UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação – Campus Bauru/SP

WITNESS ROBERTO SOARES

OS VILELAS a ilustração do caipira na modernidade

Bauru 2010

1

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação – Campus Bauru/SP

WITNESS ROBERTO SOARES

OS VILELAS a ilustração do caipira na modernidade

Monografia apresentada ao curso de Educação Artística – habilitação em Artes Plásticas, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP, campus Bauru, como requisito parcial para conclusão da graduação, sob orientação do Prof. LD. Claudio Bertolli Filho e co-orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Calim de Carvalho Costa.

Bauru 2010

2

WITNESS ROBERTO SOARES

OS VILELAS a ilustração do caipira na modernidade

Monografia apresentada ao curso de Educação Artística – habilitação em Artes Plásticas, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP, campus Bauru, como requisito parcial para conclusão da graduação, sob orientação do Prof. LD. Claudio Bertolli Filho e co-orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Calim de Carvalho Costa.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________ Prof. LD. Claudio Bertolli Filho DCHU – FAAC / UNESP

_______________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Calim de Carvalho Costa DARG – FAAC / UNESP

_____________________________________ Prof.ª Doutoranda Dalva Aleixo Dias DCSO – FAAC / UNESP

Bauru 2010

3

Agradecimentos

Durante o tempo de gestação deste trabalho muitas pessoas acabaram me influenciando, algumas foram essenciais, outras passageiras. Entre as essenciais estão a Tayná e o professor Cláudio Bertolli. Ambos sempre estiveram do meu lado, apesar de minha falta de disciplina neste processo todo. À eles, toda a gratidão que escapa de mim.

4

Resumo A presente pesquisa Os Vilelas: a ilustração do caipira na modernidade busca a identidade do caipira representada por duas capas de compact disc (CD) de Ivan Vilela, Paisagens (1998) e Dez Cordas (2007). O primeiro com músicas autorais e o segundo com releituras. Ambas ilustradas pelo artista plástico Fernando Vilela. As capas, numa simbiose com a cultura caipira e seu comportamento tradicional, mostram relevância ao constituírem um paralelo com a atual sociedade e seu dia-a-dia. Palavras-chave: Caipira. Identidade. Vilela. Música. Ilustração. Cultura.

Abstract This research The Vilelas: illustration of the modern quest redneck identity of the peasant represented by two layers of compact disc (CD) of Ivan Vilela, Paisagens (1998) and Dez Cordas (2007). The first brings new songs and the second, copyright music with readings. Both illustrated by an artist named Fernando Vilela. The covers, in a symbiosis with culture and their traditional behavior hillbilly show relevance to constitute a parallel with today's society and the day by day. Key-words: Hick. Identity. Vilela. Music. Illustration. Culture.

5

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

06

1.

11

2.

3.

Sobre a Indústria Cultural

1.1 A fantástica máquina falante entre lundus e modinhas

13

1.2 É isso que o povo quer. É isso que eu vou mandar?

15

1.3 Rei dos caipiras, pai dos sertanejos e um selo vermelho.

17

1.4 Foi arremedá nóis pra morde ganhá dinheiro.

22

1.5 As voltas que o mundo dá.

25

Caipira, o último dos homens.

28

2.1 Um jeca célebre.

30

2.2 O erro de Lobato.

37

2.3 O astronauta libertado.

38

Paisagens, Dez Cordas e a Modernidade.

44

CONSIDERAÇÕES FINAIS

52

REFERÊNCIAS

53

6

INTRODUÇÃO

Pelo filtro dos olhos só vejo eu mesmo

Minha opção pelo tema deu-se porque estudar o caipira foi uma forma de resgatar minha infância e reconstruir no homem a identificação consigo. Fiz este trabalho com olhos fixos no ontem, perceptivo ao momento e livre em relação ao meu futuro. Porque poucas coisas prendem alguém que tem os olhos abertos. Há vinte poucos anos quando a criança que eu fui era mais viva que agora, costumava viajar com meu padrinho pelo interior de São Paulo numa Volkswagem Variante branca lotada até o teto com colchas, lençóis, fronhas e tudo mais que não lembro, mas deve existir até hoje no carro de alguém que vende enxoval para viver. Adorava aquilo, levantava cedo, tomava Chá Matte Leão e saia pra estrada, era meu Sítio do Pica Pau Amarelo. Não sei se toda família é sertaneja, mas a minha era, e ainda é. Este meu padrinho, o Moacir Amâncio, nasceu e cresceu no sítio, trabalhou desde cedo na lida com gado e quando moço trabalhava no parque de diversões do pai. Minha mãe,

7

dada antes de nascer para uma amiga que é minha avó, foi criada também pelo Moacir, junto de seus filhos e sua esposa, que apelidei de Fofinha sabe-se lá por que. Tudo isso pra contar a história desta parte da minha família que deu origem a este trabalho. Enfim. Nestas andanças por Limeira, Piracicaba, Campinas, etc. lembro de odiar uma música especificamente, aliás, uma estrofe, em específico: ―A coisa tá feia/ A coisa tá preta/ Quem não for filho de Deus/ Tá na unha do Capeta‖. Hoje sei que é uma música da dupla Tião Carreiro & Pardinho, gravada na década de oitenta. Sabe-se lá porque eu não gostava, talvez tivesse medo do meu padrinho ser o próprio capeta já que ele tinha a unha dedo mindinho direito maior que as outras e ele sempre fazia questão de me assustar nessa hora. Talvez ele quisesse passar essa idéia mesmo, era o dito cujo na direção e eu estava sozinho com ele num carro! Poxa, quem não assustaria? O fato é que não gostava da música ali, nem nas festas de aniversário onde ela, mais algumas dezenas delas tocavam – talvez a mesma, já que todas eram iguais. Nesta idade, lembro também de um disco chamado ―Algo Mais‖ dos Mutantes e de cantar ―Help‖ dos Beatles com toda força que eu tinha, mesmo sem saber ―néca-di-pitibiriba‖ de inglês. E é isso, minhas lembranças musicais mais primevas certamente moldaram a pessoa que sou. Conheci ambas, cresci dividido, escolhi um lado e hoje quero tudo. Poderíamos ter começado pelo dicionário, onde os marcos zeros são fincados em 99% dos casos, mas todos sabem, que se não for o suficiente para um olhar rápido – o que não seria o caso – essa parte é onde os saltos pelo texto começam. A intenção aqui não é o quilo, e sim a reflexão conjunta sobre algo que foi exaustivamente lido e mais que isso, regurgitado de um modo particular pelo tempo e pressão dos prazos. Espero, mas não muito, que os minutos que seguem sejam prazerosos e deles saltem um pouco daquilo que sinto pelo tema. Desde já adianto, pelo filtro dos olhos só vejo eu mesmo. Ora intercalado, ora caótico.

A desconstrução do conceito começa pelo método Isto lavrado cabe agora o metodologicamente necessário. Ao falarmos de um objeto como é caso da ilustração da capa de um compact disc (CD) e especificamente da mensagem transmitida por ele numa situação de leitura, foi imprescindível ter como primeiro ponto de ancoragem o conceito de Indústria Cultural. Sobre qualquer palavra escrita o envolvendo, na sequência, seja concordando ou não, vêm os nomes dos filósofos da chamada Escola de Frankfurt: Theodor Ludwig Wiesengrund Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-

8

1973), e no caso Walter Benedix Schönflies Benjamin (1892-1940). Do último buscamos capturar sua idéia de reprodutibilidade adequando-a ao objeto de estudo. Dos demais, foi baseando e contrastando suas opiniões a de outros estudiosos menos densos que costuramos uma colcha de retalhos/idéias onde ficasse claro pra mim as questões desta indústria hoje. Desde o começo o radicalismo de ambos criava uma barreira que impedia os links necessários ao desenvolvimento da idéia. Foi somente ao ler os textos de Renato Ortiz, que pude perceber a uma maneira de utilizá-los, adequando-os à realidade brasileira e suas particularidades. Na Academia, conceituar é primordial. Nela, a valoração de uma pessoa se dá muitas vezes pelo talento que esta possui nesse ponto. Aqui, escondido, os dons consistem, na maioria das vezes, em apropriar-se de algo que outrem tenha criado, descaracterizá-lo em busca de um elo perdido e cuspi-lo na gaveta mais próxima. Conhecer, mastigar um pouco e antes que possa perceber o sabor, esquecer. O meio acadêmico, até onde se é possível conhecer em um curso de graduação carrega essas características, que, muito além dele, são peculiaridades do nosso tempo. ―A civilização atual a tudo confere um ar de semelhança‖ (ADORNO; HORKHEIMER, 2000, p.169), e isso em grande medida deve-se ao fenômeno conceituado por Adorno como Indústria Cultural, que segundo ele [...] ―está nas características mais íntimas do nosso ser‖. Vivemos sob sua égide e isso implica antes de qualquer coisa, desconhecê-la. Contudo, picarescamente, o que é isso? É difícil ser sucinto e abarcar em um único parágrafo tal conceito, seria como picá-lo e perder pedaços pelo caminho. Por isso, nossa idéia aqui, é, baseando-se no sistema proposto por Luiz Costa Lima (2000), montar um mosaico que progressivamente vá se enriquecendo, que parta da antropologia para a sociologia e daí para a história. Explicando melhor, partindo do fim para o começo, o referido autor justifica-se afirmando que uma análise empreendida dentro da história deve, antes, vir acompanhada de minuciosa reflexão sobre seus métodos e depois, de cuidadosa manipulação de seus dados. Não se trata, porém, de surrupiar as informações colhidas pelos historiadores e sim, de canalizá-las e enfeixá-las numa lógica que se assemelhe a forma de pensar do homem. Chegaremos lá. A história, até pelo menos a primeira metade do século XX era essencialmente diacrônica1, entendida como [...] ―um desdobramento contínuo, onde cada geração recebe a

1

O conceito de diacronia foi criado pelo lingüista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) que a designa como o estudo não mais das relações entre os termos coexistentes de um estado de língua, mas entre termos sucessivos que se substituem uns aos outros no tempo.

9

tocha portada pela geração dos antepassados e corre para levá-la à seguinte‖ (LIMA, 2000, p. 17), pressupondo metodologicamente um antes, um durante e talvez um depois, como sequência narrativa. Mas, sabemos que a forma narrativa descrita acima, não é o único modo de se expressar um fato, como nos prova os exemplos dados pelo próprio autor: a percepção fragmentada do tempo em Ulysses, de James Joyce (1922), ou ainda, o multifacetamento deste nas obras cubistas. A história é, portanto, como um rio, cujo leito pode-se esconder, mas nunca deixar de fluir. Descobrir onde nasce esse rio é uma das grandes preocupações dos historiadores, e esse fascínio pela gênese é um dos receios apontados pelo autor na adesão cega aos métodos historiográficos. Não é que se negue cientificidade ao esforço de determinação da gênese nos fenômenos e das instituições sociais. [...] Afirma-se, sim, que a investigação sobre a gênese não pode preceder validamente, mas sim decorrer da determinação sistêmica. (LIMA, 2000, p.18)

O outro e mais importante, é que posta desta forma, a história não responde nossa pergunta. Como exemplo dessa incapacidade Lima supõe a definição do romance literário pelo viés histórico e depois pelo sociológico, afirmando que ambas perspectivas deixam intacto o sistema propriamente dito traçado pelo gênero. A história nos ensina que sua existência como gênero de expressão dominante só se cumpriu a partir do século XVIII, mormente inglês. A história ainda determinará que, ao contrário, seu tipo de narrativa, ao se mostrar noutras épocas, era minoritário e sem tradição de continuidade [...] A sociologia, por sua vez, poderá explicar de maneira mais sistemática a razão do fenômeno e analisar, como já tem sido feito, a relação do gênero com o surgimento da imprensa, com o advento do individualismo burguês, com a existência do público feminino etc. De ambos enfoques, porém, escapa um dado fundamental: mas o que é o romance? (LIMA, 2000, p. 18)

A sociologia - cabe agora explicar – que desde o fim da década de 1950, com a problemática estruturalista ultrapassando os círculos especializados dos lingüistas e antropólogos, contestou o caráter diacrônico da história e tem sobre ela a vantagem da apreensão de sistemas mais detalhados, em seu caso, construídos por uma rede de relações sociais. Todavia, coaduna da mesma obsessão geneticista e aproxima-se desta ainda mais por privilegiar o documento involuntário, aquele isento da intenção de testemunhar. Sobre isto, esclarece Lima: ―Tanto o historiador quanto o sociólogo desconfiam da cristalinidade dos fatos. A fala do historiador não é o prolongamento da fala dos homens sobre os quais fala, mas a busca da fala oculta sob o que eles falaram.‖ (LIMA, 2000, p.18) A predileção pelo

10

documento involuntário, pelo relato inconsciente correlaciona ambas à antropologia. E esta, adotada pelo autor como ponto de partida de sua reflexão é a chave que pode interligar as outras em um método que se aproxime do modo de pensamento do homem. Para ele, o excessivo esquematismo das outras duas ao simplificar a realidade como uma sucessão de acontecimentos bem delineados, as coloca em uma espécie de ―quarentena‖ que se efetiva em conhecimento, somente quando o pensamento humano tem certeza de que seu uso será adequado, o que se dá com a inserção do inconsciente antropológico. O princípio do testemunho involuntário (história) nos levou ao princípio da nãoconsciência (sociologia) e este ao interesse sobre o inconsciente antropológico. É este terceiro que se mostra o mais inclusivo e pertinente. É a ele que pediremos o instrumental com que procuraremos tornar operacionais os dois níveis anteriores. (LIMA, 2000, p.21)

Isso explícito nos liberta e habilita para a construção da resposta. Não um tiro certo, mas um sobrevôo pelos detalhes que evidenciam a paisagem, que como o objeto de nossa dúvida atuem da mesma maneira no todo e nas partes já que ambos têm os mesmos traços.

11

1.

