Universidade Aberta do Brasil Universidade Federal de Juiz de Fora Curso de Pedagogia – UAB/UFJF

Maria Neuza Nogueira Ramos

Memorial do Curso

Trabalho apresentado como requisito parcial de avaliação da disciplina Memorial do Curso ministrada pela Profª. Drª. Léa Stahlschmidt Pinto Silva para o 8º período de Pedagogia da UAB/UFJF. Tutora a distância: Ana Paula Gonçalves Viana

Pescador 2011

MEMORIAL DO CURSO

Meu nome é Maria Neuza Nogueira Ramos e tenho 58 anos. Sou casada, mãe de dois filhos que cuidei e alfabetizei com muito amor. Hoje eles são homens adultos, casados, que me deram duas netas lindas. Nasci num sítio dos meus pais e lá vivi e cresci junto com minhas outras seis irmãs (éramos mesmo a “Casa das sete mulheres”). Mesmo com o pouco estudo que meus pais tinham, eles nos alfabetizaram com sucesso. Quando me lembro dessa dedicação incondicional dos meus pais zelando pelo meu aprendizado numa época de tantas dificuldades, eu fico muito orgulhosa disso. Hoje as coisas são muito mais fáceis: há escolas por toda parte, livros gratuitos para todos os alunos, merenda e transporte escolar, tudo o mais acessível possível, mas não são todos que dão valor a essa oportunidade. Infelizmente, no meu tempo de escola estudar era um privilégio para poucos. Mas mesmo assim, eu consegui ir adiante. Quando entrei para a escola eu já sabia ler e escrever e estava bem mais adiantada do que os meus coleguinhas, graças ao auxílio dos meus pais que se preocuparam em me preparar para a alfabetização na escola. Meus pais me tiraram de casa ainda nova para que eu pudesse dar continuidade aos meus estudos. Eu sou a única da família que conseguiu cursar o Ensino Médio, que na época era conhecido como Magistério. Quando me formei para professora em 1979, a minha vida começou a ter um rumo diferente. Os estudos deram uma nova trajetória ao meu destino e foi nessa etapa da vida que conheci a docência. Trabalhei em Pescador como professora e depois me mudei para Itambacuri, onde trabalhei a maior parte de minha vida como professora. Eu sempre tive um sonho de trabalhar em uma escola da periferia para auxiliar as crianças mais pobres que, assim como eu, tinham uma vida humilde, cheia de dificuldades, lutando por uma oportunidade. O que eu não sabia era que essas crianças mudariam a minha vida por completo. Foi em uma das escolas em que trabalhei que eu tive as minhas maiores experiências com a realidade daquelas crianças tão sofridas e carentes de tudo: de atenção e carinho, de apoio familiar, de inclusão social e cidadania, de práticas de ensino e aprendizagem concernentes com suas necessidades, de estrutura física e econômica equilibrada, de acesso à cultura, de condições dignas de saúde e higiene e de tantas outras coisas. Foi duro ver tanta contradição vivendo num mesmo lugar, de um lado havia

2 uma escola da elite e do outro uma escola da periferia, dos esquecidos, dos marginalizados. Trabalhar com essa última escola foi resgatar os valores humanos, os conhecimentos e riquezas culturais que estavam escondidos na periferia da cidade. Foi ver cada uma dessas crianças crescendo e aprendendo que a educação era capaz de abrir portas, de despedaçar diferenças, de construir futuros melhores. Ali, dentro dessa escola eu cresci. O pouco tempo que trabalhei ali me trouxe inúmeras reflexões sobre a docência, sobre as perspectivas que a Educação produz, sobre a sociedade desigual e desumana na qual nós vivemos e o quanto é grande o desafio de um educador que precisa em determinado momento da vida, sair de sua posição de comodismo e conforto para conhecer a necessidade de seus educandos, se defrontando com as mazelas da sociedade, batendo de frente com as contradições, buscando através da reflexão e de ações conscientes vencer os conflitos que permeiam a Educação. O magistério me deu bases para trabalhar em sala de aula, mas ainda havia em mim muitos resquícios do tradicionalismo das instituições escolares. Eu ainda me encontrava atrelada a uma metodologia conteudista e obsoleta, enraizada à projetos escolares sem interatividade e pouco atrativos. A minha visão como professora estava totalmente voltada mais para a importância da teoria do que para as experiências de uma prática inovadora. Foi então que um dia eu ouvi falar da Universidade Federal de Juiz de Fora e do polo que seria aberto na cidade de Pescador. Na época, eu ainda morava em Itambacuri e a idéia de fazer um curso de Pedagogia mexeu muito comigo, se tornou um desafio tentador. Como já era de se esperar ouvi muitas opiniões desencorajadoras e outras bem animadoras por parte dos meus filhos que me deram o maior apoio. Em certos momentos eu achava que isso seria mesmo uma loucura minha. Mas minha vontade de agregar mais conhecimentos à minha formação era tão grande, que comecei mesmo a acreditar que eu era capaz e resolvi investir tudo nesse novo sonho inesperado. Fiz a prova de vestibular e saí de lá com um sentimento de missão cumprida. No dia do resultado eu tive a grande surpresa: havia passado no vestibular da UFJF! Parecia algo inacreditável, mas era real! Experimentei um sentimento indescritível ao ver meu nome naquela lista enorme e pensar que eu ainda era capaz de fazer coisas que nem eu sabia que podia! Essa satisfação não teve preço. Melhor ainda foi comemorar essa alegria junto à minha família. Meus filhos e esposo estavam orgulhosos de mim. Nesse dia eu realmente me senti mais viva do que nunca e capaz de construir muitos outros sonhos.

