessadas na transição agroecológica? Que imagens e sentidos poderiam ser partilhados, qual política permearia sua estética? Poderia ela evitar, a exemplo dos pacotes agroquímicos, arbitrariedade e pronta imposição, pré-definidora e por isso esterilizante 42 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

de emancipatórios processos pedagógicos? A pesquisa conta com o apoio da CAPES e é realizada pelo programa de Mestrado em Divulgação Científica e Cultural, LABJOR/IEL - UNICAMP. Palavras-chave: imagem; agroecologia; divulgação; educação

Meghie de Sousa Rodrigues (UNICAMP) MODELOS DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E INTERNET NO BRASIL: QUAIS CAMINHOS? Perceber as formas como a divulgação científica mudou e está mudando é importante para se pensar não apenas nas mudanças na e da percepção pública da ciência, mas também nas transformações sociais que vem ocorrendo dentro da própria ciência – já que não é uma prática exterior à sociedade e sim uma das peças que compõem a complexa engrenagem social. Partindo da premissa de que existe um ideário sobre divulgação científica que pode ser compilado e resumido em vários “modelos de comunicação pública da ciência”, a pergunta principal desta pesquisa se resume, então, não em apenas em identificar “qual modelo é o melhor” para a divulgação científica hoje, e nem mesmo “quais são os modelos vigentes atualmente” ou “qual modelo predomina sobre quais outros” hoje. Como bem lembrou Massimiano Bucchi, estas questões ficam à margem de perguntas mais importantes, tal como “sob quais condições sociais as diferentes formas de comunicação pública da ciência emerge?”. E esta é uma das dúvidas que se pretende colocar como base para realização da pesquisa. Mais especificamente, que papel teve ou tem a Internet na mudança destas condições sociais – e que ideias compõem este conjunto de ideologias acerca da divulgação científica no Brasil? Feitas por quem e para quem, e que modelos (ou tipo ideal de divulgação) propõem? É importante entender esta ebulição nas mudanças das condições sociais de produção e divulgação da ciência (mais especificamente, entender o papel da Internet nesta efervescência) porque isto torna possível muito mais que apenas mapear práticas para tentar encaixá-las em um determinado escopo teórico: permite entender um pouco das mudanças que estão acontecendo agora e para qual caminho ou caminhos elas apontam. A questão principal se 43 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

debruça majoritariamente sobre como se dá a relação entre Internet e modelos de divulgação científica – e como ela os influencia e como é influenciada por eles e pela prática que se faz deles (principalmente no Brasil). Um dos objetivos da pesquisa é fazer um mapeamento sobre a literatura sobre divulgação científica no Brasil e analisar que prescrições fazem através de seu “receituário”, que sentidos colocam através dele e que diagnóstico implicam. Para tal análise, pretende-se, antes de mais, fazer uma pesquisa bibliográfica sobre os assuntos abordados: uma pesquisa na literatura acadêmica sobre os modelos de divulgação científica (não para fazer uma arqueologia dos modelos, mas para ter as ideias como pano de fundo para a construção dos argumentos posteriores) e, logo após, uma pesquisa em textos acadêmicos e paraacadêmicos sobre o ideário ou a ideologia que apresentam no que concerne a divulgação científica no Brasil – ver que modelo ou modelos defendem e como é feita esta construção (aqui cabe o uso de técnicas de análise do discurso, por exemplo). Também vai ser de grande importância pesquisar e analisar o que dizem os autores que tratam a Internet como fenômeno social e tentam explicar as mudanças que trouxe e traz para as interações sociais e para a forma como a divulgação científica é feita (e também autores que pensam nas condições sociais que permitiram que florescesse e se desenvolvesse principalmente a partir dos anos 1970 nos Estados Unidos). Por fim, pretende-se fazer uma compilação abrangente de websites que fazem divulgação científica no Brasil a fim de analisar os principais deles (os mais populares entre os internautas) e ver como articulam, ou como colocam em ação, as ideias apontadas na pesquisa bibliográfica: onde se pode ver convergências e divergências com a bibliografia, que tipo de ideias defendem e refutam através do seu discurso, o que mostram e silenciam (de novo, se utilizando de ferramentas de análise do discurso) – e por fim, fazer a amarração de todas estas informações, baseando-se principalmente nesta análise, propondo observações sobre os caminhos para os quais aponta para a divulgação científica feita na Internet no Brasil. Palavras-chave: comunicação pública da ciência; Internet; divulgação científica; Brasil

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Paraguassú Tavares Pereira Abrahão (UFRJ) PERCUSSÃO: TEMPO VIGORANDO ENQUANTO LINGUAGEM E SENTIDO “Percussão: Tempo vigorando enquanto linguagem e sentido” é um projeto de tese que, como o próprio título já sugere, busca pensar a percussão como sentido partindo de um pensamento reflexivo a partir do vigorar de sua presença na e pela música-arte-mundo. Percussão é um fenômeno ao produzir sentido pelo seu agir poético que se dá como e pela linguagem marcando sua presença no tempo. Ela não é apenas um conjunto de instrumentos musicais, mas possibilidade de a própria música ser e realizar-se como sentido onde pensamento e criação dãose em diálogo. Na comunicação me proponho a apresentar o conteúdo do primeiro capítulo da tese onde se estabelece uma relação entre música e filosofia tomando como ponto de partida o fenômeno da percussão no mundo. Será evidenciado como a relação entre música e filosofia pode ser abordada de muitos modos, tratando essa relação como a relação entre duas experiências de abstração – a música como uma abstração do sentido e a filosofia como sentido na abstração. Nesse tratamento, filosofia e música mostram-se como experiências semelhantes de sentido haurido de relações entre estruturas, ideia que marcou sobremaneira a Antiguidade e a Idade Média, deixando marcas significantes na Modernidade como a ideia de harmonia das esferas de Pitágoras em Leibniz. O que se propõe na apresentação é um outro tratamento da relação entre filosofia e música, assumindo a percussão como possibilidade para se repensar a compreensão filosófica do tempo-verdade-corpo. O desenvolvimento da filosofia da música na tradição filosófica ocidental recebeu uma formulação mais sistemática onde a relação se resume em sujeito e objeto, e na qual se visa à formulação de conceitos, evidenciando deste modo, a funcionalidade instrumental dentro de uma conjuntura histórico-cultural, estética e sociológica. No âmbito da filosofia do Idealismo Alemão se tratou a música como parte integrante de sistemas estéticos, os quais integravam por sua vez o todo dos sistemas filosóficos. Esta colocação filosófica acerca do fenômeno musical assumia a música como arte eminentemente temporal e foi com base numa filosofia do tempo que assumiram, mesmo que com nuanças distintas e próprias, o sentido do tempo musical como essencialmente rítmico. 45 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Tempo como ritmo e ritmo como tempo são as premissas para a compreensão filosófica idealista do fenômeno musical. Embora se possa encontrar, nestes sistemas, um pensamento sobre a percussão, esta é reduzida ao lado material do fenômeno sonoro, descrita a partir da física acústica como batimentos, frequência de ondas etc. Na presente investigação a percussão não se reduz a mera materialidade do fenômeno sonoro, isto é, do som, mas constitui o dado fenomenal de uma compreensão musical do tempo. Enquanto estes sistemas compreendem filosoficamente o tempo musical, o que a percussão pode propiciar é uma compreensão musical da filosofia do tempo. Para desenvolver tal possibilidade, torna-se necessária uma compreensão do tempo como temporalizaçao, ou seja, como tempo se fazendo tempo. Esta compreensão do tempo pode-se encontrar formulada, de maneira mais consequente e sistemática por Martin Heidegger e, particularmente, em Ser e Tempo, onde nos deparamos com uma descrição fenomenológica do que Heidegger chamou de temporalidade originária. O que se propõe é partir de uma fundamentação poética da percussão tomando como ponto de partida as descrições da temporalidade ek-stática como proposta em Ser e Tempo com vistas a fundamentar de que modo a percussão é a articulação de ser e tempo enquanto ritmo. A proposta de uma poética da percussão com base na temporalidade ek-stática da presença justifica-se à medida que por poética entende-se um universal concreto que diz respeito a todas as culturas, porque diz, essencialmente, respeito ao humano do homem, e a tudo que dele se dá historicamente em sentido.

Patrícia Gomes Garcia Lopes (UNICAMP) OLHARES REINVENTADOS: ATRAVESSAMENTOS E APROXIMAÇÕES DO FOTOJORNALISMO NO MUNDO DIGITAL Dentre os vários campos afetados pela troca constante de informações em tempo real entre povos diferentes, as relações comerciais, o intercâmbio de conhecimento e a luta por interesses mútuos foram alguns dos focos de estudo do filósofo e educador canadense Marshall McLuhan, criador do termo “Aldeia global” (MCLUHAN,1996). Podemos 46 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

considerar o conceito de “Aldeia global” como sendo o impacto de efeito absoluto do progresso tecnológico sobre as relações humanas, interligando cada vez mais os povos em relações comerciais e culturais de dependência mútua através de veículos de comunicação mundial. Embora ainda estejamos longe de uma plena “aldeia”, as revoluções, especialmente as digitais, estão acontecendo em maior velocidade, atingindo um número superior de pessoas. A cada ano são introduzidas mais e mais ferramentas que possibilitam a comunicação e o fluxo de livres ideias sob novas formas e estruturas. McLuhan, ao afirmar que “os homens criam as ferramentas e as ferramentas recriam o homem” (MCLUHAN,1982) já vislumbrava que o estudo dos impactos destas novas ferramentas (sejam elas de que categoria forem) na vida do homem comum deveria ser um ponto de atenção por parte de teóricos e cientistas sociais. Essa relação entre homem e máquina também foi levantada pelo teórico da fotografia Vilém Flusser: “Na realidade, homem e aparelho se coimplicam, e vão formar um amarrado de funcionamento: a máquina funciona em função do fotógrafo, se, e somente se, este funcionar em função da máquina.” A partir destas duas afirmações, vislumbramos a necessidade de compreender e estudar a introdução de novos meios/ferramentas de comunicação na vida humana. Ao criarmos ferramentas que nos recriam, que novo homem surge? Que novas relações se estabelecem a partir destas novidades? Como podemos repensar nossa sociedade, agora tão conectada? Como nossas atividades são impactadas pelo advento das novas tecnologias (ferramentas)? Todas essas perguntas são válidas e relevantes quando acompanhamos a introdução de novas maneiras de trabalharmos ou nos divertirmos. Um exemplo de ferramenta que operou modificações cujos desdobramentos ainda acompanhamos foi a fotografia digital. É inegável que a foto digital operou uma radical mudança na vida das pessoas, inclusive na dos fotojornalistas. Assim sendo, minha pesquisa pretende analisar como o fotojornalismo se apresenta no projeto Instagramer ZH, do jornal diário brasileiro Zero Hora. Este trabalho se dará através do estudo desta modalidade de jornalismo em novos meios e tem por objetivo como o mesmo foi apropriado pelo projeto da publicação gaúcha. A cada semana, fotógrafos e repórteres são convidados pelo jornal a ser o Instagramer ZH por 7 dias. A função do convidado é alimentar o perfil do periódico em uma rede social fotográfica (Instagram), conhecida 47 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

exatamente pelos filtros de imagem “vintage” aplicados nas fotos postadas. As pautas são definidas pelos próprios fotojornalistas e essa liberdade lhes permite utilizar o lado lúdico do aplicativo Instagram em união ao fotojornalismo, transformando suas produções em discursos imagéticos jornalísticos e artísticos. A ideia do Instagram é assaz simples: trata-se de um aplicativo gratuito para iPhone e demais dispositivos móveis Apple iOS (posteriormente também disponibilizado em plataformas que utilizam o sistema Android, do Google) que permite aos usuários tirar uma foto e depois aplicar um dos filtros/efeitos disponibilizados pelo software na imagem, para então posta-la em diversas redes sociais, como o Facebook, o Twitter, o Tumblr e o próprio Instagram (o número de filtros/efeitos é limitado, 16 apenas, o que estimula a criatividade do usuário). Quando de sua criação, a intenção de seus idealizadores era “resgatar a nostalgia do instantâneo cunhada ao longo de vários anos pelas clássicas Polaroids, câmeras fotográficas de filme, cujas fotos revelavam-se no ato do disparo” (PIZA,2012). Desta maneira, aintenção da pesquisa é pensar como este tipo de iniciativa apresenta/abarca/ressignifica o fotojornalismo, pois enquanto a ordem vigente era “O fotógrafo de jornal tem uma função principal: a síntese” (LIMA,1989), agora essa mesma afirmação poderá ser repensada, pois a chegada do Instagram ao meio jornalístico permite uma modificação significativa na função principal do fotógrafo de jornal. Se antes a busca era pela síntese, agora há a possibilidade da pluralidade de discursos e, até mesmo, de certa subjetividade para o fotojornalismo diário. Para minha apresentação, gostaria de recortar a questão da captação do agora e da divulgação da mesmo instantaneamente, por diversos ângulos e sob inúmeros discursos. Se todos podem captar um mesmo momento e compartilhar, que tipo de jornalismo surge nesta nova prática? Como escolher, dentre os inúmeros olhares, aquele que traçará a história daquele momento? Qual a linha que separa o fotojornalista do cidadão comum que estava na hora certa, no lugar certo? Seríamos todos, portanto, potenciais fotojornalistas? Palavras-chave: Fotojornalismo, Mídias Digitais, Discursos Imagéticos

48 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Rafael Miguel Alonso Júnior (UFSC) DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA: AS PROPOSTAS DE JOSÉ REIS A pesquisa (em andamento) que se pretende apresentar tem como objeto o cientista, jornalista e divulgador José Reis (1907-2001). Reis é considerado o patrono do jornalismo científico brasileiro. Se ele esteve longe de ser o primeiro a divulgar a ciência ao grande público, ao menos foi um dos pioneiros na produção sistemática deste tipo de conteúdo. Apenas na Folha de São Paulo foram 50 anos ininterruptos (de 1947 ao ano de sua morte). A produção de Reis é vasta, tendo ele colaborado em inúmeras revistas e periódicos, além de ter ocupado cargos importantes em diversas instituições científicas, como a SBPC, e no serviço público de São Paulo. Assim, além de ter sido pioneiro na divulgação científica pela imprensa, José Reis também foi peça-chave na organização do campo científico brasileiro. Como sempre gostou de frisar, Reis primeiro foi cientista, e depois divulgador, tendo frequentado os dois espaços, o da pesquisa e o da divulgação, abrindo mão do primeiro e dedicando grande parte da vida ao segundo; em suas palavras, esse processo significava abandonar a torre de marfim e praticar a boa divulgação, que em sua opinião deveria combater o sensacionalismo e apresentar o trabalho efetivo da produção científica – métodos, resultados, consequências imediatas e a longo prazo, etc. Mas é evidente que divulgar as conquistas e práticas científicas exige determinadas escolhas por parte do divulgador. Ao contrário do que pregava José Reis, sabe-se que a ciência não se resume a uma produção coletiva de conhecimento que envolve toda a humanidade e que tenha por pretensão a busca incessante da verdade, utilizandose de estratégias neutras com o fim único de conduzir os cidadãos a um estado de bem-estar. Divulgar a ciência, principalmente em veículos de grande circulação, significava divulgar um tipo específico de ciência. É por esse viés que a presente pesquisa pretende desenvolver-se, colocando em questão os conceitos científicos (as bandeiras levantadas) no trabalho crítico e de divulgação de José Reis. A escolha de Reis dá-se pelo papel relevante que ele parece ter ocupado nas discussões em torno da ciência no Brasil. É sabido que depois da Segunda Guerra, em especial após a explosão das bombas atômicas norte-americanas, um surto de espanto correu o mundo. A 49 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

magnanimidade da bomba despertou em muitos dos presidentes nacionais a vontade de investir quantias generosas em ciência. No Brasil não foi diferente. Data desse período pós-guerra a criação do CNPq, por exemplo, em 1951. No Brasil, José Reis defendeu a necessidade de investimento pesado em ciência. Mas não apenas de grande quantidade de dinheiro. Reis pregava a revisão dos métodos de ensino primário e secundário, pois a mentalidade científica e o entendimento do funcionamento da ciência deveriam ser ensinados desde os primeiros anos. Assim, além de uma adequada maneira de pensar, que contribuiria na formação de qualquer cidadão, essa revisão também permitiria que as vocações fossem descobertas cedo e os talentos posteriormente direcionados aos centros de pesquisa. Como já foi dito, a produção escrita de José Reis é vasta. A presente pesquisa não se furta em se utilizar de uma série de textos de Reis, incluindo algumas de suas poesias, e que se encontram publicados esparsamente. No entanto, o corpus central da pesquisa são os textos de José Reis publicados na revista Anhembi. A revista foi criada por Paulo Duarte e durou de 1950 a 1962, tendo sido publicada mensalmente. A revista compunha-se de um editorial, geralmente escrito por Paulo Duarte, e de uma primeira parte contemplada por diversos artigos, assinados por críticos, escritores e artistas brasileiros e estrangeiros. Na segunda parte, a revista trazia seções específicas, que faziam resumos do que de mais relevante havia ocorrido no mês anterior. Desta forma, José Reis ficou responsável pela seção “Ciência de 30 dias”, de 1955 a 1962. A seção compunha-se de um texto inaugural, aos moldes de um editorial, sempre assinado por Reis, e de uma série de pequenas notas sobre assuntos científicos em voga. A escolha dos textos de Anhembi dá-se pelo caráter da revista e pela forma crítica e incisiva com que José Reis discorria sobre os assuntos de seu interesse, em particular os caminhos que a ciência nacional deveria trilhar para que o país pudesse prosperar. Desenvolvimento científico e tecnológico de alto nível era sinônimo de soberania nacional, segundo Reis. O referencial teórico da pesquisa é diverso e não se centra em autor específico. Ao longo do trabalho, pretende-se destrinchar criticamente o conceito de divulgação e as premissas principais da proposta de ciência de José Reis, ventilando hipóteses sobre vestígios deixados por tal concepção no modo de operação da ciência contemporânea, tanto em sua forma nítida, nas ciências exatas, bem como nas humanidades. Alguns de seus 50 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

antecessores e livros clássicos de divulgação também são levados em consideração e engrossam a pesquisa. Palavras-chave: José Reis; ciência; divulgação; Anhembi; saber

Regina Paula Ambrogi Avelar (UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE) TRANSCULTURALIDADE: REFLEXÕES ACERCA DO SIGNIFICADO DO TERMO ‘LIBERDADE’ NA PRODUÇÃO DE ALGUNS DISCURSOS POLÍTICOS. Por tratar-se de um estudo histórico, o presente estudo aborda as implicações transculturais referentes à liberdade como um tema sócioculturalmente marcado na identidade de um povo. Analisamos a posição do sujeito (ethos discursivo) e dos papeis assumidos por ele em relação ao discurso da temática da liberdade, considerando-se a bivocalidade locutor/alocutário na dialogização do discurso dos seguintes discursos proferidos: o primeiro discurso de George Washington como presidente dos EUA (1789); o primeiro discurso de D. Pedro I, enquanto imperador do Brasil, abrindo os trabalhos da Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa brasileira, de 1823; o discurso de Franklin D. Roosevelt conhecido por “As quatro liberdades” de 1941, e o discurso de Getúlio Vargas de 1943, intitulado “As comemorações da Independência Nacional e entrada do Brasil na guerra”; sempre buscando a voz da liberdade no processo de apagamento de vozes que naturalmente intervêm no discurso. Considerando que: a. as representações sociais de uma época possibilitam o estudo das condições de produção do discurso; b. o papel de um sujeito no processo discursivo promove o desvelamento de sua posição na sociedade por meio de sua formação ideológica; c. há implicações transculturais em temáticas que se apresentam como material histórico de pesquisa para o levantamento do percurso histórico das ideias no mundo; d. os documentos representativos da questão em foco são material de análise para o estabelecimento de um contexto sóciohistórico pelo qual passou a ideia da liberdade na história; e. a relação entre o fim da época colonial nos EUA (1789) e no Brasil (1823) e a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial (1942) do lado norteamericano possibilita um recorte no percurso histórico da temática da 51 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

liberdade nesses países; justificamos a presente pesquisa.O tema será desenvolvido em algumas etapas ao longo dessa dissertação de mestrado: A 1ª etapa é constituída por um breve levantamento dos conceitos da Análise do Discurso (AD) referentes às noções de discurso e discurso político, seus elementos constitutivos, suas coordenadas espaço-temporais, além de um panorama da noção de ethos discursivo – da noção aristotélica à perspectiva dos estudos culturais – com o intuito de analisarmos os ethe construídos nos discursos analisados para tentarmos desvelar a voz de liberdade que eles vinculavam. A 2ª etapa aborda conceitos dos Estudos Culturais sobre transculturalidade, interculturalidade e multiculturalidade para traçarmos um paralelo entre as ideias de liberdade para os povos norteamericano e brasileiro com a intenção de verificarmos uma possível influência dos primeiros nos segundos nos momentos de produções por nós selecionados. Já a 3ª etapa contém um estudo das condições de produção dos discursos selecionados, além de possuir conceitos dos teóricos a respeito de história, ideologia, identidade e liberdade. Finalmente, a 4ª etapa possui uma verificação de uma possível correlação entre as ideias acerca da liberdade para o povo norteamericano com as mesmas ideias para o povo brasileiro, em alguns momentos históricos emblemáticos para os segundos. Os objetivos desta pesquisa são os analisar os quatro discursos verificando a ocorrência de termos relacionados à liberdade para que tentemos desvelar a posição do sujeito e os papéis assumidos por ele nessas produções, considerando a bivocalidade locutor/alocutário em sua dialogização. Adicionalmente esperamos verificar a relação existente entre a produção ocorrida nos EUA e no Brasil, investigando a possibilidade de os primeiros serem difusores culturais capazes de influenciar culturalmente as produções do segundo. Como objetivo específico, intencionamos investigar a instauração de ethe discursivos que visem a contribuir na construção de falas de vozes de liberdade. As hipóteses adotadas por nós são as de que o sujeito, em cada discurso proferido, assume diferentes papeis acerca da temática da liberdade, contemplando as condições sócio-históricas em que a atuação ocorre, existindo uma relação entre as produções sobre da liberdade ocorridas nos EUA e no Brasil nos momentos de independência de ambos e na entrada do Brasil na Segunda Grande Guerra. Dessa forma, assumimos que a temática poderia ser estudada como um tema transcultural. 52 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Quanto à metodologia de pesquisa por nós adotada para a análise do corpus desta pesquisa, desejamos utilizar as pesquisas feitas referentes ao contexto sócio-histórico dos quatro discursos selecionados, as da Análise do Discurso e dos Estudos Culturais, a análise das condições de produção dos discursos e das posições do sujeito para traçar uma possível relação entre essas produções acerca da liberdade. Desejamos, também, observar se os efeitos de sentido suscitados pelo emprego do termo liberdade nos discursos permitem ou não relações com autores contemporâneos para aventarmos o percurso de um possível legado histórico da ideia de liberdade para esses povos. Para tal, haverá o levantamento das ideias de liberdade disseminadas nas duas culturas e um cotejo entre os resultados obtidos por meio da análise dos dados provenientes dos procedimentos mencionados anteriormente com o intuito de concluirmos se a temática da liberdade pode ser uma temática transcultural dos países em questão. Palavras-chave: Liberdade; Estudos Culturais; Análise do Discurso; Transculturalidade; Brasil e Estados Unidos

Rodolfo Pereira de Lima (UNICAMP) AS QUESTÕES SEXUAIS NA OBRA DE NEWTON MORENO O presente trabalho tem o intuito de analisar peças teatrais no qual as relações e práticas homoeróticas dos personagens estão em evidência. Investigando a forma como essas personagens foram retratadas no que tange a questão sexual, levando em consideração as possíveis releituras de suas particularidades expostas num texto de teatro. A ideia é analisar a dramaturgia do autor pernambucano Newton Moreno, recortando sua produção pelo viés de peças com personagens homossexuais e a forma como as mesmas lidam com as práticas sexuais. Bem como a contribuição que o autor oferta ao seu leitor/público e a reverberação de sua poética para além dos gêneros. “Agreste”, “Deus sabia de tudo e não fez nada”, “A Refeição”, “Dentro”, “A Cicatriz e a Flor”, “The Célio Cruz Show” e “Ópera”, setes textos foram selecionados para a análise. Pretendo incitar uma discussão sobre um possível teatro gay - que seus textos ressaltam sem temores e de forma bem singular - e a reverberação de 53 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

tais exemplos ficcionais para um possível debate a cerca dos hábitos e subjetividades de pessoas que se relacionam sexualmente com outra do mesmo sexo. Para tanto partirei de três pressupostos: o olhar pornográfico (e subjetivo) para as ações sexuais dos personagens, os estudos CAMP para analisar sua obra a partir de estilos como a paródia – por exemplo e o que a filosofia traz a tona sobre verdade e interpretação. É um mapeamento inédito na obra do autor, quiça em estudos das artes cênicas, já que não há trabalhos que analisem as personagens a partir das práticas sexuais. Moreno é visto como um dos grandes dramaturgos da atualidade. Sua escrita e seus textos se encontram produzidos na primeira década do século XXI, entre 2000 e 2009. Período fértil para se debruçar e reativar a discussão dos gêneros dramáticos. E no caso em questão de um possível ‘teatro gay’. Seus personagens praticam Fist Fucking, frequentam cinemas pornôs, se abstem do ato sexual, são estuprados – por exemplo, além de seus textos trazerem uma carga grande da sexualidade aliada as noções de poder e punição. Uma das primeiras tentativas de observações de um teatro homoerótico, mereceu observações consideráveis no livro de José Silvério Trevisan, Devassos no Paraíso, publicado em 1986, no capitulo denominado “A arte de ser ambígua”. O panorama levantado por Trevisan traça um paralelo das formas como a homossexualidade obteve visibilidade graças ao teatro, cinema e a TV e quais reflexões tais representações trouxeram para um melhor entendimento em relação aos personagens homoeróticos. O fato de homens se travestirem de mulheres, segundo o autor, teve início em 1780, quando a corte portuguesa oficializou um decreto proibindo a presença de mulheres no palco, para que se evitassem abusos “dessa gentalha” – como eram visto os atores da época. Desde então o teatro teve homens representando mulheres, se travestindo e subvertendo as questões dos gêneros masculinos e femininos. Dezessete anos depois da publicação do livro de Trevisan, o autor Newton Moreno em seu trabalho de mestrado, defendeu as contribuições da cena gay para o teatro paulista, em sua tese intitulada “A Máscara Alegre: contribuições da cena gay para o teatro paulista”. O autor tornou mais complexo – e pertinente – a questão, ao não se ater a discussão da “personagem gay no teatro brasileiro” e ao levantar questionamentos importantes, que por ventura será resgatado por mim. No território ligado as questões de gêneros, Moreno – frequentemente – subverte o padrão normativo e 54 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

pré-estabelecido de homens e mulheres. Seus personagens burlam com a sexualidade, borrando as fronteiras que separa as divisões préconcebidas. Oferta situações de uma dramaturgia politicamente incorreta que perpassa por questões incômodas ao ser humano como: escatologia, promiscuidade em cinemas pornôs, gay na terceira idade, preconceitos contra homossexuais soropositivos, sexo não convencional, homofobia, assassinato, transformismo, garotos de programa, FistFucking, lesbianismo e sadomasoquismo. Para ficarmos em alguns exemplos de abordagem que a dramaturgia de Moreno trás. Porém qual a pertinência dessa exposição? Eis ai o ponto nevrálgico da questão: É possível uma analise imparcial sobre a sexualidade dos personagens, já que automaticamente essa ‘avaliação’ perpassará o meu olhar do que vêm a ser pornográfico e erótico? Qual a função da personagem homo numa peça de teatro? Como evidenciar tais práticas sexuais sem enquadra-las nos termos ‘homo’ ou ‘hetero’? Esse estudo não pretende rever a história do teatro brasileiro, mas ousa com o recorte na dramaturgia de Newton Moreno, iluminar a produção de um artista, questionando e analisando o legado que o mesmo deixa para a história da dramaturgia nacional e para os estudos de gêneros, da sexualidade e como isso pode suscitar discussões e rever conceitos. Palavras-chave: Palavras-chave:1. Sexualidade; 2. Dramaturgia; 3. Newton Moreno; 4. Homoerotismo; 5. Teatro Gay;

Sarah Costa Schmidt (UNICAMP) COMO A CULTURA DIGITAL BRASILEIRA É RETRATADA NO JORNALISMO ONLINE: OS CASOS DO LINK, DO ESTADO DE S. PAULO, E DA PLATAFORMA youPIX O trabalho pretende, em um primeiro momento, levantar e discutir, por meio de revisão bibliográfica, conceitos da chamada cultura digital, por vezes também chamada de cibercultura ou cultura de rede, “que parece se caracterizar pela abundância e aceleração informacional sem precedentes” (Tiziana Terranova, Network Culture, p. 1). Tal revisão permitirá, também, levantar características próprias de uma cultura digital brasileira, com base em anais de encontros, textos e discussões lançadas pelo Ministério da Cultura e por pesquisadores da área, uma 55 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

vez que o MinC considera essa cultura dita pós moderna como uma de suas vertentes. Não se pretende aqui fechar um conceito do que seria a cultura digital, mas sim localizar elementos que possibilitem identificá-la. Diferentemente de muitos países do Hemisfério Norte, no Brasil a chamada cultura digital é marcada por ideais de código aberto, o que mostra sua dinâmica ao mesmo tempo global e local. “ [...] Eram os fetichistas do direito autoral do Norte que deveriam imitar a atitude tranquila do Sul em relação à propriedade intelectual, não o contrário. Os que têm computadores e acesso à banda larga podem ser em número bem menor no Brasil do que na Europa ou EUA, mas era ali que se poderia achar os primórdios da cultura participativa da Internet” (Richard Barbrook, Futuros Imaginários, p. 20). Em uma pesquisa preliminar, fica claro que um dos preceitos dessa cultura digital é de que é para estar de fato incluído nela é preciso não apenas ter acesso às ferramentas, aos computadores, mas também saber se utilizar e dominar a lógica de tais aparelhos, para fazer um uso que vá muito além da máquina. Para o gerente de cultura digital do Ministério da Cultura, José Murilo Jr., de acordo com texto publicado no livro CulturaDigital.br, organizado por Rodrigo Savazoni e Sergio Cohn, o cenário do ciberespaço é um novo “sistema operacional” da cultura, que seria capaz de fomentar, ao mesmo tempo, criatividade, produtividade e liberdade, capazes de satisfazer às demandas tanto de indivíduos quanto de coletividades – para tal, o MinC considera se suma importância a criação de políticas públicas na área. Ainda que exista uma real carência de representação conceitual para os fenômenos surgidos no âmbito da cultura digital, as preocupações em torno de políticas públicas mostram que, para além de um simples conceito, que ainda está em formação e discussão, a cultura digital é uma realidade. Partindo desse princípio, a segunda etapa do presente trabalho se debruçará sobre a cobertura jornalística do que seria essa cultura digital, uma vez que o termo foi amplamente absorvido pela mídia em geral. Se utilizando de uma metodologia híbrida de pesquisa, que combina levantamento bibliográfico, observação direta, análise de conteúdo e análise comparativa, o trabalho tomará como objeto de análise dois canais distintos de divulgação: o site “Link”, do jornal O Estado de S. Paulo, que se dedica à cobertura da chama cultura digital, e do youPIX, plataforma que denomina “palco pra Cultura de Internet”. As publicações lidam com públicos-alvo distintos, mas tratam de uma 56 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

mesma questão: a cultura digital. O “Link” surgiu como um caderno impresso e hoje, além de estar na Internet, também integra uma seção impressa da editoria de Economia do Estado de S. Paulo. Já o youPIX nasceu como uma revista impressa, e, além do site, virou também um evento anual, o youPIX Festival, que ocorre em diversas cidades brasileiras. O objetivo é mostrar como as versões online desses dois canais retratam os elementos da chamada cultura digital, ou seja, o que é cultura digital para esses veículos tão distintos? Em uma análise preliminar, é possível notar reportagens sobre computadores de última geração, eventos de tecnologia, lançamentos de tablets e smartphones, jogos e dicas de aplicativos para baixar, os “memes” do momento, as gafes que aconteceram na Internet. Mas será que a divulgação que ambos têm feito do que eles autoproclamam como cultura digital fica restrita apenas a essas curiosidades tecnológicas? Sabe-se que o jornalismo tem a função não apenas de informar, mas de fomentar discussões em cima de assuntos de interesse público. Por meio da análise de notícias e reportagens desses veículos, será possível ter uma ideia de ambos têm contribuído – ou não – para a discussão em torno da inclusão digital e acesso ao conhecimento por meio da população. Há apenas um tratamento superficial, mainstream e puramente mercadológico do tema ou são promovidas discussões, esclarecimentos em torno do tema e cobranças por políticas públicas de inclusão? Qual é a imagem de cultura digital brasileira que esses veículos têm propagado? O objetivo do presente trabalho é tratar dessas questões e, por meio delas, discutir o papel do próprio jornalismo na construção do conceito de cultura digital. Palavras-chave: cultura digital brasileira, jornalismo, youpix, Link, cultura de rede.

Tatiane Furukawa Liberato (UNICAMP) O SETOR EMPRESARIAL E A COMUNICAÇÃO ENVOLVENDO A INOVAÇÃO E A PROPRIEDADE INTELECTUAL O processo atual de globalização insere a competitividade cada vez mais vinculada à criação de um sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação que permita ações cooperativas e estimule a transferência tecnológica. No contexto brasileiro, os governos federal e 57 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

estaduais vêm se esforçando para fortalecer as atividades inovativas, incentivando o financiamento de projetos que visam uma maior interação entre o setor público e privado, assim como o desenvolvimento de mecanismos legais que possibilitem a transferência de tecnologia. As alterações realizadas na legislação que envolve a inovação tecnológica permitem hoje ao Brasil intensificar o intercâmbio entre as instituições de pesquisa (onde muitas vezes a invenção é criada), e o setor empresarial (que leva essas invenções ao mercado). Uma das finalidades da Lei 10.973/2004, conhecida como a Lei da Inovação , foi instituir mecanismos que atuassem como intermediadores no processo de gestão e transferência tecnológica nas universidades brasileiras. Denominados “Núcleos de Inovação Tecnológica” (NITs), essas estruturas têm contribuído também para a melhoria da comunicação no processo de inovação tecnológica e para o cumprimento dessa nova missão institucional da universidade. Diante deste cenário, e pelo fato dessas instituições, em sua maioria de caráter público, viverem em contato direto com o berço da ciência e tecnologia, há a necessidade de se quebrarem algumas amarras para chegar ao seu público, o setor produtivo. No entanto, deve-se entender se estas instituições fazem uso da linguagem e dos canais de comunicação corretos para atingirem sua população de interesse. E as empresas são atingidas? Alguns autores sintetizam o conceito de inovação como um aspecto da estratégia de negócios ou parte do conjunto de decisões de investimentos que objetiva criar capacidade de desenvolvimento de produtos ou melhorar a eficiência destes; enfatizar a inovação como experimentos de mercado e procurar mudanças extensivas que reestruturam fundamentalmente indústrias e mercados. No contexto da inovação, e como resultado dela, um elemento importante é a propriedade intelectual, que pode ser definida como toda criação intelectual proveniente da mente humana que é protegida por lei pela possibilidade de se transformar em bem material. Por seu conteúdo, os documentos de propriedade intelectual são considerados fontes de informação tecnológica e comercial, podendo ser utilizadas por empresas, Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs) e demais atores que participam e desenvolvem pesquisa científica e tecnológica. Mas será que a patente utilizada como fonte de informação tecnológica é direcionada pelos meios de comunicação ao seu público-alvo? Como as universidades atingem o setor empresarial na divulgação de suas patentes, contribuindo não só para a disseminação do conhecimento científico, mas para o interesse do setor na inserção do invento no mercado? Em que local e de que maneira os empresários buscam esse tipo de informação visando utilizála para benefício de seus produtos e de sua empresa? Pensando nestas questões, a pesquisa buscou investigar o processo da comunicação 58 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

que envolve inovação tecnológica e propriedade intelectual direcionada ao seu público principal de interesse – o setor empresarial. A partir de um estudo de caso no município de São Carlos – interior paulista – pretendeu-se analisar como as Empresas de Base Tecnológica da região recebem e absorvem a comunicação gerada pelos NITs no processo de divulgação de patentes. A investigação foi realizada por meio de questionários aplicados em 56 empresas, a fim de identificar a opinião dos empresários sobre a disseminação de informações por parte das ICTs, por meio de seus NITs ou outras unidades responsáveis por esse papel dentro da instituição. Trata-se de uma pesquisa descritiva e de caráter exploratório, que engloba uma importante vertente sobre a comunicação no processo de gestão tecnológica envolvendo empresas nos dias atuais, frente à disposição dos meios de comunicação na era globalizada e o investimento do país em ciência, tecnologia e sociedade. A expectativa do estudo é conhecer e discutir as experiências na área de comunicação realizadas com o intuito de analisar e adaptar às necessidades dos NITs, contribuindo para o aprimoramento das atividades no âmbito comunicativo e para a disseminação do conhecimento junto à sociedade, além de aprimorar o contato com as empresas, promovendo a efetiva inovação tecnológica. Propõe-se a discussão para a implementação de instrumentos adequados para intensificar essa comunicação e viabilizar novas relações entre as partes, visando à ampliação de negócios que levem à transferência de tecnologia por meio de licenciamentos ou criação de start-ups e, posterior uso das tecnologias pela sociedade, além da externalização do que é desenvolvido pelas ICTs. Os resultados analisados poderão também contribuir para os estudos em percepção pública de ciência e tecnologia, e da comunicação pública da ciência. Palavras-chave: Patentes, Inovação Tecnológica, Comunicação Pública da Ciência

Weynna Elias Barbosa (UNICAMP) IMERSÃO E ATRAVESSAMENTO NAS IMAGENS POÉTICAS DE ELENA A proposta do referente trabalho está pautada numa tentativa de pensamento com a linguagem do cinema através da fabulação produzida pela imagem cinematográfica do documentário brasileiro, Elena (2013). Primeiro será necessário introduzir a noção de documentário na esfera do cinema contemporâneo, desde sua importância arquivista documental, e de divulgação, até os aspectos fabulatórios que constituem novas formas de percepção da vida. A 59 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

esse último aspecto me deterei com mais atenção. Sendo necessário buscar uma forma metodológica com a qual não faremos teoria do cinema, não tomando a imagem pelo que ela possui de meramente visual, mas considerando o complexo jogo de relações que define o seu sentido e sua especificidade na esfera social. Entendendo assim, que é com a fotografia que o cinema partilha esse efeito de realidade produzido pelo cinema documental, não nos interessa desenvolver tanto uma leitura dos aspectos narrativos do filme, que será se necessário, mencionado para articular a discussão acerca da fotografia enquanto imagem pensativa. Junto a filosofia desenvolvida pelo filósofo Jacques Rancière e experiências estéticas e filmográficas com o filme Elena, busco trabalhar a imagem documental a fim de criar outras possibilidades que sejam capazes de produzir pensamento com relação as novas formas de ver o mundo e também a nós mesmos. Acredito que reconhecendo esses movimentos da imagem documental contemporânea, podemos ter um olhar mais claro e quem sabe um entendimento crítico estético do papel da ficção na produção de verossimilhança, na qual o cinema nos faz sentir refletidos como espelho d’agua na realidade. Por isso, não será nosso objetivo aqui, usar o filme Elena para ilustrar teorias sobre cinema, nem muito menos analisar o objeto fílmico a partir de suas técnicas, ou tentar criar sentido teórico às cenas e sustentá-lo com teorias do cinema. Será, por tanto, desafio desse trabalho, inventar um processo metodológico com as imagens do filme em que a linguagem do cinema documental seja explorada e pensada através de uma filosofia da imagem cinematográfica. Isso quer dizer, buscar fissuras dentro do que seria essa imagem cinematográfica documental e suas relações diretas com o mundo, para no entanto a partir dessa compreensão, entender o movimento estético que se configura com a criação de uma memória imagética que busca o real e torna-se espelho do homem contemporâneo. O cinema documentário contemporâneo, tem em Elena um autêntico reflexo do fenômeno das artes que Rancière denomina de regime estético das imagens. A tendência realista está indissociavelmente ligada a própria essência do cinema, e falar de imagem é de alguma forma falar de realidade, já que uma não pode existir sem a outra. A fotografia tem o direito legítimo à propriedade máxima sobre esse efeito de realidade, pois é e permanece inegavelmente o fator decisivo no estabelecimento do conteúdo fílmico. Já que a fotografia é o primeiro acesso fabulatório à realidade que o cinema explora e que demonstra do início ao fim sua importante presença na criação de uma memória. O filme Elena revela o fascinante papel da câmera enquanto revelador do mundo particular da personagem, numa proximidade tão absurda e desconfortante que inevitavelmente torna-se impessoal. Então parece se fazer necessário especificar as variações das concepções de 60 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

realidade entre quem manipula a câmera e o espectador que observa a imagem, para pensar em que medida a imagem fotográfica produz o efeito do real ao documentário e o que possamos produzir com o que escapa ao enquadramento e está fora do desenho de luz que se faz presente. A partir do testemunho e da reunião de arquivos e da montagem de imagens heterogenias, Elena é criação de uma memória, que emerge poeticamente. O trabalho pretende, no entanto, entrever as relações desencadeadas pelos atravessamentos propostos por essa imagem pensativa de Elena (que é memória) e por um movimento poético em que a arte, nesse caso mais especifico, o cinema documental, escapam ao obvio. Quando minam e encharcam as paredes da realidade, afim de forçar uma passagem e desconfortar a representação, trazendo a superfície um novo folego para se pensar o mundo, experiências, a vida a partir de uma poética imagética. “Contraria a essa tendência a reduzir a invenção ficcional aos estereótipos do imaginário social, a ficção de uma memória se instala na distância que separa a construção do sentido, o real referencial e a heterogeneidade dos seus ‘documentos’” (Jacques Rancière, A fabula cinematográfica, p.). Tendo em vista todos esses aspectos, me deterei a problematizar nesse momento apenas o conceito de memória na linguagem cinematográfica documental E concerne a criação autentica do filme e que segundo Rancière, imediatamente coloca um paradoxo ao filme. Palavras-chave: Elena, documentário, ficção, imagem, realidade

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Linguística

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Adalberto Bastos Neto (UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE) VERDADE E CONEXÃO: O ATUAL JORNALISMO IMPRESSO SOB O OLHAR DA SEMIÓTICA FRANCESA O texto jornalístico se manifesta como aquele que detém a realidade, pois se propõe justamente a contar para os leitores os acontecimentos do mundo. Nesse sentido, os jornalistas noticiam fatos que “realmente ocorreram”, e os leitores, embora não tenham como verificar diretamente a veracidade de tais relatos, confiam que o discurso jornalístico os mantêm em contato com a realidade do mundo. Porém, ao nos depararmos com textos jornalísticos, é preciso ter em mente que a informação fornecida pelo jornal é, antes de tudo, um ato discursivo, e não uma mera reprodução dos fatos e dos acontecimentos. O jornal não fala a respeito do mundo, mas procede à construção da realidade no texto e através do texto. O discurso jornalístico, com efeito, não pode ser entendido como uma mera transmissão de informações, um fazersaber, mas sim, como um contrato fiduciário estabelecido com base num fazer-crer. As marcas da enunciação deixadas no enunciado jornalístico nos coloca frente ao processo de sua produção. Nesse processo, a significação, com seus efeitos de verdade e de realidade, é formada, discursivamente, na tensão entre enunciador e enunciatário. Logo, a eficácia persuasiva do jornal está profundamente ligada à maneira como os co-enunciadores percebem o mundo. Antes de o discurso entrar em ato, uma carga afetiva modaliza o sujeito da enunciação e, depois, se espalha e se imprime por todas as etapas da geração do sentido. Interessa-nos, então, como objetivo geral neste trabalho, investigar como se dá o processo de percepção do mundo pelo sujeito da enunciação jornalística. Em outras palavras, pretendemos investigar a disposição do sujeito da enunciação anterior às escolhas enunciativas, depreendendo, assim, o modo de presença da enunciação jornalística. A história do jornalismo é marcada pelos avanços da tecnologia. Muitas foram as mudanças no modo de presença da enunciação jornalística provocadas pelo surgimento de novos meios de comunicação. Foi o que ocorreu na era do rádio, depois da televisão e agora na época da internet. Sites de divulgação de documentos sigilosos como o Wikileaks, redes sociais, como o Twitter e o Facebook, têm trazido, cada vez com mais intensidade, novas formas de se pensar e de se fazer jornalismo. Durante muito tempo acreditou-se que, com a emergência da internet, o impresso estaria fadado à extinção. Entretanto, notamos que existe hoje uma interação cada vez mais complexa entre as novas e as antigas mídias. O que existe é, na verdade, uma nova configuração do discurso jornalístico impresso, com base nos recursos da internet. Podemos dizer que há uma 63 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

forma de hibridação. Os atuais suportes midiáticos implicam em novas formas de manifestação e de presença do discurso jornalístico, o que ocasiona uma mudança na maneira como as pessoas se relacionam com o objeto noticioso. Essas mudanças que, inicialmente, se dão no universo online, são impulsionadas e envolvem, entre outras formas de discurso, o discurso jornalístico impresso. É com base nessas considerações que pretendemos, como objetivo específico, investigar nas edições impressas dos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, a presença de características discursivas provenientes dos discursos da internet e, assim, mostrar, sob uma perspectiva diacrônica, algumas das mudanças discursivas que reconfiguram o modo de presença desses dois jornais. Para que possamos mostrar os processos tensivos pelos quais é instituído no texto jornalístico um novo modo de presença baseado na influência dos recursos da internet, utilizaremos como embasamento teórico a semiótica de linha francesa, mais especificamente algumas das propostas da vertente tensiva dessa teoria. Inicialmente analisaremos as características discursivas da rede social Facebook. Selecionamos, então, como corpus para análise, a página do evento de grande repercussão “Churrascão da gente diferenciada”, criada em maio de 2011. Em seguida, analisaremos algumas publicações dos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo veiculadas em novembro de 2005. Nessa data, as publicações trouxeram notícias referentes ao cancelamento da construção da estação “Três Poderes” do metrô. Finalmente, analisaremos algumas publicações da Folha de S. Paulo e do Estado de S. Paulo veiculadas em maio de 2011, que traziam como notícia o cancelamento da estação “Higienópolis” do metrô. Analisaremos, em seguida, os elementos tensivos que instituem o discurso do Wikileaks, a partir de artigos veiculados nesse site em dezembro de 2010. Depois, analisaremos, nas edições da Folha de S. Paulo e do Estado de S. Paulo veiculadas nesse mesmo período, a existência de recorrências tensivas encontradas no discurso do Wikileaks. Em síntese, com base nos pressupostos da vertente tensiva da semiótica, analisaremos notícias veiculadas em suportes digitais e compararemos com notícias veiculadas em suporte impresso. Então, analisaremos as características do jornal impresso sob um ponto de vista diacrônico, comparando edições atuais com edições mais antigas, buscando evidenciar mudanças no seu modo de presença como objeto de significação. Palavras-chave: jornalismo impresso; redes sociais; tensividade; triagem e mistura; modo de presença

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Adelaide Maria Nunes Camilo (UNICAMP) RASURAS EM SEGMENTAÇÃO DE PALAVRAS: UM OLHAR SOBRE O PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM Neste trabalho, buscamos discutir as rasuras em segmentações nãoconvencionais de palavras como pistas, não apenas da percepção de aspectos prosódicos da língua portuguesa, mas do seu trânsito por práticas letradas/escritas e orais/faladas. Para tanto, usaremos, como material base, textos produzidos por duas crianças em contexto escolar, provenientes de um banco longitudinal que acompanhou o percurso dessas alunas desde os estudos pré-primários até a conclusão do Ensino Médio, em uma escola particular da cidade de Campinas. Utilizaremos, também, os resultados obtidos em um trabalho anterior, de Iniciação Científica. A segmentação não-convencional de palavras é definida em função da presença ou ausência de espaços em branco de modo que não atende à convenção ortográfica que delimita palavras. Assim, as segmentações divergentes podem ser classificadas como: (i) hipossegmentação: quando há ausência do espaço em branco entre duas palavras em locais previstos pela ortografia, como “derrepente”, “comcerteza” e “perseguilo”; (ii) hipersegmentação: quando há presença do espaço em branco em locais não previstos pelas normas ortográficas, como “em bora”, “de mais” e “com migo” e (iii) mescla: quando há tanto a presença quanto a ausência de espaços em branco não esperados pelas normas, como “mão tanha”. Consideramos, aqui, as rasuras como construções mais propícias à observação das marcas do trânsito do escrevente entre práticas orais e escritas, possibilitando a identificação de características linguísticas. Ao analisar os dados encontrados, notamos que as alunas, ainda nas séries iniciais, apresentavam dificuldades de segmentação com as estruturas clítico + palavra fonológica, tendo como pico de ocorrências a segunda e terceira séries. De maneira geral, as rasuras aconteciam, especialmente, quando as palavras envolvidas na construção diziam respeito à preposição “em” quando parte de construções como “enfim”, “embora”, “embaixo”, “em cima”, ora juntando-a à palavra seguinte, ora mantendo-a como unidade isolada. A partir dos dados, percebemos que, ao rasurar, a criança explicita sua dúvida não só quanto ao limite de palavras, mas também ao funcionamento da língua, à medida que reconhece a existência de palavras que podem ser usadas tanto como formas independentes como partes de uma única palavra. Esse trabalho epilinguístico da criança, ainda em fase de aquisição do código escrito, nos sugere que, ao unir o clítico à palavra (no caso de “em cima”), ela opera com sua percepção da cadeia sonora, segundo a qual não haveria espaço para uma separação entre 65 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

as palavras, porém, ao juntá-las, esse mesmo escrevente explicita que já se encontra capturado pela escrita, pois mesmo escutando a construção como um contínuo fônico, reconhece que, no código escrito, ambas as palavras existem como formas independentes. O que nos chama atenção é que, ao atingir séries mais avançadas do ensino fundamental, esse tipo de ocorrência praticamente desaparece dos textos de ambos os sujeitos analisados, fato que muito contrasta com os resultados que obtivemos em estudos anteriores, com outras crianças no ensino fundamental. Nesses estudos, notamos que crianças do Ensino Fundamental II (sexto ao nono ano) de uma escola pública da cidade de São José do Rio Preto apresentam um grande número de rasuras em segmentações não-convencionais. Tal comparação nos leva a perceber que o tempo de escolarização da criança não é o fator mais relevante no que se trata do domínio da segmentação, mas o possível contato com situações de escrita fora da escola. Considerando que nossos dois sujeitos são filhas de professoras universitárias e, conhecendo toda sua produção escrita, notamos que a presença de material escrito era constante em seu dia-a-dia, desde livros infantis a relatórios de pesquisa. Tal contato proporcionou às crianças a observação de regras do funcionamento do código escrito, como o espaço em branco entre palavras e a direcionalidade da escrita, diferentemente dos demais alunos, que tinham a escola como fonte primária de material escrito. A partir do exposto, concluímos que as rasuras, além de evidenciarem a (re)construção do sujeito-escrevente no processo de produção de seu texto, indiciam o trânsito do escrevente entre informações letradas e percepção de aspectos da oralidade, já que o aluno segmenta uma palavra tanto a partir dos sons que nela identifica, como de seu contato prévio com o código escrito. Assim, a fuga à convenção ortográfica poderia ser motivada pelo fato de os alunos refletirem sobre a língua, sendo as segmentações não-convencionais locais em que o escrevente revelaria marcas de sua subjetividade no texto que produz, evidenciando, desse modo, o seu raciocínio acerca dos limites de palavras. Palavras-chave: rasuras; aquisição de linguagem; convenções ortográficas; letramento; oralidade Adielson Ramos de Cristo (UFBA) OS SENTIDOS DE MONSTRO, HERÓI E VILÃO NA INCOMPLETUDE DE MATERIALIDADES SIGNIFICANTES FÍLMICAS. Com este trabalho pretendo evidenciar minha pesquisa de doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura 66 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia. A pesquisa, que tem como base o projeto de doutorado “A propósito da Forma material cinematográfica: discurso, produção de sentidos e memória discursiva na tetralogia Shrek” e gira em torno da produção cinematográfica, da DreamWorks, a qual tem sua produção a partir do conto homônimo do escritor norte-americano William Steig. O trabalho inscreve-se, assim, na esteira da Análise de Discurso e, portanto, considera o texto a partir de sua incompletude e de sua relação material com a ideologia e o interdiscurso. Por essa razão, a questão que move o trabalho diz respeito ao funcionamento discursivo do texto cinematográfico, isto é, o funcionamento do texto em sua incompletude. Desse modo, a partir da noção de recorte – em oposição à de segmentação – (Eni Orlandi, Segmentar ou recortar?), propomos a análise dos processos de constituição dos sentidos, sobretudo daqueles que dizem respeito ao monstro, ao herói e ao vilão. Nossa investigação está, então, em entender como funciona a especificidade da forma material (nem empírica, nem abstrata) cinematográfica em sua incompletude e em sua relação com o interdiscurso. Partimos, assim, do seguinte questionamento: como o trabalho da memória discursiva, no interior de uma formação discursiva, permite a refutação, a repetição, mas também o esquecimento, o silenciamento e a ressignificação de sentidos nos filmes da tetralogia Shrek? Em nosso percurso para o entendimento dessa questão, temos observado a necessidade de observar a relação contraditória do funcionamento das materialidades significantes que constituem o corpus cinematográfico. Tal formulação – materialidade significante – reitera “[...] ao mesmo tempo a perspectiva materialista e o trabalho simbólico sobre o significante [...]”(Suzy Lagazzi, Linha de passe: a materialidade significante em análise, p. 2), o que permite referirmos ao “discurso como a relação entre a materialidade significante e a história” (Suzy Lagazzi, Linha de passe: a materialidade significante em análise, p. 2), lembrando-nos, sobretudo, acerca da importância de pensarmos o “sentido como trabalho simbólico sobre a cadeia significante, na história, compreendendo a materialidade como o modo significante pelo qual o sentido se formula” (Suzy Lagazzi, Linha de passe: a materialidade significante em análise, p. 2). Nessa perspectiva, objetivamos entender como o efeito de memória trabalha na (dis)simulação de sentidos, fazendo emergir outros discursos, que não aqueles evidenciados nos contos de fadas tradicionais aos quais os contos de fadas cinematográficos constituintes do corpora desta pesquisa fazem alusão. Em outras palavras, objetivamos entender o funcionamento da memória discursiva no agenciamento de determinados sentidos em contos de fadas cinematográficos. Assim, a fim de entender os sentidos de monstro, de herói e de vilão nos filmes da 67 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

tetralogia Shrek, é necessário evidenciar o imbricamento de materialidades significantes diversas, próprias da especificidade cinematográfica, tais como trilha sonora, banda de som, plano cinematográfico, texto verbal etc, entendendo cada materialidade significante trabalhando na falha da outra, na incompletude. Desse modo, trabalhamos – lembrando-nos da incompletude da língua(gem), sujeita a falha e ao equívoco – a materialidade dos sentidos, inscritos na história. Tendo em vista que para a Análise de Discurso Materialista, cujo principal expoente é o filósofo Michel Pêcheux, a constituição dos sentidos não poderia ser pensada a partir da dicotomia idealista forma/conteúdo, pretendemos pensar os sentidos que se constituem na forma material – nem empírica, nem abstrata – cinematográfica que compõe o corpus ora apresentado. Desse modo, a forma material é tomada aqui como perspectiva teórica para observar o funcionamento discursivo do simbólico constituído de materialidades significantes diversas, e a noção de recorte como dispositivo analítico que possibilita pensar o funcionamento do discurso a partir dessa perspectiva. Outrossim, sabendo que não há sentido em si, uma vez que este é sempre definido “em relação a”, reiteramos que materialidades diferentes instam gestos de interpretação diferentes, posto que conforme nos mostra Orlandi, a interpretação mantem uma relação fundamental com a materialidade da linguagem. Assim, pretendemos compreender os processos de significação dos filmes, observando os gestos de interpretação inscritos aí. Finalmente, uma vez que falamos em gestos de interpretação, não propomos evidenciar os sentidos verdadeiros, posto que para a Análise de Discurso, os sentidos, assim como a linguagem, não são transparentes. Interessa-nos, então, os efeitos de sentidos possíveis por causa da inscrição da língua na história sempre necessária para a significação. Palavras-chave: Discurso; memória; incompletude da língua(gem); materialidades significantes; cinema. Alan Lobo de Souza (UNICAMP) BREVES NOTAS SOBRE O HUMOR E O DISCURSO POLITICAMENTE CORRETO Falar em “politicamente correto” (um movimento que se iniciou durante a década de 1980 nos Estados Unidos) é uma questão delicada (e recente) para a sociedade. Adentrar, por sua vez, o espaço do humor e sua relação com o “politicamente correto” é entrar no cerne de uma questão bastante polêmica. Neste caso, a temática não é nova: as discussões em torno dos limites do humor se remetam à Antiguidade. Os registros daquela época sublinham que a polêmica em torno do 68 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

discurso humorístico é antiga e, por conseguinte, atravessa todo o dizer contra ou a favor do discurso humorístico na atualidade. Afinal, o humor, uma vez que se “nutre” do proibido, do estereótipo, depara-se por diversas vezes questionado por ameaçar, em alguns momentos, o “bom andamento” das relações sociais. Assim, se encararmos o riso como o “real do humor”, o inapreensível que foge à tentativa de determinar o que/do que podemos achar risível, é possível dizer que o “politicamente correto” compreende uma tentativa de organizar/regulamentar o humor? E possível afirmar que as condições históricas de produção determinam um deslocamento na significação do humor a ponto de re-significar o discurso humorístico? A rapidez com que a informação circula (fruto da popularização dos meios de comunicação) não está livre do discurso do “politicamente correto”. Trata-se de uma tentativa de ordenar o real das práticas sociais. Contudo, a ordem do humor parece não ser organizada por essas “polícias discursivas”, ao contrário, a ordem do humor parece se articular (e se manter) através dos “discursos proibidos”, daquilo que não poderia ser dito. Esta pesquisa visa a tecer algumas considerações iniciais do modo como a opinião e o imaginário público têm sido influenciados pelo discurso sobre os “limites do humor”, atualmente atravessado pelo discurso do politicamente correto, isto é, pelo modo como este discurso tem determinado desdobramentos das predicações do humor (e.g., humor agressivo, humor inconveniente etc.). Centrados nos discursos sobre o humor, interessa-nos analisar e descrever possíveis regularidades enunciativas, mecanismos sintáticos e processos de enunciação em que o político, a tensão e a polêmica se estabelecem. Em outras palavras, propomos analisar a contradição constitutiva do próprio funcionamento discursivo do humor, analisar como determinados paradigmas e discursos proibidos operam, ao mesmo tempo, como fonte para o próprio funcionamento do humor. O discurso cotidiano, a fala pública é o espaço escolhido para analisar o funcionamento, o contraste, o equívoco, a falha que constitui todo discurso que se vê atravessado por uma suposta polícia discursiva. Para tanto, recortamos como material de análise textos que circulam em jornais e internet (blogs, fóruns etc.), bem como alguns registros de obras de autores que trabalharam com o tema do humor. Metodologicamente, interessa-nos, inicialmente, confrontar o discurso sobre o humor pela oposição /discurso contra os limites do humor (sociedade, estudiosos, justiça, humoristas etc.)/ vs /discurso a favor dos limites do humor (ainda não há é possível afirmar em quais setores da sociedade será encontrado)/. Esses discursos são capazes de expor o campo do humor às suas características mais polêmicas. Isto é, ao analisar esse material, é possível descrever a contradição que opera nas bases ideológicas do campo humorístico. Ao privilegiar esse 69 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

material, sublinhamos um espaço discursivo propício à polêmica (neste caso, a caracterização de um litígio, uma questão controversa), na medida em que é reconhecido por ser um espaço aberto e capaz de agregar rapidamente diferentes opiniões e crenças. Neste momento inicial, porém, interessa-nos descrever o modo como a tensão e a polêmica operam nos discursos sobre o humor em diferentes momentos históricos a partir de um material já organizado em forma de arquivo. Objetivamos descrever brevemente as estratégias enunciativas – i.e, os mecanismos sintáticos e processos de enunciação, sobretudo através do trabalho com as famílias parafrásticas – constitutivas do politicamente correto, o seu caráter histórico, ideológico, sua pretensa significação coercitiva, reguladora; por conseguinte, a falha, o deslizamento que acompanha o real da linguagem. Palavras-chave: humor; politicamente correto; polêmica; contradição; ideologia. Aline de Paula Machado (UNICAMP) USO DE TÉCNICAS ACÚSTICAS PARA VERIFICAÇÃO DE LOCUTOR EM SIMULAÇÃO EXPERIMENTAL Esta pesquisa propõe o uso de técnicas de análise acústica para reconhecer um indivíduo dentro de um grupo de dez falantes do português paulista e assinalar quais parâmetros acústicos são relevantes para o reconhecimento naquele grupo. A identificação de um indivíduo dentro do grupo se dará a partir das análises de trechos de suas falas, durante os quais se quantificarão as frequências dos dois primeiros formantes das vogais orais, a frequência fundamental, a duração de unidades do tamanho da sílaba e da vogal, a intensidade relativa (ênfase espectral), a frequência fundamental de base de cada sujeito, a taxa de movimento de formantes e o ΔC (desvio padrão de durações de intervalos consonânticos). Todos os trechos escolhidos são de entrevistados divididos em dois grupos: (i) entrevistas ao ar livre e (ii) gravações telefônicas (de celular para celular). Este projeto é feito com intuito de aprender procedimentos experimentais que possam ser automatizados (através de procedimentos nos softwares PRAAT e R) e servir à área de Fonética Forense. Levantamos questões como: (i) quais parâmetros acústicos são eficazes para a verificação de locutor?; (ii) os mesmos são eficazes em uma situação forense? Por isso, duas situações de degradação serão utilizadas: entrevista ao ar livre e gravação via celular; (iii) quão robustos são os parâmetros analisados entre as situações? (iv) as técnicas de análise estatística escolhidas são eficazes para a verificação do sujeito? 70 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Esta pesquisa seguirá os padrões, etapa por etapa, de como uma análise forense deve ser feita. O primeiro passo, depois de extraídos todos os parâmetros acústicos das gravações, para cada vogal oral, é diminuir o número de “suspeitos” em categorias de características semelhantes ao “criminoso”. Tentaremos também incluir falantes de outros dialetos do PB para que esse fator possa ser usado no afastamento ou aproximação dos falantes em relação ao “criminoso”. Alguns fatores que ajudam a diminuir o número de suspeitos são características físicas, sexo (só serão usados falantes do sexo masculino), idade, patologia da fala, e outras idiossincrasias do sujeito. A técnica utilizada para este trabalho é a auditiva, acompanhada de análise acústica via programa de software especializado. Utilizando o software Praat para medir parâmetros acústicos, será feito um quadro com as características de cada sujeito comparando com um quadro de uma gravação feita em laboratório (com alta relação sinal-ruído, portanto) de um deles (sorteado sem que a Mestranda saiba). Assim, ocorrerá uma verificação de locutor inicial. Depois disto realizado, analisaremos estatisticamente cada parâmetro dos falantes (inclusive do sujeito gravado em laboratório, o “criminoso”) no programa R, calculando o pvalor (probabilidade de aceitação da hipótese nula), com um teste estatístico entre cada sujeito e o “criminoso”, e então se decidirá qual está mais próximo ao “criminoso”. Os parâmetros acústicos analisados serão: frequências dos dois primeiros formantes das vogais orais, a frequência fundamental, a duração de unidades do tamanho da sílaba e da vogal, a intensidade relativa (ênfase espectral), a frequência fundamental de base de cada sujeito, a taxa de movimento de formantes e o ΔC (desvio padrão de durações de intervalos consonânticos). Em muitas situações forenses, cientistas têm em suas mãos, como material de avaliação, escutas telefônicas, em sua grande maioria de péssima qualidade e sendo a única fonte sonora para extrair parâmetros e apresentar algum resultado substancial para o júri. Como este projeto procura usar de situações reais para mais se aproximar da Forense (e como dito anteriormente) simularemos um episódio de “crime” com escuta telefônica. Primeiramente, escolhemos celular e não utilizar escuta telefônica em telefone fixo, pois foi evidenciado que o primeiro apresenta resultados mais robustos, principalmente para o f1 (primeiro formante). Um dos fatores para tornar a análise de dados a partir de gravação telefônica é a questão da perda do sinal, além de ruído que há no ambiente (principalmente em gravação de celular). “A orelha não pode magicamente restaurar informação acústica e fonética que foi perdida do sinal” (Francis Nolan, Speaker Recognition and Forensic Phonetics, p. 76), mesmo perdendo qualidade (devido à filtragem e a ruídos), tornam a análise mais difícil e meticulosa. Alguns efeitos de telefone foram evidenciados (Catherine Byrne e Paul Foulkes, 71 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

The mobile phone effect on vowel formants, p. 84) e esperamos presenciar nesta pesquisa uma degradação ao sinal de fala das gravações coletadas: efeitos do ambiente, efeito dos falantes e efeitos técnicos. Com base nisso, propomo-nos avaliar os seguintes parâmetros acústicos das vogais orais para avaliação de diferenças/semelhanças entre indivíduos: frequências dos dois primeiros formantes das vogais orais, a frequência fundamental, a duração de unidades do tamanho da sílaba e da vogal, a intensidade relativa (ênfase espectral), a frequência fundamental de base de cada sujeito, a taxa de movimento de formantes e o ΔC (desvio padrão de durações de intervalos consonânticos). Também vamos lidar com outras formas de gravação para análise, simulando uma situação de escuta telefônica, procurando aproximar a pesquisa com a realidade forense. Palavras-chave: fonética; forense; linguística; simulação; verificação. Ana Alice dos Passos Gargioni (UFMS) ESCRITURA DE SI E ALTERIDADE: EXCLUSÃO E RESISTÊNCIA NO DISCURSO DO PROFESSOR INDÍGENA NO ESPAÇO PAPEL-TELA O advento do capitalismo e da pós-modernidade, marcado pela facilidade de acesso à informação por meio das novas tecnologias e do culto às diversidades, traz à baila e prima pela discussão do que diz respeito à igualdade, e, inclusive, à diferença. A valorização pelas reflexões sobre cultura, opressão, exclusão e, sobretudo, pela ênfase na celebração da diferença e do outro são, então, caracterizações da pós-modernidade, e, para tal, o processo de constituição identitária do sujeito passou a ser investigado, buscando rastros, efeitos de sentidos que contribuem na (re)significação e no deslocamento da realidade. Atrelado ao contexto pelo qual conhecemos por pós-modernidade, esse fenômeno identitário deve ser considerado em relação ao mundo pelo qual fazemos parte hoje, uma “aldeia global”. Devido à ascensão de um cenário globalizado, muito se tem discutido acerca da prática de políticas que amparam o pluralismo cultural, retratando o desejo de compreensão da sociedade atual. Neste aspecto, esta pesquisa tem por objetivo problematizar como a produção das identidades de professores indígenas com ensino superior, situados na região de Miranda, em Mato Grosso do Sul, se manifesta no processo de escrita de si, confrontando-se com a constituição identitária do outro, o branco. Buscamos examinar o processo identitário instaurado a partir de questionários respondidos por quatro professores indígenas da etnia Terena e textos retirados de um blog (http://terenadigital.blogspot.com.br), sustentado também por eles, 72 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

analisando as representações de exclusão e resistência presentes na materialidade linguística dessas escrituras, trazidas à tona mediante a identificação das múltiplas vozes, das formações discursivas, da irrupção de outro(s), assim como das marcas de subjetividade que compõem a memória discursiva desses sujeitos. Para tanto, traremos como aporte teórico a Análise de Discurso de linha francesa, sob o enfoque transdisciplinar, numa perspectiva discursiva, culturalista e psicanalítica de análise, das quais depreendemos as concepções de sujeito, discurso, formação discursiva, desejo, memória discursiva, interdiscurso, heterogeneidade, bem como os conceitos de identidade, alteridade e virtualidade. Embora haja a ilusão constituinte e produtora do sujeito, vista como efeito de unidade, indivisibilidade, plenitude e centramento, a identidade, à qual nos referimos, conserva-se incompleta, em formação, descentrada e sempre em processo. As identificações são (re)produzidas por meio da relação com o outro e são trazidas a tona por meio da permeabilidade da linguagem e irrupção do inconsciente; elas não existem em si mesmas, não são dadas a priori, são construídas num processo infinito, plural e transitório, buscando o preenchimento da falta que nos constitui sujeitos, e faz emergir as vozes que nos ecoam, sobressaltando momentos de identificação, e ainda o suprimento do desejo de completude. Nossa proposta pretende mostrar o atravessamento de discursos que confrontam a constituição identitária do indígena e do branco e constroem representações de si e do outro e do outro de si. Para isso, acreditamos que as representações de si do sujeito-professor terena funcionam como matriz de um eu-indígena, enquanto (re)construção de um outro de si-branco, isto é, a partir de uma escrita de si há também uma escrita do outro e alteridades do mesmo. Tais representações são constituídas num constante embate entre o um e o outro, pois se fundamentam pelo/no olhar e nas representações que emanam do dizer do outro, transformando-se corpo, e possibilitam (re)pensar as imagens inscritas do outro-branco na constituição da identidade de si-indígena. Partindo dessa premissa, afetado pelo desejo de tornar-se o outro, devido conflitos da diferença e de relações de poder na configuração social contemporânea, o sujeito-professor indígena manifesta seu descentramento identitário por meio da escrita de si tanto no papel quanto no ambiente virtual, um espaço de exibição do eu e recepção de outros, local em que o público e o privado se entrelaçam e possibilitam contradizer discursos hegemônicos. O dispositivo virtual blog retrata, portanto, um novo território de ocupação indígena, local de visibilidade e emergência de voz. Por estes motivos, oportunizando-lhe falar de si, de modo a permitir um outro olhar sobre a subjetividade do indígena, e a fim de propiciar a promoção de deslocamentos e rupturas no imaginário social acerca dos povos indígenas e de respectivo desenvolvimento cultural, 73 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

procuramos desenvolver esta pesquisa, visando também contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas, assim como no surgimento de novas pesquisas, no que diz respeito aos povos minoritários, em especial aos povos indígenas. Palavras-chave: Escrita de si; Alteridade; Identidade; Exclusão; Professores indígenas. Ana Maria Carvalho Leite (UFMG) CADEIAS REFERENCIAIS EM TEXTOS DO GÊNERO CARTA ABERTA Neste trabalho, apresentamos os resultados parciais de uma pesquisa de doutorado em Linguística Aplicada ao Ensino do Português, cujo objeto são as estratégias de referenciação utilizadas na construção de Cadeias Referenciais em textos do gênero Carta Aberta, por alunos de uma turma da Educação de Jovens e Adultos-EJA, nível de Ensino Médio. Foram também objetos de observação os recursos teóricometodológicos que subsidiaram a aplicação de um Projeto didático, baseado na noção de Sequência Didática. O objetivo foi verificar em que medida a falta de habilidade dos alunos em usar as estratégias de referenciação poderia comprometer o processo de textualização de um texto de determinado tipo e gênero e até que ponto um trabalho sistemático e sequenciado, com foco nessas estratégias, contribuiria para que o aluno desenvolvesse essa habilidade. Por meio desse instrumento de pesquisa, procuramos por em destaque a significativa e recorrente dificuldade dos alunos que concluem o Ensino Médio, seja na modalidade EJA ou no ensino regular, em produzir textos com manutenção temática e progressividade. O material foi elaborado em colaboração com o professor de Língua Portuguesa da referida turma, em consonância com os objetivos da EJA e sua estruturação curricular. Pretendemos, ao mesmo tempo, auferir dados científicos e propiciar condições para que os alunos participantes se apropriassem dos recursos que a língua oferece e desenvolvessem sua competência sociocomunicativa. Apontamos dois fatores principais que justificam essa abordagem: primeiro, a possibilidade de transformar uma preocupação didática em pesquisa; segundo, a visibilidade que se pretende dar a um dos processos de textualização: a referenciação. Nossa intenção foi propor uma reflexão sobre os modos de utilizar recursos da língua que concorrem para o estabelecimento da coesão e da coerência nos textos produzidos por alunos que concluem o Ensino Médio. Optamos por realizar a investigação na modalidade de ensino denominada Educação de Jovens e Adultos, que faz parte das políticas públicas adotadas pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade e Inclusão - SECADI para a redução de 74 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

desigualdades educacionais. Nessa modalidade, o tempo curricular do aluno pode ser reorganizado em projetos pedagógicos. As diretrizes curriculares da EJA seguem os Parâmetros Curriculares Nacionais, divulgados em 1998. O eixo condutor dos PCN é a formação para o exercício da cidadania. Sob essa perspectiva, de acordo com o documento, devem ser desenvolvidas todas as competências necessárias à participação social, principalmente as que dizem respeito à linguagem. Nos PCN de Língua Portuguesa, recomenda-se que o trabalho com a Língua seja a compreensão, a análise e a produção textual. Tendo por base esses pressupostos educacionais, nossa investigação situa-se no âmbito da Linguística Aplicada, na qual utilizamos o modelo integrado de pesquisa qualitativa e quantitativa. Participaram como sujeitos de pesquisa trinta alunos, da referida turma, observados enquanto executavam atividades do referido Projeto Didático. A sequência de atividades previa uma primeira produção de textos, realizada sem qualquer intervenção do professor e uma versão final, produzida após atividades sistematizadas de ensino pelo professor. Os dados obtidos por meio de observações e pela análise dos textos escritos produzidos pelos alunos foram descritos e analisados qualitativamente à luz das atuais teorias sobre referenciação. Além disso, foram produzidos gráficos e tabelas comparativos numa análise quantitativa. Como desfecho primário, esperamos ter sido possível identificar as principais dificuldades que os alunos encontraram no trabalho de escrita de textos, especificamente no que concerne ao uso de estratégias de referenciação na construção da textualidade. Como desfecho secundário, esperamos identificar recursos e habilidades que ajudem os alunos a ter mais proficiência na escrita. A partir das informações obtidas, poderão ser desenvolvidas metodologias didáticas que contemplem as necessidades pedagógicas, com foco no cotidiano dos alunos, procurando sempre estabelecer a interação entre professor, aluno e conhecimento. Palavras-chave: Cadeias referenciais; Carta Aberta; Educação de Jovens e Adultos. André Luís Campos Vargas (UFSM) ACONTECIMENTO DISCURSIVO: A TESSITURA DE UM DISCURSO OUTRO NA ATUALIDADE DO ACONTECIMENTO HISTÓRICO A questão inicial de nosso trabalho nos remete à assertiva de que um discurso está sempre diretamente relacionado a um outro discurso, mantém uma relação umbilical um com o outro, para dizer simbolicamente do vínculo que alimenta a vida e que a traz à luz. Em 75 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

nosso estudo, o fato determinante é um ambiente circunscrito a 615m² de área, um tempo limitado a, no máximo, 30 minutos e, nessa dimensão espaço-temporal irrompe o inesperado, o brusco, o violento, o devastador. Um artefato no palco de uma boate utilizado pelos músicos para provocar efeitos especiais com fogo e animar o público, ao ser acionado, queima a forração do teto, revestido com material de alta combustão (uma espécie de esponja de vedação acústica) que provoca um incêndio. Mas não é apenas um incêndio, não é apenas fumaça, é algo dantesco, além de qualquer probabilidade do imaginável e do descritível. Interessa-nos a fala, a voz do locutorrepórter de uma rádio que procura descrever/interpretar o que vê ante o profundamente opaco do inusitado, do indizível, do inominável. Esta posição do locutor-repórter é tomada enquanto espaço simbólico, que reclama interpretação, remetendo às articulações postas em jogo no discurso. Desse modo, não é o sujeito físico nem seu lugar empírico no contexto social que importa na análise do funcionamento discursivo, mas a referência projetada a partir deste lugar, calcada na formação imaginária. Abre-se a imensa teia da rede de palavras que visam dar sentido ao sem-sentido: fogo, fumaça, cianeto, sem-saída, vedação, travas, mortes, câmara-de-gás, extermínio, tragédia, crime, responsabilização, bombeiros, políticos, autoridades, desespero, choro, corpos enfileirados no chão de um ginásio esportivo, multidão, velório coletivo, dor, sepultamentos coletivos, marcas, fotos, despedidas, frases, justiça, impunidade. Esse elenco de palavras denota toda a intensidade da interpelação ideológica daquele que diz (o locutor de rádio) o que está acontecendo em tempo real, permeado pelo jogo das formações imaginárias. Esse é o ponto de partida no passo-a-passo teórico com o qual referenciamos a transição entre o acontecimento histórico e o acontecimento discursivo. Buscamos elaborar nosso trabalho a partir de um dos ensinamentos de Michel Pêcheux, tal como citado por Denise Maldidier em A inquietação do discurso: o discurso não é qualquer coisa de empírico da qual se deveria fazer análise, mas é “um lugar teórico onde se encontram intrincadas, literalmente, todas as questões sobre a língua, a história e o sujeito” (Denise Maldidier, A inquietação do discurso, p.15). O acontecimento discursivo mantém uma relação com o acontecimento histórico calcada em uma interdiscursividade argumentativa ou dialógica que conclama filiações históricas nas quais o discurso rompe, perfura a aparência do estável, do coerente e do homogêneo e pelo sem-sentido inscreve, formula/reformula uma nova/outra ordem e passa a significar “novos” sentidos. Ainda, pelo seu efeito de sentido o processo discursivo de um acontecimento perturba, desestabiliza não somente a própria memória como reinstala e reorganiza redes e trajetos de filiações históricas. Para o radialista com o microfone à mão, pela voz é preciso dizer algo disso, é preciso 76 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

descrever, é preciso encontrar a palavra definidora que encerre a compreensão do visível e com a pretensão de tornar possível a apreensão pelo ouvinte. Desta forma, eventos traumáticos são caracterizados, inicialmente, pela falta de sentido e, nada é mais sem sentido do que a morte de uma pessoa jovem, cuja existência ainda não pode ser caracterizada, como possuindo um sentido definido, mas sim aponta para o devir, para o futuro que, no momento que é tolhido, cria uma enorme vacuidade de significação. Como captar o sentido pela voz como meio capaz de transpor sentido na descrição? Acreditamos que por aquilo que mais se aproxima do ato de parafrasear, de atribuir sentido à experiência traumática, e o que costuma ser mais eficaz para tanto, é precisamente uma (res)significação coletiva da experiência traumática, o que só é possível através da fala, especialmente a fala no espaço público, que enquanto produção coletiva de significados pode, se legitimada pela comunidade, permitir a constituição de um sentido, onde antes havia apenas a sua falta. Eis os desafios que temos a percorrer, em que instância um acontecimento discursivo vem a ser concebido como uma ruptura com outros discursos ou venha a ser um discurso ressignificado. É pela discursivização no acontecimento histórico que o sem-sentido passa a compor sentido e, nessa passagem, ideologia e inconsciente estão funcionando, significando o que até então não existia, nem como experiência do vivido, nem como discurso. Buscamos inferir acerca do acontecimento discursivo – as marcas e objetos simbólicos suscetíveis de se associarem a constituição de novos sentidos e de questões que sobredeterminam o acontecimento, para além do pressuposto linear de causa e consequência, de maneira a pensarmos a multiplicidade, a pluralidade como manifestação do discurso constituído de forma heterogênea. Palavras_chave: Discurso; Acontecimento Discursivo; Acontecimento Histórico; Ideologias; Paráfrase. André Nogueira Xavier (UNICAMP) OS EFEITOS SEMÂNTICOS DA DUPLICAÇÃO DO NÚMERO DE MÃOS NA PRODUÇÃO DE SINAIS DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS (LIBRAS) Os sinais, itens lexicais das línguas sinalizadas, caracterizam-se articulatoriamente por ser realizados com uma ou duas mãos (Klima e Bellugi, The Signs of Language, 1979). Entretanto, casos de variação na realização desse parâmetro articulatório são atestados na literatura, sobretudo sobre a língua de sinais americana (ASL, do inglês American Sign Language) (Stokoe, Sign Language Structure; Battison, Phonological 77 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Deletion in American Sign Language; Friedman, Phonological Processes in the American Sign Language; Padden e Perlmutter, The Architecture of the Phonological Theory). Stokoe e Friedman citam alguns fatores extra-linguísticos como responsáveis pela produção, com uma mão, de sinais normalmente feitos com duas. Entre esses fatores, segundo ambos os autores, está a informalidade, o cansaço e a indisponibilidade de uma das mãos (por exemplo, quando uma das mãos está segurando um objeto). Já Battison, e Padden e Perlmutter reportam a existência de restrições fonológicas que regem o que Battison denominou apagamento de articulador e Padden e Perlmutter chamaram de queda da mão fraca (weak drop). De acordo com com esses autores, o processo em questão só se aplica a sinais em que as mãos se movem simultaneamente. Casos como esses também são observados na língua brasileira de sinais (libras). No entanto, segundo Xavier, Variação fonológica na libras: um estudo da alternância no número de articuladores manuais envolvidos na produção dos sinais, na libras são observados não apenas sinais tipicamente articulados com duas mãos serem produzidos com uma, mas o contrário também. O primeiro fenômeno é designado como simplexificação (singling) e o segundo como duplicação (doubling) (Johnston e Schembri, On defining lexeme in a signed language). Segundo Xavier, ambos os casos (1>2 e 2>1) podem acontecer sem que o significado do sinal seja afetado e, consequentemente, constituir diferentes pronúncias deste. O autor menciona, entretanto, a existência de casos em que a mudança no número de mãos na produção de certos sinais apresenta efeitos semânticos. Aparentemente somente casos em que o número de mãos é duplicado estão associados a alguma alteração no significado do sinal (Xavier e Barbosa, Com quantas mãos se faz um sinal? Um estudo do parâmetro número de mãos na produção de sinais da língua brasileira de sinais (libras)). Segundo Xavier e Barbosa, essa mudança no significado pode vincular-se a um processo de derivação lexical ou à expressão de quantificação. Este último caso, de acordo com os autores, se manifesta especificamente através da expressão de pluralidade, aspecto ou intensidade, tal como atestado em outras línguas de sinais (Klima e Bellugi, The Signs of Language; Johnston e Schembri, On defining lexeme in a signed language). Em um trabalho sobre a duplicação do número de mãos na expressão de intensidade de alguns sinais da libras, Xavier, Doubling of the number of hands as a resource for the expression of meaning intensification in Brazilian Sign Language (Libras), observou, no entanto, que tal processo parece ser opcional, dado que foi empregado por apenas metade dos participantes de seu estudo. Além disso, a duplicação das mãos variou em sua frequência de ocorrência não só entre os participantes que aplicaram o processo, mas também entre os sinais usados como 78 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