SOBRE A INDÚSTRIA CULTURAL

O hoje clássico diagnóstico veio à tona em 1947 pelo ensaio Indústria Cultural: O Iluminismo Como Mistificação das Massas. No pequeno texto - que seminalmente definiu as estruturas da difusão cultural e desde então é a base teórica do assunto - dois órfãos da chamada Escola de Frankfurt, Theodor Wiesengrund Adorno e Max Horkheimer, abalados pela experiência nazista em seu país natal e vislumbrando estratégias semelhantes nos meios de comunicação norte-americanos, propõem uma sinuosa reflexão sobre a grande ânsia do homem desde sempre: o poder. Sob o céu dos teóricos alemães a parte visível do macro e microcosmo é sempre a mesma.

(―Cada setor se harmoniza em si e todos entre si‖)... Nele coexistem sistemas

ordenados do alto, que com vistas ao maior consumo possível, dividiram-nos, em cores azuis, verdes e vermelhas. Cada qual com sua aparente especificidade escondendo um núcleo idêntico que se adéqua a uma faixa econômica previamente determinada. Esse mundo colorido que ―a tudo confere um ar de semelhança‖ é o que caracteriza a Indústria Cultural. Adorno e Horkheimer esmiúçam e põem à mostra as artimanhas utilizadas por esta indústria. A idéia vendida e aceita que os clichês são uma necessidade dos consumidores, e que os poucos centros de produção cultural assim o fazem pela imposição deste é contestada. Na realidade, a estandardização como expressão é como um círculo que pouco a pouco se restringe e superficializa seu discurso. Essa compressão do repertório cultural gera um vazio que será prontamente preenchido pelo circo da indústria do espetáculo.

12

Apequenando-se, restringe também o senso crítico e o embota rumo à docilidade crescente do público. Este, sem escolha, assume o que lhe parece único como propósito de vida e fecha um circuito que o prende num eterno culto de valores que o escraviza no trabalho e em seu tempo livre. A ele não cabe pensar, nem refletir. De cada produto foi retirado até a menor nuance que o pudesse inspirar a isso. Pensar implica escolher. E as aparentes opções se restringem ao imenso catálogo de diversões pré-aprovado pela imensa fábrica holográfica de desejos. Nela, os prazeres brotam como spams. Dentro do seu bolso, no meio do sonho, pintado à fumaça no céu. E tal como surgem uma vez, surgem outras. Ganham raízes, florescem, perfumam o ar com as imagens e idéias da felicidade. Alimentam a necessidade de ser o eleito. Aquele que será o novo modelo de um universo reciclado e adaptado às novas tendências do momento. O homem-placebo, que dividirá o tempo em partes grandes o suficiente para uma micro-temporada de gozo e paciência regada à diversão, negando a dor mesmo onde ela se apresenta. Esquematizadas e sutilizadas pela repetição, essas estratégias passam despercebidas a maioria silenciosa. Consumida pelo dia e com sede pelo desmaio de toda noite, ela caminha por um calendário que preencherá de desejos, planos e metas cada um de seus minutos de trabalho e descanso, já que ambos, hoje, são um só. O tempo livre é apenas uma pausa na produção dessa máquina-homem. É nesta folga, que ela arejará suas angústias e voltará mais domesticado ao ―ganha-pão‖. Com essa rotina, cristaliza seu destino, cuja justa medida é o sonho. Põe um rumo na vida e passa por ela mantendo os pneus na grande estrada. Uma vez que [...] ―o mundo inteiro passou pelo crivo da indústria cultural‖ (ADORNO; HORKHEIMER, 2000, p.174), a construção de nosso mosaico-conceito é também uma reconstrução mais consciente da relação sujeito-sociedade. Porém, aqui, não um sujeito qualquer, mas o homem comum que foi engolido pelas engrenagens e saiu sorrindo do outro lado. Aquele que de tão híbrido tornou-se ―outros‖.

13

1.1

A FANTÁSTICA MÁQUINA FALANTE ENTRE LUNDUS E

MODINHAS

Um pouco antes de inventar a luz elétrica incandescente, Thomas Alva Edison (18471931) criou o fonógrafo2. A hoje antiquada geringonça foi durante muito tempo um símbolo da revolução tecnológica gerada pelo gênio transpirante do americano. A ―fantástica máquina falante‖ foi uma das armas que o imigrante tcheco Frederico Figner trouxe em sua bagagem quando desembarcou no porto de Belém do Pará, recém chegado dos Estados Unidos em 1891. Figner utilizaria o equipamento para registrar lundus3, modinhas4 e operetas brasileiras, que junto aos cilindros já gravados que trouxera do exterior seria a matéria prima de seu repertório nas exibições públicas que promovia com vistas à comercialização do aparelho. (FRANCESCHI, 2002) O dispositivo comportava em seu interior nove cilindros e cada um deles trazia em si o registro de uma música com a duração máxima de quatro minutos. Segundo Leonardo De Marchi (2005), ainda que considerado a mais nova maravilha da ciência, o fonógrafo apresentava limitações técnicas para a formação de uma indústria em termos massivos. Primeiro, porque, se o aparelho permitia a gravação e reprodução sonora, deixava escapar a possibilidade de reprodutibilidade técnica do som, pois não havia como fazer cópias das gravações: uma vez gravado, o conteúdo estava condenado a permanecer no mesmo cilindro, tornando-se uma peça única. A durabilidade do formato também não era das melhores, pois além do papel de estanho se logo se desgastar, os cilindros quebravam-se facilmente, tornando sua vida útil curta. Se o fonógrafo tinha lá seus problemas e alguns o refutavam de forma permanente frente ao consumo, seu ―concorrente‖5 direto, o gramofone, apesar de longe da perfeição, era

2

O fonógrafo foi inventado em 21 de Novembro de 1877, por Thomas Edison. O aparelho consistia em um cilindro com sulcos coberto por uma folha de estanho. Uma ponta aguda era pressionada contra o cilindro. Conectados à ponta, ficavam um diafragma (uma membrana circular, cujas vibrações convertiam sons em impulsos mecânicos e vice-versa) acoplado a um grande bocal em forma de cone. O cilindro era girado manualmente, e conforme o operador ia falando no bocal (ou chifre), a voz fazia o diafragma vibrar, o que fazia a ponta aguda criar um sulco análogo na superfície do estanho. Quando a gravação estava completa, a ponta era substituída por uma agulha; a máquina desta vez produzia as palavras quando o cilindro era girado mais uma vez. 3 O lundu (landum, lundum, londu) é dança e canto de origem africana introduzido no Brasil provavelmente por escravos de Angola. 4 Canto urbano de salão, de caráter lírico, sentimental. 5 Segundo Franceschi houve uma verdadeira guerra entre o fonógrafo e o gramofone. A Columbia, maior defensora dos fonógrafos, concentrou seus argumentos de venda nas relações familiares, afirmando que só os

14

dinamismo puro. Patenteado em 1888, por Emile Berliner, sua principal característica era a utilização do formato de disco para gravação cujos sulcos eram laterais e ficavam apenas num dos lados do objeto. A novidade do formato era a descoberta de um método de duplicação dos discos, que passaram a ser feitos em goma-laca (shellac) e reproduzidos numa matriz de cobre. A possibilidade de reprodutibilidade técnica massiva da gravação sonora implicou na separação do processo de gravação do de reprodução. Um novo modelo de consumo estava estabelecido, resultando na venda de conteúdos em discos pré-gravados, cobertos por um papel pardo com um buraco no meio, através do qual era possível ler o selo do disco6. (LAUS, In: CARDOSO, 2005, p. 297) Com a invenção do disco de face dupla (com gravações nos dois lados), a indústria fonográfica organizou-se na forma atual – uma indústria de entretenimento massivo para consumo individualizado e preferencialmente para o lar. (DE MARCHI, 2005, p. 8) O fato, porém, é as grandes limitações técnicas postas em perspectiva não foram suficientemente grandes para impedir Fred Figner de difundir o fonógrafo, o gramofone, o disco e a partir deles fundar em 1902, aquela que seria a primeira gravadora da América Latina: a Casa Edison. (FRANCESCHI, 2002) Batizada em homenagem ao inventor americano, a gravadora carioca teve em seu catálogo os registros sonoros mais antigos da música popular brasileira. Sua estreita ligação com a cultura popular registrou desde os cantores de maior sucesso da época como Chiquinha Gonzaga e Pixinguinha até canções folclóricas captadas in loco por estúdios portáteis enviados ao interior do Rio Grande do Sul e São Paulo.7 Para Franceschi (2002), Figner não foi só um fabricante ou comerciante de discos, mas também um preservador – talvez até sem a intenção – de uma música brasileira "genuína". Seu desaparecimento do mercado no início da década de 30 é visto como "perda", talvez irreparável, para a música brasileira. Na opinião do autor, como veremos mais abaixo, a "música nacional" (positiva) está para a Casa Edison, assim como a influência estrangeira (negativa) está para a radiofonia.

fonógrafos poderiam gravar e reproduzir as vozes dos amigos e dos membros da família, enquanto o gramofone reproduziria apenas o que tinha sido gravado previamente por pessoas estranhas, não ligadas à família. 6 Egeu Laus Simas (1951) Designer gráfico. Pesquisador da história do design e da memória gráfica brasileira, além de detentor de grande acervo discográfico de música brasileira dos anos 1950, realizou exposições e escreveu artigos sobre capas de discos, no Rio de Janeiro e em São Paulo. 7 Em 2002, o colecionador Humberto Franceschi, em parceria com Instituto Moreira Salles (IMS) e gravadora Biscoito Fino, realizaram uma grande trabalho de organização, catalogação e digitalização do acervo particular de Franceschi. Do projeto - que recuperou mais de 22.000 músicas, além de milhares de documentos escritos, partituras e fotografias – surgiu o livro A Casa Edison e seu tempo, que vem acompanhado de quatro CDs, contendo cerca de 100 músicas, além de cinco CD-Roms, com documentos e partituras digitalizados. Parte desse acervo pode ser facilmente encontrada no setor musical do site do IMS.

15

Com o desenvolvimento do complexo radiofônico nos anos 30, 40 e 50, atingindo todo o território nacional, com grande quantidade de músicas estrangeiras (...) desestabilizaram-se os núcleos regionais, de expressão muito forte mas muito concentrada, que não tiveram meios de defesa para enfrentar a novidade que os invadia e os arrasava, nas casas e nas praças, de forma irreversível. Dentre todos os malefícios causados [pelo rádio] à nossa música, o maior, e irreparável, foi a substituição, ou melhor, a troca deliberada dos instrumentos de percussão por metais, feita com todo o poder da Rádio Nacional durante o final da década de 30 e por todos os anos 40 e 50. Aparentemente com pretensões sinfônicas, na realidade, implantava o modelo das orquestras melódicas norte-americanas e quebrava o cerne de nossa música, que era o ritmo, notadamente a percussão. (FRANCESCHI, 2002, p. 197)

Conseqüentemente, A estrutura de composição física das orquestras para execução de música popular vinha pronta dos Estados Unidos (...). [e] tornou-se (...) domínio cultural arrasador até o que se constata hoje. E nenhum país escapou (...); apenas pequenos refrões, repetidos à exaustão, fazem, atualmente, a base do mundo musical dos países subdesenvolvidos, como o nosso, que possuía riqueza musical de criatividade incomparável. (Idem, p. 197)

O fato é que num período de pouco mais de 30 anos, Figner estabeleceu no país, com sede no Rio de Janeiro, a primeira e maior rede nacional de comércio e varejo de discos, aparelhos sonoros e novidades industriais e protagonizou o pioneiro processo de instalação da fábrica de discos da gravadora Odeon em 1913, tornando-se uma figura de grande importância para a história da música brasileira no período que durou pelo menos até 1927, quando a tecnologia das gravações elétricas fez com que a organização das empresas fonográficas fosse completamente reformulada. A insistência na gravação mecânica, demais rudimentar frente aos novos processos elétricos, aliada aos interesses estrangeiros no país retirou a autonomia que Figner teve durante mais de 20 anos e acabou por eliminá-lo do mercado brasileiro em 1932.

1.2

É ISSO QUE O POVO QUER. É ISSO QUE EU VOU MANDAR?

Após a Primeira Guerra Mundial, com o rápido aperfeiçoamento tecnológico, o aparelho de rádio se tornou um concorrente do gramofone pelo lugar de destaque nas salas da família brasileira. Trazia novas tecnologias – como caixas amplificadoras nos aparelhos e a utilização de microfones nos estúdios – que impuseram novas demandas para consumo da reprodução sonora, causando mudanças cruciais nos rumos da indústria fonográfica.