3 Quando as aulas começaram, me sentia como uma criança indo para seu primeiro dia letivo. E quanta gente simpática eu conheci na sala de aula. Fiz inúmeras amizades, ampliei meu círculo social de convivência e descobri que a vida ainda tinha muita coisa para me ensinar. A sala era um misto de diversidade cultural incrível. Nunca havia visto e ouvido tanta coisa interessante em um só lugar. Meus professores me fascinavam com tanta paixão que eles tinham pela educação. A proposta de cursar uma universidade utilizando um método totalmente inovador como foi o do ensino a distância foi uma experiência fantástica que realmente deu certo. Quem poderia imaginar que a internet se tornaria uma ferramenta tão preciosa na interação do aprendiz com o conhecimento? A tecnologia veio mesmo para ficar e na área da Educação isso não foi diferente. Através de uma plataforma interativa chamada Moodle eu pude conhecer e aprender a dominar um mundo virtual que ainda se encontra à disposição de poucos: o mundo da informação e do diálogo reflexivo. Tive a oportunidade de participar de um espaço sócio-interativo, de um ambiente virtual que tinha tudo a ver como uma sala de aula comum: colegas de sala, professores, disciplinas diversas e o quadro negro que, neste caso, era o computador. Houve também muitas dificuldades durante o percurso e muitas delas quase me fizeram desistir no meio do curso. A falta de tempo, as enfermidades físicas, o grande número de textos e tarefas que tinham prazo para ser entregues, tudo isso chegou a me apavorar bastante. Nessas horas eu pude contar com o apoio incondicional de meus filhos e principalmente das tutoras do polo. Elas me ajudaram em muitas dificuldades que eu tinha na hora de compreender textos mais complexos ou mesmo na hora de lidar com o computador. Essa também foi outra dificuldade que aprendi a vencer aos poucos, tecla a tecla. Nesse ambiente virtual eu pude desfrutar de tudo que uma faculdade comum pode proporcionar: regras e horários a cumprir, atividades escritas, vídeos e textos à disposição para complementação de leituras e enriquecimento do aprendizado, a presença constante de professores e tutores direcionando seus alunos na busca de reflexões e respostas para as questões mais desafiadoras, a convivência com a mescla da diversidade cultural e social caracterizada pela realidade dos alunos da zona urbana e rural. Foi através desse curso a distância que aprendi a fazer pesquisas e leituras através pelo computador, a comparar opiniões de autores e colegas de sala de aula, a construir e reconstruir conceitos, a observar semelhanças e contradições nos discursos, a

4 fundamentar minhas idéias em bases sólidas e fontes confiáveis, a cultivar a criticidade como princípio norteador da curiosidade e da pesquisa, a experimentar a teoria e a prática como forma de evoluir meus conhecimentos e saberes. “A plataforma moodle se tornou meu ambiente interativo de sala de aula.”

Quanto mais eu lia, mais coisas eu aprendia. Toda a mentalidade que eu tinha a respeito da educação estava sendo substituída por um aprendizado transformador, humanizador, dialético e interativo. Aos poucos fui descobrindo que a teoria sozinha era suficientemente capaz de construir bases sólidas para uma prática segura; mas a experimentação e o conhecimento eram a ponte que poderia me preparar como educadora para enfrentar desafios de uma docência. Durante os estágios supervisionados percebi que existia uma grande distância entre a prática e a teoria escolar, e que essa distância só poderia ser transposta com atitudes transformadoras por parte daqueles que “fazem a escola acontecer”. A falta de domínio e de conhecimento das professoras com os métodos de ensino e aprendizagem, a falta de criatividade nas atividades desenvolvidas, o diálogo precário entre direção e professores e a falta de interesse dos pais pela vida escolar dos filhos foram alguns desses desafios acadêmicos enfrentados por mim durante meu estágio. Tudo isso me fez compreender o quanto a Educação precisa de uma reforma urgente e como um educador pode fazer toda a diferença em sua escola. Nesse período de experimentação da prática eu pude participar de todas as lutas políticas e sociais nas quais a maioria dos professores se encontram engajados durante sua profissão: seja para obter resultados positivos no processo de ensino-