estímulo. O objetivo deste trabalho é discutir 27 sinais da libras, tipicamente realizados com uma mão, que podem ser articulados com duas e apresentar alguma mudança em seu significado. Os dados discutidos aqui foram originalmente coletados através da observação de sinalizações espontâneas de diferentes usuários de libras e posteriormente apresentados a duas sinalizadoras surdas em sessões diferentes. Essas sessões, realizadas e filmadas apenas com a presença de uma das sinalizadoras e do experimentador, teve como objetivo eliciar exemplos de uso e/ou explicações do significado de cada uma das duas formas (com uma e duas mãos) dos sinais em estudo. Os exemplos de uso e/ou explicações do significado foram dados por cada uma das sinalizadoras logo após as duas formas de cada sinal serem sinalizadas pelo experimentador. Os resultados do estudo mostraram que nem sempre as formas produzidas com duas mãos apresentam o mesmo significado para as duas sinalizadoras, o que sugere que a duplicação no número de mãos de um mesmo sinal pode se dar por diferentes fatores. Palavras-chave: número de mãos, duplicação das mãos; efeitos semânticos; quantificação; libras Andre William Alves de Assis (UFMG) ASSERÇÕES E SOBREASSEVERAÇÕES NO DISCURSO JORNALÍSTICO A instância política, ao operar um discurso de ideias e poder, por meio de seus atores, propõe, reivindica, denuncia, obedecendo sempre a uma lógica que produz efeitos de verdade. A instância midiática, composta por heterogêneas e sofisticadas maquinarias discursivas, apropria-se dos discursos políticos e os colocam em circulação, sempre pressionada por limitações de diversas ordens, como restrições gráficas, restrições genéricas, e pela agilidade exigida na (re)produção dos acontecimentos sociais, como nas campanhas eleitorais. Nesse contexto, ao colocar em circulação a fala dos atores políticos, a mídia, frequentemente, em lugar de citar suas palavras, altera-as, em graus diversos. Em alguns casos, apenas uma parte da enunciação é posta em relevo. Outras vezes, a pretexto de síntese ou de contextualização, apresenta-se um enunciado inteiramente diferente do texto original. Tais alterações, que representam o problema dessa pesquisa de doutorado, fazem parte de um processo de retomada e circulação de enunciados a que Maingueneau (Doze Conceitos em Análise do Discurso) denomina Sobreasseveração e Aforização. De acordo com o autor, uma sequência sobreasseverada num texto se insere em uma enunciação textualizante. Trata-se de enunciados pertencentes à 79 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

lógica do texto, que implicam um tipo de “amplificação” da figura do enunciador por possuírem características destacáveis, representarem uma tomada de posição sobre um ponto controverso, etc. As aforizações compreendem outro regime enunciativo, o aforizante. Nesse regime aforizante estão os enunciados destacados e retomados pela lógica da citação, sejam provenientes de uma sobreasseveração, ou não. Ao contrário das sobreasseverações, as aforizações não se prendem à ordem do texto, embora sempre se materializem em um gênero. A problemática em torno das retomadas de enunciados nos permite levantar a hipótese de que em notícias impressas e online ocorre um número notável de retomada de sobreasseverações (textofonte), por meio do processo de aforização. Dessa forma, o corpus deste trabalho é constituído por um material que comporta três diferentes gêneros discursivos: debates político-televisivos, notícias de jornais impressos e notícias de jornais online. Em relação aos debates, optamos pela seleção dos que acontecerão no segundo turno das eleições presidenciais de 2014, veiculados pelas emissoras Bandeirantes, Globo, Rede TV e Record. Como os vídeos estarão em formato digital, faremos as transcrições desses debates para a língua escrita, o que constituirá nosso material que denominamos texto-fonte. Em relação aos gêneros discursivos notícias impressas e notícias online, selecionaremos as veiculadas no dia seguinte aos debates televisionados por notícias de jornais de grande circulação nacional: Correio Brasiliense, Folha de São Paulo, Gazeta Mercantil, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e O Globo. Levantaremos nessas notícias as ocorrências das retomadas das sobreasseverações. Posteriormente, faremos a separação das notícias em colunas, o que nos permitirá evidenciar os mecanismos de funcionamento das sobreasseverações (o fragmento amplificado no interior do debate televisivo, nosso textofonte), e o funcionamento das aforizações (as retomadas das sobreasseverações e suas possíveis alterações) inseridos nas notícias veiculadas pelos jornais impressos e online. Ainda, faremos a separação desse material por temas, os mesmos abordados nos debates televisivos. Nosso objetivo geral assenta-se em analisar o funcionamento da retomada das sobreasseverações, veiculadas por notícias da mídia impressa e digital, a partir do confronto entre: a) os debates politicotelevisivos; b) notícias de jornais impressos e jornais online sobre os referidos debates. Os objetivos específicos consistem em: realizar um movimento teórico-analítico de forma a observar o funcionamento das aforizações (oriundas de sobreasseverações), elencando as estratégias impostas pelos recortes, o que acreditamos nos permitirá oferecer uma comparação qualitativa entre os resultados dos jornais impressos e online; evidenciar se as sobreasseverações produzem ou fazem circular pequenas frases, se as escolhas silenciam e significam, se a cenografia e 80 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

o ethos sustentam a circulação desses enunciados, se há mudança de tom entre as notícias veiculadas sobre um mesmo excerto/recorte, se evidenciam o posicionamento dos veículos midiáticos. Nesse percurso, reunimos antigas e novas problemáticas em Análise do Discurso, como o discurso relatado, o silenciamento, as heterogeneidades constitutiva e mostrada, as sobreasseverações, as aforizações, as pequenas frases, o ethos, as cenas da enunciação, e outros conceitos que envolvem os processos de aforização e sobreasseveração, que não funcionam sozinhos. O referencial teórico está ancorado nos estudos de autores da Análise do Discurso, sobretudo os de Maingueneau (Cenas da Enunciação, Doze Conceitos em Análise do Discurso, Les Phrases Sans Texte), Krieg-Planque (Les “Petites Phrases”: un objet pour l’analyse des discours politiques et médiatiques) e estudiosos do Centro de Pesquisa Fórmulas e Estereótipos: Teoria e Análise (FEsTA), entre outros que levantam conceitos fundamentais para a pesquisa que nos propomos neste estudo. Nossa proposta intenta contribuir para o aprofundamento dos conceitos de sobreasseveração e aforização, pois propomos um estudo teórico-analítico das retomadas de falas em todos os seus níveis de funcionamento: desde seu texto-fonte, em que o discurso é efetivamente proferido (sobreasseverado) por um ator político-social, no gênero debate político televisivo, até a sua publicização na mídia (aforização) por meios dos jornais impressos e online. Palavras-chave: Sobreasseverações; aforizações; citação; jornal. Angelina Nunes de Vasconcelos (UNICAMP) EMERGÊNCIA DE CONDUTAS OPOSITIVAS: O PAPEL DA PROSÓDIA. Resumo referente à tese que tem como temática o desenvolvimento de condutas opositivas, mais especificamente as condições de emergência de signos de negação e oposição em crianças com desenvolvimento típico. Para tanto, debruça-se sobre a emergência precoce dos signos opositivos buscando, no período pré-verbal, antecedentes das ações verbais que podem ser posteriormente reinterpretadas e estruturadas como marcas linguísticas da gramaticalização e lexicalização de expressões de sentido opositivo (entre os quais, negação, contraposição, concessividade). Destacamse, mais especificamente, aspectos prosódicos da fala dos interlocutores infantis, objetivando compreender como este elemento possibilita o acesso da criança à língua. Diferentes autores exploram o processo de aquisição da linguagem a partir das características do diálogo adulto-criança. Destas investigações, depreende-se a importância da fala do adulto como dado empírico através do qual é 81 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

possível capturar os sentidos atribuídos às produções infantis. Nessa direção, compreende-se que mesmo antes que a criança fale instalamse, nos processos interacionais, jogos dialógicos entre criança e cuidador, possibilitando o desenvolvimento linguístico da criança. Focalizando o primeiro ano de vida da criança, Cavalcante (Marianne Cavalcante, tese. Da voz à língua: a prosódia materna e o deslocamento do sujeito na fala dirigida ao bebê) questiona os modos como a fala materna é comumente abordada enquanto input homogêneo e imutável. Em oposição, a referida autora afirma que a fala materna, a prosódia em especial, desempenha função linguísticodiscursiva desde os primeiros meses de desenvolvimento do bebê. Segundo a autora, a fala dirigida a criança modifica-se ao longo do tempo, marcando a constituição do bebê enquanto falante e promovendo deslocamentos dos lugares discursivos ocupados pelo bebê em interação com a mãe. Portanto, conclui que é o trabalho melódico-afetivo, prosódico, paralinguístico e extralinguístico que, no primeiro ano de vida, vai possibilitar a inserção do falante, via discurso materno, na língua em atividade. A autora identifica três tipos de modulações da voz realizadas pela mãe em interação com o bebê, explicitando o papel de cada uma destas modulações no desenvolvimento infantil. A primeira é a “fala atribuída”, quando a mãe faz uso de alterações na qualidade de voz para “falar no lugar do bebê” ou “pelo bebê”. Em seguida, na “fala recortada” ou “ritmada”, os turnos maternos passam a ser compostos por enunciados mais curtos, intercalados pela produção do infante. Por fim, quando o infante, segundo a autora, passa à posição de falante, surge a “fala enfática”, quando a mãe passa a destacar itens lexicais em sua fala, enfatizando a sílaba acentuada através de alongamentos. Refletindo especificamente sobre o papel da prosódia no desenvolvimento durante o primeiro de vida da criança, Scarpa (Ester Scarpa, Aquisição da Prosódia: dupla face, dupla vocação) afirma que a prosódia é espaço privilegiado de interface entre componentes linguísticos, desde os mais formais até os mais discursivos. Segundo a autora, é através da prosódia que se dá a organização da forma fônica e o começo da gramática prosódica que surgirão no segundo ano de vida. A prosódia teria, portanto, dupla função na aquisição da linguagem, sendo via privilegiada de engajamento do infante no diálogo e, ao mesmo tempo, organizando as formas fônicas linguísticas. Tendo estes estudos como base, o presente projeto pretende investigar características prosódicas da fala dirigida à criança. A altura será investigada em duas categorias: tom (direção do movimento de altura na sílaba) e amplitude (distância entre os tons mais altos e mais baixos do contorno). Esse parâmetro prosódico tem como correlato acústico a frequência fundamental (F0). Adicionalmente, a intensidade (forte versus fraca) 82 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

será investigada como parâmetro prosódico que indica a maior ou menor energia com que o locutor produz um som ou um enunciado. A velocidade de fala ou taxa de elocução do enunciado também será investigada. A análise destes elementos tem como objetivo possibilitar a compreensão de como os interlocutores da criança os utilizam para delimitar os contextos afetivos das interações, marcando diferenças entre situações de conforto e proibição, por exemplo. Adicionalmente, pretende-se compreender como estes elementos são usados para fornecer pistas interpretativas na interação, indicando quando uma ação da criança está sendo interpretada como oposição. Este estudo insere-se na tradição metodológica do Estudo de Caso, através da análise dos registros videográficos produzidos com duas crianças (Pedro e Lara, nomes fictícios) a partir da quarta semana até o primeiro ano de vida de cada uma delas. As videogravações foram produzidas em situações familiares do cotidiano infantil, abarcando situações de banho, alimentação e brincadeiras. Serão adotadas perspectivas macro e microgenética de análise. A análise será realizada a partir de excertos selecionados nos episódios dialógicos que instanciam condutas opositivas. Através destas análises, objetiva-se ‘rastrear’ variabilidades entre díades possibilitando o levantamento de hipóteses iniciais sobre o desenvolvimento do fenômeno em questão. Através destas análises pretende-se investigar como, através da prosódia, o adulto imprime sentido opositivo às ações infantis. Palavras-chave: Aquisição de Linguagem; Prosódia; Oposição; Desenvolvimento; Interação Beatriz Ferreira Silva (UNICAMP) O TÓPICO DISCURSIVO E A DINÂMICA INTERACIONAL: UM ESTUDO SOBRE ENTREVISTAS TELEVISIVAS CONCEDIDAS PELO RAPPER MANO BROWN. O trabalho em andamento pretende analisar os efeitos dos processos de gerenciamento tópico para a dinâmica interacional de 4 entrevistas distintas concedidas pelo rapper Mano Brown, enfocando os footings/realinhamentos efetuados pelos participantes. Partimos de estudos textuais- interativos e sociolinguísticos segundo os quais as categorias de tópico discursivo e footing podem ser consideradas como princípios sustentadores e organizadores da conversação sob a configuração do gênero entrevista, uma vez que demonstram a dinamicidade estruturadora das interações e são cruciais na determinação das relações entre os falantes. A dinamicidade dos enquadres produzidos ao longo das interações e sua relação com a maneira como os participantes gerenciam a produção e recepção de 83 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

um enunciado culminou na introdução do conceito de footing, cunhado por Goffman para dar conta das mudanças de projeção e alinhamento que os sujeitos assumem para si mesmos e para os envolvidos numa situação comunicativa. Trata-se, assim, de um desdobramento dos enquadres no discurso, representando mudança de postura, de posição, o realinhamento do “eu” de um participante acerca de seu discurso em construção e a respeito da situação comunicativa em andamento. Além disso, tem-se aqui a noção de tópico tal como postulada pelo grupo Organização textual-interativa do PGPF e, posteriormente, revisitada em Jubran qual seja: “tópico é tomado no sentido de ‘acerca de’ que se fala, isto é, um conjunto de referentes explícitos ou inferíveis concernentes entre si e em relevância num determinado ponto da mensagem (Clélia Jubran, Revisitando a noção de tópico discursivo, p. 35)”. A proximidade entre essas categorias se encontra, por exemplo, em trabalhos como o de Mira, para quem o modo como se instaura e se conduz o tópico está atrelado aos diferentes enquadres e alinhamentos efetuados pelos participantes no decorrer da interação, podendo afetar o engajamento de certos grupos em um empreendimento comum. Sendo as entrevistas televisivas caracterizadas por uma criação coletiva, cujos participantes constroem relações especiais de igualdade ou de conflito, frequentemente observamos que os sujeitos transitam entre os alinhamentos possíveis – facilitando, portanto, a ocorrência dos realinhamentos ou footings por parte dos participantes. É possível notar também que o desenvolvimento de certos tópicos tem como consequência a percepção, por parte de todos os envolvidos na interação, da emergência de novos enquadres. Isso requereria dos participantes o footing/realinhamento, impactando a própria estrutura de participação da entrevista. Além disso, tendo em vista a dinamicidade e delimitação dos footings produzidos pelos participantes de entrevistas televisivas, ressaltamos que, para Goffman, cada “projeção pode ser mantida através de uma faixa de comportamento que pode ser mais longa ou mais curta do que uma frase gramatical, de forma que a gramática frasal não será de grande ajuda, embora pareça claro que alguma forma de unidade cognitiva está minimamente presente (Erving Goffman, Footing, p. 74)”. A partir desse postulado, consideramos, portanto, que os momentos dos realinhamentos/footings dos participantes podem estar ligados à instauração e desenvolvimento dos diferentes tópicos ao longo das entrevistas, tendo em vista que alguns tópicos podem demonstrar-se mais conflituosos ou ameaçadores para certos participantes, exigindo destes uma mudança de alinhamento. Com isso, pretendemos descrever no caso dos tópicos recorrentes entre as 4 entrevistas, quais os impactos desses para o andamento da dinâmica interacional como 84 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

um todo. Acreditamos, por fim, que uma vez concretizada a comparação do estudo proposto serão trazidas implicações a respeito da representação do “eu” social (tal como discutida por Goffman) de sujeitos representativos e tidos como protagonistas de movimentos sociais, como é o caso do rapper Mano Brown. Mano Brown é vocalista - e também um dos compositores - do Racionais Mc's, o grupo de rap – formado em 1988 na periferia de São Paulo - que ganhou maior projeção no cenário musical nacional, tendo vendido mais de 1 milhão de cópias de seus Cds. Palavras-chave: tópico discursivo; footing; entrevista; interação; estrutura de participação Betina Rezze Barthelson (UNICAMP) FALA, LEITURA E ESCRITA: RELAÇÕES DE SENTIDO NA LINGUAGEM Este trabalho é parte da pesquisa de mestrado “Fala, Leitura e escrita: relações de sentido na linguagem” em andamento sob a orientação da Profª Drª Maria Irma Hadler Coudry e coorientação da Drª Sonia Sellin Bordin. Tem por objetivo refletir sobre a relação entre fala, leitura e escrita apontando para a fala como meio privilegiado para a entrada da criança no mundo das letras. Verificam-se atualmente no cenário educacional diversos problemas que comprometem o percurso escolar dos alunos, especialmente as crianças em processo de alfabetização: muitas não conseguem se alfabetizar ou, se conseguem, enfrentam problemas com relação à redação de textos e à automatização da ortografia convencional do Português Brasileiro até o final do percurso escolar, sendo este norteado por uma concepção tradicional de linguagem. Neste contexto, a escola solicita a ajuda dos profissionais da saúde, encaminhando estas crianças para avaliação nas clínicas especializadas em dificuldades de aprendizagem. Nestas clínicas, a avaliação da linguagem se dá pela aplicação de testes psicométricos padronizados, que não consideram o trabalho linguístico do sujeito, sua história e as diferentes formas de lidar com a linguagem. A partir dos testes, diagnósticos são emitidos por profissionais da área médica, despreparados para avaliar a linguagem em funcionamento uma vez que, habituados a avaliá-la através de exercícios metalinguísticos, patologizam processos normais na aquisição da leitura e da escrita ao interpretarem problemas de ortografia comuns equivocadamente enquanto sintoma/desvio (Coudry e Freire, O trabalho do cérebro e da linguagem, 2005). Inserido neste contexto, temos o sujeito desta pesquisa. MT é um jovem com dificuldades escolares diagnosticadas como sintomas de patologia. Ele não 85 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

conseguia se alfabetizar e apresentava vários problemas quanto à sua socialização, tanto na escola quanto na própria família. Não conhecia letras, tinha pouca familiaridade com a leitura e a escrita, e apresentava muita dificuldade para falar (seleção lexical e organização sintática), mesmo em situações extra-acadêmicas, como seu contexto familiar. MT tem diagnóstico de Déficit Intelectual Moderado (F71), resultantes de testes psicométricos para sua avaliação. A abordagem de linguagem adotada pela Neurolinguística Discursiva (ND) se coloca em oposição à abordagem tradicional de linguagem predominante na escola e na clínica, assumindo-se contrária à tendência de patologização dos sujeitos com dificuldades de aprendizagem, e a aplicação de testes psicométricos na avaliação da linguagem. A ND é fundamentada por quatro pilares: uma concepção de linguagem abrangente; uma concepção de sujeito histórico, construído na e pela linguagem; uma concepção histórica e funcional de cérebro e, por fim, uma metodologia heurística ancorada no conceito de dado-achado, proposta por Coudry (Diário de Narciso,1996). Utiliza-se de uma metodologia heurística e de procedimentos de descoberta no processo de avaliação e acompanhamento longitudinal de sujeitos (adultos, crianças) para o qual o conceito de dado-achado, desenvolvido por Coudry (Diário de Narciso, 1996), inter-relaciona teoria e dado e ilumina as hipóteses sobre a relação do sujeito com a linguagem. O dado-achado indica um processo em andamento, resultado da interação dos interlocutores. Este dado se torna fonte de reflexão sobre o aprendizado para um refinamento/movimento teórico do investigador que se volta para o sujeito na intenção de reorientá-lo em seu aprendizado. Esta reflexão tem por objetivo, à luz da teorização e metodologia da ND, discutir a relação fala, leitura e escrita na linguagem no processo de alfabetização de MT. A ND considera que é pela variedade de fala que se atribui sentido ao que se está lendo, quando se associa o que já se conhece da língua à palavra lida. E para se escrever, é preciso ter o que dizer e planejar mentalmente como se vai dizer, o que Vygotsky (Pensamento e Linguagem,1934) denomina por “rascunho mental”, pensamento que aponta para a consideração da escrita como uma forma de fala mais elaborada. Nesse sentido, esta reflexão quer mostrar a importância e os efeitos de um trabalho com a fala, em que a interlocução enquanto espaço de produção de linguagem, aciona/cria sistemas de referência aos quais se remetem as operações de sentido e os recursos expressivos da linguagem (Franchi, Atividade Constitutiva, 1977). Os dados constituem-se por duas transcrições de diálogos em contexto de interlocução entre o sujeito e a pesquisadora, além da análise do trabalho com a leitura e a escrita ancoradas no sentido, no qual se evidenciam o movimento realizado pelo sujeito 86 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

quanto à ampliação de seu repertório linguístico e a maior significação dos recursos expressivos e das operações de sentido no discurso. Considerando a situação da educação no país atualmente, esta pesquisa se apresenta transdisciplinar à medida que pode estar relacionada à pedagogia, disciplina responsável pela formação dos professores alfabetizadores, carentes de subsídios linguísticos para a reflexão do trabalho com a linguagem. Relaciona-se também com as subáreas da Linguística, como a Neurolinguística, a Fonética e a Fonologia e com a Linguística Aplicada, tendo em vista as contribuições que podem oferecer às reflexões realizadas nesta pesquisa. Palavras-chave: fala, leitura, escrita, patologização da educação Bruna Sanchez Moreno (UNICAMP) AMBIGUIDADE EM TOUGH-CONSTRUCTIONS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO O presente trabalho se ocupa da análise sintática das construções, em Português Brasileiro e Europeu (doravante PB e PE, respectivamente) denominadas “difíceis”, ou tough-constructions (Noam Chomsky, 1977, On Wh-movement), nas quais um constituinte adjetival predica uma oração infinitiva, normalmente introduzida por preposição, como em: 1O João é difícil de pagar. 2 Embora a interpretação ‘tough’ normalmente seja vinculada ao alçamento do complemento, como ocorre no PE, Charlotte Galves (1987, A sintaxe do português brasileiro) observa que a sentença em (1) permite duas leituras em PB: uma em que “O João” é interpretado como objeto da encaixada, e outra, não observável em outras línguas românicas — bloqueada, portanto, no PE — em que é tido como sujeito: (2) O João é difícil de pagar. - É difícil pagar o João. PB: ok / PE: ok - É difícil o João pagar. PB: ok / PE: * Sobre essa estrutura, notam-se outros dois contrastes importantes: i. Em PE, não é possível flexionar o verbo da encaixada, na medida em que o sujeito da oração interna é sempre arbitrário. No PB, ao contrário, muitas vezes este mesmo sujeito aparece de forma explícita. 3a. O João é difícil de pagarmos. PB: ok / PE: * 87 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

4b. O João é difícil d’eu pagar. PB: ok / PE: * 5c. O João é difícil de pagar. PB: ok / PE: ok 6(com o sentido de “O João é difícil de alguém pagar”) ii. Ainda que a inserção da preposição “de” se faça possível em toughconstructions em ambas as línguas, ela é vetada em PE quando não ocorre o aparente alçamento do complemento da oração encaixada. ii (4) a. É difícil de pagar o João. PB: ok / PE: * iii b. É difícil pagar o João. PB: ok / PE: ok iv c. O João é difícil de pagar. PB: ok / PE: ok v Considerando os fatos observados, e à luz do Programa Minimalista em termos de Noam Chomsky (principalmente 2008, On phases), a discussão que este trabalho encaminha parte da seguinte pergunta: por que tough-constructions são ambíguas em PB, mas não em PE? A resposta aqui delineada segue na contramão da hipótese do alçamento, na medida em que aponta como cerne da questão a natureza da cadeia formada entre o sujeito da matriz diretamente concatenado em Spec-T e seu referente coindexado na oração subordinada. O embasamento teórico parte principalmente de Juanito Avelar e Charlotte Galves (2011, Tópico e concordância em português brasileiro e português europeu). Segundo os autores, a interpretação de alçamento de sujeito é permitida em PB porque, nele, forma-se uma cadeia é A’-A’, devido ao estatuto phi-independente do EPP de T que torna Spec-T uma posição-A’. Em PE, por sua vez, essa mesma cadeia seria A’-A, tendo em vista que Spec-T é, de fato, uma posição-A, o que converge para a agramaticalidade da sentença. Após exposição das observações acerca de aferições da própria autora, torna-se possível agregar duas novas ideias à proposta inicial de Juanito Avelar e Charlotte Galves: i. sobre o sujeito da encaixada: no PB, é possível tanto supor um pro nulo (necessariamente) coindexado ao sujeito da matriz quanto um pronome fonologicamente realizado correferente a ele; no PE, por sua vez, há sempre um PRO de referência arbitrária; ii. sobre a preposição introdutória: no PE, ela autoriza a relação entre o constituinte adjetival e a oração infinitiva que funciona como seu complemento, valorando seu Caso na sintaxe; no PB, ela é a realização morfofonológica dos traços-phi; remanescentes em C do compartilhamento com T (conforme Ouali, 2008, On C-to-T f-feature transfer: The nature of Agreement and Antiagreement in Berber). Ela, portanto, é inserida tardiamente na derivação, apenas na Forma Fonológica. As conclusões prévias são as seguintes: i. Em PE, a configuração que permite a realização do sujeito da encaixada é diferente daquela em que há realização do sujeito da matriz. Nesse 88 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

sentido, para essa língua a discussão de alçamento de sujeito é infrutífera. Uma sentença como “O João é difícil de pagar” não poderá ser ambígua em PE, porque nele não é possível preencher a posição de Spec-T da encaixada com um pronome referencial. ii. Em PB, a possibilidade de valorar-se Caso Nominativo tanto pelos traços-phi; herdados por T quando pelos que se mantêm em C (realizados pela preposição “de”), bem como a possibilidade de haver um segundo especificador na oração encaixada são evidências de que não há alçamento do sujeito, mas sim correferência com o sujeito da matriz (o qual pode, inclusive, ser não-argumental). Em termos minimalistas, é mais interessante considerar que essa coindexação se dá com um pro, e não com um operador nulo. Palavras-chave: ambiguidade; tough-construction; português; programa minimalista; sintaxe gerativa Camila Rossetti Vieira (UNICAMP) CAMINHOS E LIMITES DA INOVAÇÃO LEXICAL NA FALA DE UMA CRIANÇA: PRIMEIRAS DISCUSSÕES A inovação lexical é um fenômeno muito encontrado na fala das crianças em processo de aquisição de linguagem. Numa perspectiva interacionista, ela determina de um modo fundamental a descrição do processo, uma vez que, para pesquisadores dessa linha teórica, as inovações lexicais são evidências de um momento em que a criança, estando em processo de captura pelas malhas do funcionamento da língua e afastando-se da fala do outro, apresenta na sua fala produtos que remetem a relações de regularidade entre formas e estruturas linguísticas, o que pressupõe a análise e a categorização de ítens antes não analisados. Uma inovação lexical como pizzeiro (para “pizzaiolo” ou “entregador de pizza”) evidencia que a criança, ao formar uma palavra nova através de um modelo, que explica unidades lexicais como “verdureiro”, exibe um signo interpretável e aparentemente possível dentro dos modos de funcionamento da língua portuguesa, porém não convergente com o signo da fala do adulto que, para essa função, reserva a palavra de origem italiana “pizzaiolo” ou a expressão “entregador de pizzas”. De acordo com essa perspectiva teórica, dir-seia que a criança está numa posição em que a língua e seu modo de funcionamento são o pólo dominante, ou seja, a denominada segunda posição (usa-se o termo empregado por Claudia Thereza Guimarães de Lemos, em “Copus & Corpus”). A fim de analisar dados desse tipo, vários linguistas, de perspectivas teóricas diferentes abordaram os processos de formação de palavras, buscando formular as chamadas Regras de 89 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Formação de Palavras (RFP) e averiguando a extensão de sua produtividade. Puderam mostar com isso que, para além da regularidade na produção de palavras que as RFPs apresentam, há uma grande quantidade de sufixos concorrentes (ex. Sufixos que designam nomes de ação: -ção, -mento, -dura, -agem, -ada). No que tange o léxico do adulto, alguns estudos mostram que a escolha entre um ou outro afixo concorrente não é feita de forma tão aleatória. De uma forma geral, eles apontam que as línguas apresentam certas restrições que determinam a seleção de um determinado afixo em detrimento de outro (ex. O sufixo –ção é preferido em bases verbais terminadas em –izar. Sinalizar: sinalização). Acrescenta-se que esses exemplos apontam que é da natureza das regras terem limitações, ou seja, há casos em que elas se aplicam e outros em que não se aplicam. Quando o que ocorre é a não aplicação, pode-se conferir a essa regra determinadas restrições. Dessa forma as RFPs não são produtivas em termos absolutos, existem determinadas restrições que fazem da regra produtiva ou não. Sobre o assunto, Rosa disserta: “Em primeiro lugar, uma RFP aplica-se a um determinado tipo de base [...] Em segundo lugar, regras produtivas apresentam coerência semântica, isto é, o falante tem que poder prever qual o significado de uma nova formação (Maria Carlota Rosa, Introdução à Morfologia, p.89)”. Em terceiro lugar, ocorre a condição do bloqueio. Tal termo designa a “não-produção de uma unidade lexical em virtude da existência anterior de outra forma” (Antônio José Sandmann, Competência Lexical: produtividade, restrições e bloqueio, p. 15). Sendo assim, palavras como “verdurista” seriam bloqueadas já que este lugar está por ocupado por “verdureiro”. É importante ressaltar que, na literatura corrente, quatro ressalvas são colocadas em relação ao bloqueio. A primeira é que palavras, aparentemente sinônimas, podem desenvolver diferentes funções morfo-semânticas (jornalista, jornaleiro); A segunda é que a seleção de RFPs diferentes podem indicar um caráter estilístico ou de variação regional (fumante, fumador) ; A terceira é que entre RFPs muito produtivas e que alternam entre si nem sempre uma forma bloqueia a outra (internamento, internação); e a quarta é que, como já observamos, na linguagem da criança são encontrados muitos casos de não-bloqueio (pizzeiro, pizzaiolo). Ao analisar regras e suas limitações em dados da criança (como “pizzeiro”), podemos levantar uma gama de questões: Qual a regra mobilizada pelo sufixo –eiro? Quais restrições ela impõe? Quais seus sufixos concorrentes (sabendo que também há a possibilidade de formar substantivos agentivos através dos sufixos –ista e –dor) E – mais importante – Qual é o funcionamento e a aplicabilidade dessas questões na descrição das inovações lexicais na fala da criança? Conclui-se, com isso, que o projeto que aqui se apresenta, ao estabelecer como objetivo principal analisar as inovações lexicais da 90 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

fala da criança do ponto de vista de seus caminhos e limites, procura absorver questões gerais apresentadas por autores que formularam regras que explicam as novas formações lexicais, mas no sentido de verificar como isso se relacionará com a teoria interacionista (Apoio CNPq – Processo 132063/2013 -1). Palavras-chave: Aquisição de Linguagem; Inovação Lexical; Regras; Limites; Saussure. Carlos Renato Rosário de Jesus (UNICAMP) O RITMO COMO RECURSO RETÓRICO EM CÍCERO Na oratória ciceroniana, a preocupação com os aspectos estéticos do discurso transparece sobejamente tanto nestes quanto nos seus tratados retóricos. Isso porque Cícero defendia um estilo que não fosse isento das técnicas elocutivas mais sofisticadas, através das quais a eloquência se manifestasse nas palavras do orador, de modo a produzir no auditório certo deleite e, assim, arrebatar suas emoções e captar sua benevolência, conduzindo-o à persuasão almejada. Neste sentido, era essencial ao orador o emprego de recursos variados, que imputariam à sua prosa as qualidades da oratio numerosa, isto é, da prosa rítmica. A discussão desse tema encontra seu primeiro espaço significativo entre os romanos na obra do próprio arpinate – em seu maior e mais importante tratado, De oratore (55 a.C.), e, de modo mais específico e aprofundado, no Orator (46 a.C.), que constitui sua última grande obra de Retórica e na qual nos embasaremos aqui. A obra progride sobre dois eixos fundamentais: os requisitos do orador ideal e – devido à importância que assume para sua formação – o domínio da prosa rítmica, cuja descrição ocupa cerca da metade do texto, onde se apresentam sua origem, formulação, importância e emprego. Segundo Cícero, há três recursos que podem produzir o ritmo necessário para que o discurso oratório seja ornado a ponto de ser agradável aos ouvidos dos juízes e do auditório: a compositio (o som agradável representado pelas letras e palavras escolhidas), a concinnitas (disposição harmônica das palavras na frase) e o numerus (o ritmo propriamente dito, que se processa através de diversos elementos na estrutura do período): "Conlocabuntur igitur uerba, aut ut inter se quam aptissime cohaereant extrema cum primis eaque sint quam suauissimis uocibus, aut ut forma ipsa concinnitasque uerborum conficiat orbem suum, aut ut comprehensio numerose et apte cadat. (Orator, 149)". Portanto, as palavras serão colocadas ou de modo que o final e o começo delas estejam ligados o mais adequadamente possível e tenham sonoridade a mais agradável, ou que a própria forma e 91 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

harmonia das palavras se feche no seu próprio círculo, ou que o período soe rítmica e apropriadamente. Em nossa exposição, vamos fazer uma abordagem privilegiando o numerus, pois o termo encerra uma técnica bastante abrangente, que cuida, de modo amplo, da formulação rítmica do período oratório, no qual a presença das clausulae metricae constitui objeto recorrente de estudo e aplicação. Como se sabe, as cláusulas são cadências métricas formadas por certa combinação de sílabas longas e breves, nos moldes da escansão da poesia clássica, que, dispostas principalmente no final da sentença, produzem nesta determinados efeitos rítmicos. A discussão e utilização desses fenômenos, embora não criados por Cícero (já que constituem invenção grega, que remonta o séc. V a.C), nem usados exclusivamente na sua obra, encontram profícuo desenvolvimento e discussão em seus textos. Não por acaso, o Orator é considerado o primeiro tratado de retórica a dedicar-se de modo mais específico ao tema. Por isso, é nosso interesse refletir sobre a importância do numerus (ritmo) e seus desdobramentos na teoria retórica ciceroniana, bem como avaliar de que modo os efeitos resultantes dessas técnicas eram julgados por ele em seus próprios textos e nos textos de outros oradores. Nem sempre sua teoria encontrava reflexo em sua prática, mas é certo que a defesa que faz da oratio numerosa e de seu estilo ornado encontrou ressalvas de muitos oradores de seu tempo. À parte essa polêmica (conhecida como “Asianismo x Aticismo”), nosso trabalho vai se restringir a expor brevemente os recursos da prosa rítmica ciceroniana, do modo como ele a descreve em seus tratados, para, em seguida, aferir, a partir de sua prática, os possíveis significados de seu emprego efetivo. Palavras-chave: Retórica; prosa rítmica; Cícero; Orator; numerus. Cristia Rodrigues Miranda (UFMG) PRÁTICAS DISCURSIVAS E PRODUÇÃO DE SENTIDO: UMA ANÁLISE DA CRÍTICA AO ELOGIO E DO CARÁTER PEDAGÓGICO/ARGUMENTATIVO, NOS DISCURSOS ORGANIZACIONAIS MIDIATIZADOS. As teorias do discurso e da argumentação permitem, há muito, a abertura dos corpora de pesquisa, que, a cada vez mais, oferece aos pesquisadores a capacidade de articularem os quadros teóricos e categorias de análises de diferentes corpora, e das diferentes áreas do conhecimento, conforme as mais variadas manifestações do discurso. Pressupõe-se, também, que a análise do discurso - por essa capacidade de abertura e diálogo constante com áreas diferentes do conhecimento - tem sido considerada eficaz para a análise profícua da 92 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

realidade social, através da materialidade linguística. Nessa comunicação, propomos adentrarmos pela representação da cultura organizacional, através da análise discurso organizacional midiatizado, concebendo-o como elemento do pensamento comum, permitindo explorar, dessa forma, o que os aspectos argumentativos, concernentes às produções dos sujeitos colocados em situação de interação, podem evidenciar em termos de efeitos de sentido. O objeto que por ora será mencionado – a mídia de negócio – permite reconhecer, nos corpora nela selecionados, um discurso e uma argumentação como meio, através dos quais a organização cria os seus ethé e sua representação coletivos e uma cultura em torno de uma ação incitada pelas visadas instrucionais que podem se apresentar, através de um modo de organização e como dimensões argumentativas. Partimos do pressuposto que os discursos organizacionais, no seguimento da mídia de negócio empresarial, movem a cultura organizacional: de maneira a conciliar as explicações sobre a estrutura organizacional e, ao mesmo tempo, como a proposta de estruturar, intersubjetivamente, as organizações (com discursos instrucionais, de motivação) para as melhores formas de relações intersubjetivas. O discurso organizacional, com efeito, teria, pressupostamente, forte influência e caráter pedagógico /instrucional – no que tange à construção da realidade e representação social, que também se espelha em valores coletivos. Nesse sentido, caberia a investigação teórica acerca da existência de alguns discursos pertencentes a esses domínios que, além de apresentarem, supostamente, uma visada argumentativa, levaria a determinadas decisões e ações dentro do universo organizacional, caracterizadas por uma “dimensão argumentativa”, inerente ao discurso organizacional reforçando as questões identitárias, pela via da adesão ideológica. Com efeito, o projeto visa analisar em que medida o discurso organizacional utiliza-se da argumentação para representar a “realidade social”, através de um logos que, pressupostamente, se ampara na argumentação em suas amplas vertentes: visada, dimensão e demonstração. Como corpus de pesquisa, e para análise do objeto discursivo ora mencionado, a proposta de trabalho reside em analisar um corpus, selecionado a partir dos temas – “boa cidadania”, “sustentabilidade social” – obtidos através de um recorte, conjunto de 18 textos, extraídos do Guia da Boa Cidadania Corporativa, nos anos de 2008 e 2009, contrastando-os e comparando-os ao o Guia da Sustentabilidade Corporativa, entre os anos de 2010 e 2011, da Revista Exame. Para tanto, nosso percurso de análise com enfoque no objeto discursivo - discurso organizacional - conforme as problemáticas essenciais inerentes ao logos argumentativo, propõe uma análise conforme o quadro teórico-metodológico, com o intuito de atingir os objetivos (geral e específico), bem como analisar a hipótese, no que 93 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

concerne à análise do discurso organizacional, nas suas amplas vertentes. Para tanto, a análise teórica e discursiva versará sobre a análise e reflexão acerca do gênero retórico epidídico, conforme Aristóteles e Brandão. De igual modo, a Nova Retórica de Perelman ajudar-nos-á na análise acerca do logos retórico e sua importância na dimensão argumentativa dos discursos organizacionais. No que se refere à sua dimensão demonstrativa a Lógica Natural de Grize será necessária para verificação das visadas presentes nos discursos organizacionais já que a teoria de Grize teria o objetivo de analisar a intervenção argumentativa que visa agir sobre a opinião, a atitude, ou o comportamento de alguém. Palavras-chave: Discurso Organizacional, Cultura Organizacional, Argumentação, Gênero Epidídico Daiane Rodrigues de Oliveira (UNICAMP) SALVANDO O MUNDO: PRIMEIRAS ANÁLISES DE CAMPANHAS EVANGELÍSTICAS DAS JUNTAS MISSIONÁRIAS BATISTAS Este trabalho tem como objetivo apresentar os resultados parciais do projeto de doutorado intitulado “A salvação do mundo na igreja Batista: sobre o funcionamento do discurso missionário no final do século XX e início do século XXI”. Tal projeto busca analisar discursivamente as campanhas evangelísticas da igreja Batista. Esta igreja foi organizada no Brasil por missionários norte-americanos em 1881. Os batistas defendem que sua missão primordial é a evangelização do mundo. Com esse fim, a igreja mantém duas organizações responsáveis pelo gerenciamento do trabalho missionário: a Junta de Missões Mundiais (JMM), que tem como objetivo atuar na expansão da igreja batista além das fronteiras do Brasil, e a Junta de Missões Nacionais (JMN), que visa à expansão nacional da igreja Batista. Anualmente essas juntas desenvolvem campanhas evangelísticas, com o fim de arrecadar fundos para o trabalho missionário. Além de um alvo em dinheiro estabelecido, cada campanha tem um tema e uma divisa (um versículo bíblico). Para tais campanhas, as juntas missionárias preparam materiais (revistas, cartazes, vídeos, hino) que são distribuídos para as igrejas locais. Estes materiais trazem informações sobre o trabalho missionário que tem sido realizado e as metas que deverão ser cumpridas. A função principal destas campanhas é conscientizar os membros da igreja de que eles precisam evangelizar e contribuir com o sustento dos missionários em lugares distantes. Tendo isto em vista, este trabalho busca analisar materiais de campanhas destas juntas missionárias a partir da noção de discurso constituinte proposta por 94 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Maingueneau (Cenas da enunciação). Segundo o autor, há um grupo de discursos que tem um estatuto particular: os discursos constituintes. Tais discursos não reconhecem nenhuma autoridade acima de si mesmos. Propõem-se como Origem e apresentam-se como ligados a uma Fonte legitimadora que lhes concede acesso à verdade e lhes atribui superioridade sobre os demais. Para o autor, o discurso religioso faz parte desse grupo. No campo religioso, cada posicionamento pretende nascer de um retorno à Verdade divina, que os demais teriam esquecido ou subvertido. Neste campo, o discurso cristão, em suas variadas vertentes, apresenta-se como responsável por alcançar a salvação da humanidade por meio da evangelização. Além disso, mobilizamos para análise também a discussão de Amossy e Pierrot (Estereotipos y clichés) a respeito do funcionamento dos estereótipos. As autoras afirmam que o estereótipo funciona como um tipo de préconstruído, na medida em que é um elemento prévio do discurso, afirmado pelo enunciador, mas cuja origem já está esquecida (“já-dito” antes e em outro lugar). A ativação/construção de estereótipos funciona na relação entre os diferentes posicionamentos discursivos, porque está ligada ao interdiscurso ou memória do dizer. Possenti (Os limites do discurso) afirma que um estereótipo de tipo negativo pode muitas vezes ser um simulacro no sentido proposto por Maingueneau (Gênese dos discursos). Maingueneau propõe que a relação entre os discursos se dá por um processo de interincompreensão, inscrito nas próprias condições de possibilidade de um discurso. Uma vez que um enunciador discursivo só pode “imitar” o seu Outro a partir de seu próprio discurso, refere-se a ele por meio de traduções ou “simulacros” que dele constrói. Os resultados iniciais da pesquisa mostram que nas campanhas evangelísticas, o discurso missionário batista se apresenta sempre como defensor da “verdade universal” e responsável pela "conversão do mundo", ao mesmo tempo em que constrói uma imagem negativa do seu outro (“o mundo”) como aquele que precisa ser convertido, transformado e salvo. O discurso missionário tem um caráter universalista. Seu objetivo é alcançar a conversar de “todos os povos”. Sustenta-se em uma demanda criada por ele mesmo: de que as pessoas necessitam ser salvas. Os primeiros resultados da análise mostram que as campanhas das juntas circulam apenas na comunidade restrita da própria igreja. Assim, embora as campanhas tenham um caráter universalista, circulam apenas nas próprias igrejas batistas. Essas campanhas funcionam na construção/manutenção de uma memória de que o mundo precisa ser salvo, sendo os batistas responsáveis por esta conversão. Palavras-chave: Análise do Discurso; Discursos constituintes; Discurso religioso; Estereótipos; Protestantismo

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Daiane Siveris (UFRGS) O IMAGINÁRIO DE LÍNGUA NO DICIONÁRIO CALDAS AULETE DIGITAL Em nosso trabalho de Tese vimos desenvolvendo uma pesquisa acerca do modo de constituição do Dicionário Caldas Aulete digital, o qual se caracteriza por ser um instrumento linguístico digital, elaborado a partir de um dicionário impresso – o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, de autoria de Francisco Júlio Caldas Aulete. Este dicionário é bastante conhecido no Brasil e usado em escolas da rede pública de ensino. Há, em sua versão impressa, oito edições: as três primeiras publicadas em Portugal e as cinco subsequentes, no Brasil. Sua publicação e circulação têm mais de cem anos de história. Partindo desse instrumento linguístico impresso, buscamos investigar e compreender o funcionamento do dicionário digital elaborado pela editora Lexikon, do Rio de Janeiro, a qual teve por objetivo a “recriação de um dos mais tradicionais e respeitados registros da língua portuguesa e da reinvenção do próprio conceito de dicionário” (Projeto da editora Lexikon, 2006). A reinvenção do conceito de dicionário proposto pela editora foi o nosso foco de pesquisa inicial, pois se tem um dicionário digital, elaborado a partir de um dicionário impresso, mas que difere de um wikidicionário, de uma wikipédia. Afinal, que conceito novo de dicionário é esse? Como nomear esse dicionário, como designar, como adjetivar? Essa característica nos instiga a pesquisar e a explicitar o modo de funcionamento do Dicionário Caldas Aulete digital. Ressaltamos que, na constituição deste dicionário, é possível observar o funcionamento da noção função-autor sob dois aspectos: a posição do sujeito lexicógrafo e a posição do sujeito falante. Inicialmente, a elaboração do dicionário é realizada pelos sujeitos lexicógrafos e posteriormente a participação se estende também aos sujeitos falantes. Segundo o projeto da editora Lexikon, os parceiros na construção do corpus da Língua Portuguesa serão o jornal O Estado de São Paulo, bem como a Rede Globo de Televisão, que têm na língua seu instrumento de comunicação e que representam “um universo de seu uso real em praticamente todos os setores da vida contemporânea” (Projeto da editora Lexikon, 2006). Além disso, a participação também será estendida aos sujeitos falantes em geral. Contudo, esta participação estará sujeita a uma edição e a uma filtragem lexicográficas. Nota-se, então, que a participação dos sujeitos falantes não é livre, como no wikidicionário, por exemplo, mas sujeita a normas estabelecidas pelos especialistas da língua. Em nossa pesquisa, investigamos esse funcionamento de modo que possamos compreender a constituição do dicionário em sua versão digital. Para isso, nossa pesquisa busca explicitar os critérios (linguísticos, semântico-discursivos) utilizados pelos 96 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

lexicógrafos, para a realização da filtragem e da edição dos verbetes e de seus significados. Ademais, a partir da explicitação desses critérios, buscar-se-á compreender de que modo a constituição desse dicionário visa à normatização e instrumentação da língua. Assim, é importante investigar as condições de produção dos verbetes, o contexto sóciohistórico e ideológico em que são produzidas as definições, como estas são determinantes para a normatização e instrumentação de uma língua. Ao investigar as condições de produção dos verbetes, adentraremos o conceito de história em sua relação com a memória, buscando analisar de que modo a superestrutura intervém na produção dicionarística, especificamente na seleção dos verbetes que integrarão o dicionário; que representação imaginária os sujeitos falantes têm de si para que se sintam interpelados sócio-historicamente de modo a participar da elaboração de um dicionário; que representação imaginária têm os sujeitos lexicógrafos dos sujeitos falantes para que esses determinem quais verbetes e respectivas definições podem/devem constituir um dicionário de Língua Portuguesa e quais não podem/devem. Para analisar o modo de constituição do dicionário Caldas Aulete Digital, faz-se mister, através das relações comparativas entre os verbetes do dicionário impresso e do dicionário digital, tratar do percurso dos sentidos de determinados itens lexicais como forma de investigar os critérios de funcionamento semântico-discursivo, que subsidiam o trabalho dos lexicógrafos na filtragem e na edição dos verbetes. Apresentados os objetivos de nossa Tese, apresentamos o objetivo específico deste trabalho. A partir do que foi exposto, inquietamo-nos com o imaginário de língua que se constrói nesse dicionário, tendo em vista que há uma participação da mídia e também dos sujeitos falantes em geral, mas cujos verbetes e definições passam por uma seleção antes de serem publicados. Que língua é essa? A língua da mídia, a língua da Rede Globo? A língua do povo? A língua em uso pelas diferentes classes sociais do Brasil? Que imaginário se tem da língua das redes midiáticas, para que se tornem padrão na elaboração/atualização de um dicionário? Assim, torna-se imprescindível investigar o imaginário de língua que sustenta o dicionário em sua versão impressa e em sua versão digital e compreender o funcionamento das noções de língua imaginária e língua fluida nesse instrumento linguístico. Salientamos, ademais, que nossa pesquisa está em fase inicial e que o trabalho constituirá um capítulo primordial para nossa Tese. Palavras-chave: língua; dicionário; sujeito; prefácio; função-autor

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Danilo Ricardo de Oliveira (UNICAMP) A LÍNGUA NACIONAL DO BRASIL E O ESPAÇO DE ENUNCIAÇÃO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS O objetivo deste trabalho é analisar os modos de ação do Ministério das Relações Exteriores (MRE) na constituição de um espaço de enunciação para o brasileiro durante o século XX. Tomo como materiais de análise documentos do Arquivo Histórico e Diplomático do Itamaraty, especialmente do período entre 1930-1950. A partir da análise desses materiais e de uma breve análise da conjuntura política nas relações internacionais, procuro interpretar uma história das ideias linguísticas que considere os dois níveis de projeções sobre assuntos de interesse nacional: um primeiro nível, doméstico, em que o país fala com ele próprio – seja pelas comunicações entre embaixadas, legações e o ministério, ou pela constante presença da mídia nacional –, e um segundo nível, exterior, em que se pronunciam instituições, secretarias de estado e mídias de diferentes países. No compasso entre esses dois níveis característicos da dinâmica das relações exteriores, procuro me deter a momentos específicos em que se delineiam as formas de poder que a língua pode assumir para uma nação. Os momentos que mais me interessam são, pois, aqueles que, no registro do Itamaraty, permitem dar visibilidade a uma história da “expansão do idioma”, história que se apresenta, para mim, tanto como uma história da relação do Brasil com outros países na arena política internacional quanto uma história de sentidos para sua língua nacional. Suponho, de entrada, que a própria ideia de “expansão do idioma”, à medida que faz terreno para ações de promoção e fortalecimento da soberania do Brasil na arena política internacional, também tem seus efeitos nos próprios estudos linguísticos da esfera doméstica. Minha posição, assim, é a de quem considera que esse cruzamento específico entre ciência e política, entre a linguística e o Estado brasileiro, representado pelo MRE, é um lugar muito particular para se compreender a própria constituição das ciências no país: entendo que olhar esse cruzamento é atentar para o modo como o litígio é próprio da constituição e institucionalização de qualquer ciência. Mais especificamente, considero que a análise dessa relação entre ciência e política de Estado pode contribuir para a compreensão do processo de institucionalização da linguística no Brasil. Os materiais de pesquisa são aqui tomados enquanto textos e analisados com base no quadro teórico-metodológico da semântica do acontecimento. Meu procedimento de análise de textos fundamenta-se em recortes decisivos dos materiais de pesquisa. Os recortes decisivos respondem a dois interesses: de um lado, constituir 98 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

uma história pelos sentidos que o texto tem sobre um objeto específico, a língua; de outro, marcar decisiva e explicitamente minha pesquisa e leitura do arquivo enquanto prática política e, consequentemente, constituir uma história que, ao admitir seu caráter interpretativo, realça uma posição ética na pesquisa linguística. Longe de reduzir os sentidos dos textos, a prática de análise de recortes marca minha posição de quem considera que só é possível fazer história por um desvio interessado sobre o texto; neste caso, analiso textos, por seus recortes, por um desvio que procura fazer uma história muito específica: uma história das ideias linguísticas nas relações internacionais do Estado brasileiro. Mais ainda: considero que só há análise de texto se se consideram as relações transversais de sentido nele presentes, de modo que todo recorte diz sentidos que o texto produz. O interesse sobre a história da língua nacional e o dispositivo de análise de arquivo posicionam este trabalho de modo especial entre os estudos da língua e da linguagem. Confio, porém, que o diálogo com a ciência política, com a filosofia política, com estudos das relações internacionais e com a própria história possa indicar também outros domínios disciplinares nos quais este trabalho venha potencialmente se constituir enquanto objeto de interesse acadêmico. Palavras-chave: Língua Nacional; Espaço de Enunciação; Política de Línguas; Políticas de Estado; História. Diego Barbosa da Silva (UFF) MULTICULTURALISMO: REPRODUÇÃO OU RESISTÊNCIA? Nestas últimas décadas, observamos o crescimento da migração e a intensificação da globalização que, favorecendo o contato entre culturas, trouxe e traz uma série de questões e desafios de convivência. Nossa pesquisa de doutorado visa justamente a pensar essas questões por meio da análise materialista do discurso multicultural. O que está em jogo e o que não está quando se diz multiculturalismo? O que esses sentidos silenciam? Há paráfrases e deslizamentos em torno desses sentidos? O multiculturalismo é um acontecimento discursivo? Para Pêcheux em “Discurso: estrutura ou acontecimento”, o acontecimento é o encontro de uma memória com uma atualidade. É, portanto, uma repetição, uma reprodução de sentidos, que ao deslizar pode ou não produzir uma ruptura nas redes de significado/significação. Nossa hipótese é de que – contrariando a maior parte dos cientistas políticos, pedagogos e antropólogos defensores do multiculturalismo como “visão boa e desejável” – o multiculturalismo, enquanto acontecimento discursivo, não rompe com as redes de sentidos, mas sim é absorvido 99 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

por uma formação discursiva dominante, que visa a construir para o futuro uma memória, uma ilusão de que não há uma formação ideológica dominante, de que não existem mais efeitos de sentidos e de memória colonialistas. Para isso, analisaremos o funcionamento e as condições de produção do discurso multicultural no Canadá, na Austrália, na Europa, na ONU (Unesco) e no Brasil. A princípio, tal objetivo pode parecer hercúleo ou mesmo impossível, mas comporemos nosso corpus com fragmentos de textos. Para nós, trabalhar com acontecimento requer um amplo gesto de interpretação que necessita da composição de um amplo corpus, pois nossa análise visa justamente a compreender como se dão as movimentações de sentido, isto é, quais as redes de sentido o multiculturalismo, como acontecimento histórico, movimenta e/ou rompe. O surgimento do termo multiculturalismo se deu nos anos 1960 justamente no Canadá e na Austrália, países de colonização predominantemente de povoamento e com intensas políticas migratórias. Primeiro surge como o adjetivo multicultural, para qualificar as sociedades, mas logo em seguida desliza para o substantivo multiculturalismo. O deslizamento ocorre com o sufixo -ismo, que passa a ideia de sistema político, de ideologia política, de teoria política – com ecos no liberalismo e comunismo e no feminismo – e não com o sufixo -dade, formador de substantivos a partir de adjetivos, como, por exemplo, multiculturalidade. Em seguida, observamos o funcionamento do discurso multicultural na Europa. Assim como no Canadá e na Austrália, o multiculturalismo significa com base na migração, mas primeiramente relacionado à diversidade intra-União Europeia, silenciando sentidos a respeito da diversidade extra-europeia, sobretudo dos imigrantes advindos da periferia do sistema mundial. Na Unesco, confrontaremos as disputas de sentido entre universalismo e diversidade, numa discussão que ganhou corpo nos anos 1990 e 2000. E no Brasil, a repetição e a reprodução do multiculturalismo produziu, pelo que observamos até aqui, outros sentidos dominantes relacionados às ações afirmativas e à educação multicultural. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) o discurso do multiculturalismo – que pode e deve ser dito em um documento normativo da educação – comparece como “respeito pela diversidade” e um “direito à diversidade”. Durante nossa análise, observamos também um efeito de sentido de cisão entre língua e cultura, seja na política canadense de uma nação multicultural, mas bilíngue ou no incentivo europeu ao multilinguismo para fins econômicos, com a manutenção do monolinguismo político frente a um fracasso do multiculturalismo, enquanto política. O multiculturalismo surgiu nos anos 1960 numa época de efervescência, questionamentos e reivindicações de direitos civis e combate às discriminações. Tal época de contestação, inclusive do que parecia ser óbvio, poderia induzir que 100 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

o acontecimento do multiculturalismo romperia com uma memória do outro bastante profunda, produzindo outros sentidos sobre o outro, sobre o colonialismo e sobre a cultura, colocando o multiculturalismo como uma resistência à forma sujeito capitalista. Entretanto, em nossas primeiras análises não é isso que vemos. Vemos sua captura pela formação ideológica capitalista, a reprodução de sentidos e deslizes com efeitos de memória que já compareciam no discurso colonialista, mas na ilusão de igualdade ou mesmo da comemoração da diversidade. A contribuição final desta pesquisa é justamente discutir a resistência na materialidade do discurso e a forma sujeito capitalismo que parece tudo capturar e a todos interpelar. Palavras-chave: Discurso; Multiculturalismo; Acontecimento discursivo; Memória; Resistência Diego Jiquilin-Ramirez (UNICAMP) ESTUDO DAS FRICATIVAS POSTERIORES EM DOIS CASOS DE BILINGUISMO O objetivo principal da tese é investigar as fricativas posteriores do guarani paraguaio e também de alguns dialetos do português brasileiro e do espanhol. O quadro teórico adotado é o da Fonologia Gestual (Browman & Goldstein, Articulatory gestures as phonological units, 1989), cuja unidade de análise é o gesto articulatório. Trata-se de uma unidade que se preocupa ao mesmo tempo com o nível da ação como também com o simbólico, isso torna a Fonologia Gestual uma perspectiva teórica que explica satisfatoriamente tanto os aspectos sincrônicos quanto os diacrônicos da variação e mudança das línguas aqui em análise. No corrente ano, a pesquisa enfocou o bilinguismo guarani-espanhol e português-espanhol. Para o primeiro caso, coletaram-se amostras de falantes bilíngues de espanhol e de guarani paraguaios. O tratamento acústico dos dados e a extração dos momentos espectrais encontram-se em andamento. Segundo JiquilinRamirez et al. (Três casos de deriva fonética intralinguística na aquisição fonológica em adultos, no prelo):"Os momentos espectrais são medidos a partir de espectros FFT (Fast Fourier Transform); cada FFT é tratada como uma distribuição probabilística da qual os quatro primeiros momentos (centroide, desvio padrão, assimetria e curtose) podem ser computados. Jongman et al. (2000, p. 1253) explicam que a análise dos momentos espectrais é eficiente para classificar as obstruintes, revelando aspectos tanto locais como globais do seu espectro". Esse tipo de análise já foi realizado para alguns dialetos do espanhol e mostrou a importância do contexto vocálico para a produção da fricativa posterior. Agora o objetivo é verificar se há diferenças 101 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

significativas entre as amostras de acordo com a língua bem como depreender quais são os gestos articulatórios que estão envolvidos no bilinguismo nativo. Para o segundo caso, está em andamento a reanálise de dados de Rodrigues (Aspectos fônicos do português falado como segunda língua por falantes do espanhol, 2009). A autora coletou amostras longitudinais da fala de três sujeitos peruanos aprendendo os róticos fricativos do português brasileiro. Além disso, ela também coletou amostras de um sujeito bilíngue: sua L1 é o português brasileiro e sua L2 é o espanhol paraguaio. Até o momento verificou-se que há um fenômeno de deriva fonética intralinguística, i.e., o contato entre as línguas provocou uma mudança interna na própria L2. Até o momento a análise consistiu do levantamento da frequência relativa dos alofones identificados instrumentalmente. Constatou-se que os aprendizes produzem uma fricativa posterior sonora na posição de ataque, o que contraria expectativas baseadas na noção de transferência ou interferência linguística, já que em EPe não há similaridade com as vibrantes daquele contexto. Além disso, há pouca afinação quanto a sonoridade da fricativa posterior nativa, o fonema não rótico do espanhol peruano é surdo. A deriva intralinguística ocorre na posição de coda, contexto em que os aprendizes pronunciaram a mesma fricativa posterior surda. Uma vez que as expectativas eram a de uma afinação com o uso local, i.e., a produção de aproximantes retroflexos, o achado contraria também explicações baseadas na noção de imitação ou exposição. Houve uma simplificação do subsistema rótico na L2. Em ambos os exemplos, extrair os momentos espectrais é fundamental para estabelecer tanto as diferenças internas à língua quanto as diferenças entre as línguas. Também é importante entender como se dá a sintonia dos gestos articulatórios na passagem de uma língua para a outra. No caso do bilinguismo nativo, como o paraguaio, o estudo pode revelar como os gestos se adaptam conforme a língua. No caso do bilinguismo em idade adulta, como o dos falantes do espanhol peruano aprendendo português brasileiro, notou-se que há um predomínio dos gestos posteriores com vozeamento. De maneira geral, o foco dado aos distintos tipos de bilinguismo permite questionar processos tanto gerais, tais como os universais linguísticos, quanto os específicos, tais como os concernentes a cada língua. Esses estudos comporão um capítulo fundamental da tese que se defenderá. Palavras-chave: bilinguismo; fricativas posteriores; momentos espectrais,deriva fonética, gestos articulatórios

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Eduardo Batista da Silva (USP) PROPOSTA DE UM VOCABULÁRIO ACADÊMICO EM LÍNGUA INGLESA BASEADO EM CORPUS Haja vista o crescimento da produção técnico-científica brasileira e sua consequente divulgação internacional, os trabalhos acadêmicos passam a ser também escritos e enviados para publicação em revistas e periódicos em língua inglesa. Em outras palavras, além das exigências institucionais para que trabalhos sejam publicados em língua portuguesa, existe um forte estímulo no sentido de tornar a pesquisa brasileira conhecida em outros países. Nesse sentido a expressão publish or perish, indiretamente, tem impacto nos trabalhos escritos em língua inglesa por brasileiros, uma vez que os artigos devem demonstrar habilidade linguística na escrita acadêmica. Dentre as habilidades, encontra-se a adequação no que tange ao uso da terminologia acadêmico-científica comumente encontrada em determinada área do conhecimento. A terminologia acadêmico-científica desempenha um papel importante por sua presença em domínios de especialidade variados, não “pertencendo” a um domínio específico; é aquela que está presente em diversos domínios e não acaba sendo identificada a priori como tal. Definimos a terminologia acadêmico-científica como sendo um conjunto de substantivos, verbos e adjetivos típicos da comunicação acadêmica. A título de exemplificação, o termo “método” poderia ser usado nas mais variadas áreas do conhecimento, devido ao seu caráter geral. É desse tipo de terminologia que trataremos nesse trabalho. “A terminologia pode colaborar na elaboração de estratégias e de instrumentos de aprendizado do vocabulário especializado, contribuindo para a melhoria do ensino e para o sucesso escolar” (Lídia Almeida Barros, Curso básico de Terminologia, p. 24). Até certo ponto, ao servir como insumo na elaboração de material de divulgação acadêmica e técnico-científica, a terminologia acadêmica proporciona traços específicos ao texto científico, fazendo com que seja mais parecido com outros textos do mesmo gênero. O objetivo geral desse trabalho é identificar e elencar a terminologia em questão em língua inglesa, presente em oito grandes áreas do conhecimento (Ciências Exatas e da Terra, Ciências Biológicas, Engenharias, Ciências da Saúde, Ciências Agrárias, Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Humanas e Linguística, Letras e Artes), divididas em 74 subáreas, tendo como objetivo específico a elaboração de um vocabulário dos termos fundamentais voltado para o ensino/prática de inglês para fins específicos, mais precisamente destinado a professores e/ou pesquisadores que lidam com a produção escrita acadêmica em língua inglesa. A tabela das áreas do conhecimento elaborada pela 103 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Capes serviu como ponto de partida para que a pesquisa pudesse ser estruturada. Esse trabalho pretende servir como recurso para o aprendizado, fornecendo uma referência linguística pedagógica em língua inglesa para brasileiros. A fundamentação teórica recorreu à Terminologia, à Linguística de Corpus e à Estatística Lexical. Com relação à metodologia, a primeira etapa da pesquisa baseou-se na constituição de corpora de especialidade que ultrapassam 100 milhões de palavras (tokens). No tocante ao auxílio de software, a ferramenta linguístico-estatística utilizada para processar os corpora e coletar os termos foi o WordSmith Tools, versão 5. Para identificar os termos, foram utilizados critérios de tipo qualitativo e quantitativo, baseados, esses últimos, em medidas de dispersão, a saber, o índice de dispersão de Juilland, que leva em consideração a frequência e distribuição dos itens pesquisados nos diferentes corpora de especialidade. Uma vez identificados os termos, procedemos a elaboração e o armazenamento das fichas terminológicas pelo MS Access. Vale salientar que a devida caracterização do texto acadêmico do ponto de vista terminológico mostra-se como um ponto importante tanto na leitura quanto na redação técnico-científica. Os textos científicos em língua inglesa, muitas vezes, acabam sendo encarados como algo impenetrável ou demasiadamente complexo. O resultado da barreira linguística é duplamente negativo: impede o acesso a novas ideias (no caso da habilidade de leitura de artigos científicos) e restringe a produção científica brasileira apenas aos domínios da língua portuguesa (no que se refere à redação de artigos científicos). Um caminho indicado por nosso trabalho é de utilizar um repertório de terminologia acadêmica como recurso para o estudo do chamado inglês acadêmico, ou seja, uma referência linguística pedagógica baseada em corpus para a leitura e produção escrita. Professores de língua inglesa podem direcionar estratégias de ensino específicas para a prática da terminologia acadêmica. Essa pesquisa também indica possibilidades para que outras investigações que tenham como ponto de partida estruturas presentes nos textos técnico-científicos possam ser descritas, como o estudo das estruturas léxico-gramaticais comuns e funcionais, bem como da fraseologia especializada. Palavras-chave: Terminologia acadêmico-científica; Corpus de especialidade; Linguística de Corpus.

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Érika Yurie Fujiwara (UFMS) FORMAÇÃO DE NEOLOGISMOS ENVOLVENDO AS LÍNGUAS JAPONESA E PORTUGUESA A relação existente entre as línguas portuguesa e japonesa remonta de séculos. Segundo Araújo (2008), a língua portuguesa se faz presente no Japão desde a chegada dos navegadores e colonizadores portugueses no país, no ano de 1543. Nesse período, com o trabalho dos missionários portugueses, diversas palavras de origem portuguesa foram incorporadas ao léxico japonês, contudo, devido à resistência perante o catolicismo, os portugueses e sua língua foram expulsos do país. A língua portuguesa voltou a marcar presença no território japonês por volta do ano de 1860, e cem anos depois, com o chamado fenômeno “dekassegui”. Hoje, há cerca de duzentos mil nipo-brasileiros morando no Japão, e utilizando a língua portuguesa na comunicação diária. Em contrapartida, a presença da língua japonesa no Brasil iniciou-se com a chegada dos imigrantes japoneses, por volta do ano de 1908, os quais vieram trabalhar nas lavouras de café, ofuscados pela promessa de enriquecimento com a colheita do “ouro verde”. Apesar de sofrerem represálias e, em certo período, serem proibidos de utilizar a língua materna em território brasileiro, os japoneses que aqui fixaram residência e construíram famílias preservaram tanto a cultura, quanto a língua que trouxeram da sua terra natal. Hoje, o japonês representa uma, das mais de duzentas línguas que compõe o panorama linguístico brasileiro, razão pela qual o nosso país pode ser considerado multilíngue. Nesse panorama, são séculos de contato entre as línguas e, como é sabido, esse e qualquer outro tipo de relação linguística, seja ela de qualquer intensidade ou duração, sempre acarreta mudanças às línguas envolvidas. Com o fenômeno da globalização, essas mudanças ocorrem cada vez mais rápido, e em maior número, além de serem mais facilmente difundidas ao redor do mundo. Toda língua existente no mundo possui certa necessidade natural de renovação lexical, de criação e incorporação de novas unidades ao léxico. Utilizamos, cotidianamente, palavras do nosso vocabulário, sem nem ao menos pensar sobre elas. E, por vezes, nos deparamos com a necessidade de utilizar uma palavra, ainda que inexistente, para explicar ou nomear determinado objeto ou situação. Em determinados contextos, quando surge a necessidade de criarmos palavras novas para designar um objeto, ideia, ou conceito, tais palavras podem requerer uma classe gramatical diferente, ou, em alguns casos, permitem que a classe gramatical não seja alterada, apenas há uma mudança morfológica. Partindo dessa premissa, busca-se, na presente pesquisa, analisar o processo de criação léxica, ou seja, o modo como se dá a formação 105 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

de palavras, envolvendo as línguas japonesa e portuguesa no contexto linguístico atual. O enfoque foi dado aos neologismos que utilizam a língua japonesa como base de formação lexical. Os dados neológicos analisados na pesquisa advêm de textos retirados da internet (sites, blogs, fóruns, redes sociais, etc), que, embora estejam na forma escrita, referem-se, em sua maioria, à língua falada ou remetem a características da língua falada. Uma pequena quantidade de dados foi coletada a partir de comunicações pessoais. A coleta de dados tem sido realizada visando contextos que abordem questões relacionadas a aspectos da língua e cultura japonesas, tais como culinária, artes, esportes, educação, entretenimento, dentre outros. As criações lexicais encontradas (cerca de setenta ocorrências) foram organizadas em fichas, descritas e analisadas sob o viés dos pressupostos teóricos da Lexicologia (GONÇALVES, 2012; CORREIA E ALMEIDA, 2012; CASTILHO, 2010; BIDERMAN, 2001; BASÍLIO, 1991; e ALVES, 1990). Além desses teóricos, também foram utilizados trabalhos que tratam da língua japonesa e de sua posição no panorama linguístico mundial, a saber, Hinds (2010); Ota (2009); Araújo (2008); Fuchs (1996), etc. As unidades neológicas coletadas até o presente momento mostraram a predominância do processo de composição, principalmente por justaposição. Um exemplo desse processo seria do neologismo “mesakake” (toalha de mesa), no qual o substantivo “mesa” do português é anteposto ao verbo kakeru do japonês, que significa “cobrir”, “colocar sobre”. Há também a predominância da derivação por sufixação, como no caso de “dekasseguês”, no qual acrescenta-se o sufixo “ês”, indicando “língua”, à base dekassegui. Contudo, também apresentaram ocorrências de outros processos de criação lexical, estes, menos produtivos que os citados anteriormente. Inicialmente, em uma busca que pode ser considerada “superficial”, não encontramos nenhum trabalho de caráter acadêmico e científico que abordasse este tema. Foram encontrados trabalhos relacionados à área da Lexicologia, porém, com enfoque predominante nas línguas portuguesa e inglesa. Trabalhos no âmbito acadêmico que abordem os processos de criação lexical envolvendo as línguas portuguesa e a japonesa são considerados quase nulos. Por esta razão, procuramos desenvolver esta pesquisa, visando também, expandir os horizontes para pesquisas linguísticas com falantes de japonês de forma a documentar as variações e diferenças ocorridas na fala dos descendentes e os impactos que provocam na língua. Além de servir de base e incentivo para futuros estudos sobre a língua japonesa e sua relação com outras línguas. Palavras-chave: Neologismo; criação lexical; Lexicologia; língua portuguesa; língua japonesa.

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Fábio Ramos Barbosa Filho (UNICAMP) O "TRABALHADOR POR CONTA PRÓPRIA" NA CIDADE: UMA POLÍTICA DA ORGANIZAÇÃO URBANA O trabalho autônomo é uma forma pré-capitalista de trabalho, mas que assume, no modo de produção capitalista, contornos bastante particulares. No Brasil, devido aos próprios modos de historicização e circulação dos sentidos de trabalho, de trabalhador, de ilegalidade e, sobretudo, devido ao sentido assumido pelos aparelhos de Estado na tensão entre a repressão e a legalidade, esses sentidos se tensionam com a própria história da formação do capitalismo no país. Para tentar compreender o modo como esses sentidos trabalham a tensão entre o “trabalhador por conta própria” frente à legalidade e ao desenho da cidade, gostaria de pensar essa relação fazendo convergir duas instâncias: o aparelho jurídico e o urbanismo. O aparelho jurídico, justamente por exercer uma função dupla: regulamenta, normatiza, ou seja, define os sentidos de trabalho, de modo que acaba por instituir também o campo da ilegalidade/irregularidade no domínio técnico, saturando o social no jurídico. Ao definir, estabilizar os sentidos de trabalho, define o trabalhador enquanto aquele que precisa estar vinculado ao Estado para ter uma existência marcadamente legal, o que no âmbito de um Estado amparado no aparelho jurídico acaba por significar a própria possibilidade formal de existir enquanto sujeito de direito. Levar em consideração o aparelho jurídico, enfim, me permite pensar os modos pelos quais o Estado capitalista agencia o trabalho e o “trabalhador por conta própria”, instituindo o que pode e deve ser compreendido como trabalho e o que entra no cômputo da ilegalidade. O urbanismo, por sua vez, me permite pensar de que forma o desenho de certos espaços da cidade é construído a partir da determinação da legalidade e dos sentidos oficiais de trabalho e trabalhador: não é qualquer lugar que pode ser utilizado enquanto espaço de trabalho (e, por consequência, como espaço do “trabalhador por conta própria”). Acontece, porém, que essa atribuição do urbanismo intervém “apenas” como medida técnica, saturando o social no urbanístico. Essas duas instâncias, portanto, apesar de possuírem especificidades e temporalidades distintas diante do funcionamento do modo de produção capitalista, convergem no processo de instituir sentidos ao trabalho na cidade e na configuração do trabalhador por conta própria na sua relação com o Estado e com o espaço urbano. Direito e urbanismo convergem, portanto, na saturação do que está “do lado de fora” do Estado, no âmbito da ilegalidade. A questão da circulação de mercadorias (e a circulação do trabalhador por conta própria) na cidade não está, portanto, restrita à organização 107 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

do trabalho, o que encaminharia a discussão exclusivamente para o âmbito jurídico, mas está diretamente ligada às políticas de urbanização e organização do espaço da cidade. Há, enfatizo, um batimento do jurídico no urbanístico que institui uma política da urbanização pautada na administração do trabalho autônomo e do “trabalhador por conta própria”, dando à cidade um desenho particular, uma arquitetura da legalidade pautada na manutenção da organização e na incorporação da informalidade às instituições formais do Estado. De modo a compreender essas questões, monto um corpus composto por entrevistas com vendedores ambulantes da cidade de Salvador, documentos de programas como o “microempreendedor individual” (executado pelo SEBRAE – Serviço de apoio às micro e pequenas empresas e amparado pela Lei Complementar nº 128, de 19 de dezembro de 2008) que colocam em relação as figuras do “ambulante” e do “empreendedor” enquanto lugares sociais marcados por determinações e significações distintas. Para compreender esse quadro, me situo na perspectiva teórica da análise de discurso de orientação materialista, que se constitui na década de 60 na França e que se edifica fundamentalmente a partir das reflexões de Michel Pêcheux e que, no Brasil, a partir dos trabalhos de Eni Orlandi e do Laboratório de Estudos Urbanos, toma o espaço urbano e as políticas públicas na/da cidade como objetos privilegiados. Palavras-chave: Discurso; trabalho autônomo; urbanismo; espaço urbano; aparelho jurídico. Flávia Carolina Guimarães Santiago (UFMG) ESTUDO DE DIVERSAS TRADUÇÕES PARA A LÍNGUA PORTUGUESA DA PALAVRA “VIRTÙ” NA OBRA “O PRÍNCIPE” DE MAQUIAVEL: FOCO NA LEGIBILIDADE TEXTUAL. O presente trabalho, referente à dissertação de mestrado em desenvolvimento, pretende estudar o tratamento dado por diversos tradutores da obra “O Príncipe” de Maquiavel para a palavra “virtù”. Esclarecemos que tal palavra aparece de forma recorrente na referida obra e possui um significado peculiar no pensamento de Maquiavel, conforme vários estudiosos de ciência política e filosofia já demonstraram. Flávia Benvenuto de Souza, em sua tese de doutorado apresentada à FAFICH/UFMG, sob orientação do doutor em filosofia e renomado especialista em Maquiavel professor Newton Bignoto, afirma: “O termo virtù, talvez, o mais importante nos textos de Maquiavel, aparece em quase todos os capítulos de suas obras políticas. Aparece também, muito frequentemente, nos textos dos comentadores da obra 108 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

do autor e, ainda hoje, parece se constituir como um importante objeto argumentativo inerente ao seu pensamento. No entanto, muitas são as dificuldades que a análise do termo impõe ao leitor dos textos políticos de Maquiavel”. (Flávia Roberta Benvenuto de Souza, A virtù do governante: circunstâncias e ações para a conquista e a manutenção do poder no pensamento de Maquiavel, p. 203). A partir de tal citação, podemos compreender a complexidade da tarefa que os tradutores de Maquiavel enfrentaram para a tradução da palavra em estudo. Apresentaremos os variados caminhos que os tradutores seguiram para “traduzirem a virtù maquiaveliana” tais como: destaque dado à palavra através de recursos gráficos como uso de itálicos ou negritos; notas de rodapés explicativas; tradução ou não da palavra para a língua portuguesa, discussão sobre os significados e a importância da palavra nos paratextos das obras; etc. Analisaremos, também, como as citadas escolhas dos tradutores podem interferir na legibilidade textual da obra. Entenderemos por legibilidade como a medida da facilidade com que um leitor específico, isto é, um leitor com conhecimentos linguísticos adequados e determinada carga de informação prévia, pode construir significados para o texto. Tal conceito foi defendido por Patrizia Collina Bastianetto em sua tese de doutorado apresentada a USP em 2004. Acreditamos ser pertinente salientar, ainda, que adotaremos como pressuposto básico a concepção de que o texto é um lugar de interação de sujeitos sociais, os quais, dialogicamente, nele se constituem e são constituídos. Essa concepção de texto foi muito bem apresentada por Ingedore Villaça Koch no livro “Ler e Compreender; os sentidos do texto”. Vejamos uma citação extraída dessa obra que ilustra adequadamente o conceito de texto que adotaremos: “texto é um lugar de interação de sujeitos sociais, os quais, dialogicamente, nele se constituem e são constituídos; e que, por meio de ações linguísticas e sociocognitivas constroem objeto-de-discursos e propostas de sentido, ao operarem escolhas significativas entre as múltiplas formas de organização textual e as diversas possibilidades de seleção lexical que a língua lhes põe a disposição” (Koch, Ler e Compreender - os sentidos do texto, p. 9). Por fim, elucidamos que conceberemos a tradução como um processo de retextualização. Essa ideia é defendida por Neusa Travaglia no livro “Tradução e retextualização: a tradução numa perspectiva textual”. A abordagem da tradução como retextualização aponta para o fato de que, ao traduzir, o tradutor está, na realidade, acionando todos os elementos que conferiam textualidade ao texto da língua de partida, com a diferença que, manejando em outra língua, o tradutor estará, de certa forma, manejando outros elementos, ou os mesmos elementos sob perspectivas diferentes. Palavras-chave: Virtù, Maquiavel, tradução, legibilidade textual

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Francisco de Oliveira Meneses (UNICAMP) ESTUDO ACÚSTICO DAS VOGAIS ALTAS DESVOZEADAS DO PB: QUESTÕES DE PRODUÇÃO E PERCEPÇÃO. Este trabalho investiga a lenição de vogais altas finais em ambientes de consoantes desvozeadas no Português Brasileiro ( doravante PB ). Apresentamos, aqui, a evidência de que tais vogais não sofrem um processo categórico de apócope ( ou seja, apagamento ), mas, em vez disso, sobreposição de gestos, como resultado de um processo de lenição, provavelmente como consequência da falta de acento. A apócope, no entanto, parece ser o passo final desta variação. Este tipo de enfraquecimento pode ser explicado por alterações de magnitude gestual e de timing, assim como a reorganização dos gestos das consoantes adjacentes. Um número significativo de línguas naturais tem reportado a ocorrência de vogais desvozeadas em diferentes contextos e condições. O processo de desvozeamento ou de apagamento da vogal alta átona também tem sido investigado por pesquisadores da Fonologia Articulatória, que afirmam que muitas características da produção da fala casual podem ser explicadas por mudanças na magnitude gestual ao invés de processos simbólicos tradicionais. Descrições do PB reportam o processo de apócope em detrimento do desvozeamento da vogal alta, mas observações acústicas revelam que existe um processo gradiente, no qual mais de 50% de vogais altas póstônicas são reduzidas e desvozeadas entre consoantes surdas. O objetivo de nosso estudo é investigar, com base em dados acústicos, a relação entre a redução da vogal, desvozeamento e apócope na posição átona final no PB. Parte-se da hipótese de que há uma mudança em curso que ocorre em três etapas: a redução vocálica, a sobreposição parcial ou total da consoante com a vogal e, eventualmente, apócope da vogal. Todas as três etapas parecem coexistir em uma variação sincrônica. A fim de explorar a natureza de tal processo, foram gravadas palavras dissílabas ´(C)VCV em que a segunda consoante sempre foi a fricativa surda [s]. As palavras alvos foram lidas em uma frase veículo por seis sujeitos do sexo feminino oriundas de Vitória da Conquista, cidade do interior da Bahia. As seguintes medidas foram realizadas: a relação a Razão de Centralização Formantica ( FCR ) e a Área de Espaço Vocálico ( VSA ) de vogais sonoras em contextos de desvozeamento, o centro de gravidade do ruído do [s] e da duração da sílaba alvo e do ruído (fricativa + vogal, no caso das desvozeadas). Além disso, um experimento de percepção foi realizado. Os resultados indicam que há uma grande variabilidade de produção de vogais entre os sujeitos, que se manifesta em três efeitos, a saber: ( i ) quando a vogal é vozeada e 110 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

acusticamente visível, há uma clara redução vogal espaço, ou seja, as vogais sonoras em contextos desvozeados são mais curtas e mais centralizadas que em outros lugares. A alta correlação entre o FCR e VSA aponta para esta primeira etapa, ou seja, as vogais que não são completamente surdas perdem magnitude gestual em condições de desvozeamento, isto é, em ambiente desvozeado ( r ( 11 ) = -0,77, p = 0,002 ); ( ii ) quando a vogal é aparentemente apagada, a menor média do centróide parece diferenciar a presença ou ausência da vogal dentro do ruído do [s] ( por exemplo, para o [s + i], t ( 2 ) = -6,64, p < 0,02 ); ( iii ) existe um tipo de alongamento "compensatório" da consoante quando a vogal é totalmente desvozeada. Com relação ao teste de percepção, o vozeamento parcial foi suficiente para a recuperação das vogais. Por outro lado, desvozeamento total leva a um erro de identificação. Os resultados mostram que as vogais em posição átona final não sofrem um processo de apócope categórica, mas, sim, a redução, o aumento da sobreposição gestual e desvozeamento. Palavras-chave: Vogais altas; Lenição; Desvozeamento; Gradiência; Fonologia Articulatório. Gabriela Strafacci Orosco (UNICAMP) ALGUNS INTERTEXTOS NOS PRIMEIROS VERSOS DE REMEDIA AMORIS O interesse do estudo que foi realizado durante nosso Mestrado foi observar a presença da deusa romana Vênus, cujo principal atributo é o sentimento amoroso, na obra do poeta romano Públio Ovídio Nasão (43 a. C – 17 / 18 d. C.), mais especificamente nos poemas Os Remédios para o amor (Remedia amoris) e Metamorfoses (Metamorphoseon Libri). Para dar continuidade a essa pesquisa no Doutorado, o que se pretende é explorar não só a representação nefasta do amor e da deusa romana do amor (representação já inicialmente observada), mas também outras possíveis imagens de ambos. Como primeiro passo para tal estudo, realiza-se a tradução de Remedia Amoris, para, posteriormente, compará-lo com os outros poemas de Ovídio tidos como amatórios, a saber, Heroides, Amores e Ars Amatoria, e ainda com outros poemas da Antiguidade, como por exemplo, a Ilíada, de Homero, mantendo sempre em vista as peculiaridades de seus gêneros. Sobre os gêneros literários, poder-se-ia dizer que as suas convenções são determinantes, a princípio, para filiar uma obra a certo grupo de textos. Constata-se, no entanto, que tais limites e convenções, longe de serem estanques, foram constantemente transgredidos e relativizados na história da Literatura. As obras de Ovídio são exemplos desse modo de 111 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

composição em que os limites dos gêneros são de certa forma estendidos, como nos diz Albrecht (Liebesgedichte –Amores, 1997, p.702); é possível, então, ver em seus poemas (elegíacos em sua maioria) a presença não só das convenções do próprio gênero a que eles se filiam, mas também de outros gêneros, como por exemplo, da épica. Uma das características destacáveis do gênero elegíaco, aliás, seria justamente o fato de ele se apropriar de lugares-comuns tipicamente épicos ou até mesmo didáticos. Essas relações entre a elegia e a épica, por exemplo, podem ser evidenciadas através da presença de recursos poéticos como a recusatio, em que o poeta se recusa a cantar a épica, ao mesmo tempo em que fundamenta seu discurso em elementos de tal gênero. Também no topus da militia amoris podemos ver tal relação: o poeta é um soldado do amor pertencente ao quartel do Cupido (Amores, I 9 1-2: Militat omnis amans et habet sua castra Cupido;/Attice, crede mihi, militat omnis amans). Sua guerra não é a que se canta nos versos épicos, não faz uso das lanças como os heróis homéricos ou virgilianos; a batalha do poetaamante é pela conquista da puella, contra os obstáculos de um amor elegíaco e, portanto, infeliz. No caso de Remédios para o amor, além dos topoi elegíacos, vê-se ainda a estrutura de uma obra didática, que se apoia nas alusões a outros textos para fundamentar seu discurso, ao fazer uso dos exempla, que funcionam como ferramentas discursivas usadas para expressar uma experiência e provar um ponto (F. Graf, “Myth in Ovid”, 2002, p. 112), com o objetivo de instruir o leitor. Nessa obra, o vate ovidiano ensina aos seus discípulos como combater justamente o cerne do gênero elegíaco – o amor infeliz e não correspondido, que se assemelha a uma doença. Desse modo, na apresentação prevista para este seminário, pretendo observar de que maneira o texto ovidiano de Remedia Amoris dialoga com outros textos antigos, pertencentes a gêneros diversos, ao apresentar algumas das características desses gêneros. Em outras palavras, nosso objetivo é estabelecer o intertexto de Remedia com as mencionadas obras, no que diz respeito ao seu conteúdo, métrica e outras características genéricas. Seria possível, também nesse poema ovidiano (conforme ocorre em outras elegias de outros poetas da era de Augusto), estabelecer um diálogo intertextual entre gêneros literários? Para realizar o que se propõe, pretendemos dirigir especial atenção aos seis primeiros versos da mencionada obra de Ovídio, observando seus diálogos com excertos de A Arte de Amar, os Amores (também compostas por Ovídio) e das epopeias homérica, Ilíada, e virgiliana, Eneida. Palavras-chave: Ovídio; Remedia amoris; elegia; gênero literário; intertextualidade