16

Segundo Camila Koshiba Gonçalves (2006)

8

até o início dos anos 30 as empresas

fonográficas possuíam um campo de atuação bastante amplo e sólido, que envolvia desde o desenvolvimento da tecnologia para obter um som ―puro‖ e ―sem chiados‖ até a venda dos discos, elaborando catálogos periódicos e distribuindo folhetos com as ―últimas novidades‖ nos incipientes meios publicitários locais. A partir daí, o rádio, até então ingênuo do ponto de vista mercadológico, deixa de atender culturalmente ao seleto grupo que o patrocinava9, assume a música comercial como caminho de popularização e paulatinamente passa a investir no controle de sua ―matéria-prima‖, incorporando a si as fábricas de discos e tornando as gravadoras subdivisões desta. Desde então o rádio desenvolveu-se por meios sempre encontrados em sintonia com o gosto notório utilizando o disco (ou correspondente) como seu principal trunfo na comunicação e venda de produtos e valores. Este campo de atuação amplo e complexo que se dilatou com o rádio – e mais tarde a televisão – acabou por criar o modelo de atuação utilizado ao longo de todo século XX e inserir o Brasil no mapa estratégico da ampliação da indústria cultural. Houve um dia, enfim, em todo mundo, em que a força do disco e do rádio alterou todo o panorama. Em 1961, almoçando com Almirante num restaurante da Praça Quinze, no Rio, ouvimos deste uma verdade que jamais nos ocorrera antes: ‗O disco e o rádio forçaram, pela indiscriminação do uso, a divulgação da música popular‘. (FERRETE, 1985, p.112)

O gosto musical notório adotado como padrão pela indústria era diametralmente oposto ao que os intelectuais consideravam ouvir em seus bons discos. De qualidade, para eles, eram aqueles que registravam aspectos musicais específicos do povo bom-rústicoingênuo do folclore, que diferia drasticamente daquela ―sub-música‖ produzida pelas massas urbanas que as empresas fonográficas e o rádio absorveram e definiram como música popular. Preocupados com a coleta científica do material sonoro de diversas regiões do país, esses musicólogos (Mário de Andrade, Renato Almeida, Luiz Heitor Correa de Azevedo e Oneyda Alvarenga) utilizaram um arcabouço teórico-metodológico para analisar e delimitar o que eles consideravam a produção ―nacional‖ brasileira. Esse forte viés nacionalista colaborou para vincular alguns desses intelectuais ao estado brasileiro pós-1930, que participaram ativamente dos projetos culturais e 8

Em sua tese de mestrado a historiadora Camila Koshiba Gonçalves (2006) pesquisa os caminhos trilhados pelas gravadoras de discos 78 rpm que atuaram na cidade de São Paulo, desde a inauguração da gravação elétrica até a consolidação do rádio. No capítulo ―Simplicidades Caipiras‖ ela faz um belo retrospecto da época em questão. 9 O rádio começou com poucas horas de transmissão de música clássica ao vivo, isto é, sem discos. Constituíra a princípio, um circuito fechado para um seleto grupo de ouvintes que contribuíam com moderada importância para ter direito ao receptor e par de fones, pois não havia ainda alto-falantes. Já no início da década de 1930, a publicidade começa a ser permitida e substitui a cobrança pelo uso de receptores, obrigando as empresas a melhor a qualidade da programação, ao menos ao nível de preferência popular. (FERRETE, 1985, p. 112; 113)

17

educacionais estatais. A seleção meticulosa das manifestações culturais ―nacionais‖, decorrente da perspectiva teórica que adotavam, fez com que estes pesquisadores rejeitassem parcelas significativas da produção musical das cidades brasileiras. Porém, essa postura também os levou aos cantos mais remotos do país, com lápis, caderneta e, algumas vezes, um estúdio de gravação portátil nas mãos, para registrar in loco, aspectos da musicalidade brasileira. (GONGALVES, 2006, p.8)

Assim, ainda que as ondas radiofônicas ou fonográficas contaminassem as fontes ―puras‖ do folclore nacional, certa simpatia dos intelectuais pelos novos meios era inevitável. Não só pelas possibilidades de registro, preservação e difusão que eles ofereciam, mas por facilitarem a análise científica de tamanha diversidade de gêneros, estilos e escolas musicais. Segundo Mario de Andrade em artigo da época, ―a nossa música popular é um tesouro prodigioso condenado à morte. A fonografia se impõe como remédio de salvação.‖ (GONÇALVES, 2006, p. 12-13) Dentro deste universo dividido a música rural ganha corpo nas duas frentes. Primeiro nos já citados registros científicos e depois, através das estilizações do rústico aos amenos padrões e recursos urbanos por artistas da cidade, que categorizados como ―regionalistas‖ atendiam a demanda por caipirices de uma faixa consumidora já distinguida e em destaque10. Atento às necessidades prementes de criação e mão-de-obra especializada nos segmentos populares rurais, um paulistano, nascido em Tietê, tomou para si a missão de espelhar ao público citadino e do campo as cicatrizes de sua cultura caipira.

1.3

REI DOS CAIPIRAS, PAI DOS SERTANEJOS E UM SELO

VERMELHO

Ainda em 1910 o jornalista, escritor e produtor Cornélio Pires, paulistano de Tietê, apresentou na Universidade Mackenzie, em São Paulo, um espetáculo que reuniu catireiros, cururueiros, e duplas de cantadores do interior. Nos anos seguintes, realizou shows com duplas caipiras em várias cidades do estado. A cantoria intercalava os causos daquele homem ‗pançudo e feioso, mas falador que nem matraca‘ que revelava a cultura do interior até nas pequenas entonações de sua voz. Segundo Cláudio Bertolli Filho (2009) contrastando com a fama que já tinham angariado, a Turma Teatral do Capitão Cornélio Pires dispunha de poucos 10

Não que chegasse a ser comum, mas vários cantores urbanos da época - tendo como expoente o ‗italianinho do Brás‘, Paraguassu - mascaravam o caipira verdadeiro com o lirismo colorido do ideal e levavam ao grande público dos centros intelectualizados uma distorcida imagem do interiorano. (FERRETE, 1985, p.38)

18

e modestos pertences em suas apresentações: ao invés de cenários, apenas um tecido vermelho desbotado colocado às pressas no fundo do palco; como figurino o uniforme adotado eram os trajes típicos da população rural pobre, composto pelo ―chapeuzinho de palha, a camisa xadrez, calcinha curta, sapatão; e os instrumentos restringiam-se a algumas toscas violas caipiras e uma sanfona.‖ O fato é que antes da antropofagia modernista do começo da década de 1920 e seu famoso discurso ufanista que revelou um país múltiplo, de beleza extravagante e singela, muita cultura literária, cênica e principalmente musical inspirada no Brasil rural não encontrava resistência para firmar-se entre o povo. É importante lembrar que esse estilo de música popular nos remete a um determinado modo de vida ou a um tipo de sociedade amplamente difundido na época e que na atualidade, praticamente desapareceu. O desenvolvimento do capitalismo no Brasil, acompanhado pela industrialização e pela urbanização da sociedade brasileira, especialmente ao longo do século 20, provocou o rompimento daquilo José Roberto Zan (2003) chamou ―equilíbrio ecológico e social‖ do mundo dos pequenos sitiantes, parceiros e agregados, que ocuparam por muito tempo as regiões de população rarefeita do centro-sul do país. Vista como fonte de inspiração para a arte, mas não artística em si, essa espécie de ―cultura em conserva‖, estava atingindo regiões de consumo insuspeitadas pelos próprios diretores das gravadoras existentes no Brasil à época – Odeon, Victor e Columbia – que não admitiam mercadologicamente que o interior pudesse prestigiar seu próprio produto cultural. Percebendo isso e consciente da profundidade cultural latente ainda desconhecida, Cornélio Pires resolve colocar o discurso industrial em xeque. Eis o ponto: se a música caipira é a expressão do homem do campo, que historicamente é tão importante para a formação da identidade do povo brasileiro, por que não deixá-lo falar por si? Na época, as já citadas gravadoras, todas multinacionais e comandadas por estrangeiros, dominavam o mercado fonográfico brasileiro. A história contada é que Ariovaldo Pires11 (1907-1979), sobrinho do já famoso Cornélio, recebeu deste um importante conselho: ―Olha, no Brasil quem não falar inglês não tem futuro. Trate de aprender um bocadinho de inglês...‖. De fato ele foi mesmo atrás disto e no terceiro mês de aulas com a professora particular Miss Ennis, chegou a chance. Antes de falar com o representante 11

No livro Capitão Furtado – Viola Caipira ou Sertaneja, J. L. Ferrete narra os episódios da época pelo perfil biográfico do personagem que dá nome ao livro. Capitão Furtado, ou Ariovaldo Pires, entrou para a indústria do disco por acidente ao negociar em inglês a prensagem da primeira leva de discos de Cornélio Pires. A partir desse contato, tornou-se assistente pessoal do diretor da gravadora e ―sem querer‖ entrou no mundo do disco. Depois disso, fez rádio, cinema, escreveu livros, peças de teatro e compôs mais de mil músicas, tornando-se o legendário Capitão Furtado.

19

brasileiro da gravadora, Cornélio precisava convencer o produtor da gravadora Columbia, o americano Wallace Downey, a prensar seus discos com material caipira autêntico. Downey, assim como toda sua equipe direta, não falava uma só palavra inteligível em português. Coube ao sobrinho obediente, fazer às vezes de intérprete da vontade do tio. Depois da conversa Cornélio foi encaminhado ao proprietário da empresa, o brasileiro Albert Jackson Byington Jr., que mantendo a regra geral do preconceito quanto ao ‗não-artístico‘ rejeitou sua proposta para que se gravassem discos com material caipira autêntico em seu selo. Porém, quando o paulistano ofereceu-se de pagar por conta própria as mil cópias mínimas exigidas, o outro, seguro da incapacidade de Cornélio em conseguir o dinheiro, concordou. Entretanto, algumas horas depois, Cornélio volta da rua e põe sobre a mesa de Byington um pacote embrulhado em jornal contendo o dinheiro necessário para a gravação de milhares de discos. Seriam vinte cinco mil exemplares, divididos igualmente entre os cinco discos iniciais da série e teriam por exigência do agora produtor Cornélio, um preço acima dos discos de sucesso da Columbia, numeração diferenciada e um selo próprio, vermelho com escritos em dourado.12 Assim, só faltava a ele juntar sua já formada Turma Caipira Cornélio Pires onde conseguira reunir alguns dos melhores cantadores e violeiros da região de Piracicaba, e leválos a São Paulo para gravar a montanha de discos com anedotas caipiras, desafios de cururu, declamações, canas-verdes, cateretês e modas de viola. ―De originalidade todos eles só tinham uma coisa em comum: cantavam coisas diferentes do que se ouvia na cidade e sua pronúncia não tinha nada a ver com o dialeto português que a gente culta falava. Pronúncia, aliás, que até hoje intriga os estudiosos quanto às causas. Usavam, ademais, apelidos estranhos e nomes em diminutivo, hábito que conservou até os dias correntes.‖ (FERRETE, 1985, p. 70)

Gonçalves (2006) exemplifica a relação do produtor com sua turma através do depoimento de Sorocabinha13 - o último remanescente da turma original de Cornélio - ao Museu da Imagem e do Som de São Paulo: ―o Cornélio me conheceu em 1924, apresentado pelo violeiro Nitinho Pintor. Ele chamou para fazer um show aqui na capitar de São Paulo, no Cine República. E quar eu fui convidado para se apresentar ao público‖. E prossegue, contando da segunda visita à capital para fazer apresentações, em 1929 ―outra vez o Cornélio 12

Convém lembrar que na época, o disco vinha embrulhado em papel pardo, com um furo que deixava o selo da fábrica à mostra, e este era a única forma de identificação do produto. No caso, os doze primeiros discos da série vermelha, vieram apenas com o nome de Cornélio Pires. Nos subseqüentes, passou a constar no selo o nome dos compositores e interpretes. 13 José Olegário de Godoy (1895-1995), o Sorocabinha, fez parte da Turma Caipira de Cornélio Pires ainda em 1929. Ao que tudo indica, seu depoimento ao MIS é o único biográfico de um integrante das duplas caipiras que participou dos primeiros registros de modas de viola em gravações elétricas.

20

Pires em Piracicaba, a fim de organizar uma turma de violeiros para uma temporada aqui em São Paulo, no Bairro de Vila Mariana, no Cine Paulistano. Queixava o Cornélio que naquela década, aqui na capitar, estava invadida pela música argentina (o tango). O Cornélio, com sua inteligência, resolveu fazer uma demonstração do nosso folclore paulista aqui na capitar. Com essa, com nós, ele encontrou tudo o que queria e bem ensaiado, samba paulista, cateretê, caninha verde, cururu, toada de mutirão e até rezas, e moda de viola e danças caipiras. No qual eu tinha uma especialidade, num número especial pra mim dançar. Tudo saiu direitinho. A gente fomos pro centro, espetacular como ninguém esperava.‖ E completa: ―sempre dando shows até que ele (Cornélio) conseguiu uma gravadora (Columbia) para gravar a nossa representação sertaneja.‖ Cornélio Pires, ao chegar em Piracicaba, encontrou tudo que o que precisava: violeiros, cantadores e dançadores, ―todo bem ensaiado‖. Ao que parece, as ―modinhas‖ de viola, os sambas paulistas, os cururus ou os cateretês,eram gêneros infensos à intervenção da gravadora, seja com relação aos artistas, seja no estúdio. Os artistas eram recrutados ―diretamente‖ do interior de São Paulo, faziam ―tudo bem ensaiado‖ no estúdio, exatamente da forma que costumavam fazem em suas festas, e as gravações sempre realizadas com poucos cantores, no máximo com duas violas, e com sonoridades bastante semelhantes entre si, talvez dessem pouco trabalho ao engenheiro de som ou ao diretor artístico da gravadora. (GONÇALVES, 2006, p. 161)

A quantidade inicial dos discos de Cornélio estava muito além das prensagens feitas aos artistas de sucesso da época. Por exigência do tieteense, a distribuição dos 78rpm14 com selo vermelho seria feita somente por ele e sua turma de caipiras. E assim, em maio de 1929, partiram com dois carros carregados de produtos rumo ao interior paulista e a Casa Cornélio, sua loja de rádios e vitrolas na Rua XV de Novembro, no centro da capital. Todavia, superando expectativas de todos - exceto, talvez, a de si – o paulistano enviou de Jaú, um telegrama ao dono da gravadora com o pedido de uma nova prensagem por que já havia vendido todos os exemplares antes de chegar a seu destino final, Bauru. Somando-se a isso, começam a chegar reclamações na empresa de que era impossível comprar os discos de Cornélio na capital e nem mesmo na fábrica onde foram feitos eram encontrados. Consciente do erro e do grande negócio que perdera, Byington se oferece como patrocinador e distribuidor das próximas séries e Cornélio que segundo seu sobrinho Ariovaldo ―sempre fora mais idealista que comerciante‖, aceita. (FERRETE, 1985, p. 38-40)

14

Os 78 rpm (rotações por minuto) eram discos feitos de um composto de goma-laca e cera de carnaúba, pesados, muito frágeis e cheios de ruídos e chiados. Segundo o pesquisador Egeu Laus (2005) permitiam até cinco minutos de música de cada lado.