5 aprendizagem, para empregar metodologias adequadas segundo a necessidade de cada classe, ter autonomia para colaborar com a construção do PPP, interagir com todos os educadores e aprendizes, manter a disciplina e a ordem na sala de aula, despertar o interesse dos alunos pela matéria ou improvisar ferramentas de trabalho na ausência de espaços e materiais adequados. Muitos aprendizados modificaram minha forma de atuar antes e depois da universidade. O curso de Pedagogia me fez perceber aspectos que são fundamentais para a Educação, como por exemplo, a existência de diferentes tendências pedagógicas que atuam sobre os saberes docentes e que coincidem com os valores e conceitos adquiridos, com as experiências proporcionadas durante a prática educacional e com a importância da interatividade no processo de ensino-aprendizagem. Compreendi como pedagoga que a atuação pedagógica não se dá apenas com base nos conhecimentos científicos obtidos durante o curso de formação, mas ocorrem nas circunstâncias do dia a dia, dentro e fora das salas de aulas, durante todo o período desse curso e nas relações educador-aluno, professores-pais, escolacomunidade. Os conhecimentos adquiridos me permitiram projetar muitos sonhos, realizações e transformações, não só na minha atuação como educadora, mas principalmente no meu aprendizado com os alunos, na minha relação com a escola e com a educação como um todo. Entendo que fazer um curso a distância foi uma forma de desafiar o impossível, de projetar planos maiores para o futuro, de abrir amplas possibilidades para a prática do conhecimento adquirido, de galgar variados percursos, de repensar conceitos e idéias, de buscar respostas para muitos porquês e de compartilhar interesses, desfrutando de momentos de sociabilidade e criatividade. Que bom é poder chegar ao fim de mais um curso carregando comigo tantos ensinamentos e aprendizados compartilhados. Sem contar nas inúmeras amizades construídas ao longo dessa carreira. Fazer o curso de Pedagogia da UFJF foi uma grande conquista que me permitiu alcançar outras inúmeras realizações. Tudo que aprendi desejo levar comigo para a sala de aula, para o meu amadurecimento como pessoa e para a minha vida em sociedade. Antes da faculdade eu me considerava uma boa professora, mas agora me vejo como alguém que pode sempre aprender a melhorar, seja nas aulas, na forma de me comunicar, nas maneiras de desenvolver um projeto educacional, nas atitudes capazes de transformar, na segurança para administrar problemas ou na sensibilidade para trabalhar em equipe. Nenhum

6 momento da minha formação docente foi desperdiçado, porque em tudo que vi e ouvi pude tirar lições de aprendizado. Todo meu trajeto acadêmico me faz pensar que não dá pra viver sem projetar. Porque projetar é pensar a educação com algo possível, capaz de ser feita com dedicação, valorizando o que se ensina e para quem se ensina. Acredito que é possível fazer uma educação para todos e com todos, projetar uma educação essencialmente verdadeira, democrática e solidária. A educação é o único objetivo capaz de planejar o futuro cuidando do presente, porque meus alunos de hoje serão os professores do amanhã, eu tenho consciência disso. E o que eu terei ensinado ou aprendido com esses futuros mestres? Muitas coisas, porque assim como eles já fui aluna e, mesmo depois de tantos anos, ainda continuo aluna neste curso de graduação que me fez reconhecer que quem ensina também aprende e vice-versa. Quero poder utilizar tudo que aprendi nos fóruns, atividades e oficinas com os meus alunos em sala de aula. Não quero mais que aqueles resquícios de escolarização tradicionalista e decorativa, da qual não fui poupada, influenciem minha metodologia criativa e interativa com meus alunos. Quero dar aos meus aprendizes tudo o que a minha escola, nos meus tempos de infância, me negou: espaços de aprendizagem incentivadores, materiais diversificados, projetos pedagógicos inovadores, atividades criativas, interação entre alunos e educadores, abordagens reflexivas e contextos atualizados que respeitem a realidade e diversidade de cada aprendiz. Eu pretendo ser uma colaboradora e amiga da minha escola, quero ter sensibilidade para saber reconhecer as necessidades de minha comunidade para englobá-la nas decisões políticas que dizem respeito à escola. Meus planos incluem trabalhos em equipe que sejam capazes de organizar coletivamente as práticas educativas, as rotinas e os rituais escolares. Quero poder fazer da escola um lugar de respeito às diversidades, acolhendo com amor todos os tipos de alunos, mostrando-lhes o seu verdadeiro valor. Quero poder atuar como coordenadora pedagógica também futuramente, para contribuir na formação de uma escola de qualidade, consciente, inovadora e democrática. Quero ser uma ótima educadora, mas acima de tudo, nunca perder minha qualidade de aluna. Quero fazer pela Educação tudo o que a Educação fez por mim, sabendo-se sempre que uma escola é feita de sonhos possíveis, pessoas, projetos e respeito.

7 Quando converso com as pessoas na rua, percebo que ninguém nega o valor da Educação, todos acabam reconhecendo que ter um bom professor é algo imprescindível na vida de qualquer aprendiz. Mas, ainda que desejem bons professores para seus filhos, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores. E isso nos mostra o quanto o trabalho de educar é duro, difícil e necessário e, nem sempre reconhecido. Mas apesar da má remuneração e de todas as agruras da profissão, eu continuo apaixonada pelo meu trabalho; porque para eu ser professora não é apenas uma profissão, mas sim, a mais nobre de todas as missões.