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Giovanna Ike Coan (USP) PADRÃO LINGUÍSTICO CULTO EM OFÍCIOS DO GINÁSIO DE CAMPINAS: O CASO DAS INFINITIVAS PREPOSICIONADAS As orações infinitivas preposicionadas sempre foram, na história da língua portuguesa, um contexto de variação na colocação dos clíticos, por exemplo, “para vos dizer” vs. “para dizer-vos”, escapando, inclusive, da rigidez da gramática normativa. Já no início do século XX, Said Ali caracterizava o fenômeno como uma aparente “orgia de colocações” (In: Dificuldades da Língua Portuguesa, 1908). Pesquisas recentes têm enfatizado a correlação entre os índices distintos de próclise e ênclise e o tipo de preposição empregado nas infinitivas. A comparação das variedades brasileira (PB) e europeia do português (PE), em corpora de escritores oitocentistas, revela, para o PE, a especialização da ênclise no ambiente da preposição “a” e a próclise ocorrendo diante das demais preposições, como “de” e “para” (Marilza de Oliveira, Pluricentrismo na arena linguística, 2011). Porém, no PB, constata-se a passagem de uma gramática essencialmente enclítica (autores românticos), semelhante ao Português Clássico, para uma gramática essencialmente proclítica (autores modernistas). A preferência pela ênclise com todas as preposições é atestada na escrita de intelectuais paulistas republicanos do final do século XIX (Hosana dos Santos Silva, O lugar da língua na São Paulo transformada, 2012). Esse padrão também foi encontrado no exame que realizei sobre a escrita de outros dois intelectuais, Julio Ribeiro e Coelho Neto. Estes, além de terem seus nomes marcados na literatura brasileira, assemelham-se pela participação ativa na imprensa e pelo fato de terem sido professores de língua portuguesa em uma importante instituição de ensino de Campinas/ SP, o Colégio Culto à Ciência – que, na década de 1890, passou a ser o Ginásio Estadual de Campinas. Nesta pesquisa de doutorado, estudo a produção linguística de intelectuais que atuaram em Campinas entre o final do século XIX e o início do século XX, e investigo como as relações entre tais sujeitos se constituíam por base em redes de sociabilidade, seguindo a proposta de Jean-François Sirinelli (Os intelectuais, 2003). Assim, a identidade do grupo se concebia na participação dos indivíduos na Academia de Direito, em partidos políticos, m esociedades secretas, em agremiações culturais, na imprensa e nas escolas. É de se supor que tal identidade atingisse o domínio da língua, i.e., o padrão culto empregado (e legitimado) por esses homens. Dessa forma, o Colégio Culto à Ciência/ Ginásio de Campinas é entendido não só como estabelecimento escolar de prestígio, mas como um dos espaços de reunião das elites intelectual e política da cidade, personificadas no seu corpo docente e 113 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

administrativo. A análise de textos produzidos dentro da escola, isto é, sua documentação oficial, e fora dela, em escritos diversos dos membros que a compunham, é significativa para a tarefa de identificar um modelo linguístico referencial para os intelectuais e, por conseguinte, para a instituição. Esta comunicação tem como objeto de estudo a colocação pronominal em infinitivas preposicionadas em ofícios produzidos pelo Ginásio de Campinas, no período de 1896 a 1910, e enviados à Secretaria de Estado dos Negócios do Interior. Os assuntos abordados nos ofícios vão desde o informe da frequência de funcionários ao convite às autoridades para eventos solenes no colégio. Com foco nas infinitivas regidas de preposição, objetivo examinar se o padrão linguístico culto dos ofícios se aproxima do modelo dos românticos brasileiros ou do modelo do PE, mencionados acima. Serão considerados como fatores condicionantes da posição do clítico o tipo de preposição, o tipo do pronome e a presença de atratores, como elementos negativos ou pronomes relativos. Atenção também será dada à posição do clítico em infinitivas preposicionadas de complexos verbais, observando-se a distribuição dos padrões de movimento do clítico. Outro ponto importante a verificar é se os ofícios revelam apenas construções sintaticamente rígidas, i.e., formulaicas, características da redação burocrática, ou se há variação na posição do clítico. Os resultados serão cotejados com aqueles atestados no exame de textos produzidos pelos docentes em outros espaços de sociabilidade, como os artigos de jornais. Sob o enfoque da História Social da Língua Portuguesa, o trabalho também busca o diálogo entre os resultados aqui obtidos e investigações anteriores sobre o fenômeno, sobre demais instituições escolares paulistas do período e sobre a elite intelectual e a sociedade brasileira na passagem do século XIX ao XX. Palavras-chave: infinitivas preposicionadas; clíticos; ofícios; Ginásio de Campinas; História Social da Língua. Gloria da Ressurreição Abreu Franca (UNICAMP) ANALISE DISCURSIVA DAS IMAGENS DO BRASIL E DO “SER BRASILEIRO(A)” NOS DISCURSOS DO TURISMO EM DIVERSOS ESPAÇOS DE ENUNCIAÇÃO FRANCÓFONOS E LUSÓFONOS Propõe-se investigar quais são as imagens do Brasil e dos brasileiros no discurso atual do turismo, na Europa e no Brasil. Levantamos a hipótese de que há uma grande presença de imagens/categorizações em torno do “corpo” (gestos, atributos físicos, comportamentos, dança, esporte...). Para efetuar esta análise, situamos a pesquisa no quadro da Análise do Discurso materialista (Pêcheux), do qual utilizaremos como 114 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

fundamento a noção de posição-sujeito para refletir sobre o que chamamos de representações dentro dessas categorizações. A partir desse arcabouço teórico de base, pretendemos recorrer à análise do que chamamos “efeitos de designação”, considerando-se as designações em sentido amplo, conforme sua pertinência no decorrer da pesquisa, considerando tanto análises baseadas em trabalhos de Eduardo Guimarães quando as análises propostas por Marie-Anne Paveau, a partir do conceito de pré-discurso; numa tentativa de efetuar uma comunicação no que tange às pesquisas realizadas na França e as que se realizam no Brasil, na linha teórica na qual se situa este trabalho. Trata-se de uma perspectiva aberta por nosso trabalho de mestrado, no qual analisamos a nomeação dos “brasileiro(a)s” no discurso de dois guias de turismo (Guide du Routard e Petit Futé) e de um fórum de discussão na internet (Routard.com). Nesse cruzamento constituímos quatro sub-corpus de análise em torno do que se constituiu uma espécie de paradigmas de representações acerca do(a)s brasileiro(a)s. Assim, encontramos o que associa o “ser brasileiro”, além de população (1) ao (2) “ser carioca” e à (3) “alegria de viver”. Associamos este último, a partir de nossa interpretação, a efeitos de sentido em torno de designações ligadas ao corpo, pois associam “a facilidade do contato”, “difícil de encontrar mulheres, crianças mais bonitas do que dentre os mestiços”, “geralmente descontraído e sorridente”, etc. Além destes, os resultados nos levaram a concentrar o quarto sub-corpus ( (4) putas) a partir das designações em torno das mulheres brasileiras, o que permitiu entrever uma associação que aqui mostramos em esquema, mulheres – belas – corpo belo, charme – fáceis – acessíveis – não putas mas vivendo de seu charme – putas – prostitutas. Buscamos no doutorado ampliar a extensão do material de análise a todos os guias utilizados atualmente na França, além de guias utilizados no Brasil, para analisar as diversas posições-sujeito do que é ser brasileiro nesse “duplo-olhar”, para o Francês e para o próprio brasileiro. Nosso corpus será constituído de guias publicados atualmente no Brasil e na França e de fóruns de discussão na internet voltados ao turismo no Brasil. Ao mesmo tempo em que delimitamos nosso material de análise, fazendo um recorte em torno das questões que situem o(a)s brasileiro(a)s nessas designações, aprofundaremos a análise em torno daquele que constituiu o quarto eixo de análise de nossa dissertação. Com efeito, trata-se de uma análise que, partindo das caracterizações do(a)s brasileiro(a)s a partir de campos de sentido ligados por exemplo à praia, ao calor, ao calor humano, ao futebol, à vestimenta, à musica, à dança. Pretendendo, dessa forma, averiguar a existência de um certo deslizamento a efeitos de sentido que associam esses atributos a um imaginário de julgamento pejorativo desse(a)s brasileiro(a)s. Além de investigarmos se haveria uma assimetria nesse olhar que, partindo dos 115 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

mesmos atributos conferidos aos brasileiros e às brasileiras, a estas seria atribuído uma axiologia desvalorizante, como no caso do imaginário “mulher brasileira, mulher fácil”, diferentemente do “brasileiro simpático e caloroso”, que passando pelo gênero feminino/masculino não trás neste o juízo de valor negativo que acarreta no feminino. Vemos como relevante deixar aparecer na análise a questão dos sentidos que perpassam o imaginário europeu/brasileiro sobre a mulher, pois estes constituem questões historicamente problemáticas para o turismo, como se percebe no fato de o Brasil ainda ser associado à roteiro do turismo sexual. Pretendemos averiguar tal questão nas materialidades analisadas nos lugares de enunciação nos quais circulam tais efeitos de sentido/processos discursivos. Por fim, percebemos uma possibilidade de comunicação e articulação teórico-metodológica com pesquisas recentes do discurso virtual (Paveau, Cristiane Dias); na articulação do discurso e das questões de gênero; sobre o funcionamento linguístico dos efeitos de designação (Guimarães, Paveau); estudos discursivos que permitam analisar a imagem enquanto discurso (Maingueneau); estudos sobre a designação/nomeação; sobre os processos de identificação/subjetivação do brasileiro. Sendo assim, além de visualizar uma profícua comunicação deste estudo discursivo com o turismo, a história, os estudos de gênero, os porn studies, dentre outros, entrevemos uma possibilidade de articulação entre duas das tradições de Análise de Discurso, na França e no Brasil. Palavras-chave: turismo; identificação/subjetivação; brasileiro(a); imaginário; lugares de enunciação Isabella de Cássia Netto Moutinho (UNICAMP) DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM: O OLHAR DA NEUROLINGUÍSTICA DISCURSIVA A pesquisa “Dificuldade de aprendizagem: o olhar da Neurolinguística Discursiva” apresenta o acompanhamento longitudinal de um garoto, LP, de 2008 até o presente momento. LP foi encaminhado por uma fonoaudióloga ao Laboratório de Neurolinguística (LABONE) com a queixa de Dificuldade de Aprendizagem. Além de sua fonoaudióloga, a professora que o acompanhava em 2008 no 3º ano do Ensino Fundamental II também desconfiava de um possível diagnóstico tendo em vista suas dificuldades com a leitura e a escrita. No mesmo período, LP passou também por avaliação psicológica, na qual foi apontada uma diferença entre sua idade cronológica e sua idade mental. As questões norteadoras deste acompanhamento englobam (a) o aprofundamento da teorização neurolinguística que abarca e relaciona 116 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

a aquisição da fala e a aquisição da escrita (b) levantar a relação que LP estabelece com o eixo fala, leitura e escrita nos diversos contextos nos quais trabalha com ele e sobre ele, inclusive e principalmente o escolar e (c) buscar compreender como problemas de fala que afetam diretamente a escrita de LP e de muitas crianças são atualmente confundidos com patologias relacionadas à aprendizagem. Este trabalho está assentado nos pressupostos teórico-metodológicos da Neurolinguística Discursiva que tem como pilar principal uma concepção de linguagem histórica com a qual o sujeito trabalha, palco da interação humana e revelada na interlocução. Partindo deste ponto de vista, o trabalho com e na linguagem é o que permite a constituição da subjetividade, da alteridade e da possibilidade de tomá-la como objeto de reflexão. Esta pesquisa não busca apenas apresentar os dispositivos que limitam o olhar e a prática da escola sobre e para os sujeitos com dificuldades. Para além da crítica ao que se faz ou ao que não se faz com esses sujeitos, o percurso aqui apresentado almeja iluminar a prática docente no sentido de que ela se modifique e posso abarcar todos os alunos, compreendendo o percurso de cada um sem patologizar a escrita dos alunos. Não basta simplesmente dizer que a escola ignora, no início do processo de alfabetização, a variedade de fala na qual a criança adquiriu a linguagem e como isso afeta o trânsito do oral para o escrito, ou as marcas do letramento construídas em sua vida em sociedade: é preciso mostrar, como tenciona a apresentação do acompanhamento longitudinal aqui detalhado, o que fazer com essas crianças e que, principalmente, há uma saída para todas as que apresentam dificuldades. Os dados apresentados nesta pesquisa mostram um sujeito que teve sua escrita patologizada por seus professores e psicólogos. A análise busca mostrar que esta escrita patologizada é produto de vários fatores relacionados à fala, principalmente às questões fono-articulatórias e de variedade linguística e não sintoma de um possível desvio. Ao longo da análise dos dados, veremos que LP não toma para si a condição de criança patologizada e resolve, com a mediação da cuidadora, suas questões relativas à fala e a escrita. A pergunta que cabe é: quantas crianças, como LP, não tomam para si essa condição? Dados os índices de fracasso escolar e do aumento de diagnósticos de Distúrbio da Aprendizagem, Dislexia, TDA e TDAH, arrisco dizer que são raras. Tendo em vista este contexto, esta pesquisa se apresenta transdisciplinar à medida que revela a necessidade de constante diálogo entre a Linguística e suas subáreas como a Neurolinguística, a Fonética e a Fonologia, com a Linguística Aplicada e principalmente com a Pedagogia, disciplina responsável por nortear os professores alfabetizadores no Brasil e que, mesmo assim, ainda é tão carente de subsídios linguísticos para orientar as reflexões

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acerca do trabalho do sujeito com a linguagem e do que se caracteriza como erro ou desvio/sintoma. Palavras-chave: Fala, leitura, escrita, patologização, dificuldade de aprendizagem Isis Cristina Ramanzini (PUC-SP) MONTEIRO LOBATO E A TRILOGIA DO PETRÓLEO: UMA ANÁLISE DISCURSIVA Monteiro Lobato dedicou dez anos de sua vida para travar uma luta pela causa petrolífera que o deixaria na miséria financeira, com a saúde abalada e desiludido com os rumos do país. Assim, projetou na literatura essa trajetória de conflitos, escrevendo uma sequência de obras. Nesse caminho percorrido revelam-se três tipologias dos discursos: um prefácio, um livro para adultos e um livro para crianças, aqui reunidos como trilogia do petróleo. Em 1935, redige o Prefácio do livro A luta pelo petróleo, de Essad Bey, posicionando-se em prol de uma nação produtiva, eficiente e rica. No ano seguinte, lança o livro O escândalo do petróleo, denunciando poderosos cartéis que controlavam o mercado nacional. Em 1937, publica O poço do visconde, no qual leva a campanha do petróleo até os jovens leitores. Uma pesquisa detalhada realizada na internet, através dos sites de busca GOOGLE e nas bibliotecas da PUC-SP, da USP-SP, da UNESP e da UNICAMP não registrou investigações que tratassem da obra do autor, mais precisamente da referida trilogia, segundo a abordagem discursiva. A relevância desta proposta reside na possibilidade de preencher essa lacuna e de tecer considerações a respeito dos estudos e do ensino da literatura. Atentaremos para alguns conceitos (Dominique Maingueneau, O contexto da obra literária, Discurso literário, Gênese dos discursos) que consideramos fundamentais para a análise, são eles: a paratopia, o ethos, o interdiscurso, a cenografia. A paratopia atribui um lugar e um não-lugar para o discurso, ou seja, considera que todo discurso tem um lugar-comum e um lugar nãocomum. No caso do discurso literário é atribuído o lugar não-comum, pois envolve um processo criativo, sempre singular e fora do comum. Além do mais, investigaremos a gênese desse discurso que está intimamente relacionada com a vida bio/bibliográfica do escritor. O segundo conceito diz respeito a uma imagem que todo texto revela. Nesse sentido, o ethos discursivo revela que o texto tem uma imagem, seja pelo vocabulário que exprime, seja pela cenografia/gênero que invoca. Em seguida, o interdiscurso revela que todo discurso tem a propriedade de estar em relação multiforme com outros discursos. E a 118 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

cenografia, por sua vez, instaura o próprio espaço da enunciação. Assim, o objetivo desta pesquisa é investigar e discutir a referida trilogia à luz da análise do discurso francesa, na perspectiva desenvolvida por Dominique Maingueneau, a fim de responder às seguintes questões de pesquisa: 1. Como a paratopia dimensiona a gênese do discurso do autor? 2. Qual o ethos discursivo construído pelo autor nas obras da trilogia? Que elementos da cenografia enunciativa – aí entendidos a relação enunciador/coenunciador; cronografia e topografia – contribuem para a respectiva depreensão desses ethos? Os procedimentos na construção da pesquisa, com base no quadro teórico proposto, são: (i) confrontar as obras que compõem a trilogia, nas quais foram publicadas as inquietações do autor sobre política e economia petrolíferas, a fim de detectar possíveis variabilidades; (ii) delimitar as partes a serem analisadas, levando em conta a variedade de cenografias instituídas; (iii) recorrer, se necessário, a outros corpus de referência; (iv) proceder análise da locução discursiva, da paratopia, da cronografia e da topografia; (v) depreender à luz dos resultados do tópico anterior, a imagem do autor construída nas obras. Fundamentando a história do petróleo, consideraremos a campanha de “O petróleo é nosso” (Moura, A campanha do petróleo). Assim como, investigaremos o contexto sócio-histórico da chamada pelo próprio Getúlio Vargas de política nacionalista do petróleo no Brasil (Vargas, A política nacionalista do petróleo). Buscaremos subsídios, que privilegiam os trabalhos de Lobato (Lajolo & Ceccantini, Monteiro Lobato livro a livro). Por fim, qualificaremos o filtramento das interpretações, utilizando o Método do Paradigma Indiciário de Carlo Ginzburg na obra Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. O diálogo entre as concepções de Monteiro Lobato e a análise do discurso parece-nos fecundo e pode contribuir com o trabalho do professor na Educação Básica e no Ensino Superior. Palavras-chave: Trilogia do petróleo; Paratopia; Ethos; Interdiscurso; Monteiro Lobato. Jael Sânera Sigales Gonçalves (UCPEL) A NOÇÃO DE ACONTECIMENTO DISCURSIVO NO “CASO MENSALÃO”: PRIMEIRAS REFLEXÕES À CONSIDERAÇÃO DA PROSÓDIA COMO MATERIALIDADE PARA A ANÁLISE DO DISCURSO A Análise de Discurso (AD) de filiação pecheutiana, com abordagem materialista dos processos discursivos, calca-se na relação entre a história, a psicanálise e a linguística. Tem como objeto o discurso, considerando que este tem como materialidade específica a língua. 119 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Enquanto que os estudos materialistas do discurso têm ênfase sobre os mecanismos sintáticos e os processos de enunciação, refletindo preocupação com o status da linguística nos estudos discursivos nessa perspectiva teórica, propõe-se, em pesquisa maior, discussão acerca da possibilidade de se considerar a fala, especificamente a prosódia da língua, como material de análise na AD. Pretende-se mobilizar, para isso, as formas linguístico-discursivas do discurso-outro, a partir de uma articulação de Pêcheux e Authier-Revuz. Constituem o corpus do estudo sequências discursivas recortadas da fala do Ministro-relator do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Penal 470, conhecida como “Caso ‘Mensalão’”, com a hipótese de que as sobreposições de vozes e heterogeneidades enunciativas – especificamente aspas, discurso indireto e alusão – apresentam marcas prosódicas que permitem a reflexão sobre alguns conceitos-chave da Análise do Discurso, como Formação Discursiva (FD), posição-sujeito, forma-sujeito, processos de contraidentificação, desidentificação e identificação, paráfrase e polissemia. A análise pressupõe, porém, um gesto teóricoanalítico que permita verificar se o caso do “Mensalão” pode ser considerado um acontecimento discursivo, e é a este empreendimento que o presente trabalho se dedica. Alguns questionamentos auxiliam na direção de um efeito de resposta: quais o(s) momento(s) discursivo(s) que podem ser considerados para demarcar o acontecimento discursivo?; que ritual estaria tendo as relações interrompidas e comportando a emergência de novas práticas discursivas, a partir do caso “Mensalão”?; quais são as novas práticas discursivas, os novos sentidos produzidos a partir do “Mensalão”? Esses questionamentos emergem de um corpus constituído por enunciados que circularam na mídia a partir de dois momentos discursivos (MD): 1º momento discursivo (MD1) – Entrevista de Roberto Jefferson ao jornal Folha de São Paulo, publicada em 06 de junho de 2005, primeira vez em que a palavra “Mensalão” foi divulgada na imprensa; 2º momento discursivo (MD2) – Julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, dos réus que integram o núcleo político da Ação Penal 470, de 03 de outubro de 2012 a 17 de dezembro de 2012. Então, o conjunto de Sequências Discursivas (SDs) que compõe o corpus discursivo desta análise está num campo discursivo de referência determinado: os discursos que circularam na mídia a partir do 1º MD e do 2º MD que mobilizam saberes sobre a impunidade de crimes cometidos por sujeitos da política brasileira, o chamado “Crime do Colarinho Branco”. É esse ritual, as práticas discursivas que reproduziam sentidos sobre impunidade, que pretendo analisar como objeto de ruptura, de descontinuidade; ao menos, de uma agitação. Trato, então, esses dois momentos discursivos como constitutivos de um acontecimento histórico e jornalístico – o “caso do Mensalão”. Pêcheux também tratou disso quando da análise de “On a 120 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Gagnè”: à repercussão na mídia deste acontecimento político – a vitória de Mitterrand –, Pêcheux dá o nome de “acontecimento jornalístico e da mass-media que remete a um conteúdo sócio-político ao mesmo tempo perfeitamente transparente [...] e profundamente opaco”, acontecimento este que começara antes do resultado das eleições, em que se observara “confronto discursivo” numa tentativa de “prefigurar discursivamente o acontecimento” e de “apressar sua vinda” (Michel Pêcheux, Discurso: Estrutura ou Acontecimento, p. 19). Tem-se que, entre o MD1 e o MD2, houve a prefiguração discursiva do acontecimento “julgamento do Mensalão”; a mídia e forças políticas insistiam em apressar sua vinda. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o núcleo petista, não estava para responder à demanda jurídica, para oferecer uma análise técnica do Caso; o julgamento representou o encontro de uma memória, que reunia saberes contrários à impunidade, combatentes da corrupção, e uma formulação atravessada por esta, a um efeito de atualidade daquilo que se enunciava nos votos dos ministros. Palavras-chave: Análise do Discurso; Acontecimento Discursivo; Heterogeneidade enunciativa; Prosódia; Mensalão Josie Helen Siman (UNICAMP) ORDEM VS E CLASSES DE VERBOS NA HISTÓRIA DO PORTUGUÊS Construções com a ordem VS, muito frequentes no português arcaico e clássico, tornaram-se pouco comuns no português moderno. Construções VS com verbos transitivos, como “Em várias partes das fronteiras fizeram os castelhanos fumo” (Manuel Galhegos, Gazeta, 1597) raramente são vistas em textos atuais, nos quais predomina a ordem SVO. No português moderno, não só o sujeito passa a ser anteposto ao verbo, mas também o dito objeto dos verbos ergativos, como em “A carta chegou”, que poderia estar acompanhando a recente tendência da língua de se colocar o argumento com o qual o verbo concorda antes do verbo. Sobre tal mudança gramatical na língua, alguns autores (e.g. Charlotte Galves e Alba Gibrail, Subject inversion in transitive sentences from Classical to Modern European Portuguese: a corpus-based study) defendem que o português, antes de ser como é hoje, teria passado por um estágio similar aos das línguas V2, exibindo um comportamento de uma língua em que o verbo ocupava uma posição alta no sintagma, o que acabou deixando disponível uma posição alta para os sujeitos pós-verbais, tal qual se diz que o inglês e o francês tenham passado. Outros autores (e.g. Kristine Eide, Word order structures and unaccusatives in Classical and Modern 121 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Portuguese) que argumentam ainda que esse não é o caso, pois o português do século XVI teria tido uma estrutura de informação do tipo Tópico-Comentário, em que somente as novas informações, que são tópicos, poderiam ocorrer na posição pré-verbal, e as informações conhecidas poderiam ocorrer em posições pré e pós-verbais, e o português moderno, por outro lado, teria uma estrutura “evite foco”, em que somente as informações novas podem ocorrer em posição pósverbal e tudo que não for novo ocorre na posição pré-verbal. É dito também, contra a hipótese V2, que tanto o português arcaico quanto o clássico possuem propriedades incompatíveis com a sintaxe V2, como a alta frequência de orações V1 e V3. Dentro desse quadro de discussões, pretende-se com esta pesquisa analisar a mudança na sintaxe do português, de uma ordem predominantemente VS para uma ordem SV, levando-se em consideração as classes verbais, pois elas possuem características que podem priorizar certas construções, e também os gêneros textuais e autores, para que se possam separar as idiossincrasias de cada texto. Esta pesquisa será feita analisando-se os textos disponíveis no corpus eletrônico do português histórico Tycho Brahe (teatros, jornais, etc) escritos por autores nascidos entre a primeira metade do século 16 e a primeira metade do século 19. Ou seja, nosso foco será o período de tempo que engloba os dois séculos finais do Português Médio (séculos 16 e 17) e os dois séculos iniciais do Português Moderno (séculos 18 e 19), justamente a fase em que a mudança da ordem VS ocorre. Serão contrastados dados do Português Moderno europeu e brasileiro, pois é sabido que apesar de haver uma tendência SV nos dois, ela é mais forte no brasileiro, em particular com os verbos inacusativos. Os dados desta pesquisa serão analisados à luz da teoria gerativista e serão quantificados, observando-se a evolução da posição do sujeito considerando-se cada classe verbal, e qualificados, mostrando como construções V2 são interpretadas de forma diferente das construções do português moderno. O uso do corpus eletrônico nos será caro, pois ele nos permitirá obter muitos dados em pouco tempo, no entanto, as análises das sentenças serão feitas observando-se uma a uma. Visa-se, também, no decorrer dessa pesquisa, obter como um subproduto uma ferramenta a ser implementada no corpus eletrônico Tycho Brahe, que nos permitirá fazer buscas por verbos. Para que isso seja possível, será preciso um algoritmo de stemming, que reduz uma palavra a seu lexema, e para que verbos defectivos e irregulares também sejam encontrados, precisaremos aplicar o processo de lemmatisation, sendo assim, deverá ser construído um dicionário de conjugação do português arcaico e moderno, que em alguns casos, poderá ser conseguido a partir de consulta a gramáticas antigas. Deseja-se também que o motor de busca possa encontrar verbos por suas classes, o que demandará a tarefa de etiquetá-los. 122 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Palavras-chave: Ordem VS; verbos; história do português; sintaxe gerativa; corpus Tycho Brahe. Juliana Pablos Calligaris (UNICAMP) ESTUDO DAS SEMIOSES COOCORRENTES NO TRABALHO DE EXPRESSÃO TEATRAL COM AFÁSICOS Este projeto pretende investigar a coocorrência de semioses (fala, gesto, expressão corporal, olhar) no Programa de Expressão Teatral (PET) com afásicos, desenvolvido no Centro de Convivência de Afásicos (CCA) pela via da observação da interação de processos semióticos distintos, porém solidários de significação, com a finalidade de descrever e analisar o papel da atividade teatral na (re)organização das possibilidades comunicativas e expressivas de pessoas afásicas. Este projeto tem como motivação inicial o trabalho por nós desenvolvido, de 2004 a 2007, junto a um dos grupos do CCA, intitulado “Programa de Expressão Teatral com Afásicos”. Naquele período, desenvolvemos uma pesquisa de iniciação científica (IC), financiada pelo CNPq, na qual, com conhecimentos provindos das Artes Cênicas, da Linguística e da Semiótica, objetivamos identificar os recursos dos sujeitos, isto é, as estratégias verbais e não verbais próprias de diferentes sistemas semióticos, motivadas pela experiência com a arte teatral. O objetivo deste trabalho compreende o aprofundamento dos interesses teóricos e metodológicos já assinalados na IC, de modo: i) a adensar e a sistematizar a compreensão do caráter sociocognitivo do PET e suas implicações na comunicação de indivíduos afásicos; ii) compreender o caráter multissemiótico da comunicação no decurso das interações; iii) examinar a questão da coexistência de semioses envolvidas na dimensão multimodal da comunicação e da significação típicas do fazer teatral. Esse quadro interssemiótico do PET do CCA constituirá o domínio empírico da reflexão sobre a natureza multimodal das atividades teatrais e seus potenciais impactos na competência pragmática e comunicacional de afásicos. Buscaremos observar a emergência das semioses coocorrentes através do PET com afásicos, pelo viés de uma pesquisa interdisciplinar que contempla Neurolinguística, Artes Cênicas e Semiótica. Blikstein (1983, p. 18) assinala a pertinência da perspectiva epistemológica quando diz, acerca da interdisciplinaridade entre essas áreas, que trata-se da relação entre língua, pensamento, conhecimento e realidade. Temos, no âmbito deste projeto, uma preocupação epistemológica interdisciplinar centrada na relação entre linguagem, conhecimento da realidade, representação sígnica e desenvolvimento sociocognitivo. Nosso 123 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

interesse é a construção dos sentidos. Marcuschi (2007) e Koch (2004) investem forças para evidenciar a integração entre verbal e não verbal, numa perspectiva sociocognitiva. A arte teatral e os seus sistemas semiológicos de significação serão, pois, ferramentas analíticas e modo de existência da aplicação do PET. A pesquisa estará teoricamente fundamentada em uma perspectiva interacionista, sociocognitivista de filiação interacional (e, portanto, multimodal) da linguagem e da cognição (TOMASELLO, 1999/2003; MARCUSCHI 2007; NORRIS, 2006; KOCH, 2004; SALOMÃO, 1999; MORATO, 2010; GOODWIN, 2003). No que tange às Artes Cênicas, tal perspectiva faz ressaltar que a construção de sentido é um processo que envolve dinâmicas, jogos teatrais e interação de várias ordens (linguagem e cognição, linguagem e outros processos de significação). É o que propõe Augusto Boal (2002, p.6) quando afirma que a linguagem teatral é a linguagem humana por excelência. Sobre o palco, atores fazem exatamente aquilo que fazemos na vida cotidiana, de uma maneira artificializada, reconduzida teatralmente. Este pressuposto, que relaciona práticas cotidianas e fazer teatral, ancora-se em três eixos simultâneos que investigaremos: i) interatividade; ii) coocorrência de semioses verbais e não verbais; iii) intersubjetividade (MORATO, 2010). Produzir um estudo que preveja a relação entre teatro e afasia de fato não é inédito, mas é muito recente no Brasil. Ao assumirmos o PET no CCA em 2004, seguimos para um fazer teatral que vai ao encontro da natureza semiológica do teatro, conforme defendida por Umberto Eco, porque a capacidade humana para produzir situações sígnicas desde o uso do próprio corpo até a formação, até a realização de imagens visuais, desenvolve-se aí [através da semiologia teatral] completamente – o teatro é o lugar de condensação e convergência de semióticas diversas (ECO, 1978, p.13). O teatro será o instrumento no qual a arbitragem interdisciplinar entre a Linguística, a Neurolinguística e a Semiótica se deixará ver. Quanto à estrutura de análise multimodal de dados, estaremos ancorados em Norris (2006), autora que, por meio do conceito de densidade modal , assinala que semioses coocorrentes não comparecem sempre com a mesma intensidade. (2006, p. 401-421). Palavras-chave: Teatro, afasia, multimodalidade, interação, sociocognição, semioses.

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Lívia Helena Moreira e Silva (UNICAMP) UNIDADE E DIVERSIDADE: OS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS E OS SENTIDOS DA LÍNGUA NACIONAL O presente trabalho compreende as formulações iniciais de um estudo em desenvolvimento no mestrado. Situado no programa História das Ideias Linguísticas, que, no Brasil, explora a produção do saber metalinguístico na relação com a construção da língua nacional, assumimos nele a posição da análise de discurso, pensando o conhecimento como um discurso, portanto, sujeito a equívoco, dando lugar a diferentes filiações teóricas, historicamente marcadas e ideologicamente comprometidas. Em uma perspectiva materialista, levamos em conta o simbólico em sua relação com o político, “pensando a língua, os que a falam, a sociedade que o constituem e o próprio funcionamento do Estado, com suas jurisdições e sua relação com a ciência” (E. Orlandi, Língua e conhecimento linguístico, p.10); tudo isso sem ignorar, é claro, as especificidades do caso brasileiro, que derivam da colonização e da imposição da língua em um território diverso. Considerando, assim, a língua falada no Brasil enquanto portadora de uma identidade que E. Orlandi chama de dupla – é a mesma que a falada em seu país de origem, mas se historiciza de maneira singular em sua relação com a formação do novo país que a abriga –, tratamos a produção do conhecimento sobre ela como uma das formas da relação entre a unidade e as diferenças no território nacional e frente aos colonizadores portugueses. Essa relação histórica, ao mesmo tempo tensa e necessária, entre unidade e diversidade é reveladora do caráter heterogêneo e móvel dos sentidos produzidos sobre o idioma e tem como lugar material de sua realização as políticas linguísticas, que sustentam as formas institucionais de nossa relação com a língua. De fato, as condições de existência da língua nacional e do Estado são determinadas pela relação tensa entre a forma logicista de um sistema jurídico que fixa a unidade e a forma sociologicista de uma absorção politicamente negociada da diversidade. Dentro dos estudos da linguagem, “onde o logicismo enuncia leis e constrói uma teoria gramatical, o sociologismo efetua uma descrição, fazendo um estudo empirista dos dados” (E. Orlandi, Língua brasileira e outras histórias, p.161). Assim, buscamos investigar, de maneira específica, a tensão entre unidade e diversidade presente em trabalhos desenvolvidos na conjuntura das décadas de 1960/1970 no âmbito da então recémconsolidada ciência linguística brasileira, a fim de compreender como se dá a produção de sentidos do termo língua portuguesa a partir do momento em que surgem esses estudos que investem na descrição, na sincronia, na forma, na língua utilizada pelos falantes nas situações 125 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

sociais as mais variadas, visando instaurar e estandardizar os diversos usos da língua, obliterados na representação sociocultural da língua portuguesa pelo logicismo, que faz crer que a variação não existe, ou melhor, que não deveria existir. Pensando a questão do sentido, é possível dizer que os instrumentos linguísticos, base do saber metalinguístico nas instituições escolares, fixam um imaginário de sentidos para a língua com o qual o sociologismo busca romper pelo reconhecimento da variação linguística concreta. É exatamente esse movimento de sentidos que nos interessa investigar, já que ele não é nem tão nítido nem automático como se pode pensar. Buscamos verificar, então, por meio de uma abordagem crítica da teoria ancorada à teoria materialista do discurso, se e como o acontecimento histórico que constitui a entrada da sociolinguística no cenário científico dos estudos da linguagem no Brasil produz uma movimentação significativa na cadeia significante que estrutura os sentidos da língua nacional. Para tanto, a mobilização de conceitos como acontecimento, formação discursiva e memória/interdiscurso (presentes em trabalhos de M. Pêcheux e E. Orlandi) é fundamental no tratamento de nosso arquivo. As questões da ética e do silêncio, tal como desenvolvidas por E. Orlandi, tampouco ficam de fora deste trabalho, para o qual mostra-se muito positiva também a distinção entre língua fluida e língua imaginária proposta pela mesma autora. Palavras-chave: Unidade, diversidade, língua nacional, sociolinguística, análise do discurso. Lorenna Bolsanello de Carvalho (UFMG) A PRÁTICA DA ORALIDADE EM LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO MÉDIO As orientações atuais para o ensino de língua portuguesa colocam o texto como fundamental objeto de ensino. Assim, para a formação de estudantes que possam utilizar a língua com segurança em diversos contextos de atuação, é necessário que sejam analisados e produzidos textos, em sala de aula, nas duas modalidades da língua: oralidade e escrita, em variados gêneros textuais, com maior atenção aos formais e públicos. Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo principal analisar as propostas de produções textuais orais em livros didáticos de língua portuguesa do ensino médio, para perceber até que ponto essas atividades de produções de gêneros orais podem contribuir para a formação de estudantes proficientes em sua língua, capazes de se expressarem em contextos formais e públicos na modalidade oral. A escolha pela pesquisa sobre oralidade justifica-se pela pouca quantidade de trabalhos referentes a essa modalidade da 126 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

língua em comparação com a grande exploração da escrita em trabalhos acadêmicos da área, além da constante denúncia da pouca importância dada à modalidade oral da língua nas aulas de português – resultado de uma visão dicotômica das relações entre oralidade e escrita, segundo a qual a escrita é percebida como modelo de produção textual, relegando à oralidade o caos na comunicação. A pesquisa apresentada, por sua vez, insere-se em uma perspectiva das relações entre oralidade e escrita baseada em um continuum de gêneros textuais, buscando perceber as modalidades da língua como complementares, de forma que ambas possuem sua faceta formal e informal, a depender do circuito comunicativo no qual se produz o texto. A pesquisa apresenta como linha de orientação as teorias da Linguística Textual, em sua corrente sociointeracionista, que possui como importantes autores Marcuschi, Koch, Dolz e Schneuwly. Para essa corrente de estudos da linguagem, a língua é percebida como atividade social – sem desprezar os aspectos de estrutura e cognição inerentes a ela – que precisa ser analisada em relação aos contextos socioculturais e históricos aos quais está submetida no ato de comunicação. Entretanto, leva-se em consideração, neste trabalho, uma perspectiva que busca minimizar os mitos e preconceitos formados por uma visão estritamente dicotômica das relações existentes entre fala e escrita. A escolha do corpus da pesquisa levou em consideração a importância do livro didático para o professor, que inúmeras vezes utiliza esses manuais didáticos como guias para a sua prática docente, relegando ao livro didático as tarefas de planejamento e de organização dos conteúdos a serem ministrados. Elegendo o material didático que mais se aproxima do seu saber-fazer, o docente, na escolha dos livros que serão utilizados em sala de aula, revela o reflexo da perspectiva de ensino que possui. Uma mudança nas orientações e na metodologia dos livros poderia, assim, provocar uma mudança ampla e efetiva na prática de uma grande parte dos professores de língua materna. Com relação à metodologia do trabalho, a pesquisa propõe analisar duas coleções de livros didáticos do ensino médio, nas seções destinadas à produção de textos orais, aos gêneros, à concepção de língua e às orientações gerais para que se possa realizar a atividade proposta em sala de aula. A pesquisa procura responder às seguintes perguntas: quais as orientações apresentadas aos estudantes sobre a oralidade nos livros didáticos analisados? Quais os gêneros principais trabalhados? Esses gêneros são representativos das ações públicas e formais das quais os estudantes farão parte em sua vida como cidadãos? Qual a concepção de língua que está implicitamente colocada nas propostas de ensino dos gêneros orais? Nesta pesquisa, pretende-se, então, analisar as propostas de produção de textos orais nos livros didáticos de ensino médio, tendo como suporte teórico os 127 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

pressupostos da perspectiva sociointeracionista da Linguística Textual, que percebe a língua como interação e que propõe que a oralidade e a escrita se apresentem em um continuum de gêneros textuais. Palavras-chave: Oralidade; texto; livro didático; ensino; Linguística Textual. Luana Ferreira de Souza (UNICAMP) O PORNÔ FEMINISTA: MODOS DE PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO Esta pesquisa tem como objetivo analisar, pelo dispositivo da Análise do Discurso materialista, os modos de funcionamento dos discursos de/sobre a pornografia feminista, focalizando a produção e circulação dos filmes pornôs inscritos nessas discursividades. Desejamos compreender, na perspectiva analítica que adotamos, o trabalho simbólico da contradição no projeto pornográfico feminista, o funcionamento da resistência em diferentes percursos da fronteira do dizer e o processo de (des)identificação dos sujeitos em relação a essas produções. A nossa proposta de trabalho surge da constatação de um modo de antagonismo/embate de posições no interior do debate feminista em relação à produção e circulação da pornografia. Diante desse quadro, a realização deste trabalho permitirá compreender as condições de produção que permitiram com que as falhas, no interior da discursividade do movimento feminista, dessem visibilidade a uma forma de antagonismo no modo pelo qual a produção e a circulação da pornografia “subordinam” ou “empoderam” a imagem da mulher. Nesse cenário, percebemos que o ponto de tensão é a maneira como a sexualidade feminina tem sido representada na pornografia. Como bem pontuou Scott, em entrevista concedida à Revista Estudos Feministas, a sexualidade é um tema de complicação para o movimento feminista uma vez que põe em pauta saberes que, aparentemente, estão em litígio. Adentrando nessa problemática, propomos com este trabalho um estudo, pelo viés discursivo, que nos permita compreender as relações da discursividade da pornografia com a discursividade feminista, dos efeitos de sentidos dos dizeres envolvidos na produção e circulação dos filmes pornôs de/para mulheres. Analisar, nessa perspectiva, os modos de funcionamento da ordem do discurso pornográfico no interior do movimento feminista coloca em jogo a rede de filiações sócio-históricas que subjazem às práticas da sexualidade do sujeito mulher em seu(s) processo(s) de (des)identificação com as formação(ões) discursiva(s) na(s) qual(is) tal sujeito pode estar ancorado para (se) significar. Diante disso, é interessante adentrar nessa discussão chave para o feminismo para 128 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

justamente compreender como essas discursividades funcionam pela negação do discurso do outro, logo operam no lugar da oposição, buscando perceber se há pontos de encontro e desencontro entre elas. Em outras palavras, julgamos interessante investigar não só o funcionamento dos discursos pró e anti pornô que ocorrem no seio do feminismo, mas também (e principalmente) a possibilidade de imbricação desses discursos. É o modo como os dizeres em torno do pornô para mulheres são significados que faz com que este trabalho seja proposto como um gesto de interpretação dessa discursividade. A nossa proposta permite compreender, então, como a produção de sentidos do discurso pornográfico de orientação feminista busca causar uma ruptura com os sentidos dominantes do pornô e faz emergir outras significações. Logo, outras possibilidades de ancoragem de identificações no e para os sujeitos. Para tanto, a questão pontual é: quais os sentidos de sexualidade, corpo e pornografia que essa discursividade engendra? Da qual surgem outras: quais as implicações que a discursividade pornográfica feminista instaura no imaginário político do feminismo? A pornografia feminista reitera um lugar tido como de subordinação feminina ou se coloca como um lugar da experiência feminina na vida pública? Na discursivização do pornô feito para/por mulheres, quais os sentidos de uma produção feminista? Para o empreendimento proposto, o nosso objeto analítico é constituído de natureza heterogênea tanto no que diz respeito ao seu material simbólico quanto à sua circulação social. O nosso corpus, então, está centrado nos dizeres sobre a produção e consumo de filmes pornôs feminista (as entrevistas e matérias com as cineastas pornógrafas, os manifestos anti e pró-pornô feminista, sites e/ou blogs das cineastas e das feministas que discutam sobre o tema), bem como nos filmes que estejam não apenas nas tramas da web, como também em outros meios de circulação. Palavras-chave: Análise do Discurso; Pornografia feminista; Feminismo Luciana de Carvalho (UNICAMP) POLÍTICAS DE LÍNGUAS EM MATERIAIS DIDÁTICOS DE ESPANHOL DA ÁREA DE COMÉRCIO EXTERIOR O Comércio Exterior, atrelado ao avanço da globalização, tem colocado uma nova situação para a língua espanhola, no contexto latino-americano de negócios. Essa situação foi motivada, prioritariamente, pelo surgimento do MERCOSUL, integração regional que, na década de 90, promoveu uma nova reconfiguração geoestratégica regional, uma diluição entre as fronteiras dos países 129 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

membros do bloco e a aproximação do Brasil com o mundo hispânico da América em termos econômicos, políticos, sociais e culturais. Frente a isso, houve maior circulação de informação, de mercadorias, de pessoas e a demanda pelo conhecimento da língua e da cultura de origem hispânica por parte de empresas de negócios no Brasil. Tais eventos afetaram de modo particular a sociedade e o sujeito. Instituições de Ensino Superior adotaram em sua grade curricular a disciplina de espanhol em seus cursos, passou-se a discutir a obrigatoriedade de ensino desse idioma em escolas brasileiras, houve a criação de congressos, eventos científicos e cursos de formação de professores, a mobilização de agências de cooperação com oferta de bolsas de estudos de língua espanhola para brasileiros, investimentos de editoras estrangeiras na produção de materiais didáticos para o ensino do espanhol como língua estrangeira no Brasil. Uma relação estreita entre língua, Estado e Mercado. Tomando como ponto de partida materiais didáticos de espanhol direcionados aos negócios, verificamos que existe uma política linguística no sentido de fazer circular essa língua no espaço empresarial, enquanto língua das relações comerciais internacionais, isto é, como necessária ao sujeito contemporâneo dos séculos XX e XXI, para realizar transações comerciais interculturais, possibilitar a compreensão da cultura, dos valores e das expectativas da pessoa com quem se vai negociar e fechar negócios. Entretanto, ao verificarmos os materiais de espanhol/língua estrangeira (E/LE) em circulação no mercado brasileiro de línguas, observamos que, em sua maioria, são de autoria espanhola. Há poucos materiais de autoria brasileira e hispano-americana. Fato contraditório se pensarmos na determinação do MERCOSUL com relação ao espanhol. Considerando como objeto de estudo a língua espanhola em circulação na área de Comércio Exterior, esse projeto de pesquisa visa debater as seguintes questões: qual o espaço da língua espanhola no contexto da área de Comércio Exterior? Como passa a circular essa língua nesse novo espaço enunciativo? De que modo intervêm o Estado e o Mercado nessa língua? Como se constrói essa língua nos materiais didáticos de negócios/instrumentos linguísticos em questão? O que está acontecendo historicamente com o espanhol para circular dessa forma? Nosso objetivo é investigar o funcionamento discursivo do espanhol/língua estrangeira (E/LE) em materiais didáticos da área de Comércio Exterior, em circulação no mercado editorial brasileiro, que permitem que o espanhol passe a circular como língua de negócios, a partir da configuração do MERCOSUL e das iniciativas de políticas linguísticas instituídas pelo Estado Espanhol, nos anos 90, no sentido de promover essa língua. Para tanto, ao concentrar-nos na língua espanhola, consideraremos: a.) a área de Comércio Exterior e sua relação com o espanhol; b.) o MERCOSUL como espaço enunciativo 130 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

dessa língua; c.) o discurso de instâncias políticas no sentido de promover o espanhol como língua de negócios; d.) a produção e a movimentação de materiais didáticos de espanhol direcionados aos negócios no Brasil. Nesse sentido, tal trabalho se inscreve no campo teórico-metodológico da Análise de Discurso (AD), de base materialista, na sua relação com o projeto História das Ideias Linguísticas (HIL) no Brasil. Ao partirmos dessa perspectiva, consideramos o conceito de gramatização como o processo de instrumentalização de uma língua através de gramáticas e dicionários. Em nosso caso específico, a instrumentalização do espanhol/língua estrangeira (E/LE), através de materiais didáticos da área de negócios. Palavras-chave: Língua, Estado, Mercado, Política, Discurso. Maísa Sancassani (UNICAMP) A RESOLUÇÃO DE AMBIGUIDADES SINTÁTICAS POR CRIANÇAS E ADULTOS EM PRESENÇA DE PROPRIEDADES LEXICAIS E CONTEXTOS REFERENCIAIS TENDENCIOSOS Uma corrente predominante da psicolinguística assume a linguagem como um módulo autônomo e encapsulado (Jerry Fodor, Modularity of Mind), imune a outros sistemas como o visual ou perceptual. Sob este ponto de vista, o parser usa uma porção do seu conhecimento gramatical isolado do conhecimento do mundo e de outras informações para a identificação inicial das relações sintagmáticas (Marcos Maia e Ingrid Finger, Processamento da Linguagem). Stephen Crain e Mark Steedman, em “On not being led up the garden path: The use of context by the psychological parser”, conduzem experimentos que demonstram que o processamento linguístico, na verdade, pode prestar atenção ao contexto dos referentes de uma sentença e postulam o Princípio Referencial, segundo o qual, em situação de estruturas em competição, o parser prefererirá a análise sintática com o menor número de pressuposições não satisfeitas. Michael Tanenhaus e colaboradores (Integration of visual and linguistic information in spoken language comprehension), em um estudo com instruções verbais e contextos reais, descobriram que se adultos ouvissem sentenças temporariamente ambíguas como “Coloque a maçã no guardanapo na caixa” ao mesmo tempo em que eram apresentados a contextos visuais tendenciosos, eram influenciados pela informação referencial logo no estágio inicial do processamento. Tendo sua interpretação baseada em informações perceptuais, os participantes evitavam labirinto e não realizavam qualquer tipo de reanálise. Os autores concluíram que as estratégias de processamento são guiadas por 131 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

princípios sintáticos, mas a presença de contextos referenciais salientes é capaz de gerar estruturas alternativas, demonstrando a atuação do princípio referencial. John Trueswell e colaboradores, em “The kindergarten-path effect: studying online sentence processing in young children”, investigaram o desenvolvimento deste princípio e aplicaram teste semelhante a crianças e adultos. Seus resultados com o grupo controle replicaram aqueles do teste anterior, porém as crianças mostraram-se incapazes de fazer uso da informação referencial. Elas ignoraram a informação do contexto visual e fizeram adjunção-VP em todos os casos. Além disso, suas ações indicaram que elas nunca revisavam esta análise equivocada. Os autores concluíram que as crianças de 5 anos não são sensíveis ao princípio referencial e baseiam suas decisões de processamento em princípios sintáticos, como Aposição Mínima, ou no viés lexical do verbo envolvido na ambiguidade. O achado do Efeito Kindergarten-path, ao defender que crianças processam ambiguidades de maneira distinta da dos adultos, apresenta-se como um contra-argumento para a Hipótese da Continuidade (Stephen Crain, Language acquisition in the absence of experience), segundo a qual crianças e adultos dispõem dos mesmos mecanismos cognitivos no processamento linguístico, incluindo princípios linguísticos e princípios de parsing durante todas as fases do desenvolvimento. Neste trabalho, exploro este instigante campo do processamento infantil, propondo um experimento com crianças de 5 anos (grupo experimental) e adultos (grupo controle) a ser realizado por meio do Paradigma do Mundo Visual, em que o movimento do olhar é monitorado enquanto participantes manipulam objetos em resposta a instruções verbais. Os participantes ouvirão instruções contendo ambiguidades totais como “Faça cócegas na boneca com a bandeira” em que o sintagma preposicionado pode ser adjungido ao verbo (interpretação de instrumento) ou ao objeto da sentença (interpretação de modificador). Em nosso caso, a resolução da ambiguidade poderá ser influenciada por dois fatores distintos: a) o viés lexical dos verbos contidos nas instruções – informação estrutural; evidência de baixo nível – ou b) o contexto visual – informação referencial; evidência de alto nível –, que será manipulado através de diferentes arranjos de objetos em uma plataforma. Este experimento nos permitirá obter medidas do processamento final das sentenças, revelado pelos gestos dos participantes em respostas às instruções, bem como medidas do processamento em tempo real, obtido através do rastreamento ocular dos participantes. Nosso objetivo é verificar se informações não linguísticas são capazes de interferir no processamento sintático e, em caso positivo, se são igualmente processadas em todas as fases do desenvolvimento linguístico. Para o grupo controle, esperam-se resultados em que a interpretação seja influenciada tanto 132 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

pela cena referencial quanto pelo tipo de verbo. As crianças, entretanto, deverão construir estratégias de parsing derivadas amplamente de seu conhecimento sintático/semântico dos verbos individuais. Neste caso, elas recrutariam gradualmente o princípio referencial ao longo do desenvolvimento e isso poderia refletir uma curva de lento aprendizado para esta regularidade discurso-sintática, que é menos consistente e mais difícil de localizar durante a compreensão do que as propriedades lexicais. Nossa hipótese é que o indivíduo experimente mudanças quanto ao uso de informações para o processamento linguístico ao longo de seu desenvolvimento. Esta visão é legitimada por uma perspectiva lexicalista (Maryellen MacDonald et al., The lexical nature of syntactic ambiguity resolution) em que múltiplas informações competem para a geração de uma interpretação. A teoria prevê que, durante o desenvolvimento do parser, informações estruturais, como o viés de verbos, emergem mais cedo e de maneira mais robusta do que outros tipos de informação. Palavras_chave: Ambiguidades sintáticas; desenvolvimento linguístico; processamento infantil Mariana Pini (UNICAMP) JÚLIO CÉSAR E O PAPEL DA LÍNGUA LATINA NO BELLUM GALLICUM É importante termos em mente que a cultura letrada latina estava apenas em seu começo quando Júlio César escreveu seus Commentarii. A defesa do general de uma forma restrita de oratória regida por regulamentos racionais tinha por objetivo a padronização de expressões oratórias. A língua grega era ainda o meio mais comum de composição da prosa artística em Roma até esse período. Trata-se, portanto, de uma época de vívido debate sobre as Letras romanas: o poder exercido por oradores e outros escritores através da prosa não dizia respeito apenas a uma questão puramente estética, mas, principalmente, à necessidade de pensar cuidadosamente sobre como esses escritores poderiam se expressar em relação à sociedade romana. Desse modo, não é surpreendente que um autor como Júlio César pudesse conseguir seu espaço na defesa de seu estilo de prosa em meio a tantos oradores romanos talentosos. O deslocamento teórico estabelecido pela sua obra De analogia parece ter sido notado pelas próprias fontes mais próximas ao período de sua composição, que reconheceram sua relevância não apenas no campo estritamente gramatical, mas na construção de um modelo de eloquência baseado em um uso consciente e racional da língua. A teoria sobre analogia diz respeito à proscrição de irregularidades linguísticas através da 133 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

assimilação de formas verbais ou gramaticais complexas por equivalentes mais simples. A nosso ver, a preferência pela simplicidade e regularidade na prosa estava estritamente relacionada, no caso de César, a sua filiação à retórica aticista em oposição à prosa asianista – em voga no período em que iniciou seu aprendizado sobre o ofício oratório. Considerando o latim de César em seu contexto linguístico e literário, podemos notar um constante controle tanto sobre a língua quanto sobre o conteúdo que o próprio César deliberadamente enfatiza em seus commentarii: o nacionalismo presente na obra diz respeito não só sobre como César controla seu discurso, mas também como controla o mundo ao seu redor através de seu discurso. Os oito livros De Bello Gallico reivindicam a coragem pessoal de Júlio César, bem como sua grande força e liderança, colocadas a serviço do Senatus Populusque Romanus. O autor aproveita a oportunidade do Bellum Gallicum para depreciar os três grupos étnicos abordados em sua obra – aquitanos, celtas e belgas: os inimigos de Roma eram considerados ingratos em relação aos privilégios que a gratia romana lhes conferia (De Bello Gallico, 1.35.2). Assim, o estadista se faz atento às potenciais ameaças aos interesses da res publica e, ao mesmo tempo, se mostra um grande defensor da dignitas e das tradições do populus romanus. Acreditamos que a imagem de César na história romana foi recriada a partir de suas conquistas enquanto general vitorioso descrito no Bellum Gallicum. O prestígio político exercido por Roma fez com que outras comunidades se sentissem encorajadas a imitar leis romanas mesmo quando não lhes era exigido. Além disso, muitas dessas outras cidades também passaram a moldar suas magistraturas de acordo com as de Roma, buscando trocas econômicas cada vez maiores. Para Júlio César (De Bello Gallico 1, 1, 2), a língua constituía, assim como as instâncias políticas e as leis, uma característica fundante da identidade de um povo. Desse modo, a propagação da língua falada em Roma acaba sendo vista como um modo de inclusão nas estruturas administrativas do Estado; em outras palavras, o conhecimento do Latim seria uma condição prévia para a conquista da ciuitas. Sendo assim, nosso objetivo é investigar como a propaganda de César pode ter ajudado no convencimento de que ele teria sido o principal responsável por uma espécie de unificação, principalmente linguística, da península itálica através de seu respeito a etnias tradicionais. É neste contexto mais amplo de Romanização, que pretendemos tecer breves considerações acerca do programa de unificação linguística estabelecido por uma das mais importantes figuras públicas de Roma. Palavras-chave: Estudos Clássicos; Júlio César, De Bello Gallico; Romanização; Latim

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Marina Peixoto Soares (UNICAMP) A ESTRUTURA DRAMÁTICA DA COMÉDIA \"AS RÃS\", DE ARISTÓFANES Nossa pesquisa de mestrado propõe a revisão da tradução da comédia \"As Rãs\", de Aristófanes, realizada durante nossa pesquisa de iniciação científica, e a análise da peça com base nos comentários mais recentes sobre a obra do comediógrafo. Aristófanes viveu durante a segunda metade do século V a.C., em Atenas, e é o único autor da comédia grega antiga cuja obra nos é acessível. Dentre as quarenta peças que o poeta teria escrito, onze comédias foram preservadas até nossos dias. As obras de Aristófanes se enquadram dentro do gênero da comédia grega antiga, que apresenta características próprias e uma estrutura formal rígida, porém frequentemente alterada ao longo das obras do autor que nos são disponíveis para análise. A comedia \"As Rãs\" foi representada pela primeira vez em 405 a.C, nas Leneias, e obteve o primeiro lugar na competição cômica. Nesse período, tanto a situação de Atenas como a da poesia trágica era de decadência. Atenas guerreava há mais de vinte anos contra Esparta e, alguns meses após a apresentação da peça, é sitiada e perde a guerra. Com relação à tragédia, o poeta Eurípides havia morrido no inverno de 406/7 a.C e logo depois, entre o inverno de 406 a.C. e o início de 405 a.C., Sófocles também morre. O personagem central de \"As Rãs\" é Dioniso, o deus do teatro e dos festivais dramáticos. No início da peça, Dioniso visita Héracles, acompanhado de seu escravo Xântias, para lhe perguntar como chegar ao Hades. Dioniso explica que sentiu um súbito desejo por Eurípides ao ler uma de suas tragédias, \"Andrômeda\", e por isso pretende trazer o poeta de volta a Atenas. Dioniso e Xântias prosseguem viagem e encontram Caronte, um coro de rãs, uma criatura maligna, o coro dos Iniciados e alguns serviçais do Hades, com quem protagonizam uma série de cenas cômicas. Já no palácio de Plutão, Xântias descobre, em conversa com um escravo, que uma disputa acontece no submundo: Eurípides, ao chegar ao Hades, teria clamado pelo trono da poesia que estava sob a guarda de Ésquilo, considerado o melhor na arte até então. Plutão decide realizar uma competição entre os poetas para julgar sua habilidade artística, designando Dioniso como juiz. O restante da peça é dedicado à disputa dos tragediógrafos. Ésquilo e Eurípides criticam e parodiam os prólogos e a parte lírica de suas tragédias e, por fim, submetem versos isolados à pesagem em uma balança. Embora Ésquilo ganhe a cena da pesagem, Dioniso é incapaz de tomar uma decisão. Plutão o pressiona a escolher um dos poetas, prometendo-lhe como recompensa levar o vencedor de volta a Atenas. O deus, então, propõe duas questões sobre a política ateniense. As respostas dos 135 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

poetas não são suficientes para a decisão de Dioniso, que afirma, por fim, que escolherá o que seu coração mandou: Ésquilo. É provável que Aristófanes já estivesse em um estágio avançado de composição de \"As Rãs\", ou até mesmo ensaiando a peça quando Sófocles morreu, e por isso o autor teria sido obrigado a modificar algumas partes do texto, uma vez que a peça faz referência aos grandes poetas do cenário ateniense. O desenvolvimento dramático da comédia teria gerado um estranhamento entre os críticos, considerando que a peça se iniciaria com Dioniso indo buscar Eurípides, tema que só seria retomado ao final, com a fala de Plutão pressionando o deus, que acabaria escolhendo Ésquilo, e não Eurípides. Os eventos históricos relacionados à morte de Sófocles juntamente com o estranhamento dos críticos geraram a hipótese de que \"As Rãs\" seria a combinação imperfeita de dois temas diferentes (Kenneth Dover, Aristophanes Frogs, p.6-9). Segundo essa hipótese o tema original da peça teria sido a disputa pelo melhor poeta do submundo e, após a morte de Sófocles, um novo tema teria sido introduzido, o da descida de Dioniso ao Hades em busca de um bom poeta. Pretendemos, nessa comunicação, apresentar algumas hipóteses interpretativas da crítica moderna a respeito da estrutura dramática da peça que apresentaria, de um modo geral, unidade estrutural e um desenvolvimento dramático lógico, de acordo com pontos de vista diversos. Destacamos, em especial, os temas da salvação da cidade e da tragédia, do papel do poeta na sociedade grega clássica e da oposição entre o passado glorioso e o presente que se deteriorava, representados respectivamente por Ésquilo e Eurípides (tema recorrente na obra de Aristófanes). A análise busca, dessa forma, compreender a peça através de um desenvolvimento temático em contraposição à hipótese de parte da crítica, que considera a unidade da peça a partir do desenvolvimento interno do caráter do personagem Dioniso, e que se fundamentaria, segundo a interpretação de Dover (Aristophanes Frogs, p.42), na aplicação de categorias modernas da literatura para a análise da comédia antiga. Palavras-chave: Aristófanes; As Rãs; estrutura dramática; comédia grega antiga; teatro grego; Priscilla Barbosa Ribeiro (USP) A ORDEM DE CONSTITUINTES SENTENCIAIS EM TEXTOS DE ESCOLAS PAULISTAS DA 1ª REPÚBLICA A ordem de constituintes sentenciais no português do Brasil tem sido objeto de estudo em recorte sincrônico e diacrônico e sob diferentes perspectivas teóricas. Um dos resultados mais intrigantes foi a 136 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

descoberta da correlação entre a colocação do sujeito e a do clítico de maneira que a gramática que favorece a posição pós-verbal do sujeito tende a favorecer o emprego da ênclise. Estudos linguísticos diacrônicos apontam que a interdependência desses fatos revelou-se na significativa redução da ordem verbo-sujeito (VS) e de estruturas enclíticas no PB, atualmente restritas a contextos estruturais específicos, adquiridos principalmente por meio da escolarização. Neste trabalho, a posição do sujeito e do clítico será analisada em textos produzidos em âmbito escolar, justamente em período relevante na mudança da ordem dos constituintes sentenciais. Pautando-nos no contexto sóciohistórico e cultural de São Paulo no início do século XX focalizaremos duas instituições educacionais: a Escola Normal da Capital (EN), que, embora atendesse alunos e alunas, se consolidava na formação de educadoras; e o Ginásio do Estado de São Paulo (GE), voltado à preparação de jovens rapazes para o estudo superior. Analisando as produções textuais de professores e dirigentes dessas duas instituições, notadamente em atas produzidas em âmbito interno, visamos identificar propriedades linguísticas vinculadas a cada instituição, considerando as diferenças de formação de seus sujeitos e a distinção de gênero existente na base de sua estrutura. A análise incide sobre os anos de 1901 a 1920, momento que apresenta unidade histórica com o período final do século XIX (Ângela Costa & Lilia Schwarcz, 1890-1914, p. 14), no sentido de que esta época foi marcada por concepções e práticas que se estenderam para além das marcas do calendário. Ainda que se trate, formalmente, do século XX, o período recortado apresentou-se, em muitos aspectos, semelhante ao século precedente. O espírito de época, característico do século XIX, teria se alterado somente com o advento da Primeira Guerra Mundial, em 1914, a partir da qual valores e concepções então vigentes se reformularam de forma mais significativa. Contudo, essa periodização não pode ser tomada de forma estritamente pontual, visto que as mudanças que a definem repercutem de modos e em velocidades diferentes nos espaços que atingem. Na educação paulista, a historiografia identifica para o período a concretização de iniciativas republicanas gestadas na Monarquia. Tomado por grande “entusiasmo pela educação” (Jorge Nagle, Educação e Sociedade na Primeira República, 1974), esse momento apresentou inúmeros debates e ações na área educacional e se estendeu até cerca de 1920. Tal contexto sócio-político coincidiu com a formação de um imaginário pró-República, dado que o novo regime necessitava se consolidar e conquistar adeptos. Esse processo foi encaminhado, entre outros processos, por meio da mitificação de instituições educacionais e do ensino público. Adotando a EN como carro-chefe da reforma e primeiro núcleo de suas ações efetivas, o discurso republicano propunha libertá-la de um passado ligado à 137 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Monarquia e ao catolicismo para transformá-la em instrumento de progresso, no caminho para a evolução da sociedade paulistana rumo à civilização - conforme o pensar da época (Maria Lúcia S. Hilsdorf, História da Educação Brasileira, 2003, p.60). Nesse momento de feminização do magistério e consolidação da classe normalista, é inaugurado o Ginásio do Estado de São Paulo, que se instala no antigo edifício da EN em setembro de 1894. A instituição passa a figurar ao lado da Escola Normal e entre as célebres escolas da capital no imaginário paulista, sendo efeito de um discurso de exaltação e construção social de uma imagem de qualidade do ensino público empreendido pelo propagandismo republicano. Esse contexto de construção da imagem do novo regime e de oposições diversas – individual e social, feminino e masculino, Escola Normal e Ginásio do Estado – apresenta marcas que tendem a transparecer nas relações entre língua e sociedade. Assim, buscaremos analisar as posições do sujeito e do clítico e sua variação no ambiente das duas instituições escolares considerando o fato linguístico em seu contexto de produção, e tendo em vista as relações pedagógicas, políticas e valores socioculturais nele implicados. A aliança entre pesquisa linguística e histórica aqui proposta faz-se necessária para dar conta de investigação e análise sobre ordem de constituintes baseada numa concepção de língua como instrumento de relações sociais, das quais é, ao mesmo tempo, produto e produtora. Para tratamento dos dados recorreremos à sociolingüística laboviana (1972), buscando analisar a língua do ponto de vista de seu funcionamento na sociedade e das relações que nela estabelece. Palavras-chave: posição do sujeito; posição do clítico; escola paulista; história social da língua. Rafaela Defendi Mariano (UNICAMP) MARCADORES DISCURSIVOS E SEQUÊNCIAS TEXTUAIS NOS PROGRAMAS “MANOS E MINAS” E “CONEXÕES URBANAS”: UMA ANÁLISE DAS AÇÕES DE TEXTUALIZAÇÃO EM PROGRAMAS MIDIÁTICOS Em nossa apresentação, temos como principal objetivo apresentar alguns primeiros resultados das análises desenvolvidas em nossa pesquisa de mestrado na qual investigamos os usos dos marcadores discursivos (doravante, MDs) pelos participantes de amostras do programa “Manos e Minas” e do programa “Conexões Urbanas”; e as relações desses usos com os tipos de sequências textuais e com os tipos de situações comunicativas nas quais os MDs são mobilizados. Esses programas midiáticos se constituem, a nosso ver, como “lugar 138 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

estratégico” na televisão brasileira, uma vez que “Manos e Minas” se coloca como um programa de representação e de valorização de um campo de não-prestígio social e cultural: a periferia, enquanto “Conexões Urbanas” é estruturado, a nosso ver, por princípios etnográficos, já que pretende observar o outro em sua vida na comunidade. Ambos os programas são, então, alternativos em relação aos produzidos na grande mídia, já que ambos têm uma abordagem etnográfica pouco comum, além de tratarem os temas dos pontos de vista dos próprios sujeitos que são tematizados. Em função do nosso objetivo ser de demonstrar como um olhar para as ações de textualização empreendidas pelos sujeitos participantes de dois programas midiáticos pode nos auxiliar na percepção da estruturação composicional dos textos analisados, selecionamos como dispositivos analíticos uma unidade em nível linguístico (os MDs) e uma unidade em nível textual (sequências textuais). Consideramos que um olhar para essas unidades, quando articulado ao estudo acerca do gênero, pode nos auxiliar na percepção da relação dialética e indissociável entre os níveis macro e micro do contexto (William Hanks, “Língua como prática social: das relações entre língua, cultura e sociedade a partir de Bourdieu e Bakhtin”). Nossas conclusões apontam, até o momento, para a convergência existente quando se observa o programa “Manos e Minas” entre (i) o emprego de certas sequências textuais e os objetivos do programa (ao dar acesso a experiências e trajetórias pessoais dos sujeitos das periferias, por exemplo, as sequências narrativas representam o modo pelo qual os sujeitos dão voz, legitimam, reafirmam e, mais do que isso, exaltam a cultura da periferia); (ii) algumas sequências textuais e os papéis específicos dentro da estrutura de participação do programa: as sequências dialogais e descritivas são comumente empregadas pelo apresentador do programa, enquanto as sequências narrativas e argumentativas podem ser associadas à participação dos convidados (músicos/artistas e membros da plateia), já o emprego das sequências explicativas estaria a serviço do papel exercida pelos “especialistas” presentes nos quadros de orientação e conscientização; (iii) o alto uso de MDs interacionais e o desenvolvimento de sequências dialogais - o que revelaria, a nosso ver, reforço interacional dado por esses MDs e indicaria, como traço da estrutura composicional do programa, um forte caráter interacional e fático, no sentido de que os sujeitos procuram a cooperação e construção conjunta da interação; (iv) o uso dos MDs sequenciadores e as sequências narrativas; (v) o desenvolvimento de turnos mais longos e a incidência de MDs interacionais do tipo “checking” que, em sequências do tipo explicativa, narrativa e argumentativas, revelam a preocupação dos participantes em confirmar a aprovação por parte do interlocutor tanto do conteúdo mobilizado quanto da continuação 139 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

dos papéis que desempenham (falante/ouvinte). Esses resultados nos revelam, então, que a textualidade constitutiva de toda produção discursiva é plasmada pelas relações sociais estabelecidas entre os interactantes e que essa textualidade é radicalmente heterogênea. Também pudemos observar, até o momento, grandes diferenças nos usos dos MDs quando se compara os programas “Manos e Minas” exibidos nos anos de 2008 e 2009 em relação àqueles exibidos posteriormente, em 2011. Quantitativamente, pudemos observar uma redução bem significativa do uso dos MDs (199 e 130 em amostras do programa de 2009 e de 2011, respectivamente). Quando comparamos o uso entre MDs interacionais e sequenciadores, também podemos observar uma diferença significativa (102 (51%) e 51 (39%) ocorrências de MDs interacionais, respectivamente). Ainda temos muito o que investigar para dar conta dessas postulações, mas consideramos que a diferença em termos quantitativos dos usos dos MDs nas amostras já analisadas se deve às mudanças pelas quais o programa “Manos e Minas” passou a partir de 2010, quando há a redução e quase extinção dos quadros de cunho mais etnográfico nos quais os repórteres visitavam projetos e lugares da periferia e entrevistavam os sujeitos moradores desses lugares, caso do quadro “Buzão: circular periférico”; e a extinção da expansão do tópico das reportagens externas em entrevistas com participantes da plateia, o que propiciava a exposição dos pontos de vista desses sujeitos sobre as realidades retratadas e/ou sobre os relatos de suas próprias experiências. A nosso ver, o programa reduz significativamente a participação de sujeitos “comuns” das periferias e, assim, a exposição de suas trajetórias de vida, de seus problemas e de seus pontos de vista e isso se reflete, de alguma maneira, nas ações de textualização empreendidas pelos seus participantes. Palavras-chave: interação verbal; sequências textuais; marcador discursivo; gênero discursivo; programas midiáticos. Raphael Augusto Oliveira Barbosa (UNICAMP) A METÁFORA CONCEITUAL NOS MORFEMAS PARTE-DO-CORPO EM MATIS E MATSÉS (PANO) Este resumo tem como objetivo apresentar brevemente o resultado de uma análise sobre a metáfora conceitual em dois idiomas da família linguística Pano – o Matis e o Matsés. Com base nos trabalhos realizados por estudiosos dessas línguas, comparamos e analisamos brevemente as construções com os morfemas cujo significado básico especifica partes do corpo humano e suas extensões. Em termos gerais, esses morfemas 140 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

ocorrem à esquerda de raízes verbais, ou de maneira mais restrita, nominais (e adjetivais) para então formar bases de categoria lexical semelhante. A função básica desses morfemas, também interpretados como prefixos ou formas derivadas de incorporação nominal, é prover uma orientação locativa. Em geral, os falantes representam dois tipos de orientação; concreta e metafórica. Quando a referência do morfema é uma parte restrita do corpo humano, a orientação é concreta, pois designa um sentido mais específico e menos abstrato. Quando o significado é estendido para (partes de) entidades da natureza, objetos inanimados, e principalmente a relações espaciais abstratas, também expressadas por posposições em algumas línguas, ela é metafórica, pois designa um sentido menos específico e mais abstrato. Esses morfemas, em seu maior número, apresentam uma estrutura monossilábica do tipo (CV-). De modo geral, o significado e a forma desses segmentos se aproximam aos de nomes livres correspondentes, os quais ocorrem isolados na cadeia gramatical. Assim como os estudiosos dessas línguas apontam, essas formas monossilábicas ocorrem no início da raiz lexical de uma série de nomes. Esses nomes expressam sentidos semelhantes interpretados em um campo semântico cujo elemento de significado mais representativo apresenta o sentido mais geral e mais frequente. Nesse sentido, os morfemas em questão podem se referir a partes específicas do corpo humano assim como a referências menos concretas. Estas noções de espaço mais abstratas, também codificadas por posposições em algumas línguas, correspondem a extensões do significado concreto ou literal desses morfemas parte-do-corpo. Desse modo, analisamos essas formas como elementos gramaticais que os falantes das línguas Pano utilizam não somente de modo concreto, mas também abstrato em termos de cognição e experiências diárias representados pelo sistema metafórico-conceitual. A respeito do inventário dessas formas, em Matis há um conjunto de 28 e em Matsés de 30 morfemas parte-do-corpo. No geral, há uma média de 30 morfemas para cada língua Pano. Ademais, assim como nestas línguas, em Kashibo-Kakataibo há um tipo de morfema referente a conceitos aspectuais que modificam o significado da base anexada. De forma geral, estes morfemas são combinados por aglutinação e funcionam como modificadores de um significado potencial. Construções e funções como essas podem provavelmente ocorrer em grande parte das línguas Pano. Conforme publicações recentes, com aproximadamente 30 idiomas da família linguística Pano classificados, há cerca de 20 línguas faladas hoje em dia. Esta família é considerada a quinta maior da América do Sul, seguida das famílias Tupi-Guarani, Jê, Karib e Arawak. Seus falantes localizam-se em um território contínuo da Amazônia Ocidental, em termos gerais; leste peruano, oeste brasileiro e 141 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

norte boliviano. Os Matis habitam o noroeste amazônico brasileiro e contam com cerca de 400 indivíduos, e os Matsés vivem na Amazônia brasileira e peruana, contando com uma população de aproximadamente 1.600 indivíduos de acordo com descrições publicadas. Em termos tipológicos, os idiomas Pano são predominantemente sufixais e na maior parte apresentam tendência ao tipo estrutural sintético-aglutinante, principalmente em raízes verbais. São línguas ergativo-absolutivas, com ordem básica dos constituintes da oração, AOV/SV. Por fim, este texto corresponde a um recorte de minha pesquisa de Mestrado na qual analiso basicamente as categorias funcionais de metáfora e iconicidade semântica na morfologia lexical de um grupo de línguas da família Pano. Com isso, buscamos basicamente apresentar uma comparação de base funcionaltipológica nessas línguas e levantar novas hipóteses para futuros estudos a respeito destas construções e funções dentro e fora do grupo de línguas Pano selecionado. Palavras-chave: Matis; Matsés; Linguística Tipológica-Funcional; Morfemas Parte-do-corpo; Metáfora Conceitual. Raquel Faustino (UNICAMP) DIANTE DE VÊNUS: UMA DISCUSSÃO METAPOÉTICA SOBRE O GÊNERO DOS FASTOS. Uma característica marcante das obras de Ovídio é a forma como ele lida com os gêneros da literatura clássica romana. Poemas do gênero elegíaco representam quase a totalidade da obra ovidiana, mas o poeta brinca com as fronteiras desse gênero ao trazer, por exemplo, elementos épicos a suas obras. Essa maneira peculiar de lidar com diferentes gêneros da tradição latina fez com que estudiosos do poema-calendário Fastos se questionassem durante muito tempo acerca do gênero dessa obra. Hoje a maioria dos estudiosos parece ter chegado a um consenso: trata-se de uma elegia didática. É elegia por ter sido escrita no metro elegíaco, e é didática por termos ensinamentos sobre o calendário sendo transmitidos aos leitores da obra. No entanto, classificar os Fastos como uma elegia didática não significa desprezar elementos de outros gêneros que se encontram presentes nessa obra. O próprio poeta discute metapoeticamente o gênero dos Fastos, apresentando-os como uma obra de metro leve, o que poderia remeter o leitor a suas composições anteriores, mas de tema considerado muito elevado. Essa aparente inadequação entre metro e tema é discutida em trechos metapoéticos do livro II, nos quais o poeta procura exaltar a importância do conteúdo a despeito do metro escolhido, uma vez que 142 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

o dístico elegíaco, na tradição romana, era mais utilizado para tratar de temas considerados mais leves. Nessa caracterização metapoética, o poeta parece querer afastar os Fastos de tudo o que havia escrito até então, a saber, elegias amorosas. A despeito do metro utilizado, os Fastos, segundo sua caracterização metatextualmente construída, seria um poema de caráter próximo ao épico. Em trechos metapoéticos, o poeta dos Fastos insiste na importância moral dos assuntos abordados ao longo da obra, tentando obscurecer a presença constante de passagens de temática amorosa. O foco dado aos temas elevados nos revela um imenso esforço da persona poética em situar o poemacalendário acima das obras anteriores de Ovídio, distanciando-o de toda a temática amorosa que até então havia sido trabalhada pelo poeta. No entanto, qualquer leitor dos Fastos não deixa de perceber elementos característicos de poesias amorosas sendo apresentados e com certo destaque, dada a frequência e a extensão de passagens que tratam de temas amorosos. O poeta dos Amores, da Arte de Amar e das Heroides é o mesmo que agora se propõe a escrever sobre as festividades do calendário romano, a fim de louvar a família juliana. Por mais que o poema se apresente metatextualmente como uma obra muito singular e distante das composições amorosas ovidianas, o destaque dado a episódios mitológicos amorosos e ecos da poesia amatória do poeta nos sugerem que os Fastos não são assim tão diferentes das demais elegias escritas por Ovídio. A negação da temática amorosa que não deixa de estar presente na obra também se revela não apenas no discurso metapoético, mas também no tratamento dado à deusa Vênus ao longo do poema. Se nas obras anteriores a deusa do Amor era presença constante e obrigatória, nos primeiros livros dos Fastos a deusa é citada brevemente em umas poucas passagens, sem grande destaque. No entanto, quando o vate chega ao quarto livro de sua obra, livro dedicado ao mês de abril, tradicionalmente consagrado a Vênus, ele se vê obrigado a explicar sua escolha poética: por que Ovídio, famoso poeta de elegias amorosas, resolveu dar as costas à deusa que até então tanto cultuava em versos? Se o deus Jano já havia auxiliado o poeta a narrar sobre o mês de janeiro, no livro I; e Marte, sobre o mês de março no livro III; no livro IV, em abril, o vate precisa que Vênus lhe inspire a narrar sobre seu mês. Mas a deusa, ofendida, cobra explicações do poeta que, principalmente no livro II, havia negado a importância de sua obra amatória, reduzindo-a a mera brincadeira dos tempos de juventude. O vate, então, se vê obrigado a assumir, pela primeira vez na obra, o caráter amoroso dos Fastos, dizendo que a temática amorosa não estava tão distante de seu poema-calendário como seu discurso anterior nos levava a crer. Como veremos, o conflito do vate diante da deusa do amor espelha um conflito genérico presente na própria obra. 143 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Este trabalho se propõe, então, a comparar o proêmio do livro II dos Fastos, no qual o vate insiste em distanciar o poema-calendário de seus trabalhos anteriores, com o proêmio do livro IV, no qual o vate, diante de Vênus, vê-se obrigado a explicar suas declarações anteriores sob o risco de perder a proteção da deusa e a imensa ajuda que só ela seria capaz de lhe dar para que ele possa discorrer sobre o quarto mês do ano latino. Palavras-chave: Estudos Clássicos; Ovídio; Fastos; Metapoesia; Gênero. Renata Patrícia Correa Coutinho (UFSM) A TEXTUALIZAÇÃO DO POLÍTICO NO DISCURSO PUBLICITÁRIO O presente trabalho apresenta algumas reflexões iniciais que estamos realizando em torno do objeto empírico que tomamos como constituinte do arquivo de nosso estudo de doutoramento em desenvolvimento no PPGL/UFSM: o discurso publicitário audiovisual veiculado no Brasil para venda de automóveis, uma vez que nele observamos a interpelação do sujeito em indivíduo, ou seja, a individua(liza)ção do sujeito posto como responsável por suas escolhas e seu destino, tal qual propõe Claudine Haroche em Fazer dizer, querer dizer. Para consecução do estudo que aqui nominamos, elegemos a noção de arquivo como um “campo de documentos pertinentes e disponíveis sobre uma questão” (Michel Pêcheux, Semântica e Discurso, p.51), assim delimitamos um recorte temporal do ano de 2012 por ser este o período em que iniciamos nossas pesquisas; desde então, nosso trabalho tem se dado em um movimento pendular, um movimento de idas e vindas da teoria para o corpus, do corpus para o arquivo, do arquivo para a teoria, e assim sucessivamente, para a construção de um dispositivo teórico e analítico satisfatório (Verli Petri, Por um acesso fecundo ao arquivo, p.123). Diante disso, nosso arquivo deverá passar ainda por recomposições para que possamos constituir o corpus de análise sobre o qual realizaremos a leitura discursiva a que nos propomos em nossa tese. Todavia, esboçamos neste trabalho alguns questionamentos que temos realizado sobre os modos como ocorre o funcionamento do político na discursividade publicitária, quais os sentidos possíveis que se constituem a partir das mensagens elaboradas para a venda de automóveis e de que forma estas constituem a (con)formação de um imaginário sobre o que é ter um carro e o que é ter poder. Nossa pesquisa tem nos conduzido a observar que as mensagens publicitárias que constituem o nosso corpus engendram um referencial de sociedade em que ocorre uma naturalização das relações de poder sem que, no entanto, o sujeito se veja como 144 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

resignado diante de sua condição; embora em alguns casos sua posição seja a do subalterno, ainda assim há uma exploração da sua possibilidade de alternância à condição de dominador, em outras palavras, a noção de poder é apresentada como orgânica, natural e desejável, algo que por se tratar de uma sociedade capitalista talvez se coloque como um sentido evidente, transparente. Se não estivéssemos filiados a Análise de Discurso francesa, iniciada por Michel Pêcheux na década de 1960 e ressignificada no Brasil pelos trabalhos de Eni Orlandi entre outros pesquisadores, nossa tentativa de compreensão talvez se encerrasse por aqui. Entretanto, nos colocamos a partir dessa perspectiva teórica que nos convida a olhar o sentido político das materialidades discursivas. Do mesmo modo em que Pêcheux e seus colaboradores, questionaram as evidências do discurso político francês, nos colocamos na contemporaneidade, incomodados aos sentidos que configuram nossa sociedade sem que suscitem em muitos, os questionamentos que poderiam levar a “desuperficialização” dos sentidos tantas vezes pensados como evidentes. É porque não cremos na evidência dos sentidos que buscamos historicizar e entender o funcionamento de um discurso que pauta diversas vezes as discussões cotidianas e as práticas sociais que nos enveredamos pela análise discursiva da publicidade. Pois o confronto do simbólico com o político não está presente apenas no discurso político, mas em todo o discurso é possível observar o modo como as relações de poder são simbolizadas em uma sociedade dividida (Eni Orlandi, Discurso em Análise, p.55) e é isso que entendemos como o político em funcionamento: o jogo das relações de poder que se significam no/pelo discurso. Queremos ainda refletir sobre o modo como o discurso publicitário parece operar por meio de regularidades que atuam no sentido da naturalização da ideologia capitalista a partir de evidências discursivas que se afirmam na antropomorfização dos objetos de/para consumo e no fortalecimento da concepção de um sujeito contemporâneo posicionado como se fosse dono de si e dos rumos de sua vida, responsável por seu futuro quando na realidade está assujeitado e individualizado pelo Estado (Claudine Haroche, Fazer dizer, querer dizer). Palavras-chave: Discurso; publicidade; político; interpelação; relações de poder.