21

Turma Caipira de Cornélio Pires (1929)

Segundo Gonçalves (2006) um dos poucos ouvintes que se interessou em registrar suas impressões sobre as gravações em disco foi Mario de Andrade, que além de conversar com violeiros em suas ―expedições folclóricas‖, ouviu as primeiras gravações de modas de viola, com a atenção de quem vê uma parte de um imenso projeto começando a se materializar. Para ele as gravações de música popular sempre tiveram caráter comercial, mas ―algumas destas gravações são estritamente científicas‖ e continua ―estão neste caso especialmente as Modas dos caipiras de São Paulo, como algumas manifestações de feitiçaria do Rio de Janeiro.‖ (ANDRADE, Mário de. Manuscritos. p. 169-170 apud GONGALVES, 2006, p. 146) Em dois anos (1929-1931) a Columbia produziu quarenta e seis 78rpm com o famoso Selo Vermelho e o sucesso da atitude de Cornélio deu origem a outros projetos parecidos que acabaram por distorcer sua idéia inicial. Coube a ele, porém, o pioneirismo e a glória de ter inserido a legítima música caipira no cenário artístico urbano. Suas ―anedotas e canções cômicas gravadas pelo processo elétrico recriaram com precisão a fala acaipirada, e mostraram o lado astuto, divertido e simples do caipira paulista.‖ (GONÇALVES, 2006, p.144) Não foi a toa que Sorocabinha, ao gravar o já citado depoimento para o MIS-SP, foi enfático logo em sua primeira frase, ao ler a uma carta escrita previamente, especialmente para a ocasião: ―Aos ouvintes o que eu quero dizer, sempre é lembrar – lembro e tenho saudades do saudoso Cornélio Pires. O rei dos caipiras e pai dos sertanejos.‖

1.4

FOI ARREMEDÁ NÓIS PRA MORDE GANHÁ DINHEIRO

22

Já famoso Cornélio Pires decidiu abrir uma olaria. O teste de qualidade de suas telhas era feito pessoalmente por ele, pulando sobre elas com seus mais de cem quilos. A empresa, localizada na em sua cidade natal garantia para ele algo muito mais vantajoso que a venda de seu produto: o dia-a-dia com os matutos que empregava. Um laboratório diário anotado ―de qualquer jeito‖ em seus papéis. A frase que batiza este capítulo foi dita por um destes seus empregados quando perguntado sobre onde estava o patrão, mas também se encaixa na definição do caipira que deu certo no rádio brasileiro a partir dali. O fato é que logo após as gravações do Selo Vermelho de Cornélio Pires pela Columbia Records, muita coisa mudou no universo do caipira brasileiro. Um dos integrantes da turma de Cornélio, Mandi, era diretor de uma escola secundária em Piracicaba e vendo aquele conseguir muita coisa em proveito próprio, decidiu fazer igual. Escreveu uma carta a gravadora concorrente contando os pormenores de seu projeto e sobre sua incapacidade de longas viagens devido a seu outro trabalho. A empresa, sabendo do sucesso já comprovado largamente pela Columbia, e que a cidade era o celeiro de talentos do estado, instala na própria escola de Mandi um gravador. Nascia ali ―Turma Caipira Victor‖. A turma só gravaria três discos. Logo depois foi desmembrada em várias duplas que se alternavam até caírem no gosto popular. O ícone desta turma foi Raul Torres. Nascido em Botucatu, este apesar de branco, cresceu entre os e lundus e umbigadas das cerimônias religiosas dos negros que achavam interessante a presença constante daquele menino curioso. Já moço, e morando na capital paulista virou carroceiro na Estação da Luz e depois funcionário da Companhia Estrada de Ferro Sorocabana. Ali, viu chegar e transportou migrantes que como ele almejavam sucesso na grande cidade. No livro Eu nasci naquela serra: Angelino de Oliveira, Raul Torres e Serrinha, o pesquisador e violeiro Paulo Freire (1996) conta a trajetória deste que foi um dos pioneiros do rádio no Brasil. Sempre atento a tudo que acontecia, Torres manteve um público fiel que garantiu o sucesso de seus programas e apresentações durante mais de quatro décadas. Segundo o autor, a parceria deste com o violeiro Florêncio foi a primeira grande escola da música sertaneja e sua influência durou até o aparecimento de Tonico e Tinoco algumas décadas depois. O espírito de liderança de Torres o integra aos primórdios da indústria cultural brasileira e desta forma a ilustra com os detalhes de quem viveu aquilo intensamente.

23

O início da indústria fonográfica brasileira é marcado pela criatividade e adequação da técnica à necessidade. Um exemplo claro disso foi o surgimento do ―cantar e falar‖15. Segundo Freire, seu surgimento foi o responsável pelo aumento do tempo gravado no disco de 78 rotações. Certo dia Raul Torres, Serrinha e o compositor João Pacífico tiveram uma idéia genial, que os aproximaria ainda mais de seu público. Antes que começassem a cantar, iriam declamar alguns versos que instigariam o ouvinte a imaginar a cena onde se daria o desfecho da história que seria cantado da forma tradicional pela dupla. Os pequenos versos criaram um grande problema aos técnicos daquela época. A gravação excederia o limite máximo de três minutos do disco. A primeira ordem dada por Mr. Evans – o americano todo poderoso diretor da RCA-Victor - foi cortar alguns versos ou cantar mais rápido. Mas diante da certeza de Raul Torres de que aquilo seria um sucesso e da teimosia do compositor em retirar ou atropelar as palavras, o chefe partiu para a fábrica exigindo dos empregados que se chegasse a um sistema que possibilitasse o tempo necessário para a gravação. A solução encontrada depois de algumas experiências foi diminuir a distancia entre os sulcos da ―bolacha‖. Problema resolvido, sucesso absoluto e uma nova fórmula que logo na segunda vez a ser usada deu origem a ―Cabocla Tereza‖, um dos grandes clássicos da música sertaneja. Naquele tempo não eram todos que possuíam o aparelho de rádio, portanto era comum que as pessoas se juntassem para ouvir jogos de futebol ou programas nas casas de quem tivesse, ou em lojas e bares que oferecessem essa atração. O rádio crescia e se expandia por todo o país e os homens do campo que migraram para as grandes cidades sentiam falta do clima de sua terra, o modo de falar, as músicas e os costumes. Para atender a esse público foram criados os programas sertanejos que, além da cidade, atingiam também o povo que morava na roça. Sempre nos horários certos: ou de manhã bem cedo antes do povo ir trabalhar, ou no fim da tarde, quando estivessem chegando em casa. Pequenas fábricas que tinham expediente depois das seis horas da tarde deixavam sempre o rádio ligado nos programas sertanejos. Os que acordavam cedo tomavam café ao som da viola. A população urbana crescia a olhos vistos mas como observamos, esse crescimento somava enormes quantidades de migrantes do campo, os quais, como é fácil deduzir, traziam consigo a formação cultural do próprio habitat. Esse deslocamento destrambelhado, às vésperas de tremendo conflito mundial, começa a alterar o aspecto sócio-econômico da capital, ensejando uma complexidade enorme de problemas de adaptação principalmente cultural. Deixando de lado minúcias históricas que só encompridariam esta narrativa na direção de outros aspectos, sintetizaríamos nosso raciocínio deixando claro que um novo campo artístico foi aberto na capital em função dessa corrente migratória interiorana, proporcionando as 15

Na verdade o nome ―cantar e falar‖ deveria ser invertido para tornar-se literal. Pois de fato é isso mesmo, apresentar falando, geralmente de forma dramática, o enredo que será posteriormente interpretado pelo canto.

24

culturas do caipirismo contato mais próximo com seu público. Já não era mais necessário fazer como Cornélio Pires, que tinha de se deslocar para o interior em busca de consumidores ou de consumidos. A crise da agricultura após 1929 já estava transportando parte do interior para a capital, ensejando um mercado de utilização bem mais alentado para quem tivesse um público certo. (FERRETE, 1985, p. 60)

Os programas se multiplicavam, com apresentações de diferentes duplas, uns com mais sucesso, outros com carreira relâmpago. Era uma verdadeira febre. O caipira se transformara em sucesso nacional. A moda de viola começava a predominar sobre todos os gêneros. Seu som característico de duas vozes cantando em terça, bem como o acompanhamento típico – violão e viola caipira afinada em ré-sol-ré-sol-si-ré – distinguiam-na de tudo que se conhecesse até então na criação musical brasileira e a associavam imediatamente à zona rural. Sem instrumentos de percussão e exibida em estilo narrativo corrente, às vezes melodicamente paupérrimo, a moda de viola fascinava seu público exatamente por isso: contava com canto uma história que independia do grau expressivo melódico. (FERRETE, 1985, p. 55)

O mundo do rádio fervia. Os caipiras agora eram vistos pelos empresários como fonte de altos lucros e sua música, mercadoria de primeira. Os anunciantes investiam no produto e queriam seu retorno. Quanto maior o prestígio do artista, maior o lucro. Era mais importante para o artista ter seu próprio programa no rádio do que gravar discos. Como o programa podia divulgar seu trabalho e anunciar suas apresentações, principalmente nos circos espalhados pelo interior [...] Como não existia televisão, os shows nos circos eram a grande oportunidade para os fãs verem de perto seus artistas preferidos. (FREIRE, 1996, pg. 64)

Sua música, desde aquele tempo, e com as diversas transformações por que passou nesses anos, é até hoje o suporte das gravadoras. Nenhum ramo musical vendeu mais que a música caipira/sertaneja. Novos ritmos apareceram e se misturaram à música caipira. Criou-se uma confusão de que significava ser caipira, se discutia quem na realidade eram os verdadeiros artistas do gênero. Alheio a isso, o disco e o rádio criava sua pequena multidão de artistas caipiras e como havia público, não mais constituía vergonha ser caipira. A capital paulista, na verdade, já abrigava mais de 200 mil caipiras por ocasião da II Grande Guerra. Enfim, a reprodutibilidade ultrapassa a simples influência no formato técnico para torna-se uma característica cultural, naquilo que Benjamin (2000) chama de ―todo um conjunto de novas atitudes em face da obra de arte.‖ Quando quantidade tornou-se qualidade. (BENJAMIN, 2000, p. 250) Segundo o filósofo alemão para estudar a obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica, é preciso levar em conta um fato verdadeiramente decisivo, inédito até então: ―a emancipação da obra de arte da existência parasitária que lhe era imposta por sua

25

função ritual.‖ (BENJAMIN, 2000, p.230) E continua afirmando que desde então o critério de autenticidade não mais se aplica à produção artística, subvertendo toda função da arte. Sem o ritual, a arte encontra a política. Quanto ao gênero artístico, embora aquele primitivismo folclórico do tempo de Cornélio Pires já estivesse sofrendo transformações pela conjunção cultural campocidade, sentiam-se diretrizes plenamente estabelecidas no sentido de fixação de uma característica, com outros instrumentos que não só o violão e a viola a cuidar do acompanhamento. Até mesmo uma música caipira instrumental começou a tomar corpo, alternando suas fontes informativas na herança européia e no tradicionalismo rural de formação típica. O linguajar repleto de idiomatismos, labdacismos, rotacismos e sincretismos, porém, seria a permanente marca registrada de uma identificação cultural inconfundível. (FERRETE, 1985, p. 61)

Segundo Rosa Nepomucemo (1999), ao dissociar-se de seu contexto original o termo caipira é alterado para sertanejo em um processo que ela considera contrário ao modernismo brasileiro, reconhecido como um ―ambiente antropofágico, em que o país se descobria belo e múltiplo‖. Na modernização, ao contrário, a atitude principal seria a busca pelo internacional e pelo multi, com a adoção de novas tecnologias e linguagens que aproximariam o sertanejo moderno mais do country americano do que do caipira brasileiro. Esta ―postura de querer ser moderno abandonando as tradições populares‖ destoa da busca de intelectuais brasileiros pela cultura popular como base da construção de uma identidade nacional e do próprio sentido que estes conferem ao modernismo. Para Sant´anna (2000), é na modernidade que o processo de massificação se efetiva, alterando todos os valores relacionados às culturas populares. O desejo de ser moderno é parte desta modernidade na qual a elite converte a cultura do povo em uma cultura para o povo, ela é ―um modelo, marcado pela lógica do autoritarismo neoliberal e ligado à usura mercantilista...‖ (SANT´ANNA, 2000, p. 350) A modernidade (e não o moderno) é um fenômeno historicamente recente, marcado sobretudo pela diluição das identidades, como as identidades nacionais, pela composição heterogênea do cultural e do social. (MARTINS, 2000, p. 34)

1.5

AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ

A história da música caipira junto à indústria cultural parece fazer círculos. Antes mesmo de Cornélio Pires e sua turma gravarem aquilo talvez seja o material mais autenticamente caipira já registrado no Brasil, existia um pequeno grupo que sob o rótulo ―regionalista‖ fazia às vezes do matuto para o povo da cidade. Era um nicho consumidor que

26

crescia em relevância mercadológica cada vez que um migrante desembarcava na capital pra tentar a sorte na cidade grande. Logo após Cornélio, ou concomitantemente a ele, um grupo ligado ao rádio - cujo maior expoente foi possivelmente Raul Torres - ainda fortemente influenciado pela cultura caipira, mistura a ela elementos da música popular de nossos países fronteiriços, dando origem as índias e chalanas que riscaram o grande rio que é a história da agora chamada música sertaneja. Depois destes, surgem os irmãos Tonico e Tinoco – a dupla coração do Brasil – que firmam de vez o modelo que mais tarde, já diluído e plenamente difundido pelas artimanhas da indústria cultural daria voz aos filhos e netos daqueles migrantes desembarcados com fome e sede não só que é essencial à reprodução humana, mas também de justiça, de sonho, de alegria. A primeira volta esta dada quando alguns destes homens saem triunfantes naquilo que Rosa Nepomucemo (1999) chama de mundo mágico onde a expressão da alma do povo é uma indústria gigante sustentada por vendagens astronômicas, capaz de recompensar os vencedores com muito dinheiro e fama. Segundo Zan (2003) tanto as composições como os arranjos apresentam elementos da música urbana de massa, especialmente das baladas românticas da Jovem Guarda. Portanto, da música caipira de fato restam poucos aspectos. Talvez, as vozes agudas dos cantores e, os duetos em terça, porém empregados de modo mais econômico. O sertanejo torna-se ícone pop. E o é, à custa do processo que o alienou de tal forma que seu passado é o amanhã. Sem história, ele segue impávido até o próximo ponto onde outro idêntico tomará seu lugar. Críticas à parte, o que geralmente escapa ao se falar dos sertanejos de sucesso é que desde o começo, ainda com Cornélio, a função social dessa música era aplacar o banzo do pequeno sitiante caipira que à margem da grande monocultura foi enxotado para cidade. Se ela guarda poesia em sua história ou é o espelho de um modo singular de vida, o é porque naquele tempo isso ainda era passível de ser observado no mato. Hoje, mais susceptíveis às novas influências estilísticas, seus refrões anestesiam a sensação que José de Souza Martins (2000) define como ―um viver destituído de sentido‖. O círculo que sai do capiau que chega à cidade e aos poucos se apropria dela, desenvolve enquanto transforma seus valores e parece completar quando alcança sucesso, recomeça quando se percebe que o excesso de atenção que estes ―sertanojos‖ respiram, não coaduna com a verve de cócoras do nosso caipira socialmente idealizado. O jéca parece ter não ter direito a ser, somente existir.

