Teoria geral do direito do trabalho Guilherme Levien Grillo 1

Teoria geral do direito do trabalho Guilherme Levien Grillo b) Princípio da norma mais favorável – dentre duas regras, escolhe-se aquela mais 1. Pr...
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Teoria geral do direito do trabalho

Guilherme Levien Grillo

b) Princípio da norma mais favorável – dentre duas regras, escolhe-se aquela mais

1. Princípios do direito do trabalho

favorável ao trabalhador. Atenção: não confundir com o princípio in dubio pro operario. 1.1. Princípio da proteção

Esse, visto acima, parte de uma regra, que comporta mais de uma interpretação. A norma hipossuficiente1

e,

mais favorável parte de duas regras que estão em lugares totalmente diferentes do

embora não positivado, informa todo o ordenamento jurídico do trabalho. Ou seja, tendo em

ordenamento. Exemplo clássico: a Constituição, no art. 7º, XVI, prevê adicional de 50% sobre

vista que o trabalhador é a parte fraca da relação contratual, o ordenamento confere vantagens

as horas extras e determinada convenção coletiva, 100%. Tem-se duas regras no ordenamento

normativas, como um padrão salarial mínimo, jornada de trabalho máxima, proteções

sobre adicional de horas extras: qual será aplicada? A mais favorável, no caso a prevista na

contatuais etc. Todo esse arcabouço protetivo, que limita a autonomia da vontade, tem como

convenção coletiva.

O princípio da proteção confere privilégios jurídicos ao trabalhador

objetivo reduzir as desigualdades e reequilibrar o contrato de trabalho. Subdivide-se em:

Ocorre que a situação em tela não é tão simples. Tome-se como exemplo uma convenção

a) princípio do in dubio pro operario – na dúvida, interpreta-se a norma em favor do

coletiva versus um acordo coletivo. Qual aplicar? A mais favorável. Mas reside aí o problema,

trabalhador. Ou seja, se uma regra jurídica dá margem a mais de uma interpretação, deve

uma vez que há um conjunto normativo em ambas, com diversos direitos, mais ou menos

optar-se por aquele que confere maior proteção para o trabalhador.

favoráveis. Nesse contexto, a doutrina desenvolveu a teoria do conglobamento por instituto, segundo a qual devem ser confrontadas em bloco, busca-se o conjunto normativo

Exemplo: determinado contrato individual de trabalho assegura ao

mais favorável da convenção ou do acordo coletivo.

empregado comissão de 1% sobre as vendas. Posteriormente, a empresa se nega a pagar a comissão, sob o fundamento de que houve prejuízo no

Atenção: há normas de ordem pública que não admitem flexibilização, ainda que em

faturamento da empresa e que a cláusula garantiria a comissão sobre o

benefício do empregado, tal como a prescrição.

lucro líquido. Na dúvida, não é essa a interpretação que deve prevalecer, pois a que favorece o trabalhador é aquela em que a venda incidiria sobre o valor bruto da venda. Atenção: majoritariamente, não se aceita tal princípio da dúvida no campo probatório, em caso de prova empatada.

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Hipossuficiente é aquele sujeito débil de uma relação jurídica. Exemplo: o consumidor, o trabalhador etc.

c) Princípio da condição mais benéfica – análogo ao direito adquirido, o princípio não permite a exclusão de determinado direito do contrato em vigor, por um regulamento de empresa ou aditivo contratual. E se a empresa optar por retirar determinado plano de saúde? Somente será aplicável aos novos contratos.

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Súmula nº 51, I, TST - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou

Regra geral: condição anterior adquirida não pode ser alterada por outra

alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores

norma, posterior. Só valerá para os futuros contratados.

admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.

Exceções: a) lei posterior incide, ainda que trazendo situação menos

Atenção: a vantagem pode ser expressa ou tácita. Não importa! Um “salário pago

vantajosa;

por fora” é cláusula contatual tácita que, não apenas jamais pode ser retirado, como

b) norma coletiva posterior incide, pois mais favorável;

também deve ser incorporado ao salário para todos os fins.

c) cláusulas-condição podem ser retiradas, como adicional de

Há, como é natural, alguns temperamentos ao princípio em tela. De início, tem-se que em

insalubridade,

quando

deixam

de

existir

as

condições

regra o direito adquirido ou as vantagens conquistadas são protegidas em face de outras

desfavoráveis, no caso a prestação do serviço em local insalubre.

alterações de origem contratual, havendo quem diga que lei nova, ainda que desfavorável, incide no contrato. 1.2. Princípio da primazia da realidade Além disso, há consenso no sentido de que as alterações oriundas de norma coletiva são admitidas, pois em tese a negociação coletiva é sempre in melius (para melhor), pois decorre de um equilíbrio produzido pelos sujeitos coletivos, com perdas e ganhos à categoria.

No Direito Civil, a forma prevalece sobre a realidade. Ou seja, não pode o adquirente de um imóvel deduzir que o valor ajustado não é aquele por ele assinado em um contato registrado em cartório.