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Renata Regina Passetti (UNICAMP) DESVIANDO DA PRÓPRIA FALA: IMPLICAÇÕES PARA A VERIFICAÇÃO DE LOCUTOR NO CANAL TELEFÔNICO. A verificação de locutor pode ser afetada por aspectos relacionados à língua, como aqueles envolvendo dialetos, sotaques e disfarces vocais e também por aspectos exteriores a ela, como é o caso dos efeitos causados ao sinal da fala por aparelhos telefônicos e eletrônicos. Estudos relacionados aos efeitos de transmissões telefônicas interessam à prática da verificação de locutor, pois contribuem de maneira significativa para a compreensão das modificações acústicas e prosódicas ocorridas no sinal de fala e também para a percepção de oitiva, por testemunhas auditivas, deste sinal de fala modificado. Dessa forma, um estudo que contemple não só as modificações acústicas e prosódicas ocorridas no canal telefônico, mas também o estilo de fala ao telefone acrescenta à pesquisa em Fonética Forense, em desenvolvimento no Brasil, dada sua importância aos casos forenses reais que frequentemente envolvem amostras de fala de celulares. Diversas pesquisas em Fonética Forense estão relacionadas aos efeitos de transmissões telefônicas ao sinal da fala. Künzel (“Beware of the ‘telephone effect’: the influence of the telephone transmission on the measurement of formant frequencies”, 2001) analisou a influência das transmissões telefônicas sobre os formantes e descobriu alterações significativas nos valores de F1 entre os dois contextos de análise (gravações diretas e telefônicas) para todas as vogais estudadas, com valores maiores para as gravações telefônicas. Seguindo o trabalho deste autor, Byrne e Foulkes (“The ‘Mobile Phone Effect’ on Vowel Formants”, 2004) analisaram os efeitos da transmissão de telefones móveis na frequência dos três primeiros formantes. Os resultados encontrados seguiram, em parte, as descobertas de Künzel, porém com alterações maiores nos valores de F1 para as gravações via celular, diferença que os autores atribuíram às características do tipo de linha, neste caso, móvel ao invés de fixa, e a diferenças da distância física entre a boca e o receptor telefônico. Além disso, modificações nas frequências de F3 também foram atestadas para indivíduos que apresentavam valores maiores para este formante. A comparação entre os efeitos perceptuais e acústicos no sinal da fala em gravações “diretas” e “telefônicas” proporciona importantes contribuições aos estudos na área forense, bem como à compreensão de aspectos linguísticos, pois, por meio da prática de verificação de locutor, compreende-se o que é próprio de um indivíduo e o que é comum a outros sujeitos. Esta pesquisa tem como principal objetivo avaliar as modificações acústicas, prosódicas e segmentais na fala habitual de 146 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

indivíduos, através da análise dos efeitos causados por transmissões telefônicas via celular em comparação a gravações diretas. O corpus utilizado neste trabalho é composto por gravações de 10 locutores do sexo masculino, pertencentes à faixa etária de 20-25 anos, exibindo sotaque do interior do estado de São Paulo. As gravações de fala espontânea basearam-se na “tarefa de mapa”. Foi sugerido aos sujeitos que descrevessem o trajeto da Arcádia, no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, até o supermercado Pão de Açúcar, no centro de Barão Geraldo, Campinas. Os locutores deveriam elaborar suas descrições baseadas em imagens do trajeto e instruções sobre como chegar ao destino final, apresentadas a eles através de slides. As gravações foram realizadas simultaneamente, posicionando um microfone em frente aos sujeitos, enquanto falavam ao telefone. Serão estudadas técnicas de análise acústica envolvendo a análise dos três primeiros formantes, frequência fundamental (f0), ênfase espectral, frequência baseline e duração inter-picos de f0 presentes no discurso. O programa PRAAT será utilizado para a transcrição e segmentação das vogais orais do português brasileiro e, posteriormente, para a extração dos parâmetros por meio de scripts específicos. A significância dos parâmetros acústicos será avaliada através de um Teste t de Student de variáveis dependentes (nível de significância de 5%), com a finalidade de testar a hipótese nula de que não há diferenças significativas entre valores de parâmetros acústicos entre a gravação telefônica e a direta. Também será conduzida uma análise de variância (ANOVA), com o intuito de verificar se, para cada parâmetro analisado, as diferenças entre os valores de cada tipo de gravação diferem significativamente entre os sujeitos. O programa R (The R Project for Statistical Computing) será utilizado para condução dos testes estatísticos. Outro objetivo deste trabalho é estudar o estilo de fala no celular pela investigação de parâmetros acústicos em dois estilos distintos: o estilo natural de fala do sujeito e o estilo telefônico (modo de falar no celular), e relacionar tais parâmetros às possíveis pistas perceptuais usadas por ouvintes para a discriminação entre os dois estilos de fala (dimensão perceptiva). O estudo das pistas perceptuais de ouvintes terá como ponto norteador os resultados de um teste de percepção, cujo objetivo é analisar se os ouvintes são consistentes em discriminar amostras de fala com estilo de fala telefônico de amostras de fala com estilo de fala natural (regravadas no celular simulando uma gravação telefônica original), para, posteriormente, relacionar os parâmetros estudados à percepção dos ouvintes através de regressão linear. Palavras-chave: Fonética Acústica; Verificação de locutor; Fonética Forense; Canal telefônico; Distorção de sinal.

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Rogério Luid Modesto dos Santos (UNICAMP) SOBRE OPOSIÇÃO, CONTRADIÇÃO E OS MODOS DE RESISTIR: REFLEXÕES EM TORNO DA "DISCURSIVIDADE COM EFEITO DE RESISTÊNCIA" De maneira geral, quando se pensa os sentidos de resistência, seja no senso comum, seja no âmbito de saberes como os da Física, da Filosofia e mesmo da Psicanálise, o que fica forte é o sentido de antagonismo e oposição relacionados a tal noção. A resistência, desse modo, pode ser parafraseada por “força contrária”, “defesa”, “enfrentamento”, “luta”, “persistência”, “resiliência” etc. Na Análise de Discurso, de modo especial àquela filiada ao pensamento do filósofo francês Michel Pêcheux, é preciso operar um deslocamento ao se falar da resistência. Uma vez que, de uma perspectiva discursiva materialista, é necessário considerar a luta de classes como assimétrica, bem como o indivíduo como interpelado em sujeito pela ideologia e afetado pelo inconsciente, não se pode postular uma resistência centrada numa vontade do sujeito ou como oposição (ideológica) de um grupo contra o outro. Em outras palavras, a resistência não está localizada nem num projeto intencional do sujeito, nem no enfrentamento de dois mundos (ou classes) diferentes como que tivessem ideologias próprias. Pensar a resistência discursivamente é pensa-la na contradição, em contradição. Tomando como base as reflexões do célebre Délimitaions, inversions, déplacements, texto de Michel Pêcheux, chegamos à compreensão de que a relação entre a ideologia dominante e as ideologias dominadas se dá pela contradição, tendo em vista que as ideologias dominadas se formam sob a dominação ideológica e contra ela. Isso implica dizer que, no que tange à resistência, não se resiste de fora, de outro mundo, do alhures, mas na contradição que imbrica dominante e dominados e faz possível o um-no-outro. Esta discussão é de suma relevância para o trabalho aqui apresentado, pois nosso objetivo é apresentar uma reflexão teórica acerca da configuração e funcionamento do que estamos chamando de discursividade com efeito de resistência. Tal discursividade seria caracterizada pelo trabalho da contradição e pela evidência da oposição se dando ao mesmo tempo. Nosso objetivo é apresentar parte do percurso teórico que estamos traçando em nossa pesquisa de mestrado a qual nos levou à formulação da discursividade com efeito de resistência. Tomando como base a discursividade dos movimentos sociais urbanos, objeto de nossa dissertação de mestrado, propomos uma reflexão acerca do modo pelo qual se institui imaginariamente uma oposição, sobretudo pelo objetivo de um movimento social querer instituir um antagonismo ao poder político, ao passo que efetivamente funciona a contradição que faz possível a relação entre o movimento social e o poder que ele pretende 148 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

antagonizar. O que queremos dizer é que, a partir da análise do funcionamento do discurso dos movimentos sociais sobre os quais nos debruçamos em nossa pesquisa, podemos dizer, de modo geral, que tais movimentos afirmam-se no lugar da oposição ao poder político contra o qual querem instituir uma luta ao passo que, simultaneamente, ratificam o discurso que se constitui a partir de tal poder e, sendo assim, acabam por se inserirem também nessa discursividade. Daí porque empreendemos uma reflexão sobre uma discursividade com efeito de resistência dada no contraponto oposição-contradição. Dito de outro modo, a possibilidade de que o discurso dos movimentos sociais urbanos em pauta se constituísse como ponto de resistência estaria no fato dele ser constituído na e a partir da contradição, embora fosse a evidência da oposição que estivesse funcionando. Foi esse entendimento que nos levou à formulação da discursividade com efeito de resistência, noção pela qual buscamos explicar o funcionamento de uma discursividade que, objetivando-se de resistência, produz formulações de cunho opositivo, dando visibilidade ao antagonismo, mas que está sendo constituída na/pela contradição. As questões que apresentaremos foram formuladas tendo por base uma leitura materialista sobre o discurso (e consequentemente sobre a ideologia e a resistência). Assim, apoiamo-nos em reflexões com as de Eni Orlandi, que se volta para uma teoria discursiva da resistência do sujeito, Suzy Lagazzi, que dá consequência à distinção entre o alhures realizado e o realizado alhures e, principalmente, Michel Pêcheux e Louis Althusser, os quais buscaram desenvolver uma maneira não idealista a propósito da reflexão sobre contradição, diferença e ideologia. Palavras-chave: discurso; oposição, contradição, resistência, movimento social Satomi Oishi Azuma (UFPR) ESTUDO CONTRASTIVO NA FORMULAÇÃO DE PEDIDOS E ORDENS POR CURITIBANOS E EXPATRIADOS JAPONESES NO MUNDO CORPORATIVO O objetivo desta comunicação é apresentar uma análise parcial das estratégias linguísticas empregadas por brasileiros e japoneses, cada qual em suas línguas maternas, para efetuar pedidos e ordens no ambiente de trabalho corporativo. O meu estudo no mestrado é pesquisar e analisar as diferentes estratégias linguísticas usadas por curitibanos e expatriados japoneses residentes em Curitiba para realizar um pedido ou uma ordem no ambiente de trabalho nas empresas instaladas no Brasil. O interesse por esta pesquisa surgiu ao ouvir e constatar problemas de relacionamentos entre os brasileiros e japoneses 149 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

devido às formas como são efetuados os pedidos ou dadas as ordens no ambiente de trabalho. Com a prática de docência no ensino de língua japonesa e de português para estrangeiros durante vários anos, esta questão sempre foi problematizada e procurou-se buscar as reais razões nas bibliografias existentes, mas não havia uma pesquisa a respeito. Na Pragmática intercultural e na Teoria de Polidez (Penelope Brown e StephenLevinson, Politeness. Some universals in language usage), encontrou-se um caminho para esta pesquisa de mestrado. A língua japonesa é conhecida como uma língua extremamente polida cujo uso é de ordem normativa. Devido a esta ideia, no primeiro momento, houve linguistas nipônicos que contestaram a universalidade da polidez como um fator regulador das trocas conversacionais proposta por Brown & Levinson na obra já citada, alegando que o seu uso estava mais ligado à noção de discernimento e/ou às normas sociais do que a preservação da face. Em contraste com a língua japonesa, segundo alguns estudos mais recentes como a tese de Dias (Luzia S. Dias, Estratégia de Polidez Linguística na Formulação de pedidos e ordens contextualizados: um estudo contrastivo entre o português curitibano e espanhol uruguaio), há uma tendência de os informantes curitibanos serem mais diretos em solicitações em certos contextos como nos das relações privadas. Apesar da polidez mais evidente dos nipônicos, a pesquisadora levanta a hipótese de que os falantes de português brasileiro talvez sejam mais polidos do que os japoneses em certos contextos, que envolvam relacionamento de hierarquia. Tanto as ordens como os pedidos exigem do falante sensibilidade ao formulá-los, pois há uma necessidade de considerar as variáveis sociais, culturais, contextuais e pessoais. Para poder observar os tipos de pedidos, a relação de poder entre os interlocutores, a distância e a relação social existente, a preservação ou não da face, para a pesquisa do mestrado, foi aplicado um questionário escrito utilizando a metodologia do DCT (Discourse Completion Test) desenvolvido originalmente para comparar a realização do ato de fala dos falantes nativos e não nativos em hebraico (Shoshana Blum-Kulka, Requests and Apologies: A Cross-Cultural Study of Speech Act Realization Patterns – CCSARP). O DCT foi adaptado às situações do ambiente corporativo e aplicado aos brasileiros do sexo masculino, residentes em Curitiba, com nível superior, na faixa etária entre 25 e 35 anos, colaboradores de empresas brasileiras. O mesmo questionário foi traduzido e aplicado a japoneses, funcionários de empresas japonesas com perfis e faixas etárias semelhantes. A opção por não colher dados do sexo feminino foi devido ao pequeno número de informantes japonesas nas empresas instaladas no Brasil, outro fator cultural marcante. Após a coleta das respostas dos informantes, foi realizada a análise das estratégias utilizadas pelos falantes de ambas as línguas, 150 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

observando se o uso da polidez é realmente mais frequente no japonês do que na língua portuguesa falada em Curitiba, ou se existem paralelos nos recursos da polidez nas duas línguas. Palavras-chave: pedidos; ordens; polidez; diretividade; indiretividade Simone Fonseca Gomes Duarte Guimarães (UFMG) LÍNGUAS EM EXTINÇÃO: UM ESTUDO DOS DEMONSTRATIVOS NO FRANCOPROVENÇAL. Esta pesquisa tem como objeto de estudo uma língua minoritária em extinção, o francoprovençal. Na França, essa língua sofreu e ainda sofre pressão da língua dominante, o francês, e até o século XIX seus falares eram considerados dialetos. Em 1873, Graziadio Isaia Ascoli, um dos fundadores da dialetologia, reconheceria a especificidade dos falares da região e proporia reagrupá-los sob o nome francoprovençal, atribuindo-lhe o status de língua galo-românica, ao lado do francês e do occitano. Desde sua origem, essa língua se apresentava como um conjunto de falares, ou patois, espalhados pelo território. Esses patois, por sua vez, constituem dialetos (savoyard, valaisan, bressan), que compõem a língua denominada francoprovençal. Nunca houve tentativas de unificação em benefício de uma língua urbana ou literária. Hoje, o francoprovençal é uma langue en danger, em estágio avançado de desaparecimento. Seu declínio se iniciou já no século XIII, quando começou a penetração do francês na região de seu domínio por meio de atos administrativos. Segundo Tuaillon na obra "Vingt-cinq communautés linguistiques de la France", no século XIX inicia-se com o ensino obrigatório uma severa política linguística e educacional na França. Nessa época, houve uma forte campanha contra o francoprovençal que se apoiava no adágio “le patois est l’ennemi du français” (o patois é inimigo do francês). Assim, as famílias começaram a abandonar o patois na educação das crianças, que passam a ter o francês como primeira língua. Comparado às línguas românicas, o francoprovençal apresenta características distintivas relevantes que o tornam um objeto rico para pesquisas na área dos estudos românicos. Além disso, a descrição e análise de uma língua em extinção se justifica também pela necessidade de registro, difusão e preservação não apenas de uma língua, mas da cultura e da visão de mundo que ela carrega. Esta pesquisa de mestrado, em andamento, busca uma descrição geral dessa língua, enfatizando sua contextualização histórica, sua delimitação geográfica e suas características linguísticas principais. Propomos também um levantamento da situação atual da língua (sua vitalidade, iniciativas de recuperação, etc.) e a análise de 151 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

um aspecto linguístico relevante para os estudos em linguística românica: o sistema de adjetivos e pronomes demonstrativos. O estudo dos sistemas de demonstrativos de línguas românicas tem se mostrado um campo fértil na atualidade e observou-se que o francoprovençal não é objeto de pesquisas recentes sobre o tema. A pesquisa parte, principalmente, dos trabalhos empreendidos por Gaston Tuaillon e Dominique Stich acerca do francoprovençal. Destacamos também a importância dos trabalhos de Maria Antonieta A. M. Cohen sobre a morfologia do artigo definido no francoproveçal e da tese de Hoyer, que empreendeu a transcrição, tradução para o francês e estudo de seis textos em dialeto dauphinois. Esses trabalhos contribuem, sobretudo, para a descrição do francoprovençal. Em relação ao tema das línguas em extinção, nos apoiamos no conceito de semi-speakers definido por Dorian no texto "The problem of the semispeaker in language death". Além disso, adotamos uma abordagem laboviana, que se concentra no estudo direto da língua em uso dentro de uma comunidade de fala e concebe a linguagem humana como uma forma de comportamento social. A análise dos demonstrativos tem como material dados coletados em uma das variedades do francoprovençal, o bressan, falado na comuna de Bourg-en-Bresse, na região do Rhône-Alpes na França. Os demonstrativos foram extraídos da revista em quadrinhos Léj avatar de Tintin: Lé pèguelyon de la Castafiore, tradução para o bressan de Josine Meune e Manuel Meune do original Les aventures de Tintin: Les bijoux de la Castafiore, de Hergé. A coleta dos dados foi feita manualmente. Após localizar as formas dos demonstrativos no glossário e marcá-los no decorrer de todo o texto, foi criado um arquivo com as ocorrências no contexto de frases, devidamente identificadas, possibilitando a retomada do contexto mais amplo. Foram coletadas 380 ocorrências. A partir da descrição e análise dos dados, objetiva-se o estabelecimento do sistema de demonstrativos no bressan, a descrição de sua estrutura morfológica, a identificação de seus usos e de fenômenos de variação, mudança e retenção linguística. Na análise dos demonstrativos nos apoiamos nos autores já citados que tratam especificamente do francoprovençal e em algumas gramáticas da língua francesa tais como a "La nouvelle grammaire du français" de Dubois e Lagane. No estudo do francoprovençal, a comparação com o françês, língua de contato dominante na região, é também uma estratégia analítica. O texto Caleidoscópio latinoromânico: demonstrativos, de Cambraia e Bianchet, também é importante para uma compreensão do tema no domínio românico. Com relação à análise de fenômenos linguísticos de variação, mudança e retenção linguística, fase posterior da pesquisa, pretende-se adotar o pressuposto laboviano de que a teoria deve ser orientada pelos dados. Desta forma, a análise mais detalhada dos dados 152 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

orientará as escolhas teórico-metodológicas nessa fase. Avaliaremos também a necessidade de uma análise diacrônica da língua. Palavras-chave: línguas românicas; extinção de línguas; francoprovençal; demonstrativos; mudança/retenção linguística. Tainá Cristina Costa Lopes (UNICAMP) OS SENTIDOS DE “CIÊNCIA” EM TEXTOS DO PROGRAMA CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS: UMA ABORDAGEM ENUNCIATIVA-DESIGNATIVA O programa Ciência sem Fronteiras, criado em 2007 por iniciativa do Governo Federal Brasileiro, em parceria com o Ministério da Educação e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, destina-se a proporcionar intercâmbios a estudantes de graduação e pós-graduação de áreas definidas no programa como prioritárias e que são basicamente exatas, biológicas, engenharias e demais áreas consideradas tecnológicas. As áreas humanas, além de não aparecerem na lista de prioritárias, em alguns editais ainda são explicitamente excluídas, exceto se forem voltadas à “inovação tecnológica”. Fica evidente que a concepção de ciência subjacente aos editais, e ao programa em geral, é uma de modo que nem todos os campos do conhecimento podem ser assim considerados. Diante disso, o objetivo deste trabalho é observar de que forma se constitui(em) o(s) sentido(s) da palavra “ciência” em textos do Ciência sem Fronteiras a partir do modo como ela é reescrita pelos Procedimentos de Reescrituração, e o que tal palavra designa a partir de sua relação com outras palavras que a determinam, estabelecendo seu Domínio Semântico de Determinação - conceitos desenvolvidos na Semântica do Acontecimento. Dentro da teoria, a significação de uma palavra é histórica, determinada por condições sociais; assim, o sentido deve ser tratado e definido a partir do acontecimento discursivo, em diálogo com outras teorias que consideram sua constituição histórica, como o materialismo histórico e a Análise do Discurso de Michel Pêcheux e Eni Orlandi. Nesta perspectiva, o sentido de um elemento linguístico e as relações de sentido entre elementos dão-se no acontecimento, na enunciação, e dentro do enunciado e do texto nos quais estão inseridos, sempre em relação entre si. A questão não é mais da linguagem referindo algo existente no mundo, e sim a linguagem particularizando e referindo algo no momento da enunciação, no acontecimento da linguagem, que é o que refere e faz significar. Entretanto, ainda que não se considere, a princípio, nenhum a priori ao qual as palavras se reportem, há um real que elas significam, pois as palavras têm sua história de enunciações. O que se busca então é o que uma palavra designa (Eduardo Guimarães, Semântica do 153 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Acontecimento, p.41), entendendo a designação como uma relação linguística de sentido entre palavras, enquanto exposta ao real e tomada na história. Na Semântica do Acontecimento, para trabalhar a significação, Guimarães postula que dentro de um texto certas expressões sofrem diversas transformações, através de Procedimentos de Reescrituração, processo que se destina a ligar pontos dentro de determinado texto ou de um texto para outro, onde pela enunciação se rediz de outras formas o que já foi dito, determinando novos pontos de vista, que possibilitam diferentes formas de interpretação (Eduardo Guimarães, Semântica do Acontecimento, p.28). Como afirma o autor, este processo atribui (predica) algo ao reescriturado, ou seja, é uma operação de predicação e também de determinação, na qual, no momento da enunciação, uma expressão se relaciona a outra por diversos procedimentos. A reescritura produz novos sentidos, mas, além disso, instaura referentes, que são os responsáveis por dar as características de como se particulariza um objeto. Assim com reescriturar é produzir novos sentidos a cada reescrituração, segundo o autor (Eduardo Guimarães, Domínio Semântico de Determinação, p.77), estabelecer o sentido de uma palavra é, ao observar o funcionamento dela no texto em que ocorre, enquanto parte deste, estabelecer seu Domínio Semântico de Determinação - DSD, considerando sua história de enunciações e o real que ela significa. Ou seja, o DSD é a própria análise da palavra e deve ser capaz de explicar seu funcionamento no texto em que aparece. Para seu estabelecimento, parte-se de uma palavra específica do texto e busca-se relacioná-la a outras palavras do texto ou de textos relacionados, procurando as relações de determinação que predicam algo às palavras presentes no corpus em questão. Assim, no recorte que fizemos do corpus, levamos em consideração alguns trechos do editais de Intercâmbio do site do Ciência sem Fronteiras e tomamos como ponto de partida o fato de que “ciência”, no próprio nome do programa, já é uma reescritura, por condensação, das lista de áreas prioritárias do programa, o que mostra que o sentido primeiro dessa palavra no corpus em questão já traz de antemão uma limitação de áreas de conhecimento que podem ser consideradas “ciência” . Além disso, funcionando através do silêncio – constitutivo - que, tal como o define Orlandi, opta pelo não-dizer, considerando que o uso de “uma palavra apaga necessariamente as ‘outras’ palavras” (Eni Orlandi, As formas do silêncio, p.24), o que fica de fora da lista de áreas contempladas pelo programa são as ciências humanas, de modo a significar que elas não são para o programa, a despeito da forma como aqui as chamamos, “ciência”. Palavras-chave: semântica; designação; reescritura; determinação;ciência.

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Tânia Jurema Flores da Rosa Aiub (UFRGS) IMAGINÁRIO SOBRE O SUJEITO NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Estudar o desenvolvimento da Educação a Distância (EaD) implica, fundamentalmente, identificar uma modalidade de ensino com características específicas, isto é, uma maneira particular de criar um espaço para gerar, promover e implementar situações em que os alunos aprendam e que os professores ensinem sem a necessária presença física entre os pares. O traço distintivo da modalidade consiste na mediatização técnica e tecnológica das relações entre os docentes e os alunos. Isso significa, de modo essencial, substituir a proposta de assistência regular à aula por uma nova proposta, na qual os docentes ensinam e os alunos aprendem mediante situações educativas não convencionais, pois configuradas por espaços e tempos não compartilhados. Presume-se que esse cenário configura outros modos de o sujeito relacionar-se com os mecanismos de subjetivação social, cultural, econômica, via aparelho escolar, pois as relações de alteridade modificam-se, já que passam a ser materializadas por relações virtualizadas. Sem dúvida, a constituição subjetiva, nos sistemas convencionais de ensino (modalidade presencial), é efeito de uma produção mais territorializada, diluída nas várias esferas da instituição. Por outro lado, na EaD, trabalha-se com a possibilidade e com a imagem, já que o outro, na relação mediada tecnologicamente, reconhece seus pares apenas pela imagem e pelo efeito de suas ações, trabalhando sempre com a imaterialidade física, com a ação e a reação em tempos diversos de entendimento e de diálogo, principalmente, diante de uma nova concepção de co-participação num caminho pedagógico. Trata-se de uma reelaboração dos processos simbólicos de troca, de uma reorganização dos papéis sociais e culturais do docente e do aluno, de uma reestruturação das relações institucionais. Estes e outros aspectos levam ao trabalho com mecanismos novos de agenciamentos subjetivos que colocam para o sujeito – docente ou discente – espaços de práticas que redefinem as relações de produção e reprodução e são perpassados, sobretudo, pelas várias configurações abarcadas hoje pela expressão Sociedade Global. Ao procurar entender os lugares da subjetividade nos processos de aprendizagem mediados pelas redes telemáticas, a pesquisa nos conduz à elaboração de questões pertinentes ao papel histórico que a EaD está exercendo para a chamada sociedade global ou sociedade da informação no que tange aos processos de produção de conhecimento: quem é o sujeito que busca formação a distancia? Quais as contingências históricas que subjazem a essa decisão? Quais os processos discursivos que perpassam os conceitos de estudante 155 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

virtual e de docente-tutor? Disso resulta uma reflexão sobre as condições de produção da EaD no Brasil, sobre os processos históricos de configuração do aparelho escolar e seu redimensionamento para uma modalidade virtualizada. Tais questões incidem numa problemática de política educacional e permitem-nos delinear alguns aspectos do debate proposto no tocante à educação a distancia e aos processos discursivos que a legitimam no cenário educacional do país. A partir dos pressupostos teóricos e metodológicos da Análise de Discurso (AD), encontra-se um caminho de desenvolvimento amparado na constante interlocução dos estudos da linguagem com as ciências sociais e com a história, prevalecendo um trabalho de alinhamento teórico entre os conceitos de Capital Simbólico, Capital Social, Imaginário, Formação Ideológica, Formação Discursiva, Interdiscurso e Intradiscurso. O que se aventa nesta proposta de análise teóricoconceitual é o entendimento da Educação a Distância como uma formação ideológica. Essa proposta condensa uma série de proposições sobre o estudo aqui realizado. Primeiro: a EaD supera o patamar de metodologia de ensino-aprendizagem, consoante seu papel político no cenário de deflagração de uma proposta global de elevação de escolaridade. Segundo: as ideologias recortam-se historicamente no conjunto do aparelhamento de estado destinado a configurar as relações subjetivas coesas com suas formas de desenho social. Terceiro: como recorte específico da instituição escolar, a EaD deriva de uma proposta de ensino em rede, massificada e destinada a certos grupos sociais. Quarto: como uma das formas de materialização da ideologia do capital global, a EaD passa, na condição de instrumento e de efeito, por um processo de discursivização e de constituição subjetiva alinhados aos objetivos do aparelho de estado escolar que reproduz a ideologia do Estado Capitalista Neoliberal. Metodologicamente, todo o aporte teórico citado, auxilia na prática analítica dos enunciados produzidos sobre os sujeitos da EaD e pelos sujeitos da EaD e possibilita ver, na materialidade da rede de enunciados, pelos movimentos de repetição, pelas lacunas de sentido, como estão sendo construídos discursivamente lugares subjetivos que legitimam quem são os sujeitos da EaD e quais são os alicerces históricos desse processo. Palavras-chave: Análise de Discurso; Educação a Distância; Subjetividade; Processo Discursivo.

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Tatiane Henrique Sousa Machado (UEM) RASURAS EM SEGMENTAÇÃO: CONFLITOS PARA A CONSTITUIÇÃO DA NOÇÃO DE PALAVRA A constituição do conceito de palavra, por meio da delimitação de espaços em branco, não é uma tarefa fácil nem linear entre escreventes, pois “palavra” pode ser definida do ponto de vista fonológico, morfológico, sintático e semântico, sem que haja, necessariamente, isomorfismo entre esses diferentes planos da língua. Nesse percurso, em alguns momentos, o escrevente volta-se sobre o material escrito, deixando marcas de possíveis dúvidas, denominadas, neste estudo, de rasuras. Essas ocorrências normalmente são consideradas “sujeiras” a serem passadas a limpo. Contudo, numa outra perspectiva, essas rasuras – representadas por apagamentos, escrita sobreposta, inserções, dentre outras marcas – podem ser entendidas como lugares de conflito, que indiciam “o reconhecimento, pelo sujeito escrevente, de uma disparidade entre a sua escrita e a escrita que julga convencional – a escrita que atribui ao outro” (Cristiane Capristano, Mudanças na trajetória da criança em direção à palavra escrita, 2007, p.151). Para delineamento dessa pesquisa, utilizamos o banco de produções textuais coletado por integrantes do grupo de pesquisa “Estudos sobre a linguagem” (CNPq), banco este que, atualmente, subsidia também pesquisas do grupo de pesquisas “Estudos sobre a escrita” (CNPq). Para composição desse banco de produções textuais, foram acompanhadas as mesmas crianças da primeira à quarta série do ensino fundamental em duas escolas da rede municipal de ensino da cidade de São José do Rio Preto (SP) ao longo do período de abril de 2001 a dezembro de 2004 na mesma turma. Para elaboração dos textos, as crianças produziam diversos enunciados a partir de diferentes propostas de produção textual. As propostas textuais solicitavam a escrita de distintos gêneros textuais/discursivos. As atividades foram realizadas em sala, individual e simultaneamente, por cerca de uma hora. As propostas foram organizadas da seguinte forma: (I) 1ª série foram coletadas 437 produções textuais divididas em 14 propostas de escrita; (II) 2ª série, 436 produções textuais em 15 propostas; (III) 3ª série, 345 produções textuais divididas em 12 coletas e; (IV) 4ª série foram coletadas 396 produções textuais em 14 coletas, totalizando 1.614 (mil seiscentos e quatorze) produções textuais, divididas em 55 propostas. A partir desse corpus, elegeram-se, como dado de pesquisa, rasuras diretamente ligadas à segmentação gráfica por permitem reconstituir o caminho rumo ao conceito convencional de palavra. Parte-se da hipótese de que as rasuras permitiriam identificar, na escrita infantil, possíveis “caminhos” trilhados pelo escrevente, frutos das diferentes 157 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

participações em práticas orais e letradas. Neste contexto, a pesquisa quanti-qualitativa objetiva mapear e categorizar as rasuras ligadas à segmentação presentes nos enunciados escritos por crianças do Ensino Fundamental, no período da 1ª a 4ª série, visando compreender como o escrevente caminha em direção à definição convencional de palavra. Para tanto, ancora-se em procedimentos metodológicos do Paradigma Indiciário, proposto por Ginzburg (1986), uma vez que o pesquisador debruça-se sobre os textos originais, buscando “pistas” capazes de reconstruir o percurso do escrevente. Inicialmente, foi realizado um mapeamento das rasuras ligadas à segmentação, o qual foi posteriormente reavaliado pela pesquisadora e, num terceiro momento, pela pesquisadora e pela orientadora. Durante a reavaliação dos dados, as rasuras encontradas foram categorizadas, conforme a operação realizada pelo escrevente: apagamento, escrita sobreposta, inserção e falso início. Essa categorização permitirá verificar qual operação é mais recorrente ao longo do processo de aquisição da escrita. Dentre as contribuições teóricas que ancoram este estudo, destaca-se o reconhecimento da circulação do escrevente por um imaginário sobre a escrita, a partir de três eixos: o primeiro, o eixo da gênese da escrita; o segundo, o eixo da imagem da escrita institucionalizada; e o terceiro, eixo da dialogia com o já falado/escrito, lugares que nos permite perceber a circulação dialógica do escrevente no modo heterogêneo da escrita (Manoel Corrêa, O modo heterogêneo de constituição da escrita, p. 09, 2004). Desse modo, algumas rasuras podem ser consideradas lugares nos quais o escrevente encontra pelo menos duas “opções”, uma ancorada na imagem da escrita plasmada à oralidade e outra mais ligada à imagem da escrita como código institucionalizado. Assim, algumas “escolhas” sobre o que “aceitar” e o que “recusar” parecem estar fundadas em diferentes práticas orais e letradas, com as quais o escrevente convive. Como resultados preliminares, até o presente momento, foram identificadas 368 rasuras que parecem emergir do conflito com a delimitação de espaços em branco. Essas rasuras são distribuídas ao longo das séries da seguinte forma: 107 na 1ª série; 118 rasuras na 2ª série; 84 rasuras ao longo da 3ª série e 59 na 4ª série. Nas próximas etapas da pesquisa, realizaremos a análise qualitativa dos dados, observando (a) quantidade de rasura por sujeito; (b) tipo de rasura; (c) quantidade de rasura por tipo e ano; (d) rasura e sua relação com gêneros textuais. Essa análise nos permitirá tecer algumas considerações sobre como o escrevente constrói, ao longo do processo de aquisição da escrita, o conceito convencional de palavra. Palavras-chave: Aquisição da escrita; rasura; segmentação gráfica.

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Tyara Veriato Chaves (UNICAMP) SOMOS TODAS VADIAS? UMA ANÁLISE DISCURSIVA DAS NOVAS PRÁTICAS DE RESISTÊNCIA. Este trabalho busca compreender a mulher pelos discursos. Para isso, articulamos em nossa reflexão o sujeito, a história e a língua. Observamos que ao longo da história, discursos vêm significando a mulher a partir do seu comportamento sexual através do dualismo santa/vadia. A mulher-vadia pode, então, ser tomada como uma evidência produzida nos discursos que significam o sujeito-mulher, em grande medida, pelos usos do corpo - o que o cobre, o quanto se descobre, os espaços que ocupa, quem o toca, quantos já o tocaram – em condições sócio-histórico-ideológicas. Observamos também que o surgimento de um movimento denominado Marcha das Vadias parece causar uma agitação nas filiações sócio-históricas de identificação que constituem os sentidos logicamente estabilizados sobre a mulher. Tal movimento surgiu em 2011 quando a Universidade de Toronto registrou um aumento das ocorrências de abuso sexual em seu campus e organizou uma palestra, onde um policial orientou como medida de segurança que as alunas evitassem se vestir como vadias para não serem estupradas. Em consequência do discurso do agente de polícia, três mil pessoas foram às ruas no Canadá protestar contra a “culpabilização” de mulheres vítimas de violência sexual. Desde então, a Marcha ganhou proporções mundiais, já tendo sido realizada em inúmeras cidades brasileiras. A utilização da palavra “vadia” - e toda a carga ideológica que ela comporta – ao discurso de Coletivos Marcha das Vadias se apresenta como um acontecimento discursivo que se acredita ser inédito na trajetória dos Movimentos Feministas. Sendo assim, voltando o olhar para a relação entre língua, sujeito e ideologia, filiando-se à trajetória de estudos dos discursos políticos que marca a Análise de Discurso materialista, pretendemos pesquisar como o sujeito se identifica/significa no/pelos discursos em seus movimentos de resistência sob a dominação ideológica, partindo da pergunta: como os discursos dos coletivos Marcha das Vadias constituem sentidos sobre a “mulher-vadia”? Considerando as relações de desigualdadecontradição-subordinação próprias de uma formação discursiva, acredita-se que tais dizeres caracterizam um acontecimento discursivo, causador de uma ruptura, uma interrupção e fazem emergir novas posições-sujeito. Por isso, delineamos como objetivo analisar os efeitos de sentido que circulam nos discursos dos Coletivos Marcha das Vadias do Brasil nas redes sociais eletrônicas (Blogs e Facebook) e os deslocamentos que produzem uma ruptura na memória sobre a mulhervadia. Este trabalho se desenvolverá a partir: 1. da formação de um 159 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

arquivo sobre a discursivização da mulher-vadia na história a fim de analisar como a memória se movimenta na constituição de sentidos estabilizados para a construção da identidade como efeito imaginário, 2. da seleção de corpus discursivo dos Coletivos Marcha das Vadias nas redes sociais eletrônicas (Blogs e Facebook). 3. Da análise do corpus discursivo através dos princípios teóricos e procedimentos metodológicos da Teoria Materialista do Discurso. A escolha da Teoria Materialista do Discurso como dispositivo de análise justifica-se por ser um campo de reflexões constituído pela heterogeneidade, onde a linguagem é tomada na sua relação com o histórico, o social e o ideológico, proporcionando subsídios para analisar os movimentos de resistência e os diversos efeitos de exclusão e silenciamento que incidem sobre os processos de construção discursiva do sujeito. Também propomos um diálogo entre a Linguística e os Estudos Sociais cujas discussões giram em torno da incorporação da categoria gênero, problematizando a sexualização da experiência humana no discurso. Na procura por algumas respostas, a pesquisa se desenvolverá não em busca “do sentido”, mas de trajetos sócio-históricos de sentidos que projetam futuridades. Procuramos, através do batimento entre descrição/interpretação, compreender o modo como o sujeito se constitui e se identifica ante ao simbólico, seus gestos de resistência, sua inscrição em redes de memória (o já dito) e as condições ideológicas que permitem, a partir da noção de acontecimento discursivo, uma ruptura, uma interrupção e a emergência de novas posições-sujeito para as mulheres. Palavras-chave: Análise do Discurso; sujeito; resistência; feminismo; marcha das vadias. Viviane Lima Martins (PUC-SP) O CORPO COMO TEXTO DE CULTURA: UMA ABORDAGEM SEMIÓTICA DO DISCURSO DO CORPO E SUAS MUDANÇAS EXTREMAS VEICULADAS NA MÍDIA O corpo humano é socialmente construído. Segundo Baitello Jr. em A Era da Iconografia (2005, p. 34), o corpo, considerado como texto, apresenta uma série de significações, e pode representar a cultura de grupos socialmente desenvolvidos. Consequência deste pensamento, o corpo parece entender e registrar em sua superfície marcas e tendências culturais do tempo, como matéria para a produção de imagens e inscrições culturais. Etimologicamente, a palavra inscrição significa “gravar na pedra, no mármore, etc; insculpir, entalhar” (HOUAISS, 2001). Assim, inscrever é ato ou efeito de marcar, o que para 160 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

o corpo relaciona-se com as marcas que transformam sua superfície, ou seja, inscrições particularizadas do / no vivido. Se cada cultura tem sua teia de significados, como afirma Santos (A Gramática do Tempo, 2006, p. 156), todo discurso que se pretende parte de uma cultura – ou que busca persuadir um sujeito inserido nela – deve estar de acordo com esses significados. Logo, o discurso midiático é produzido em consonância com as condições sociais do período em que se inscreve. É só a partir da constatação – e, de certa forma, da legitimação – dos valores já vigentes na sociedade que o discurso midiático passa a atribuir valores e papéis aos sujeitos sociais. Nesse contexto, o corpo é um instrumento de comunicação e inscreve sobre si uma composição textual e a cultura do grupo social, que aparece conformada em suas atitudes e sua caracterização. Entretanto, na mídia quase não há espaço para divulgação das ações dos chamados outsiders, denominação dada por Norbert Elias e John Scotson (Os estabelecidos e os outsiders, 2000), a qual questiona o processo de estigmatização social, comuns em vários países, regiões e espaços – urbanos ou não. Tal classificação baseou-se nos resultados que os autores obtiveram ao pesquisar os fatores que levam à segregação e estigmatização social em uma pequena comunidade urbana inglesa, cujo nome fictício era Winston Parva, no século XX. Os processos estigmatizantes ocorriam, principalmente, aos indivíduos que passaram por transformações recentes na sua estruturação social, étnica, cultural, econômica etc. Mediante a imagem do outro, os grupos sociais já existentes (estabelecidos) tendem a valorizar suas características diferenciais ou, pelo menos, atribuir valores depreciativos às do grupo oposto (outsiders). Desta forma, os estigmas sociais são desenvolvidos e promovidos pela mídia, a partir de certos valores. Compreender o valor atribuído ao corpo e a forma como este é administrado na mídia, nas três últimas décadas, é o que o presente trabalho de pesquisa busca realizar. Neste contexto, o objetivo fundamental é destacar a posição e a função do corpo enquanto texto de cultura, e como são criados e veiculados os considerados padrões aceitos e os chamados outsiders, pela mídia, propondo, assim, um estudo de como esta apresenta os mapas de valores, isto é, como propõe certos contratos comunicativos em que euforiza certos valores, em detrimento de outros, que revigora e estabelece a cultura através da criação da memória de coletividade. Trata-se de investigar as diferentes articulações texto/imagem, criadas pela mídia, capazes de construir mapas cognitivos que veiculam e tornam visíveis certos valores e não outros. Como corpus, a pesquisa se baseia na mídia eletrônica e televisiva, tendo como referência a série Tabu, exibida pelo canal National Geographic, 2011, e os programas Extreme Makeover e Ten Years Younger, ambos exibidos pelo extinto canal People and Art, entre 161 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

os anos 2007 e 2009, os quais também tiveram suas versões no Brasil. As linguagens e os diferentes textos (visuais, impressos, sonoros, etc.) dialogam com a cultura e, a partir desta ideia, as seguintes questões permeiam a pesquisa: o corpo é um instrumento de comunicação e inscreve sobre si uma composição textual? Na mídia não há espaço ou divulgação para os chamados outsiders, a menos que estes se estabeleçam? Com este questionamento pretende-se buscar resultados significativos para as áreas de estudos em Comunicação e Semiótica, pois acredita-se que o discurso midiático é produzido em consonância com as condições sociais do período em que se inscreve, atribuindo novos valores e papéis aos sujeitos sociais. Palavras-chave: Semiótica, mídia, corpo, comunicação.

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Linguística Aplicada

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Adriana Fiuza Meinberg (UNICAMP) A TRADUÇÃO COMO APROPRIAÇÃO: AS CANÇÕES BRASILEIRAS INTERPRETADAS PELO GRUPO THE MANHATTAN TRANSFER O presente resumo se inscreve sob a perspectiva de uma tradutora que canta e de uma cantora que traduz, atividades que involuntariamente levam a ouvir a tradução e ler a canção (harmonia, melodia e letra). A escuta da tradução das letras de canções distribuída nos compassos da partitura há muito tem sido alvo de nosso interesse e observação, e é sobre a passagem dessa vivência cotidiana para a escrita acadêmica de uma dissertação que se debruça esta pesquisa. Em primeiro lugar, é complexo o que chamaremos de “campo de estudos” que tem se ocupado da palavra cantada (da Literatura à Semiótica, da Etnomusicologia aos estudos sobre Transculturalidade). Nota-se o crescente interesse dos pesquisadores pela palavra cantada na canção popular ou no canto erudito, no rap ou na ópera; contudo, um número consideravelmente menor tem se dedicado à questão da tradução da letra de canções, campo certamente fértil para as pesquisas na área da Tradução. Assim, gostaríamos de propor uma breve reflexão sobre o tema, a partir do estudo de caso do grupo vocal americano The Manhattan Transfer. Nossa abordagem busca apontar para as possibilidades de estudo a partir de um lócus que abriga conhecimentos das áreas musical, cultural e dos estudos da tradução. À primeira vista, tradução e canto possivelmente não suscitariam afinidades. Porém, olhos e ouvidos sensíveis notariam a existência de uma ligadura entre traduzir e cantar: ambas reverberam a voz do autor ou do compositor, soam por meio de um ato performático e revelam a presença de vozes silenciosas (determinantes temporais, culturais, históricas etc.). Desse modo, assim como a tradução leva adiante a vida do texto original — Fortleben como diz Benjamin (Walter, Benjamin, A tarefa do tradutor, p. 84), assim também a interpretação do cantor assegura a vida da canção para muito além do momento de sua composição, o que nos permite avançar um pouco e verificar ainda que as palavras intérprete/interpretar são normalmente usadas para significar tradutor/traduzir (George Steiner, Depois de Babel, p. 53), algo muitíssimo sugestivo. O grupo The Manhattan Transfer gravou em 1987 um disco denominado “Brasil” contendo canções brasileiras traduzidas para o inglês, das quais iremos aqui nos dedicar unicamente a duas: Soul Food To Go (compositor, Djavan) e The Jungle Pioneer (compositores, Milton Nascimento e Marcio Borges). Nosso critério para escolha dessas canções baseou-se, além de peculiaridades das letras traduzidas (que indicaremos em nossa apresentação), nos arranjadores e nos instrumentos presentes na gravação. Ao ouvirmos essas canções, percebemos que o grupo as traduziu segundo seu olhar de outro 164 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

(Martha de Ulhôa, Nova História, Velhos Sons, p. 88) que nos vê como o estrangeiro. A tradução revela a presença de elementos socioculturais, claramente mercadológicos, além daqueles de caráter identitário, transportados pelas características composicionais que as individualizam culturalmente, como faz sugerir Feld (Simon Feld, Sweet Lullaby for World Music, p. 145). É facilmente constatável que a letra em inglês em nada se aproxima da letra original em português, seja na narrativa, seja no tema. Contudo, ambas as letras em inglês nos remetem a elementos que fazem referência a floresta (forest), poder político (political power), animais selvagens (orangutan) e zoológico (zoo). Há, portanto, uma clara indicação da forma como esse outro, esse estrangeiro, nos vê: um país com uma floresta (que até gorila tem) e que se encontra subjugado, colonizado. Em termos prosódicos, o letrista americano faz, em ambas as canções, um trabalho fenomenal de adequação/adaptação (refitting), privilegiado pela anomatopaicidade da língua inglesa, magnificamente explorada pelo arranjo vocal. Assim, a partir da audição dessas duas canções, propomos ter havido recriações do que chamaremos de espírito musical brasileiro, tão diverso e tão embebido de vivências e influências culturais distintas, como se nos víssemos espelhados, mesmo que, por vezes, não sejamos capazes de encontrar uma única palavra que nos defina. Palavras-chave: Tradução, tradução de canção, apropriação na tradução. Adriana Pavão Wada (PUC-SP) O IMPACTO DE UM MATERIAL DIDÁTICO NAS AULAS DE INGLÊS EM UMA TURMA DO NONO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL II, PERÍODO DIURNO DE UMA ESCOLA PÚBLICA Este trabalho tem por objetivo investigar se um material didático produzido por uma professora colaborou para a mudança de comportamento dos alunos de uma sala de nono ano do Ensino Fundamental II, do período diurno, de uma escola estadual. A importância desse estudo reside na possibilidade de aprofundar o entendimento acerca do papel de um material didático produzido pela professora-pesquisadora na mudança de comportamento de alunos, tendo como justificativa problemas de relacionamento entre os alunos, falta de motivação, violência e vandalismo. A pergunta que norteia o trabalho é: Qual o impacto de um material didático desenvolvido por uma professora, na mudança de atitudes de alunos do nono ano do Ensino Fundamental II, do período diurno de uma escola pública? A 165 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

fundamentação teórica deste estudo será baseada na formação crítica do professor (Pennycook, A. Critical Pedagogy and Second Language Education 1990 e Critical Applied Linguistics: a Critical introduction 2001); (Canagarajah, S. Critical Pedagogy in L2 Learning and Teaching, 2005); (Celani, M.A.A.C. Formação Contínua de Professores em Contexto Presencial e a Distância: Respondendo aos Desafios, 2003), Teorias de ensino-aprendizagem e linguagem sociointeracionistas (Lantolf, Sociocultural Theory and Second Language Learining, 2000), nos documentos oficiais, Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Estrangeira (BRASIL, 1998) e a Proposta Curricular do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2008) bem como critérios para avaliação e elaboração de materiais didáticos para o ensino de língua estrangeira (Ramos, R.C.G. O livro didático de Língua Inglesa para o Ensino Fundamental e Médio: Papéis, Avaliação e Potencialidades, 2009); (Tomlinson, B. & Masuhara, H. English as a Foreign Language: Matching Procedures to the contexto of learning, 2005) ; (Graves, K. Teachers as Course Developers, 1996 e Designing Language Courses, 2000). Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa-ação que se utiliza de questionários, diários reflexivos dos alunos e do professor, entrevistas e da produção final dos alunos, fruto da unidade. A pesquisa será desenvolvida na sala de aula da professora-pesquisadora com 6 alunos focais do período diurno do 9º Ano do Ensino Fundamental II da rede pública de São Paulo. Os resultados obtidos nessa pesquisa mostrarão se houve mudança de comportamento dos alunos com o uso da unidade didática produzida pela professora-pesquisadora. O interesse por elaboração de material didático surgiu da minha experiência em contextos de ensino-aprendizagem de Língua Inglesa na rede oficial de ensino do Estado de São Paulo e, da minha participação no curso de lato sensu Práticas Reflexivas e EnsinoAprendizagem de Inglês na Escola Pública, oferecido pela Cultura Inglesa, em parceria com a Pontifícia Católica de São Paulo (PUC-SP). A participação nesse curso, durante os anos de 2010 e 2011, trouxe-me novos conhecimentos relacionados à atuação profissional, teorias de ensino-aprendizagem de inglês e, promoveu constantes reflexões sobre o meu papel como professora. Durante o curso, participei de algumas atividades que levavam em consideração a elaboração e avaliação de material didático. A partir daí, comecei a ter um olhar mais crítico para as minhas aulas de língua inglesa. Ao iniciar o ano letivo de 2013, tive problemas para dialogar e lecionar de fato, para os alunos de uma sala de nono do Ensino Fundamental II, do período diurno, da escola pública onde trabalho. Alunos usuários de drogas, com problemas de relacionamento, com falta de motivação, violentos e com nenhuma preocupação com seus materiais ou com a própria escola e, na grande maioria, alunos que não querem aprender. Percebi com o passar das 166 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

aulas que, teria que preparar algum material que não perdesse o foco do aprendizado de língua inglesa mas, também que levasse em consideração aspectos ligados a violência, que inclusive, não era exclusividade daquela sala na escola. Na verdade, os aspectos violência e vandalismo me incomodam. Lecionar em escola pública é, muitas vezes, ver de perto o noticiário dos jornais. Ao mesmo tempo que entristece, motiva a promover a mudança. Então, decidi preparar um material para tentar amenizar a situação que me incomodava e buscar a mudança de comportamento dos alunos em relação a violência e ao vandalismo na escola. Dessa forma, o objeto desse estudo é investigar se o material didático preparado pela professora-pesquisadora colaborou para a mudança de comportamento dos alunos de uma sala de nono ano do Ensino Fundamental II de uma escola pública. Assim, procuro responder a pergunta, Qual o impacto de uma unidade didática desenvolvida por uma professora, na mudança de atitudes de alunos do nono ano do Ensino Fundamental II, do período diurno de uma escola pública? Um dos diferenciais desse trabalho reside na possibilidade de descobrir se há contribuições para a mudança de comportamento dos alunos em relação a violência e ao vandalismo em uma sala de nono ano do Ensino Fundamental II, período diurno de uma escola estadual. É válido ressaltar que o contexto de minha pesquisa será diferente dos trabalhos mencionados, pois, apesar de terem a escola pública como cenário, nenhuma delas estava localizada na cidade de Guarulhos. Os participantes da pesquisa também representarão um diferencial, uma vez que cada um trará a sua percepção acerca dos aspectos investigados. Palavras-chave: Ensino-aprendizagem; Língua Estrangeira; Avaliação e Produção de material didático. Adriano Clayton da Silva (UNICAMP) TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS Em seu trabalho, o tradutor defronta-se constantemente com o dilema: manter-se fiel à letra ou ao sentido do texto a ser traduzido? Isto é, ele deve fazer uma tradução mais próxima do original, que traga mais informações e elementos da cultura e língua de origem, buscando, assim, preservar a forma, a estrutura do texto, ou o tradutor deve fazer uma tradução mais próxima de seu público leitor, da língua e da cultura de chegada, buscando, desse modo, preservar o sentido, as ideias do original? Em ambos os casos, tudo o que o tradutor pode fazer é tentar essa fidelidade, já que haverá momentos em que ele não poderá ser 167 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

totalmente fiel à letra, sob o risco de não ser compreendido pelo leitor final e, em outros casos, ele não poderá ser tão fiel ao sentido, sob o risco de perder alguma ideia essencial que só possa ser expressa usando termos da língua de origem. Baseados nessa questão essencial, alguns pensadores da tradução buscam explorar as consequências dela, pensar possíveis "soluções" à questão ou apenas criar uma terminologia mais apropriada: fala-se em domesticação ou estrangeirização, etnocentrismo ou hipertextualidade, dupla fidelidade que, num caso, acaba se tornando dupla traição e, em outro, pode ser possível, quanto mais as línguas em jogo sejam próximas de uma tal “língua original”, entre outras situações. No entanto, na História em Quadrinho (HQ) – ou apenas quadrinhos – gênero que une a imagem em associação com o texto, como fica a fidelidade do tradutor? Já que a imagem carrega informações que tanto podem complementar o texto de uma vinheta como trazer novos elementos totalmente independentes do escrito, seria ela uma terceira entidade a quem o tradutor deve tentar ser fiel? Mais: a escrita nos quadrinhos ocupa lugares fixos e predeterminados pelo autor, além de ser também uma criação artística carregada de sentidos imagéticos – efeitos de sentido e cores – e até sonoros – onomatopeias. Como o tradutor transplanta sua tradução para locais não feitos inicialmente para ela? Como lida com toda a semiose inerente ao gênero? Será que ele, além do seu trabalho, ainda terá de aprender a desenhar? O objetivo deste trabalho, em consonância com a pesquisa, é tentar responder a essas perguntas, buscando verificar como o tradutor lida com a imagem enquanto realiza seu trabalho: como ele traduz uma história em quadrinhos, ou outra forma de gênero semelhante, levando em conta também a imagem que, além de apresentar outras informações não contempladas pelos escritos, ainda pode determinar a forma e a posição destes. Para tal empreitada, estão sendo analisados alguns álbuns de histórias em quadrinhos do personagem francês Asterix, utilizando-se como referencial teórico as ideias de pensadores da tradução e interpretação, tais como Lawrence Venuti, Antoine Berman, Walter Benjamin, Rosemary Arrojo, Umberto Eco, Jacques Derrida, entre outros. A metodologia de pesquisa é a análise documental, através de comparações entre os álbuns no original em francês e as traduções para o português do Brasil. Até o presente momento já foi possível constatar que sim, a imagem influencia nas escolhas do tradutor. Isso acontece principalmente em alguns aspectos imagéticos dos quadrinhos, como as onomatopeias e os gestos. Por exemplo, um dos quadrinhos analisados apresenta um personagem fazendo um gesto da cultura francesa que é desconhecido da cultura brasileira. Não há, nos textos desse quadrinho, qualquer referência mais explícita a esse gesto. Neste caso, o tradutor acrescentou uma frase dentro do balão do personagem, tentando, 168 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

assim, dar um sentido para aquele gesto e uma pista para o leitor. Outro exemplo: em muitos quadrinhos originais, observaram-se onomatopeias que não fazem sentido para um leitor brasileiro: ao ler tais onomatopeias no original, o leitor brasileiro pode não entender a que sons elas se referem. Neste caso, o tradutor adaptou a onomatopeia, substituindo-a por alguma correspondente brasileira, inclusive escrevendo-a de forma a “combinar” com o quadro. Nos dois exemplos referidos, o tradutor buscou ser fiel ao seu público leitor e à língua de chegada, mesmo tendo de “desenhar” o texto. O que se espera provar, ao final da pesquisa, é que o tradutor sempre mantém o seu trabalho, o seu dilema, restrito à escolha entre letra e sentido, servindo, a imagem, às vezes como limitante, às vezes como estimulante de suas escolhas. Entretanto, ao final, não será da imagem a fidelidade do tradutor. Palavras-chave: Linguística Aplicada; Tradução; história em quadrinhos; Asterix.

Ana Elisa Toledo Lima Nascimento (UNICAMP) CLONAGEM TRANSNACIONAL: INVESTIGANDO A RELAÇÃO GLOBALIZAÇÃO-TRADUÇÃO NO CONTEXTO DE EXPORTAÇÃO DA TELENOVELA “O CLONE” Embora se trate de um gênero relativamente antigo – seu antecessor histórico, a radionovela, foi introduzida no Brasil na década de 40 – a telenovela não desfruta de grande prestígio no mundo acadêmico. Na área da Tradução, não são muitas as pesquisas em que esse gênero figura como objeto de estudo: fato bastante curioso, uma vez que o próprio desenvolvimento da telenovela é todo permeado por atividades de cunho tradutório como as adaptações e as versões. O cientista social Renato Ortiz, ao lançar o livro Telenovela: História e Produção, no ano de 1989, a respeito da evolução histórica da telenovela brasileira e de sua produção, destaca as atividades de adaptação necessárias pelas quais o gênero teve que passar, revelando-se como uma produção cujo movimento se fez de modo não linear e que, antes de dar frutos em solo brasileiro, percorreu outros caminhos, que passaram por outros continentes na forma da soupopera americana e da radionovela latino-americana. Outro fator que deve ser considerado ao se abordar o tema da telenovela é a posição de destaque ocupada pelo Brasil no mercado mundial desse tipo de produção, em especial entre os países exportadores. Desde a década de 70, quando foi lançada a primeira novela considerada totalmente brasileira, “Beto Rockfeller”, o país é destaque no cenário internacional. 169 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Assim, muitas de nossas produções, atores e seus respectivos trejeitos e bordões já foram e continuam sendo traduzidos, reproduzidos, adaptados e aclamados nas mais diversas partes do mundo. Todavia, com o advento da globalização e o seu estabelecimento como realidade inevitável, uma nova situação se define e tudo o que antes era conhecido passa a ser redefinido. Diante desse cenário, o presente trabalho tem como objetivo investigar a relação globalizaçãotradução, abordando o modo como tal processo vem interferindo no campo dos estudos tradutórios, em especial em seu funcionamento no ambiente midiático – com destaque para a exportação da telenovela brasileira e o processo necessário para sua comercialização, o que incluí, entre outras ações, a tradução de seu conteúdo, que pode mobilizar representações sociais, culturais e religiosas. Para a realização deste estudo, escolhemos a telenovela brasileira O Clone (2001-2002), sua primeira versão espanhola (dublada), “El Clon” (2002), e a segunda versão espanhola, produzida pela Telemundo em parceria com a Rede Globo, “El Clon” (2010). A análise das traduções vem sendo realizada com base em conceitos formulados por teóricos das linhas pósestruturalista como Rosemary Arrojo (1993, 1998, 2000 e outros), Lawrence Venuti (1995, 1998, 2000, 2002, 2008), Susan Bassnett (1998), Maria Tymoscko (1995, 1998, 2005), Michael Cronin (2009, 2013) e Yves Gambier (2003). Também faz parte de nossa pesquisa uma abordagem do advento da globalização, tomando por foco a forma como esse fenômeno afeta e/ou se relaciona com as questões culturais envolvidas no próprio ato tradutório. Na situação de globalização, diferentes unidades sociais – que podem ser desde nações e civilizações até pequenas tribos e regiões – encontram-se inseridas em um mesmo contexto, no qual diversas temporalidades se entrecruzam e prescindem de pares dicotômicos como moderno/pós-moderno e local/global, exigindo apenas que se saiba qualificar o tipo de tradição com a qual se está lidando. Nesse cenário, embora o processo seja único, não é homogêneo, e pode ser experimentado e vivenciado de diversas maneiras, em função dos lugares nos quais as pessoas estão inseridas. Para discussão neste seminário de dissertações e teses em andamento, por se tratar de um trabalho de tradução com ambições multidisciplinares, acreditamos ser fundamental o diálogo com autores de outras áreas do conhecimento entre as quais a sociologia, as artes visuais e os estudos culturais. No caso da versão dublada de “El Clon” (2002) e da produção brasileira adaptada ao público espanhol em 2010, estão em jogo técnicas e práticas transnacionais e a elaboração de outros formatos narrativos – sobre os quais falaremos em nossa apresentação. Palavras-chave: Tradução; Globalização; Mídia; Telenovela; Cultura.

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André Luiz Ming Garcia (USP) ANÁLISE E SÍNTESE NO ENSINO-APRENDIZAGEM DAS ORAÇÕES RELATIVAS DO ALEMÃO POR PARTE DE APRENDIZES BRASILEIROS Este trabalho se insere nos âmbitos da Linguística Aplicada e da Psicolinguística, versando, mais especificamente, acerca do ensino de gramática em cursos livres de alemão- língua estrangeira, nos quais ocorrem a adoção e o emprego de livros didáticos. Uma pesquisa realizada junto às escolas de idiomas, nas quais se ensina alemão em São Paulo, levou-nos a saber que, em todas elas (excetuando-se as franquias onde se utilizam apostilas próprias), pauta-se o ensino da língua no uso de um livro didático (LD), que define a progressão dos conteúdos, o vocabulário a ser trabalhado etc., bem como o modo como os conteúdos são apresentados aos alunos. Vale lembrar que, neste contexto, trabalhamos com informações que nos foram oferecidas por professores que seguem o LD na elaboração e na condução de suas aulas. Assim, o estudo do LD e de sua aplicação se justifica num contexto maior de ensino/aprendizagem da língua. Do mesmo modo, o ensino de gramática consiste numa temática atual desde a Antiguidade, tendo sido o pilar incontestável do método gramática-e-tradução, o patinho feio do áudio-oral/áudio-lingual e um elemento que suscitou muitas discussões quando do advento da abordagem comunicativa (e até hoje, em nossa suposta era do pósmétodo, de flexibilidade e menos dogmatismo quando da adoção de preceitos oriundos dos diversos métodos e abordagens). Propondo-nos a investigar a temática da progressão de tópicos gramaticais em livros didáticos de alemão LE para adultos, demonstraremos que, em dois dos LD mais em voga da atualidade (Studio D e Schritte International), o trabalho com os itens gramaticais (e com a metalinguagem) se dá a partir de diferentes abordagens (a sintética e a analítica, cf. WILKINS, 1978), sendo que, a partir da primeira (Studio D), apresentam-se os conteúdos de forma espiralada e pouco a pouco, com revisões, entre os novos inputs, das partes já vistas de tais conteúdos. A partir da segunda (Schritte), por sua vez, a apresentação dos conteúdos se dá em blocos completos, nos quais se apresentam os conteúdos em sua integridade. Analisamos, nesta pesquisa, a progressão de um tópico gramatical específico, a saber, as Relativsätze, estrutura que, de acordo com Pienemann (1993), exige o maior esforço cognitivo dos aprendizes de alemão LE, entre tantas outras estruturas morfossintáticas. Trata-se de uma investigação empírica a partir da qual se pretende verificar qual grupo de aprendizes (os que estudam as Relativsätze com Studio D e com Schritte) apresenta uma melhor produção escrita em alemão, com 171 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

foco no tema gramatical explicitado, considerando-se uma “melhor produção” aquela que corresponde à elaboração de enunciados o mais próximos possível daqueles cuja gramaticalidade é instintivamente certificada por falantes nativos (cf., grosso modo, Chomsky, em Syntatic Structures). Demonstraremos, ainda, que existe uma relação direta entre o uso das diferentes instâncias da memória (a de longa e a de curta duração, cf. Baddeley em sua obra Memória, de 2010) e as duas abordagens suprareferidas de progressão de tópicos gramaticais em LD e em curso, permitindo, a sintética, o depósito paulatino de informações na memória de longa duração durante o processo de apresentação e pedagogização de tópicos gramaticais (e, como consequência, aquisição mais assentada de conteúdos); enquanto que a analítica, por sua vez, gera uma contraproducente sobrecarga de informação na memória de curta duração. Os resultados parciais da pesquisa serão apresentados, analisados e discutidos. Até o presente, observamos que os alunos que foram expostos à estrutura gramatical de forma fragmentária, ou em progressão sintética, sentiram-se à vontade para utilizá-la em toda sua complexidade (orações relativas com pronome no nominativo, acusativo, dativo e genitivo). Os aprendentes que passaram a conhecer a estrutura num único bloco, i.e., analiticamente, construíram tão-somente orações relativas no nominativo durante a feitura de exercícios livres de produção textual. Resta-nos verificar, conforme recebamos mais dados obtidos junto aos nossos informantes se (e por que) essa tendência se manterá ou não. Palavras-chave: Linguística Aplicada; alemão LE; ensino-aprendizagem de gramática; livro didático; orações relativas. Andreia Sanchez Moroni (UNICAMP) ASSOCIAÇÃO DE PAIS DE BRASILEIRINHOS DA CATALUNHA: POLÍTICAS LINGUÍSTICAS FAMILIARES PARA TRANSMISSÃO DO PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE HERANÇA Com as migrações internacionais, não é um fenômeno recente que comunidades de estrangeiros se fixem em novos países onde são utilizados idiomas diferentes de sua língua materna. O que sim sofre alteração são os fluxos migratórios, particularmente o fato de que desde a década de 1990 são cada vez mais os brasileiros residentes no exterior: hoje os principais destinos são Estados Unidos, Portugal e Espanha. Ao ter filhos, estes brasileiros se deparam, assim como muitos outros imigrantes, com a decisão de ensinar ou não sua língua a eles. Esta apresentação oral pretende contar a história da Associação de Pais de Brasileirinhos de Catalunha (APBC), fundada em 2009 em Barcelona, Espanha, e de sua experiência ao viabilizar uma política 172 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

para transmissão do português como língua de herança pensada por estas famílias e voltada a elas, a qual inclui aulas de português para crianças e outras práticas fora de sala de aula igualmente importantes (como as festas do calendário brasileiro e encontros sociais de natureza diversa) em que a cultura brasileira é produção histórica e construção discursiva e a língua portuguesa em sua variante brasileira é utilizada de maneira real e significativa, expondo as crianças a um contato maior e mais frequente com outros falantes. As motivações para a criação desta associação, o contexto sociopolítico em que se insere, a atuação dos pais membros da Associação para criar um ambiente favorável e estimulante para a aprendizagem do português com participação das famílias (considerando que as aulas constituem o momento formal de aprendizagem, mas principalmente uma extensão do que as famílias desejam em termos linguísticos para seus filhos) são alguns dos pontos a serem abordados. De certo modo, esta iniciativa também reflete o panorama atual da diáspora de brasileiros no mundo, sendo uma faceta local, viabilizada pela comunidade, de algumas políticas públicas do próprio governo brasileiro, como as atuais ações do Ministério de Relações Exteriores voltadas a este coletivo - que, entre outras coisas, destina anualmente uma verba a projetos culturais apresentados ao órgão ou faz interlocução com o Ministério da Educação para o envio de kit com livros para as crianças. Por outro lado, neste ponto da pesquisa, começa-se a delinear o perfil desses brasileiros como 1) crianças e 2) falantes bi ou multilíngues, com processos próprios de uso de mais de uma língua em contextos de heteroglossia, os quais incluem práticas como o translanguaging. Também consideramos os vínculos sociais e afetivos de cada língua para seu uso e aprendizagem. Como alunos/falantes de uma língua de herança, suas necessidades pedagógicas são de natureza diferente das dos alunos de língua estrangeira e estão vinculadas a questões de identidade, de se apropriar de um legado cultural e exercê-lo – daí a importância de que esse ensino/transmissão ocorra não apenas dentro de sala de aula, mas através do convívio, de vivências e de práticas coletivas que ocorrem dentro da comunidade de falantes, de brasileiros que querem manter viva não só uma língua, mas uma cultura – ainda que seja preciso condensá-la numa releitura, já que nem sempre é possível apresentar todas as nuances culturais de um país com as dimensões do Brasil. Com crianças que passam pelo processo de aquisição de linguagem expostas a mais de uma língua, também é possível neste ponto da pesquisa, já dispondo de alguns dados para análise, se aproximar de algumas amostras do falar dessas crianças, aspecto em que desejamos nos focar, mais que o da construção de identidades vinculada às línguas de herança em si – este segundo já abordado, por exemplo, por Ana Beatriz Barbosa Souza em sua 173 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

pesquisa com a comunidade brasileira de Londres intitulada Should I speak Portuguese or English? : ethnic and social identity construction in the language choices of Brazilian mothers and their mixed-heritage children at home and in a community language school in the UK (University of Southamptom, 2006). Assim, para apresentar os resultados atuais da pesquisa em curso, pretendo fazer um passeio, através da história da APBC, por alguns conceitos como: imigração, identidade, bi e multilinguismo, heteroglossia, aquisição de linguagem, língua de herança, educação na comunidade (community education), marco conceitual que delimita algumas das fronteiras possíveis para o percurso deste trabalho. Palavras-chave: imigração; políticas linguísticas; português como língua de herança; community education; APBC. Andreza Barboza Nora (UNICAMP) FORMAÇÃO BILÍNGUE DE PROFESSORES SURDOS E OUVINTES: PODERES E SABERES SOBRE A SURDEZ E AS LÍNGUAS EM USO No Brasil, o Decreto nº 5.626 de dezembro de 2005 é o responsável por regulamentar a Lei nº 10.436 de abril de 2002, que torna oficial a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Esse decreto, que figura como uma possível oportunidade de política linguística para os indivíduos surdos, trouxe determinações fundamentais: a inclusão da Libras como disciplina obrigatória nos cursos de formação de professores (em nível médio e superior); a oferta obrigatória, desde a Educação Infantil, do ensino da Libras e também da Língua Portuguesa (em sua modalidade escrita) para alunos surdos e a organização de classes de educação bilíngue. O Decreto torna possível, também, a criação de cursos superiores com o propósito de atender às demandas da comunidade surda. Inicialmente, dois cursos foram expressos de forma clara: a licenciatura Letras/Libras ou Letras-LIBRAS/Português, a fim de que sejam formados professores para lecionar a Libras desde o 6° ano do Ensino Fundamental até a Educação Superior, e o curso de Pedagogia Bilíngue (Libras/Português), para que sejam formados professores bilíngues para a modalidade da Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. Consoante com as determinações oficiais e buscando ampliar o seu campo de atuação, o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) – reconhecido nacionalmente como um Centro de Referência na Área da Surdez – implantou, no ano de 2006, o primeiro Curso Bilíngue de Pedagogia do Brasil. Assim, o Instituto reúne hoje em seu campus o tradicional Colégio de Aplicação, que forma alunos da Educação Básica, e o recente Departamento de Ensino Superior (DESU), que formou, no segundo semestre de 2012, sua quinta turma bilíngue de 174 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

professores/pedagogos. A partir das reflexões que tiveram origem no seio da minha interação com os profissionais e alunos do cenário em tela, o presente projeto foi elaborado com vistas a elucidar a seguinte questão norteadora: que representações circulam entre os professores, alunos e intérpretes de um Curso Superior Bilíngue de Formação de Professores/Pedagogos sobre a surdez e as línguas em uso? A pergunta inicial formulada, eixo orientador para a produção da pesquisa, traz junto a si outras questões – consideradas desdobramentos naturais e necessários – a serem respondidas no percurso da minha investigação. Tais desdobramentos estão formulados na forma de objetivos específicos a serem atingidos, são eles: compreender e analisar as representações construídas por professores, intérpretes e alunos sobre a surdez; compreender e analisar as representações construídas por professores, intérpretes e alunos sobre as línguas em uso nesse contexto educacional; identificar as representações que esses sujeitos fazem do contexto educacional no qual interagem; analisar de que modo as representações elaboradas estão presentes no processo de ensino que se desenvolve neste cenário. A fim de encaminhar a pesquisa que aqui proponho, a discussão estará calcada em uma perspectiva indisciplinar da Linguística Aplicada. Serão utilizadas concepções oriundas da Análise Crítica do Discurso, dos Estudos Culturais, do Multiculturalismo, dos chamados Estudos Surdos, da Educação Bilíngue no âmbito de minorias linguísticas e também no campo da surdez. Reunidas, as contribuições teóricas referenciadas serão o apoio na busca de uma interpretação possível para a articulação entre representações, linguagem, ensino e formação de professores. Trabalho com o pressuposto de que as representações construídas pelos alunos, professores e intérpretes do Curso Superior Bilíngue de Pedagogia sobre a surdez, e as línguas em uso podem produzir repercussões no processo de ensino desenvolvido neste cenário sociolinguisticamente complexo, como também podem repercutir, por consequência, nas futuras práticas docentes dos licenciandos. A pesquisa proposta é interpretativista de cunho etnográfico. O corpus será proveniente da geração de registros, em trabalho de campo, que será feita por meio de anotações, diário de campo, entrevistas, gravações em vídeo (necessárias em virtude de as línguas de sinais serem viso-espaciais), conversas informais. Palavras-chave: Representações; Formação de professores; Surdez; Línguas de sinais; Língua portuguesa.