27

Se o sertanejo prefere o country ao caipira, seu contraponto, o novo-caipira, ―é o homem do presente que olha para o passado e elege ou escolhe determinados aspectos que vão compor o que ele define ou reconhece como tradição.‖ (ZAN, 2003) Lapidado pelas palavras, engolido e regurgitado pelos meios de comunicação de massa como reserva de tradição e fonte de cultura, o estereótipo ―caipira‖ repercute um indivíduo que parece ver a tradição como algo estático e naturalizado. Porém, o que pára, logo atrofia. A força que move o segundo giro nasce da indignação causada pelo desprezo à raiz e o retorno da pureza historicamente alimentado como uma das alternativas ao ser brasileiro e consciente de seu chão. Existe dentro desta nova música caipira, uma necessidade pelo resgate da vida bucólica entre as montanhas verdes, rios e luares do sertão, com seus valores tradicionalmente brasileiros e por isso ―verdadeiros‖. Uma época tão idílica que cheira mentira e que de tão armada e reproduzida à exaustão, hoje, é incontestável. Se o caipira ainda existe, o anacronismo é sua doença. Decrépito aos vinte e poucos anos, ele reproduz e defende o discurso do derrotado, é o jéca lobatiano encarnado. O amanhã deste indivíduo é o ontem e talvez, este seja o todo mal. Estanque e orgulhoso disso, sua evolução crítica, estética e social paira pesada pelo ar, mas nunca atinge a catarse da tempestade. A eletricidade do raio não combina com a beira do rio, pensa ele. E agindo assim, plácido, atento e passivo vai ficando na página que será virada e esquecida. É premente uma atualização deste desespero em reconhecer, catalogar ou afirmar-se caipira que apenas revela ingenuidade e aprofunda nossos abismos, para a prática e a contestação. Não através de caricaturas do estilo, mas no confronto da tradição contida neste e o acordar de todo dia. Para nós, os puristas, o sucesso e o excesso é a justa medida. Daqui parte o terceiro giro. Daquele que vive a modernidade, conhece a tradição e sabe que o hibridismo que o formou coexiste nos vários tempos que vive simultaneamente. Sua arte é reflexo do mundo e do seu quintal, mas é quase impossível discernir um do outro. Sobre ele não há o que se falar porque o silencio também é música. Só sei que ele se disfarça de homem simples e não nega nada.

28

2.

CAIPIRA, O ÚLTIMO DOS HOMENS

No livro Os caipiras de São Paulo (1983), Carlos Rodrigues Brandão traça uma trajetória de desvendamento da condição, identidade e modo de vida do caipira, pois para ele é necessário primeiro corrigir a imagem estereotipada do jéca, para depois, vê-lo com os próprios olhos, íntimo no sertão que o caracteriza. Desta forma, o autor recupera a imagem que os escritos do passado fizeram dele, e o transporta de uma figura de sombra à beira do caminho à posição de ator subalterno de sua própria história. Por isso, comparado com o cidadão, o citadino livre do trabalho com a terra, o caipira sai dito pelo que não é e adjetivado pelo que não tem. Ele é ponto por ponto a face negada do homem burguês e se define pelas caricaturas que de longe a cidade faz dele, para estabelecer, através da própria diferença entre um tipo de pessoa e a outra, a sua grandeza. (BRANDÃO, 1983, p. 12)

Os primeiros relatos da construção desta imagem, apesar de parcos, são do viajante francês August de Saint-Hilaire

16

, no caderno de viajem intitulado Viagem à Província de

São Paulo. Em suas páginas, o naturalista transita entre senhores e emissários (sujeitos da história), viaja à cultura do índio e ao trabalho do negro (sujeitos de uma cultura) e por não encontrar poder, trabalho e cultura enquanto passa pelos lavradores caipiras, os caracteriza o pior tipo possível de pessoa que viu pelo caminho. Sua definição do indolente caipira é

16

August de Saint-Hilaire (1779-1853). Esteve no Brasil entre 1816 e 1822, sua principal intenção era o que chamaríamos hoje de biopirataria.

29

segundo Brandão (1983), a construção de uma imagem que ―os olhos do senhor quiseram ver, para roubar sem culpa‖. No entanto, ela é importante por ser bastante descritiva, constando nela, traços até hoje presentes em nosso imaginário. Em um dos trechos, diz ―esses homens, embrutecidos pela ignorância, pela preguiça, pela falta de convivência com seus semelhantes e, talvez, por excessos venéreos primários, não pensam: vegetam como árvores, como as ervas do campo.‖ (SAINT-HILAIRE, apud BRANDÃO, 1983, p. 15) Já nos últimos anos do século XIX e sobretudo no começo do próximo, o índio senão morto, está longe dos olhos da elite cultural paulista; e o negro recém liberto, tornara-se para esta apenas o preto que dividirá a cidade com os outros descalços como ele. O paulista percebe-se então, sem a representação cultural de nenhum personagem sem nome, tipo-rito de sujeitos locais, pobres e ―típicos‖, tais quais as baianas, seringueiros, gaúchos e jangadeiros. Nesta busca pelo tipo de gente própria de São Paulo, o Caipira é eleito como o novo agente da cultura popular do estado e torna-se seu objeto de estudo. Segundo Brandão (1983), compreende-se agora, que o matuto ―tinha virtudes, falava, usava um dialeto que era, na verdade, o porão da fala de todos. De índios e jesuítas teria aprendido cantos e danças. Criou as suas.‖ (BRANDÃO, 1983, p. 24) Partindo deste pressuposto, em Populações Meridionais do Brasil (1920), Oliveira Vianna17 citado por Brandão, lista quatro qualidades do caipira: a fidelidade a palavra dada, a probidade, a respeitabilidade e a independência moral. Podemos concluir daí, que o caipira começa a ser visto de forma diferente, embora, na verdade as duas primeiras qualidades sejam características exclusivas da ―nobreza fazendeira‖, ―cuja influencia em nossa história política é imensa‖ e que contraposta ao ―baixo povo rural‖ com seu ―procedimento de moleque‖ explica por que servos e senhores da terra ocupavam ali posições sociais e políticos diferentes. (BRANDÃO, 1983, p. 26)

17

Francisco José de Oliveira Vianna (1983-1951) foi um professor, jurista, historiador e sociólogo brasileiro, imortal da Academia Brasileira de Letras. Suas obras, versando sobre a formação do povo brasileiro, têm o mérito de ser das primeiras que tentaram abordar o tema sob um prisma sociológico e diferenciado. Foi um dos ideólogos da eugenia racial no Brasil.

30

2.1 UM JECA CÉLEBRE

É possível que o ambiente familiar, no qual nasceu e se formou culturalmente José Ferraz de Almeida Júnior difira pouco daquele descrito por Antonio Candido como patriarcal, onde ―não havia brutalidade porque não era preciso: os pais governavam os filhos com o olhar até ficarem homens‖. Segundo o autor, essa sujeição se dá nas sociedades rústicas por que do ―ângulo das crianças a família é praticamente o mundo, delimitando as fronteiras dentro das quais se dá a educação e se forma o conhecimento das coisas‖ Sabia-se muita coisa. Havia gente que começava a contar causos de manhã cedo e ainda não tinha parado à hora do almoço. Eram casos de santos, de bichos, de milagres, do Pedro Malasarte, e instruíam muito, porque explicavam as coisas como eram. Por isso havia respeito e temor: os filhos obedeciam aos pais, os moços aos velhos, os afilhados aos padrinhos e todos à Lei de Deus – pois era o tempo dos padres santos, que andavam pelo sertão ensinando a rezar, pregando, batizando e casando. (CANDIDO, 1975, p. 194)

Desta forma a pintura de Almeida Júnior, que sempre despertou o interesse legítimo daqueles que buscavam uma arte preocupada em interceptar a trama de relações que nos identificava como brasileiros pode ser tomada como ponto de partida na construção da identidade visual do caipira. Talvez nela fosse mesmo possível vislumbrar um elogio à vida simples, um bucolismo de quem encontrou a justa medida no contato com natureza e vive em paz. Não é possível entender bem a pintura brasileira anterior ao Modernismo sem uma referência à sua atuação [de Almeida Júnior], que ajudou a suprimir a monumentalidade das obras, a renovar os assuntos e os personagens, a vincular organicamente as figuras ao ambiente e talvez reformular a luz. É com ele que ingressa pela primeira vez na pintura o homem brasileiro. (MELLO E SOUZA apud FRIAS, 2006, p.30)

Transparecem em suas obras uma empatia com seu entorno natal e o desejo de projetá-lo. Para um pintor tão íntimo dos padrões acadêmicos na pintura, fruto célebre de uma instituição neoclássica – como era a Academia Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro – o interesse pela representação da cultura regional é algo realmente novo. Porém, o verdadeiro diferencial foi que a adoção se deu sem que houvesse um rompimento com os valores artísticos que havia recebido, sem abandonar sua qualidade técnica e, conseguindo espaço no ambiente cultural brasileiro, participando de exposições e recebendo críticas favoráveis especialmente da imprensa paulista. Almeida Junior refletiu em sua obra o contexto político,

31

social e cultural no qual estava inserido. Era resultado do ambiente da época, que misturava a influência da tradição européia à busca de uma identidade nacional. A pintura de Almeida Júnior se caracteriza por ser permeável a quase todas as discussões que procuravam determinar as forças que dariam singularidade à vida do país. Sua atenção ao meio social, à natureza, aos tipos humanos, às peculiaridades regionais parecia apontar para um país mais concreto, produto do cruzamento de aspectos reais, sem maiores idealizações e fantasias. (NAVES, 2005, p.145)

Perutti (2007) chega a perguntar se o ilustre ituano foi um pintor caipira ou de caipiras, provavelmente a primeira opção, já que era ele próprio, filho de tal cultura, e manteve-se por toda vida, próximo à terra natal por ter fortes laços emocionais com o interior paulista. Quando volta de Paris, Almeida Junior instala seu ateliê em São Paulo e não no Rio de Janeiro. Seria para estar mais perto de Itu? Talvez essa proximidade e a influência do ambiente sejam responsáveis pela escolha do tema. Gastão Pereira da Silva, um de seus biógrafos, ao abordar a chegada do pintor à Academia, fez questão de destacar o choque que este causou nos demais professores e alunos. Ele era o mais autentico e genuíno representante do tradicional tipo paulista. Sem nenhum traquejo do homem da cidade. Falava como os primitivos provincianos e talqualmente estes vestia-se, andava, retraia-se. Em que pareça estranho, nunca Almeida Junior procurou se afastar dessas atitudes. Queria mesmo ser assim. Temia até que um dia viesse a perder características rústicas da personalidade. (SILVA, apud PERUTTI, 2007, p. 73-74)

Por ser um artista de formação acadêmica, Almeida Júnior trabalhava sempre a partir da observação do real e ao pintar as cenas representadas nas obras regionalistas, usava como modelos pessoas que viviam nas fazendas ao redor da cidade de Itu, escolhendo lugares que eram parte significativa do ambiente que pretendia retratar. Em Amolação Interrompida (1894) o artista observou a paisagem e fez esboços sob à luz natural, e o modelo que posou para a pintura era um conhecido do pintor que morava e trabalhava na roça. Um dos pontos que chama a atenção na cena é a interação com o espectador: o homem retratado olha para fora do quadro como se estivesse cumprimentando alguém.

32

Almeida Junior, Amolação Interrompida, 1894. Óleo s/ tela.

Já em Cozinha Caipira (1895) Almeida Júnior retrata os instrumentos usados em uma cozinha caipira, o fogão de lenha, o forno caipira, o tacho e o pilão; a mulher a peneirar, a pouca iluminação evidenciando as paredes de pau-a-pique e o telhado sem forração, a galinha que aparece na porta ao fundo, solta, demonstram a rudeza e a simplicidade do ambiente, é como se realmente pudéssemos entrar nesta cozinha.

Almeida Junior, Cozinha Caipira, 1895. Óleo s/ tela.

33

Quem observa o quadro Caipira Picando Fumo percebe um homem que apesar do sol forte mantém a postura e feições serenas, absorto na singela tarefa de picar fumo e integrado de maneira realista ao meio físico no qual está inserido. Não é trabalho. Sua placidez denuncia o capricho de quem atende ao pequeno vício em um momento de intimidade e descanso. Ao fundo, a porta entreaberta não revela o interior da habitação, mas metaforiza a atitude ensimesmada do caipira. [...] é como se o abrigo físico da casa ecoasse a proteção evocada pelo recolhimento psicológico, numa quase figuração do que costumamos chamar ‗interioridade‘. Apenas essa intimidade protetora separa de maneira mais acentuada o caipira do ambiente em que se encontra e o resguarda da indiferenciação que permeia toda a tela. (NAVES, 2005, p. 135)

Almeida Junior, Caipira Picando Fumo, 1893. Óleo s/ tela.

34

Segundo Naves o caipira pertence, por evidentes razões culturais, ao fragmento de cenário que descobrimos por trás dele. A parede de pau-a-pique esburacada, a porta com rachaduras e tábuas mal ajuntadas, a camisa de algodão recortada pobremente e sem botões, a calça de brim suja de terra, a ceroula que aparece na altura da canela esquerda, o cigarro de palha, os pés descalços, os restos do milho, o fumo, a faca. Todos os elementos são feitos da mesma matéria e quando não, aproximam-se pelo tratamento pictórico dado pelo pintor, que privilegia a luz forte e os tons demasiado semelhantes. Dessa forma, o chão do terreiro está na parede de taipa e nas manchas da calça do homem que rodeado pelas palhas-de-milho, desordenadamente espalhadas pelo chão, tem na cor da camisa sua correspondente exata, ou, as rústicas separações entre terra e terra pelos toscos degraus carcomidos pelo tempo, os quais outrora apoiados por estacas parecem insistir retornar ao estado natural anterior a ação do homem. Nada se afasta definitivamente do chão. As partes descobertas do corpo do caipira também têm um tom próximo ao da terra. Crestada pelo sol, sua pele revela a aspereza da vida passada compulsoriamente junto à natureza. As mãos e, sobretudo, os pés sofreram no contato constante com o meio,e se deformaram,adquirindo um aspecto erodido e arredondado dos elementos submetidos longamente à força dos elementos. (NAVES, 2005, p. 136)

Monteiro Lobato disse sobre o caboclo brasileiro: ―Tão íntima é a comunhão dessas palhoças com a terra local, que dariam idéia de coisa nascida do chão por obra espontânea da natureza — se a natureza fosse capaz de criar coisas tão feias.‖

18

De fato, nesta imagem,

assim como na maior parte da produção regionalista de Almeida Junior ―Cultura e natureza, homem e coisas têm traços demais em comum, e quase poderiam estar um no lugar do outro.‖ (NAVES, 2005, p.136) Para Naves, porém, o grande personagem do quadro é o sol. O caboclo pode estar sereno, absorto e até conviver bem com ele. Mas não está a sua altura, nem o impede de dominar o quadro parecendo apenas tolerar a presença daquilo que ainda não foi reduzido à luz e ao calor. [...] o que realmente importa ressaltar em relação a ―Caipira picando fumo‖ é o contraste entre a aridez do ambiente e a relativa serenidade do caboclo. Prensada entre a sombra do telhado ao alto e a das folhagens no canto inferior direito, a região de luz funciona como uma estufa. E então fica difícil não associar a desolação da cena à intensidade do clima. E se a atitude absorta do caipira o livra em parte do castigo do sol, isso ocorre por uma espécie de renúncia ascética em lugar de provir de uma atividade que submeta a natureza a desígnios humanos. Nesta tela o homem sofre o meio, em vez de determiná-lo. (NAVES, 2005, p. 137) 18

LOBATO, Monteiro apud em NAVES Rodrigo. "Almeida Júnior: o sol no meio do caminho. In: Novos Estudos. CEBRAP, n. 73, novembro de 2005. p. 136.

35

O autor não está sozinho neste ponto, ao enfatizar o meio natural, Almeida Junior colocou a obra em contato com os movimentos deterministas e positivistas da literatura da época, que explicavam a especificidade do país e de seus habitantes pelos aspectos naturais, a saber: o meio e a raça.19 Caipira picando fumo é uma obra-chave para estudar o processo de composição do pintor. Como o foco aqui são as manifestações culturais expressas pelo quadro, deter-se em uma análise formal aprofundada e demasiado longa seria um erro para os objetivos desse trabalho, contudo, uma pequena parte estrutural da obra é essencial neste caso. É nela onde se percebe que o artista evitou a rigidez da simetria exata colocando no centro da composição a única linha transversal do quadro representada por uma faca fina e longa. Aproveitando a análise de Jorge Coli [...] ela está no meio exato de uma cruz formada pelos antebraços, pela costura da braguilha, pela abertura da camisa no peito, cujo V funciona como uma seta, apontando de cima para baixo. [...] O fulcro visual é assinalado pela unha do indicador direito ao se juntar à do polegar esquerdo. [...] O ponto axial da faca e dos polegares é quase o centro geométrico da tela, tornando-se, por este ―quase‖, o centro visível e significante. (COLI, 2002, p.2)

Perdido em divagações enquanto prepara seu cigarro de palha, o caipira almeidiano é aparentemente manso. Todavia, a faca em suas mãos indica um caminho reflexivo que para Coli é essencial: a violência. Antonio Candido ao referir-se a cidades do interior paulista atesta que ―Os costumes na área estudada eram rudes; os homens irascíveis e valentes, matando-se uns aos outros com freqüência atestada pelas cruzes e ―capelinhas‖ votivas, desconfiando do estranho, mas prontos à hospitalidade desde que não surgissem dúvidas.‖ (CANDIDO, 1975, p. 41) Baseado nos estudos de Maria Sylvia de Carvalho Franco, Coli afirma que ―a violência não é exceção, mas constitutiva da relação comunitária. É como se os caboclos vivessem sobre a linha de uma fronteira perigosa, fácil e constantemente atravessada‖. Ou, de um modo mais empolado: [...] a oposição entre pessoas envolvidas, sua expressão em termos de luta e solução por meio da força, irrompe de relações cujo conteúdo de hostilidade e sentido de ruptura se organizam de momento, sem que um estado anterior de tensão tenha contribuído. A agressão ou defesa à mão armada, da qual resultam não raro

19

Sobre o assunto ver Antonio Candido em De cortiço a cortiço. Em Novos estudos, n. 30. São Paulo, Cebrap, julho de 1991, pp. 111-129, onde o autor trata da importância do sol no comportamento dos personagens do livro O Cortiço, de Aluísio Azevedo. No ensaio de Rodrigo Naves utilizado aqui, o autor explica um pouco desta idéia relacionando-a a imagem do caipira em questão.

36

ferimentos graves ou morte, aparecem com freqüência entre pessoas que mantêm relações amistosas e irrompem no curso dessas relações. (FRANCO, 2002, p.5)

A passagem deixa clara que por motivos ínfimos, os efeitos da violência atingiam os mais próximos, vizinhos, família e, se por um lado, os comportamentos de auxílio e apoio mútuos ocorriam com freqüência, por outro, as condições de produção e de vida cotidiana conduziam ao que Franco chama de ―sobreposição de áreas de interesse‖. Nessa falsa paz, as zonas de atrito estão constantemente presentes, latentes, pressupostas mesmo quando não avançam para o primeiro plano. Segundo Maria Sylvia C. Franco são ―processos competitivos sem alternativas muito plásticas para se resolverem, dado o caráter simples e flexível dos mecanismos de ajustamento inter-humano‖. (FRANCO, 2002, p.5) Em seu texto Coli (2002) enfatiza as obras onde os personagens aparecem portando objetos ambíguos, ao mesmo tempo, utilitários e armas poderosas, agressivas: como a faca do caipira, por exemplo. Segundo ele quando o pintor opta dispor de forma tão clara esses objetos – com ou sem intenção – dispõe também suas ―faculdades virtuais de violência‖. (...) Em seu mundo vazio de coisas e falta de regulamentação, a capacidade de preservar a própria pessoa contra qualquer violação aparece como única maneira de ser: conservar intocada a independência e ter a coragem necessária para defendê- la são condições de que o caipira não pode abrir mão, sob pena de perder-se. (COLI, 2002, p.7)

O caipira de Almeida Junior raramente expressa sentimentos. Seus conflitos parecem acontecer no plano psicológico e, apesar da violência latente nos objetos representados o pintor jamais representa ―[...] o afrontamento, nem seu resultado dramático‖. Mais ainda, ele não o dispõe em grupos, em interações sociais. Picando o fumo é um quadro construído articulando-se fundo e figura, ligando ambos, para melhor projetar o personagem como imagem forte, mas isolada socialmente. Esse poderoso isolamento propulsou as imagens dos caipiras de Almeida Júnior dentro da cultura brasileira. Ao isolar seu caipira, dispondo-o para o espectador como pessoa solitária e despojada, representando-o no manejo pacífico de instrumentos que guardam a latência agressiva porque podem se metamorfosear em armas, Almeida Júnior intuiu, com seus meios de pintor, muito do que a socióloga viria, mais tarde, analisar. Sem nenhuma concessão a um pitoresco feito de detalhes supérfluos, o picador de fumo, na sua postura concentrada, expondo de modo tão crucial sua faca, interpondo-a de fato entre si mesmo e o espectador, protege-se, protege sua autonomia individualizada, protege, pela violência possível, o lugar frágil que ocupa no mundo.(COLI, 2002, p.8)

37

2.2 O ERRO DE LOBATO

José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948) foi um dos mais influentes escritores brasileiros do século passado. É dele o personagem Jéca Tatu. Caricaturado como um piolho da terra, espécie de praga incendiária que atiçava fogo à mata, o caipira de Lobato é um preguiçoso irremediável que de cócoras a puxar fumaça do pito só fazia responder com um ―não paga a pena‖ a qualquer proposta de trabalho. Ao criar o pestilento homem de cócoras, o ―brasileiro sob medida‖ retificou o que muitos antes dele haviam deturpado, gerando a imagem estereotipada que acompanha o caipira até a contemporaneidade. Em O povo brasileiro (1996), Darcy Ribeiro afirma que apesar da riqueza de observações, as páginas de Lobato ―divulgam uma imagem verdadeira do caipira dentro de uma interpretação falsa.‖ (RIBEIRO, 1996, p. 390) O que Lobato não viu, então, foi o traumatismo cultural em que vivia o caipira, marginalizado pelo despojo de suas terras, resistente ao engajamento no colonato e ao abandono compulsório de seu modo tradicional de vida. É certo que, mais tarde, Lobato compreendeu que o caipira era produto residual natural e necessário ao latifúndio agroexportador. Já então propugnando, ele também, uma reforma agrária. (RIBEIRO, 1996, p. 390)

Segundo José de Souza Martins (1975) a preguiça do caipira lobatiano contrasta radicalmente com a profunda valorização do trabalho entre populações caipiras do Alto Paraíba. Para ele as observações de Monteiro Lobato estão fundadas diretamente na valorização do modo de vida urbano contra o tradicionalismo agrário, o que constituí um dos núcleos da ideologia da modernização.

Capa de Livro, s/d. Monteiro Lobato

38

2.3 O ASTRONAUTA LIBERTADO

O violeiro e pesquisador Paulo Freire, em seu livro Eu nasci naquela serra...(1996:80) reproduz uma história interessante publicada pela extinta Revista Manchete no final da década de 1960 que ilustra o funcionamento da Indústria Cultural de então. A narrativa nos apresenta uma moça que passeia distraída pela rua que de repente percebe uma música conhecida e procura saber de onde vem. Seguindo a melodia, tal qual o rato ao flautista, descobre uma loja que por destino tem ―aquela música‖ que ela tanto gosta e mais algumas que ela também conhece da televisão e do rádio. Assim, quando menos percebe está com o disco em uma mão e se teve sorte, o dinheiro na outra. Contada dessa forma a indústria do disco aparentemente por acaso realiza até os desejos inconscientes da meninona, e só não dá o ―bolachão‖ de presente, por que aí seria ficção científica. Nos bastidores desta compra hipotética muitas pessoas trabalharam para criar em nossa personagem a necessidade de ter aquela música, daquele artista especificamente e nas circunstancias casuais como foram descritas. Contudo, o curioso não é o que a historinha conta, mas o que ela omite. Em nenhum momento cita-se a embalagem, ou como a moça encontrou entre tantos discos aquele que ―precisava‖, uma vez que ela não quis a ajuda do atendente. A verdade é que ninguém compra o disco pela capa, mas se for boa, ela ajuda. E muito. Um dos poucos pesquisadores encontrados durante o processo de feitura deste trabalho que falavam sobre as capas foi o designer gráfico Egeu Laus Simas (1951), cujo ensaio As capas de disco no Brasil: primeiros anos (2005) é citado em todas as fontes como principal referência sobre o assunto. Apesar de Laus percorrer apenas os primeiros anos das ilustrações como mais uma das maneiras de vender discos, seus apontamentos esclarecem o modo de pensar dos personagens envolvidos relacionando-os à incipiência dos meios de comunicação que os penetravam. No princípio do século XX, muito provavelmente os discos fabricados no exterior chegavam a Casa Edison em caixas de papelão, com um papel intercalado, sem nenhuma embalagem individual. A indústria fonográfica brasileira - em vias de implantação- supria com o próprio registro sonoro a tarefa de suscitar os desejos necessários à compra. Nada mais era preciso, por isso a capa cumpria apenas a função pela qual foi inventada: proteger o disco. Uma vez que o disco 78 rpm continha apenas uma faixa de cada lado fica evidente que o envelope pardo, com um buraco no meio era a embalagem ideal a este produto. Por ela

39

o comprador tinha acesso imediato a toda informação que necessitava. Porém o que sobrava de objetividade faltava na sedução.