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Anelise Scotti Scherer (UFSM) A AUTORIA POR MEIO DA PARTICIPAÇÃO PERIFÉRICA LEGÍTIMA EM UMA COMUNIDADE DE PRÁTICA VOLTADA PARA A PESQUISA E O ENSINO DE LINGUAGEM Como parte do projeto guarda-chuva PQ-CNPq Letramento acadêmico/científico e participação periférica legítima em comunidades de produção de conhecimento (Registro comitê de ética UFSM em andamento), coordenado pela professora Désirée MottaRoth, este projeto de tese tem por objetivo investigar, sob uma perspectiva interdisciplinar, as práticas de letramento acadêmicocientífico envolvidas em uma comunidade de prática da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), voltada para a pesquisa e o ensino da linguagem, para verificar em que medida e como se dá a autoria por meio da participação periférica legítima nesse contexto. Para tanto, tomo como base os fundamentos teóricos de duas perspectivas que se complementam: a de letramento crítico e da Análise Crítica de Gênero (ACG). O conceito de letramento crítico que adoto neste projeto retoma os Novos Estudos do Letramento de, por exemplo, Brian Street, e os estudos sobre Multiletramentos de, por exemplo, Bill Cope and Mary Kalantzis. No Brasil, o conceito remete à pedagogia crítica de Paulo Freire, segundo a qual a alfabetização – antes vista como o “processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e escrita” (Magda Soares, Alfabetização e letramento, p. 15) – é um processo de “conscientização, politização, meio de tornar o homem consciente de sua realidade e de sua possibilidade de transformá-la” (p. 121). Nesse sentido, ensinar linguagem em seus diferentes modos de significação, segundo a perspectiva de Multiletramentos, requer atenção a, pelo menos, quatro aspectos no processo de ensino e aprendizagem (New London Group, A pedagogy of multiliteracies: designing social futures, p. 22): 1) Prática situada: imersão na experiência e utilização dos discursos em diferentes contextos, incluindo aqueles que permeiam a vida dos alunos, e simulações das relações encontradas nos ambientes profissionais e públicos; 2) Ensino explícito: entendimento consciente, analítico e sistemático. No caso dos multiletramentos, isso requer a introdução de metalinguagem explícita, que descreve e interpreta os elementos de diferentes modos de significação; 3) Concepção crítica: interpretação do contexto cultural e social de modelos de significação particulares. Isso envolve um afastamento do aluno em relação ao objeto de estudo para considerá-lo criticamente em relação ao contexto; e 4) Prática transformadora: transferência/realocação das práticas de significação, a partir da qual o significado transformado é articulado em outros contextos ou locais culturais. A abordagem 176 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

interdisciplinar da ACG, por sua vez, combina princípios teóricos e metodológicos da Sociorretórica (SR), da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), e da Análise Crítica do Discurso (ACD). De um lado, essas perspectivas combinadas enriquecem os estudos da linguagem ao concebê-la como prática social e ao possibilitarem o estudo do texto e do contexto de forma indissociável, atentando para a relação entre a léxico-gramática e o contexto sociocultural de uso da linguagem. De outro lado, cada uma dessas perspectivas contribui para a ACG com conceitos e princípios específicos, tais como: a estratificação da linguagem, texto, contexto de situação e contexto de cultura, na LSF; gênero, sistema e conjunto de gêneros, na SR; a visão tridimensional de discurso, que inter-relaciona o texto, a prática discursiva e a prática social, no caso da ACD. Nesse contexto, este trabalho, o qual corresponde à fase inicial da investigação, consiste em uma análise textual e contextual de Projeções em resumos expandidos, publicados por um mesmo autor em anais de eventos acadêmicos das áreas de Artes Visuais e Educação, com vistas a investigar o grau de engajamento do autor em relação ao discurso do outro, ao longo de seu processo formativo. Para tanto, um corpus de quatro resumos expandidos (total de 7.329 palavras), publicados entre 2007 e 2012, são analisados sob a perspectiva da Gramática Sistêmico-Funcional de Michael Halliday e Christian Matthiessen e do Sistema de Avaliatividade de Jim Martin e David Rose. Os resultados apontam para uma relação entre os quatro textos analisados e quatro fases do processo formativo vivenciado pelo autor, as quais correspondem a diferentes papéis desempenhados pelo mesmo na comunidade de prática estudada. Espera-se que, ao final da investigação, uma sistematização dos resultados possa servir como subsídio para a elaboração de propostas pedagógicas que visem ao letramento científico-acadêmico por meio da participação periférica legítima, sob a perspectiva de letramento crítico e de Multiletramentos. Palavras-chave: Práticas de letramento acadêmico/científico; Letramento crítico; Autoria; Análise Crítica de Gênero. Carolina Assis Dias Vianna (UNICAMP) A ASSESSORIA PEDAGÓGICA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: ENTRE O CONHECIMENTO TEÓRICO E A ATUAÇÃO PRÁTICA Neste trabalho, pretendo apresentar as linhas gerais de meu projeto de pesquisa de doutorado em andamento, sob orientação da Profa. Dra. Angela Kleiman, intitulado provisoriamente “A assessoria pedagógica 177 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

como espaço de formação continuada de professores: entre o conhecimento teórico e a atuação prática”. O objetivo geral da pesquisa é dar a conhecer e analisar minha atuação como assessora pedagógica em uma grande Editora do País a fim de compreender como se dá a formação de professores nesse contexto e, com base nas análises, encontrar subsídios para a criação de cursos voltados à formação docente em instituições acadêmicas. Nesta apresentação, focalizarei o contexto em que a pesquisa se desenvolve, ainda pouco conhecido na academia, a assessoria pedagógica. A assessoria pedagógica aparece, a meu ver, como um novo espaço dedicado à formação docente, área que vem se instituindo não apenas em editoras, como no meu caso, mas que também é oferecida por redes de materiais apostilados ou, ainda, por meios particulares, como um serviço pago, com empresas contratadas pelas escolas exclusivamente para tal fim. Trata-se de uma formação que acontece interiormente à escola, no local de trabalho dos professores, e não na universidade, constituindo-se em um campo ainda pouco estudado pelas pesquisas acadêmicas. São iniciativas em grande crescimento, porém as universidades sabem pouco sobre o que ocorre nesse espaço formativo. Conhecê-lo é, portanto, importante tanto para as pesquisas sobre a formação do professor quanto para os cursos que as instituições acadêmicas oferecem a esses indivíduos. Meu interesse pelo trabalho com a assessoria pedagógica se deu também porque vi nele a possibilidade de me aproximar de professores em contextos diversos, como formadora, mas não como acadêmica, e, mais do que isso, poder construir com eles uma relação talvez menos assimétrica se comparada às interações que em geral ocorrem em contextos de formação acadêmica. Cuche, na obra “A noção de cultura nas ciências sociais”, de 2002,, afirma na página 185 que grupos sociais diferentes têm menos ou mais poder, dependendo da posição que ocupam “no sistema de relações” que os conecta. Assim, segundo o autor, “nem todos os grupos têm o poder de nomear e de se nomear”. A academia e os formadores acadêmicos, sem dúvida, têm maior poder do que os professores em formação, o que não ocorre com os assessores pedagógicos, daí a possibilidade da constituição de uma relação mais simétrica entre professores em formação e assessores pedagógicos. Assim, para esta apresentação proponho descrever o serviço de assessoria pedagógica realizado no contexto específico em que se desenvolve, e trazer alguns dados iniciais a serem analisados sobre os espaços em que ocorrem os momentos de formação no âmbito da assessoria pedagógica. Com isso, espero poder apontar caminhos novos também para os cursos oferecidos em contexto acadêmico, a fim de encontrar estratégias para tentar estabelecer uma maior proximidade entre formadores acadêmicos e professores em 178 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

formação. Para tanto, a perspectiva metodológica qualitativointerpretativista foi considerada a mais adequada. Considero, ainda, que se trata de uma pesquisa “pesquisa-ação socialmente crítica” (tal como define Tripp na página 459 do artigo “Pesquisa-ação: uma introdução metodológica”, de 2005), uma vez que pretendo contribuir não apenas para melhorar o trabalho da assessoria pedagógica na Editora, mas também trazer elucidações ao campo da formação de professores em geral, oferecendo apontamentos para possibilitar a organização de cursos de formação docente mais eficientes. Autores que discutem a formação de professores já há algum tempo apontam que entre os impasses da área está a divergência de perspectivas de professores em formação e formadores acadêmicos. Por isso seria importante que a universidade questionasse o papel que exerce, uma vez que é mais legitimada socialmente como produtora de conhecimento do que a escola, e por isso exerce maior autoridade no contexto da formação docente. A abordagem teórica para análise dos dados gerados tem por base a concepção bakhtiniana de linguagem, em uma abordagem enunciativo-discursiva. Considero que os enunciados gerados nas interações entre os sujeitos da pesquisa nos eventos de assessoria, bem como suas apreciações sobre esses eventos, constituem uma “fração de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta” (Voloshinov/Bakhtin, na obra “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, página 123 da edição de 2002) e respondem aos enunciados já antes proferidos, bem como dão base a outros que os sucederão. Estão, portanto, relacionadas a diferentes discursos de esferas também diversas, sejam elas a escola, a Editora, os órgãos públicos, a academia, etc. Parto, ainda, dos Estudos de Letramento, assumindo a assessoria como uma prática de letramento, isto é, uma atividade permeada pelo uso da língua escrita como tecnologia, e os encontros de assessoria como eventos situados, que devem ser analisados levando-se em conta as diversas nuances que fazem parte da situação comunicativa, isto é, quando, onde, por quem, em quais circunstâncias se realizam as interações. Palavras-chave: formação de professores; academia; assessoria pedagógica; práticas de letramento; assimetria. Davi Faria De Conti (UNICAMP) PERSPECTIVAS SOBRE O LETRAMENTO DIGITAL NA FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR Esta pesquisa debruça-se sobre a formação de professores para a introdução das tecnologias digitais na escola oferecida pelo Ministério 179 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

da Educação (MEC) através do Programa Nacional de Tecnologia Educacional (Proinfo), interrogando o material de análise sobre os sentidos de educação e de espaço digital que sustentam o programa e sobre os discursos que são colocados em cena nesse processo. Damos especial atenção a dois programas de informatização da escola pública pelo MEC. De um lado, há o programa Um Computador por Aluno (doravante UCA), cuja implementação teve início em 2010. O projeto prevê a distribuição de computadores para alunos e professores de escolas selecionadas, bem como a formação de docentes e gestores para o uso dos equipamentos e uma infraestrutura que garanta o acesso à internet. Do outro lado, há o projeto de distribuição de tablets (um computador móvel em formato de prancheta, medindo entre 7 e 12 polegadas) para escolas selecionadas, anunciado pelo MEC em 2012. O objetivo geral deste projeto é analisar os discursos que sustentam a incorporação da tecnologia digital à educação conforme proposta pelo programa de formação do professor Proinfo Integrado. Compõem nosso material de análise os textos em circulação no curso à distância “Introdução à Educação Digital”, oferecido aos professores pelo MEC através do eProinfo e entrevistas etnográficas que serão feitas com professores da rede pública estadual em Campinas-SP. Buscamos compreender os sentidos de tecnologia e de escola em jogo nesse processo, bem como refletir sobre a formação de alunos para que o discurso que os sustentam aponta. O dispositivo teórico através do qual os materiais serão analisados ancora-se na Análise de Discurso de perspectiva materialista (AD), tal qual formulada por Michel Pechêux na França e por Eni Orlandi no Brasil. Lemos a informatização da escola como inserida em uma discussão mais ampla sobre a ampliação do escopo da formação oferecida pela educação formal, em pauta nos grupos teóricos que refletem sobre multiletramentos. Entende-se, por esse prisma, a existência de uma pluralidade de linguagens em que os sujeitos estão imersos de que o currículo escolar, pensado em moldes tradicionais, não dá conta. No entanto, ao contrário de defender novas incorporações ao velho currículo, os proponentes da pedagogia dos multiletramentos entendem que a introdução dessas linguagens à escola parte do reconhecimento da natureza multicultural da sala de aula, até então negada pela educação formal tradicional. Em outras palavras, trata-se de incorporar as linguagens digitais à educação não para acompanhar as mudanças na dinâmica produtiva extraescolar, mas para reconhecer que os alunos produzem e leem textos constituídos por diferentes entrecruzamentos dessa pluralidade de linguagens, que abrange modos de significar muito mais diversos que o verbal. Analisar os conteúdos propostos pelos atuais cursos de formação do professor para a tecnologia digital na escola do MEC, interrogando-os sobre os paradigmas pedagógicos que os sustentam, 180 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

ajudará a mapear as expectativas da instituição em relação à própria maneira como a leitura, interpretada aqui em sua amplitude multissemiótica, será trabalhada em sala de aula. Refletimos, finalmente, sobre as relações entre sociedade, dinâmica produtiva e educação sustentadas no nosso material de análise. Para tanto, recuperamos as formulações de Max Weber sobre a ética protestante como eixo da produção capitalista, para propor a existência de dois discursos em jogo na educação para as tecnologias digitais: de um lado, há o discurso produtivo (protestante), que prega a sujeição às novas ferramentas para acompanhar o ritmo do capitalismo rápido; de outro, há o discurso livre (hacker), que entende a tecnologia como fluida e o sujeito como determinante da relação. Para traçar as condições de produção do nosso material de análise, realizamos um histórico das iniciativas de inserção de novas tecnologias na educação brasileira, bem como um panorama das teorias sobre a informática na escola. Além disso, mapeamos o estado da incorporação da tecnologia digital nas escolas estaduais de Campinas-SP, recorrendo às databases desenvolvidas pela própria Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e pelo NEPO/Unicamp. Ao abordar por esse prisma o material de análise composto pelos textos em circulação na disciplina “Introdução à Educação Digital”, oferecida pelo MEC através do ambiente virtual de aprendizagem eProinfo e pelos depoimentos de professores da rede pública do município de Campinas-SP coletados em entrevistas orais, pretendemos levar a cabo uma análise abrangente dos discursos que sustentam o funcionamento institucional da escola diante do espaço digital. Interessa-nos a questão: a qual interação entre sujeito e máquina (e, de maneira mais profunda, entre leitor e texto) as diretrizes identificadas no programa de formação de professores que nos propomos a analisar levam? Palavras-chave: Multiletramentos; TICs; Educação e tecnologia; Análise de Discurso. Eduardo Dias da Silva (UnB) O TEXTO TEATRAL, O CORPO E A VOZ NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LÍNGUA ESTRANGEIRA Na condição de professor de Língua Estrangeira (LE) e, portanto, de trabalhar – na rede pública ou privada — com uma clientela diversificada, seja por idade, classe social, escolaridade ou gênero, e tendo mais de 10 anos de experiência em sala de aula no processo de ensino-aprendizagem de línguas, percebemos que há uma mudança de postura corporal (gestos voluntários ou não) nos aprendizes ao se 181 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

expressarem oralmente em outras línguas. Tais mudanças são também perceptíveis no tom, na entonação e no ritmo da voz. Ao pesquisarmos esse assunto, verificamos a inexistência de referenciais teóricos que tratem do assunto no que tange ao ensino de línguas e sua didática no uso do texto teatral, do corpo e da voz no desenvolvimento da oralidade seja simplesmente por fatores emotivos, lúdico-pedagógico e/ou para entretenimento. Na busca de sanar ou clarificar as nossas indagações, surgiu um grande interesse em pesquisar o tema em tela, pois acreditamos que existem outros profissionais de Línguas Estrangeiras (LE) que se preocupam com o seu fazer pedagógico a fim de motivar e proporcionar o desenvolvimento da oralidade nos seus aprendizes. Prosseguindo na nossa busca por maiores conhecimentos, foi possível obter, por meio da disciplina Tópicos Especiais em Linguística Aplicada II: práticas teatrais no desenvolvimento da oralidade em Língua Estrangeira, ministrada pela Professora Doutora Maria da Glória Magalhães do Reis no Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade de Brasília (PGLA/LET/UnB), que realizamos no segundo semestre de 2011, uma boa base e ainda mais vontade de mergulhar na pesquisa desse assunto ainda em processo de formação de corpus teórico no Brasil. As perguntas que norteiam esta pesquisa qualitativa de cunho documental consistem basicamente nas seguintes: a) quais são os papéis dos sujeitos envolvidos (aprendizes, professores, textos) no processo de apropriação de oralidade em língua estrangeira?; b) de que maneira o texto teatral, o corpo e a voz contribuem para apropriação de língua estrangeira no ensino brasileiro? A propósito, cabe acrescentar que fazemos uso da perspectiva hermenêutico-fenomenológica que é o referencial metodológico adotado para a pesquisa apresentada em tela. Pretendemos, ao lançar mão de tal metodologia, esclarecer os processos de apropriação da oralidade em Língua Estrangeira (LE) por meio do texto teatral, do corpo e da voz e dessa forma, indicar, se possível, um novo referencial teórico norteador dessas práticas em sala de aula e/ou em outros ambientes de ensino-aprendizagem. Alguns dos materiais disponíveis, já consultados, como manuais didáticos, têm como foco o texto teatral para produção escrita e/ou compreensão escrita, quando há essa tímida presença. Sendo assim, a pesquisa é elaborada a partir da (re)análise de material já publicado, constituído principalmente de livros, teses e artigos de dois professores-pesquisadores brasileiros, a saber: Paulo Roberto Massaro e Maria da Glória Magalhães dos Reis, vistos aqui como professores reflexivos, que tratam desse tema no Brasil, com o propósito de responder aos questionamentos da pesquisa em tela. Nesta comunicação, primeiramente discutimos as teorias de linguagem e o texto estético, com o objetivo de justificar o arcabouço teórico da nossa pesquisa. Em seguida, abordamos o texto teatral, suas 182 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

definições e características como pertencentes ao construto do texto estético. As teorias sociodiscursivas também são visitadas, sendo que nelas verificamos o papel da linguagem e da enunciação, salientando a questão das vozes e a constituição delas na aprendizagem de Língua Estrangeira (LE). O sociointeracionismo discursivo, o papel da voz e do discurso são também alvo de análises e reflexões que auxiliam a apropriação da oralidade ou práticas orais em Língua Estrangeira (LE) que desejamos verificar no fazer do texto teatral como mediador das práticas orais nos estudos dos dois professores-pesquisadores já mencionados. Portanto, ao final da pesquisa, objetivamos elaborar um breve apanhado histórico do uso e das práticas do texto teatral, do corpo e da voz na apropriação da oralidade em LE no que tange ao ensino de Língua Estrangeira (LE) no Brasil e organizar os referenciais teóricos norteadores dessas práticas que favorecem a apropriação da oralidade dos aprendizes nas aulas de LE (Francês) em qualquer ambiente de ensino-aprendizagem sob duas abordagens, como forma de prazer e como recurso didático. Logo, por meio dos resultados da nossa pesquisa, desejamos apontar a importância de se fornecerem oportunidades para que os professores possam conhecer, refletir e discutir suas ações. E é de se ressaltar que não pretendemos, em hipótese alguma, esgotar todas as possibilidades de pesquisa que envolve os construtos supracitados seja na área da Linguística Aplicada (LA) ou na área da Educação Teatral. Palavras-chave: texto teatral; corpo; voz; formação de professores; língua estrangeira. Esther Melo Shiga (UNICAMP) DO RELIGIOSO AO ESPIRITUAL – CONSIDERAÇÕES SOBRE A ÉTICA DA PSICANÁLISE Em “O Mal estar na civilização”, Sigmund Freud afirma que tanto os mais arrebatados revolucionários quanto os crentes mais virtuosos estão, no fundo, apenas à procura de uma consolação. Diante dessa exigência, ele humildemente assume que não pode oferecer consolo algum. A psicanálise estaria, neste sentido, em um caminho contrário ao da religião, que não apenas oferece esta consolação, mas é a única "capaz de resolver a questão do propósito da vida" (p.83). Confrontada com o poder da religião, resta à psicanálise tentar sobreviver. A religião oferece conforto e preenche o vazio da existência oferecendo sentido às intermitências da vida. Na contramão, o tratamento analítico, através da experiência com o inconsciente, introduz falha e equivoco, e qualquer certeza passa a ser questionável. Porém o que, em termos, 183 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

seria um paradoxo, é possível ser encontrado hoje nos consultórios de psicanálise: pacientes demasiadamente religiosos. Se, em tese, esses pacientes já teriam todas as respostas apenas na prática de seu credo, o que buscam quando pedem uma análise? A partir dessa questão central, a presente pesquisa visa, primeiramente, produzir um estudo sobre as aproximações e distanciamentos entre a psicanálise e a religião. Foi no meio judaico-cristão que a psicanálise surgiu, e Jacques Lacan ressalta que “tanto a meditação de Freud em torno da função, do papel e da figura do Nome-do-Pai como toda sua referência ética giram em torno da tradição propriamente judaico-cristã, e nela são inteiramente articuláveis” (O triunfo da religião, p.28). Philippe Julien, ao estudar esse tema, nos adverte que o que possibilitou um lugar para a psicanálise no século XX foram os abalos que atingiram a ética tradicional, ética esta que Kant nos apresenta ao dizer que é no Bem supremo que nos sentimos bem, já que existe uma ordem no mundo, no qual o bem e a felicidade conjugam-se num mesmo ponto. Essa tradição foi amplamente questionada pela interrogação trágica, que abala a ideia de um Deus supremo, fonte de felicidade e amor, já que nos mostra deuses passionais, capazes de realizar atrocidades. A tragédia coloca em jogo a má sorte e aponta a falha entre a virtude e a felicidade. Mas, segundo Philippe Julien, a verdadeira contestação a essa ética tradicional vem verdadeiramente da revelação mosaico cristã, que funda uma ética inteiramente nova. O cristianismo dá um novo sentido ao trágico, e os infortúnios humanos passam a ser vividos como consequência dos próprios atos, e não como amarras do destino. Ao fazer Deus descer até o homem, e o homem até o mundo, o cristianismo contradiz a concepção de uma verdade eterna. Slavoj Zizek acrescenta que, a partir da frase proferida por Cristo: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?”, o cristianismo faz entrar em cena a própria dúvida do ateu no próprio Deus. E através da encarnação do verbo encontramos um Deus que abandona a sua posição transcendente e se precipita na sua própria criação, comprometendo-se com ela até a morte. O que morre, com o anúncio dessas palavras de Cristo é o Deus todo poderoso e assim a possibilidade de relação com um Deus que preenche o vazio e a falta. Deus, na figura de Cristo, passa a estar do lado do homem e junto conosco contesta ao pai a falta de sentido de tudo. Mas, se o cristianismo funda uma ética nova através da morte do Deus onipotente, o discurso religioso, por outro lado, apresenta uma moral para preencher esse encontro com o vazio: a morte de Deus é seguida da ressurreição, o que leva novamente à ideia de plenitude. Porém, Jacques Lacan nos alerta que, nesse ponto, os psicanalistas devem trilhar seu próprio caminho. Qual seria o caminho que a psicanálise nos indica diante da morte de Deus, da falta de proteção? O que a 184 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

psicanálise propõe frente ao vazio? Se existir como desejante é poder desmarcar-se do desejo do Outro, a análise provocaria alguma mudança na relação do sujeito com o discurso religioso? A indicação de Jacques Lacan, - de que o que melhor situa o analista é o que se chamou de santo - nos indicaria uma saída ética? Um outro posicionamento frente à culpa e ao desejo? Na tentativa de responder às questões levantadas, será realizada uma pesquisa de âmbito teórico, tendo sempre em mente a prática clínica, na qual o problema da pesquisa se fez questionador e onde o desenvolvimento da pesquisa terá acolhida. Palavras-chave: Psicanálise; Ética; Religião; Espiritualidade; Vazio. Fernanda Félix Litron (UNICAMP) CURRÍCULO ESTADUAL PAULISTA PARA LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO MÉDIO: PROPOSTA DE AVALIAÇÃO DO DOCUMENTO REFERENCIAL E DOS CADERNOS DE APOIO À SUA IMPLEMENTAÇÃO No ano de 2008, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo propôs uma vultosa reforma pedagógica a ser implantada de forma imediata em todas as escolas da rede pública. Tal reforma apresentava um novo currículo para as disciplinas do Ensino Fundamental e Médio, criação alicerçada no levantamento e revisão bibliográfica de toda documentação oficial produzida na história recente da Secretaria, em consulta e análise de publicações e projetos existentes na rede, assim como em pesquisa às escolas e professores sobre práticas e experiências bem sucedidas no cenário educacional paulista. A partir desse embasamento, originou-se a Proposta Curricular do Estado de São Paulo, documento que buscava apoiar o trabalho realizado nas escolas estaduais e contribuir para certa unificação das aprendizagens de seus alunos. Para isso, a proposta curricular foi apoiada por outros materiais pedagógicos que a subsidiaram, tais como: o conjunto de apostilas curriculares de todas as disciplinas, direcionado às escolas; documentos de apoio aos diretores e coordenadores para que estes se tornassem “líderes” na implantação do currículo; cadernos bimestrais de orientação para o professor, bem como vídeos e cursos de apoio sobre a fundamentação teórica de sua disciplina; e, finalmente, cadernos bimestrais para o aluno executar tarefas segundo o caderno do professor. Dessa maneira, a proposta curricular foi apresentada ao corpo docente estadual, indicando a ele, a partir daí, os conteúdos a serem trabalhados em cada disciplina. Este trabalho de pesquisa, portanto, procura analisar a implantação de tal currículo da rede pública de ensino do Estado de São Paulo, examinando mais 185 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

atentamente a proposta para a disciplina de Língua Portuguesa no Ensino Médio. São investigados, para isso, os embasamentos teóricos e metodológicos subjacentes a tal proposta curricular e as relações que esta tem com os demais documentos referenciais brasileiros. A análise também se estenderá aos materiais complementares desse currículo, intitulados Cadernos do Professor e do Aluno, que se apresentam, respectivamente, como recomendações didáticas ao professor e atividades prescritas aos alunos, elaboradas especificamente para aplicação do currículo em sala de aula. Desta forma, o trabalho de análise dessa pesquisa se propõe, especificamente: a) situar, sincrônica e diacronicamente, a proposta curricular paulista no contexto da história da disciplina de Língua Portuguesa e das políticas educacionais curriculares do Brasil e do Estado de São Paulo; b) analisar o currículo oficial de Língua Portuguesa, investigando os embasamentos teóricos e metodológicos subjacentes e relacionando-os às teorias de currículo e de ensino de língua materna; e, c) mapear, descrever e realizar leitura crítica de três materiais distintos: “Currículo de Língua Portuguesa do Ensino Médio”, “Cadernos Bimestrais do Professor” e “Cadernos Bimestrais do Aluno”; tendo em vista as teorias de transposição didática e os objetos de ensino de Língua Portuguesa. A análise de conteúdo documental pode ser descrita a partir de três procedimentos ou etapas, quais sejam, a pré-análise do texto introdutório do currículo e da lista de conteúdos e habilidades previstas para o Ensino Médio – procedimento realizado a partir de uma leitura de reconhecimento de teorias e conceitos subjacentes ao documento; a reorganização do material, processo em que se sistematizam conteúdos e conceitos de acordo com elementos considerados comuns e recorrentes não só no texto referencial estadual, mas ainda nos Cadernos de apoio do Professor e do Aluno; e, finalmente, o tratamento e comparação de resultados, que corresponde à interpretação dos dados obtidos nas etapas anteriores, a partir do contraste entre documentos referenciais estaduais e federais. O atual estado da pesquisa encontra-se na fase de reorganização do documento curricular e pré-análise dos Cadernos de apoio e, por essa razão, não adiantaremos aqui dados preliminares dos estudos já realizados. De qualquer forma, evidentemente, resultados parciais serão apresentados na comunicação oral do seminário. Palavras-chave: currículo; Ensino Médio; ensino de língua portuguesa; língua portuguesa no Ensino Médio.

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Flávia Danielle Sordi Silva Miranda (UNICAMP) LETRAMENTOS DIGITAIS E ACADÊMICOS EM CONTEXTO UNIVERSITÁRIO: INVESTIGANDO PRÁTICAS LETRADAS EM UM CURSO DE LETRAS DE UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA A existência de diversas e frequentes práticas letradas no Ensino Superior é tema relevante por corresponder ao interesse de sujeitos sociais heterogêneos: docentes, discentes, acadêmicos, avaliadores e pesquisadores, entre outros. Algumas delas são comuns a várias áreas do conhecimento, como provas, resumos e relatórios; outras, recorrentes no conteúdo programático de cada campo, departamento, curso: nos cursos de exatas é costumeira a solicitação das chamadas “listas de exercícios” a serem resolvidas pelos graduandos; já nos cursos de humanas, são clássicas as discussões orais sobre determinadas obras e assuntos, além da produção escrita de resenhas e ensaios acerca de textos teóricos. Diante disso, vários pesquisadores vêm se dedicando à compreensão das práticas que se dão nesses contextos de ensino-aprendizagem de nível superior e quais as implicações delas tanto para a vida acadêmica, quanto profissional dos universitários em universidades distintas do país e, inclusive, em contexto estrangeiro. Dentro desse quadro, a pesquisa de doutorado que será apresentada, iniciada em 2012, propõe-se a estudar práticas letradas que se dão em um contexto universitário específico, a saber, o curso de Letras do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (IEL-UNICAMP) por meio do acompanhamento de estudantes que estão ao final da graduação (penúltimo ou último ano). A partir dos Novos Estudos do Letramento – NLS – e de perspectiva que visa conjugar letramentos acadêmicos e digitais, o objetivo geral do projeto é investigar práticas letradas desenvolvidas no Ensino Superior, no curso de Letras da Unicamp, com alunos que estão na graduação, focalizando o uso do digital e quais suas implicações para o letramento acadêmico. De modo específico, com o trabalho tencionamos compreender o modo como se estabelecem as práticas letradas nesse curso, visando identificar eventuais lacunas que levam os graduandos a “falharem”, na perspectiva de seus professores e de si próprios ou, em contrapartida, como se dão práticas tidas como de sucesso que permitem aos estudantes “acertarem”, também do ponto de vista dos docentes e discentes. Ademais, tencionamos examinar a maneira como os graduandos do curso de Letras da Unicamp se constituem gradativamente como sujeitos acadêmicos que dominam gêneros orais e escritos circulantes na universidade, investigando ainda a influência de práticas que envolvem as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação – TDIC – e de relações de poder nesses 187 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

processos de construção das identidades acadêmicas dos alunos. Com isso, poderemos verificar quais as “dimensões escondidas” do trabalho com gêneros acadêmicos que requerem TDIC, a presença (ou não) da “prática institucional do mistério” nas atividades de produção dos universitários e observar como os graduandos em Letras veem-se diante de suas futuras docências com alunos que, provavelmente, dominarão TDIC e farão usos delas em seus cotidianos. Os conceitos teóricos fundamentais do trabalho, em desenvolvimento, são o(s) letramento(s) no viés dos Novos Estudos do Letramento que contempla os Letramentos Acadêmicos e os Letramentos Digitais, bem como a concepção enunciativa sócio histórica e de gêneros discursivos de Bakhtin. Trata-se de pesquisa qualitativa, inserida na Linguística Aplicada, de base metodológica etnográfica cujos dados serão analisados à luz do dialogismo bakhtiniano. Nesse prisma, serão analisadas as produções e interações de nove alunos matriculados no curso de Letras que cursaram a disciplina de Estágio Supervisionado no primeiro semestre de 2013, ou seja, escritas, trabalhos para a disciplina, discussões orais em sala de aula, interações via internet e pela plataforma on-line Teleduc, entrevistas, anotações dos universitários etc. Por outro lado, ao assumirmos que qualquer enunciação, incluindo a escrita e, por conseguinte, a escrita acadêmica, é dialógica, as práticas de escrita acadêmicas não podem ser tratadas como atividades que se encerram em si, independentemente, do contexto em que se insiram, visto que são parte de um todo complexo no qual os enunciados relacionam-se a anteriores e projetam réplicas posteriores, em processo contínuo e interminável. Dessa forma, então, também serão observados e analisados os contextos em que as práticas acadêmicas se dão por meio de entrevistas com alunos e professores, acompanhamento de assembleias e reuniões no instituto em questão, compilação de documentos relativos ao curso, tais como diretrizes e programas de disciplinas, entre outros. Espera-se, por meio da pesquisa, apresentar resultados que contribuam para reflexões acerca do Ensino Superior público e sobre eventuais lacunas presentes em situações de comunicação na esfera acadêmica, questionando-as e quiçá, fornecendo bases para reestruturar currículos e práticas, pelo menos, no curso de graduação em questão, visto que o ingresso no Ensino Superior transpassa acesso físico à instituição, mas se estende à compreensão do funcionamento de práticas sociais permeadas por relações de poder. Enfim, por se tratar de estudo que compreende a esfera pedagógica, uma vez que o curso é de licenciatura, busca-se encontrar resultados que beneficiem reflexões acerca da prática docente dos graduandos em suas atuais e/ou futuras atividades em salas de aulas, instigando reflexão também sobre a identidade docente na contemporaneidade. 188 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Palavras-chave: letramentos acadêmicos; letramentos digitais; curso de Letras; gêneros; formação de professores. Inti Anny Queiroz (USP) O GÊNERO PROJETO CULTURAL: SUAS RELAÇÕES DIALÓGICAS E ESPECIFICIDADES DISCURSIVAS As políticas públicas de cultura no Brasil bem como o surgimento de leis de incentivo fiscal geraram, nos últimos anos, novas possibilidades de viabilização da produção cultural, tornando-se assunto de grande relevância na construção social brasileira. A principal ferramenta utilizada para viabilizar ações culturais no Brasil atualmente é o projeto cultural, aliado às leis de incentivo à cultura. A questão principal desta pesquisa de mestrado é refletir sobre de que forma o gênero discursivo “projeto cultural” se constitui na esfera político-cultural brasileira? A pesquisa de mestrado com defesa prevista para abril de 2014 tem como corpus principal de estudo seis projetos culturais aprovados nas leis de incentivo, que estão relacionados à esfera político-cultural e ao universo das políticas públicas de incentivo à cultura, produzidos nos últimos anos e que serão analisados a partir de conceitos teóricos do Círculo de Bakhtin. Além dos seis projetos culturais, a pesquisa analisou também as leis de incentivo à cultura, formulários e manuais que se referem a estas leis de incentivo. A partir de uma análise discursiva sociodialógica observamos como estes enunciados operam na esfera político-cultural brasileira e como o gênero do discurso projeto cultural se relaciona a outros enunciados de outras esferas diversas do conhecimento como: a esfera legislativa (leis de incentivo à cultura) responsável por normatizar os projetos culturais em questão, a esfera estatal relativa aos órgãos executivos de cultura, a esfera artística onde os projetos são desenvolvidos, a esfera midiática onde os projetos são divulgados, a esfera corporativa aliada à esfera publicitária onde os projetos são escolhidos para patrocínio. Nossa pesquisa parte da constatação da necessidade de análise e observação do gênero discursivo projeto cultural, entendido aqui como constituidor da esfera e como ferramenta de mediação social, seja em suporte digital ou impresso. Essa observação busca não apenas a análise, mas busca contribuir para a reflexão e melhoria nos usos dessas ferramentas textuais, de maneira a democratizar o acesso às possibilidades oferecidas pelas leis de incentivo à cultura no Brasil. A importância de analisarmos o projeto cultural alvo do nosso estudo sob o viés do contexto sócio-histórico concerne não apenas pela questão histórica em si, mas principalmente pela compreensão do universo cultural de 189 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

uma forma relacionada à esfera sociopolítica nacional e aos mecanismos criados pelo poder público em benefício da cultura em produção, neste caso, o projeto cultural em questão. Para analisar as esferas utilizaremos as reflexões de Bakhtin relativas à esfera presentes em seu estudo “Estética da Criação Verbal” (2003). Bakhtin opera o conceito de Esfera, sem explicitar uma definição única. O teórico russo faz uma reflexão de cunho filosófico sobre o assunto e por vezes costuma chamar as esferas ideológicas de “campos da atividade humana”. A cada esfera estão relacionados tipos específicos de enunciados, ou como Bakhtin preferiu chamar, os gêneros discursivos, que são os “tipos relativamente estáveis de enunciados” cuja esta estabilidade é mais facilmente percebida em esferas mais estáveis, como a jurídica, por exemplo. Como referência acadêmica da área de políticas culturais, utilizamos em nossa pesquisa diversas publicações da área das políticas e ainda diversos artigos sobre os estudos de cultura no Brasil de autores renomados do setor como Lia Calabre e Antonio Rubim. O objetivo principal desta pesquisa é compreender como o gênero do discurso projeto cultural se constitui na esfera político-cultural brasileira. Buscamos demonstrar como este novo gênero discursivo se relaciona dialogicamente com a legislação de políticas públicas de cultura e sua importância nesta esfera do conhecimento, considerando que o projeto cultural é, de acordo com os conceitos de Bakhtin, um novo gênero do discurso, cujas especificidades precisam ser compreendidas e com isso contribuir para a construção textual de futuros projetos culturais bem como ampliar o acesso a este tipo de enunciado. A análise das leis de incentivo à cultura nos três âmbitos públicos poderá oferecer dados concretos para a questão principal desta pesquisa e oferecer ferramentas para produção textual de outros projetos culturais no futuro. A partir da compreensão de como ocorre a construção discursiva e os elementos de construção composicional, estilo e conteúdo temático, analisamos detalhadamente as especificidades deste gênero. A análise dialógica discursiva busca além da reflexão discursiva entre sujeitos e enunciados, reflexões sobre o papel do projeto cultural enquanto voz democrática e como instrumento facilitador de distribuição de verbas públicas para a cultura produzida no país. Palavras-chave: projeto cultural; dialogismo; gênero discursivo; cultura; esfera.

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Joana de São Pedro (UNICAMP) O IMAGINÁRIO DO PROFESSOR DE LÍNGUA ESTRANGEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES A PARTIR DE UMA VISÃO ADVERTIDA PELA PSICANÁLISE Iniciamos, com a pesquisa apresentada neste resumo, nossa trajetória pela Psicanálise, vivenciando, ainda, os primeiros passos de leituras nessa área. Partimos da proposta tripartite de Jacques Lacan ao chamar de Simbólico, Imaginário e Real a experiência do sujeito falante. Trataremos, mais especificamente, das posições do professor de uma escola particular em situações de ensino da língua inglesa. Para iniciar a nossa pesquisa, colocamos a seguinte pergunta de pesquisa: Até que ponto o Imaginário do professor o leva a uma prática eficaz ou não em sala de aula e como o Imaginário constrói ou destrói a imagem que ele tem de si mesmo? Essa pergunta se justifica, já que o professor se constitui na sua função a partir da presença do outro, que é o aprendiz e para o qual direciona a sua missão de ensinar. Essa proposta tripartite de Lacan é vista como um nó borromeano, ou seja, se uma das três pontas se desfaz, as demais também se desfazem, o que ilustra a relação existente entre Simbólico, Real e Imaginário. Por isso, embora tenhamos o objetivo de nos concentrar no Imaginário, precisamos abordar também o Real e o Simbólico. Para Milner (Nomes Indistintos, 1983), nada pode se representar a não ser pelo Imaginário, nada pode existir a não ser pelo Real, e nada pode se escrever a não ser pelo Simbólico. Para ele, Lalangue (o inconsciente estruturado como uma linguagem) é quem segura os três elementos desse nó borromeano. Ao refletir sobre aspectos do Imaginário recorrentes no dia-a-dia do professor a partir do trabalho de “coaching”, pensamos que eles podem trazer tanto implicações positivas quanto negativas para a sala de aula. No entanto, o que precisa ser analisado e trabalhado no desenvolvimento profissional do indivíduo é o que pode vir a ser um fardo carregado ao longo dos anos e, por isso, significar uma barreira para o trabalho do professor em sala de aula e, eventualmente, para o aprendiz. Nesse sentido, temos a intenção de analisar “falas” que habitam o Imaginário do professor, tais como: o professor é responsável pela maior parte do aprendizado do aluno; o professor é responsável por um problema que ocorra na sala de aula, tal como indisciplina ou “bullying”; todo aluno deve ser tratado igualmente; todo aluno pode aprender da mesma maneira; alguns alunos nunca vão conseguir adquirir a língua, entre outros. Do ponto de vista da psicanálise, não existe propriamente uma fronteira entre língua materna e língua estrangeira. Por isto, a partir da teoria psicanalítica, faremos uma reflexão sobre os conceitos de linguagem, língua e fala na constituição do sujeito. Nesse sentido, é essencial olhar para como o aprendizado da 191 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

língua estrangeira se estabelece em comparação à língua materna conhecida pelo indivíduo, e como o desejo (do qual o indivíduo não tem consciência e que é diferente da vontade) ou a falta do mesmo para aprender uma segunda língua se configura e traz implicações para a formação do Imaginário do professor. Para Revuz (1997), a aprendizagem de línguas nos põe diante de um paradoxo: como uma criança tem a façanha de aprender e falar tão rápido uma língua e é tão difícil repetir esse mesmo processo quando se trata de uma língua estrangeira. A referida autora continua dizendo que a língua estrangeira é, por definição, uma segunda língua, aprendida depois e tendo como referência a primeira, aquela língua da primeira infância. Desse modo, a língua estrangeira só pode ser apreendida porque se teve acesso a uma outra língua que é a materna (esta última não é aprendida, mas o indivíduo é falado pela língua materna). Revuz ainda ressalta que pode até ser que a língua materna não seja a da mãe e que a língua estrangeira seja familiar (ver casos de Anna e Wolfson, relatados por Moraes, 1999). A constituição do sujeito na Língua Materna pode ter efeitos de como ele segue na direção da Língua Estrangeira. No entanto, segundo Revuz, língua materna e estrangeira não serão jamais da mesma ordem. Como objetivo final, colocamos um espaço que abre um confronto do professor com as próprias resistências a serem vencidas em seu processo de desenvolvimento profissional e que estão presentes em seu Imaginário. Como consequência, o aluno, que está na outra ponta desse contínuo de aprendizagem, também pode vir a enfrentar suas resistências no aprendizado resultantes das relações que esse aluno estabelece com a língua estrangeira e com seu próprio professor. Contudo, é importante salientar que, onde existe linguagem, o resultado ou propósito final é aberto e não fechado nem exato. Palavras-chave: professor; língua estrangeira; Psicanálise; Imaginário; aprendizagem. Jordan Oliveira da Silva (UNICAMP) LETRAMENTO INFORMACIONAL DE PROFESSORES EM FORMAÇÃO INICIAL DE LETRAS-UNICAMP ATRAVÉS DE PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA Muito se discute a respeito das múltiplas possibilidades e percursos de leitura de hipertextos, mas o modo como são produzidos ainda recebe pouca atenção. Essa possibilidade (criar um hipertexto) faz parte dos novos letramentos que invadem nosso cotidiano e nos exigem constante atualização das nossas práticas de leitura e escrita. Esses letramentos, portanto, passam a ser presentes em vários âmbitos, como a sala de aula, e logo exigem do professor uma formação que o habilite 192 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

a trabalhar com essas novas formas de se produzir textos escritos. Pensando nesses aspectos, nossa pesquisa se debruça sobre o Letramento Informacional de professores em formação inicial, que é um dos letramentos exigidos cotidianamente para produção de textos, durante a escrita de hipertextos. Ao escolher trabalhar com alunos da graduação, concordamos com Signorini, em seu artigo Letramentos multi-hipermidiáticos e formação de professores de língua, quando esta afirma que se faz necessário um maior envolvimento de pesquisadores e professores nos debates a respeito dos novos letramentos presentes em nosso cotidiano e que ainda não são objetos de estudo. Deste modo, o presente trabalho pretende mostrar resultados preliminares de uma pesquisa que analisa o Letramento Informacional de professores em formação inicial em Letras da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Este trabalho faz parte de uma pesquisa de mestrado em andamento que se interessa pelo modo como os licenciandos se apropriam das ferramentas digitais para desenvolver suas estratégias de busca e seleção de dados on-line durante práticas de leitura e escrita. O foco da apresentação será na metodologia que está sendo desenvolvida para coleta de dados e sua análise. Os dados aqui analisados são vídeos gravados da tela dos computadores, através do software Camtasia Studio 8, durante uma prática de leitura e escrita sugerida pelos pesquisadores. Os textos lidos inicialmente foram previamente selecionados pelos pesquisadores como motivadores e ponto comum de leitura, sendo permitido o uso livre da internet e quaisquer outras ferramentas disponíveis no computador. O programa em questão grava tudo o que ocorre na tela do computador durante seu uso e o rosto do usuário através de webcam, permitindo aos pesquisadores um registro de toda a duração do processo de leitura e produção do texto. O uso de webcam nos permitiu saber, também, para que parte da tela o sujeito está olhando, o que nos dá um maior leque de possibilidades para a análise. Para geração de dados, selecionamos estratégias de leitura e escrita em suportes digitais dos alunos ingressantes e concluintes da licenciatura aqui focalizada. Nossa análise se utiliza do modelo comportamental de busca de informações formulado por Ellis em 1989, mas relido por Shankar em sua obra “A profile of digital information literacy competences of high school students. Issues in forming science and informacion technology” e pensado para analisar as práticas de, coleta, seleção e uso de informações por parte de leitores. O trabalho de Ellis propôs 6 estágios possíveis dentro do que chamou de letramento informacional. Aqui, porém, estaremos focalizando apenas quatro dos seis estágios possíveis dentro do processo de busca de informações, dos quais nos deteremos com mais atenção em 4: chaining, o modo como sujeito segue as referências/links de uma página à outra; o estágio do browsing, 193 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

baseado nas buscas semidirecionadas realizadas em ambientes com potencial de busca; o differentiating, quando o sujeito filtra e seleciona os dados através da natureza e da qualidade do que lhe é disponível; e extracting, atividade de trabalhar com uma ou mais fontes de maneira a identificar o que lhe é de maior interesse. Esses estágios nos permitem descrever e compreender os diferentes momentos que compreendem a prática dos alunos ao realizarem suas buscas. A pesquisa tem como objetivos analisar e comparar as habilidades e estratégias de acesso e seleção de dados dentro do ambiente online. Investigamos assim os efeitos do curso superior no Letramento Informacional dos professores em formação inicial, explicitada aqui através de uma análise dos aspectos multimodais, evidenciando também como o letramento acadêmico incide sobre outros tipos de letramento. Ao analisar e categorizar os diferentes momentos da leitura e da produção escrita dos sujeitos, nossa pesquisa se preocupa em identificar possíveis deficiências nas práticas dos alunos e gerar dados que permitam possíveis trabalhos e intervenções futuras. Palavras-chave: Letramento Informacional; Letramento Digital; Linguística Aplicada; Formação de Professores. Katia Sayuri Fujisawa (UNICAMP) POSSIBILIDADES DE TRAVESSIAS EM UM SITE DE REDE SOCIAL Este trabalho pretende estudar um site de rede social (SRS), o Facebook, um exemplo de um ambiente que nos mantém “permanente e globalmente conectados, num mundo de informação e comunicação rápidos que alteram as barreiras de espaço e de tempo (ROJO, Alfabetização e letramentos múltiplos: Como alfabetizar letrando?, p. 28)”. Esse SRS foi escolhido, pois o Brasil está entre os dez países do planeta que mais têm usuários no Facebook, além de ter sido o país com o maior crescimento de usuários nessa rede entre dezembro de 2012 a fevereiro de 2013. Segundo informações da própria rede e da comScore (dados coletados entre julho-agosto 2012), pelo menos seis de cada dez usuários do Facebook, usam o site mais de três vezes ao dia, trocam mensagens no chat, olham fotos de “amigos” e leem as atualizações dos perfis. Com esses dados, percebemos que em muitos casos a navegação nesse SRS faz parte do cotidiano dos usuários, possibilitando práticas de leitura e escrita (leitura dos perfis, comentários sobre alguma postagem, troca de mensagens no chat) e também acesso a enunciados multimodais (fotos, vídeos, charges, etc.). Além de mesclar a linguagem escrita e outras semioses, o Facebook possibilita, através de links uma travessia do usuário pela rede social, podendo este 194 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

inclusive sair dela (ao clicar em um link de uma notícia, por exemplo, o usuário pode ser direcionado para um site de um periódico). Dessa forma, há a possibilidade, como em todo ambiente da web, do usuário criar seu próprio percurso de leitura através das travessias, como denomina Lemke, para a construção de significações. Essas travessias possibilitam o deparar-se com a linguagem verbal e também com outras linguagens nos diversos enunciados (na perspectiva bakhtiniana), como a música, que pode trazer o verbal cantado, um ritmo e uma melodia, vídeo (com imagens em movimento e áudio), charge (com imagem estática e texto) e vários outros enunciados, que podem ser produtos de uma remixagem, de modo que os leitores também sejam autores. Além da autoria de um enunciado específico que pode exigir o conhecimento e o manejo de outras ferramentas para edição de imagem, áudio e texto, os usuários são autores de seus comentários e curadores de sua timeline, ou seja, de sua página que exibe as informações e os enunciados, que desejarem deixar expostos para outros usuários de modo cronológico. Há também a possibilidade de interação com outros usuários. Essas possibilidades de leituras e autorias nos fazem recorrer ao conceito de multiletramentos, do Grupo Nova Londres, que conjuga a multimodalidade e também a multiculturalidade, esta que enfatiza a multiplicidade cultural. Vale ressaltar que as produções contemporâneas são conjuntos de textos híbridos, “caracterizados por um processo de escolha pessoal e política e de hibridização de produções de diferentes ‘coleções’” (Canclini apud Roxane Rojo, Pedagogia dos Multiletramentos, p.13) , que produzem sentido graças à apreciação de valor que os interlocutores, ou usuários, fazem um dos outros e de si mesmos e do conteúdo temático em pauta (Roxane Rojo, A teoria dos gêneros discursivos do círculo de Bakhtin e os Multiletramentos). A partir do estudo sobre o Facebook, neste trabalho, em andamento, pretendemos compreender o funcionamento desse SRS, como ele está estruturado, quais elementos o compõem, quais as possibilidades de leitura, através das travessias pelas várias informações e vários enunciados disponibilizados pelos usuários, pela própria rede, pelos patrocinadores, de forma que as travessias sejam diversas. Verificaremos como essas travessias podem ocorrer e se elas podem ser modificadas pelas ações dos usuários ou pelas interações entre usuários, tanto as reativas (um clique para curtir) quanto pela interação social (em que há troca de mensagens). Além disso, descreveremos alguns tipos de enunciados que podem circular nesse site de rede social, considerando os multiletramentos e os novos letramentos. Palavras-chave: Linguística aplicada; Leitura; Travessias; Sites de Rede Social; Facebook.

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Léa Baltieri Inocencio Furlan (UNICAMP) DELINEAÇÃO DE PERFIL DO PROFESSOR DE INGLÊS DE ESCOLA REGULAR QUANTO ÀS METODOLOGIAS E ABORDAGENS POR ELE VALORIZADAS O artigo 205 da Constituição Federal afirma: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” A fim de regulamentar o direito assegurado em nossa Constituição, em dezembro de 1996, foi promulgada a nova Lei de Diretrizes e Bases, que torna o ensino de língua estrangeira obrigatório a partir da quinta série do ensino fundamental. Ainda, ao analisar o Currículo da Secretaria da Educação para o Ensino Fundamental – Ciclo II e o Ensino Médio da rede pública do Estado de São Paulo verifica-se que na área de Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias, a língua estrangeira moderna escolhida para ser ensinada a todos os alunos matriculados na rede pública do estado é a língua inglesa. O objetivo deste trabalho é realizar um estudo descritivo dos valores e crenças que os professores de inglês de ensino regular têm quanto à sua atuação, buscando com isso identificar quais habilidades linguísticas (oralidade, compreensão auditiva, leitura e escrita) são trabalhadas e desenvolvidas com os alunos para poder compreender as condições em que a língua inglesa é ensinada nas escolas de ensino fundamental e médio. Fundamentaremos a pesquisa na abordagem sociocultural do processo ensino/aprendizagem. Essa teoria foi desenvolvida por um grupo de psicólogos soviéticos liderados por L. S. Vygotsky e defende que tudo o que é especificamente humano origina-se de sua vida em sociedade. Em síntese, na perspectiva vygotskiana, o desenvolvimento das funções intelectuais especificamente humanas é mediado socialmente pelo outro. Ao explicar sua teoria, Vygotstky identifica dois níveis de desenvolvimento: o nível de desenvolvimento real, que se refere às conquistas já efetivadas pelo indivíduo, e o nível de desenvolvimento potencial que se refere às capacidades em vias de serem construídas, ou melhor, refere-se as capacidades que ainda precisam de mediação. A distância entre aquilo que o indivíduo é capaz de fazer de forma autônoma (nível de desenvolvimento real) e aquilo que ele precisa de mediação de outros elementos do seu grupo social para conseguir realizar (nível de desenvolvimento potencial) é chamada de Zona de Desenvolvimento Proximal. "Assim, o aprendizado possibilita e movimenta o processo de desenvolvimento" (Tereza Cristina Rego, Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação, p.71). No estudo pretende-se descrever e analisar justamente quais são os valores e crenças do professor de inglês quanto à sua atuação em escola 196 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

regular, para assim poder avaliar a zona de desenvolvimento proximal que ele está proporcionando aos seus alunos, para, a partir daí, compreender como é que o ensino da língua inglesa está se dando nas escolas de ensino regular. Neste trabalho será utilizada a METODOLOGIA Q, porque combina de maneira singular as abordagens quantitativa e qualitativa. “Ela é composta por um conjunto distinto de princípios operacionais que, quando combinados com aplicações estatísticas de técnicas de correlação e análise fatorial, oferecem-nos um meio quantitativo sistemático e rigoroso para a investigação da subjetividade humana” (Maria Carmen K. Cunha, A Técnica Q: coletando dados subjetivos na Linguística Aplicada, p.01). Pretendemos trabalhar com cerca de 40 (quarenta) professores que lecionam a língua inglesa no ensino fundamental e médio em escola da rede pública e particular do município de Piracicaba, Estado de São Paulo. Esses professores serão submetidos a uma ferramenta de coleta de dados (Q-sorting) que será um verdadeiro “universo de ideias” composto de 50 a 60 afirmações previamente elaboradas, referentes às metodologias e abordagens do ensino/aprendizagem do inglês. Essas afirmações conterão o máximo de abrangência possível de crenças e valores ligados a prática/técnicas/abordagens de ensino de LE, pois os professores deverão refletir sobre essas afirmações e ranqueá-las em notas de -5 a +5, sendo -5 para aquelas que eles mais discordam e +5 para aquelas que eles mais concordam. Assim, os participantes modelarão suas opiniões, atitudes e valores e nos permitirão realizar análise fatorial e, então, tecer conclusões acerca dos dados que, da forma como foram colhidos, serão estatisticamente válidos e comprovados. Pretendemos com a coleta e análise dos dados descrever perfis de professores e assim poder compreender a forma com que a língua estrangeira moderna - inglês é trabalhada nas salas de aula de nossas escolas de ensino regular, para poder em trabalhos futuros propor maneiras de se melhorar o ensino dessa disciplina. Palavras-chave: Ensino/Aprendizagem; Inglês; Perfil; Professor; Metodologias. Lidiany Teotonio Ricarte (UNICAMP) PROJETO UCA E ROBÓTICA PEDAGÓGICA: APRENDIZAGEM COLABORATIVA NA ESCOLA PÚBLICA Observa-se que muitos dos modelos pedagógicos já existentes na escola enquadram-se em concepções tradicionais de ensino, na reprodução do conhecimento: é a educação bancária (Freire, Pedagogia do Oprimido). Nesta perspectiva, a ideia central é a do 197 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

repasse da informação: o professor ensina quando “transmite” a informação e o aluno aprende quando assimila e memoriza o que lhe for repassado. Buscando possibilitar um repensar e uma redefinição dos modelos de aprendizagem com os quais a escola opera e levando em consideração a contemporaneidade, esta pesquisa tem por objetivo articular a aprendizagem colaborativa e as tecnologias da comunicação e informação (TICs). Muitos autores têm afirmado que a colaboração tem se tornado um assunto importante na área de educação (Roschelle e Teasley, The construction of shared knowledge in collaborative problem solving; Pinheiro, Práticas colaborativas de escrita via internet), tem defendido como um componente essencial do século XXI e assim a sua adaptação para a sala de aula é bem-vinda. A colaboração envolve “o empenho mútuo dos participantes em um esforço coordenado para solucionarem juntos os problemas” (Roschelle e Teasley, The construction of shared knowledge in collaborative problem solving, p. 70). Esta também é mais aberta e criativa, o que a torna, por conseguinte, mais autônoma, possibilita um maior comprometimento no trabalho e relacionamento entre os participantes (Winer e Ray, Collaboration Handbook: Creating, Sustaining and Enjoying the Journey) e, conjuntamente, a aprendizagem colaborativa pode também auxiliar os professores na gestão da classe (Allen et al, A blended approach to collaborative learning: Can it make large group teaching more student centred). Uma das novas tecnologias que propicia aprendizagem colaborativa é o computador, que chega de forma gradativa aos alunos das escolas públicas através do Projeto Um Computador por Aluno (UCA), do governo federal. O UCA surgiu a partir de um projeto desenvolvido pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) que objetiva revolucionar a educação através do uso de computadores, ele foi apresentado ao governo brasileiro em 2005. Durante o ano de 2007 foram iniciados projetos em diferentes estados e em 2010, o UCA abrangeu cerca de 300 escolas públicas. A escola onde ocorre o ambiente da presente pesquisa recebeu o UCA em 2010. Visando o uso do computador e os projetos com as demais TICs na sala de aula, e não no contraturno, a escola em que este estudo vem sendo realizado abarca no currículo do 5° ano do ensino fundamental o Projeto de Robótica Pedagógica. Este é desenvolvido em parceria com o Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED) e o Núcleo de Tecnologia Educacional (NTE) do município, os quais realizam o processo de formação de professores. No contexto de ensinoaprendizagem a robótica pedagógica pode ser entendida como um processo de interação com um dispositivo robótico mecânico/eletromecânico, que pode ser um robô, como forma de favorecer os processos cognitivos, trata-se de um processo conciliatório entre o concreto e o abstrato na resolução de um problema que 198 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

envolve etapas como: concepção, implementação, construção, automação e controle de um mecanismo (Abreu e Garcia, Robótica Pedagógica e Currículo). Sendo assim, pretendemos observar nesta pesquisa como a aprendizagem colaborativa é desenvolvida entre alunos do 5° ano do ensino fundamental da rede pública de Campinas - SP no decorrer do Projeto de Robótica Pedagógica. Orientado pela professora na sala de aula, o trabalho com a robótica é realizado em grupo, questões são levantadas sobre o tema robô, robótica e realizadas pesquisas na internet. Em seguida, é explorado o programa Scratch, que tem uma linguagem interativa e acessível para programação e o Kit ATTO de educação científica, que possibilita a montagem do robô. E, juntamente com o Hardware livre Arduino, estes alunos criam uma programação e fazem o robô andar. Portanto, é nesse percurso do trabalho com a robótica que será observada a aprendizagem colaborativa, o modo como ela pode ser trabalhada no contexto escolar. Para a realização da pesquisa, adota-se como referência a abordagem da pesquisa-ação, que tem como última instância a produção de uma prática transformada, seja de recepção ou de produção/distribuição. O levantamento de dados envolverá a participação da pesquisadora no Projeto de Robótica Pedagógica, a realização de filmagens, entrevista com a professora e os alunos e observações das produções dos alunos (relatórios coletivos de aula, histórias produzidas no Scratch, esboço e montagem do robô). O referencial teórico pautou-se na aprendizagem colaborativa (Collis, Cooperative Learning and CSCW: Research Perspectives for Internetworked Educational Environments) e na Robótica Pedagógica (Abreu e Garcia, Robótica Pedagógica e Currículo). Por fim, ressalta-se que a proposta de aprendizagem colaborativa se propõe a ultrapassar o paradigma do trabalho estritamente individualizado e, além disso, a atenção desta proposta não está centrada somente no momento presente do aluno e na aprendizagem dos conteúdos do currículo, mas também no seu futuro como cidadão, com o desenvolvimento de habilidades pessoais que podem trazer benefícios sociais. Palavras-chave: Aprendizagem colaborativa; Multiletramentos; Projeto UCA; Robótica Pedagógica; Scratch. Luís Fernando Protásio (UNICAMP) O QUE PODE A EXPERIÊNCIA DA LINGUÍSTICA APLICADA ENSINAR AOS ESTUDOS EM TRADUÇÃO No contemporâneo contexto teórico dos estudos da linguagem e, em particular, dos estudos em tradução, os discursos produzidos e 199 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

disseminados parecem cada vez mais deferir em favor da precariedade das distinções absolutas tais como teoria e prática, corpo e espírito, material (real) e simbólico, original e tradução. De acordo com esses discursos, estaria mediada por essas relações uma identidade “heroica” que marcaria, isto é, agenciaria algo que, classificado como sistemático, tradicional, clássico, exige, portanto, uma leitura desconstrutiva salvadora. Assim desenhados, esses discursos atribuem ao século 20 (em especial, a segunda metade; a famigerada “pósmodernidade”) a superação dessas distinções e o apagamento das fronteiras (entendidas como balizas ou, talvez mais precisamente, como limites). Isso ocorre porque, nessa leitura, tais distinções e tais fronteiras ameaçariam o sucesso do sagrado projeto democrático do qual a universidade seria guardiã. Entretanto, considerada a hipótese de que o projeto da filosofia (ou, na senda especulada por Heidegger, o projeto da “metafísica da presença”), de algum modo e em certa medida teria sobreposto à escuta algo da ordem da compreensão e, nesse sentido, imposto, como própria possibilidade do pensamento filosófico, os limites de uma relação com um Outro que deve ouvir e compreender, como pondera o filósofo francês Jean-Luc Nancy (À l’écoute), como, então, acercar-se de um corpo pulsional (falante, simbólico) como é o corpo da língua em situação de tradução (em tradução); situação em que esse corpo se coloca à escuta, ainda que uma escuta, sempre, em segredo, sempre, da esfera do secreto? Informado fundamentalmente pelos modelos do pensamento continental (notadamente o pensamento francês identificado pela leitura anglo-saxônica importada no Brasil sob a questionável rubrica “pós-estruturalismo”) e falando de um lugar institucional situado (a Linguística Aplicada em sua versão indisciplinar, como sugerida por Moita Lopes e pensada, de modo geral, na Unicamp), proponho destacar, a partir da experiência da LA em seu projeto de instituição de um novo campo de saber (ou de deslocamento do saber para um novo campo), o que, no domínio dos argumentos dos referidos discursos contemporâneos irrompe como eminentemente transitório e precário. Em outras palavras, importa relevar o que, de certa forma, “excede” as alegadas relações entre teoria e prática, real e simbólico, corpo e espírito, original e tradução. É dentro desse quadro teórico que emerge a necessidade de submeter certo pensamento analítico sobre a tradução (um pensamento que toma a “Tradução” como objeto de estudo, transformando-a num conceito carregado de soberania) à economia da “experiência”. Essa economia, que põe em funcionamento, ao mesmo tempo, prova (test) e teste (trial), isto é, a experiência como risco e como exposição (épreuve), ao renunciar às fronteiras como limites e recuar as distinções para um lugar limiar (um não-lugar), cria, nesse movimento, um espaço ambíguo transterritorial (em certo sentido, o espaço reclamado pela LA 200 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

e almejado pelos Translation Studies) e questiona até que ponto a identidade “heroica” dos discursos contemporâneos; supostamente emancipatórios; não funciona como um grito de resistência que simultaneamente (1) reafirma o projeto metafísico, impedindo o enfrentamento da crise do idêntico, e (2) reatualiza o recolhimento da diferença e do diferente para o espaço de uma rubrica institucional indeterminada de uma “transformação” [Verwandlung]. Se for assim, o que se (re)produz, então, no contexto contemporâneo dos estudos da linguagem em geral, e dos estudos em tradução, em particular, é um discurso totalitário que coloca ênfase naquilo que supõe abandonar, ou seja, cliva o mecanismo (político) da proibição e repete a lógica (econômica) de uma simbolização que pretende superar. Não é outra coisa, aliás, o que se lê nos exercícios filosóficos de Giorgio Agamben (Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I), que reduz, por fim, zoé (da ordem do político) e bíos (da ordem do natural) ao Dasein (alguma coisa da ordem do simbólico), e do próprio Jacques Derrida (The Beast and the Sovereign), que, ao propor desconstruir essa mesma distinção, apela finalmente para o poético (o animot, isto é, a redução ao animal – o devir-animal – apenas encontra fundamento, no limite, no que seja “uma linguagem”). No que concerne especificamente os estudos em tradução, tais discursos manifestam-se nas noções de Aufgabe como “tarefa-renúncia” (Walter Benjamin) e de survie como “sobrevivênciasobrevida” (Jacques Derrida); duplos carregados de valor ético, social, religioso e simbólico que restam por serem enfrentados por um (novo) projeto de desconstrução. É justamente em tal enfrentamento que, como pretendo mostrar, o saber da LA poderá instruir os estudos em tradução. Diante desses termos, o objetivo amplo deste trabalho é pensar as possibilidades de um discurso teórico que, de fato, ultrapasse as distinções absolutas, mas que seja, todavia, emancipatório, aberto a uma nova abordagem do lugar de coincidência de duas diferenças e capaz de agenciar a passagem do clone ao avatar sem reincidir perigosamente no poder soberano de uma [bio]política dominada pela sacralização da diferença. Palavras-chave: Tradução; Linguística Aplicada; [bio]política; teorias da tradução; psicanálise. Madalena Quaresma Lima (UFRJ) O CIDADÃO PEDRO DE ALCÂNTARA E O ESTADISTA D. PEDRO II: A CONSTRUÇÃO DO ETHOS NO DIÁRIO DO IMPERADOR A nossa pesquisa de doutorado vincula-se à área de concentração Interação e Discurso, tendo como linha de pesquisa Discurso e 201 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Transculturalidade e originou-se a partir de nosso interesse pelos estudos sobre a análise do discurso, aplicada ao contexto histórico. Tendo como fonte primária o Diário do Imperador D. Pedro II, obra publicada pelo Museu Imperial (Petrópolis, 1999), investigamos o período em que Pedro de Alcântara escreve no exílio (de 1889, a partir do golpe político que instaurou a república no Brasil, até seu falecimento em dezembro de 1891). Como afirma a filósofa Hannah Arendt “ao agir e ao falar, os homens mostram quem são, revelando ativamente suas identidades pessoais únicas” (A condição humana, p. 224). A necessidade de compreender o pensamento do estadista (o imperador) e do homem (o cidadão), salientando que “todo ato de expressão implica a construção de uma imagem de si” (Ruth Amossy, Imagens de si no discurso: a construção do ethos, p.9) levou-nos ao seguinte questionamento: Quem é Pedro de Alcântara? Quem é D. Pedro II? Para uma melhor interpretação dos caminhos da comunicação humana, envolvendo suas trocas simbólicas em seus vários aspectos, compreendemos a importância e a riqueza da análise do discurso inerente a documentos históricos realizada num contexto interdisciplinar embasado pelo pensamento de teóricos como Bakhtin (quanto ao aspecto filosófico da linguagem), de Hannah Arendt (no tocante à visão da pluralidade humana/condição básica da ação e do discurso) e Norman Fairclough (Teoria Social do Discurso), que tem em comum com a Escola Francesa de Análise do Discurso a dimensão crítica do olhar sobre a linguagem como prática social. Por ser o mundo da cultura a expressão de uma vivência compartilhada, ao estudarmos o discurso, estamos constantemente levando em consideração algum aspecto das atividades humanas, porque não existem dizeres desvinculados da elaboração material ou imaterial do ser humano. Segundo Foucault (A ordem do discurso, p.8) “em toda sociedade a produção do discurso é controlada por procedimentos que têm como objetivo conjurar seus poderes e perigos”. Assim, dentro do contexto cultural, saturado de significados e valores há sempre um ato responsivo, isto é, uma tomada de posição. De acordo com Bakhtin “não há enunciado em que se possa encontrar uma face: encontramos sempre ali um autor criador” (Carlos Alberto Faraco, Linguagem & Diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin, p. 91). A fronteira (limites) entre esse autor/criador é também uma das muitas indagações de nossa investigação a partir do Diário do Imperador, mas sempre levando em consideração sua especificidade como documentação e memorização das ações humanas, já que o discurso é, “ao mesmo tempo, prática social cristalizada e modelador de uma visão de mundo” (José Luiz Fiorin, Linguagem e Ideologia, p.56). Priorizando a produção de sentidos (o simbólico, o político) e os sujeitos, nossa metodologia de análise estrutura-se fundamentalmente nas categorias 202 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

centrais do pensamento de Bakhtin desenvolvidas na obra Estética da criação verbal, destacando-se: distanciamento, empatia, sentido, enunciação e ativismo (desempenho de uma função). Partimos do princípio que nos leva a considerar Pedro de Alcântara / D. Pedro II como autor (do diário) e ao mesmo tempo personagem (construída por ele no diário e também objeto de nossa investigação). De acordo com Bakhtin, enfatizamos a necessidade do tratamento axiológico (âmbito dos valores: máscaras, respostas volitivo-emocionais), pois “o autor criador nos ajuda a compreender também o autor pessoa” (Estética da criação verbal, p. 6). O valor biográfico pode organizar não só a narração, podendo ser forma de conscientização e enunciação da própria vida. A personagem (o estadista?) ciosa de seus deveres para com a nação e atrelada a estes vivia um conflito constante com o autor (homem comum?) livre e consciente de seus direitos e deveres. A consciência do narrador e o seu contexto axiológico colaboram para desvelar o todo semântico (sentidos) desse autor/personagem, intercambiando suas posições, voltando-se para a condição humana e o sentido da vida. Atrás do texto há sempre um sujeito, uma visão de mundo, um universo de valores numa enorme interação. Um dos desafios ao nosso pensamento crítico é o desenvolvimento de investigações específicas tendo como objeto o Diário do Imperador D. Pedro II, analisando-o como discurso, “um modo de agir sobre o mundo e sobre os indivíduos, como forma de representação” (Norman Fairclough, Discurso e mudança social, p.91). Entender como o estadista/cidadão utiliza-se da escrita (texto/discurso) para exteriorizar seu pensamento acerca da construção da nacionalidade brasileira, eis a nossa indagação maior, dentre outras que com certeza, ao longo de nossa pesquisa, surgirão, num desdobramento profícuo dessa ideia principal. Palavras-chave: discurso; enunciação; Diário do Imperador D. Pedro II; ethos; ideologia. Marília Curado Valsechi (UNICAMP) ENTRE O LETRAMENTO ACADÊMICO E O LETRAMENTO DO PROFESSOR: O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E AS APRECIAÇÕES VALORATIVAS DOS ESTAGIÁRIOS Nessa comunicação oral, apresento minha pesquisa de doutorado em andamento, intitulada “O estágio supervisionado como prática de letramento situada do futuro professor de língua materna (e o seu papel) na formação docente”, sob orientação da Profa. Dra. Angela Kleiman. A escolha pelo objeto de estudo – o estágio supervisionado – está relacionada à minha trajetória profissional. Ao assumir o papel de 203 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

formadora de professores, no contexto inicial de sua formação (licenciatura), exercendo, simultaneamente, a função de orientadora de estágios, deparei-me com uma série de dificuldades, não só ligadas ao desafio imposto pelas diversas tarefas que deveria cumprir como formadora e supervisora, mas também aquelas resultantes das negociações com os outros envolvidos nesse processo. O envolvimento com o estágio supervisionado, considerado de extrema relevância para a formação profissional, num contexto que dificulta sua realização de maneira satisfatória, despertou em mim o desejo de investigar o tema, pois a produção de conhecimento constitui uma importante maneira para dar visibilidade ao objeto de investigação e, potencialmente, gerar transformações que, senão eliminem, atenuem seus problemas. Nesse sentido, acredito que esse estudo cumpre com a agenda ética e política de pesquisa, característica da área em que meu trabalho se insere: a Linguística Aplicada (LA). Inserida no campo transdisciplinar da LA, a pesquisa tem por objetivo geral analisar as apreciações que os professores de língua portuguesa em formação – designados estagiários – constroem acerca dos estágios supervisionados tendo em vista suas experiências na realização dessa prática de letramento profissional. Dentre os objetivos específicos, a pesquisa visa analisar textos orais e escritos que o estagiário produz para os estágios supervisionados em função das experiências vivenciadas nestes, identificando os temas sobre o estágio que lhe são mais importantes. Para atender aos propósitos da pesquisa, adoto a metodologia qualitativainterpretativista, visando à compreensão do fenômeno sob a ótica dos sujeitos de pesquisa: os estagiários. Os sujeitos selecionados são aqueles pertencentes à primeira turma do curso de Letras, do período noturno, de uma grande instituição de ensino superior pública, que acompanhei da metade do terceiro ao quinto ano de graduação, ou seja, durante cinco semestres. Para atender aos objetivos propostos, farei a triangulação dos seguintes dados de pesquisa: o Projeto Político Pedagógico e o Projeto de Estágio do curso de Letras; o planejamento da disciplina de estágio; os textos de diversos gêneros produzidos pelos estagiários, como comentários postados no blog da disciplina de estágio, planos de aula, diários reflexivos, relatórios de estágio; meus diários de campo, produzidos em função das aulas na universidade; questionários de avaliação da disciplina preenchidos pelos estagiários; transcrição de aulas gravadas na Universidade, transcrição de reuniões realizadas entre os professores responsáveis pelas disciplinas de estágios supervisionados dos diversos cursos de licenciatura oferecidos pela instituição e entrevistas semiestruturadas com alguns professores formados (“ex-estagiários”). Do ponto de vista teórico, adoto os pressupostos socioculturais dos Estudos de Letramento, bem como a perspectiva dialógica de linguagem, do Círculo de Bakhtin. Dessa 204 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

forma, o estágio é concebido como prática situada para o letramento do professor que envolve tanto a esfera acadêmica quanto a escolar. O entrecruzamento entre as esferas acadêmica e escolar, provocado pelo estágio, configura os eventos de letramento de que o estagiário participa como, simultaneamente, profissional e acadêmico. E a compreensão dos significados que os estagiários constroem aos eventos de letramento vivenciados nos estágios supervisionados contribui para se repensar essas práticas de letramento acadêmico formativas, a fim de propiciar uma sólida formação para o local de trabalho docente. Para a presente comunicação, trago um exemplo de análise de interação em sala de aula com foco nas apreciações valorativas (conceito bakhtiniano) de estagiários acerca do estágio supervisionado, da formação docente como um todo e do trabalho do professor. Palavras-chave: estágio supervisionado; letramento acadêmico; letramento do professor; apreciação valorativa. Maristela Juchum (UFRGS) ETRAMENTO ACADÊMICO: A PRÁTICA DE PRODUÇÃO TEXTUAL NA UNIVERSIDADE VIA PROJETOS DE TRABALHO O Ensino Superior, contexto por excelência de práticas de leitura e de escrita, tem se constituído como um dos lugares privilegiados para o estudo de textos que servem para o estudante adquirir e produzir conhecimento. Ao mesmo tempo, o reconhecimento de que os textos variam linguisticamente em função da sua finalidade e contexto de produção orienta para a noção de letramento acadêmico. Neste contexto, temos assistido à criação de disciplinas com vista à preparação dos estudantes para dominar os textos e as práticas necessárias ao seu sucesso acadêmico. Este é o caso da disciplina de Leitura e Produção de texto I, que passou a integrar o currículo das universidades. Neste trabalho, pretendo apresentar o projeto inicial de doutorado, iniciado em 2012, e que tem como objetivo investigar como se caracteriza o planejamento da disciplina de Leitura e Produção de Texto I, em um Centro universitário situado no Vale do Taquari/RS, que toma o modelo do letramento acadêmico para a prática com o texto em sala de aula. O trabalho vincula-se à tradição de pesquisa qualitativa, envolvendo a participação ativa da pesquisadora como professora no processo de planejamento e desenvolvimento do projeto, o que o coloca num paradigma de pesquisa-ação que será realizada a partir de uma prática pedagógica que toma os projetos de trabalho como fio condutor. Nesta pesquisa o termo projetos será discutido sob a ótica dos projetos de trabalho (Hernández e Ventura, A organização do currículo por projetos de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio, 205 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

1998), Freire (Pedagogia do oprimido, 2011) e dos Referenciais Curriculares de Língua Portuguesa e Literatura do Estado do Rio Grande do Sul. Os projetos serão articulados a partir de dois pontos estruturadores: (1) temas que sejam relevantes à vida social dos alunos; (2) gêneros do discurso que respondam a esses temas. É na articulação entre esses dois pontos que serão sugeridos projetos a serem executados na sala de aula, que têm por finalidade integrar as diversas tarefas de leitura, estudo da linguagem e produção de texto que nele culminam (enquanto coletânea pública de textos); essa integração será chamada de unidade didática. Os novos estudos do Letramento acadêmico, articulados à concepção bakhtiniana, para a qual o domínio de um gênero é um comportamento social, delineia o referencial teórico principal. Os estudiosos do letramento que integram a área dos Novos Estudos do Letramento propõem que as práticas de letramento, como práticas sociais que são, têm caráter situado, ou seja, têm significados específicos em diferentes instituições e grupos sociais. Ao nos aprofundarmos nas leituras sobre a perspectiva de letramento acadêmico proposta por Lea & Street (The “Academic Literacies” Model: Theory and Applications. Theory into Practice, 45(4), 2006) a questão de se pôr em prática um planejamento de trabalho com a leitura e a escrita que vá além do modelo chamado socialização acadêmica é um desafio, em outras palavras, há necessidade de que as pesquisas na área focalizem também a prática em sala de aula, pois, em um primeiro movimento de crítica às abordagens que limitavam a compreensão da relação da significação do aluno estabelecida com e através do texto, as pesquisas focalizaram apenas estudos de âmbito teórico. Desse modo, esta pesquisa se propõe a investigar quais são os princípios de uma abordagem da escrita na universidade segundo a perspectiva do Letramento acadêmico, através da análise de uma prática pedagógica que toma os projetos como fio condutor do planejamento. Portanto, a pesquisa-ação será desenvolvida por mim com uma turma da disciplina de Leitura e Produção de texto I, de um Centro Universitário do Rio Grande do Sul, durante o segundo semestre do ano letivo de 2013. O planejamento das aulas será feito via projetos de trabalho que serão desenvolvidos com a turma. Para o desenvolvimento do projeto, objeto desta pesquisa, os alunos serão organizados em grupos de quatro integrantes. O grupo focal desta pesquisa será composto por um grupo de quatro alunos, preferencialmente, de cursos diferentes. As formas que serão utilizadas para a geração de dados incluem: notas de campo, transformadas em diário de campo; análise documental (documentos da professora e dos alunos, incluindo unidades didáticas e textos escritos pelos alunos); registros audiovisuais de parte das aulas. Nesta pesquisa, ao se optar pelo modelo do Letramento acadêmico espera-se que os alunos 206 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

universitários se familiarizem e aprendam a ler e a escrever os gêneros acadêmicos, sobretudo, na instituição e nas esferas do conhecimento em que são constituídos, portanto, quando se inserirem nas práticas de escrita universitária. Palavras-chave: Letramento acadêmico; produção textual; gêneros discursivos; planejamento; projetos de trabalho. Monica Panigassi Vicentini (UNICAMP) O ENEM E A REDAÇÃO NO ENSINO MÉDIO Exames que têm importante papel de decisão na vida das pessoas, como os vestibulares e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), têm também um grande potencial para provocar mudanças nas práticas de ensino e de aprendizagem que os antecedem; prova disso é o constante interesse observado por parte de professores e instituições em procurar conhecer mudanças nesses exames de forma a preparar seus alunos para concorrer às vagas em instituições públicas de ensino superior. O impacto que exames podem provocar no ensino é um fenômeno conhecido na área de Linguística Aplicada como efeito retroativo (do inglês washback ou backwash) (Alderson & Wall, Does washback exist?, p.115). Ele é extremamente importante e, uma vez que, compreendido e analisado, permite aos professores, instituições de ensino, editores de materiais didáticos, entre outros, verificarem se suas próprias práticas e atitudes estão sendo eficazes. Embora investigar os impactos causados por exames vestibulares seja uma grande tendência nas mais recentes pesquisas na área de avaliação, uma vez que são exames de alta relevância (high-stake tests), ou seja, exames que têm potencial para decidirem pelo futuro de muitos candidatos, pouca atenção vem sendo reservada ao Enem, que, reformulado em 2009, passou a ter, dentre outras funções, a de exame de entrada, isto é, único vestibular para candidatos que pleiteiam uma vaga em uma das diversas universidades federais registradas no Sistema de Seleção Unificada (SISU), fato que vem garantindo grande importância ao exame no cenário nacional. Desde essa mudança, a prova é foco de atenção e discussões, tanto pelas falhas nos procedimentos de sua aplicação, como o cancelamento das provas devido ao vazamento de conteúdo em janeiro de 2010, quanto pelas declarações do ex-ministro da educação, Fernando Haddad, acerca das mudanças no exame, justificadas por meio da defesa de melhoria do currículo e da garantia de acesso aos institutos de ensino superior (IES). No entanto, mesmo com tamanho destaque, a prova não vem sendo devidamente analisada; carece ainda, por exemplo, de investigações mais 207 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

aprofundadas sobre seu possível impacto no Ensino Médio. Propõe-se aqui mudar esse cenário e investigar, mais especificamente, o impacto que a prova de redação do Enem pode acarretar no processo ensino/aprendizagem. A hipótese inicial é que a prova de redação do Enem possa gerar um efeito retroativo negativo no Ensino Médio. Um dos motivos é a proposta não contemplar as expectativas para a produção escrita vigentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Mesmo com todas as alterações feitas no exame em 2009, a proposta de redação do exame não sofreu uma sequer e, desde 1998, enaltece a produção de textos dissertativo-argumentativos, baseados em um tema pré-definido e que devem fazer referência à coletânea de textos oferecida. Os PCNEM deixam clara a necessidade de uma abordagem de gêneros discursivos no que concerne à produção escrita nas escolas, em detrimento à elaboração de dissertações. O Enem, ao contrário, privilegia a produção do texto dissertativo. Esta incoerência pode provocar um impacto negativo no ensino. Além disso, por ser um exame de alta relevância, a proposta de redação pode ocasionar o treinamento de um modelo engessado nas escolas e, consequentemente, gerar um verdadeiro estreitamento das práticas de leitura e escrita (Matilde V. R. Scaramucci, Prova de redação nos vestibulares, p. 7). Dada a relevância do estudo sobre efeito retroativo na área de avaliação em Linguística Aplicada e com o aumento gradativo na quantidade de artigos e teses que investigam o efeito retroativo de exames vestibulares, esta pesquisa qualitativa em andamento propõe investigar se o Enem também provoca algum tipo de impacto/ efeito retroativo nas práticas e atitudes de professores e alunos do terceiro ano do Ensino Médio de pelo menos duas escolas da região de Campinas, classificadas no ranking de notas do Enem como melhores e piores colocadas. Pretende-se analisar documentos oficiais e possíveis materiais didáticos destinados ao treinamento para a prova de redação do Enem; entrevistar alunos e professores e aplicar questionários; fazer observações em sala de aula, triangulando dados e promovendo o levantamento de discussões e questionamentos teóricos. Dessa forma, esta pesquisa pode contribuir para os estudos na área de avaliação em Linguística Aplicada e promover um maior entendimento sobre a prova de redação do Enem e seu papel dentro do currículo do Ensino Médio. Palavras-chave: Enem; redação; dissertação; efeito retroativo; impacto.