Um círculo central vazado nos dois lados, no diâmetro dos rótulos, permitia ler a informação impressa nos mesmos, referente a cada faixa do disco. Nesses rótulos, as informações, numa tipografia comum de texto corrido, serifada ou bastão, quase sempre abaixo do corpo 14, indicavam o nome do artista, nome das músicas, autores, o estilo musical e alguma informação complementar além do número de catálogo de cada disco. Geralmente, a parte superior do rótulo era completamente tomada pela logomarca da casa gravadora, que somada a cor plana do fundo identificava as séries dos discos bem como as companhias fonográficas. No envelope standard se apregoavam as virtudes dos discos produzidos pelas companhias e também se aproveitava para promover os equipamentos para sua reprodução como, por exemplo, os envelopes dos discos Victor que recomendavam somente a utilização da Victrola para melhor qualidade sonora. Não se deve esquecer que, nesse início, os discos eram vendidos apenas pela casa gravadora. Mais adiante, outras lojas irão revender os discos e passam então a imprimir seus próprios envelopes, substituindo os originais e aproveitando para anunciar outros produtos. Para o consumidor, esses envelopes não tinham nenhum interesse, servindo apenas e tão somente para proteger os discos quando não eram acondicionados em álbuns. (LAUS, 1998, p.120)

Exemplos das capas de disco 78 rpm e sua publicidade.

40

Mas a necessidade de um elemento que identificasse o conteúdo acabou por reunir ambas as finalidades, conforme a própria evolução técnica e cultural do disco veio a registrar. Neste sentido, a capa sempre mereceu tratamento e atenções que lhe deram destaque, quer nos mecanismos de sua feitura, quer sob o ponto de vista estético. O pioneiro neste tratamento foi Alex Steinweiss (1917 -), e quando isso é efetivamente colocado em prática, em 1938, nasce um novo objeto cultural completamente original. A partir dele, esta busca pelo apelo visual das capas de disco modificaria mais uma vez a relação do disco com o consumidor, reconfigurando-o enquanto bem de consumo e proporcionando novos avanços aos meios de produção de seu tempo. A partir do momento em que trabalhos gráficos originais são desenvolvidos para os álbuns que embalam os discos, o consumidor passa a estabelecer relações mais diretas entre o som e a imagem que o acompanha. Assim, as formas de relação do consumidor com o disco intensificam-se de maneira complementar e se manifestam igualmente através dos sentidos do tato, da audição e da visão. O disco torna-se um suporte de códigos que se relacionam intersensorialmente com o consumidor. (REZENDE, André Novaes de. 2009)

Luar do Sertão, Catulo da Paixão Cearense (s/d)

41

Segundo Rezende (2009) o que importa é a identificação da necessidade de incorporar ao disco uma imagem original, exclusivamente dedicada a estabelecer uma correspondência entre o visual e o sonoro. O ilustrador dialoga com o mercado de consumo da indústria cultural ao combinar expressão pessoal com representação pictórica para transmitir idéias. Assim, desde o instante em que crianças são apresentadas aos livros ilustrados, passando por sua admiração às capas de discos e CDs na adolescência, as ilustrações tem o papel de definir momentaneamente períodos importantes (ZEEGEN, 2009, p.12)

Violeiro – Rolando Boldrin (1982)

Segundo Benjamin (2000) as técnicas de reprodução aplicadas à obra de ate modificam a atitude da massa diante da arte. Desta forma, algo anteriormente supérfluo, como a capa no disco, logo torna-se uma das grandes ferramentas de manipulação na venda do produto. Assim, como bem nos lembra Adorno, a Indústria Cultural cria necessidades que não tínhamos.

42

Porém a tecnologia traz outras formas de interagir com a arte. Há muito tempo se tornou viável a junção música e imagem. Provavelmente, o músico vai precisar trabalhar ainda mais com a imagem do que antes, e a cultura das capas de discos talvez migre nesse sentido. Com relação ao futuro das capas de disco o que tem ocorrido ultimamente é uma transferência do meio impresso para a internet. Com a banda larga e o aumento de capacidade de armazenamento digital é bem comum para o artista criar um site novo para cada trabalho lançado, adequando todo o conteúdo à nova identidade visual. O disco foi uma invenção da indústria cultural e agora com os meios de produção na mão, chegou a vez do músico inventar algo novo para acompanhar sua música. Com os recursos em multimídia que o computador oferece é como se a capa do disco se manifestasse num meio não-impresso, o da tela do seu computador. Nessa mesma linha, há vários artistas que incluem uma faixa extra no CD mostrando como foi a gravação ou incluindo uma entrevista, onde o artista fala do trabalho. Não seria tudo isso parte da nova versão da antiga capa do LP?

43

Projeto gráfico de Fernando Vilela para o Cd. Quatro estórias – Ivan Vilela e Rubem Alves (2002)

O auge desta evolução, pelo que podemos constatar até então, é a desmaterialização da superfície física do registro sonoro. Esta falta de corpo físico para o suporte da música afeta diretamente a maneira como o consumidor se relaciona com ela. Segundo Walter Benjamin (2000:226-227) [...] juntamente com o modo de existência das comunidades humanas, modifica-se também seu modo de sentir e de perceber.

44

3. PAISAGENS, DEZ CORDAS E A MODERNIDADE Os Vilelas chamam-se Ivan e Fernando. Em Paisagens (1998) o que primeiro propõe é o nascimento do tio violeiro para o mundo. A ilustração da capa é uma impressão da madeira sem entalhe. O procedimento, comum entre os gravuristas, é o reconhecimento da matriz. O primeiro e decisivo passo, o desequilíbrio que movimenta e dá sentido. É neste momento que ele sente o que virá. Com os sentidos à flor da pele o suporte dialoga com o artista através do desenho de seus veios, reentrâncias e nós. Como esclarece Fernando ―[...] a madeira sempre fala através de sua natureza de árvore que já foi. É com ela que trabalho. Busco um diálogo, uma parceria de minha intervenção gráfica somada às informações que a madeira traz no seu corpo.‖ (VILELA, 2009, p. 167) Escolho a madeira com a ponta dos dedos. Sinto seu relevo, sua textura, seus veios. Alguns trabalhos pedem que o veio fale mais, carecem de luz na superfície. Para esses escolho o cedro, a sumaúma. Outros desejam uma superfície mais silenciosa, um escuro chapado. Daí uso um pinho, um angelim, madeiras mais lisas. (VILELA, F. 2009, p. 165)

Do processo surge a imagem monocromática que aparentemente mais esconde que revela. O auto-contraste entre o negro da tinta e seu contraponto-luz desvenda os segredos do toco.

45

Carrego a matriz de tinta pois me interessa a superfície negra, chapada. Por outro lado, nunca deixo os veios da madeira entupidos com a grande quantidade de tinta. A luz delicada que brota das fissuras que a madeira possui faz a superfície respirar. Em alguns momentos até cria uma atmosfera naquela massa escura. (VILELA, F. 2009, p.167)

Apenas mais três intervenções são o suficiente para plasmar o conceito necessário. A primeira coloca o nome do artista em destaque na margem inferior da imagem apresentando-o ao seu público; a segunda é título do trabalho em caixa alta no mesmo branco do nome, só que menor e encaixado entre os pingos dos is de ―ivan vilela‖ (com letras minúsculas mesmo); a terceira e última intervenção é a redundante frase ―viola caipira brazilian ten string guitar‖ alojada no canto superior direito.

46

Capa do Cd Paisagens, 1998. Ilustração Fernando Vilela.

A palavra Paisagens nos incita a olhar algo naquela superfície monocromática. Possivelmente alguma coisa ligada ao repertório cultural e visual de quem olha. Assim, uma das imagens sugeridas assemelha-se a um close em águas de rio. Um grande rio cujas margens são acessórios à sua magnitude e onipresença dentro da paisagem. Nele, o leitor tal qual um canoeiro, é passageiro das pequenas ondas que se esboçam nos cacos vivos do agora reflexo da lua naquelas águas calmas, cuja beleza rouba do tempo seu papel imperial tornando a contemplação e percepção deste momento como essencial ao desenrolar do trecho. O canoeiro conhece aquelas águas e como um guia as apresenta a seus visitantes que são aqueles que se aventurarem pelo conteúdo do disco. Por outro lado, procurando desligar-se da busca pelo figurativo, encontramos linhas que sugerem o sentido horizontal. Caminhando por elas percebemos a dificuldade de atravessar esse fluxo verticalmente, tudo impele ao caminhar junto da multidão prateada ora sub-dividida em pequenos aglomerados aparentemente sem ordem, ora solitários. Não existe caminho ou tensão, só resta constatar a impotência em ser diferente. Por este viés, não existe aventura e a passagem ao novo trecho que seria abrir a embalagem não acontece.

47

Ademais, quanto do caipira suscita esta imagem? Certamente há um rompimento com seu estereótipo. Nenhuma imagem pronta é dada, nada sugere seu figurino clássico ou atitudes discutidas páginas atrás. A associação direta e rápida com o caipira não acontece. Mas o que aparentemente é uma falha na comunicação com a massa, é também aquilo que fará o público-alvo sugerido pela frase no canto superior direito intrigar-se e procurar respostas. Desta forma, o produto alcança quem almeja e se rebarbas vierem, serão bem vindas. Está feito. O Paisagens foi o meu processo de descoberta da viola. Eu ficava tocando. Aí saía algo interessante. Uma coisa nova que eu descobria no instrumento. Como se fosse uma bola, que depois eu ia desfiando. Então, a maioria das músicas surgiram disso de uma idéia bruta, às vezes um motivo. Algo meio Beethoven. E assim foram as músicas, Armorial e outras várias, que saíram de uma idéia só. Eu tenho essa coisa, eu sou muito prolixo mesmo, até na música. Então, a música acaba tendo uma cara orquestral no sentido de ter muitas partes. A música Boi tem muitas partes, não só ABC. Inclusive, na época de faculdade, era uma coisa que me incomodava muito. A questão da forma. Eu não achava que tinha que ter forma. E ela que acaba definindo os estilos todos. Você pega o período clássico, tem a forma sonata, antes era a forma binária. Eu queria fugir dessas coisas. Eu achava que a forma era muito delimitadora dos estilos. Na época de faculdade, eu fazia brincadeiras de tentar compor sem ter forma. É um pouco a música Solidão. Ela tem só um refrão, que às vezes volta, mas ela vai embora. Paisagens foi a descoberta do instrumento. Fui compondo. ( Ivan VILELA in SAYAD).

Nascido em 1962, no município mineiro de Itajubá, Ivan Vilela Pinto é o caçula de 11 filhos. Segundo ele, toda essa gente foi importante porque se ouvia de tudo em casa, de Villa Lobos à Beatles. Todavia, uma de suas lembranças mais férteis é um vizinho, palhaço da Folia de Reis da cidade. Olhando em retrospecto, diz ele, ―[...] havia uma música mais simples em sua estrutura, que participou intensamente de minha vida. Era a música que tocava no rádio de manhã, na hora do café, antes de ir para a escola – no programa do Zé Betio.‖ E continua afirmando que aquela música com ―[...] melodias desenhadas a partir de uma extrema simplicidade rústica, imperfeita, trazia em si uma força. Esta força foi determinante na minha vida e na busca de uma maneira própria de compor. Aprendi que antes de ser belo, o trabalho precisa ser forte.‖ (PINTO, 1999, p. 20-21) Em casa, eu sou o caçula de 11 filhos. Era uma casa mista. Eu tinha um irmão que fazia engenharia, mas o sonho era ter sido maestro, então só ouvia música erudita. Tinha uma irmã beatlemaníaca. E a maioria dos outros irmãos era muito ligado ao movimento da contracultura. Então, eles escutavam muita música brasileira, desde bossa nova, música de protesto até as músicas e protesto do resto do mundo, tipo Bob Dylan. Eu cresci ouvindo essas coisas. Alguns irmãos tocavam violão e com 11 anos eu ganhei um violão e a partir daí foi uma descoberta. Como eu não sabia tocar as músicas dos outros, comecei a compor coisas simples no violão. Com mais ou menos 17 anos passei a participar de festivais e foi a época que começou a despertar essa vontade de ser músico. (VILELA in SAYAD)

48

Este é o primeiro trabalho com viola de Ivan Vilela. Até então violonista, deixou este instrumento por um cisto na mão que impossibilitava seus movimentos e que por pouco não lhe custou a carreira. Tendo como primeiro professor o ouvido, estudava até quinze horas por dia. O trauma o levou a viola, uma vez que teve que abandonar todo o antigo repertório para apagar sua memória muscular, resolveu começar uma carreira como aluno desde o mais elementar rudimento musical. Na Universidade de Campinas, onde se formou bacharel em Composição Musical é tido como diferente pelos colegas por muito popular entre os eruditos e muito caipira entre os populares. Ainda no segundo ano lhe é oferecida a criação de uma ópera caipira baseada em um folheto de cordel. De início receoso, aceita o desafio e mergulha novamente no universo da infância em Minas Gerais. É o violeiro que chega e fica. A viola foi por conta de um projeto. Eu tinha a viola e já tinha gravado num LP em 1985. Foi o meu primeiro disco, mas eu usei e larguei. Em 1992, comecei a compor uma Ópera Caipira por causa de um projeto , que surgiu na faculdade. Eu fiquei dois anos e meio compondo essa ópera. Isso me forçou a um mergulho na música caipira, que era uma coisa que eu tinha da infância, mas eu não escutava mais. Eu tinha uma ligação com a música folclórica, principalmente a mineira, que eu saia pra campo gravar. Mas a caipira não. (VILELA in SAYAD)

Desde então assume a viola caipira como instrumento solista e inicia uma série de apresentações que o consagra como um dos maiores expoentes da viola moderna. Paralelo ao artista caminha o Dr. Ivan Vilela, professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo que tem sido um dos responsáveis pelo trânsito da viola caipira a outros segmentos musicais.

Fernando Vilela, processo criativo.