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Naiane Vieira dos Reis Silva (UFT) LETRAMENTO DIGITAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA LICENCIATURA EM LETRAS Este trabalho investiga o processo de letramento digital de professores em formação inicial em uma turma de Letras da Universidade Federal do Tocantins - UFT no sentido de analisar como uma instituição formadora de professores se mobiliza para atender a uma atual necessidade de formação: docentes que trabalhem criticamente com o digital como recurso de ensino-aprendizagem no ensino de língua materna. Caracterizada como uma pesquisa participante, foi realizada uma intervenção em uma turma de "Investigação da Prática Pedagógica e Estágio Supervisionado em Ensino de Língua Portuguesa III: Língua e Literatura" com o objetivo de discutir questões práticas e teóricas sobre letramento digital. Problematizar o que significa ler, escrever, aprender, ensinar, ser professor, ser aluno a partir da interferência do digital em práticas de ensino-aprendizagem cotidianas na formação inicial de professores que tem como objeto de ensino da língua se apresenta como necessário no cenário atual. Tomamos como corpus os relatórios produzidos nas disciplinas de estágio supervisionado e arquivados no Centro Interdisciplinar de Memória dos Estágios Supervisionados das Licenciaturas - CIMES anteriores ao processo de intervenção, além dos documentos produzidos durante a pesquisa participante. Esses documentos são significativos por serem configurados como uma escrita reflexiva, que aponta para um olhar crítico sobre o contexto escolar e o próprio objeto de ensino dos licenciandos. Como se trata das primeiras práticas pedagógicas, a escrita reflexiva é significativa no sentido de evidenciar como se dá o processo de profissionalização do professor, sendo bastante informativo em relação ao que parece ser relevante para o licenciando em relação às práticas de ensino. A instituição formadora precisa assumir a tarefa de preparar seus futuros profissionais, neste caso, da educação para lidar com as ferramentas tecnológicas que emergem no cenário educacional, resultando em uma prática educativa informada por saberes suscitados ainda no momento da formação inicial. Durante a intervenção foram elaboradas, juntamente com os professores em formação inicial, estratégias de ensino de língua materna que utilizassem como recurso didático as TIC, além de serem suscitadas reflexões sobre práticas pedagógicas considerando as especificidades do ensino no norte tocantinense envolvendo tecnologia digital. Esta pesquisa, ancorada na perspectiva interdisciplinar dos estudos da linguística aplicada, toma como ponto de partida contribuições dos estudos sobre os novos letramentos, interessando-se especificamente 209 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

pela discussão sobre a reconfiguração do ethos de escola, professor e aluno, aparada principalmente pela nova relação com o saber propiciada pelas tecnologias digitais. Também buscamos ancoragem nos estudos sobre o saberes profissionais, abordados por Tardif, em sua obra Formação docente e formação profissional, no sentido de investigar como se dá a construção de saberes docentes sobre o letramento digital no momento da inserção nas práticas de ensino na formação inicial — o estágio supervisionado. O foco desta pesquisa, portanto, está no letramento do professor, tendo em vista práticas de letramento digital: são investigadas tanto a discursivização sobre práticas de letramento digital pelos professores em formação inicial nos documentos produzidos durante o estágio supervisionado, quanto a configuração da própria academia, no que diz respeito aos documentos oficiais legitimadores de práticas dos cursos de licenciatura e dos espaços que são destinados às práticas em rede, no tocante ao ambiente digital. Ao problematizar na formação inicial de professores o letramento digital no âmbito acadêmico, consideram-se algumas especificidades do contexto de formação docente. Ao discutir o digital na formação de professores, alguns desafios evidenciam-se desde o início: é necessário conhecer/reconhecer que sequer alguns licenciandos têm acesso às ferramentas digitais. Entretanto, problematizar o letramento digital vai além do mero acesso: interessa o uso que se faz das ferramentas hipermodais, como são reconfigurados os processos de leitura e escrita a partir de um novo suporte. Este trabalho contribui para as investigações científicas desenvolvidas nos seguintes grupos de pesquisa: “Práticas de escrita e de reflexão sobre a escrita em diferentes mídias” (CNPq/UNICAMP) e “Práticas de Linguagens em Estágios Supervisionados” – PLES (CNPq/UFT). Palavras-chave: Formação de professores; mediação tecnológica no ensino; pesquisa interventiva; saberes profissionais. Nayara Natalia de Barros (UNICAMP) CURADORIA DIGITAL E PRODUSAGEM: ENTRE O GATEKEEPING E O GATEWATCHING O presente trabalho pretende apresentar e discutir um recorte da pesquisa de mestrado em andamento intitulada “Apropriação da curadoria na web por uma empresa de mídia tradicional: a cultura da convergência entre a narrativa e o banco de dados”, dando destaque para a curadoria digital, entendida como prática de letramento, e para as mudanças que vêm acontecendo, principalmente no âmbito jornalístico, no que concerne à mudança gradativa do gatekeeping 210 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

para o gatewatching; conceitos importantes para a compreensão da dinâmica em que se situam os objetos textuais enfocados na referida pesquisa, denominados stories e produzidos pela plataforma Storify. Embora uma das funções atuais dos jornalistas seja filtrar a informação em rede, convém notar que, como prática, a curadoria exige dos leitores um letramento, como qualquer outro, que tem se desenvolvido e consolidado de forma cada vez mais forte. Assim, o papel do jornalista na produção de uma determinada versão de realidade que passa pela deliberação de que fatos seriam “notícia” e que fatos não o seriam, encaixa-o, no esquema clássico das mídias de massa, como um curador “da realidade”, do cotidiano, sobre o qual, entretanto, buscouse, por muito tempo, projetar uma aura de idoneidade e neutralidade que as novas formas de jornalismo alternativo e popular vêm constantemente pondo em questão. A fim de confrontar tais questionamentos, o aporte teórico utilizado para a compreensão da transição entre essas diferentes operações jornalísticas refere-se às discussões sobre produsagem de Axel Bruns, a partir das quais é embasada a análise do corpus de pesquisa, composto por dez stories hipermodais do usuário Estadão. Para o autor, o gatekeeping corresponderia a resumir a informação que contribuiu, por meio de variadas fontes, para uma notícia, ao mesmo tempo em que significaria posicionar a notícia como fonte primária de informação, ao substituir essas fontes anteriores. Já o gatewatching, por sua vez, corresponderia a apontar (e apontar para) as próprias fontes como fontes primárias, posicionando as peças de quem produz a notícia simplesmente como um nó-chave que liga o leitor a esta informação em primeira mão, no entanto, como uma fonte secundária. Assim, diferentemente do gatekeeper, representado no jornalista tradicional como curador da realidade do cotidiano, o gatewatcher não tem o poder de abrir ou fechar os portões por onde a informação passa para virar notícia. Seu papel consiste, em vez disso, em manter uma vigilância constante sobre os portões, e apontá-los para os seus leitores que são mais propensos a abri-los para fontes úteis. Pensando o fato de que a plataforma Storify foi inicialmente idealizada por seus criadores para auxiliar os jornalistas a enfrentarem as mudanças na própria prática jornalística, e que a cultura participativa permite que essa prática seja de alguma forma dividida e compartilhada com cidadãos comuns, a exposição de dois processos distintos é fundamental para a compreensão do papel de seleção de conteúdo do curador/usuário/jornalista. Enquanto no processo de gatekeeping somente os jornalistas são responsáveis pela reunião de notícias, a exposição de conteúdo destacado por usuários da rede e disponibilizado para outros utentes acontece no gatewatching. Se no gatekeeping a resposta pública à seleção de conteúdo publicado é selecionada pelo corpo editorial do jornal e 211 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

editada antes de sua divulgação, as discussões e comentários no processo de gatewatching são abertos a todos os usuários, de forma livre, mais democratizada e com um maior grau de heteronomia. Assim sendo, nesta pesquisa, entende-se que o utilizador “comum” do Storify, embora não tenha poder para ser um gatekeeper no sentido estrito, não é também, necessariamente, um gatewatcher que se contrapõe aos gatekeepers da mídia corporativa – o que talvez possa ser um modo de descrever alguns setores específicos da mídia alternativa profissionalizada. Ele é alguém que está aprendendo a lidar com os fluxos de cima para baixo e de baixo para cima que caracterizam a ecologia midiática da cultura digital e, como tal, alguém que se apropria de uma tecnologia para se engajar nos dois processos a partir de uma perspectiva particular, socioculturamente e fisicamente situada. A curadoria digital, característica de plataformas como o Storify, sustenta uma visão do que está sendo reportada nas mídias sociais; e a criação de stories, baseadas na combinação da própria contribuição e da seleção de fontes originais, representa um novo letramento. Ademais, procuro enfatizar com isso que todo novo letramento leva consigo um termo ao qual devemos dar atenção: “novo” – porque representa a formação de uma prática que se espelha e se reconstrói com base em uma possibilidade já conhecida pela sociedade anteriormente. A prática de curadoria, portanto, não desaparece, não se apaga, mas se remodela recursivamente para caracterizar o que entendemos como curadoria digital. Palavras-chave: curadoria digital; produsagem; gatekeeping; gatewatching; apropriação tecnológica. Olena Kovalek (UFSCar) ABORDAGEM DOS POTENCIAIS CULTURAIS NO CONTEXTO UNIVERSITÁRIO POR INTERMÉDIO DE MATERIAIS DA REDE PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO A importância e necessidade de inclusão dos aspectos culturais no ensino e aprendizagem de Língua Inglesa vêm proporcionando vários estudos na área de Linguística Aplicada. Isso se justifica na medida em que o ensino e a aprendizagem de línguas, a nosso ver, não deve ser desvinculado dos seus aspectos culturais. Julgamos, portanto, necessário que elementos culturais sejam trabalhados em conjunto com o ensino e aprendizagem da língua, visto que, embora defendamos a indissociabilidade existente entre língua-cultura notamos que há uma sobreposição da língua sobre a cultura na prática do ensino. Dessa forma, o ensino das estruturas linguísticas no ensino e aprendizagem de 212 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

LE, é ainda hoje colocado em primeiro plano, sendo assim, os conteúdos culturais são pouco explorados e quando explorados são postos como curiosidades, como franja ou adendo cultural. Então, de acordo com Barbosa (2007, p.108), o acesso ao conhecimento cultural “[...] sempre esteve à margem (ou era visto como acessório) dos aspectos elencados como conhecimento linguístico (aspectos gramaticais)”. Observamos nos materiais didáticos de Língua Inglesa, essa separação entre o ensino da língua e o ensino da cultura, de forma que se privilegia o ensino das estruturas gramaticais em detrimento dos conteúdos culturais. Apesar dessa realidade de separação entre língua e cultura no ensino e nos materiais didáticos, como apontamos, existem atualmente esforços por parte de os organizadores - de os documentos oficiais, e materiais didáticos para a educação - de vincular a cultura ao ensino de Língua Inglesa. No entanto, como analisamos na dissertação de mestrado, muitas vezes as orientações oferecidas para o professor (por meio do Caderno do professor ou pela Proposta Curricular) não o auxiliam para a abordagem dos conteúdos culturais em sala de aula. Nesse sentido, notamos que há um descompasso entre as propostas de ensino da língua-cultura nos documentos oficiais e a prática dos professores de línguas no contexto de sala de aula. Os documentos que analisamos – Proposta Curricular do Estado de São Paulo e orientações oferecidas no Caderno dos professores – embora apresentassem os conteúdos culturais como algo necessários para o desenvolvimento do aluno como “cidadão do mundo”; não houve a preocupação dos mesmos em explicar ao professor do que se tratavam esses conteúdos e como eles deveriam ser trabalhados em sala de aula. Dessa maneira, notamos em nosso estudo que apenas os professores conscientes de como abordar esses conteúdos poderiam aplicá-los em sala de aula. Observamos nos Cadernos a existência de atividades com “potenciais culturais” a serem explorados pelo professor consciente do trabalho com a língua-cultura inglesa, e, portanto, notamos que essas atividades poderiam ser adaptadas para esse fim. Nesse sentido, no presente projeto - que pretendemos desenvolver no doutorado objetivamos oferecer um “Curso de extensão”, em uma universidade federal do interior do Estado de São Paulo, para os alunos graduandos e professores da rede pública. Dessa forma, pretendemos contribuir com a formação pré-serviço e em serviço dos professores participantes do curso. Em nosso curso, pretendemos abordar temas como: a línguacultura no ensino e aprendizagem de línguas; a competência intercultural dos participantes do curso; e os possíveis conteúdos culturais que podem ser explorados em sala de aula de línguas, tais como os estereótipos culturais, a cultura popular e a cultura erudita, a lexicultura e a carga cultural compartilhada, os símbolos culturais e o novo termo empregado para o ensino de língua-cultura, ou seja, a 213 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

“transculturalidade”. Por meio da metodologia pesquisa-ação, buscaremos analisar o “Curso de extensão” através de questionários, gravações em áudio e análise de uma atividade que pretendemos aplicar ao final do curso. Nessa atividade final, notaremos os potenciais culturais que os participantes conseguiram abordar em exercícios dos Cadernos ou materiais didáticos usados por eles no dia a dia escolar. Definimos no projeto os potenciais culturais como os conteúdos culturais subjacentes às atividades, mas que podem ser reaproveitados por meio da adaptação da atividade Dessa maneira, analisaremos se o curso oferecido auxiliará os pré-professores e professores formados a desenvolverem a competência intercultural de forma crítica e reflexiva, e se essa competência auxiliará para análise dos materiais didáticos e para readaptação dos mesmos (quando necessário) a fim de abordar os conteúdos culturais na mesma importância e posição dos conteúdos linguísticos no ensino e aprendizagem de Língua Inglesa. Paola de Carvalho Buvolini (UNESP) AS IDENTIDADES DA/NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS NO CONTEXTO DO TELETANDEM BRASIL O presente resumo se localiza na área de educação de futuros professores de línguas, alunos de Letras, que praticam a língua-alvo online, em teletandem, com o objetivo de desenvolver a proficiência oral e os conhecimentos acerca da cultura do parceiro. A partir deste contexto, deseja-se perceber as concepções de identidade deste público alvo, futuros professores. Ao compreender as mudanças nas concepções de identidades vinculadas às mudanças sociais, políticas e econômicas, ficará, provavelmente, mais clara a visão de um sujeito/ professor pós-moderno que constrói e reconstrói sua identidade constantemente. De início, entendemos identidade como interação entre o que o sujeito pensa que é (sua cognição) e o que o grupo social diz que é (mediação). Ela também é multifacetada nas funções que temos. Por isso, somos atores sociais numa relação dialética/dialógica com o outro que demarca o processo de formação das identidades mediadas pelos discursos sociopolíticos; discursos esses que estarão face a face com o discurso de outra cultura, outra língua, outra sociedade, outra política. O termo “ator”, totalmente político, dimensiona o que é permitido ou não de acontecer em determinados ambientes. Antes de especificar estes ambientes, cabe ressaltar que as pesquisas sobre identidade do professor de línguas ganharam força quando se passou a entender o papel do professor como responsável pela constituição da prática em sala de aula, pois, aos olhos da Linguística Aplicada, não 214 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

somos meros aplicadores de metodologias, somos mediados pelo discurso. Os estudiosos na questão da identidade do professor, a saber, Stuart Hall, Bauman, Varghese, Silva, Magalhães, Coracini, Gricoletto, Gregolin, Paiva, concebem-na como algo múltiplo, transformador. Ao ser transformador, fica presa ao contexto social, cultural e político dos envolvidos pelo/no discurso. Por isso, esse movimento de reconstrução, ressignificação e, consequentemente, transformação de identidades será observado no contexto do projeto Teletandem Brasil, já que o teletandem é um contexto virtual, autônomo e colaborativo de aprendizagem de línguas estrangeiras que utiliza os recursos de escrita, voz e imagem de webcam, e no qual pares ajudam um ao outro a aprenderem suas línguas nativas ou línguas de proficiência. É nessa interação, marcada por sessões de uma hora, que a troca de língua e cultura se (re)constrói através de temas preestabelecidos. Neste tempo e espaços virtuais consolidados através das ferramentas do skype e da webcam, a função docente acontece de forma mais profunda, ampla e real tal qual o sujeito pós-moderno. É no momento da interação com o par que o formando de Letras, futuro professor de sua língua e da língua do par, mostrará sua identidade e a ressignificará via mediação desse contexto do teletandem; portanto, a identidade atribuída por sua sociedade ganhará enfrentamentos com a cultura e com a sociedade estrangeira, isto é, de um outro que, via de regra, não compartilha de iguais características e elementos linguísticos, culturais e sociais. O aparato teórico segue a teoria sócio-histórico-cultural, pois ao compreendê-la, entendemos que, como se sabe, a interação entre os sujeitos constituem-nos nas relações com o mundo mediado pela sociedade. A mediação se concretiza por meio de atividades que, no tocante a seus sujeitos, estabelecem a ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal), uma zona de participação de vozes que limitam o conhecimento do sujeito. As atividades vivenciadas no espaço das interações do teletandem trazem os conceitos de ensino e de aprendizagem tão necessários para (re)elaborar as crenças e valores que este formando/sujeito adquire da/na educação, evidenciando as identidades do sujeito-aluno em pré-serviço. Por isso a indispensável inter-relação com a teoria vygotskyana, já que esta esclarece que o homem é um indivíduo histórico-social/cultural, moldado pela cultura que ele próprio cria, vivencia, a fim de enquadrar-se em classes que evidenciem poder e status. É nessa relação interativa que o sujeito se molda via discurso, o qual é determinante e determinado. A linguagem, tal como as emoções, o pensamento, a lógica, a atenção e o comportamento, sofre um processo de interiorização marcado historicamente, evidenciado no discurso que refletirá, mesmo que polifônico, a identidade de cada sujeito e, atualmente, as identidades

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de um sujeito pós-moderno em choque com uma língua e cultura estrangeira. Palavras-chave: Sujeito pós-moderno; identidades; interação no Teletandem; discursos. Paula Baracat De Grande (UNICAMP) APRECIAÇÕES VALORATIVAS DO PROFESSOR EM EVENTOS FORMATIVOS EM HTPC E A FORMAÇÃO DOCENTE NO LOCAL DE TRABALHO: “COMO FAZER” EM SALA DE AULA Neste trabalho, pretendo apresentar análises em desenvolvimento de minha pesquisa de doutorado em andamento, orientada pela Profa. Dra. Angela Kleiman, intitulada provisoriamente como “Práticas de Letramento do Professor e Formação Contínua no local de trabalho: análise de eventos formativos em HTPC”. O objetivo geral da pesquisa é conhecer e compreender práticas de letramento formativas do professor em seu local de trabalho. As pesquisas sobre a formação docente e os calorosos debates sobre a sua prática costumam voltar-se para o que ocorre nos cursos acadêmicos de formação inicial e continuada, em instituições públicas e particulares, ou para a sala de aula da escola básica. Minha participação anterior como professora e pesquisadora em contextos como esses apontaram outro caminho para entender processos de formação do professor, mostrar as demandas docentes sobre sua própria formação e contribuir para que formadores de professores repensem seu fazer: a formação que ocorre no local de trabalho do professor, em reuniões de corpo docente. Esta pesquisa, então, busca identificar, compreender e analisar eventos de letramento de formação docente no local de trabalho do professor, mais especificamente, reuniões de corpo docente de Ensino Fundamental I (EFI) que, no Estado de São Paulo (Portaria da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas n. 1/96), eram chamadas de Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo (doravante HTPC) até 2012. Para isso, adoto a metodologia qualitativa-interpretativista de cunho etnográfico. Acompanhei, durante todo o ano de 2011, reuniões de HTPC de um grupo de professoras de EFI de uma escola pública de uma pequena cidade do interior paulista. Das reuniões semanais de HTPC observadas, surgiu a oportunidade de acompanhar o grupo de professoras de 5º ano dessa escola em reuniões formativas quinzenais na Secretaria Municipal de Educação, para as quais foram convocadas tendo em vista as avaliações externas de que seus alunos participariam ao final do ano letivo. A observação participante tanto nas reuniões semanais 216 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

quanto nas quinzenais possibilitou a geração de dados de diversas naturezas: notas de campo, gravações em áudio das reuniões, entrevistas com algumas participantes, textos utilizados nas reuniões entre outros documentos escritos. Configurada como uma pesquisa etnográfica que busca a ótica das professoras participantes sobre a formação continuada no local de trabalho, o enfoque é a concepção de formação das próprias professoras. Em geral, a formação é definida por parâmetros acadêmicos, por ser a universidade o principal espaço de formação do professor. Sem desconsiderar a importância de práticas de letramento acadêmico para a formação profissional, esta pesquisa volta-se para o que as professoras participantes consideram “formação” em seu local de trabalho. Tendo por base esses pressupostos, o foco desta pesquisa em um grupo cujos saberes costumam não ser legitimados pela academia pretende servir para reorientar formações oferecidas a professores que pouco contribuem, na ótica dos próprios sujeitos, para o enfrentamento de questões complexas de sala de aula. A perspectiva teórica adotada nesta pesquisa para compreender práticas de formação do professor em seu local de trabalho está ancorada, principalmente, na abordagem sociocultural e etnográfica dos Estudos de Letramento e no dialogismo bakhtiniano, que compreende todo enunciado como um elo na infinita corrente de interação verbal, sempre como réplica a outros enunciados e gerando outros tantos. Nas análises a serem apresentadas, os eventos descritos e transcritos são tanto das reuniões semanais das professoras de uma mesma unidade escolar e que atuam em diferentes anos do EFI, quanto das reuniões quinzenais de professoras de toda a rede de ensino fundamental que atuam no 5º ano. Identifiquei eventos de letramento formativos recorrentes, tais como: i) leitura e comentário de textos com teor de aconselhamento; ii) sugestão de textos e atividades para serem levados para a sala de aula; iii) sugestão de como fazer na sala de aula, como lidar com alunos ou introduzir um conteúdo ou atividade; iv) como realizar a progressão das atividades; entre outros. A análise envolve tanto a descrição dos eventos como a microanálise da interação, com destaque para: que vozes sociais sobre a formação e atuação docentes emergem; que identidades profissionais são construídas; como constituem esses eventos de letramento e que significados são construídos pelas professoras sobre os eventos, visto que é a apreciação valorativa das participantes que, a meu ver, possibilitam considerá-los formativos. As análises apontam para eventos em que o “como fazer” em sala de aula é o principal foco das participantes que, para isso, compartilham experiências profissionais anteriores, constroem conceitos relacionados à prática pedagógica coletivamente, fazem sugestões de textos e atividades a serem levados aos alunos, selecionam e indicam materiais didáticos, entre outros. 217 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Palavras-chaves: HTPC, evento de letramento, formação do professor, apreciação valorativa, vozes sociais. Rafael Salmazi Sachs (UNICAMP) PRÁTICAS DE RESSEMIOTIZAÇÃO COMO REFLEXÃO POLÍTICA NA CULTURA DE FÃS Nesta comunicação, apresento o atual estágio de uma pesquisa em linguagem e tecnologias que estuda letramentos no âmbito da cultura de fãs, como a define Henry Jenkins (na obra Cultura da Convergência, 2006). A pesquisa se propõe analisar postagens de fãs em plataformas hipermodais (em especial o Tumblr, mas também o Facebook e possivelmente outras), buscando identificar e descrever determinados processos (e percursos) de ressemiotização em que os usuários dessas plataformas mesclam a motivos políticos os conteúdos de determinadas franquias publicados pelas grandes corporações de mídia. A comunicação tomará como ponto de partida a aplicação do conceito de produsagem (no original, produsage, conforme define Axel Bruns em seu livro Blogs, Wikipedia, Second Life, and Beyond: From Production to Produsage) à caracterização das práticas de fãs. É possível observar, na Web, que alguns fãs se utilizam de tecnologias digitais para assumir, diante das franquias de sua afinidade, não a posição de mero consumidor ou usuário, mas uma postura de produsuário (para Bruns, produser, conforme apresentado na obra já citada). Tal postura envolve justamente o (re)trabalho criativo e, em diferentes graus, colaborativo dos conteúdos publicados pelas corporações de mídias; assim, consumir, para esses fãs produsuários, tornou-se sinônimo de retrabalhar esses conteúdos, através de ferramentas digitais de edição e manipulação de mídias, tendo em vista sua publicação em plataformas como o Tumblr ou o Facebook. São publicações desse tipo que vêm sendo levantadas para composição do corpus empírico da pesquisa em questão, e algumas delas serão apresentadas e analisadas ao longo desta comunicação. Para a coleta, foram consideradas, em ambas as plataformas, páginas de divulgação pública que, para tratar de questões de cunho político, trazem como recurso elementos de franquias da cultura pop, recombinados a partir de diferentes operações técnicas, semióticas e discursivas. A partir desses exemplos, será apresentada uma proposta de análise que tem como referencial teórico a Semiótica Social, em especial a partir das considerações de Jay Lemke acerca da hipermodalidade (em obras como Traversals in hypermodality e Multimedia and Discourse Analysis) e de Rick Iedema (Multimodality, resemiotization: extending the analysis of discourse as a 218 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

multi-semiotic practice). Com o conceito de hipermodalidade, Lemke visa a abarcar não apenas as relações que se estabelecem entre diferentes modalidades em construtos multimodais, mas o modo como imagem e texto, por exemplo, estabelecem múltiplas interconexões (potenciais ou explícitas) entre si no cenário da hipertextualidade típica do meio digital, cuja marca são os hiperlinks. O conceito de ressemiotização complementa essa perspectiva ao descrever o modo como certos elementos semióticos são traduzidos em outros à medida que processos sociais específicos vão se desdobrando. Dessa maneira, os dois autores oferecem os principais subsídios à compreensão não só da maneira como diferentes modalidades codificam significados na rede hipertextual das postagens analisadas, como também da lógica processual que governa as transformações de significado mutuamente provocadas pelos elementos implicados em cada etapa da transformação envolvida na criação dessas postagens. Nas análises preparadas para esta comunicação, pretende-se assim (i) retraçar as diferentes etapas do percurso de criação dos conteúdos postados pelos produsuários, partindo do texto-fonte (conteúdo de uma franquia específica); (ii) descrever as alterações produzidas pelo produsuário em cada uma dessas etapas, em especial quanto à relação das modalidades envolvidas entre si e quanto aos significados codificados por cada uma dessas modalidades; (iii) descrever em que medida esses percursos podem ser considerados travessias, de acordo com as definições de Lemke nas obras supracitadas. Com isso, busca-se apresentar subsídios para uma das hipóteses levantadas, na pesquisa, acerca das postagens de fãs em plataformas hipermodais: a de que as práticas de produsagem típicas da cultura dos fãs podem incorrer, nesses casos, em travessias, produzindo significados que atravessam do universo discursivo da franquia e do fandom para a reflexão, por exemplo, acerca de temas políticos de grande relevância na atualidade. Com isso, defende-se que a cultura e os letramentos de fãs, normalmente tomados como elementos de alienação, podem funcionar como ponto de partida a reflexões sociais mais amplas. Com base nessas considerações, serão discutidos ainda os próximos passos da pesquisa em questão, tendo em vistas as possíveis implicações que a existência desse tipo de travessias pode trazer. O que esses dados permitirão afirmar, por exemplo, a respeito da força de mashups hipermodais como esses, que tanto circulam recentemente na Web? Que representações da política e dos políticos esse tipo de travessia promove? Em que medida os letramentos de fãs podem ser aproveitados para a discussão de questões políticas e para o trabalho com letramentos críticos? Nesta comunicação, essas respostas não serão ainda alcançadas, mas espera-se que alguns esboços sejam obtidos, futuramente, como resultados da pesquisa apresentada. 219 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Palavras-chave: remix; convergência; letramento crítico; cidadania; fandom. Rita Elena Melian Zamora (UNICAMP) TRADUÇÃO DE UMA COSMOLOGIA SELVAGEM Este trabalho origina-se de um frágil desejo de pensar a Terminologia e o estudo da linguagem científica com certo distanciamento da visão positivista, que ainda impera nessa área, e de problematizar a classificação já estabelecida entre tradução técnica e tradução literária (que muitas vezes ignora os gêneros híbridos que, já na língua original ou língua de partida, não se submetem a essa classificação). O que motiva a atual pesquisa é o que chamo provisoriamente de uma colisão entre conceitos como especialização, linguagem especializada, cientificidade. Essa colisão teve como resultado a relevância que tomou o fato de perceber que, como os estudos terminológicos se concentram, principalmente, em áreas do conhecimento nas quais talvez seja mais óbvia a univocidade da relação conceito-termo, a busca da equivalência – quase sempre assumida desde o começo da pesquisa em tradução – não teria, teoricamente, implicações ideológicas, sociais ou culturais. Há, no entanto, um campo científico diferente que parece não ter recebido a mesma atenção: as áreas sociais e humanas, esse espaço não determinístico de fazer ciência. Interessam-me, no atual momento de pesquisa, aspectos relacionados à tradução nesses âmbitos, até porque não falamos apenas em linguagem que veicula conhecimento, mas porque, diferente das ciências exatas, em cujo campo a observação permitiria uma delimitação mais objetiva do que é mensurável e passível de falseabilidade, os objetos de estudo das ciências não determinísticas parecem se construir de formas diferentes, não sendo fáceis de apreender, delimitar ou mesmo de definir, fundamentalmente pela complexa e flutuante significação em relação ao homem: raças e etnias, sociedades e tribos, comunidades e cidades, povos e nacionalidades, sujeito, cidadão, homem; sociedade, cultura, mente, espírito. Palavras cujo conteúdo é conhecido por todos, mas cujas definições sociológicas, no entanto, são múltiplas, controversas, e mesmo inexistentes. Tomamos o mundo antropológico exposto pela antropologia perspectivista de Viveiros de Castro sobre a vida e a imaginação conceitual dos povos ameríndios como justificativa e porta de entrada para esboçar uma reflexão sobre tradução e intraduzibilidade antropológica. Trago, portanto, para pôr em discussão o tema da representação, do processo de tradução de um outro 220 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

imaginário, no decorrer do qual se pode correr o risco de igualar e identificar, a partir da nossa cultura e da nossa lógica civilizada, mundos que nunca se imaginariam, por exemplo, vivendo em cultura e sociedade. Como fazer quando se traduz de ou para uma língua aborígene um pensamento tomado de saída como “selvagem”, que não se iguala ao nosso mundo dicotômico, fazendo-nos deparar com classes sem nome, categorias que resistem à “organização” por nós estabelecida? Como lidar com a inquietação do impossível dizer, do unsprachbar, unspeakable, ou das unsprachliche, nas palavras de Wittgenstein em suas conferências sobre a ética? Muitas vezes a tradução se esforça por encontrar um lugar comum para o que parece não tê-lo, e que costumamos chamar de busca da equivalência. No entanto, poder-se-ia pensar em um lugar em que as coisas não se avizinham ou, seguindo o pensamento de Foucault de As Palavras e as Coisas, não têm um “solo” ou “tábua” para poder comparar, classificar ou simplesmente pensar de forma “coerente”. Proponho, enfim, no andamento deste projeto de tese, problematizar o escopo da chamada tradução científica como um mundo que vai além da tecnicidade, das assumidas equivalências e, assim, movimentar o campo dos estudos terminológicos e sua posição quase sempre positivista em relação a ciência, linguagem e significado. É também meu desejo convidar a uma reflexão sobre a existência ou não de uma língua franca para a veiculação de todo tipo de conhecimento científico, sobre a cultura da escrita científica que reflete uma hierarquia e poderes que determinam a forma como certo conhecimento é apresentado e divulgado. Essa aproximação de outros campos de conhecimento como a antropologia e a sociologia tem em vista um enriquecimento da teorização na área de tradução, de forma a ressaltar, mais do que a unidade e a equivalência, as diferenças entre línguas e perspectivas de vida, e o que seria “produzir uma zona de indeterminação entre o si e o outro; trocar de lugar com ele, perspectivar-se desse ponto de vista estrangeiro” (Viveiros de Castro, A Inconstância da Alma Selvagem, p. 281). Palavras-chave: Tradução; Terminologia; Equivalência; Cientificidade; Antropologia. Rosane de Paiva Felício (UNICAMP) ANÁLISE DE PRÁTICA PEDAGÓGICA ENVOLVENDO A PRODUÇÃO DE EXPOSIÇÃO ORAL EM UMA ESCOLA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO O conceito de Multiletramentos foi criado pelos pesquisadores do Grupo de Nova Londres no Manifesto de 1996, Multiliteracies: literacy 221 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

learning and the design of social futures. Tal conceito é um dos aspectos da Pedagogia dos multiletramentos proposta pelo grupo e aponta para dois tipos de multiplicidade: a cultural e a semiótica, na forma de constituição dos textos multimodais contemporâneos. A escola, instituição marcada historicamente por seu caráter conservador, tem encontrado dificuldade em lidar com o jovem que cresceu nesse novo contexto e passou a integrar a instituição, em função das novas práticas letradas envolvendo novos (e multi)letramentos que constituem esse sujeito. Nessa perspectiva, está sendo realizada uma pesquisa-ação com alunos do nono ano do ensino fundamental de uma escola da rede pública estadual de São Paulo. O objetivo é analisar a aplicação de uma das situações de aprendizagem previstas no material didático para ensino de língua materna utilizado pelos alunos em sala de aula. A aula foi adaptada de acordo com a abordagem dos multiletramentos, de forma a possibilitar que esses letramentos possam ser integrados ao trabalho em sala de aula a partir do ensino do gênero exposição oral. A pesquisa, que teve início em fevereiro de 2013 e ainda se encontra em andamento, já apresenta resultados que podem contribuir para um melhor entendimento tanto do ensino de um gênero específico (a exposição oral), quanto do processo de ensino- aprendizagem de língua materna através das TIC. Em primeiro lugar, salienta-se o caráter multimodal do gênero exposição oral, já salientado por Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz (O oral como texto: Como construir um objeto de ensino, pp. 125-155), referindo-se a meios não-linguísticos que envolvem a comunicação oral: paralinguísticos, meios cinésicos (atitudes corporais, movimentos, gestos, trocas de olhares, mímicas faciais), posição dos locutores (ocupação dos lugares, espaço pessoal, distâncias), aspecto exterior (roupas, óculos, limpeza) e disposição dos lugares (iluminação, disposição das cadeiras, ventilação, decoração). Os autores defendem o ensino voltado ao oral público formal tão limitado nas escolas, dentro de uma perspectiva que privilegie todos esses meios não-linguísticos. No entanto, a partir do contexto em que se desenvolve a pesquisa, percebe-se que, especificamente o gênero exposição oral, tem esse aspecto envolvendo a multimodalidade ampliado em função da propiciação de ferramentas como o power point ou o prezi, incorporadas à prática que envolve sua produção. A modalidade escrita e a imagem estática não podem ser desconsideradas em relação a esse gênero "oral" no caso do uso dessas ferramentas. Essa ampliação das modalidades envolvidas traz duas considerações. Em primeiro lugar, Rick Iedema no artigo Multimodality, resemiotization: extending the analysis of discourse as multi-semiotic practice, p. 40, afirma que, invariavelmente, na multimodalidabde, uma das semioses pode ser colocada em primeiro plano. Isso determinaria um processo de automatização, em que ocorreria um "apagamento" 222 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

das outras semioses envolvidas no processo, um tipo de "naturalização" em que, embora as outras semioses sempre apareçam como plano de fundo, uma delas é tomada como principal. Assim, mesmo considerando que pode haver uma das semioses/modalidades que esteja ocupando o primeiro plano, como o oral, no caso da exposição oral, não há espaço para essa naturalização ou apagamento das outras semioses, já que todas se integram para criar significação. Em segundo lugar, o contexto da prática pedagógica desenvolvida em sala de aula apontou um paradoxo. Por um lado, a grande maioria dos alunos desconhecia ferramentas para edição de slides como o power point ou o prezi. Como professora das turmas, surgiu o dilema: eu deveria incorporá-las ao processo de produção da exposição oral? Parti do princípio que sim. Ao fazer isso, se por um lado alguns alunos apresentavam grande dificuldade para se apropriar dessas ferramentas, outros trouxeram práticas envolvendo multiletramentos desenvolvidos em contexto não-escolar para a produção desses slides, algo que foi muito além da proposta inicial. Além disso, alguns desafios se colocaram à professora e à turma como um todo, envolvendo i. o trabalho colaborativo que permeou todo o processo e que colocou em cheque lideranças, inclusive a da professora; ii. questões éticas sobre o que poderia ou não fazer parte da exposição e iii. trouxe à tona letramentos não-valorizados pela instituição e dificuldades tanto no processo de ensino-aprendizagem de um gênero de caráter dinâmico como a exposição oral, quanto da implantação de uma proposta pautada pela abordagem dos multiletramentos e do uso das TIC em contexto escolar. Palavras-chave: Ensino; Gêneros textuais/discursivos; Exposição oral; Multiletramentos; Novas tecnologias. Rosivaldo Gomes (UNICAMP) MULTIMODALIDADE E GÊNERO MULTIMODAIS EM LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO MÉDIO: UM OLHAR PARA ALÉM DA RELAÇÃO IMAGEM-PALAVRA O livro didático de LM/P, nos últimos anos, mais fortemente no final dos anos 1999, tornou-se, dentro da área da linguagem, principalmente, no campo da Linguística Aplicada, um objetivo de investigação sobre o qual pesquisadores têm lançado diversos olhares teóricometodológicos, buscando compreender os ajustes e reajuste dos objetos de ensino nessa “caixa-preta”. Nessa ótica, o livro didático pode ser estudado como um gênero do discurso constituído por outros gêneros intercalados que trazem para seu interior outros enunciados (Bunzen e Rojo, Livro didático de língua portuguesa como gênero do 223 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

discurso: autoria e estilo). Sob essa perspectiva, nesta comunicação apresentamos algumas análises iniciais da tese de doutorado: Gêneros multimodais no Livro Didático de Língua Portuguesa do Ensino Médio: multimodalidade e capacidades de leitura, a qual objetivamos, a partir dos pressupostos teórico-metodológicos da Linguística Aplicada e da perspectiva enunciativo-discursiva de linguagem, investigar o modo como os gêneros multimodais são trabalhados enquanto objeto de ensino e aprendizagem em três coleções de livros didáticos de Língua Portuguesa de Ensino Médio presentes nas escolas públicas de Macapá-AP. Vale ressaltar que neste primeiro momento, nosso olhar será ainda sobre gêneros multimodais em materiais impressos, mesmo reconhecendo a atual realidade que tem levado autores de LPDs à construção também de materiais digitas (cf.PNLD/2014). Assim, considerando que uma das questões cruciais da pesquisa contemporânea na área de ciências humanas, e nessa inclui-se a LA, é a necessidade de ir além da tradição de se discutir os objetos e dados de pesquisa dentro de um quadro teórico-metodológico fechado, a perspectiva metodológica do presente estudo vincula-se à vertente de pesquisas em Linguística Aplicada, a qual defender-se que os estudos devem ter relevância social, pois a pesquisa que se faz nessa área “não trata de qualquer problema – definido teoricamente –, mas de problemas com relevância social suficiente para exigirem respostas teóricas que tragam ganhos a prática sociais e a seus participantes, no sentido de uma melhor qualidade de vida, num sentido ecológico. Portanto, não se trata de simplesmente compreender e descrever as novas formas de comunicação e os novos discursos e gêneros emergentes em contextos virtuais, mas de fazê-lo para refletir sobre as novas possibilidades de melhoria da qualidade de vida das pessoas, a partir destes novos instrumentos (Roxane Rojo, Fazer linguística aplicada em perspectiva sócio-histórica: privação sofrida e leveza do pensamento, p.258-259). Assim, o que se buscou, como bem ressalta a autora acima, foi trazer para este trabalho um problema com relevância social – no caso uma discussão que buscasse apresentar olhares reflexivos sobre aspectos da multimodalidade e de gêneros multimodais em LDPs, visto que esses materiais fazem partes das práticas do letramento escolar. Pretendeu-se desse modo, buscar entender como esses gêneros podem favorecer, quando bem trabalhos/explorados, a ampliação de capacidades de leituras que requerem do sujeito leitor – alunos principalmente – o desenvolvimento letramentos críticos que são necessários para compreensão dos contextos sociais e culturais de produção e circulação desses gêneros. Para a discussão nesta comunicação, as análise foram de apenas um livro (volume 1)da Coleção Português – Linguagem: Literatura, produção de texto e gramática, de autoria de William Roberto Cereja e 224 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Thereza Cochar Magalhães (Editora Saraiva), avaliado pelo PNLD/2012). A escolha por esse livro seguiu dois parâmetros: a) maior escolha e uso nas escolas do Município de Macapá–AP; e b) seus autores apresentam vasta produção no mercado de materiais didáticos. Como dado específico foi selecionada 01 (uma) atividade que envolvia o gênero discursivo anúncio publicitário. Esse gênero configura-se como secundário, por ter caráter fortemente ideológico, ou seja, é um gênero discursivo que apresenta leitores em potencial (consumidores), e por ser um gênero multimodal, este utiliza elementos linguísticos como frases curtas e concisas; palavras-chaves, carregadas de significação; adjetivos e representações semióticas destaque em sua diagramação e designer. O gênero anúncio publicitário caracteriza, portanto, por um discurso multimodal, definido pela pluralidade dos códigos existentes em sua composição; responsáveis por estabelecer a identificação do público com o produto através dos significados que o constituem. De modo geral, percebemos que na atividade analisada no LDP, há a tentativa dos autores em explorar alguns dos aspectos da multimodalidade do gênero anúncio, nas questões de leituras relacionadas a ele, todavia essa tentativa não se efetivar em sua plenitude, visto que embora os autores iniciem a atividade com questões que evidenciam a existência da multimodalidade – linguagem mista – as essas apresentam tendências para a exploração muito mais da linguagem verbal para a significação do gênero anúncio. Vale destacar que, em nossas interpretações dessas questões, não negamos a importância da parte verbal do enunciado, porém apenas focar o verbal reduz em muito o desenvolvimento e o acionamento de multiletramentos envolvidos na leitura da multiplicidade de significados que esse gênero pode apresentar. Palavras-chave: Multimodalidade; Gêneros; Livro didático. Sílvia Letícia Matievicz Pereira (UNICAMP) O DIÁLOGO ENTRE A UNIVERSIDADE E O PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA NA FORMAÇÃO CONTINUADA: ANÁLISE DO PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL DO PARANÁ (PDE/PR) Com base na assunção do conceito de letramento como “conjunto de práticas sociais cujos modos específicos de funcionamento têm implicações importantes para as formas pelas quais os sujeitos envolvidos nessas práticas constroem relações de identidade e de poder” (Ângela Kleiman, Os significados do Letramento, p. 11), esta pesquisa, inserida no Grupo Letramento do Professor, tem como compromisso principal refletir sobre o papel da universidade na 225 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

formação continuada de professores para o seu local de trabalho. A pesquisa é de caráter qualitativo-interpretativista e investiga a formação continuada docente no contexto do Programa Desenvolvimento Educacional do Paraná (PDE), uma política pública de formação continuada ofertada anualmente a cerca de 2000 professores efetivos da rede estadual de ensino daquele estado. O programa busca, por meio da aproximação entre as Instituições Públicas de Ensino Superior do estado e as escolas públicas de Educação Básica, a construção de saberes voltada à pratica escolar. O PDE envolve diversas atividades, que somam mais de 900 horas-aula, as quais devem ser cumpridas no período de dois anos. Essas atividades são realizadas majoritariamente de forma presencial nas universidades e faculdades públicas do estado e também na modalidade à distância, em momentos de interação com outros professores do estado, via plataformas virtuais. Embora o PDE surja num cenário já abundante de oportunidades de formação continuada docente, ele se destaca em meio a outras iniciativas por diversas razões; destacamos, brevemente, as duas principais para esta pesquisa. Primeiramente, o programa provê condições de estudo aos participantes. Os docentes, uma vez inscritos, são afastados integralmente de suas atividades de sala de aula pelo período de um ano e parcialmente por mais um ano, sem desconto em sua remuneração. Em segundo lugar, o elemento que justifica nosso interesse pelo programa é sua proposta de construção de saberes voltada à prática escolar. Para efetivar essa proposta, o programa promove a aproximação entre educação básica e a universidade. O interesse dessa pesquisa se direciona, especificamente, à maneira como essa aproximação acontece. No percurso do PDE, é preciso que o professor participante desenvolva, em conjunto com um orientador de uma das IPES parceiras do programa, um Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola (PIPE). Esse projeto deve ser fruto de inquietações do professor relacionadas a sua práxis educacional, tendo em vista a mudança dessa práxis. Sendo assim, ao propor um espaço que permite pensar sobre a prática escolar e suas problemáticas, com vistas ao planejamento e à execução de ações que visem a agir sobre a realidade escolar, o PDE parece promover um campo privilegiado de intersecção entre os saberes acadêmicos e a atuação docente. Assim sendo, este trabalho tem como objetivo geral analisar o processo de elaboração e de implementação do PIPE, entendido como uma via privilegiada para oportunizar uma formação docente situada e, ao mesmo tempo, comprometida socialmente. Como objetivos específicos, buscamos: a) levantar os eventos de letramento do PDE 2013-2014 que são propostos com o objetivo de colaborar com a elaboração do PIPE; b) confrontar as prescrições do programa manifestas em seus documentos normativos, com eventos de 226 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

letramento observados; c) refletir sobre a pertinência desses eventos para o letramento do professor, tendo em vista a consideração dos saberes docentes; d) analisar a relação orientador-professor PDE, no processo de (re)elaboração do PIPE; e) examinar, por meio de observação, a implementação do PIPE. Tendo em vista esses objetivos específicos, esperamos fornecer subsídios para a (re)elaboração de projetos de formação continuada que estejam comprometidos com o engajamento e participação efetiva do professor e consequente aprimoramento do trabalho realizado em sala de aula de língua portuguesa. A abordagem sociocultural e etnográfica dos Estudos de Letramento e o dialogismo bakhtiniano, que compreende a linguagem como um lugar de interação e disputas, compõe o arcabouço teóricometodológico que orienta esta investigação. Por meio de observação participante, estamos acompanhando todas as atividades do PDE 20132014 em que figuram universidade e professores PDE: aulas, palestras e orientações. Por meio da análise dos eventos de letramento que constituem o programa, procuramos refletir sobre a configuração de uma formação docente que possa ressoar dialogicamente nas práticas escolares. Palavras-chave: Letramento do professor; Formação continuada de professores; Relação universidade-escola. Vitória Eugênia Oliveira Pereira (UNICAMP) AUTORIA INTERDITADA: DIFICULDADES DE ESCRITURA DO ESTUDANTE NA UNIVERSIDADE A prática da escrita, na universidade, é povoada por um imaginário de sacrifício: cobrança de tarefas, procrastinação, medo da folha em branco, angústia de escrever. A vivência dessas práticas textuais, como estudante, em nossa rotina da graduação, dentro e fora das salas de aula, é que mobilizou a demanda inicial desta pesquisa. Inauguramos nossa caminhada em dois anos de iniciação científica e, depois, recortando e aprofundando o estudo em uma monografia para a conclusão do curso de Letras Vernáculas na Universidade Federal de Sergipe. Aqui, no mestrado que se inicia, propomos o desenvolvimento do tema e a continuação das discussões; propomos entender os movimentos da autoria na Universidade: quais são e o que atravessa as dificuldades de escrita vividas pelos alunos e materializadas em suas produções textuais? Partimos do desejo de uma compreensão da relação aluno/escritura que vá além dos erros ortográficos ou da nota ruim no semestre; que considere de que maneira esse sujeito-aluno, sem consciência de sua escrita, está sendo constituído em um mundo cada 227 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

vez mais tomado pelo gráfico – em um mundo em que é a escrita que valida, reconhece e realiza as práticas sociais. Impulsiona-nos, também, a tentativa de ampliar o espaço de discussão da universidade na própria universidade. A escola é, frequentemente, responsabilizada pelas lacunas do estudante que chega ao ensino superior, mas pouco se fala sobre o que a universidade tem feito para considerar, em seu próprio espaço, essas lacunas. Colocamos, muitas vezes, as questões do ensino superior como simples acúmulos dos problemas escolares; entretanto, em diferentes instituições, com diferentes objetivos e funções, as questões ganham novas variáveis e exigem um estudo que as considerem naquele cenário e não somente em função das ausências de outro. Não basta, portanto, ir à escola para apontar a origem das lacunas no aluno que chega, é necessário, também, compreender como essas lacunas se instauram na própria universidade, através de sua dinâmica. Trata-se de situar nosso estudo em uma divisão histórica entre teoria e prática, em que a universidade teoriza sempre para fora, para a escola, e a escola não tem autonomia para pensar suas próprias teorias. Nosso esforço é justamente para tentar construir uma discussão que se situe um ponto de articulação, que pense essa passagem entre diferentes espaços de autoria. O que ainda vivemos, atualmente, são práticas escolares artificiais de leitura e de escrita; que ora se inscrevem no campo da literatura, ora se situam em estratégias memorisáveis de produção do gênero dissertativo. Porém, desde que ingressa na universidade, é cobrada do aluno a produção e a leitura de textos longos, científicos, realizadas com originalidade e seguindo uma série de regras a que ele nunca teve acesso. Ou seja, o inverso do que ele praticava na escola. A angústia de escrever, o medo da folha em branco, o constante adiamento da escrita revelam justamente essa falta de intimidade. Revelam um aluno tateando de acordo com o que ele acha que é um texto acadêmico-científico. Há, frequente e nitidamente, uma simulação do texto, em vez de sua escritura. Há uma dificuldade em assumir a posição autor, através de uma interdição: o aluno não percebe a ausência de um texto em seu texto. De nossa parte, compreendemos que o gesto de problematizar o nível precário das produções em sala de aula deve ser feito buscando uma abordagem que considere os aspectos histórico-sociais; para que o esforço de transformação atenda verdadeiramente às demandas sociais de um sujeito crítico. Por isso, propomos, aqui, um olhar que atravesse a questão da redação do texto e que chegue às questões do discurso. Isso só é possível se tomarmos as questões da escrita como acontecimento político e simbólico. Por esse motivo é que nos filiamos teoricamente à Análise do Discurso. Na medida em que ela considera o texto como materialização do discurso e o discurso como prática social, expõe-nos à opacidade da linguagem, à historicidade dos textos, à 228 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

dispersão dos sentidos, à heterogeneidade do Sujeito. Através das obras de Orlandi e de Pêcheux, pretendemos fundamentar a elaboração teórica do conceito de autoria e seus desdobramentos: os conceitos de texto, discurso, leitura, leitor, interpretação. Esse constructo deve nos dar bases para recortar e construir o corpus da pesquisa: um arquivo de textos do primeiro e do último período de graduação, para entender o entremeio. Em um momento posterior, pretendemos analisar e compor uma lista de fatos de linguagem que operam na interdição da autoria. Desse modo, intencionamos contribuir para uma sistematização do tema, que possa se somar aos esforços de pensar práticas de sala de aula. Este momento inicial do projeto tem sido dedicado justamente à discussão da construção do corpus e de novas leituras que possa iluminar o caminho de realização do projeto. Palavras-chave: Autoria; interdição; escrita; universidade; análise do discurso. Wladimir Stempniak Mesko (UNICAMP) MULTILETRAMENTOS E FORMAS ESCOLARES: HISTÓRIA, CRÍTICA E POSSIBILIDADES Neste trabalho, exploro as críticas e propostas de ensino de letramento do manifesto “A Pedagogy of Multiliteracies: Designing Social Futures” (1996), do Grupo de Nova Londres, focalizando suas implicações para uma possível mudança de organização da escola em seus espaços e tempos educativos. Apesar de declarar seu caráter complementar sobre os currículos existentes, suas propostas entram em choque com uma série de aspectos do funcionamento escolar tradicional. Mesmo não abordando em profundidade uma crítica geral sobre o fenômeno histórico e social da escolarização, alguns posicionamentos específicos podem ser colocados em relação ao questionamento de aspectos basilares da forma escolar de socialização, tais como indicados em Lahire el al. (Sobre a história e a teoria da forma escolar, 2001, p. 37-38): “a constituição de um universo separado para a infância; a importância das regras na aprendizagem; a organização racional do tempo; a multiplicação e a repetição de exercícios, cuja única função consiste em aprender e aprender conforme as regras, dito de outro modo, tendo por fim seu próprio fim”. Esta discussão é parte de minha pesquisa que focaliza a formação continuada de professores de língua materna dos anos finais do ensino fundamental voltada à implementação de diretrizes curriculares municipais para o ensino da produção textual em determinados gêneros discursivos. Minha hipótese é que o trabalho com gêneros discursivos numa perspectiva dialógica e enunciativa tensiona 229 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

a instituição escolar nos limites de sua organização espaço-temporal regrada e historicamente estabilizada, uma vez que as práticas sociais implicadas num trabalho pedagógico coerente a esta perspectiva parecem romper as fronteiras da aula como unidade básica e prioritária do processo de ensino e aprendizagem. A pesquisa em curso pretende investigar as formas de organização do trabalho pedagógico de professores da rede municipal abordada, na qual atuo como coordenador pedagógico, focalizando as condições de que se dispõe atualmente para a construção de uma forma escolar que favoreça uma formação crítica e cidadã que está implicada na proposta da pedagogia de multiletramentos. Assim, também é do escopo desta discussão uma análise de como se apresenta o trabalho com a criticidade no uso da linguagem neste manifesto, situando-o no âmbito das propostas por letramentos críticos e protagonistas para os currículos escolares, como por exemplo em Rojo (Letramentos múltiplos, escola e inclusão social, 2009). Os dados da pesquisa, ainda em processo de coleta, referem-se à atuação do pesquisador em Grupos de Formação instituídos no centro de formação de professores do município e também em escolas, em formato descentralizado. Pretende-se analisar as soluções encontradas para o trabalho com os gêneros discursivos elencados nas diretrizes curriculares elaboradas coletivamente nesta rede, investigando as possibilidades e as limitações da forma escolar que atualmente predomina no município abordado face ao exercício de didatização dos objetos de ensino definidos. Os dados se compõem do registro das discussões nos grupos, entrevistas com professores participantes da pesquisa, planos de ensino publicados nos projetos pedagógicos das escolas, observação do trabalho nas unidades de ensino e as avaliações descritivas que atualmente compõem o sistema informatizado de acompanhamento dos alunos. Coerente à perspectiva teórica inclusiva e múltipla que caracteriza a pedagogia de multiletramentos, também nossa pesquisa concebe os professores implicados como sujeitos históricos, cujo repertório de atuação profissional responde a configurações socioculturais específicas e situadas. Assim, o fazer docente deve ser considerado em sua relação com um saber prático que se constitui na interação concreta com outros sujeitos e objetos de ensino na sua complexidade histórica e cultural, configurando saberes docentes que não são vistos, no processo de formação continuada, naquilo que se desviam de uma proposta oficial, mas naquilo que revelam e colocam em diálogo com uma história em construção (cf. Tardif, Saberes docentes e formação profissional, 2002). Palavras-chave: multiletramentos, forma escolar, letramento crítico, formação continuada, gêneros discursivos. 230 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Teoria e História Literária

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Aline Amsberg de Almeida (UNICAMP) AS MANIFESTAÇÕES DO HÍBRIDO NA LITERATURA DE FICÇÃO CIENTÍFICA CONTEMPORÂNEA A ficção científica (FC) contemporânea, após a New Wave e com o cyberpunk dando seus últimos suspiros, apresenta temas e modelos que, embora com novas configurações e constantemente atualizados para manter o ritmo das mudanças sociais, científicas e tecnológicas, não são novidade dentro da FC nem do campo das artes. Dentro da literatura, os formatos de romance e novela ainda são primordiais, incluindo nas histórias episódios aventurescos e dilemas em torno de questões morais; as space operas continuam a proliferar nas viagens extraordinárias através da infinitude do universo; a figura do alienígena persiste mostrando-se em versões benéficas ou malignas da subjetividade humana; os robôs seguem buscando provar a existência de sua alma e os computadores, mostrando serem inteligentes, ambos procurando seu lugar na hierarquia criador/criatura; as viagens no tempo não deixaram a fantasia do cinema e da literatura; e o ciborgue continua a marcar a fusão entre o homem e suas criações tecnológicas, alterando constantemente a visão do ser humano sobre si mesmo. As obras Mindscan (Robert J. Sawyer, 2005), The Accord (Keith Brooke, 2009), O Homem-máquina (Max Barry, 2011) e The Silicon Mind (Manikarnika Lagu, 2008), todas publicadas após a New Wave, fornecem material para pensar esse ciborgue que, redefinindo as bases e fronteiras do humano, altera sua condição dentro da realidade social e ficcional, principalmente servindo como território onde pulsam as questões que nunca deixaram de atormentar o homem tecnológico. Por ser uma forma de arte, a literatura tem a vantagem de criar um espaço onde a ciência pode escapar de suas próprias beiradas sem perder em credibilidade, permitindo-se usar esse território para a desterritorialização e reterritorialização (nos termos de Deleuze e Guattari) de suas bases fixas e mostrar que o humano é constituído muito menos de certezas do que de dúvidas. Pretendo aqui elaborar a questão do híbrido no que concerne à realidade social e às obras literárias deste corpus, na esteira das ideias de Martin Heidegger, Bernard Andrieu, Donna Haraway e Roberto Marchesini. Posteriormente, pretendo pontuar algumas manifestações desse híbrido na literatura de FC citada acima, em análises breves de momentos onde ele aparece, no intuito não de colocá-lo como novidade dentro do modo “ficção científica”, mas de mostrar como após a New Wave e com o avanço tecnológico que abraça o início do século XXI, a FC continua extrapolando as possibilidades desse híbrido e encontra no corpo um lugar privilegiado para a exploração e o questionamento de um novo 232 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

homem. Para falar do híbrido, tomo por base a noção de “ciborgue” de Donna Haraway e a noção de “híbrido” de Bernard Andrieu, ambas ancoradas na fusão entre o elemento técnico (ou tecnológico) e o elemento não técnico (que chamo de “carne”). Partindo da noção de handicap, Bernard Andrieu explica que o híbrido é o ser afetado por um dispositivo que modifica o corpo em sua materialidade inicial e seu funcionamento psicofisiológico. Além disso, Donna Haraway, ao escrever seu “Manifesto Ciborgue” em 1983, falava sobre a transgressão de fronteiras entre o humano e o não humano, que aqui penso como a mesma fronteira ilusória que separa o híbrido do não-híbrido, pois não encontro possibilidade de definir esse não-híbrido na realidade social nem na FC, onde brotam narrativas como Mindscan, The Accord, O Homem-máquina e The Silicon Mind. Nessas obras, o corpo se apresenta como lugar de problematização da tecnologia que, em sua ambiguidade própria, liberta por um lado enquanto por outro aprisiona esse corpo já modificado desde tempos imemoriais. O elemento técnico nas obras em questão surge no formato da realidade virtual, do androide, das próteses superpotentes ou do chip neural e se torna o motivo em torno do qual o humano acaba se reconfigurando. Palavras-chave: ficção científica; corpo; tecnologia; literatura contemporânea; híbrido. Carlos André Ferreira (UNICAMP) DITADURAS NO BRASIL E NA ALEMANHA ORIENTAL: MEMÓRIA, VIOLÊNCIA E SUJEITO NAS OBRAS DE CAIO FERNANDO ABREU E THOMAS BRUSSIG Este trabalho tem o objetivo de analisar representações da violência considerando a relação entre literatura e história. Serão analisadas representações literárias da violência da ditadura militar brasileira (19641985) e da ditadura militar da Alemanha Oriental (1949-1989) a partir da relação entre violência e poder definida por Walter Benjamin. Em nome da defesa da soberania e em nome da “segurança nacional”, tanto o Brasil quanto a Alemanha Oriental levaram a cabo políticas baseadas no Estado de Exceção, que possibilitava implacável perseguição dos opositores dos regimes ditatoriais nos dois países nos períodos aqui retratados. Para Walter Benjamin temos, aí, o uso da violência como meio para atingir uma nova ordem jurídica. Consideraremos, neste trabalho, de que modo a ditadura militar brasileira (1964-1965) e a queda do Muro de Berlim (1989) podem se constituir como pontos de partida para que uma reflexão acerca da violência possa ser levada a termo pela via da literatura. Fazendo uma breve contextualização a respeito do tema, podemos levantar a hipótese de que o golpe militar 233 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

de 1964, responsável pela instauração de uma ditadura no Brasil, é fruto de um processo que remonta ao final da década de 1950 e ao início da década de 1960. Em âmbito internacional, a Guerra Fria e a disputa pela hegemonia econômica e política do mundo pelos blocos norteamericano (capitalista) e soviético (socialista) colocavam os demais países do globo sob a influência direta dos dois blocos. Os Estados Unidos, após a Revolução Cubana de 1959 e a instauração de um regime socialista no país temiam que uma onda de levantes semelhantes fosse desencadeada mundo afora. Sendo assim, de maneira direta ou indireta, o governo norte-americano apoiou os golpes militares ocorridos na América Latina durante os anos 1960 e 1970. No Brasil, após a renúncia do presidente Jânio Quadros (1961) o vice, João Goulart, assumiu o governo federal num cenário carregado de tensão. As elites, temerosas com a possibilidade de ser deflagrada uma revolução socialista no país, não viam favoravelmente a política populista de Goulart, que defendia as reformas agrária, econômica e educacional. A insatisfação da classe dominante, dos militares e de considerável ala da igreja católica, somada à influência norteamericana, são fatores vitais para compreendermos o golpe militar de 31 de março de 1964, que depôs o governo do presidente João Goulart. Assim como outras esferas da vida cultural, a produção literária brasileira é atingida de forma determinante pela política violenta do governo militar, principalmente depois de ser decretado, em 1968, o Ato Institucional número 5 (AI-5). Partindo dessas considerações, pretendemos analisar de que maneira a literatura irán lidar com as questões relacionadas à violência perpetrada pelos representantes do poder ditatorial no Brasil. Podemos observar um quadro semelhante quando analisamos a literatura produzida na Alemanha nos últimos vinte anos ao retomarmos o processo que culminou com a queda do Muro de Berlim (1989) e com a reunificação (1990). Este período, o da chamada Wende – “virada”, “transição”, trouxe consigo a rememoração do passado na Alemanha Oriental (RDA), e tem sido frequente nas produções literárias alemãs nos últimos vinte anos. No entanto, é possível visualizar duas correntes dentro de um mesmo movimento: uma é composta por textos marcados pela “ostalgia” (um neologismo alemão, ostalgie, criado a partir das palavras ost – oriente – e ostalgie – nostalgia) ou uma saudade dos tempos da RDA. A outra é marcada por uma narrativa que funciona como instrumento de denúncia dos abusos e da violência cometidos pelo governo totalitário do lado leste. Para fins de análise, serão considerados dois autores representativos de cada momento histórico aqui apontado: Caio Fernando Abreu, no Brasil e Thomas Brussig, na Alemanha. Trabalharemos com o livro de contos Morangos mofados (1982), de

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Abreu e com o romance O charuto apagado de Churchill (1999), de Brussig. Palavras-chave: Teoria literária; Brasil; Alemanha; Ditadura militar; Memória Cláudia Tavares Alves (UNICAMP) O ENSAÍSMO CORSÁRIO DE PIER PAOLO PASOLINI O termo corsário ou corsarismo é comumente associado à última produção de Pier Paolo Pasolini. A origem dessa associação está na coletânea Scritti Corsari, publicada pelo autor ainda em vida, em 1975, na qual estão reunidos alguns ensaios escritos entre 1973 e 1975 para periódicos italianos de grande circulação, como Corriere della Sera e Tempo. Foi nesse momento da produção do escritor que suas críticas políticas e sociais se intensificaram e funcionaram como uma denúncia do modelo consumista, acompanhado da padronização cultural, instaurado na Itália a partir da Segunda Revolução Industrial. O presente estudo pretende dedicar-se à obra Scritti Corsari com o objetivo de reconhecer na produção ensaística de Pasolini uma forma particular de produzir ensaios, bem como observar a escolha do gênero e dos meios de comunicação de massa à luz de seus posicionamentos ideológicos. Para tanto, utilizaremos como ponto de partida os estudos do crítico italiano Alfonso Berardinelli sobre ensaísmo, em particular quando ele reconhece no gênero três dimensões essenciais: a teórica (as ideias do ensaísta), a pragmática (as formas de comunicação pública escolhidas) e a estilística (estilo literário particular de cada ensaísta). Ou seja, levaremos em conta em nossos estudos as ideias de Pasolini, bem como os meios de comunicação escolhidos para a publicação desses ensaios e seu estilo enquanto escritor. Berardinelli chegou à conclusão em suas análises que para compreender a literatura moderna era preciso também estudar as formas de expressão literária menos exploradas, ou seja, não mais se deter apenas a gêneros literários tradicionais como a poesia e o romance. Para o crítico, o ensaísmo teria ganhado importância nesse contexto porque traria mais vantagens ao explorar de forma crítica e acessível as contradições do mundo atual. Esse “destino literário” aparece como uma alternativa à nova realidade, que desperta nos escritores e intelectuais uma necessidade de expor seus posicionamentos críticos e reflexivos. A novidade observada pelo crítico italiano, embora não seja exclusividade desse autor, é que em Pasolini o limite entre os gêneros literários é muito tênue. A atitude crítica do escritor esteve presente em textos dos mais diversos gêneros. A partir de certo período, Pasolini, ao fazer poesia, não deixava de ser ensaísta. 235 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

E, ao escrever ensaios, o escritor também não deixava de fazer poesia. A possibilidade de mesclar diversos gêneros literários está prevista no livre uso do ensaísmo. Mais do que uma questão de forma, escrever ensaios está ligado à reflexão esperada dos escritores. Para o teórico Sílvio Lima, entre as principais características do ensaio – a saber: auto exercício da razão, liberdade pessoal e esforço constante pelo pensar original – o auto exercício da razão é essa atitude crítica esperada dos ensaístas, que têm liberdade para olhar o mundo a sua volta e pensar esse mundo. Com isso entendemos que exercitar a razão e a reflexão é praticar o ensaísmo. Além disso, é ainda necessário pensar no ensaio como uma “obrigação cívica” que reflete o “dever de humanidade” do ensaísta, segundo termos de Starobinski em seu estudo canônico Montaigne em movimento. Entendemos então que a publicação em jornais, os recursos discursivos utilizados por Pasolini e suas ideias críticas expostas nos ensaios não foram escolhas ingênuas, pois tiveram como finalidade a crítica pertinente ao ensaísmo. Seus textos foram pensados de forma a dar vazão à sua militância política e às suas reflexões sociais. Vale notar ainda como o pensamento crítico do autor encontra no ensaio uma maneira extremamente efetiva de comunicação, com qualidade estética e preocupação formal. Nosso trabalho minucioso de retornar aos ensaios corsários de Pasolini é importante para rever as teorias literárias que excluem o ensaísmo pessoal e crítico da Literatura. Confundindo liberdade de expressão com descomprometimento, alguns críticos da obra de Pasolini desvalorizam sua produção literária face à liberdade com que o escritor oscila entre os gêneros literários, utiliza fatos autobiográficos como argumentos e imprime seu posicionamento político em tudo que escreve. Porém, uma leitura mais próxima comprova que o comprometimento de Pasolini é com a realidade e com sua ideologia. Quanto a isso, a maioria da crítica concorda, porém foram poucos aqueles que, ao invés de estudar a produção ensaística de Pasolini em confronto com o gênero, foram no sentido oposto e extraíram dele uma teorização própria para o gênero ensaio. É preciso então procurar por esse ensaísmo crítico que abrange a produção pasoliniana reconhecendo o mérito literário de seus últimos escritos não apenas pelas polêmicas que eles geraram, mas pela qualidade com que eles foram pensados e escritos. Palavras-chave: Literatura italiana; Ensaio; Corsarismo; Pasolini

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Danielle Crepaldi Carvalho (UNICAMP) REALIDADE, CINEMA E RUA NAS CRÔNICAS CARIOCAS (1894-1920) Este trabalho propõe-se a pensar de que modo cronistas do Rio de Janeiro tomaram o cinema desde sua primeira entrada no Brasil até o início da década de 1920. A leitura dos periódicos fez emergir como vetores de análise o binômio realismo/rua. O lugar donde emerge o gênero cronístico obriga-o a respeitar, num só tempo, o imediatismo da imprensa e a liberdade artística de seus artífices. A escolha dos eixos norteadores da pesquisa acenam primeiro para a “objetividade” inerente ao gênero: Os “fatos” apreendidos pela pena fantasista do cronista precisavam primeiro existir para depois serem apreendidos; era fundamental que a invenção tivesse algum atrelamento à realidade. E o lugar de apreendê-la era aquela rua fundada pelo ideário republicano, construída, a exemplo da Europa, como espaço acolhedor de convivência dos membros da família em âmbito público. De que modo o cinema se imiscui no contexto? O vocativo de “maravilha”, com que ele será a princípio referido, sinaliza para a surpresa frente ao avassalador realismo de suas imagens: mesmo os homens pequeninos a tremerem na máquina inventada por Edison pareciam dotados de pungente realidade, uma vez que foram apreendidos pela “objetiva” da câmera. Busca-se analisar como os homens de letras daquele tempo, que almejavam se firmar na cena literária da capital por meio da pena, pensaram o medium. Homens como Arthur Azevedo, Olavo Bilac, Coelho Netto, Figueiredo Pimentel e João do Rio, que observaram a virada do século a partir do duplo lugar conferido pela crônica jornalística, misto de “fato” e “ficção”. O percurso propõe, como ponto de partida, a análise das crônicas a respeito do cinematógrafo publicadas após as primeiras exibições do invento, e como ponto de chegada a série “A Arte do Silêncio”, escrita na entrada dos anos 20 por um cronista que preferia se construir como personagem a revelar ao público seu eu social. Do casmurro Fantasio (1894) de Olavo Bilac ao cronista-personagem Jack (1920-22), flagra-se o trajeto que vai do repúdio ao invento que, colocando a verdade nua diante de todos os olhos, minaria o “castelo da ilusão divina” construído pela ficção; até sua defesa por meio da urdidura de uma “realidade” prenhe de ficção, mimese dos filmes, a semear pelas ruas do Rio de Janeiro cópias abrasileiradas de artistas de cinema. Pelas crônicas de Jack, o cinema acaba se tornando o espaço de engendramento daquela ilusão que Fantásio só via possibilidade de emergir da literatura. Não só o cinema, mas também a crônica, que, impregnada da ficção parida em Hollywood, torna-se ela mesma cinema – cinema hollywoodiano, a investir na construção da intriga em detrimento da 237 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

forma; a chamar a atenção para o caráter paradoxal das imagens cinematográficas, ao mesmo tempo em que mergulhava no mundo que criavam. A reflexão sobre a realidade contraditória das imagens em movimento foi formalizada por João do Rio após a observação do público devoto presente na sessão de certo filme bíblico: “No cinematógrafo, logo, imediatamente, a multidão se sente presa ao fato visível”; “celestemente removida ao momento da tortura, ao lado do Deus-Homem, humano na tela mais ainda irreal porque apenas sombra na luz do “écran”. O Deus presente no filme da Paixão não passava de luz e sombra na tela do cinematógrafo. Máquina surpreendente aquela que transformava o impalpável em realidade, comovendo o público mais do que a religião conseguia fazê-lo – talvez porque ambos, a Cristo e o cinematógrafo, não passassem de ilusão. A realidade peculiar que emerge do cinematógrafo insere-se num contexto mais amplo. Este trabalho dialoga com as formulações que balizam os ensaios de Cinema ou a invenção da vida moderna, segundo os quais o público do cinema fora formado antes da invenção do dispositivo, saciando sua sede de realidade na visitação dos museus de cera e de folclore, panoramas e Exposições, espaços controlados nos quais era convidado a ocupar lugares múltiplos (de visitante, voyeur dos tableaux apresentados, personagem...). Defendo que o quadro foi potencializado no Brasil. A introdução, no meio da cidade tropical, de construções e topografia emprestadas da Europa, acena para a própria existência da cidade como cenário. Realidade desde logo fundada como representação, portanto. Busco pensar que papel desempenhou o cinematógrafo neste contexto. O esforço do cronista do “Binóculo” (1908) para que seu público leitor parecesse bem nas fitas rodadas na cidade denota, desde logo, sua busca de um mise-enscène que fundasse um carioca assemelhado ao europeu. A reflexão tem como ponto de chegada a série cronística “A Arte do Cinema”, de Jack. Ao construir-se como galã, a vivenciar enredos cinematográficos, Jack deixa patente o corpo ambíguo do cinema: feito de artistas fadados a repetir infinitamente os mesmos tipos e enredos convencionais, diante de cenários de papelão; artificialidade que, traduzida na linguagem das sombras, convertia-se numa realidade tão intensa que levava o público a identificar-se com os personagens, reproduzindo-os pelas ruas da capital. Palavras-chave: cinema, literatura brasileira, crônica, Olavo Bilac, João do Rio

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Eduardo de Almeida Santos (UFRJ) TEXTO, INTERAÇÕES E MEMÓRIA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DA DRAMATURGIA DOS DENOMINADOS GRUPOS DE “COMUNIDADE” O presente trabalho denominado “Texto, Interações e Memória: Uma análise comparativa sobre a dramaturgia dos denominados grupos de “Comunidade” tem, como tema de investigação específica, o processo de criação de textos para teatro produzidos por dramaturgos de territórios denominados comunidade. Tal trabalho é fruto de um interesse pessoal pelo tema, bem como produto de uma observação da diferenciação existente na qualidade e relação de práticas escritas de cenas no denominado “teatro de comunidade”, quando o dramaturgo/dramaturgista é oriundo da própria comunidade. O porquê e como se opera esta distinção nas produções de trabalhos sociais entre grupos que “importam” dramaturgos de fora da comunidade e outros que tem seus trabalhos pautados por dramaturgos do próprio território, foram este o estímulo que me levaram a investigar os fatores existentes no campo social, cultural e econômico que interferem nos campos da estética e da construção do texto dramatúrgico. Para dar conta desta análise, há a intenção de promover um estudo que cruze os campos do chamado "teatro comunitário" e algumas abordagens das Ciências Sociais, como por exemplo o “interacionismo social”, para analisar questões referentes à produção de tal dramaturgia. Qual é a ingerência dos fatores já citados e como se articulam, dialogam e interferem nestes dramaturgos? Como o processo de subjetividade e intersubjetividade, construído no processo coletivo, traduz as lembranças e interferem na criação da ficção teatral? De que maneira o olhar da vivência é transmitido de forma estética, com conhecimento da história pessoal, local, coletiva, e ainda se projeta na observada diferença sensível de dramaturgia? Assim sendo, o recorte principal deste estudo será a estrutura dramática produzida por dramaturgos de grupos de “periferia” e/ou “comunidade”, que tenham como base as memórias e narrativas de sua comunidade. Tendo como exemplo, objetivo principal e objeto fundamental o estudo comparativo-analítico dos textos dramáticos produzidos pelos dramaturgistas Luiz Paulo Correa (do “Grupo Nós do Morro”) e de Sandro d` França (do “Coletivo Teatral Última Estação”). Tais dramaturgos são exemplos de um processo particular de construção textual e extremamente importantes nos denominados grupos de “comunidade”: são moradores da comunidade e artistas criadores. O próprio grupo “Nós do Morro” relata em seu site que o “Projeto Teatro-Comunidade é uma ideia inovadora, já que, até então, a maioria dos projetos culturais voltados para as comunidades carentes no Rio de Janeiro vinham de fora e nem sempre 239 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

se adaptavam à realidade do público a que se destinavam. De certa forma, é o que nos diz Ranciére em seu livro “A partilha do sensível”: A conexão dessas ‘simples práticas’ com modos de discurso, formas de vida, ideias do pensamento e figuras da comunidade não é fruto de nenhum desvio maléfico. Em compensação, o esforço para pensá-la implica abandonar a pobre dramaturgia do fim e do retorno, que não cessa de ocupar o terreno da arte, da política e de todo objeto pensado. Podemos pensar estes dramaturgos como agentes de duplas trocas. Entre as ações do que se vive e o que se escreve e também nas possibilidades de inclusão da subjetividade na construção de material artístico. Assim não se pretende estudar o material/obra de forma isolada. Nem como algo pertencente apenas ao caráter artístico e nem como algo pertencente apenas na esfera econômica-política, mas sim como uma composição plural de troca e/ou articulação refletida na forma de texto teatral. Como memorial de pesquisa até aqui cabe notar: a pesquisa Teórica - Leitura de artigos, dissertações, teses e outras publicações que abordem questões relativas ao teatro de comunidade, bem como conceitos da sociologia como, por exemplo, estudos sobre a sociedade contemporânea, o interacionismo social e o interacionismo simbólico; a leitura das peças dos respectivos dramaturgos (Luiz Paulo Corrêa e Sandro D`França); a pesquisa de Campo, composta por entrevista e recolhimento de depoimento com os respectivos dramaturgos bem como outros pesquisadores ou agentes culturais que trabalhem ou pesquisem sobre os referidos temas ou áreas; a pesquisa sobre as observações, sensações e relações estabelecidas pelos atores e público em função das dramaturgias analisadas; a análise do Material Coletado; a análise das manifestações artísticas, com base nas teorias e estudos teóricos abordados neste trabalho e na dissertação em andamento; e o estabelecimento de um painel de tendências estéticas estabelecidas por essas dramaturgias e relações propostas pelas mesmas em suas recepções, bem como suas reverberações sociais, culturais e filosóficas nelas implicadas, para que, por meio de método comparativo-crítico, se possam evidenciar os diversos processos de criação utilizado pelos autores. Palavras-chave: Texto dramatúrgico; território; campo; Ultima Estação; dispositivos. Erich Soares Nogueira(UNICAMP) DAR VOZ À "VOZ" NA TEORIA LITERÁRIA De acordo com Alessandro Portelli, em Il testo e la voce, a moderna teoria literária utilizou-se de noções que seriam próprias dos estudos da 240 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

oralidade: “diálogo”, “performance”, “voz”, “comunidade” são exemplos destacados pelo autor em comentários sobre o princípio “dialógico” na teoria de Bakhtin, a “comunidade” de leitores nos estudos de recepção literária, a “voz” como princípio estilístico, a “performance” no ato de leitura. Ainda que fiquemos restritos ao termo “voz”, deparamo-nos com diferentes usos desse termo que abrangem não somente os estudos da oralidade, mas também a estilística (e a decorrente noção de uma “voz” autoral), as diferentes teorizações sobre o discurso narrativo (sobre a “voz” ou as “vozes” que narram), ou ainda sobre grupos e culturas que não tiveram “voz” no cânone literário. Nesta comunicação, não se pretende dar conta dessa amplitude de questões, mas pontuar algo importante: o fato de que “voz” seja capaz de nomear algumas categorias literárias, mas apareça quase sempre destituída de presença vocal ou, para usar um conceito concebido por Paul Zumthor (Introdução à poesia oral e A letra e a voz), de “vocalidade”. Assim, abordaremos de modo sucinto a noção de “voz” atrelada à questão tanto do narrador quanto do estilo literário, indiciando a coerência da aplicação do termo, mas também o inevitável risco de uma “desvocalização” da voz. Pode-se adiantar que, de modo geral, nas teorizações acerca do “narrador” ou da “voz narrativa”, o que se percebe é um deslocamento da noção de voz para a de ponto de vista. Esses estudos ao trabalharem com as clássicas narrações em 1ª e 3ª pessoa são geralmente análises dos mais variados modos do “foco narrativo” e utilizam um vocabulário que se refere sobretudo ao olhar. Analisam-se as diferentes “perspectivas”, “distâncias” ou “visões” que o narrador pode assumir e, como se sabe, a depender do que seu “posicionamento” lhe permite ver e saber, classificam-se seus diferentes graus de onisciência em relação ao pensamento das personagens e à história que se deseja narrar. No entanto, ainda que se produza uma tipologia baseada no campo visivo, é de se notar que os teóricos também recorrem, e não poucas vezes, ao termo “voz”. A questão da onisciência, por exemplo, é por vezes descrita como uma “voz exterior” que guarda diferentes distâncias da “voz” das personagens. Quando se considera um conjunto de abordagens sobre o narrador, percebe-se, enfim, essa recorrente oscilação e uma consequente indistinção entre as expressões “voz narrativa” e “ponto de vista”. É o discutiremos a partir da reflexão de Paul Ricoeur, em capítulo de Tempo e Narrativa. Quanto ao uso do termo “voz” como metáfora da noção de estilo, ele se dá especialmente na concepção de estilo como expressão da individualidade do autor. A metáfora é funcional porque voz e marca estilística apontam para a singularidade do sujeito: nenhuma voz é igual a outra assim como o estilo de um escritor deve diferir de todos os outros. Ou ainda, assim como se reconhece alguém pela sua voz, deve241 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

se reconhecer o escritor pelo seu estilo. Uma importante referência dessa estilística centrada no sujeito é o trabalho de Leo Spitzer, em Linguistica e historia literaria. Apresentemos o que é nuclear em sua abordagem do texto literário bem como alguns pontos da apurada análise que Starobinski faz dos trabalhos de Spitzer, Leo Spitzer et la lecture stylistique. Como resposta a uma desvocalização do conceito de voz na teoria literária, apresentaremos por fim a perspectiva de Paul Zumthor em torno da recepção literária e da chamada leitura silenciosa. Pretendemos retomar seu fundamental conceito de performance para investigar o texto literário nessa operação de leitura que, supostamente, também nega a presença de uma vocalidade. Palavras-chave: voz; vocalidade; ponto de vista; estilo; Zumthor Fabiana Angélica do Nascimento(UNICAMP) A TÍLIA E O BONECO KASPERL COMO LEITMOTIVE NA NOVELA POLE POPPENSPÄLER, DE THEODOR STORM A novela Pole Poppenspäler, de Theodor Storm, foi escrita na virada dos anos 1873/1874. O texto havia sido encomendado por Julius Lohmeyer, também escritor, ao referido autor para fazer parte da recém-fundada revista Deutsche Jugend, que publicava essencialmente textos de literatura infanto-juvenil. Entretanto, como afirma o próprio Storm em carta a Georg Scherer em oito de fevereiro de 1874, a novela não foi concebida como um texto dedicado apenas ao público adolescente: “não se deve escrever para adolescentes [...] Depende, portanto, de se encontrar um assunto que, com um tratamento apropriado, também seja adequado ao público infanto-juvenil.” Ciente da exigência artística de seus textos, Storm (Theodor Storm, Pole Poppenspäler, p. 77), no posfácio da novela, diz que “seria artificial o tratamento de um assunto desta ou daquela forma, seja pensando no grande Peter ou no pequeno Hans como público”. A concepção poética do tema não deve, pois, dirigir-se a determinado público, “porque um assunto só pode ser tratado de acordo com suas exigências internas”. Para ele, isso significa que um texto para adolescentes pode ser também adequado a adultos. Sendo assim, a novela Pole Poppenspäler, embora tenha um impulso pedagógico, não pode ser considerada apenas uma narrativa dedicada ao público infanto-juvenil. Ao lado de Immensee e de O homem do cavalo branco ela é, até hoje, uma das novelas mais lidas de Theodor Storm, não só na escola. Devido a essa importância, a novela é o nosso objeto de estudo: veremos como o recurso estilístico do Leitmotiv está articulado para tratar do tema da oposição entre o artista e o burguês, tema bastante caro à literatura alemã. Para isso, 242 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

contudo, é necessário discorrer um pouco sobre o gênero novela e sua relevância no Realismo Poético, época em que está inserida a obra de Theodor Storm. Como qualquer gênero literário, não é tão simples estabelecer os limites sobre o que é ou não novela; algumas tentativas de definição advêm dos próprios autores, como a de Goethe (Conversações com Eckermann, 29.01.1827. In: WIESE. Die deutsche Novelle von Goethe bis Kafka, p. 14), que é bastante produtiva: “o que é a novela se não um evento inaudito”, pois a novela sempre tem a ver com um acontecimento que se condensa ao longo de uma determinada extensão de tempo e espaço. Entendido como uma peripécia ou transformação, esse acontecimento precipitará a condensação da ação no conflito. Friedrich Schlegel na obra Nachricht von den poetischen Werken des Joahnnes Bocaccio (1801) destacou que a novela é exemplarmente adequada para representar um estado de ânimo e uma perspectiva subjetivos, assim como os aspectos mais profundos e peculiares desse mesmo estado de maneira indireta e alegoricamente expressiva. Para Theodor Storm, o desenvolvimento da novela no século XIX tornou o gênero adequado a tratar de temas significativos e alcançar o ponto máximo da poesia. Ele diz que “a curta representação de algo insólito por meio de uma peripécia interessante e surpreendente do evento representado não é mais suficiente e que a novela atual é irmã do drama e a mais rigorosa forma da prosa.” Atualmente, os estudos sobre novela procuram reunir em maior ou menor grau as concepções propostas pelos próprios autores. Quando se fala em novela, é imprescindível enfatizar também que, sem o novo comportamento do mercado editorial na segunda metade do século XIX, não seria possível compreender o nascimento da novelística realista. A isso podemos acrescentar a alfabetização maciça e a modificação das bibliotecas para a expansão de periódicos (de entretenimento e direcionados às famílias) que têm uma grande tiragem e que só seria possível com as novas técnicas de uma imprensa de massas. O novo público leitor, ávido por boas histórias, foi o grande responsável pelo alcance encontrado pela novela realista, que floresceu e se consolidou como gênero. A novela Pole Poppenspäler alcançou, desde muito cedo, um lugar estável no cânone literário. Na virada do século XX, Storm foi considerado “modelo de poesia patriótica e fronteiriça” e, por essa razão, foi reconhecido como exemplar pela crítica literária nacional-socialista. Isso, contudo, não atrapalhou o êxito posterior da novela depois de 1945, pois o seu valor pedagógico e estético corresponde a visões de mundo bastante diferentes. Desse modo, a novela “pôde continuar sendo lida até hoje pelas sociedades pós-modernas devido à sua específica tendência transcendente e à sua narrativa de experiências da modernidade.” (Scherer. In: DEUPMANN, Christoph (org.) Interpretationen. Theodor 243 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Storm Novellen, p. 53). É essa “tendência transcendente” que, de nosso ponto de vista, exige uma análise mais pormenorizada da novela. Focaremos, portanto, nesse trabalho, em dois Leitmotive – a tília e o Kasperl – que configuram o tema da oposição entre o artista e o burguês, tema esse que permeia toda a literatura alemã, de Goethe, passando pelos românticos como Eichendorff e Hoffmann, até Thomas Mann. Palavras-chave: Literatura alemã; Realismo Poético; novela; Leitmotiv Fábio Roberto Mariano(UNICAMP) WILLIAM FAULKNER E A LITERATURA FRANCESA NOS ANOS 30: UMA ANÁLISE CONTEXTUAL William Faulkner faz parte de um grupo de autores americanos que logram o sucesso de crítica e de público na França nos anos 30. A importância desse escritor, no entanto, resiste ao teste do tempo, e sua popularidade continua alta, bem como sua relevância crítica. Exemplo disso é a matéria “France’s strange Love affair with William Faulkner”, publicada no jornal britânico The Guardian em 19 de março de 2009, que analisa a duradoura popularidade do autor na França. O que se propõe no presente trabalho é fazer uma investigação, a partir das leituras de Faulkner, da relação entre o escritor e a literatura francesa nos anos 30. Durante essa década, o mundo passa por profundas transformações políticas. Envolvem a Europa: a) a crise da democracia liberal; b) a consolidação do nazi-fascismo, bem como do comunismo soviético; c) a eleição de governos de coalizão das esquerdas na Espanha e na França, e d) o crescente temor de uma nova guerra mundial nas proporções daquela ocorrida entre 1914 e 1918. Na França, o momento coincide com duas tendências na literatura. Por um lado, identificam-se traços de uma mudança de paradigma na literatura francesa, possivelmente em relação aos acontecimentos políticos e históricos do entorno. Há uma inclinação para uma outra visão do papel da “consciência histórica” nos romances da época, de modo que, em alguns deles, ela passa a integrar explicitamente os enredos e a própria organização romanesca. Os volumes finais da série Les Thibault, de Roger Martin Du Gard, no qual a iminência e o início da primeira guerra mundial se tornam assunto central, e os romances de André Malraux, em especial La Condition Humaine, cuja ação se desenvolve no seio de uma tentativa de revolução na China, são exemplos de tal mudança. Digna de nota também é a chamada “era do romance americano” (Claude-Edmonde Magny, L’Âge du Roman Americain, 1948): uma geração de escritores oriundos dos Estados 244 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Unidos começa a receber atenção crítica e a alcançar êxito editorial na França. Alguns romancistas (Erskine Caldwell, Ernest Hemingway, John dos Passos, John Steinbeck e William Faulkner sendo os principais) são agrupados em torno do conceito de “nova narrativa americana”. Distantes, por vezes, em seus projetos e práticas literárias, os escritores têm em comum o momento em que passam a fazer sucesso em solo francês. Essas duas tendências marcam sua presença em uma instituição literária de grande importância na cultura francesa, a Nouvelle Revue Française (NRF) (e em seu braço editorial, a Librairie Gallimard). A revista goza, na década de 30, de uma reputação construída desde 1909, época de seu primeiro número, e se pode considerá-la como principal órgão de cultura na França à época da publicação dos escritores americanos no país. A seção de letras estrangeiras da NRF é a principal porta de entrada para artigos sobre e contos de tais escritores, e sua casa editorial, a responsável pelas traduções dos romancistas americanos, frequentemente prefaciados por críticos associados à revista. Tendo tal contexto em vista, propõe-se um estudo a partir dos textos sobre Faulkner publicados tanto na Nouvelle Revue Française, em forma de artigo, quanto pela Librairie Gallimard, em forma de prefácio a livros de Faulkner traduzidos para o francês e editados no país. O trabalho se divide em três momentos: o primeiro justifica e afirma a importância do material selecionado como base. O segundo faz uma análise do cenário literário francês a partir de alguns romances importantes das décadas de 1920 e 1930, com o objetivo de analisar uma possível mudança no paradigma literário dos anos 30 no país. Inclui-se aqui o fato de uma série de romances americanos ganharem vulto e se tornarem parte da vida literária francesa. O terceiro é uma leitura atenta das leituras de Faulkner selecionadas, buscando confrontá-las com o cenário literário definido anteriormente. O objetivo final é estabelecer uma relação entre Faulkner e os escritores franceses da época, e investigar a natureza do discurso crítico que o promove inicialmente. Na comunicação a ser apresentada neste seminário, pretendo expor de forma breve os três estágios definidos para a pesquisa, dando um exemplo da leitura de Faulkner diante das tendências apresentadas. Creio que tal exercício seja válido tanto como interpretação da obra do escritor quanto como compreensão da história literária francesa. Palavras-chave: Literatura Francesa; Anos 30; Era do romance americano; Nouvelle Revue Française; William Faulkner

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Fernanda Andrade do Nascimento Alves(UNICAMP) APROXIMAÇÕES AO MODO MELODRAMÁTICO E AO ROMANCE POLICIAL O objetivo desta comunicação é apresentar as ideias centrais desenvolvidas em minha tese, que pretende colocar em diálogo três obras literárias latino-americanas, ligadas por uma temática comum (a representação da violência urbana), pela posta em cena de um personagem emblemático (o pistoleiro/sicário) e pela adesão a gêneros populares (o romance policial/noir e o melodrama). Como é a economia narrativa dos romances? Como se articula o excesso da violência na tessitura narrativa? Trata-se de um excesso formal e temático? Ou apenas da violência desbordante do que se tenta representar? Como forma e conteúdo se apresentam? Por que a escolha desses gêneros para plasmar literariamente a violência urbana? Essas são algumas das perguntas que norteiam a investigação. Trata-se de localizar nestas obras algo que pode ser sintomático e apontar certas regularidades temáticas e formais na literatura contemporânea da América Latina. Um regresso ao contar, a modos e gêneros sedimentados na tradição. As três obras recuperam gêneros populares, atualizando-os segundo os objetivos de cada proposta. O melodrama, tal como entendido aqui, não é apenas um gênero, mas um modo ou, como propõe Peter Brooks em “The melodramatic imagination,” uma imaginação melodramática que conforma a consciência moderna. Ao delinear um modo que atravessa gêneros, pode-se tomar sua presença não só nas obras literárias estudadas, mas na cultura a que elas pertencem, nos meios com os quais dialogam: cinema, televisão, rádio, publicidade, etc., já que todos compartilham numa mesma matriz cultural. Além disso, interessa pensar o crime como estruturador das relações sociais que se apresentam no espaço urbano configurado nas três obras, que se erigem em torno de um personagem emblemático, o matador/sicário. Em “El cuerpo de delito. Un Manual”, Josefina Ludmer define a importância do delito como elemento fundador de relações sociais, culturais e econômicas, como noção articuladora, “una constelación que articula delincuente y víctima”, isto é, que “articula sujetos: voces, palabras, culturas, creencias y cuerpos determinados”. Assim, o delito é um organizador da tessitura comparativa proposta aqui, uma fronteira que une, mas também separa, as cartografias literárias representadas pelas obras de Aquino, Mendoza e Franco. E a violência é entendida como um elemento mediador das relações estabelecidas nas tramas, meio que permite a trajetória de ascensão ou queda dos pistoleiros e que também marca a relação entre “eles” e “nós”, ou seja, as diferenças que se fazem notar entre os personagens oriundos das margens e aqueles que habitam os bairros elitizados das 246 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

urbes. Todos os romances são publicados entre finais dos anos 1990 e início dos anos 2000 e, cada um a sua maneira, registra dados importantes sobre a sociedade de seu tempo, destacando o crime como motor social (a ação de pistoleiros em três esferas: a privada, a mando de empresários; a público-privada, a mando de políticos; e a para-estatal, a mando de narcotraficantes). “Rosario Tijeras”, do colombiano Jorge Franco, e “O invasor”, do brasileiro Marçal Aquino, são narrados por um “eu” que pertence à classe média alta e que se relaciona com um “outro”, marginal, mais especificamente um sicário. Se em “O invasor”, em uma narrativa que propõe uma atmosfera “noir”, se processa a queda de Ivan, o narrador, ao mesmo tempo que ocorre a invasão de Anísio, o matador contratado, em “Rosario Tijeras”, tem lugar um processo de iniciação dos jovens de classe alta, Emilio e Antonio, no mundo da sicária, Rosario, caracterizada melodramaticamente como uma “femme fatale”. Ao passo que em “Un asesino solitario”, do mexicano Élmer Mendoza, é Macías, o matador a serviço de representantes do Estado, quem, em uma narrativa que se pode denominar neopolicial e marcada pelos traços da voz marginal, mostra ao leitor as redes de criminalidade que sustentam a vida política mexicana. Palavras-chave: Violência; melodrama; gênero policial; literatura latinoamericana; sicariato Fernando Goes (UNESP) O ROMANCISTA DO MAR: UM ESTUDO DA REPRESENTAÇÃO DO MAR NOS ROMANCES DE MOACIR C. LOPES A presente pesquisa de doutorado acerca das obras do autor Moacir Costa Lopes dá prosseguindo ao estudo iniciado no mestrado, quando se analisou o romance A ostra e o vento. Na ocasião buscou-se analisar essa narrativa focando, sobretudo, as metáforas marítimas que conduzem o enredo. Lopes é conhecido pela alcunha de romancista do mar e já no mestrado, embora se tenha analisado profundamente apenas uma obra, buscou-se verificar como essa temática se apresenta na prosa desse autor. Para tanto, desenvolveu-se certa teoria acerca das metáforas ditas marítimas. Elas teriam origem nos primitivos contatos do ser humano com o elemento água bem como nas imagens formadas pela ação do vento sobre as águas calmas do mar. Tais metáforas marítimas florescem com toda intensidade em uma determinada espacialidade que não compreende apenas o mar. Desse modo, analisando no mestrado a conotação espacial do mar, chegouse ao conceito de ambiente marítimo. O ambiente marítimo seria 247 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

aquela espacialidade que compreende, além do mar, todos os elementos e seres que circundam as pessoas que, direta ou indiretamente, dependem dessa grande extensão de água para sobreviver. Faz parte e constitui o ambiente marítimo, além do mar, evidentemente, o pescador costeiro, o capitão de navio, o faroleiro, os abastecedores de ilhas, os pertencentes às marinhas mercantes e de guerra, às prostitutas de portos, os caçadores de baleias, infinitas lendas de navios fantasmas e sereias, os aventureiros do mar, os mergulhadores, os instrumentos marítimos junto com um vocabulário náutico que está sempre presente nas narrativas de ambiente marítimo, e muitos outros elementos que fazem também parte da extensa lista de particularidades que caracteriza essa atmosfera do mar. No romance A ostra e o vento, porém, o ambiente marítimo é bem reduzido se comparado ao que se encontra em Maria de cada porto. Em A ostra sobressaem-se a ilha e a vida introspectiva e tensa daqueles que vivem afastados do continente. Aparecem personagens marinheiros, bem como navios, vocábulos náuticos, portos, e outros, mas tudo em menor escala. Maria de cada porto, por sua vez, traz uma espécie de visão panorâmica do ambiente marítimo e dos muitos lugares dessa espacialidade. Vale salientar que nesse estudo, a palavra espacialidade não pode ser entendida como sinônimo de espaço. A primeira, ao menos segundo a ideia que se desenvolve aqui, tem caráter mais amplo, sendo algo próximo a um macro espaço constituído por vários espaços que, por sua vez, englobam vários lugares. No ambiente marítimo, por exemplo, tem-se o espaço ilha, que contém vários lugares como a praia, as grutas, os faróis e outros. Vê-se, assim, que o primeiro romance de Lopes é de fato uma espécie de projeto literário em que se apresenta um ambiente marítimo que será por décadas explorado em outras narrativas. Parece mesmo que a intenção desse autor foi, desde o início, desvendar literariamente essa espacialidade sintetizada em seu primeiro romance, espacialidade que ele sabia ser vasta o bastante para não poder ser descrita em uma única obra. No primeiro semestre de 2013, dando continuidade ao cronograma apresentado no projeto de doutorado, que visa melhor compreender a representação do mar nas narrativas de Lopes, analisou-se o romance Cais, saudade em pedra. Em Cais Lopes volta a abordar de modo direto o ambiente marítimo. Nessa terceira obra, Moacir foca um local do ambiente marítimo que em Maria foi apenas caracterizado de passagem, sem muita profundidade, trata-se da porção seca desse ambiente do mar, a cidade marítima ou costeira ou, ainda, o cais e o porto. No próximo semestre, analisar-se-á o romance Onde repousam os náufragos, uma das narrativas mais recentes de Moacir, publicada em 2003. Nessa obra, espera-se encontrar uma boa definição do mar como espacialidade, ou seja, da parte espacial mais 248 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

atrelada ao mundo líquido do ambiente marítimo como, por exemplo, os navios. Também se iniciará nesse segundo semestre de 2013 uma descrição mais apurada do ambiente marítimo de Lopes, bem como se buscará compreender essa espacialidade como parte do regional, ideia que é inovadora em relação ao que se fez no mestrado em que o ambiente marítimo foi compreendido como uma terceira via, ou seja, um espaço que não era nem urbano nem regional. Entretanto, com o avançar da pesquisa notou-se que Lopes, embora trabalhe uma espacialidade basicamente universal, deixa marcas regionais, porém não um regional provinciano, mas um regional nacional. O mar de Lopes é em grande parte o mar brasileiro, diferente, portanto, em relação a outros países e não a outro estado ou região da federação. Essa ideia, ainda muito prematura, deverá ser desenvolvida e verificada nos próximos semestres, tomando como parâmetro as análises feitas nos dois primeiros anos do curso de doutorado e outras tantas leituras que vem sendo e que serão feitas. Palavras-chave: Literatura Brasileira; Mar; Romance Fernando Matias de Siqueira(UNICAMP) FORMA LITERÁRIA E PROCESSO SOCIAL NO ROMANCE TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA. Esta comunicação é síntese de nossa pesquisa de mestrado, cujo objeto de estudo é a forma literária do romance Triste fim de Policarpo Quaresma [1916], de Lima Barreto (1881–1922). Nossa hipótese indica que o processo social de fins do século XIX e começo do XX – modernização e construção da nação – tornou-se forma literária nesta obra, que foi composta pela ironia com intuito de captar e expressar o descompasso entre o imaginário liberal proposto pelo regime republicano e a realidade histórica e social cotidiana, que perpetuava formas de dominação social do regime monárquico sob outras roupagens. Nossa exposição fundamenta-se em três tópicos: no primeiro problematizaremos a formação do indivíduo Lima Barreto que, por ter sido realizada em colégios de elite, trouxe-lhe intenso anseio de ascensão social, desejo não concretizado devido à dominação social excludente para indivíduos de origem negra, pobres e sem apadrinhamento. Assim, Lima Barreto incorpora tanto as possibilidades de progresso social inscritas no imaginário da Primeira República – que indicavam um mundo moderno – como também as formas de dominação social que estavam presentes no regime anterior – e indicavam a continuidade com o passado. Acreditamos que reconhecendo esta situação Lima Barreto pôde captar as formas de 249 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

dominação social e criar manifestações literárias críticas à sociedade que vivia. Na segunda parte o intuito é expor o contexto histórico e social de Lima Barreto. Focaremos na modernização brasileira, que se espelhou em países europeus: sociedades industrializadas, urbanas e com predominância de indivíduos brancos. O Brasil diferia disto: era agrário, com população composta por índios, brancos, negros e mestiços. Para construir uma nação moderna e civilizada buscou-se construir as características aludidas das sociedades europeias: reordenou-se a identidade nacional para elevar o status do Brasil ao nível europeu, substituindo, para isto, a força de trabalho de negros, rotulados inaptos para o trabalho livre, por imigrantes europeus. Resolveria, assim, a força de trabalho e ajudaria a branquear a população, gerando bases para aproximá-la das sociedades europeias. Este processo social teve atuação do Estado, que tentou ser o demiurgo da sociedade. Ademais, a República propunha o liberalismo, e por isto deveria desvincular a dominação social patrimonialista, expressas pelo favor e o apadrinhamento, por exemplo, mas isto não ocorreu. Confiamos que no romance supracitado este processo social tornou-se forma literária. Por isto, na última etapa de nossa apresentação, falaremos sobre o romance e a forma literária irônica dele. Dividido em três partes, a obra começa narrando a busca de Policarpo por elementos verdadeiramente nacionais, capazes de expressar a identidade brasileira. Vendo nos símbolos como o violão e a língua portuguesa manifestações estrangeiras, Quaresma percebe que o autêntico elemento nacional seria a cultura indígena, e propõe que a língua tupi-guarani torne-se oficial. Julgado louco, ele é internado em um hospício. Ao sair do hospício ele vai morar no campo. Projeta uma produção agrícola sem uso de produtos químicos, crente de que as terras brasileiras são as mais férteis do mundo. Entretanto, percebe o contrário do que imaginava: os mestiços e negros que trabalham com o ele na lavoura não dispõem de condições para fazerem seus plantios prosperarem, diferente da convicção de correntes do pensamento social brasileiro da época, que os julgava como seres inferiores e inaptos para o trabalho livre, ideia que o romance desfaz criticamente mediante sua composição, indicando que a dificuldade de produzir referia-se a falta de condições sociais adequadas – condições fornecidas pelo governo para imigrantes europeus. Comovido com o destino da nação, Quaresma sente a necessidade de um governo forte para promover mudanças radicais de cima para baixo, e vê esta possibilidade no presidente Floriano Peixoto, o qual poderia realizar transformações de cima para baixo. Parte para ajudar o Floriano a defender a República contra a Revolta da Armada (1894), mas percebe a falta de empenho com o interesse público e a predominância de interesses privados, além das injustiças arbitrárias 250 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

cometidas pelo regime republicano contra a Revolta. Policarpo é julgado como traidor da República por denunciar as iniquidades do governo, e por isto é fuzilado. No romance o processo social supracitado foi transposto por Lima Barreto em uma forma literária irônica, indicando que a modernização, o progresso e as transformações sociais impulsionadas pela República eram apenas superficiais e ocultavam contradições do regime anterior, fazendo a dominação social permanecer sob novas formas. Assim, a ironia expressa na forma literária parece revelar uma nação que nega sua própria identidade; desfaz o ufanismo em relação às terras brasileiras, desmistificando a ideia de atraso e inferioridade social de descentes de negros; denuncia o autoritarismo do poder do Estado nacional; por fim, mostra-nos que a pátria que almejávamos desenvolver, no sentido de ser justa e igualitária, era apenas um mito. Palavras-chave: Lima Barreto; forma literária; ironia; modernização; Primeira República. Franklin Farias Morais (UFOP) CORNÉLIO PENNA E LUCIO CARDOSO: "ESQUECIMENTOS" NA EPISTEME LITERÁRIA BRASILEIRA A noção de sistema largamente formulada pela historiografia literária brasileira, durante o século XX, consiste em um encadeamento de obras ligadas por características comuns, propiciando assim a formação de uma continuidade literária, de uma tradição constituída. A partir desta perspectiva, como não relegar ao esquecimento os autores que, a despeito de sua qualidade estética, subvertem através de sua obra a produção literária do seu tempo e, por conseguinte, a estabilidade deste sistema? Ou dito por outra forma: como não o ignorar quando a obra destes autores perverte a herança de um passado nacional? E o agir assim se faz de forma inevitável para se constatar um sistema estável. Isso quer dizer que em um livro crítico de articulação histórica as obras não aparecem apenas pelo valor estético – embora o seja, também, em certa medida -, nem sequer destituídas de características circunstanciais, mas primeiramente pela força de integração a um sistema, cuja relação no tempo e na tradição a qual se busca vincular são os indícios mais flagrantes. Como consequência à metodologia historiográfica em pensar a produção literária a partir da orientação histórica, que pressupõe uma lógica interna que a faça parecer plausível, se faz por vezes inevitável “esquecer” alguns autores que porventura possam comprometer a validade deste método. Assim, despontam duas possibilidades para eles: ou são “esquecidos” ou 251 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

busca-se, a todo custo, adaptá-los à lógica da literatura a que, por nacionalidade, fazem parte. Flora Sussekind, em Tal Brasil, qual romance?, compara a história literária à tradição familiar, na medida em que há uma expectativa de similaridades entre obra e autor que se assemelha à expectativa de semelhanças entre pai e filho. Segundo a autora, além da correspondência entre obra ficcional e autor, a tradição literária reivindica certa unidade entre as obras, engendrando uma espécie de corpo orgânico nacional. Nesse contexto, estaria a literatura encarregada de manter laços de continuidade na tradição literária nacional. Os autores que rompessem com tais laços seriam então postos à margem, considerados “filhos bastardos”. O objetivo geral da presente comunicação é analisar como a crítica lida ou lidou com A menina morta, de Cornélio Penna e Crônica da casa assassinada, de Lucio Cardoso, e a que se deve a espécie de “esquecimento” com relação a esses romances. A empresa, então, visa investigar quais as implicações o estudo detido destas obras na crítica e historiografia literária brasileira compromete, em alguma medida, a pretensa unidade da própria literatura brasileira, entendendo, com Flora Sussekind, que esta concepção trata o literário em função da relação entre hereditariedade, autoria e nacionalidade. Nesse sentido, tal qual o filho reflete o pai, o romance e a literatura devem, respectivamente, refletir autor e nação. A contribuição deste trabalho consiste em tentar entender como os próprios “filhos bastardos” da literatura brasileira curiosamente estão vinculados, em um relação de a partir e contra à tradição, à demanda maior que guiara a literatura brasileira desde os primeiros românticos: o próprio Brasil. Para tanto, busca-se: 1) problematizar a fratura da unidade nacional, em Cornélio Penna, tentando entender como autor, em A menina morta, cria uma realidade escravocrata às avessas – uma espécie de contramito ao mito da pacificidade confraternizadora entre as raças apontada por Gilberto Freyre, em Casa-grande e senzala -, podendo, a partir daí, conceber as implicações desta manobra para o recebimento da obra pelo público especializado; 2) entender, a partir do estudo detido do Diário de Lucio Cardoso, como se formou e como se expressa a concepção de representação nacional ruralizada e decadente segundo a qual o Brasil surgiria através da ruína fantasmagórica das velhas fazendas que agonizam, de modo a refinar a percepção crítica acerca da concepção de representação nacional que possivelmente tenha engendrado o projeto de ficção romanesca do autor; 3) observar como a fuga às estruturas sociais observáveis, isto é, à realidade empírica molda a concepção dos autores em questão, tentando entender quais implicações o rechaço aos princípios de verossimilhança neonaturalista proporciona às obras; 4) examinar como Lucio Cardoso cria personagens como tipos de circunscrição muito mais doméstica 252 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

que social, intentando entender quais implicações isso traz ao seu romance, e como tal mecanismo é interpretado historiograficamente; 5) enfim, efetuar uma leitura cruzada entre Crônica da casa assassinada e A menina morta, expondo as razões que os fazem “bastardos” da literatura brasileira (ainda que o romance de Penna tenha sido muito menos lido e, por isso, ainda mais “esquecido”). Palavras-chave: Lucio Cardoso; Cornélio Penna; historiografia literária; literatura brasileira; nacionalidade. Gabrielle Paulanti de Melo Teixeira (UFRJ) A MEMÓRIA FORMALIZADA NOS NARRADORES DE VOZ FEMININA EM BRACHER E HATOUM Este trabalho debruça-se sobre a Memória - entendendo-a como um fenômeno psicossocial - recriada esteticamente através de narrativas memorialísticas em âmbito ficcional. A aproximação entre Memória e Literatura se justifica pelo entendimento de que ambas são fruto do trabalho humano de criação, propagação e manutenção de ideologia e cultura. A Literatura aqui se entende por meio de sua independência sui generis que só existe dialeticamente com a perspectiva social, leiase materialista e histórica, que não apenas influencia ou serve como pano de fundo, mas é meio gerador e ressignificador de categorias e formas de narrar. A recriação/invenção do processo narrativo autobiográfico, em perspectiva de ficção, emerge como um importante campo de investigação do processo e realização da literatura na contemporaneidade. Assim, as questões de gênero, cujas lacunas para a crítica literária são muitas, aparecem como delineadoras da forma literária, comunicando-nos os significados de um narrador que, por ocasião, expõe-se como feminino. Essa representação figura não como eleição, recorte ou aspecto, mas como fundamento do discurso, entendido que este carrega sempre uma carga ideológica. Neste sentido, algumas considerações sobre linguagem, dialogismo e construção do sentido se farão necessárias. As escolhas formais da narração em romance, na sociedade patriarcal que instituiu a lógica binária de gêneros e o gênero masculino como icônico, lançam mão de mecanismos de opressão e silenciamento da voz nos narradores femininos. Nessa perspectiva, os romances Azul e Dura de Beatriz Bracher e Relato de um certo oriente de Milton Hatoum apresentam a formalização estética da memória como matéria reelaborada nas obras, através de narradoras que reconstroem suas trajetórias por meio de seus relatos. Através de narrativas cindidas e fragmentadas, as narradoras expressam-se para comunicar sobre os 253 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

narradores de dois romances contemporâneos como são os de Beatriz Bracher e Milton Hatoum. Certamente é necessária uma análise amiúde dos deslocamentos dos sentidos do “narrar” em perspectiva histórica, que localizem o índice dessa contemporaneidade, porém aqui me aterei a algumas perspectivas acerca da voz que nos comunica os romances. Chamo genericamente de voz, pois pretendo deter-me na enunciação dos personagens-narradores: vozes femininas nos transmitem seus relatos de memória, de maneira direta e confessional, mas através de diários e cartas, uma mediação tão necessária na medida em que verdadeira. Cabe-nos perguntar a necessidade de tais plataformas para a realização desse discurso, para além da necessidade de produzir um registro escrito desse discurso. Porque a necessidade de comunicar por meio desses registros paralelos já tão em desuso na contemporaneidade? Objetiva-se compreender os caminhos pelos quais o patriarcalismo, como ideologia hegemônica na sociedade ocidental, atua na linguagem artística e na gênese literária, determinando a expressão da memória feminina através da escrita. O relato das memórias surge como fruto de uma necessidade do indivíduo de reconstituição de sua autobiografia, porém essa construção se edifica com elementos do tempo presente. Dessa forma, todo relato é fruto de edição, ou seja, os critérios de seleção para a formação de uma narrativa são palpáveis à luz do tempo e espaço em que foram geradas. Ao passo da gênese do relato de memória, formam-se as tradições, edifica-se a cultura, entretanto o relato “oficial” fica a cargo da História, isto é, as narrativas selecionadas via contrato social implícito pela classe dominante. Na sociedade burguesa, que tem o homem como centro, a mulher exerce um papel secundário, a escritura histórica certamente não é sua incumbência, pois a alçada feminina seria o registro doméstico. O espaço da memória feminina restringe-se a diários e cartas, formas de narrar íntimas e confessionais das quais as narradoras se utilizam, evidenciando um formato de escrita historicamente destinado às mulheres. Evidencia-se assim a existência das memórias submersas, aquelas que não figuram no mesmo nível do discurso oficial, mas permanecem alijadas e resistentes, à espera do momento de aflorar à superfície. Por fim, os romances revelam pontos de convergência também na matéria narrada em diversos aspectos, aqui destaco os dois terem como ponto central uma tragédia envolvendo a morte de uma criança. Esse semelhante fio condutor nos norteia por duas narrativas, cujos relatos apresentam-se através de uma linguagem cindida, como representação das tensões entre o desejo, a necessidade do narrar e a interdição imposta pela violência simbólica que é marco dos dois romances. Palavras-chave: Romance contemporâneo; Memória; Feminino; Sociedade patriarcal; Tragédia 254 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Gustavo Rodrigues da Silva (UNICAMP) A COMICIDADE NOS ESPERPENTOS TEATRAIS VALLE-INCLANIANOS O autor espanhol Ramón María del Valle-Inclán (1866 – 1936) possui uma profícua produção literária, além de ser o criador do gênero literário esperpêntico, o qual possui várias especificidades e apresenta obras em formas teatral e em prosa. Entre as características esperpênticas, podemos elencar a mistura da comicidade com a tragicidade, o uso de vários registros linguísticos como o americanismo e a crítica em seu mais amplo sentido às instituições e personalidades da época em que vive o autor, portanto o esperpento está relacionado a vários campos de saberes como o político, o histórico; o econômico; o social e o literário. Esse gênero literário é muito pouco pesquisado no território brasileiro e, dessa maneira, é um estudo marginal em nosso país, de acordo com nossas buscas bibliográficas a diversas fontes. Esse aspecto contrasta com o cenário de pesquisas sobre o esperpento em nível internacional, no qual o referido gênero consagrou o seu autor como um cânone e um clássico nas áreas de literatura espanhola e até ocidental, segundo vários teóricos como Ana María González Pino, Mar Freire Hermida e Rocío Barros Lorenzo, autoras da obra Curso de literatura – español lengua extranjera (2006). Dentro da parca receptividade que o gênero esperpêntico e, por conseguinte, o autor Ramón María del Valle-Inclán possuem no Brasil, percebemos que o cômico é o aspecto que menos atenção ainda recebe dos pesquisadores nacionais. Ao observar tal carência, propomos o estudo da comicidade nos esperpentos teatrais valle-inclanianos apoiando-nos em vários recursos cômicos literários como a paródia, a ironia, o humor, o alogismo, a inversão, o exagero, a mentira; o trocadilho; a gíria e a degradação; entre outros. Vamos analisar quais recursos cômicos estão mais presentes em cada esperpento e quais pessoas e/ou instituições espanholas são criticadas em consequência de tais usos. As nossas fontes teóricas sobre a comicidade são as obras O riso – ensaio sobre a significação do cômico (1983) do autor Henri Bergson e Comicidade e riso (1992) do autor Vladímir Propp. A nossa análise se centrará nos esperpentos teatrais valle-inclanianos Los cuernos de Don Friolera (1990) e Luces de bohemia (2001) porque: “Y los dos primeros esperpentos, Luces de bohemia e Los cuernos de Don Friolera, son las dos obras en que se integran con más claridad y precisión los temas, las actitudes, las técnicas, el estilo, la visión y la historicidad de todos los esperpentos” (Anthony Cardona e Rodolfo Zahareas, Visión del esperpento, p.11). Também comentaremos a comicidade nos outros esperpentos teatrais do autor como Divinas palabras – tragicomedia de aldea (2011), Tablado de marionetas para educación de príncipes (1990), Retablo de 255 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

la avaricia, la lujuria y la muerte – Ligazón, La rosa de papel, El embrujado, La cabeza del Bautista, Sacrilegio (1975) e Martes de carnaval – Las galas del difunto, Los cuernos de Don Friolera, La hija del capitán (1990). Com tal estudo, pretendemos demonstrar que o gênero esperpêntico pode ser considerado como um subgênero cômico moderno e tardio também, visto que se enquadra na noção de estilo tardio proposta pelo autor Theodor Adorno em seu ensaio The late style in Beethoven (1963). Classificamos o esperpento como um subgênero cômico visto que não se enquadra na tradicional classificação aristotélica de comédia defendida em obras como A poética clássica (1997). Tal impedimento ocorre porque também há tragédia nos esperpentos dado que sempre um ou mais personagens morrem no final das obras. Toda a nossa pesquisa tem como base os pressupostos teóricos da corrente literária da estética da recepção como a noção da fusão de horizontes literários defendida pelo autor Hans-Georg Gadamer, além de algumas premissas teóricas do crítico literário Antonio Candido, que fortalecem as ideias daquela corrente literária. Palavras-chave: Estética da recepção; literatura espanhola; Ramón María del Valle-Inclán; esperpentos; comicidade Josilaine Catia Gonçalves (UNICAMP) A DESCRIÇÃO MATERIAL E A ORGANIZAÇÃO DA FICÇÃO TEXTUAL: NOVAS VISIBILIDADES E CONFIGURAÇÕES DO TEATRO BRASILEIRO A interpretação teatral contemporânea utiliza como ponto de partida para apreensão de um texto teatral, a materialidade, que é “a maneira como um texto é organizado (Jean Pierre Ryngaert. Introdução à análise do teatro, p.37)” o título, o gênero, as partes, as indicações cênicas, os nomes das personagens e o modo como o discurso acontece entre as personagens. A partir destes elementos temos uma primeira revelação dos significados e dos sentidos do mundo apresentado na peça. Para Ryngaert, no momento em que o autor elabora um título de uma peça, é para o autor, uma maneira de cooperar ou atrapalhar o sentido da obra. Para o intérprete/leitor este é o primeiro sinal de referência. O mesmo ocorre com o gênero. A distinção entre os gêneros se dá pelas formas da escrita, pela forma como as personagens são colocadas em ação e pela natureza da temática da obra. No entanto, esses diferentes sistemas de organização classificam-se quer segundo uma estética da “continuidade (o desenrolar é previsto sem nenhum corte), quer segundo um principio de descontinuidade (cortes frequentes, por vezes sistemáticos)” (Jean Pierre Ryngaert, p.39). As interrupções, como vimos, colocam-se como 256 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

pertencentes mais à ordem textual, como, por exemplo, os títulos que não são propostos para serem ditos, e os que remetem à prática cênica, como, por exemplo, o jogo com a iluminação. Mas ainda aqui outro traço importante são as didascálias, que originalmente eram destinadas aos intérpretes. A didascália, no teatro moderno no qual chamamos de indicações cênicas, “trata-se de textos que não são se destinam a ser pronunciados no palco, mas que ajudam o leitor a compreender e a imaginar a ação e as personagens.” (Jean Pierre Ryngaert, p.44). Mas, há escritores que consideram as indicações cênicas importantes, como se fossem responsáveis pela antecipação da forma de representação ou como se não conseguissem imaginar o texto das personagens independentes do contexto no qual este seria proferido. Após a análise textual através da descrição material, Ryngaert, apresenta elementos que marcam a ficção e sua organização. No momento em que abordamos o assunto de uma peça, do que ela diz estamos nos referindo ao enredo e quando discutimos o tema temos a intriga. De acordo com Ryngaert, ao construir um enredo é preciso identificar de maneira neutra as ações sucessivas das personagens. Ainda para o estudioso para fazer aparecer à intriga devemos observar que o conflito pode se construir através do antagonismo entre as personagens, da distinção do modo em que veem o mundo, atitudes diante de situações problemas, pode ser um obstáculo social, moral ou psicológico, entre outros. A organização do tempo e do espaço se dá no texto através de elementos apresentados para que o leitor possa saber onde, como e quando uma ação se passa. Ora pode ser implícita dada através da linguagem e indicações de épocas, ora explícita com objetos de épocas, datas. Dos enunciados e das enunciações, Ryngaert afirma que a elocução é o ato da fala. A identificação da fala considera o emissor da fala, quem fala o destinatário, a quem fala e a intenção do emissor, por quê fala. Sobre a intenção do emissor, pode-se dizer que a fala se dá para efetuar uma ação sobre outra personagem, “para comentar uma ação já realizada”, para anunciar alguém ou outra situação e ação, para uma lamentação ou para enaltecer. Já para a análise das personagens, Ryngaert apresenta como princípio fundamental das personagens, ser o sujeito das ações e dar conta dos dados apresentados pelo texto. A “carteira de identidade” das personagens, segundo Ryngaert, é dada pelo seu nome, pelas suas relações com o enredo, a ação e o sentido dela na peça, pelas falas características e emblemáticas dadas pelo discurso e pelas referências de uma personagem sobre a outra, pelo cruzamento dos dados entre as personagens. O estudo minucioso da obra teatral de Hilda HiIst, através das linguagens cênicas e na perspectiva de Ryngaert, leva a perceber melhor as características de sua escrita. Por isso a análise de 257 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

um conjunto de princípios relacionado à tragédia e a comédia, a fala, a escrita, ao sistema de enunciação e enunciado e a própria constituição da linguagem poética, podem se constituir em recursos relevantes para apreender as características de sua escrita. Temos como objetivo realizar uma reflexão sobre a coexistência do tragicômico na peça teatral A Empresa de Hilda Hilst. A fim de, promover uma discussão da presença de procedimentos da tragicomédia na peça hilstiana, a reflexão que propomos centraliza-se nas alegóricas das personagens, suas qualidades morais e psicológicas, as ações desenvolvidas e o estilo da linguagem utilizada, para que possamos apontar a presença do gênero tragicômico, pois a relação de existência entre esses dois princípios dentro de um texto possibilita a exposição dos conflitos humanos existentes na obra. Palavras-chave: Teatro Brasileiro; Hilda Hilst; Descrição Material; Ficção Textual; Escrita Juliana Morais Belo (UNICAMP) UMA PAISAGEM MÍTICA: PAISAGEM COM MULHER E MAR AO FUNDO E O MAR PORTUGUÊS Nesta análise propomos uma leitura da paisagem, pensando especificamente nas representações do elemento “mar” na narrativa de Paisagem com mulher e mar ao fundo, de Teolinda Gersão, uma obra cuja expressão artística representa uma relação existente entre literatura e política ditatorial. Na concepção de Álvaro Gomes, há o diálogo entre ficção e história a temas de cunho político que envolve a opressão ditatorial salazarista e a Revolução dos Cravos. Podemos também destacar o investimento em procedimentos da estrutura ficcional. Tal investimento ocorre com as inovações e/ou experimentações com a palavra e a disposição delas no texto: períodos iniciados com letra minúscula e espaços em branco. No que tange às personagens, há a presença da subjetividade das mesmas, do despertar de seus pensamentos, sentimentos, medos, angústias e (in)certezas. A principal incerteza diz respeito ao mar, elemento que é tradicionalmente símbolo histórico e cultural português associado às glórias e conquistas, o que não possui a mesma conotação nessa obra. Essa característica pode ser observada em palavras relacionadas ao mar, tais como “barco da loucura”, “cais”, “buraco de água negra”, “senhor do mar”. Sobre o Senhor do Mar, uma extensão da sigla O.S., sugerindo o nome do ditador Oliveira Salazar, podemos notar a voz masculina que oprime e sufoca, causando nas personagens a dor, as manchas de sangue e as perdas dos filhos mandados à África nas 258 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

guerras coloniais. Sobre esse aspecto, o discurso ficcional traz á tona o que o discurso histórico deixa com lacunas. A Revolução dos Cravos é descrita de forma alegórica - O.S., representado como uma estátua de santo, carregado numa procissão é derrubada de forma milagrosa. Os homens se veem alegres como os “senhores do mar e da terra”. É nessa escrita poética que a obra de Teolinda Gersão questiona a condição mítica de Portugal, nação destinada a grandes feitos, assim como o símbolo de identificação do povo português, o mar. Nesse sentido, nosso trabalho visa discutir essa questão conflituosa desse espaço que é ao mesmo tempo mítico, histórico e literário e porque essa identificação com o espaço é tão importante no contexto português. Para tanto, é necessário também lançarmos questionamentos acerca do conceito que envolve o termo “paisagem” e porque essa relação sujeito e espaço é conflituosa. Todavia, é necessário lançarmos o seguinte questionamento: Qual é a importância da relação existente entre o espaço e o sujeito? Por que é necessário pertencer a um lugar? Um exemplo que pode ajudar a clarificar esses questionamentos nos leva a lembrar da problemática vivida por Édipo: o grande questionamento vivido por ele era acerca de sua origem: Corinto ou Tebas, camponês ou rei. Em outras palavras, o espaço define o sujeito. Nesse sentido, por que o espaço tem se configurado como um elemento da narrativa com tanta importância na literatura moderna e contemporânea? É possível afirmar que se trata de um novo estilo? É necessário destacar que as preocupações acerca do espaço, tal como da paisagem, não nascem no século XX, mas é na década de 1980 que um grupo de pesquisadores da Unesp Rio Claro liderados pela geógrafa Lívia de Oliveira e pelo arquiteto Vicente Del Rio vem desenvolvendo um trabalho que busca a interrelação da Geografia Humanista Cultural com a Crítica Literária. No livro O Homem e a Terra, Eric Dardel, geógrafo francês afirma que a linguagem do geógrafo muitas vezes se transforma na linguagem do poeta. Ela fala sem dificuldade à imaginação. Na concepção de Dardel, o discurso científico não pode calar que o mesmo transcreva o texto traçado sobre o solo, resignificando assim, o conceito de geografia, tradicionalmente entendido como a descrição do espaço. O autor destaca que a origem etimológica sugere que a Terra é um texto a ser decifrado e o desenho da costa, os recortes da montanha é que formam os signos do texto. Com a resignificação da ideia da ciência geográfica, o geógrafo francês assinala a importância da experiência para a percepção da paisagem. A experiência geográfica é tão simples e profunda que convida o homem a dar à realidade geográfica um tipo de animação e de fisionomia em que ele revê sua experiência humana, interior ou social. Podemos notar que não é raro encontrar descrições sobre o espaço geográfico tais como rios majestosos, relevo tormentoso, mar 259 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

furioso. A paisagem, de acordo com essa concepção é um constante movimento, assim como a ideia da procura do lugar ideal, a base para assentar o Ser e realizar todas as possibilidades, seguindo sua perspectiva terrestre. É nesse contexto que o romance de Teolinda Gersão leva ao leitor a discussão sobre esse constante movimento em busca da imagem do que é ser português e como o espaço, nesse caso o mar, não se restringe a um retrato com uma mulher ao fundo, como sugere o titulo, mas num mergulho em busca de si como sujeito. Palavras-chave: Literatura Portuguesa; Paisagem; Romance Contemporâneo;Geografia Humanista Cultural; Mar Português Juliana Zanco Leme da Silva (UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE) DE LEITOR A AUTOR: A CONSTRUÇÃO DE MÃO DUPLA Por muito tempo a preocupação da crítica literária recaiu sobre a intenção do autor ao produzir um texto. Até meados do século XX, consideravam-se os sentidos como imanentes ao próprio texto e mesmo com o rompimento do pós-estruturalismo da vinculação linear e a desconstrução da concepção de obra literária como objeto fechado em si, ainda sim, o sujeito leitor e suas condições históricas continuaram sem fazer parte do processo de interpretação. Somente nos anos 1960, a partir de estudos voltados para a história cultural dos livros e da leitura, desenvolveu-se uma abordagem teórica interdisciplinar. Data deste período o início da dessacralização das obras literárias: investigando-se suas condições de produção, o suporte e o leitor, até então ausentes das indagações literárias. Entretanto, pesquisas deste recorte enfrentam um grande problema: a falta de material para estudo e discussão da posição do leitor em relação às obras que lê. Por isso, este trabalho objetiva a análise de correspondência de leitores infanto-juvenis dirigida a Pedro Bandeira, a fim de analisar imagens de práticas escolares registradas na correspondência e investigar a historicidade de leitura do público infanto-juvenil, bem como estratégias de interpretação, discutidas a partir de questões que envolvem o Sistema Literário em que estão inseridos o autor Pedro Bandeira, as suas obras e os leitores. Dois foram os motivos pela escolha do autor: primeiro, devido à disponibilidade do largo acervo depositado no CEDAE - Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulálio da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas). Segundo, pela disponibilidade do autor o que, acreditamos, garantirá à pesquisa dinamismo. Selecionamos 25 cartas para compor o corpus do trabalho, sendo quatro doadas recentemente pelo autor, e o restante fruto de pesquisa no acervo que está depositado no CEDAE, como parte do fundo Memória de Leitura, 260 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

organizado pelas Professoras Doutoras Marisa Phibert Lajolo e Márcia Abreu. A hipótese de que partimos é que a singular troca de correspondência de leitores a um escritor permite investigar práticas de leitura e escrita e da atuação desse leitor mediante a imagem por ele construída, enquanto remetente de cartas. Para concretizar nosso objetivo, tomamos como referencial teórico inicial pressupostos segundo os quais a leitura de uma obra se faz através de um processo ativo de produção de sentidos, como descreve Pierre Bourdieu (As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário, p. 198): “a obra é feita não duas vezes, mas cem vezes por todos aqueles que se interessam por ela”, isto é, a obra só é concretizada a partir do momento em que o leitor a “lê” e constrói seu sentido. Roger Chartier (“Crítica textual e história cultural”. In: Leitura: teoria e prática, p.68) ao propor uma abordagem histórica da literatura, afirma que a literatura é uma construção de sentidos propostos e que a historicização é um modo de desvendar os mecanismos de construção do literário, entre os quais a leitura tem grande importância. Antônio Candido (Literatura e sociedade, p. 84) salienta que a obra e o público não podem ser vistos como produto fixo, unívoco, logo percebemos que o autor mostra a dupla influência das obras sobre os leitores e dos leitores sobre os autores. Portanto, investigaremos os pressupostos da estética da recepção, por considerá-los condizentes com uma pesquisa que se volta para a análise reflexiva sobre o modo e os meios da produção e da recepção da obra literária. Através das produções epistolares com depoimentos posteriores à leitura, nos apropriaremos de um discurso sobre a prática de leitura no seu momento de apreensão, permitindonos a reconstituição da reação e atuação do leitor. Parece-nos que uma pesquisa como a que aqui se propõe viabiliza discussões sobre recepção, leitura, escrita e apropriação de obras literárias. Palavras-chave: Correspondência; leitura; literatura infanto-juvenil; leitor; Pedro Bandeira Katerine Iraci de Brito Sobrinha (UNICAMP) VISCONDE DE TAUNAY: BIÓGRAFO DE LETRAS E ARMAS Objetiva-se analisar o livro de memórias de Visconde de Taunay como a construção de uma imagem pública de homem de letras e armas do Império. Para isso, procura-se ler o Memórias a partir do La retraite de Laguna (1871), em especial, pela possibilidade que esse relato de guerra abre para a consideração sobre a escrita da vida enquanto articulação de uma tradição de varões ilustres. Ao perseguir a formação do nome que lhe sobreviveria à morte, o Memórias, muita vez 261 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

suplantado como obra de menor importância por uma delimitação canônica em que os romances são mais representativos, afigura-se como um excelente espaço para pensar o problema da assinatura. O livro de memórias de Visconde de Taunay não é um relato minucioso de sua vida em que uma existência está sendo posta a nu sob o signo da problematização de uma “subjetividade”, embora ele mesmo se refira ao modelo confessional da autobiografia de Rousseau, mas é, por outro lado, uma atualização do projeto da “Biographia dos Brazileiros Illustres pelas Sciencias, Lettras, Armas e Virtudes” de Januário da Cunha Barbosa. Este trabalho, portanto, pretende situar o Memórias em um momento de passagem de uma tradição retórica do gênero histórico da vida dos excelentes homens para uma formulação do gênero moderno da autobiografia. Trata-se, antes, da composição do nome de um herói nacional que, com todo esforço, venceu desalentos violentos, narrados em La retraite de Laguna, para junto à posteridade ter o valor digno do nome a figurar na história da pátria. A presente proposta apoia-se na hipótese de que o livro de memórias do Visconde se fundamenta em outro tipo de registro, derivando os seus princípios de composição de lugares da tradição letrada, cujas determinações obedecem a um regime institucional de práticas de composição de vidas ilustres. Parece-nos necessário, então, tentar reconstruir de forma verossímil as condições que produziram obras do gênero memorialista como a do Visconde. Por tudo isso, julgamos indispensável estender a pesquisa ao exame de biografias escritas durante o século XIX no Brasil. Intento esse pensado a partir da leitura do discurso proferido quando da fundação do IHGB, pelo cônego Januário da Cunha Barbosa, em 1838, para quem escrever a história da pátria recém-independente significava escrever, também, a biografia dos brasileiros ilustres pelas ciências, letras, armas e virtudes. É nesse sentido que o gênero biográfico se coloca pronto a apresentar a “vida moral” de homens dignos de serem lembrados para a glória da pátria, com vistas a fundar uma tradição nacional de “brasileiros” que mereciam ter os seus nomes arquivados para uma justa apreciação da posteridade. Interessa-nos, desta forma, confrontar as biografias escritas pelos sócios do IHGB ao gênero memorialista tal qual empreendido pelo Visconde, que de saída já nos indica ser uma espécie de prolongamento ou apropriação das tópicas de composição das biografias largamente difundidas pelos letrados dos Oitocentos. Memórias, biografias publicadas nas revistas do IHGB durante o século XIX, ou posteriormente compiladas em antologias, biografias escritas pelo próprio Taunay, cartas, relatos, elogios fúnebres e elogios históricos escritos durante o período imperial serão selecionados ao longo da pesquisa, conforme a pertinência que guardam com o modelo (auto)biográfico do Memórias. Da mesma forma nos será útil selecionar tratados de retórica, florilégios, 262 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

cursos de literatura, histórias literárias, materiais esses utilizados nas escolas, sobretudo na grade curricular do Colégio de Pedro II, onde Taunay se formou bacharel em belas-letras, para compreender como eram ensinadas e como se deu a atualização ou a aplicação de tópicas do gênero demonstrativo ou epidítico, no subgênero “encômio” ou “louvor”, tanto na elaboração dos retratos biográficos como na produção de autorretratos, como o que Taunay faz de si. E mais que isso: trata-se de compreender os usos e reapropriações da tradição, ou o que restou dela, durante o processo de consolidação de uma literatura nacional no Brasil oitocentista. Palavras-chave: Taunay; Memórias; Biografia; Século XIX; História. Lara Mucci Poenaru (UFMG) ESTUDO SOBRE A PRODUÇÃO E A RECEPÇÃO DA OBRA LOS INOCENTES DE OSWALDO REYNOSO O presente trabalho tem como objeto de análise a obra Los inocentes (1961) do escritor peruano Jorge Oswaldo Reynoso Díaz, através de duas instâncias: a produção e a recepção da obra. A primeira instância da qual a dissertação tratará será o caráter inaugural de Los inocentes. Buscar-se-á analisar como surge uma obra como esta. O contexto de produção e os intertextos possíveis de serem estabelecidos com o livro em questão serão abordados, objetivando testar a hipótese de que o contexto de sua produção se dá através de uma conjugação de elementos interiores e exteriores à cultura peruana, que têm em comum a abordagem da práxis social através de um olhar voltado para as margens da sociedade. No que tange a recepção da obra, trataremos da forma como se deu a recepção do romance. Neste momento trabalhamos principalmente com duas importantes vozes da literatura do país: o escritor José María Arguedas e o professor e crítico literário Antonio Cornejo Polar, que explicitaram opiniões opostas no que diz respeito à importância da obra em questão. A obra se trata de um pequeno volume contendo cinco relatos de jovens de baixo estrato social da capital do Peru, com histórias sutilmente correlacionadas. Tendo como cenário a cidade de Lima em dramática transformação, os personagens são marcados pelo estigma da degradação e da marginalização. Eles fumam, roubam, são presos, dormem com prostitutas, se prostituem, não conseguem estabelecer nenhum tipo de diálogo com seus pais... Eles se tornam símbolos de uma geração sem perspectiva, fruto de uma sociedade corrompida pelos valores burgueses, na qual o consumo de bens cria tal fascínio sobre os jovens, que muitas vezes funciona como propulsor de ações criminosas que 263 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

objetivam conseguir ter aquilo que lhes é inviabilizado, devido ao lugar que ocupam naquela sociedade. Eles estão submersos em um mundo marginal, relegado e esquecido, de uma sociedade que os marcou de diferentes maneiras. A violência e a impostura são as formas de comportamento encontradas por eles para reagir a esse mundo excludente. Tal caráter perturbador da obra de Reynoso é tratado como “potência de tormenta”, segundo Jorge Eslava, ou “vaguear pelos primeiros recintos do inferno”, segundo Miguel Gutiérrez (citando Victor Hugo a respeito de Flores do Mal), ou capaz de suscitar “ataques histéricos”, segundo Roberto Reyes Tarazona (2006). Com o objetivo de analisar com profundidade como se dá essa característica tão enfática do romance (como ela aparece, em quais outras obras podemos perceber semelhanças, quais impactos ela produz na literatura peruana posterior a sua publicação) a questão da produção da obra será um dos pontos – chave do trabalho. Com relação aos intertextos externos apontados no texto, é necessário analisar especificamente os livros de Jean Genet. A obra de Reynoso traz como epígrafe uma citação do livro Diário de um Ladrão (1949), do escritor francês Jean Genet (19101986). As memórias de um transgressor que peregrina por vários países da Europa se aproxima do objeto de estudo deste projeto em vários aspectos: a descrição da existência marginal, isto é, periférica, onde o olhar do Estado não alcança, fora do circulo institucional que a sociedade traça para se preservar; as várias facetas assumidas pelos personagens: abandonados, ladrões, homossexuais, prostitutos, viciados... O discurso mágico da poesia. Ao afirmar que “(...) a sociedade proíbe a um marginal como Genet toda e qualquer utilização da linguagem [e que] a única relação possível dele com a linguagem é através da poesia.”, Jean-Paul Sartre (1952) nos possibilita pensar em uma hipótese sobre o porquê da presença do lirismo nessas obras que tratam daqueles que estão à margem. Este será o principal ponto de conexão entre as duas obras. No que tange à recepção da obra especificamente no período imediato à sua publicação, alguns estudiosos saudaram com entusiasmo os relatos dos cinco jovens da periferia de Lima, enquanto outros foram categóricos ao afirmar que seu destino natural era a lata-de-lixo. A análise de ambas as críticas se torna relevante na medida em que prefiguram diferentes correntes de pensamento existentes no Peru. Enquanto Arguedas é um entusiasta da nova forma de escrita que aparece, Cornejo Polar, cuja leitura foi influenciada pela segundo romance do escritor, En octubre no hay milagros (1966), generaliza uma perspectiva crítica devido a seu enveredamento por uma escrita fortemente marcada pela ideologia marxista. A crítica de Arguedas tem caráter profético, uma vez que sinaliza para uma forma de leitura da obra que se concretizaria apenas cinco décadas depois, como o que é percebido atualmente. Pretende264 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

se, por fim, estudar como se dá o embate entre elementos regionais e modernizadores, ambos conjugados na obra, reflexo do que ocorre na sociedade peruana, utilizando os teóricos Wander Melo Miranda e Boaventura de Sousa Santos com seus respectivos estudos sobre “modernidade tardia” e “pensamento abissal”. Palavras-chave: Marginalidade; Peru; Adolescência; Recepção; Crítica Literária. Leonardo Dela Coleta Baldi (UNICAMP) A FIGURA FEMININA EM MOCIDADE MORTA, DE GONZAGA DUQUE O final do século XIX brasileiro foi extremamente rico e diversificado. A contribuição do Simbolismo para isso é inconteste. Poetas e prosadores brasileiros partiram do que nomes de peso da literatura francesa produziam naquele momento para aqui fundar e solidificar o movimento simbolista. Um deles foi Gonzaga Duque, autor de Mocidade Morta, importante marco da prosa simbolista brasileira [PESSANHA, Elaine Durigan Ferreira. Gonzaga Duque: um flâneur brasileiro], mas cujo valor documental e/ou estético nem sempre tem sido percebido ou devidamente estudado. Gonzaga Duque participou na criação de revistas, simbolistas ou não, e atuou como crítico de arte e escritor. Fez parte do grupo organizado em torno da Folha Popular, considerado o grupo simbolista mais antigo e o que lançou o movimento e seus manifestos iniciais. Também integrava o grupo que fundaria a revista Fon-Fon, derradeiro grupo simbolista atuante no Rio de Janeiro [BROCA, Brito. A vida literária no Brasil – 1900]. Como crítico de arte, comentou importantes artistas contemporâneos, como Puvis de Chavannes e Félicien Rops [DUQUE, Gonzaga. Graves e Frívolos]. Deixou também o volume de contos Horto de Mágoas, “vasto painel intimista de sensações orquestradas em sinestesia” [EULÁLIO, Alexandre. Literatura e Artes Plásticas, p.58]. Em Gonzaga Duque, o ficcionista não se separava do crítico de arte. Desse olhar vêm muitas das cenas empastadas de cor, além de muitas relações entre elas e telas de pintores como Pissarro, Caillebotte e outros [EULÁLIO, Alexandre. Literatura e Artes Plásticas]. O “pintar com palavras” é levado a alto patamar pela escrita de Gonzaga Duque, e como crítico de arte vai comentar a pintura de Rops e Puvis de Chavanne, evidenciando as características da figura feminina pelo pincel de um e de outro. Foram escolhidas cinco personagens femininas de Mocidade Morta: Henriette, a francesa cuja presença perpassa a narrativa; a mãe de Camilo Prado; a Afrodite cuja chegada ele narra aos membros dos Insubmissos reunidos na brasserie Havanesa (capítulo IV); a anônima que entra no 265 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

bonde e provoca no protagonista o “cruel exame da existência” (capítulo X); a virgem dilacerada da narrativa de Camilo (capítulo XIV). O objetivo do artigo é comentar em que possível medida Gonzaga Duque se valeu do imaginário decadista-simbolista com relação às mulheres para compor essas personagens de alto valor simbólico para Mocidade Morta. A ideia da mulher fatal bebeu de fontes como a literatura decadista-simbolista [DOTTIN-ORSINI, Mireille. A Mulher que Eles Chamavam Fatal – Textos e imagens da misoginia fin-de-siècle], a exemplo das leituras constantes de Gonzaga Duque – como Huysmans e Villiers de l’Isle-Adam. Em muitos casos, a mulher-vampiro destrói o poder criador do companheiro. O quanto Henriette – francesa de origem, mas morando no Rio de Janeiro – encarna, de maneira diluída que seja, a mulher perigosa para a inteligência, a honra e a alma do artista, aproximando-se, assim, a despeito de sua linda fisionomia, da mulher à Rops, comentada por Gonzaga Duque? A presença de Henriette é maciça ao longo de Mocidade Morta. As demais personagens femininas anteriormente citadas, porém, como já mencionado, não podem ser ignoradas, uma vez que se relacionam, inclusive, ao pensamento estético de Camilo Prado e à sua tão sonhada reação ao estagnado panorama das artes nacionais – reação essa que leva em consideração inclusive o Impressionismo francês. No entanto, a influência das personagens femininas no ânimo e nas ações de Camilo, a quem a hiperestesia huysmaniana não é estranha, o que elas poderiam representar para além de qualquer literalidade naturalista e possíveis fontes para sua composição não foram ainda encontradas na fortuna crítica sobre Gonzaga Duque. A relação do autor com os modelos literários que ele utilizava e transformava, como um precursor da antropofagia oswaldiana, poderia ganhar subsídios com tais análises [DUQUE, Gonzaga. Mocidade Morta]. A obra ficcional de Gonzaga Duque é pouco comentada, seja em suas relações com sua própria época, seja com a modernidade artística que se segue ao período ainda hoje chamado Pré-Modernismo. Cronologicamente, o romance de Gonzaga Duque não se encaixa nesse período, pois sua publicação se deu dois anos antes que Canaã e Os Sertões viessem à luz. Porém, considerada a inexatidão da expressão, não seria exagero incluir Mocidade Morta nesse panorama de heterogeneidade estilística. As análises pretendidas nesta comunicação têm por base a comparação entre temas e figuras contemporâneas a Gonzaga Duque encontradas nas literaturas ficcional e crítica. Procurar-se-ão também subsídios na área em que Gonzaga Duque atuou como crítico, as artes plásticas, já que, no caso de Gonzaga Duque, é essencial o auxílio trazido por elas, pois para esse autor, como dito anteriormente, o crítico de artes e o ficcionista andam lado a lado.

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Palavras-chave: Gonzaga Duque; Mocidade Morta; Figura Feminina; Simbolismo; Arte Lídia Carla Holanda Alcântara (UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE) MEMORIAL DE MARIA MOURA: DO ROMANCE À ADAPTAÇÃO TELEVISIVA Segundo Tânia Carvalhal (Literatura, Cinema e Televisão, p. 15), “a cultura contemporânea é sobretudo visual [...] Pensemos por exemplo, nas narrativas visuais do cinema e da telenovela [...] que competem diretamente com as narrativas literárias no gosto de um público[...]”. A rapidez com que as imagens chegam até nós, por meio da televisão, computadores, tablets e até mesmo celulares (os tecnológicos smartphones permitem que sejam assistidos filmes, séries, telenovelas a qualquer hora do dia, em qualquer lugar, desde que se tenha uma rápida internet à disposição – o que hoje não é difícil), definem a sociedade atual: uma sociedade que corre de um lado a outro, que prioriza a imagem ao texto, em que as telas grandes e pequenas fazem parte do cotidiano de homens e mulheres ao redor do mundo. De fato, o público mostra cada vez mais interesse em narrativas visuais, e cada vez mais cineastas, produtores, diretores vem se interessando em produzir adaptações de obras consagradas da literatura. Segundo Ana Balogh (O Discurso Ficcional na TV, 2002, 130) “Dentro da tradição das minisséries brasileiras, que é posterior a das novelas, mas também está bem sedimentada, a adaptação tem sido uma das estratégias mais frequentes. Adaptam-se autores muito prestigiados ou muito populares, ou ambos simultaneamente, como é o caso de Jorge Amado”. A prática de produzir minisséries baseadas ou inspiradas em livros já consagrados ou pela crítica, ou pelo público, ou por ambos, não é algo extremamente novo. Em 1984, ia ao ar, na Rede Globo, a minissérie de Walter Durst, de nove episódios, intitulada Anarquistas, graças a Deus, baseada no romance homônimo autobiográfico da escritora brasileira, esposa do também escritor Jorge Amado, Zélia Gattai. Essa passagem de livro à televisão foi feita, a partir daí, inúmeras vezes na forma de minissérie. Também foi feita, inclusive, com o romance de Rachel de Queiroz, intitulado Memorial de Maria Moura, publicado em 1992, e transposto para a televisão em 1994 pela Rede Globo. No que diz respeito às adaptações televisivas, não se tratam, na grande maioria das vezes, de traduções fiéis de romances, novelas ou contos, mas adaptações livres, até mesmo porque, ainda que tenham o mesmo enredo, mesmos personagens, mesma trama, as mídias são diferentes: a televisão (ou o cinema) e a obra escrita. E, como disse Ismail Xavier 267 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

(Literatura, Cinema e Televisão, 2003, 62), “o lema deve ser ‘ao cineasta o que é do cineasta, ao escritor o que é do escritor’”. Fala-se, então, em transposição ou transmutação de uma mídia à outra. O presente trabalho pretende estudar, então, essa transposição da romance Memorial de Maria Moura à minissérie televisiva, de que forma ocorre, que elementos se mantém do romance à imagem, quais mudam, como as palavras se traduzem para a pequena tela, como acontece “a passagem de um texto caracterizado por uma substância de expressão homogênea – a palavra – para um texto no qual convivem substâncias de expressão heterogêneas [...]” (Ana Maria Balogh, Conjunções, Disjunções, Transmutações: da literatura ao cinema e à TV, p. 48). Neste trabalho, será abordado um pouco do percurso das minisséries nacionais e obras adaptadas às minisséries no Brasil, bem como o suporte teórico que guiará o trabalho. Também será abordada a descrição dos diversos personagens da obra de Queiroz, quais se mantém na série televisiva, quais desaparecem, quais são acrescentados, além de seus núcleos narrativos. Aqui será vista a subjetividade da adaptação, como a obra foi traduzida para a televisão, como se deu essa transposição. Ao fim do trabalho, espera-se ter conseguido estudar um pouco a obra de Rachel de Queiroz e sua transposição na minissérie de Carlos Gerbase, ambas de incontestável valor para à literatura e televisão brasileira, respectivamente. Palavras-chave: Memorial de Maria Moura; Rachel de Queiroz; adaptação; transposição; transmutação. Ligia Cristina Machado (UNICAMP) A FAMÍLIA MEDEIROS DE JULIA LOPES DE ALMEIDA NA IMPRENSA BRASILEIRA. A atividade de mulheres no mundo das letras brasileiras não é algo recente. Durante o século XIX um grande número delas ousou adentrar o universo literário. Na literatura, assim como em outras áreas, a segregação de gênero causou diversas exclusões femininas, não por simples inabilidade daquelas mulheres, mas pela imposição social em voga, a qual dizia que tal gênero deveria ocupar apenas o ambiente doméstico. Ainda assim, mesmo com o seu espaço, primordialmente, restrito a administração do lar, muitas mulheres letradas oitocentistas colocaram-se em defesa da emancipação feminina utilizando-se, para isso, da imprensa, organismo de especial importância social. Devemos observar que, o crescimento da imprensa, durante o século XIX, fizera com que os homens de letras se sentissem os verdadeiros propagadores do conhecimento, já que era por meio, principalmente, dos periódicos 268 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

que se difundiam os debates e ideias daquele século. Nesse sentido, ganhar o espaço da imprensa era uma grande conquista para as mulheres letradas. Uma dessas mulheres, que adentrou o universo das letras, no último quarto do século, foi Julia Lopes de Almeida. Filha de portugueses letrados e bem relacionados com a república das letras, a carioca, nascida em 1862, publicou, até o seu falecimento, em 1934, uma dezena de livros, crônicas, contos e artigos em jornais. Na imprensa, colaborou em periódicos voltados para o público feminino como A Estação e A mensageira, além de jornais da grande imprensa como O paiz, no qual possuiu, durante 30 anos, uma coluna de crônicas, O jornal do commercio e a Gazeta de Notícias, em que publicou folhetins – veículo muito utilizado, durante o século XIX e o início do XX, para se publicar inicialmente uma obra romanesca. Julia Lopes foi uma mulher que conseguiu administrar o lar e o trabalho na imprensa, tornando-se, por isso, um modelo, mesmo dentro das concepções masculinas. Apesar de ver o seu fazer literário como uma barreira que precisou ser transpassada, como relatou, em entrevista, a Joã o do Rio, Julia Lopes de Almeida não deixou de ser uma mulher conservadora, como podemos notar na sua obra O livro das Noivas, de 1896, e talvez por esse mesmo motivo tenha garantido seu espaço num universo majoritariamente masculino. Com essas problemáticas em mente, essa pesquisa pretende, por um lado oferecer um panorama da autora, pois apesar dela ter se consagrado em sua época, chegando a ser referida pela crítica como um dos grandes nomes do universo das letras da sua contemporaneidade, ela foi completamente esquecida após sua morte. Em segundo lugar, analisaremos mais detidamente o romance A família Medeiros, por ter sido a primeira obra publicada em livro da autora e por nos colocar alguns questionamentos importantes a respeito de temas políticos e sociais prementes em sua época. O romance foi publicado, em folhetins, no periódico carioca Gazeta de Notícias, de outubro a dezembro, de 1891. Com uma temática abolicionista, a história se passa nas fazendas do interior paulista, colocando em cena, a dicotomia entre coronéis senhores de escravo e Eva, uma mulher a favor do trabalho livre dos imigrantes. Ao lado do núcleo central da história, vemos a interação entre esses personagens dicotômicos e os secundários em suas relações de classe e gênero. Apesar de, na época da publicação, já se tivesse passado a abolição da escravatura, em comentário sobre essa obra, Wilson Martins nos propõe que o romance possuía mais atualidade do que poderíamos supor levando em conta apenas a defasagem de anos entre a publicação e a abolição. Desta forma, buscando integrar a obra ao seu período histórico, a leitura desse romance será feita em sua versão folhetinesca, tentando, de tal modo, termos em vista um espectro mais amplo das questões que os leitores do período tinham em mãos ao 269 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

lerem o folhetim “A família Medeiros”. Ao lado dessa análise social, buscaremos também, através de algumas críticas ao romance feitas na imprensa, analisar o lugar reservado à escritora, no universo literário e as possíveis questões de gênero referentes à forma como sua obra foi vista por outros escritores do período. Palavras-chave: Julia Lopes de Almeida, questões de gênero, imprensa, A família. Lucas de Castro Lamonica (UNICAMP) FILOMENA BORGES: LITERATURA E IMPRENSA Filomena Borges é um romance de Aluísio Azevedo, publicado em folhetim pela Gazeta de Notícias entre 18 de dezembro de 1883 e 13 de janeiro de 1884. Minha pesquisa estuda esse romance no seu contexto de produção e circulação, recorrendo à leitura dos periódicos coetâneos. Através dessas fontes, descobri que ele foi construído em íntima relação com a imprensa. Ao invés de seguir o caminho convencional, de obra literária que vai para o jornal para ser publicada, Filomena Borges surge a partir do jornal. A reconstituição do processo de seu surgimento é um dos objetivos do trabalho, e será feita através da pesquisa em fontes primárias. A origem desse romance se reflete no seu conteúdo e na sua forma. No conteúdo, ele engloba boa parte dos aspectos cotidianos contemporâneos, discutidos e formalizados na imprensa. Na forma, ele recorre a diversas linguagens: romanesca, teatral e midiática. A imprensa é mais para esse romance que um veículo – é também uma matriz de que ele tira recursos de conteúdo e forma. Além de ser, segundo Dominique Kalifa e Alain Vaillant, o principal meio de publicação literária no século XIX, a imprensa também foi um dos principais meios de divulgação científica e discussão política da época. Não seria de se estranhar, portanto, que as formas de escrever e os conteúdos dessas áreas se misturassem, dentro de um veículo que ainda buscava sua própria forma. Devo muito, aqui, às formulações de Marie-Ève Thérenty no livro La littérature au quotidien – Poétiques journalistiques au XIX e siècle. Levando em consideração essa composição híbrida, outro objetivo do trabalho é fazer uma crítica e análise sincrônica e diacrônica do romance. Por seu caráter folhetinesco, ele é considerado por parte dos críticos recentes como um romance menor dentro do conjunto da obra de Aluísio. O foco aqui não seria de resgatar ou redimir, mas, na esteira de Jean-Yves Mérian, questionar a divisão entre boa e má obra de Aluísio, recolocando Filomena Borges no seu contexto para melhor entendê-lo. Existem ali questões importantes que têm sido negligenciadas como, por exemplo, 270 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

a educação feminina, o casamento e a relação de poder entre marido e mulher. A discussão em torno da figura de mulher, inclusive, já é esboçada naquela fase de gênese do romance dentro do jornal – um dos vários fios que entrelaçam literatura e imprensa neste caso específico. Em seguida, pretendo recuperar a crítica contemporânea do romance e as repercussões que ele teve em seu tempo, que parecem ter sido bastante abrangentes. Aqui se destaca outro importante ponto para a pesquisa, a questão política. Por trazer D. Pedro II como personagem, e por fazer esta personagem agir de maneira indecorosa, Aluísio divide a crítica entre detratores e defensores do imperador, o que não é o ponto central, mas está presente nas apreciações da obra. Não posso deixar de considerar, também, o caráter comercial do romance, evidenciado pela grande propaganda prévia e pelas tentativas de piratear o título do livro, que é o nome da personagem central. A comunicação fará o seguinte movimento: 1) apresentar as primeiras referências a Filomena Borges, que até ali era apenas uma mulher misteriosa, da qual se sabia muito pouco, na coluna Balas de estalo da Gazeta de notícias e mostrar como a discussão que ocorre ali começa a configurar a personagem que aparecerá posteriormente no romance; 2) apresentar os anúncios mais variados que utilizam seu nome para vender produtos em nada relacionados, servem para aumentar a curiosidade sobre quem seria a tal mulher, e para vender o folhetim e assinaturas do jornal; 3) apresentar os últimos encaminhamentos de Filomena na coluna Balas e na Gazeta, que, já contando com a intervenção de Aluísio Azevedo, resultarão, enfim, no folhetim. Palavras-chave: Literatura brasileira; imprensa; Aluísio Azevedo; Filomena Borges; folhetim Marcella Abboud (UNICAMP) LAVOURAS DE UM (IN)CERTO ORIENTE: TRADIÇÃO E RELIGIÃO EM MILTON HATOUM E RADUAN NASSAR Salvo relatos sobre a presença de nomes isolados por volta do ano de 1808, é a partir de 1850 que a Embaixada libanesa começa a registrar oficialmente as quatro fases da imigração libanesa no Brasil. São elas: de 1850 a 1900, quando o Líbano sofria a dominação do Império TurcoOtomano, e a América, ainda envolta no imaginário dos relatos de viagem e bastante desconhecida, era vista como sinônimo de obtenção de riqueza e liberdade. A segunda fase, que compreende as duas primeiras décadas do século XX, foi a responsável pela formação das colônias árabes: era a fuga que garantia a liberdade dos jovens 271 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

que não queriam servir ao exército do Turco Otomano. Por fim, a terceira e a quarta fase compreendem de 1918 a por volta de 1950: findas as duas grandes guerras, a relação diplomática entre Brasil e Líbano começou a crescer e as famílias libanesas começaram a imigrar inteiras, diminuindo o fluxo de jovens que voltavam à terra natal para se casarem. Essa imigração, independente do momento histórico, foi responsável pela reconstrução e adaptação da tradição libanesa no Brasil, isto é, culinária, danças, festas e, entre outros aspectos, o religioso: vasto e especialmente conflituoso. O Líbano compreende, em seu pequeno território de 10.452 km2, as três grandes religiões monoteístas: o cristianismo (com ênfase para Igreja Cristã Maronita e Cristã Ortodoxa), o islamismo (que inclui parcialmente os drusos) e o judaísmo, considerando, inclusive, todas as subdivisões que essas religiões comportam. É na terceira fase, mais especificamente em 1920, que os pais de Raduan Nassar, já casados, imigram para o Brasil, onde já se encontravam alguns parentes no interior de São Paulo; os pais João Nassar e Chafika Cassis se estabeleceram no comércio de tecidos. É também nas primeiras décadas do século XX que os avós de Milton Hatoum se fixaram na Amazônia: região de forte imigração síriolibanesa, especialmente engajados no trabalho do ciclo da borracha, próspero no final do século XIX e início do século XX. Os dois autores têm família de origem católica, contudo, enquanto Milton Hatoum se desapegou cedo da religião, Raduan Nassar transformou-se em um católico fervoroso na sua infância, mas, na vida adulta, restringiu sua relação com a religião para a construção dos seus enredos, visto que declarava não ser religioso. Apesar disso, tinha forte interesse em textos sagrados também de outras religiões, como uma leitura mais atenta do Velho Testamento e o próprio Corão. A religião e os textos sagrados serão, para os dois autores, parte fundamental da trama. Em Lavoura Arcaica, Raduan Nassar reconstrói, de maneira subversiva, a parábola do filho pródigo (o livro, inclusive, se subdivide em duas partes: “a partida” e “a volta”), o narrador em primeira pessoa, André que descreve ao leitor, de forma não linear, uma série de fatos que redundam numa espécie de derrocada familiar. Aliás, a estrutura familiar é a base de sustentação da trama, tanto na narrativa nassariana quanto na obra de Hatoum, o que diz muito a respeito, também, da tradição familiar árabe. Essa tradição aparece sempre de maneira revisitada, caracterizando um imigrante, um estrangeiro integrado à realidade local, mas sempre carente de identificar-se pela diferença. Nesse sentido, lançaremos mão do conceito de estrangeiro dado por Georg Simmel, que considera muito fortemente a relação de não-pertença do estrangeiro ao grupo, ainda que totalmente envolvido com a realidade local. Para Simmel, portanto, é possível tratar da mobilidade do estrangeiro, mesmo quando ela é imóvel. Considerar a 272 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

questão da mobilidade desse imigrante carente de uma inserção total (e talvez utópica) com o espaço imigrado é relevante no que tange a biografia dos autores, isto é, tanto Hatoum quanto Nassar são brasileiros porque aqui nasceram, mas cultivam uma cultura plural e que não coaduna em sua totalidade com a cultura local, isso se reflete tanto nas suas inquietações pessoais (Hatoum morou em vários países para depois voltar ao Brasil e se estabelecer aqui), quanto na construção de sua trama: André, o narrador de Lavoura Arcaica também vive na situação de estrangeiro, mesmo dentro da sua própria casa, pois é incapaz de se adaptar. Simmel fala também sobre a contemplação da ruína, que é a obra humana vencida e num embate eterno com a natureza. A pesquisa, pensando nessa metáfora, volta o seu olhar à tradição, a obra mais estritamente humana já construída, que rui dentro de novas intempéries do país que os acolhe: manter um olhar passivo e admirador perante os destroços, que reconstruídos pelo olhar tornam-se nova obra de arte, é o labor dos escritores. Isto é, para eles, admirar a tradição-ruína em solo brasileiro é fonte inesgotável de material ficcional. Palavras-chave: Raduan Nassar, Milton Hatoum, Tradição, Religião, Imigrante Marcelo Antonio Milaré Veronese (UNICAMP) APROPRIAÇÕES LITERÁRIAS DE DANTE EM ROBERTO PIVA Este é o resultado do início de uma pesquisa maior sobre o estudo da obra poética de Roberto Piva e seus aspectos de apropriação literária da obra de Dante Alighieri, em especial d’A Divina Comédia e seu primeiro canto, o Inferno. De forma geral, entendemos que as referências em seus poemas se revelam apropriações ao surgirem de um movimento particular de leitura; isso, no mesmo momento em que a crítica feita pelo poeta – isto é, os textos que escreve “pensando” suas próprias criações – remete, por sua vez, a sua maneira singular de aplicar releituras frente ao referencial. Assim, as referências à poesia de Dante Alighieri constituem um vasto campo de pesquisa a ser analisado dentro de uma linguagem apropriativa que se quer original. De início, é preciso esclarecer algo desta relação no que ela permite contextualizar o aspecto da apropriação literária que, em Piva, não se dá apenas através da referência no poema. Primeiramente, então, é preciso lembrar que a definição de apropriação literária, nesta pesquisa, não está apoiada em um conceito específico, sendo basicamente entendida aqui através das referências à obra de outros autores. O aspecto referencial neste fazer-poético, como é o caso, tende a 273 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

atualizar o próprio referencial ao torná-lo parte de um texto novo. Desta forma, observar de perto as referências à poesia do Inferno de Dante, aqui, já consiste um aspecto do entendimento de uma teoria particular que impulsiona a criação literária. Isto não impede que utilizemos estudos teóricos em poesia que versem sobre temas semelhantes que dialoguem com a ideia de referência ou apropriação e nos ajude a estudar o autor em questão. Nossa tentativa é a de não restringir este estudo aos moldes da literatura comparada, mas estender o entendimento das apropriações literárias mediante o próprio fazerpoético referencial como um dos aspectos de criação textual. Tal proposta se complementa aproximando do poema ou dos versos informações disponíveis em outros formatos que não o texto poético propriamente. A relação com a obra de Dante parte dos estudos realizados por Roberto Piva entre os anos de 1959 e 1961, e nos posfácios ou pequenas notas biográficas publicadas a cargo de Piva, o poeta fez questão de revelar algo destas fontes de leitura. No início da década de 1980 é lançado 20 poemas com brócoli, cujo posfácio esclarece um ponto de vista essencial: "Repensei também os três anos de 1959 a 1961, quando participei do curso sobre a Divina Comédia dado pelo professor Edoardo Bizzarri no Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro. Durante os três anos do curso, lemos, comentamos e discutimos os três livros de Dante (Inferno, Purgatório e Paraíso) que compõem esta Suma Poética que é a Divina Comédia, no que ela tem de loucura, iluminação, beleza & linguagem cinematográfica em plena Idade Média. Foi repensando Dante Alighieri e relendo o Inferno e o Paraíso (na magnífica edição ilustrada que me foi presenteada pelo escultor italiano Elvio Becheroni) que surgiram, numa síntese caligráfica e na eletricidade de uma manhã paulista de 1979, estes 20 poemas com brócoli.\" (Roberto Piva, s.p.1981). Este movimento de leitura e criação, ou releitura e recriação, aparece em diversos momentos nesta poesia. Neste sentido, poderíamos afirmar que muito do que importa estudar na poesia de Piva pode ser antecipadamente conhecido através do estudo d’A Divina Comédia de Dante. O poeta italiano poderia ter fornecido as bases e o alicerce da criação poética com o objetivo de aplicá-la na realidade, isto é, de tornar a realidade da poesia também o conhecimento da vida presente. Se há alguma raiz poética sólida na obra de Piva, isso se deve à sua inicial e constante leitura de Dante e das apropriações d’A Divina Comédia (especialmente do Inferno). Desta forma, teremos também a oportunidade de examinar grandes estudos da obra de Dante Alighieri como é o caso dos trabalhos de Erich Auerbach – principalmente Mimesis, onde podemos aprofundar o entendimento da representação da realidade na literatura ocidental. A reelaboração da temática da realidade através da apropriação atual da obra ou da própria figura do poeta-personagem d’A Divina 274 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Comédia (“Dante foi um bruxo da família / Visconti (...) Todas as novidades estão no Inferno” diz um poema do livro Ciclones, de 1997), cuja representação se assemelha ao entendimento da máxima expressão da essência humana presente nos cantos do Inferno, se torna importante e extremamente válida. Além disso, versos como “Dante / conhecia a gíria / da Malavita / senão / como poderia escrever / sobre Vanni Fucci?” são exemplos de um tratamento exclusivo. Ocorre, ao final, que Piva parece ter sido um poeta consciente de seu papel de fornecedor de um conhecimento poético para o leitor. Isto fica nítido no tratamento dado à obra de Dante, quando buscaremos evidenciar que as apropriações literárias estão no seu impulso de criação e conhecimento via poesia e realidade. Palavras-chave: Roberto Piva; Dante Alighieri; Poesia brasileira; Poesia contemporânea; Crítica literária Marcos Roberto Grassi (UNICAMP) ROSA ENSAÍSTA Em 19 de novembro de 1967 falecia, no Rio de Janeiro, João Guimarães Rosa. Na manhã seguinte, Nelson Rodrigues comentava: “Perdemos Guimarães Rosa, o maior artista brasileiro do século”. Cerca de 20 anos antes, Rosa já encontrava pleno reconhecimento literário. Em 1956 vêm a público duas obras importantíssimas de sua produção: Corpo de Baile (mais tarde desmembrado em Manuelzão e Miguilim; No Urubuquaquá, no Pinhém; e Noites do Sertão) e Grande Sertão: veredas. Dez anos antes saíra Sagarana, composto por nove narrativas amplamente reescritas a partir de Contos, obra através da qual Rosa conquistara o segundo lugar no concurso Humberto de Campos em 1938. Antes disso escrevera ainda Magma (1936), livro de poesias ‘renegado’ pelo autor e só lançado 30 anos após sua morte, apesar de ter vencido com ele o Prêmio da Academia Brasileira de Letras. Estas Estórias e Ave, palavra, organizados pelo crítico e amigo Paulo Rónai a partir de manuscritos do autor, surgem postumamente, respectivamente em 1969 e 1970. Estas Estórias nos apresenta relatos de forte fundo autobiográfico e confessional, especialmente os contos Os chapéus transeuntes, Entremeio: com o vaqueiro Mariano, Bicho Mau e Páramo. Já Ave, palavra contém um relicário de pequenas narrativas, poemas, observações diversas e esparsas sobre inúmeros temas. Primeiras Estórias (1962) e Tutaméia (1967), livros de contos, são as últimas obras publicadas em vida por Guimarães Rosa, sendo o último composto por quatro prefácios extremamente ricos em humor e reflexões artísticas: Aletria e hermenêutica, Hipotrélico, Nós, os temulentos e Sobre a escova 275 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

e a dúvida. Assim, nessas três décadas de produção temos um Rosa romancista (Grande Sertão: veredas), um Rosa contista (Sagarana, Primeiras Estórias, Tutaméia, Estas Estórias e Ave, palavra), um Rosa novelista (Corpo de Baile), e mesmo um Rosa poeta (Magma e alguns poemas em Ave, palavra). Embora abrangente, esse enquadramento não dá conta de toda produção rosiana. Especialmente após Tutaméia, começam a surgir escritos que são, antes, ponderações, observações colhidas no dia-a-dia, pensamentos acerca da criação artística, do(s) idioma(s), do proceso de escrita, da saudade, da rica experiência adquirida na vida de médico pelo interior de Minas e de diplomata na Europa e na América do Sul. Estes escritos parecem se aproximar do ensaio. Gênero surgido ao final do século XVI na França e consolidado na Inglaterra nas décadas seguintes, o ensaio se caracteriza pela exposição breve, pela observação livre e sem interesses científicos, muita vezes pautada pelo humor, pela confissão, pelo depoimento a partir da fusão entre o escritor e o homem social, resultando numa incorporação de tudo: vida, criação artística, leituras, experiência, religião, cultura, filosofia, crenças, sociedade, etc. É justamente na fase final de sua vida literária que Rosa começa a produzir obras marcadas por observações, devaneios, metacriações, confissões, relatos de si e humor. Esta parte da produção rosiana, fragmentada e não muito familiar ao grande público, é de extrema importância, uma vez que surge em um período de plena maturidade criadora e após total consolidação do autor na literatura brasileira. Caberia tentar compreender até que ponto alguns escritos de Rosa ‘pós-Tutaméia’ se aproximam daquilo que se convencionou chamar de ensaio. Quais as intenções dessa aproximação; quais os efeitos sobre o público, crítica e produção anterior; até que ponto sua experimentação lingüística guarda aproximação com esses escritos; quais são seus principais temas e como estes repercutem sobre suas obras principais; como situar Guimarães Rosa face aos escritos ensaísticos de sua época no Brasil, bem como especular sobre seus parentescos na literatura universal. São apenas algumas das questões que - partindo sobretudo de Tutaméia, Estas Estórias e Ave, palavra tentarão apontar, para além do romancista, contista, novelista e poeta, um outro Rosa: o ensaísta. Palavras-chave: Teoria Literária; Ensaio; Literatura Brasileira; Ensaísmo no Brasil; João Guimarães Rosa