49

Seu sobrinho, o artista plástico Fernando Vilela é um grande observador de formas. Em sua invenção elas partem de um olhar que prefere objetos de volumes definidos, presentes, afirmados, como um navio, um armário ou uma cadeira. Depois, depura suas observações pelo desenho. Simplifica, tende reduzir as formas às superfícies. Segundo o crítico de arte Jorge Coli, [...] essa ascese, porém, não significa afastamento da materialidade. Ela encontra uma substância nova na gravura. A linha torna-se corte na madeira, e o entalhe, que busca ser preciso, guarda as marcas da violência.‖ São rupturas nítidas que se imprimem sobre o papel, garantindo ao contorno uma vibração concreta. A tinta negra conserva as irregularidades próprias à superfície das pranchas, os pequenos veios, sinais ainda de uma vida efervescente na matéria.

Se em Paisagens (1998) o ilustrador utilizava madeira como suporte e meio de expressão da identidade visual ligada à uma contemplação característica de um tempo diferenciado da cidade em Dez Cordas (2007) esta situação parece se inverter. Aqui, as formas tem um sentido fixo que grita. Todas as linhas parecem divergir o lado direito, na sugestão lógica da audição musical que encerra, mas também numa alusão à multi-

50

dimensionalidade característica do viver citadino. São passagens que se sobrepõe umas às outras, iniciando e terminado abruptamente pelo cruzamento caótico de seu convívio. Na imagem, uma base na cor preta sustenta o dourado vibrante que se destaca. A composição ocupa quase toda a área da imagem que se sustenta em um fundo branco. É como se na percepção do tumulto existisse uma lógica que a pacificasse. Olhando por este viés, e sabendo tratar-se de um disco que reflete as ecléticas influências do violeiro, podemos interpretar como a tradição que permanece viva e regular mesmo num espaço que a sobrepuja.

Capa do Cd Dez Cordas, 2007. Ilustração Fernando Vilela.

Na ilustração, Fernando utiliza técnicas adequadas à intenção expressiva do conceito de sobreposição. São carimbos talhados em borrachas escolares comuns que combinados entre si, constroem um caótico mosaico que se resolve plasticamente numa viola, símbolo máximo da cultura caipira. As palavras que permeiam a capa trazem uma idéia semelhante à do disco analisado anteriormente. Aqui, ao seguirmos o pensamento da cor preta representando tradição, encontramos o nome do violeiro totalmente ligado a ela, estático. Já o dourado o toca levemente e se torna dinâmico nas duas palavras que nomeiam o disco. Desta

51

forma sem renegar o moderno, Ivan através da ilustração de Fernando o toca levemente, quase por acaso. A modernidade só o é quando pode ser ao mesmo tempo o moderno e a consciência crítica do moderno; o moderno situado, objeto de consciência e ponderação. A modernidade, nesse sentido, não se confunde com objetos e signos do moderno, porque a eles não se restringe, nem se separa da racionalidade que criou a ética da multiplicação do capital; que introduziu na vida social e na moralidade, até mesmo do homem comum, o cálculo, a ação social calculada na relação de meios e fins, a reconstituição cotidiana do sentido da ação e sua compreensão como mediação da sociabilidade.‖ (MARTINS, 2000, pg. 18)

52

CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante a pesquisa reconsiderei minha noção sobre o papel da tradição como fundamento cultural. Ao iniciá-la, compactuava plenamente com aqueles que vêem no passado o reflexo da vida ideal, nela o indivíduo em consonância com a natureza favorecia o que nele há de melhor. A música desta época, especialmente a de matiz caipira, era a meu ver, mais que qualquer outra, pureza e verdade. Ledo engano o meu. Bastou uma pequena pesquisa como esta que se apresenta para perceber-se que a indústria cultural sempre nos teve no bolso. A diferença é que no princípio do século passado, na época de Cornélio Pires e sua Turma, o comércio cultural não era profissional quanto hoje. Mas desde então, hoje percebo, estivemos á margem do que acreditamos ser um objeto intocável. Neste ponto acredito ter acertado em utilizar como objeto de estudo as capas de cd. Nelas, o produto que representa aparece como é, e livre da chancela de representante de uma cultura idílica e em vias de extinção torna-se um libelo que alcançará o indivíduo no ponto onde descansa sua sensibilidade. O violeiro Ivan Vilela é um grande artista. Sua música, mais que olhar contínuo e triste para o ontem é uma aguçada trama de tempos, coexistentes e desconcertantes. Os dois álbuns analisados, Paisagens e Dez Cordas, ambos ilustrados pelo artista plástico Fernando Vilela, são uma alegoria da modernidade em si, aquela que recorre ao que for para construir o olhar crítico de quem vive verdadeiramente seu tempo e sabe que apenas por ela passeasse pela existência plenamente. A identidade expressa pelas imagens dos referidos objetos de estudo, não é a caipira, tampouco a brasileira. Após os meses, livros e momentos de olhos perdidos pelo vazio, vislumbro naquelas ilustrações uma verdade pessoal. Um dos homens expressa o outro e daí surge aquilo que posiciona ambos em relação ao mundo: do íntimo surge o universal. A modernidade é um mosaico. De fato, as análises mostraram que mais que a reafirmação de um arquétipo construído pela história brasileira, essas imagens são a consciência crítica disso. Um diálogo entre tradição e modernidade, que só é possível quando se deixa em espera o senso comum e existe a necessidade de encontrar-se em uma sociedade anômala como é o caso brasileiro. As ilustrações de Fernando em consonância à música de Ivan soam como se a industrialização agisse dentro dos limites da cultura popular e folclórica, em uma estranha relação, na qual tais realidades se influenciam, mas não se misturam.

53

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. A Indústria Cultural: o Iluminismo como mistificação de massa. In: LIMA, Luiz Costa (org.). Teoria da cultura de massa. 5ª. Ed. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2000.

ANDRADE, Mário de. Aspectos da música brasileira. Belo Horizonte – Rio de Janeiro: Ed. Vila Rica, 1991. ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1983. ARNHEIN, Rudolf. Arte e percepção visual. São Paulo: Edusp/Livraria Pioneira, 1980. BARSALINI, Glauco. Mazzaropi: o jeca do Brasil. Campinas: Ed. Átomo, 2002. BENJAMIM, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In: LIMA, Luiz Costa (org.). Teoria da cultura de massa. 5ª. Ed. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2000. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Os caipiras de São Paulo. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1983. ______ O que é folclore. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1982. BERTOLLI FILHO, Cláudio. O Caipira paulista em tempo de modernização: Valdomiro Silveira e Monteiro Lobato. In: CHIAPPINI, Lígia e BRESCIANI, Maria Stella (orgs.). Literatura e Cultura no Brasil: identidades e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2002. p. 189-208.

CALABRESE, Omar. A linguagem da Arte. Trad. Tânia Pellegrini. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1987.

CALDAS, Waldenyr. Acorde na Aurora: música sertaneja e indústria cultural. São Paulo: Ed. Nacional, 1977. ______ O que é música sertaneja? São Paulo: Ed. Brasiliense, 1987. CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Trad. Maurício Santana Dias. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2006.

54

CANDIDO, Antônio. Os Parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 3ª ed. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1975.

CHIARELLI, Tadeu. Arte Internacional Brasileira. 2ª Ed. São Pailo: Editora Lemos, 2002.

COELHO, Teixeira. O que é Indústria Cultural.13ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. CUCHÉ, Denys. Cultura e Identidade. In: A Noção de Cultura em Ciências Sociais. Bauru: EDUSC, 1999. p.175-202.

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da sensação. Tradução autorizada pela edição francesa. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

ECO, Humberto. Cultura de Massa e ―Níveis‖ de Cultura. In: Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Ed., Perspectiva, 1976. p.33-57. FERRETE, J. L. Capitão Furtado: viola caipira ou sertaneja. Rio de Janeiro: FUNART, 1985. FRANCESCHI, Humberto. A Casa Edison e seu tempo. São Paulo: Ed. Sarapuí, 2002. FREIRE, Paulo de Oliveira. Eu nasci naquela serra...: a vida de Angelino de Oliveira, Raul Torres e Serrinha. São Paulo: Ed. Paulicéia, 1996. GEERTZ, Clifford. Uma Descrição Densa: Por uma Teoria Interpretativa da Cultura. In: A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1978. GARCIA, Rafael Marin da Silva. A volta que o mundo dá. Monografia. Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2007 GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopez Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Trad. José Eduardo Rodil. Lisboa: Edições 70, 1994.

55

JOUVE, Vicent. A leitura. Trad. Brigitte Hervot. São Paulo: UNESP, 2002.

LAUS, Egeu. Capas de discos: os primeiros anos. In: CARDOSO, Rafael. O design brasileiro antes do design. São Paulo: Cosac & Naify, 2005.

LEITE, José Roberto Teixeira. Entre a proclamação da república e a eclosão do Modernismo: a festa requintada de uma elite confiante no progresso. In: ARTE no Brasil. São Paulo: Abril Cultural e Industrial S/A, 1979. p. 569-572.

LIMA, Luiz Costa (org.). Teoria da cultura de massa. 5ª. Ed. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2000. p. 9-72.

MARIN. Louis. Ler um quadro – uma carta de Poussin em 1939. In: CHARTIER, Roger (Org). Práticas de Leitura. Trad. Cristiane Nascimento. 4ª Ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2009. p.117-140

MARTINS, José Souza. Capitalismo e Tradicionalismo: estudos sobre as contradições da sociedade agrária no Brasil. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1975. _______ A sociabilidade do homem simples: cotidiano e história na modernidade anômala. São Paulo: Ed. Hucitec, 2000. MORELLI, Rita C L. Indústria fonográfica: um estudo antropológico. Dissertação (mestrado) Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 1991 ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 1994.

NBR – 6023. Informação e documentação - Referências – Elaboração. Rio de Janeiro: ABNT, Ago 2002.

NBR – 6027. Informação e documentação - Sumário – Apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, Maio 2003.

NBR – 6028. Informação e documentação – Resumo – Apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, Nov 2003.

56

NBR – 10520. Informação e documentação – Citações em documentos – Apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, Ago 2002.

NBR – 14724. Informação e documentação – Trabalhos acadêmicos – Apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, Dez 2005.

PINTO, Ivan Vilela. Do velho se faz o ovo. Dissertação (mestrado). Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 1999 NAVES, Rodrigo. "Almeida Júnior: o sol no meio do caminho. In: Novos Estudos. CEBRAP, n. 73, novembro de 2005 NEPOMUCEMO, Rosa. Música Caipira: da roça ao rodeio. São Paulo: Ed. 34, 1999. RIBEIRO, Darcy. O Brasil Caipira. In: O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p.364-407.

SANT´ANNA, Romildo. A moda é viola: ensaio do cantar caipira. São Paulo: Ed. UNIMAR, 2000.

TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. 2ª. Ed. São Paulo: Ed. 34, 2002.

VEIGA, Joffre Martins. A vida pitoresca de Cornélio Pires. São Paulo: Ed. O Livreiro, 1961.

ZEEGEN, Lawrence. Fundamentos da ilustração. Trad. Mariana Bandarra. Porto Alegre: Bookman, 2009.

MEIO ELETRÔNICO

BERTOLLI FILHO, Cláudio. Um fragmento da história da comunicação no Brasil: Cornélio Pires e o caipira paulista. BOCC. Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, v. 10, p. 160, 2009.

57

COLI, Jorge. "A violência e o caipira".In: Estudos Históricos: arte e história. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, nº30, 2002. Disponível em Acesso em 01 nov 2008. DE MARCHI, Leonardo. A angústia do formato: uma história dos formatos fonográficos. eCompos, abril, 2005. Disponível em: Acesso em: 15 set 2010. FRIAS, P. G. L. A. Almeida Junior: uma alma brasileira? Dissertação de mestrado: Instituto de Artes /UNICAMP. Campinas: 2006. Disponível em: Acesso em 05 nov 2008. GONGALVES, Camila Koshiba. Música em 78 rotações: ―discos a todos os preços‖ na São Paulo dos anos 30. Dissertação (mestrado). Universidade de São Paulo, 2006.

ITAÚ CULTURAL. Enciclopédia Artes Visuais – on-line. . Acesso em: 09 de maio de 2010.

Disponível

em:

PERUTTI, D. C. Gestos feitos de tinta: as representações corporais na pintura de Almeida Junior. Dissertação de mestrado: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP. São Paulo: 2007. Disponível em: Acesso em: 05 nov. 2008. PINTO, Ivan Vilela. O Caipira e a Viola Brasileira. In: PAIS, José Machado (org.) SONORIDADES LUSO- AFRO-BRASILEIRAS. Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Disponível em Acesso: 12 jul. 2009. REZENDE, André Novaes de. Latas, selos e capas: um retorno às origens visuais da indústria fonográfica. AGITPROP Revista Brasileira de Design, São Paulo, n.34, 2009. Disponível em: < http://www.agitprop.com.br/ensaios_det.php?codeps=NDF8ZkRkOA==>. Acesso em: 30 out. 2010. RODRIGUES, Jorge Luís Caê. Tinindo, trincando: o design gráfico no tempo do desbunde. Disponível em: Acesso em 25 ago. 2010. SAYAD, Mariana. Ivan Vilela:Um grande defensor da cultura brasileira (entrevista). Disponível em: Acesso em: 27 ago. 2009.

58

VILELA, Fernando. Estruturas em Deslocamento. Dissertação (mestrado) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27159/tde-14092009-155820/pt-br.php Acesso em: 15 set. 2010.

DOCUMENTOS SONOROS

VILELA, Ivan. Paisagens. Campinas: Kalamata, 1998. 1 CD VILELA, Ivan. Dez cordas. Campinas: Kalamata, 2007. 1 CD.

SÍTIOS

Acesso em: 15 nov 2008. Acesso em: 5 nov. 2010. Acesso em: 10 set 2010. Acesso em: 28 out. 2008. Acesso em: 4 jun 2008. Acesso em: 28 out. 2008. Acesso em: 28 out. 2008. Acesso em: 6 nov. 2008. Acesso em: 27 ago. 2009