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Marcos Santos Netto (UFRJ) A TRANS-HISTORICIDADE DA DEFESA DA POESIA DE PERCY SHELLEY A crise da arte e do artista, tão estudada e comentada na modernidade e na contemporaneidade, como se fosse um fenômeno do século XX, já se esboçava muito antes, como argutamente identificou Rancière (Jacques Rancière, A partilha do sensível, p. 34). Embora o fenômeno da arte de massas tenha incorporado novas questões, o problema é bem anterior. Ainda na primeira metade do século XIX, o jovem poeta Percy Shelley compunha um ensaio em defesa da poesia, diante do feroz ataque que vinha sendo perpetrado pela predominância das ideologias iluministas e deterministas, as últimas ainda em formação. Shelley, vigoroso poeta romântico, não era, ao contrário de Wordsworth e os demais "Lake poets", apartado da vida social e política e um inimigo declarado das descobertas da ciência – as quais, inclusive, admirava profundamente. Além disso, era um amante devoto da arte e da cultura clássica, especialmente da cultura grega, que lia e traduzia constantemente. Portanto, seu ensaio é dedicado muito mais a esses que compartilhavam essas mesmas crenças, do que aos seus colegas românticos. O trabalho de Shelley busca ser uma âncora para o pensamento sobre o artista e a arte, no meio do turbilhão avassalador das transformações sociais que ocorriam com a entrada e o aprofundamento da modernidade. Na época do poeta inglês, ideias ainda mais perigosas conturbavam a existência dos artistas que nesta de Rancière. No século do determinismo, já se aproximando do crepúsculo do iluminismo, a Arte e os artistas foram lançados à condição de párias sociais. O ensaio "The four ages of poetry" de Thomas Love Peacock, filósofo e novelista neoclássico, foi uma demonstração da quimera enfrentada pelo pensamento sobre a arte na época. O artista, principalmente o poeta, passava a ser visto como um lunático, sujeito fora de seu tempo, destinado a desaparecer do mundo como todas as demais instituições caducas do Antigo Regime. O que justificava sua existência era seu papel meramente decorativo, como uma relíquia preservada pelo capricho de algumas classes abastadas, ostentando a lembrança um passado remoto. Para os iluministas e deterministas que se tornavam a imensa maioria da intelectualidade na época, o pensamento sobre a arte não possuía nenhuma importância epistemológica, política, ou ética. O trabalho do sr. Peacock, por mais provocador que fosse, era apenas uma das manifestações das ideias que circulavam na intelectualidade. Shelley tinha consciência do perigo do momento em que vivia, e por isso, não se conteve em apenas enviar uma correspondência a um amigo com suas posições dissidentes. Optou por compor um ensaio com intenções 277 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

muito claras: identificar o papel da arte e do artista, especialmente do poeta, não em cada época, mas em toda existência social humana, abrindo os olhos de seus contemporâneos para a cegueira que o excesso de “luzes” de sua era lhes imputava. Nesse sentido, os ensaios publicados por Jacques Rancière – "A partilha do sensível" e "O inconsciente estético" – serão auxílio fundamental nessa leitura, pois nos ajudam a compreender concepções presentes no ensaio de Shelley que, por sua origem idealista, podem ser, no atual contexto acadêmico, mal compreendidas, desautorizando assim a potência teórica presente em Uma defesa da poesia. O ensaio de Shelley basicamente identifica sobre quais funções da mente e da organização social humana a poesia age e que papel ela cumpre, especialmente na formação de ambos. Ao identificar seu papel formador, no sentido kantiano do termo, do indivíduo e da coletividade, o poeta inglês imbui a arte e o artista da mais elevada responsabilidade na História da humanidade. Assim como Rancière, Shelley identifica regimes variados da arte ao longo das diferentes sociedades, contudo, ele busca demonstrar a universalidade de um desses regimes, naquilo em que ele faz com que a arte seja a principal responsável pelas formações e transformações mais profundas do indivíduo e da sociedade. Palavras-chave: Shelley; poesia; arte; artista; estética Maria Catarina Rabelo Bózio(UNICAMP) LITERATURA E FOTOGRAFIA DE JUAN RULFO: A ÓPTICA DA MORTE EM "PEDRO PÁRAMO" E OUTRAS NARRATIVAS Juan Rulfo (1917 – 1986) é pouco conhecido como fotógrafo, apesar de uma crescente visibilidade, o autor possui um acervo desse gênero que perpassa visualmente aspectos presentes também em sua literatura – vertente mais conhecida de sua obra. Para tanto, admite-se Pedro Páramo como o objeto central da pesquisa, sem deixar de lado possíveis interações com contos de El Llano en llamas (1953) que se mostrem pertinentes ao tema proposto, assim como em algumas imagens de 100 Fotografias (2011). A escolha do romance Pedro Páramo, dos contos ¡Díles que no me maten!, Luvina, Es que somos muy pobres e La cuesta de las comadres de El Llano em Llamas, assim como das fotografias que dialogam diretamente com os temas propostos, pretende apontar distintos pontos de vista – incluindo narradores e técnicas literárias diversas – que indiquem um valor significativo no diálogo com a ideia-imagem de morte na produção literária e artística de Rulfo. Na produção de Juan Rulfo, observa-se que a morte pode ser 278 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

identificada enquanto eixo condutor das narrativas, nos diversos formatos. Com este estudo, espera-se contribuir para uma melhor compreensão da morte na visão do autor e da população mexicana como um todo, assim como reafirmar a importância de sua produção artística em múltiplas plataformas e o decorrente diálogo desta com a realidade que a cerca. Para realizar estes objetivos, faz-se necessário estudar desde as crenças religiosas do México no período précolombiano, até o México pós-revolucionário, do qual o contemporâneo Rulfo é considerado um dos principais narradores. Como exemplo da temática de morte, em La cuesta de las comadres, o narrador é o responsável pela morte de uma das personagens e em boa parte do conto renega esta culpa. Já em Es que somos muy pobres, a narrativa é contada por uma criança – o que dá um tom bastante específico – e a morte abordada não é humanamente concreta, pois é a partir da morte de dois animais que tem-se a possível morte subjetiva da irmã da narradora. Luvina traz um idoso que indica reflexões sobre a cidade abandonada para a qual seu interlocutor não deveria partir. No mais conhecido, ¡Díles que no me maten!, o narrador amedronta uma personagem a partir dos desdobramentos que a morte causaria em sua família – tema recorrente em Rulfo. Já no romance Pedro Páramo, a extensão e a dualidade de narradores – em primeira e terceira pessoa – impedem tanto a definição temporal concreta, quanto a identificação imediata do enredo. Apesar disso, a morte é identificada através dos recorrentes fantasmas e mortos-vivos que permeiam a narrativa. O mesmo ocorre nas fotografias em que Rulfo captura ruínas, elementos arquitetônicos abandonados ou cidades com ínfimos habitantes. Os fotogramas responsáveis por esta representação capturam ruínas de um México sofrido. Há elementos arquitetônicos de cidades abandonadas que funcionam como indícios visuais da morte. Procurou-se com essas análises contribuir com a reflexão sobre a relação entre literatura e fotografia, que, em linhas gerais, pode-se afirmar que não se trata de uma tradução imediata, como pode ser imaginada pelo leitor ou pretendida pelo fotógrafo. A partir da reflexão sobre a experiência universal do sagrado, esta pesquisa visa investigar as principais interpretações da morte, inclusive a partir da fotografia como captura da alma, perpassando as crenças dos povos a respeito da possibilidade da vida no pós-morte. Desta forma, para um estudo completo da temática sagrada que se apresenta tanto a partir dos moribundos que participam das narrativas, quanto nas ruínas que testemunham supostos acontecimentos, tem-se no estudo das diferentes formas de expressão do autor um caminho inovador que visa dar conta da multiplicidade intertextual a que Rulfo se propõe. Estas técnicas do modo de narrar simulam uma expressão popular de narrativa oral tradicionalmente mexicana, a qual marca o 279 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

retorno dos mortos, e corroboram uma aproximação da realidade na medida em que evidenciam o cotidiano desta população. Um procedimento semelhante acontece com as fotografias de Rulfo, pois a escolha de cenas cotidianas provoca um efeito específico no leitor: o obriga a olhar novamente, de outro modo, não apenas o ambiente que o rodeia, mas também a si próprio. Palavras-chave: Literatura mexicana; Literatura e outras artes; Fotografia; Morte; Sagrado Maria Clara Pivato Biajoli (UNICAMP) CONTINUAÇÕES DE ORGULHO E PRECONCEITO, DISTANCIAMENTOS DE JANE AUSTEN A proposta de pesquisa deste projeto está centrada na escritora inglesa Jane Austen (1775-1817) e no fenômeno da sua grande popularização responsável pelo aparecimento de continuações modernas de seus livros. Mais especificamente, pretende-se estudar obras escritas como releituras ou continuações do romance mais famoso de Austen, Orgulho e Preconceito, para refletir sobre a ideia de que o final de um romance, ainda que nos moldes de “e eles viveram felizes para sempre”, não é mais suficiente para contentar o público leitor, se é que o foi em algum momento. O termo “continuações” (sequels) é usado aqui de forma bem abrangente, pois não significa necessariamente que se trata de obras cujas histórias ocorrem logo após o fim de Orgulho e Preconceito. A variedade de abordagens é muito grande, cobrindo, por exemplo, de releituras do original narradas por outros personagens até mesmo romances totalmente inéditos que se ligam a ele apenas pelo estilo imitado. Essa variedade chama a atenção pois indica que o seu público leitor não está apenas em busca de suas personagens preferidas em novas aventuras, mas procura por qualquer coisa que pareça imitar o estilo de escrita e a temática de Jane Austen. É interessante observar que esse novo gênero, por assim dizer, talvez não seja nada novo. É sabido, por exemplo, que Miguel de Cervantes se viu obrigado a escrever uma continuação para o seu Dom Quixote para refutar uma obra não autorizada que havia sido escrita por outro autor. Também Daniel Defoe, cujo Robinson Crusoe é apresentado como um dos livros fundadores do gênero romance, acabou por escrever mais duas continuações para seu herói. Em relação às obras de Austen, a primeira continuação foi escrita em 1914 por Sybil Brinton, com o título de Old friends and New Fancies. Assim, as continuações existem há muito tempo, mas a sua explosão em número e em popularização parecem ser fenômenos mais recentes ligados a questões da indústria 280 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

cultural atual. Seja antiga ou recente, vários críticos apontam que uma continuação precisa resolver um paradoxo interessante: por um lado, há a necessidade de se trazer algo novo e não simplesmente reconstituir a história original; porém, ao mesmo tempo, não deve se afastar muito dela para não correr o risco de não satisfazer, nas palavras de Deirdre Lynch, o desejo dos leitores para mais do mesmo (Deirdre Lynch, Jane Austen in Context, p.166). A solução geralmente encontrada, de acordo com Elizabeth Kraft e Debra Bourdeau, é uma tentativa de anulação dos escritores modernos frente à autoria de Austen para produzir livros mais próximos aos originais quanto possível. A busca por um original, no entanto, em si própria é uma ilusão, e o resultado, afirmam as autoras, torna-se interessante não por ele mesmo, mas pelo o que pode nos ensinar sobre práticas e valores culturais do nosso século (Elizabeth Kraft e Debra Bourdeau, On Second Thought, p.17). Nesse sentido, vários autores já notaram que essas continuações procuram inserir, no anseio de trazer a novidade, muito do drama exagerado e da super sensibilidade que Austen tanto ironizou. A maioria dessas obras acaba resultando em celebrações de um estilo diretamente contraditório ao de Austen, muitas vezes reproduzindo discursos a respeito de papeis de gênero que ela já ousava criticar há duzentos anos. Essas continuações reconstroem, por exemplo, as personagens originais como figuras sentimentais e dramáticas e centram suas tramas sensacionalistas no encontro da jovem desprotegida com o herói salvador. Logo, ao tentarem “atualizar” Orgulho e Preconceito para o século XXI, acabam por perder toda a fina ironia que Austen usava para retratar a sociedade patriarcal em que vivia e parecem dar um passo para trás ao reafirmarem papeis de gênero conservadores, além de contribuir para que o próprio original passe a ser lido quase que como um conto de fadas. Os objetivos desse trabalho podem ser resumidos, por fim, da seguinte forma: analisar, em um primeiro momento, o debate bibliográfico sobre as obras de Jane Austen, sua recepção e sua popularidade; analisar especificamente a questão das continuações, refletindo sobre sua demanda e sobre temas como a questão da imitação, do pastiche e da paródia. Além disso, procurar refletir também sobre as releituras propostas e as mudanças realizadas nessas obras, tanto do ponto de vista literário (construção das personagens, imitação do estilo de Austen) quanto do ponto de vista da relação com a cultura contemporânea, em especial a discussão da questão de gênero (gender), a transformação das personagens femininas, a construção de estereótipos de heróis e a inserção de conteúdos ausentes no original como o de cunho sexual explícito, por exemplo. Pretende-se, enfim, trabalhar com as continuações como intrinsecamente relacionadas ao contexto histórico atual, pensando a relação entre literatura e sociedade. 281 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Palavras-chave: Jane Austen; Orgulho e Preconceito; Continuações; Gênero; Maria Flávia Armani Bueno (UNICAMP) A FISIOGNOMIA DAS CIDADES NA FICÇÃO DE MILTON HATOUM E CHICO BUARQUE Este trabalho se propõe uma análise da fisiognomia das cidades por meio das imagens que emanam delas nas ficções de Milton Hatoum e Chico Buarque. Parte-se aqui do pressuposto de que esses autores produzem uma ficção urbana, como Chico Buarque e Milton Hatoum, sempre fincada no solo das cidades, cuja feição foi progressivamente substituída pela vida agitada e violenta, no limite tenso entre o local e global que caracteriza as grandes metrópoles. As ficções elaboradas pelos autores em torno das cidades de Manaus e Rio de Janeiro, assumem neste trabalho uma qualificação “adjetivadora”, sendo consideradas essencialmente como produtos da memória e do esquecimento, hipótese que teremos por objetivo desenvolver neste trabalho juntamente com as questões meridionais, utópicas, isotópicas e heterotópicas aí implicadas. A Manaus, incrustada no centro da selva Amazônica, tanto quanto o Rio de Janeiro, no extremo do litoral sul brasileiro, são cidades tensamente fronteiriças, seja em relação ao Rio Negro, seja em relação ao oceano Atlântico. Sempre às margens e nos limites, elas delimitam um contorno de civilização e intriga. A fronteira, como característica geográfica natural, pode-se mesmo dizer que define a paisagem externa e a extensão da vivência e fruição internas dos narradores e personagens, em uma espécie de adentramento, seja no aglomerado urbano, seja no cenário amazônico, que vai mesmo imprimir o caráter psicológico e social das figuras narrativas. A moderna arquitetura dos edifícios onde se concentra a burguesia, em contraste com as favelas dos morros do Rio de Janeiro, palco de violências e criminalidades, onde se empilham os pobres e desvalidos, chega a uma repugnância e inconformismo, ou tamanho alheamento, que beiram à anestesia e amnésia social. A Amazônia, por sua vez, desperta sentimentos de ruinações e desolação, enquanto atualíssimo centro de atenções mundiais pela sua biodiversidade chave, mas muito antes já retratada na literatura dos viajantes, dos cronistas coloniais aos naturalistas românticos, bem como pelos primeiros ficcionistas, testemunhos de sua sublime paisagem em ponto extremo do território nacional. Mas há um certo tipo muito específico de cidade que se pode vislumbrar a partir das ficções de Milton Hatoum e Chico Buarque: trata-se da cidade-memória e da cidade-esquecimento, já de relance 282 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

entrevistas acima e aqui recolocadas em enfática condensação adjetivadora. De acordo com a concepção fenomenológica do geógrafo Eric Dardel, resumida no termo geograficidade, memória e esquecimento, podem ser considerados uma certa vivência do espaço, imanentes para quem o vive e o percebe, e, portanto qualificadoras do ambiente citadino de onde se apreendem com essa animação e fisionomia, tal como relatado nas obras, a partir de uma experiência humana cúmplice e em estado de fusão afetiva. Vale atentar que o termo geograficidade se refere a um espaço adjetivado, uma qualificação do espaço geográfico que implica a relação do ser-nomundo onde o significado do espaço vivido provém dos lugares existenciais de nossa experiência imediata. A cidade, por sua vez, é essa realidade geográfica onde a história ocorre, um mundo de relações estruturadas a partir da polaridade entre o eu e o outro, onde encontramos as coisas, os outros e a nós mesmos diante de uma realidade imediata e concreta, familiar e cotidiana, em um universo “público” no sentido original da palavra. O objetivo é salientar por contraste comparativo duas linhas de orientação estilísticas com possibilidades relevantes no quadro da produção literária contemporânea, ou seja, a escrita da memória e a escrita do esquecimento, que se encontram incorporadas nas obras de Milton Hatoum e Chico Buarque. No sentido de delimitar um corpus que amplie a focalização das cidades como topos e tópicos da memória e do esquecimento, foram selecionados do escritor Milton Hatoum os livros Relato de Um Certo Oriente (1998) e Cinzas do Norte (2005) e, de Chico Buarque escolhidos o livro Estorvo (1991) e Budapeste (2003), não só pela quase contemporaneidade entre eles, mas principalmente porque trazem elementos ora contrários e opostos, ora sutilmente semelhantes entre si, como se mostrará na análise comparativa das obras. A análise das obras visará o foco narrativo que caracteriza os dois autores em questão, ou seja, a perspectiva do estrato dos remediados ou expropriados, o que imprime uma forte marca textual porque define uma posição ética dos autores que fogem ao padrão de visão de elite ao assumir uma posição marginal. Será objetivo de análise também os processos de inserção /desenraizamento/dessubjetivação de seus narradores-personagens através das suas travessias e destinos percorridos no espaço nacional e estrangeiro, em suas cartografias urbanas e imagéticas. Esperamos finalmente depreender a fisionomia das cidades através dos lugares de morada, passagens e viagens, procurando definir um circuito e um ambiente cartográficos de espaços com sua especificidade sociocultural, seja pela aparência própria da ambiência dos cenários, seja pelos seus signos e imagens predominantes de memória e esquecimento.

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Palavras-chave: esquecimento

ficção

urbana

contemporânea;

memória;

Marilha Naccari Santos (UFSC) O BERNARDO CARVALHO QUE CONHEÇO A jornada ao coração das trevas nos romances de Bernardo Carvalho é a própria realização da escrita e sua interpretação, que precisa sempre ser conflitante. Destaco duas de suas obras “Nove noites” (2002) e “Mongólia” (2003) fazendo uma comparação dos assuntos abordados, assinalando suas recorrências, e do modo como as temáticas são apresentadas na construção da narrativa. Assim, pretendo demonstrar o método da construção da narrativa de Bernardo Carvalho nestes dois romances, vistos pelo ângulo do biográfico. Sendo o biográfico referente ao próprio autor como ficção ou sendo pela utilização dos gêneros narrativos (cartas e diários) para armar as histórias, possibilitando o narrador-autor. Até o momento esta dissertação em andamento ilustra: os diferentes narradores dos romances "Nove noites" e "Mongólia"; a investigação “de uma razão por um acontecimento passado” como pretexto da escrita; a presença do uso de fragmentos de cartas e de diários como modo de inserir novos narradores e testemunhos para as afirmações destes narradores; como a ficção e realidade são postos como temas nas tramas dos romances; o uso de dados históricos como marcos de ligação das narrativas com o mundo não-ficcional. Destaca ainda as temáticas da homossexualidade, conflitos familiares, deslocamentos e a caracterização do Brasil nestas obras. Em ambos os romances, as histórias são conduzidas por um narrador com acesso aos escritos dos outros narradores apresentados, são narradores com intenção de escrever “literatura”, tomando eles o papel de escritores. O narrador-jornalista de “Nove noites” investiga para escrever um romance. Ele exerce a profissão de jornalista, mas para esta empreitada assume buscar a construção de uma história ficcional. O narrador-diplomata de “Mongólia” sempre quis ser escritor, mas nunca havia tentado lograr sua aspiração. Apresentam fragmentos de cartas como testemunhos de sua história e utilizam dados históricos para contextualizar e aproximar seus relatos à realidade. As narrativas contêm uma investigação para resolver um problema, uma procura por uma razão. Em “Nove noites”: por que Buell Quain se matou. Em "Mongólia": por que o jovem diplomata havia se recusado a sair em uma missão em busca de um desaparecido. A perspectiva entre nãoficção, ficção, verdade e mentira fazem parte da reflexão ao ler o romance e da própria discussão dentro do romance. Outros narradores 284 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

são introduzidos através de cartas ou diários, método usado para contradizer relatos e estabelecer os pontos de vista dos personagens. Inclusive a descrença com o testemunho do outro e, até mesmo, de seus próprios relatos. O autor mistura e recria a realidade e espera a interpretação do leitor como coautor da história. Os dois romances têm ainda mais em comum quando são colocados lado a lado. Por mais que não seja como tema central, a temática homossexual será sempre abordada nos romances de Bernardo Carvalho. Em "Mongólia" a passagem é menor e falada diretamente como uma disfunção e em "Nove noites" torna-se parte da investigação na composição de uma teoria do suicídio. A relação familiar é retratada com desilusão por pelo menos dois dos narradores de cada romance. Pais solteiros ou divorciados, casamentos desfeitos, triângulos amorosos, filhos abandonados. Outra vez "Nove noites" parece explorar mais o tema do que "Mongólia". O narrador e o suicida investigado, Buell Quain, são filhos de pais divorciados, que apresentam ter uma relação de atrito com a imagem paterna. Também há um personagem abandonado pelo pai, sem paternidade confirmada, órfão de mãe e expulso de casa pelos avós que não acreditam no parentesco entre eles. Em “Mongólia” o narrador é divorciado e resignado pelo abandono da vida, o Ocidental, também narrador através de fragmentos de uma carta, é rejeitado pelo pai e nunca chega a ser reconhecido, é casado, mas a relação familiar bem sucedida termina ao morrer tentando salvar seu filho. Os dois romances têm geografia especificada, mas em movimento. São romances de narradores que se deslocam perseguindo personagens sempre em trânsito. Um fato marcante é que o autor também viajou na pesquisa dos dois livros. Ambos romances nomeiam o Brasil e têm parte de sua trama em território nacional. O Brasil sempre é mencionado na obra de Bernardo Carvalho, mesmo que, em muitos casos, a maior parte da trama se passe no exterior. Mas, para além de tentar achar o Bernardo Carvalho no personagem de seu romance, tendo a achar o personagem no Bernardo Carvalho a que tenho acesso através de suas entrevistas e de seus depoimentos, os quais podem mudar a interpretação do leitor diante de seus romances. Esta experiência de descoberta faz parte do processo da pesquisa, consistindo em um foco de investigação no momento em que se rediscute a questão do espaço biográfico com ênfase na categoria de auto ficção, em função dos gêneros textuais (carta e diário) adotados recorrentemente nos romances. Não se trata, no caso desta pesquisa, da investigação do perfil pessoal de Bernardo Carvalho. Independente da verossimilhança e quantidade de informações que temos, personagem-narrador e autor-personagem estão ligados em termos de um hibridização, verificada constantemente em sua obra, entre realidade e ficção. É um “eu” em crise, um “eu” de re-inventado, que 285 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

transita entre estes dois polos, verdade e ficção, que como diz Juan José Saer são indiscerníveis. Palavras-chave: Bernardo Carvalho; Nove noites; Mongólia; biografia; auto ficção. Marina Venâncio Grandolpho (UFSCar) O INDIANISMO EM AMERICANAS (1875), DE MACHADO DE ASSIS A apresentação se trata de um recorte que aproveita dois elementos tratados em meu projeto de pesquisa. A ideia passa a ser tratar da literatura de Machado de Assis sem morada fixa num duplo movimento. Para isto, considerarei primeiro o deslocamento temático na poesia indianista do escritor, que surge 40 anos após o auge do indianismo romântico, já que este é um entre os vários fatos que apontam para Machado de Assis como um poeta móvel dentro do cânone literário, justamente pela dificuldade de considerá-lo puramente romântico ou realista. Vemos, aqui, que em sua poesia acontece o mesmo que em sua prosa. Este fato, no que diz respeito à temática indianista, está relacionado ao tipo de poesia adotada por Machado, que gera tensão tanto na forma quanto no conteúdo – na forma opera atendendo a determinados princípios românticos, mas rompe com a musicalidade; e no conteúdo rompe com expectativas com relação à temática. Mostrarei isso mais adiante. O segundo movimento diz respeito à questão nacional trazida por Machado de Assis em seu ensaio “Notícias da Atual Literatura Brasileira: Instinto de Nacionalidade”, publicado em 1873. Neste ensaio, o escritor nos traz que para ser um poeta nacional não precisa tratar da “cor local”, mas trazer o que ele chama de “certo sentimento íntimo”. Exemplifica essa tese dizendo que Shakespeare não precisou tratar necessariamente de questões territoriais da Inglaterra para ser considerado um poeta eminentemente inglês. Deste modo, é nesse duplo movimento que se relaciona predominantemente à questão nacional que a poesia do escritor Machado de Assis surge, de certa forma, sem morada fixa – tanto no que diz respeito ao lugar no cânone literário quanto no que diz respeito à temática espacial. A ideia de Machado, em Americanas, é tratar suas personagens femininas à luz de um localismo que transcende universalmente, já que traz também questões de cunho existencial – presentes no sentimento íntimo do poeta, refletido em cada uma de suas personagens. Para que possamos observar os dois movimentos que coloco em questão, utilizarei o poema “Niâni”, presente no livro poesias Americanas, e fragmentos do ensaio citado anteriormente, “Notícias da Atual Literatura Brasileira: Instinto de Nacionalidade”. O poema servirá 286 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

também de exemplo quanto à sugestão de ausência de musicalidade na poesia de Machado de Assis. Com relação aos movimentos sugeridos, consideremos os fragmentos a seguir: Contam-se histórias antigas Pelas terras de além-mar, De moças e de princesas, Que amor fazia matar. Mas amor que entranha n’alma E a vida sói acabar, Amor é de todo o clima, Bem como a luz, como o ar. Morrem dele nas florestas Aonde habita o jaguar, Nas margens dos grandes rios Que levam troncos ao mar. Agora direi um caso De muito penalizar, Tão triste como os que contam Pelas terras de além-mar. (“Niâni”. ASSIS, p. 226–227). “[...] perguntarei mais se o Hamlet, o Otelo, o Júlio César, a Julieta e Romeu têm alguma coisa com a história inglesa nem com o território britânico, e se, entretanto, Shakespeare não é, além de um gênio universal, um poeta essencialmente inglês.[...] Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região; mas não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço” (ASSIS, p. 3, 1873). Observando o excerto de “Niâni”, é possível verificar tanto o segundo movimento sugerido, considerando a ideia de sentimento íntimo do poeta destacado no fragmento do ensaio “Instinto de Nacionalidade”, que torna o homem do seu tempo e país, mesmo tratando assuntos remotos no tempo e espaço (“histórias antigas”; “terras além-mar”; “margens dos grandes rios” = qualquer rio) quanto o primeiro movimento. Já que no que diz respeito à forma o poema atende a características de poemas eminentemente românticos com relação ao aspecto narrativo e versos livres, mas não no que diz respeito ao efeito sonoro, ou seja, à musicalidade. Esta tensão extrapola a forma e atinge o conteúdo, se considerarmos que se trata de um poema indianista, já que não se pode afirmar seu caráter nacional, pois o eu lírico aponta para um tema maior: o amor para terras “além-mar” (rompimento com

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relação à expectativa temática local, transcendendo-a universalmente). Palavras-chave: Machado de Assis; Poesia; Romantismo; Indianismo; Nacionalismo. Mario René Rodríguez Torres (UFRJ) OS LIMITES DA LITERATURA: O CASO DE “PÁRAMO” DE GUIMARÃES ROSA Este trabalho tem por objetivo analisar como aparece a questão dos limites em algumas narrativas latino-americanas desde a época do chamado boom. Limites de diferentes tipos: da representação, da nação, do latino-americano, da literatura, da globalização, etc. Refletir sobre os limites parece pertinente em uma época em que temos dificuldades para imaginar um para o capitalismo, salvo a destruição apocalíptica do mundo. Como diz Brett Levinson, em tempos de mercados abertos é indispensável pensar em fechamentos. O limite é o lugar em que algo se fecha, mas também em que algo entra em contato com seus outros, o espaço que Raúl Antelo denomina “confim”. Também podemos dizer que chegamos ao limite quando algo que parecia fazer sentido deixa de fazê-lo, ou então quando sentimos que algo não está mais no seu lugar. Nesse sentido, a questão do limite está vinculada com a sensação de “ideias fora do lugar” sobre a que tem escrito Roberto Schwarz, que, dentre outras coisas, sugere que aquela sensação é própria das periferias, que podem ser consideradas o lugar limítrofe por excelência. Como aponta Schwarz, em resposta a alguns críticos de seu clássico ensaio, dizer que uma ideia está fora de lugar não quer dizer que ela não esteja cumprindo uma função ali onde aparece, nem encerra a pretensão de colocar as ideias no seu devido lugar. Trata-se de tentar entender e criticar aquilo que provoca essa sensação: uma ordem planetária desigual cujas origens se remontam ao processo de colonização. Nesse sentido, se neste trabalho retomo a questão “das ideias fora de lugar” não o faço com o intuito de defender a retomada de um processo de formação nacional que faria com que as coisas ficassem em seu devido lugar (as ideias no lugar justo e ajustado). Pelo contrário, hoje que a formação nacional tem sido posta em xeque – ainda que sem ser abandonada – parece claro que é preciso pensar a questão das “ideias fora de lugar” não só no âmbito das relações entre as nações, mas das relações no interior da nação, o que leva necessariamente a um questionamento do que tem sido nosso processo formativo. A questão da formação das nações latino-americanas certamente é central neste trabalho, mas é abordada a partir de um pensamento dos limites que impediram e 288 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

impedem sua conclusão bem-sucedida. Nesse sentido os autores que analiso não são vistos como partícipes de “momentos decisivos” de um processo formativo, mas de momentos “indecisivos”, pois antes do que o “decisivo” de um momento, interessa-me pensar o “indecisivo” de cada momento. Escolho como ponto de partida a época do boom da narrativa latino-americana porque o interpreto, seguindo autores como Idelber Avelar, como o momento em que nossas nações entram na globalização e em que, por causa disto, o processo formativo chega ao seu fim. Chega a seu fim, não porque se realiza com sucesso a formação de uma literatura latino-americana, mas porque deixa de ser possível acreditar na culminação bem-sucedida do processo de formação de nossas nações, o que até então vinculamos com um processo de formação literário. Se com o boom sentimos que finalmente tínhamos uma literatura latino-americana, é também o último momento em que pensamos que isso podia ser sintoma de uma organicidade nacional. O fato leva a questionar a ideia mesma de “nós”: “nós” quem? Que “nós” se sentiu orgulhoso de finalmente ter uma literatura? A obra de Guimarães Rosa, o primeiro autor que analiso na minha tese e o único ao qual poderei dedicar algumas palavras nesta apresentação, foi lida durante muito tempo como uma das manifestações da culminação do processo formativo literário e nacional na época do boom. O próprio Guimarães Rosa pareceu acreditar em tal culminação como indica seu prognóstico, em 1965, do iminente fim do colonialismo. Contudo, o incumprimento de tal prognóstico nos obriga a reinterpretar sua obra de outra maneira. De Guimarães Rosa, interessa-me analisar “Páramo”, um conto que escreveu a partir das experiências que teve em suas duas estadias em Bogotá, e no qual é abordado o tema da formação: o conto é uma espécie de minibildungsroman que o escritor deixou inconcluso. Talvez por isso o conto não têm o acabamento das melhores narrações do escritor, mas é justamente isso o que o faz de grande interesse. O conto convida a pensar o processo de formação em Rosa (um processo literário que remete a um processo social) como falido. A impossibilidade do acabamento do conto enfrenta-nos com a questão do limite. Palavras-chave: limite, ideias fora-de-lugar, formação, Guimarães Rosa, boom da literatura. Marleide Santana Paes (UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE) AS MARCAS DO INSÓLITO NA NARRATIVA DE JOSÉ J. VEIGA Desde o século XIX até a contemporaneidade muitas foram as teorias desenvolvidas acerca da Literatura Fantástica, não obstante, por mais 289 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

discussões que o campo da teoria literária tenha promovido a respeito do referido tema, há de se notar que as relações do insólito com a literatura contemporânea apresentam inúmeras arestas propensas a longos embates sobre os limites que este gênero pode abarcar quando da análise de uma obra ficcional cujo argumento do autor transita em uma construção narrativa erigida sob as bases que escapam do crivo da razão. Na Literatura Francesa desde as últimas décadas do século XVIII já é possível localizar em alguns textos ficcionais (não pertencentes à tradição dos contos de fadas) a presença do inexplicável/aterrador/sinistro, elementos os quais promovem a ruptura de uma ordem preestabelecida favorável à introdução de situações incompreensíveis às quais remetem o personagem e o leitor empírico à sensação do medonho /funesto. A obra de Jacques Cazzote, La Diable amoureux (1772) é um exemplo dessa narrativa que enfatiza o nefasto. Segundo a análise de Todorov, o fantástico tradicional teve uma curta presença, sua manifestação deu-se prioritariamente no século XIX e nas primeiras duas décadas do XX. Escritores como Theóphile Gautier, Guy de Maupassant e E.T.A. Hoffmann, respectivamente autores das obras A morta amorosa, O Horla, O Homem de Areia, são exemplos de autores que abordam o fantástico clássico. Em suas obras supracitadas o homem é usado como instrumento do mundo sobrenatural, e, por conseguinte, se sente estrangeiro em seu próprio mundo, o sentimento de obscuridade torna-se latente, e diante disso, o sujeito tenta elaborar raciocínios coerentes/coesos pautados à luz da razão; não obstantes tais reflexões são sempre entrecortadas por outros acontecimentos ininteligíveis, por consequência, as tentativas de construção de pensamentos lúcido-coerentes estão constantemente inconclusas diante de um mundo que abruptamente se mostra às avessas. Depois disso, esta categoria narrativa gradativamente foi se distanciando do modelo clássico de sobrenatural presente nas histórias fantásticas do XIX. Sendo assim, Todorov inquire em que se transformou a narrativa do sobrenatural no século XX?. A definição de Realismo mágico tanto quanto a do fantástico é bastante controversa. Segundo Willian Spindler, esta categoria estrutura-se como uma maneira artística de desnudar a realidade cotidiana dos objetos ordinários e revelar os mistérios contidos nos mesmos. Pretende-se neste trabalho realizar-se a análise da obra Torvelinho Dia e Noite (1985), cuja autoria é de José J. Veiga. Objetiva-se- averiguar na mesma os marcadores do fantástico, seja no sentido clássico ou contemporâneo do termo. Semelhante ao que acontece com a maioria dos suas produções ficcionais, a temática desse livro de Veiga também é a invasão de seres estranhos, que desestabilizam o cotidiano da pequena cidade onde cada dia é idêntico ao outro até que eventos incompreensíveis passam a ser repetidos com frequência depois da chegada de pessoas estranhas. O 290 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

que se tem notado até então em outras obras deste autor é que os acontecimentos insólitos presentes sem seus textos poucas vezes se aproximam de algumas terminologias apontadas por Todorov. Em boa parte dos casos, a construção textual romanesca de Veiga não se deixa “enquadrar” em nenhuma definição determinada pela teoria que trata do Fantástico tradicional; por outro lado, em alguns casos, o argumento veiguiano se inclina para o que Jean Paul Sartre chama de “domesticar o fantástico”. Em Torvelinho Dia e Noite, é importante que se faça uma análise do texto visando à captação dos marcadores insólitos dispersos no argumento da narrativa. Tal investigação torna-se pertinente na medida em que na construção narrativa de Veiga, o mundo onde se manifesta o acontecimento insólito é exatamente igual ao nosso mundo, não há descrição de ambiente que suscite medo ou pelo menos apreensão, como ocorre no fantástico do século XIX. Palavras-chave: Literatura; Realidade; Ficção; Insólito; Fantástico Maura Voltarelli Roque(UNICAMP) A SIBILA: BREVE OLHAR SOBRE A POÉTICA DE DORA FERREIRA DA SILVA Uma das vozes reflexivas da poesia contemporânea brasileira, tradutora de Rilke, Hölderlin, Saint-John Perse, C.G.Jung, Dora Ferreira da Silva tem sido cada vez mais estudada no ambiente acadêmico e comentada pela crítica. O aspecto “estrangeiro” de sua poesia parece fazer de Dora uma poeta cujo fascínio só aumenta na proporção em que também se adensam os mistérios e as zonas de sombra inerentes à sua obra. Dona de uma expressiva fortuna crítica, formada por nomes como José Paulo Paes, Ivan Junqueira, Constança Marcondes Cesar, Agostinho da Silva, Gilberto de Mello Kujawski, José Augusto Seabra, Nogueira Moutinho, Euryalo Cannabrava e Vilém Flusser, diferentes características de sua poética são lembradas: o aspecto musical dos versos, a relação entre “um pensamento que se emociona” e uma “emoção que pensa”, o caráter solitário e raro no atual panorama da poesia brasileira, a presença da infância, da ausência experimentada como presença, a fidelidade à lição de Rilke, o elemento órfico na raiz do poetar, o duplo domínio vida/morte, o tom celebratório do Aberto, a presença do feminino com as deusas, “o próprio impulso vital, o generoso e transbordante sopro cósmico que anima garças e falcões ou apenas lateja, quase hierático, nas fendas das pedras de Itatiaia e no interior das conchas (Ivan Junqueira, Ritmo semântico, p. 408)”. Entre os críticos, Vilém Flusser parece ser o que melhor soube explorar as “zonas de sombra” da poética doriana. Uma das principais zonas de sombra diz respeito ao acontecimento do poema em Dora que estaria 291 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

marcado por uma relação constante entre “inspiração” e o fazer poético “conscientemente elaborado”. “Ela dá o passo para trás em relação ao poetar, mas não em relação ao ser poeta”, escreve Flusser, e isso o leva a se questionar: “por que Dora não deu esse passo? Essa pergunta (que para ela não se coloca) é a pergunta fundamental do próprio Dasein e a base dos diálogos com ela (Vilém Flusser, Dora Ferreira da Silva, p. 422)”. A hipótese central deste trabalho se estrutura a partir deste pensamento de Flusser, que traz para o debate crítico em torno da obra doriana esta lógica contraditória e, ao mesmo tempo, fascinante do que chamamos de “dois passos”. Esta hipótese vem a ser a aposta em uma coexistência entre mito e logos na poética doriana a partir da experiência da Grécia Arcaica. Nesta última, mito e logos não estavam separados, sendo antes opostos complementares e partes integrantes um do outro. Dessa forma, o mito era constantemente pensado e vice-versa. As narrativas que Dora constrói dos mitos antigos ao longo de sua obra parecem se pautar por essa mesma lógica de conciliação e harmonia dos opostos. Como diz uma expressão de Constança Marcondes Cesar, sua poesia nos chega como um “poetar pensante” sobre o mito, sobre a condição humana, sobre o tempo carente de deuses. A conciliação entre mito e logos em sua obra também parece estar sugerida pela coexistência de duas forças básicas em sua poética: a tendência órfica/sombra (representada por mitologemas como o da Koré) e a tendência apolínea/luz (representada por figuras como a da Sibila). Também exploramos em nosso trabalho o caráter de “estrangeira” de Dora F. da Silva junto à cena poética brasileira recente. Mapeando as principais correntes e vozes críticas da poesia brasileira, buscamos demonstrar porque é difícil “localizar” Dora em um movimento literário específico, por exemplo, e, ao mesmo tempo, buscamos demonstrar que a poética doriana do mito não é anacrônica para o cenário moderno de racionalizações excessivas e sim necessária e profundamente comprometida com o seu tempo e sua realidade, dentro do projeto do que Heidegger chamou de “poetas dos tempos de carência”. Colocamos Dora, ao lado de Rilke e Hölderlin, como um desses poetas que atuam em favor do “mito vindouro”, sendo Rilke e Hölderlin justamente os mediadores de Dora na direção da Grécia Arcaica, do horizonte dos contrários complementares (mito/logos, sombra/luz, morte/vida). O objetivo deste trabalho é, a partir de vozes críticas da poesia doriana, apontar algumas questões principais de sua poética, ler e comentar brevemente alguns poemas, e anunciar, a partir dos problemas que a crítica levanta, quais são as nossas hipóteses e questões de estudo e o encaminhamento que essas questões estão tendo no nosso trabalho de pesquisa, de modo que essas hipóteses possam ser discutidas junto ao público e professores. Nossa metodologia é basicamente a revisão 292 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

bibliográfica da crítica e a leitura próxima dos poemas (close reading), dialogando com diferentes autores de modo a enriquecer nossa visão a respeito da obra doriana que muito mais multiplica do que resolve questões no seu destino poético de escutar, como diz o poema, “a música cifrada do porvir”. Palavras-chave: Dora Ferreira da Silva; Grécia Arcaica; mito; logos, poesia contemporânea Natália Gonçalves de Souza Santos (USP) UM LEITOR INCONFORMADO: ÁLVARES DE AZEVEDO E O PERIODISMO DO SÉCULO XIX Este trabalho analisa os ensaios críticos que Manoel Antonio Álvares de Azevedo (1831 – 1852) escreveu sobre autores românticos e de outros períodos literários, ressaltando a profunda relação que ele mantinha com o periodismo de sua época. São quatro os ensaios que o romântico paulista escreveu sobre autores específicos e que serão tomados como corpus: “George Sand: Aldo o rimador” e “Alfredo de Musset: Jacques Rolla”, que são traduções de trechos intercalados de comentários interpretativos, “Lucano” e “Literatura e civilização em Portugal: fase heroica e fase negra”, dois textos que podem ser tomados como ensaios literários. No segundo deles são abordados, com maior destaque, Antonio Ferreira, Camões e Bocage. Desses textos, apenas o que se dedica a Musset foi publicado durante a vida de Azevedo, embora parcialmente, sendo que a maior parte de sua obra é de publicação póstuma. Os demais escritos do autor, como a “Carta sobre a atualidade do teatro entre nós”, seus prefácios, cartas, discursos acadêmicos e a parcela ficcional de sua obra podem ser evocados, durante a pesquisa, conforme contribuam para o esclarecimento das questões levantadas pelo corpus principal. Ao elegermos esse material para estudo, tomamos Azevedo, em primeira instância, como sendo um “crítico-poeta”, o que compreende uma inversão na maneira de como essa obra é usualmente abordada. Ao longo da tradição crítica brasileira, pode-se verificar que os ensaios alvaresianos são empregados como um complemento para o esclarecimento de sua obra ficcional, que já contém ela mesma aspectos teóricos e críticos estilizados por meio do discurso artístico, perfazendo a imagem de um “poeta-crítico”, conforme propõe Aderaldo Castello. Colocá-lo em primeiro plano como crítico significa assumir a autonomia intelectual de seus ensaios e a inflexão que eles representam no cenário da literatura brasileira do século XIX. Além disso, essa escolha pressupõe o delineamento dos possíveis procedimentos metodológicos dos quais Azevedo se vale para 293 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

a elaboração de suas reflexões críticas e, construindo um panorama de suas referências teóricas, dos modos como utiliza tais referências em sua contribuição particular para o projeto romântico brasileiro. Por meio de um intenso processo de intertextualidade, que resulta na revisão da tradição literária, Azevedo se vale de uma série de juízos críticos emitidos tanto por autores estrangeiros quanto nacionais. As fontes bibliográficas utilizadas como base e/ou interlocução dos ensaios alvaresianos incluem diversas revistas, compêndios e manuais que circulavam no tempo, sendo eles de origem francesa, como a Revue des deux mondes, escocesa, como The Edinburgh review, ou mesmo portuguesa, como os Ensaios de crítica e literatura. Analisando, de maneira preliminar, essas leituras, percebe-se que elas não se diferenciam substancialmente das que circulavam entre os membros da primeira geração romântica, levando a crer que a principal divergência entre esses grupos é o da definição de um projeto homogêneo, como era o do indianismo, ou da adoção de uma visão multifacetada para a literatura brasileira. Cilaine Alves Cunha explica que a proposta de romantismo centrada em Magalhães e Gonçalves Dias preocupou-se com o nacionalismo literário, com ênfase na cor local e na adoção de uma concepção de história baseada na ideia de progresso, contribuindo assim para a construção de uma imagem engrandecida da pátria. Já o grupo de Álvares de Azevedo procurou alinhar-se às teorias críticas que eclodiram na Europa em fins do século XVIII, trabalhando com a revolução dos gêneros e a revisão da tradição literária. Eles concebiam o seu momento histórico como sendo heterogêneo, admitindo uma pluralidade de direções a serem seguidas na construção de um projeto literário que representasse o país. Consequentemente, a própria estrutura da crítica literária produzida por Álvares de Azevedo admite a multiplicidade como uma forma de organização, o que ressoa nos assuntos abordados pelo autor e nas opiniões que ele procura elencar durante sua argumentação. A maneira como o ensaísta se conecta a essas opiniões e, na maioria das vezes, como ele as refuta, permite avaliar sua postura em relação à imprensa literária do período, uma das grandes divulgadoras da poética romântica. As duas posturas prioritárias que o autor parece ter assumido, talvez involuntariamente, são a da aderência, momento em que se mostra, de certa forma, concordante com aquilo que absorve por meio de suas leituras; e a do confronto, situação na qual ele discorda daquilo que lê e, algumas vezes, propõe-se a satirizar as assertivas das quais deseja se afastar. Ambas são atitudes comuns a todo leitor, no entanto, aquilo que distinguirá Álvares de Azevedo como sendo um leitor refinado é a utilização, no momento em que ele passa a valer-se da pena, de diferentes estratégias discursivas para demonstrar

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a sua discordância ou aderência em relação aos textos fontes, dentre as quais se destacam a tradução, a paráfrase e a paródia. Palavras-chave: Romantismo brasileiro; Álvares de Azevedo; periodismo Oswaldo Gomes Oliveira (UNESP) OSWALD DE ANDRADE E A HIBRIDIZAÇÃO DO GÊNEROS O objetivo geral deste projeto é o de averiguar as implicações para os estudos literários das transformações operadas por Oswald de Andrade no gênero “memórias”, tendo como uma das hipóteses o fato de que essas ocorrências contribuíram para modificar os procedimentos comumente associados ao gênero. Tomando como pontos de referência os livros Memórias sentimentais de João Miramar e Um homem sem profissão, publicados, respectivamente, em 1924 e 1954, a intenção é investigar como a técnica do corte, a seleção aleatória de fatos, faz surgir não um gênero facilmente identificável à escrita autobiográfica, possibilitando, desde o primeiro momento, uma rasura no gênero, de modo que o sujeito enunciador, assumindo também o ethos de personagem, recobre tudo com uma escrita fragmentada. Isso coloca em xeque a ideia de relato direto da experiência, o que gera, evidentemente, uma visão de texto como potência disseminante de sentidos, seja quanto à forma, seja quanto ao conteúdo, o que pressupõe um trabalho com a alteridade na relação “autor”. Isto é, experimentalismo e experiência se fundem e se complementam. Logo, as leituras analíticas, tanto das obras do autor em questão quanto das discussões teóricas e críticas acerca do assunto, constituirão o princípio metodológico. Se o trabalho de escrita de Oswald adquire um suplemento de ficção, no momento mesmo em que, nos títulos, faz uma promessa de sinceridade, para analisar esse processo de criação um dos caminhos possíveis é buscar, através de Michel Foucault, compreender o conceito de sujeito autor, procurando entender o mecanismo que o leva à função-autor e, ainda, sua conversão em autor propriamente dito, que em função da “passagem” pela autoria, assume compromisso com a clareza e a coerência tornando-se visível pela sociedade e responsável pelos sentidos que sustenta. Por outro lado, para tratar Memórias Sentimentais de João Miramar e Um homem sem profissão, como exemplares de um gênero (romances autobiográficos? Metaficção? Romance-invenção?), serão estudados desde os teóricos mais tradicionais como Philippe Lejeune, Georges Gusdorf e Gérard Genette, assim como autores mais contemporâneos como Paul de Man e Jacques Derrida, cujos trabalhos se detiveram no esmiuçamento da rasura do gênero. Segundo o filósofo Jacques 295 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Derrida, na lei do gênero, escutamos sempre um “deve-se” ou um “não se deve” que “habita o conceito ou constitui o valor do gênero”. Cada vez que se fala em gênero, é preciso pensar no seu “limite”, que acompanha “normas” e “interditos”. Assim, a partir do momento em que o gênero se anuncia, é preciso respeitar uma norma, não se deve transpor a linha limítrofe, não se deve arriscar a impureza, a anomalia ou a monstruosidade. Não poderemos esquecer dos estudiosos brasileiros acerca do assunto. Têm destaque a obra organizada por Cláudia Nigro, Susanna Busato e Orlando Amorim, intitulada Literatura e representações do eu: impressões autobiográficas. Nesse livro, o trabalho de Susanna Busatto faz um estudo sobre a posição do sujeito em Memórias sentimentais de João Miramar. Também a coletânea de textos organizada por Helmut Galle e outros, intitulada Em primeira pessoa: abordagens de uma teoria da autobiografia, reúne importantes nomes em torno do tema. Galle mostra o quanto a autobiografia proliferou numa multiplicidade de formas que não se adequam aos padrões de gênero que a tradição estabeleceu. Devido a isso, fatores específicos de reflexão teórica atual acerca da literatura, o sujeito e a representação e debates sobre as formas da escritura autobiográfica, ganharam uma significativa relevância em diversos campos disciplinares. Essa obra traça um percurso que, sem apelar ao rigor da cronologia histórica ou à formulação de princípios teóricos concludentes, ilumina momentos, autores obras e perspectivas críticas decisivas para a configuração do gênero autobiográfico nos dias de hoje. Também dará embasamento à pesquisa a própria obra de Oswald de Andrade, seja a de ficção, seja a de teoria e crítica, pois não podemos desvincular a mistura dos gêneros do ideário antropofágico. Oswald com a Antropofagia invoca a cultura e os costumes primitivos do Brasil pré-cabralino, Nesse sentido, sobretudo Memórias sentimentais de João Miramar evocam o espírito antropófago. Finalmente, de forma menos direta, mas não menos importante, serão perscrutados os estudos de Mikhail Bakhtin e François Albera. Quanto ao primeiro, pode-se dizer que para ele o romance se caracteriza pela consciência do dialogismo, pelo trabalho sintético com o jogo de vozes simultâneas num mesmo enunciado. E esse movimento no romance não é estranho à obra de Oswald de Andrade. Já François Albera, escancara a “dramaturgia da forma”, na qual Eisenstein faz uma síntese do seu pensamento sobre a montagem e expõe a teoria do cinema intelectual. Esse estudo será importante porque Oswald se utiliza dos procedimentos de corte e montagem, típicos do cinema, para realizar sua obra. Palavras-chave: Oswald de Andrade; Literatura; Modernismo; Memória; Ficção.

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Rafaela Mendes Mano Sanches (UNICAMP) A REPRESENTAÇÃO DOS JUDEUS EM AS MINAS DE PRATA, DE JOSÉ DE ALENCAR: DIÁLOGOS COM O ROMANCE-FOLHETIM O JUDEU ERRANTE, DE EUGENE SUE Este trabalho tem como objetivo analisar a representação dos judeus no romance As Minas de Prata, de José de Alencar, a partir de seus diálogos com o folhetim O Judeu Errante, de Eugene Sue, publicado na década de 40 pela imprensa fluminense. Tendo em vista o momento de produção de As minas de Prata, estudaremos como essa ficção de natureza histórica se coloca diante de uma tradição literária de temática judaica e de suas reescritas e adaptações, construindo um novo sentido para a trama dos judeus. Os ingredientes de sua história trazidos das narrativas judaicas, do mito do judeu errante e de suas versões reproduzem os estereótipos e os sentidos simbólicos, que fomentam o quadro deste povo como conspiradores, plasmando a ideologia antissemita do século XIX. O romance de Eugene Sue, ao reinterpretar a figura do judeu que maltratou cristo e foi castigado, reacende a discussão em torno dos significados do seu mito, o judeu como um indivíduo sem “terra”, o judeu como preâmbulo, o judeu como testemunha dos males, o judeu como um sujeito amaldiçoado. Sendo assim, a retomada e a reconstituição de suas adaptações e significados se tornam relevantes, ao considerarmos que Alencar estava em profundo diálogo com o que se consumia e se divulgava nos periódicos fluminenses a partir das conexões e trocas culturais entre Paris-Rio. Na obra O Judeu Errante, uma família protestante descendente de judeus, espalhada por vários continentes do mundo, deveria se encontrar em Paris numa determinada na data. Em contraponto ao grupo judaico, o personagem jesuíta Rodin, no afã de dominar o mundo, promove diversas alianças e situações para impedilos. Desse modo, o romance possibilita os confrontos entre cristãos e judeus, lançando uma crítica mordaz aos jesuítas, e mobilizando as lendas e mitos sobre o povo judeu, seja nas referências ao próprio pecado original aludido nas narrativas religiosas, nas andanças do personagem caminhante pelo mundo e nas suas maldições. O judeu errante não se faz representar apenas pela alusão explícita ao personagem caminhante, particularizado por um dos descendentes que se esforça para reunir a família, mas também pela recuperação das narrativas desse povo que o configuram como sujeito errante. O diálogo com o mito é explicitado no capítulo “O Judeu Errante”, em que o descendente da família protestante conta a origem de sua maldição, aludindo à passagem da lenda em que Jesus passa pela porta de um judeu, e este o rejeita. Jogando com o leitor e com a 297 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

lenda desse povo, Eugene Sue reanima a história do povo judeu e a recoloca no cenário literário e político, discorrendo sobre questões atuais, como o poder temporal da época. A dimensão deste mito encontra espaço no romance alencariano, e as imagens desse povo como caminhante, sem pátria, e errante concorrem para construir a imagem de conspirador, a de maior relevo no romance. No cenário da capital baiana, os personagens judeus Brás e Samuel destacam-se como sujeitos conspiradores e traidores da pátria. Uma vez que os judeus se sentem ameaçados pelas leis coloniais e muitos deles não pertencem, de fato, às terras brasileiras, não poderiam desenvolver o sentimento de pertença à pátria. O fato de esses personagens viverem sob constante ameaça de serem expulsos da colônia faz com que se aproximem dos holandeses, posto que as leis que regulam e permitem o trânsito dos judeus nas colônias passam a ser revistas, podendo ser revogadas. Assim, Brás e Samuel preparam uma trama conspiratória contra a Colônia Brasileira, ao mesmo tempo em que traficam com os estrangeiros e buscam libertar os flamengos presos em terras brasileiras. A solução dada pelo romance é a defesa da pátria feita por Estacio. Os judeus são expulsos do Brasil, e Braz é castigado, o que por um lado, retrata a condenação desse povo traidor, e por outro, infla a imagem do Brasil Colônia, onde deveria residir sujeitos dignos da pátria: A obra, ao deixa entrever as nuances de significados trabalhados com as versões dos judeus sob o pêndulo salvação-condenação, representa os judeus que permaneceram no Brasil como cristãos-novos, de maneira que é significativo que aqueles que sustentam sua religião continuem a caminhar em busca de uma pátria, pois, na colônia, não conseguiram encontrar seu lugar. A ideia de vagar e seu sentido simbólico acompanha a representação desse povo no romance, juntamente com a ideia de amaldiçoado. Nesse sentido, a obra de Alencar se coloca diante da tradição folhetinesca, ao trazer um sentido novo ao seu romance, articulado com a adaptação do tema dos judeus, circulantes em diversos gêneros e com as particularidades do passado colonial. Palavras-chave: Representação dos judeus, As Minas de Prata, Eugene Sue, folhetim, O Judeu Errante Renato Oliveira Rocha (UNESP) A REPRESENTAÇÃO DA REALIDADE EM CIDADE DE DEUS Este trabalho é um recorte de nossa pesquisa de mestrado, ainda em fase inicial, e intitulada “Narrativa e representação: uma leitura de Cidade de Deus”. Nosso objetivo consiste na análise e interpretação do 298 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

romance Cidade de Deus (1997), de Paulo Lins, pensando no alcance da representação e nos artifícios utilizados para isso. Em sua estreia na literatura brasileira como prosador, o autor retratou aspectos da sociedade do Rio de Janeiro da segunda metade do século XX, espaço-tempo da narrativa. Entre crimes, amores e disputa pelo poder na favela Cidade de Deus, narrados de maneira tripartida através das histórias de Cabeleira, Bené e Zé Pequeno, somos apresentados ao cotidiano de malandros e bichos-soltos. O romance se configura como verdadeiro acontecimento, conforme assinalou Roberto Schwarz (“Cidade de Deus”, p. 163) e compõe um painel da violência através da prosa poética empreendida pelo autor. O enredo envolvente e a narração de aproximadamente 30 anos de transformações na favela através de disputas pelo poder e, consequentemente, o desejo de ascensão social, fazem lembrar a “dialética da malandragem”, formulada por Antonio Candido em 1970. Consideramos importante, para este estudo, pensar o romance através do conceito de “dialética da marginalidade”, proposto por João Cezar de Castro Rocha, em 2004, no ensaio “A guerra de relatos no Brasil contemporâneo. Ou: a ‘dialética da marginalidade’”, no qual o ensaísta propõe uma revisão do movimento flutuante entre ordem e desordem descrito por Antonio Candido no célebre ensaio “Dialética da Malandragem” e aponta para uma reconfiguração das relações sociais, onde a exposição e a exploração da violência deixam explícitos os dilemas brasileiros. O enredo de Cidade de Deus está intimamente ligado, no campo do real, à pesquisa realizada por Alba Zaluar, no início da década de 1980, na praça Matusalém (hoje Bloco Luar de Prata), que teve Paulo Lins como um de seus colaboradores. O trabalho pioneiro da antropóloga resultou em publicações como A máquina e a revolta, em 1985, e Condomínio do diabo, em 1994, e contém a base dos dados reais que foram ficcionalizados no romance. A narrativa de Paulo Lins se apresenta como uma forma literária de representação da realidade sob o ponto de vista de quem pesquisou e entrevistou moradores para um trabalho acadêmico, o que possibilita ao escritor conhecer de perto o cotidiano de Cidade de Deus. A ligação entre o trabalho de Alba Zaluar e o romance de Paulo Lins, entre várias possibilidades, se dá, também, pelo fato de Mané Galinha e Zé Pequeno – protagonistas do romance – terem vivido no conjunto habitacional no final da década de 1970 e início dos anos 1980. Ao chegar à Cidade de Deus, a antropóloga teve acesso aos fatos ocorridos na fase mais sangrenta do lugar por meio dos relatos de familiares e de conhecidos dos dois. Conforme é sugerido na epígrafe utilizada por Paulo Lins na abertura do livro, o romance se desenvolve numa constante disputa entre a fala e a bala. Na impossibilidade de utilizar aquela, esta se apresenta como a melhor saída para bichos-soltos e malandros articularem seus planos de 299 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

ascensão social ou, pelo menos, de domínio do poder na Cidade de Deus. É interessante notar que o narrador oscila entre a linguagem culta e a corrente entre os moradores da favela. Nos diálogos, permanece o modo de falar daqueles que utilizam a bala como forma de sobrevivência. O narrador não transmite um foco de maneira particular, sem tomar partido em relação ao contexto da criminalidade; por outro lado, apresenta a maneira como esse estrato social se articula, levando o leitor a refletir sobre a sociedade brasileira de maneira amplificada. Tomemos como exemplo a estrutura dividida em três partes que, em idas e vindas durante a narrativa, abrange o cotidiano de Cidade de Deus; o narrador do romance, além de conhecedor dos becos da favela, demonstra destreza para passear por todos os cantos da matéria narrada. Entendemos que o contexto (a violência, a desigualdade, o produto social de todas as heranças brasileiras) está incorporado na forma, e resulta na grandiosidade do romance que aborda vários pontos de um núcleo. Tudo isso organizado pela habilidade do autor com o foco narrativo. Esta pesquisa visa uma análise dos procedimentos e recursos narrativos que resultam em outro tipo de realismo, diferente daquele conceituado no século XIX, que prezava pelas técnicas descritivas, tratado aqui como técnica de representação social através da literatura. Palavras-chave: Narrador; Prosa contemporânea; Realidade; Realismo; Romance brasileiro. Renato Salgado de Melo Oliveira (UNICAMP) MEMÓRIAS, PESSOAS E HISTÓRIAS À BEIRA-MÁGOA A ESCRITA DA HISTÓRIA EM ENCONTRO COM A LITERATURA NA POESIA DE FERNANDO PESSOA Podemos encontrar no texto poético do escritor português Fernando Pessoa (1888-1935) algumas relações (encontro, desencontro, tangente, atravessado...) com os temas da história e da memória. A presente pesquisa pretende dar mais atenção à poesia Mensagem, apostando que há alguns desassossegos que movimentam pensamentos a respeito desses temas, deslocando-os de seus lugares tradicionais. No entanto, visitando outros trabalhos que debatiam o livro Mensagem, pode-se perceber que a memória e a história eram eleitas como eixos de sentidos que orientavam a leitura do texto do poeta, sendo poucas vezes encarados como efeitos da própria poesia. Desses trabalhos podemos encontrar três maneiras distintas pelas quais a memória e a história produziriam sentidos na obra. Compondo assim três eixos de usos desses conceitos: o da história portuguesa, da história do autor e, por 300 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

fim, o do contexto do governo de Salazar em Portugal no momento da publicação da obra. Seguindo por esses três eixos, a obra Mensagem, estabelece para nós certas relações entre a literatura e a memória. O primeiro faria da literatura um espaço de representação de um passado dado e de uma história já definida pela historiografia. Essa visão espera da ficção uma fidelidade em relação à verdade. Por esse viés, Mensagem seria uma narrativa do passado inspirada por uma certa escrita escolhida da história, de tal forma caberia à literatura apenas o papel representativo. Por conseguinte, o texto de Pessoa teria em seus signos uma mensagem a ser explicada e entendida pelas pessoas, cuja lógica de “tradução” estaria no conhecimento histórico. O segundo eixo produz um sentido em Mensagem de Pessoa através da personalidade do autor, sua vida, suas memórias e suas vontades, fazendo assim, o poeta emergir no panteão dos grandes nomes literários enquanto gênio individual. Com o objetivo de homenagear Pessoa, no dia 7 de Junho de 1986, foi inaugurado na cidade Durban uma estátua. O evento se deu na praça principal da cidade sulafricana em que o escritor viveu a sua infância. Segundo uma publicação da “Fundação Engenheiro Antônio de Almeida" que ajudou a promover o evento, o acontecimento procurava celebrar, na cidade em que o poeta teve os fundamentos de sua educação, a sua obra de características “universais”. A escolha de uma estátua de um busto do poeta, com alguns de seus heterônimos grafados em suas costas, nos provoca a pensar na pluralidade de personalidades que assinaram as poesias atribuídas a esse autor. No entanto, a busca pela genialidade acaba por intensificar um desejo de autor e autoria bem singular, um gênio e a sua obra. Mas a própria obra, a sua pluralidade, incomoda a enunciação desse sujeito-autor inteiriço. Um indivíduo-memóriamonumento que se pretende essência, valor universal, monolítico a ser compartilhado. Como se houvesse origem para um sentido verdadeiro, um lugar tranquilo, onde poderíamos repousar a verdade longe das máscaras e descansar pensando que enfim encontramos Pessoa. Mas ainda nos perseguem diversos murmúrios-nomes entalhados no bustoesfinge, o qual fingimos ser monumento à memória de uma única pessoa e as suas máscaras. O terceiro eixo aponta para o contexto, zona circular de acontecimentos que delimitam o centro, no caso, a obra. Memória e história do tempo presente ao da escrita, que almejam se costurarem entre as páginas do livro. Para isso é invocada a política nacionalista de Salazar em meados do século XX a tecer com o texto de Mensagem uma suposta defesa dessa política por parte de Pessoa. Esse debate, que já ocupou diversas pesquisas (BARRETO, Fernando Pessoa e a invasão da Abissínia pela Itália fascista), acaba preso em um jogo de absolvição ou condenação do poeta, que teria como evidência para o julgamento as suas obras. Inspirado por essa vontade, 301 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

José Barreto invoca dois poemas escritos por Pessoa em 1935, pouco antes de sua morte, como evidências de críticas e do posicionamento político do poeta diante da invasão italiana à Abissínia, e contra o governo autoritário de Salazar. Junto com os poemas, Barreto também procurar se apoiar em textos de Pessoa censurados pelo governo. Por esses três eixos a história e a memória constituem um sentido exterior ao texto e que está dado de antemão. Assim, espera-se que história/memória, autor e obra consolidem uma relação direta, capaz de uma evidenciar e esclarecer a outra. No entanto esses corpos parecem se agitar inquietos, tomados de contorções. O passado, aquilo a que se refere à história/memória, tem em si uma força de ruína, de sobras: “Tudo é incerto e derradeiro. / Tudo é disperso, nada é inteiro.” (Fernando Pessoa, Mensagem, p.96), lembra-nos Mensagem ao falar dos Tempos. Por esse sentido esse projeto de pesquisa procurar investigar a relação entre memória, história e poesia não pela lógica explicativa e representacional, mas apostando na poesia como uma potência capaz de proliferar narrativas do passado que possam romper com um modelo de história e de memória dominantes e estabelecidos. Palavras-chave: Literatura; História; Fernando Pessoa; Pós-estruturalismo; Memória Roberto José da Silva (UNICAMP) MARUPIÁRA: OPERÁRIOS DA BORRACHA NA SELVA AMAZÔNICA Marupiára (1935), segundo romance de Lauro Palhano, trata da vida dos operários na extração da borracha no final do século XIX e inicio do XX na Amazônia, quando a região Norte foi grande produtora da hevea brasiliense e essa atividade contribuiu decisivamente para seu desenvolvimento. Esta comunicação tem por objetivo analisar Marupiára com foco na exploração sofrida pelos personagens desse romance que deixaram a região Nordeste e foram para a Amazônia com o intuito de trabalhar na extração da borracha e acabaram sendo explorados por seus patrões. Embora esse romance não tenha obtido o mesmo sucesso que teve A Selva (1930), de Ferreira de Castro, ele apresenta características e temas muito próximos como: os seringueiros numa situação de quase escravidão e a selva Amazônica como ambiente hostil a eles. Como no romance de Ferreira de Castro, Marupiára apresenta uma selva devoradora aos sonhos e desejos dos nordestinos que migraram para o estado do Acre em busca de trabalho e riquezas. Marupiára integra as obras do chamado “ciclo da borracha”, em que o mundo do seringal desfilou na literatura amazonense como tema importante. Segundo Antonio Candido, (A 302 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

educação pela noite e outros ensaios, pp. 140 - 162), na década de 1930 houve um despertar da consciência do subdesenvolvimento do país. Nesse período surgiu um conjunto de obras que juntas foram denominadas de “romance social”. Em Marupiára vemos claramente as agruras sofridas pelos operários da extração da borracha, alguns são surrados pelos padrões, outros são colocados em condições de semiescravidão, e a grande maioria vive sujeita às normas de trabalho dos proprietários de "barracões" e coronéis donos dos seringais. Marupiára, assim como o primeiro romance de Lauro Palhano - O gororoba: cenas da vida proletária do Brasil (1931) - retrata a vida dos seringueiros do Norte do país, especificamente do Acre. A história inicia na Ilha de São José de Riba-Mar, em São Luiz, Maranhão. Ponciano - personagem principal - deixa a família, por convite de um empreiteiro, e parte para o Acre com a ilusão de enriquecer com a extração da borracha na floresta Amazônica. Lá, mesmo ganhando um dinheiro significativo, ele e todos, que partiram para a extração, são explorados pelos empreiteiros, aviadores e coronéis da região que eram os donos dos seringais. Além dessa exploração, vê-se claramente a labuta que o operário tinha para extrair a seiva na selva bruta. Depois de dois anos de sofrimento, Ponciano retorna para a sua terra natal - Ilha de São José de Riba-Mar, onde vai morar com sua amada. O operário, em Marupiára, representava uma categoria ainda muito degrada e ignorante sobre questões de criação de associações de trabalho e sindicatos. Eles ainda não conseguiam entendem e caracterizar o modo de produção capitalista que degradava e degenerava os mais fracos. Diferentemente de outros romances brasileiros do chamado "romance proletário”, nessa obra o operário ainda não tinha forças para lutar contra o patrão. Em Marupiára vê-se o mesmo tratamento dado aos outros romances publicados anteriormente sobre a extração da borracha. Nesse contínuo, evidencia-se em Marupiára uma constância de abordagem em termos de um tratamento maniqueísta, em que o explorador - o seringalista - aparece como um ser vilanesco sem que sejam enfocadas as determinações históricas mais profundas do processo econômico. Segundo Lucilene Gomes Lima, (Ficções do ciclo da Borracha 2009, p. 20), “a recorrência à História aparece apenas como suporte documental para várias obras que procedem a enumeração e descrição de alguns dos tipos presentes nessas obras”. Nesse texto propõe-se uma análise de Marupiára apresentando como a exploração e a relação conflituosa entre seringueiro e o seringalista se dá no ambiente de trabalho no interior da selva Amazônica. Palavras-chave: Ciclo da borracha; romance de 1930; proletário; Lauro Palhano; Marupiára.

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Robson Ricardo Dal Santo Faria (UNESP) METALINGUAGEM: O SOPRO DE VIDA EM UM SOPRO DE VIDA Partindo de um estudo dos elementos estruturais e fabulativos que compõem o texto Um sopro de vida, de Clarice Lispector, este trabalho busca entender qual a função da metalinguagem na construção do livro e a sua relação com os outros elementos que o compõem. Tal investigação surge da identificação do desenvolvimento, em Um sopro de vida, de temas constantes na obra da autora, já apontados anteriormente por Benedito Nunes em O drama da linguagem, por Nádia Battella Gotlib, em Clarice, uma vida que se conta, e por Arnaldo Franco Júnior em O mau gosto e o Kitch em Clarice Lispector, e que neste último texto de Clarice, são problematizados e conduzidos a extremos pela instauração de impasses que se apresentam por meio da elaboração da estrutura textual (espaço, tempo, personagens, narrador) e fabulativa (enredo, linguagem) estabelecendo uma tensão que se estende ao longo do livro e conduz Um sopro de vida a uma quase “auto-implosão”, um desmoronamento concêntrico textual que se realiza “ad infinitum”, todavia, não plenamente. Há um movimento interno que impede a “falência” do texto, dando-lhe sustentação. Dentro deste panorama, a pergunta que se apresenta é: a metalinguagem, em sua relação com outros elementos textuais, contribui para uma autodestruição textual ou para impedir que esta se dê plenamente? Este aspecto pôde ser verificado também anteriormente, durante o trabalho de mestrado, no livro A hora da estrela, entretanto, diferente de Um sopro de vida, em A hora da estrela não há o “risco eminente” de uma auto-implosão da linguagem narrativa pois nele os elementos textuais são problematizados mas não levados aos extremos da composição e, apesar de também possuir uma marcante linguagem metalinguística, a esta se soma o enredo da personagem principal e do narrador, o que não ocorre em Um sopro de vida. A hora da estrela foi escrito na mesma época que Um sopro de vida (segundo relato de Olga Borelli, colaboradora de Clarice Lispector, a obra começou a ser escrito em 1974, finalizado em 1977, as vésperas da morte da autora, e publicado em 1978, após a morte de Clarice, enquanto que A hora da estrela foi elaborada entre 1976 e 1977 e publicada antes de sua morte), e os dois textos dialogam entre si (de forma estrutural e temática) possibilitando que aproximemos o pensamento desenvolvido em ambos, que conduzem a impasses e questões que se constroem ao longo dos enredos e que não são respondidas, a fim de aprofundarmos o estudo de Um sopro de vida. Apesar destas características aqui mencionadas, chamou a atenção o fato de haver uma vasta fortuna crítica referente à Hora da estrela e 304 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

uma não tão profícua fortuna crítica voltada para Um sopro de vida, um livro em que os elementos constitutivos e construtivos presentes em A hora da estrela aparecem de forma densa e problematizada. Devido a tal situação é que Um sopro de vida passa então a ser objeto deste trabalho de Doutorado, por se entender que a análise dos aspectos composicionais de Um sopro de vida, no intuito de se compreender esses impasses que se instalam ao longo de todo o texto, obteria mais resultados nesta obra do que em A hora da estrela. A princípio estudaremos a recepção de Um sopro de vida com o objetivo de avaliar como o romance é recebido e se essa metalinguagem é objeto dessa recepção. Após, para avaliar a metalinguagem e a sua relação com os outros temas, será necessária a realização de um mapeamento desses temas e a discussão dos mesmos para estabelecer a relação entre eles e a metalinguagem. Tal mapeamento será realizado da seguinte forma: Será feita a leitura cuidadosa do livro, parágrafo por parágrafo, fazendo o levantamento dos temas que são recorrentes no texto; em seguida, serão identificados os parágrafos nos quais tais temas se apresentam; após, serão selecionados os trechos mais significativos para análise e interpretação; por fim, com base na discussão feita nos capítulos 1 e 2, e tendo como estudo norteador o trabalho de Benedito Nunes em O drama da linguagem, pretende-se avaliar a importância da metalinguagem como articuladora do romance, da forma autoral. Palavras-chave: Lispector; Metalinguagem; Crítica; Ruptura; Gêneros. Rosilene Gomes Ribeiro (UNIVERSIDADE PRESBIERIANA MACKENZIE) OS LIMITES E DESLIMITES SEMÂNTICOS DA METÁFORA NO TEXTO NEOTESTAMENTÁRIO Todo texto, seja ele científico, religioso ou ficcional, necessita de uma interpretação estilística segundo a forma, e linguística segundo o padrão. Essas interpretações estão vulneráveis ao contexto em que se dão. Mesmo que o texto religioso anseie em si mesmo por uma liberdade padronizada pela “revelação divina”, ele também não deixa de ser um texto, e, portanto, sujeito às técnicas de interpretação textual possíveis. Essa sujeição textual não desvaloriza o caráter “inspirado” do texto bíblico; antes pode ser uma ferramenta de auxílio a uma interpretação mais fiel. Estilos e formas literárias diversos foram empregados na constituição do texto bíblico, fazendo-se necessário diferenciá-los para aplicar a cada um uma leitura específica. Quando essa diversidade não é identificada em suas peculiaridades, acaba criando confusão de significado. Por exemplo, podemos ter como 305 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

resultado desta confusão, textos alegóricos sendo interpretados de forma literal, como o Apocalipse; ou textos históricos sendo interpretados de forma doutrinária, como no caso do livro de Atos. A linguagem figurada está entre os estilos literários que mais frequentemente aparecem nas Escrituras, dentre as quais a metáfora é a mais comum, ela é encontrada em quantidade considerável principalmente nas parábolas, prédicas, doutrinas e símbolos neotestamentários. O conceito mais tradicional de metáfora foi dado por Aristóteles na sua obra Poética “A metáfora consiste no transportar para uma coisa o nome de outra” (Aristóteles, Poética, 1457b), ou seja, a metáfora acontece quando um nome é transferido do seu lugar significativo literal para um contexto diferente. É preciso entender a particularidade desse estilo literário, do contrário torna-se impossível ler e muito menos interpretar o texto. A maneira como se dá a interpretação de textos metafóricos é passível de análise e útil a um grupo específico e considerável de pessoas que fazem uso do texto bíblico como fonte de estudo e ensino. Considerando esses aspectos surge a necessidade de investigar as possibilidades interpretativas da metáfora bíblica. Devese questionar se possui ou não um significado unívoco pautado no contexto de produção ou se é equívoca, permitindo liberdade ao interlocutor para a construção de seu significado. Questiona-se ainda a respeito da possibilidade de se reproduzir hoje o efeito que uma metáfora causou num passado remoto ou quais influências interpretativas deixou a tradição hermenêutica de metáforas bíblicas. O tema desta pesquisa está nos limites e/ou deslimites semânticos da metáfora no texto neotestamentário. Limites porque se investigará a possibilidade da univocidade da metáfora bíblica, deslimites, porque se pesquisará a respeito da plausibilidade de sua equivocidade, e neotestamentário porque o material de pesquisa será o Novo Testamento. Basicamente pretende-se pesquisar a existência ou não de fronteiras interpretativas para um texto da importância e influência do texto bíblico e, com isso, oferecer um material acadêmico de análise da interpretação da metáfora bíblica. O limite da interpretação metafórica alcança importância maior ao analisarmos que a interpretação de metáforas bíblicas, além de transmitir sentido com alta carga filosófica, funciona também como documento normativo da realidade. A partir disso, constata-se o valor da relação entre a Literatura e o texto bíblico. O comportamento e toda a ideia de realidade de muitas comunidades cristãs são determinados puramente por sua escolha interpretativa, daí observamos a importância da metáfora. A linha de pesquisa a ser seguida é a da Literatura e discurso religioso. Abordar-se-á o texto, na perspectiva dos estudos da linguagem, considerando os mecanismos de constituição do sentido. Observar-se-á, no campo teórico-literário, a relação comunicativa entre 306 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

autor e ouvintes/leitores, à luz da teoria narrativa e da retórica. Serão considerados por isso, os contextos de produção e recepção da metáfora bíblica. Será feito uso dos conceitos bakhtinianos de eventicidade e unicidade para a fundamentação do valor do contexto de produção assim como aspectos da cena enunciativa proposta por Pêcheux. Observar-se-á ainda princípios da retórica e teoria literária pautados em Aristóteles e da teoria narrativa proposta por Ricoeur. Pretende-se pesquisar ainda autores específicos como Klaus Berger e Louis Berkhof, os quais relacionaram teoria literária ao texto bíblico. Palavras-chave: Metáfora; semântica; Bíblia; linguagem; interpretação. Tatiane Marchi (UNICAMP) O TOQUE EM LUVAS DE PELICA DE ANA CRISTINA CESAR Ana Cristina Cruz Cesar (1952- 1983) nasceu no Rio de Janeiro, em uma família de classe média. Ela foi aluna do curso de Letras da PUC-RJ e enveredou pela carreira acadêmica, cursando Mestrado em Comunicação, na UFRJ, e, posteriormente, recebeu o título de Master of Arts (M.A) em Theory and Pratice of Literary Translation, pela Universidade de Essex (1980), por seu trabalho sobre a tradução do conto Bliss, de Katherine Mansfield. Ana C., como ficou conhecida mais tarde pela assinatura presente em parte de seus escritos literários, se tornou uma figura emblemática da poesia brasileira contemporânea. Poeta, tradutora e professora de literatura, sua vida e, principalmente, sua opção pelo suicídio que cometeu ainda jovem e bela, contribuíram para a criação de um mito em torno de sua figura. Porém, mais interessante do que a forma como levou sua vida, é a forma como se estrutura seu fazer poético: uma escrita em tom íntimo, que, no entanto, não chega a ser confissão pessoal, dialogando e se distanciando, simultaneamente, dos poetas contemporâneos a ela. Nos últimos anos a sua poesia tem sido objeto de interesse crescente da crítica literária brasileira. Tal fato pode ser percebido por meio de uma mirada nos vários títulos de dissertação e teses sobre a autora, bem como no grande volume de livros publicados sobre sua poética e as diversas antologias e publicação de textos inéditos. Como observa Marcos Siscar na introdução da antologia por ele organizada e publicada na coleção Ciranda da Poesia, o caso Ana C. (incluindo seus textos e fortuna crítica) seria relevante para pensar a condição da poesia brasileira contemporânea, pois seu legado “é quase uma metonímia do que está em jogo no destino dessa prática cultural chamada poesia, a capacidade ou a legitimidade de sedução que o gênero (“ainda”) carrega. (Marcos Siscar, Ana Cristina Cesar por Marcos Siscar, p. 09)”. 307 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

Na poética de Ana Cristina, a prática da sedução está atrelada aos gêneros literários por ela explorados. Neles, existe uma espécie de invenção da intimidade. O uso dos gêneros confessionais (cartas, diários, cartões postais, fragmentos de conversas) tem como característica principal o endereçamento, são textos em que a presença do outro sempre está em perspectiva. Nesses textos, há um uso e exploração sistemática de uma primeira pessoa que parece disposta a expor a sua intimidade. A partir disso, buscamos analisar o conceito de toque como um índice do endereçamento ao outro. Assim, o objetivo deste trabalho é pensar a questão da carnação, ou seja, da representação (ou da apresentação) dos corpos. Segundo Octavio Paz, no livro \"Os Filhos do Barro\", o corpo adquire uma particular importância para a poesia moderna, uma vez que o corpo passou a ter voz na poesia. O pensador mexicano nota que há uma mudança de perspectiva com relação a isso, pois na literatura libertina do séc. XVIII as paixões corporais assumiam um lugar central. No entanto, tomando como exemplo a obra de Sade, percebe que o corpo não tinha voz, pois quem falava através desses corpos era a filosofia. Nesse sentido, a contemporaneidade se caracterizaria pela rebelião do corpo e do desejo, pois, com a modernidade o corpo passou a ser tomado como força de trabalho, em fonte de produtividade, o que tornaria o prazer um desperdício. Sendo o corpo também espaço da imaginação, a consequência dessa condenação do desejo é a rebelião não só do corpo, mas, também da imaginação. No caso da poesia de Ana Cristina Cesar, o interesse é perceber como em seus escritos se constrói a exposição representativa de um corpo que toca e pede para ser tocado. O livro escolhido como corpus para análise tem como título \"Luvas de Pelica\", publicado em 1980, enquanto Ana C. morava na Inglaterra. Este livro é composto de 35 fragmentos de prosa poética e um epílogo. O tom geral do livro é de uma espécie de diário de viagem, mesclando confissões, fragmentos de conversas e de cartas. Nessa apresentação Luvas de Pelica é tomado como um recorte para exemplificar como o tema do toque e do olhar perpassa os textos de Ana C. Nesse sentido, buscamos apresentar uma possível interpretação da imagem do gesto (do toque e do olhar), como um dos mecanismos da poética/política da alteridade desenvolvida por Ana Cristina Cesar em seus escritos. Palavras-chave: Ana Cristina Cesar; toque; endereçamento

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Yvonne Ortiz Moran (UNICAMP) DO PLANALTO EM CHAMAS A COMALA: UMA ANÁLISE DO(S) ESPAÇO(S) NOS CONTOS E NO ROMANCE DE JUAN RULFO Levando-se em conta que o(s) espaço(s), nas narrativas literárias, não deve(m) ser analisado(s) tão somente como localizador(es) de personagens e de ações, mas sim como formador(es) de sentidos, minha pesquisa tem por finalidade o estudo de como são tecidas as construções espaciais nas obras do escritor mexicano Juan Rulfo (19171986), ao propor uma análise comparativa entre sua produção literária da década de 50: alguns contos de seu livro Planalto em Chamas (1953) e o romance Pedro Páramo (1955). Com relação aos contos que foram selecionados, aponto a escolha de: “Nos han dado la tierra”, “La Cuesta de las Comadres”, “Paso del norte” , “Diles que no me maten”, “Es que somos muy pobres”, “Macario”, “El hombre” e “Llano en Llamas”. Não se trata apenas de um mapeamento do espaço físico e de suas delimitações territoriais, trata-se das negociações entre o indivíduo e o meio, de como o mesmo constitui objetos de desejo e projeções, conexões que as personagens estabelecem entre as suas histórias, relações afetivas, a sua identidade e o lugar. Tomo como referência o estudo de Bachelard, no que se refere à concepção do espaço como instrumento de análise para a alma humana. De acordo com ele, “O espaço percebido pela imaginação não pode ser o espaço indiferente entregue a mensuração e a reflexão do geômetra. É um espaço vivido com todas as parcialidades da imaginação (Gaston Bachelard, A poética do espaço, p.19)”. Pedro Páramo e Planalto em Chamas são livros que narram trajetórias, as peregrinações dos campesinos mexicanos esquecidos. Presos ao destino e à fatalidade, esses homens que habitam os planaltos em chamas de Comala, Lluvina e Talpa, são os verdadeiros filhos do desalento, onde um poder não humano, mais pesado que a pedra e mais vasto que o páramo, os lançou ao lugar da perda. O estudo do espaço no interior dessas obras dialoga com vários temas que são muito importantes na confecção das mesmas: O desencanto dos homens frente às consequências da Revolução Mexicana (o problema da divisão das terras é umas marcas deixadas pela Revolução); a solidão dos povoados; o uso excessivo de monólogos demonstra a incomunicabilidade entre os personagens; as alusões ao telúrico representa a miséria de homens e mulheres que estão reduzidos a viver à margem da história ou abaixo dela, e quando passam a agir na história, ou seja, quando arriscam viver em seu tempo, o fazem sempre com violência. Nessas obras se “edificam” retratos das personagens e paisagens de um México rural, onde as sombras dos caciques se firmaram para a eternidade, se transformando verdadeiros 309 XIX Seminário de Teses em Andamento Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas

fantasmas do campo. Se Comala era o inferno, a travessia desses camponeses no planalto se parece com o infindável purgatório: onde homens, muitos sem nomes próprios (o filho, a moça, o fazendeiro), se tornam figuras altamente simbólicas ao invocarem as memórias de uma região. As obras de Juan Rulfo são uma combinação entre a realidade e o mundo sobrenatural, cujas ações se desenvolvem em cenários e personagens que refletem o típico do lugar, revelando grandes problemáticas sócio – culturais costuradas a esse universo fantasmagórico criado. Tomamos como objetivo descortinar esses espaços que nos revelam algo tipicamente mexicano, ao mesmo tempo em que funciona como metáfora da condição do “homem em geral”. A relevância da pesquisa não se deve apenas à posição de destaque ocupada pelo autor, no que se refere à consagração de suas obras literárias frente à crítica. Somamos à importância deste estudo as ricas reflexões deste pensador sobre os processos políticos e sociais mexicanos, sob a forma de autoridade sobre as questões mexicanas, mesmo que elas não se concentrem na mimetização daquela realidade imediata, mas, sim, na busca de sua recriação. Palavras-chave: Espaço; Pedro Páramo; Planalto em Chamas; Juan Rulfo; México rural

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