Há, por fim, direitos que não se incorporam ao patrimônio jurídico do empregado, pois são cláusulas-condição, temporárias, como os adicionais de insalubridade, periculosidade, horas extras, noturno. Se retirada a condição mais gravosa que justifique o adicional, o trabalhador deve deixar de receber o adicional correspondente2. Outra cláusula-condição bem comum é o cargo de confiança, que pode ser retirado a qualquer tempo, malgrado a gratificação se incorpore ao patrimônio após dez anos de exercício ininterrupto do cargo.

No Direito do Trabalho, ocorre fenômeno inverso: a realidade se impõe sobre a forma. O princípio tem aplicabilidades diversas: pode-se citar uma das mais relevantes, no sentido de que estando presentes os elementos da relação de emprego (subordinação, onerosidade, nãoeventualidade e pessoalidade), de nada vale um contrato de estágio, de autonomia, de “pejota” assinado pelas partes. No caso, a realidade, de emprego, impõe-se sobre a forma fraudulenta. Outro exemplo se dá no campo da jornada: de nada vale a marcação de saída no registro de

Sistematizando:

ponto se o empregado continua a trabalhar. A realidade, sobrejornada, impõe-se sobre a forma, registro de saída no controle de jornada.

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Súmula n. 248 - A reclassificação ou a descaracterização da insalubridade, por ato da autoridade competente, repercute na satisfação do respectivo adicional, sem ofensa a direito adquirido ou ao princípio da irredutibilidade salarial.

Súmula n. 265 - A transferência para o período diurno de trabalho implica a perda do direito ao adicional noturno.

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1.3. Princípio da continuidade Presume-se contínuo o contrato de emprego, que é de trato sucessivo, por tempo indeterminado, de modo que contratos a prazo certo, determinado, devem ser tidos como excepcionais. Outra consequência relevante se dá no campo do ônus da prova: incumbe ao empregador comprovar a cessação do contrato. 1.4. Princípio da irrenunciabilidade O trabalhador, por ser hipossuficiente, não possui autonomia de vontade para dispor dos direitos trabalhistas, para renunciar aos seus preceitos.

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Pelo entendimento da jurisprudência trabalhista, que será fatalmente modificada, são quitados apenas os valores constantes no recibo, podendo o empregado buscar outras parcelas na justiça. A partir do entendimento do STF, o empregado não poderá mais pleitear nada no judiciário relacionado ao vínculo extinto pelo PDV, se houver tal previsão em norma coletiva. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. 2. Fontes do direito do trabalho As fontes formais subdividem-se em heterônomas, decorrentes de um sujeito estranho às partes, como o Estado. Estão no campo das fontes heterônomas a Constituição Federal e as

Exemplo: não pode o empregador fazer um “acerto” com o empregado, para não

leis (complementares, ordinárias, delegadas e decreto-legislativo). Por outro lado, tem-se

assinar a sua CTPS. Tal renúncia, de um direito indisponível, não tem eficácia para

fontes autônomas, como as convenções coletivas e os acordos coletivos.

o direito. A doutrina tem diferenciado a renúncia da transação, quanto ao momento da sua realização. Se, no curso do contrato, tem-se uma renúncia. Se, ao final do contrato, no que se inclui a

Algumas peculiaridades devem ser destacadas. a.

Portarias, instruções normativas e outros atos do Poder Executivo – para a doutrina majoritária, são fontes formais. Isto, porque no Direito do Trabalho, as

conciliação judicial, está-se diante de uma transação. A transação é permitida, pois supõe

portarias e instruções normativas do Ministério do Trabalho e Emprego alcançam

concessões recíprocas, isto é, empregado e empregador abrem mão de alguns direitos, a fim

a categoria de regra geral, abstrata, impessoal e imperativa, no que tange às normas

de chegar a um patamar consensual.

de meio ambiente do trabalho, ante o permissivo do art. 193 da CLT, que dispõe:

Como espécie de transação, os programas de incentivo à demissão voluntária – PDV’s –

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma

objetivam estimular a demissão, conferindo um valor indenizatório como incentivo, atrativo

da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e

ao desligamento. Pois bem. Após o julgamento do RE 590415, em 30.04.2015, o Supremo

Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho,

Tribunal Federal, passou a entender ser válida a cláusula que dá quitação ampla e irrestrita

impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do

de todas as parcelas decorrentes do contrato de emprego, desde que este item conste de

trabalhador a (...):

Acordo Coletivo de Trabalho e dos demais instrumentos assinados pelo empregado, o que provocará a revisão da OJ n. 270, do TST.

b.

As sentenças normativas, que decorrem do atípico poder normativo da justiça do trabalho, fruto (ainda presente) do Estado corporativo do Estado Novo, são fontes

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heterônomas do direito do trabalho. Sim, pois são proferidas pelo judiciário

Súmula nº 277 do TST

trabalhista (poder estatal, estranho às partes) em um dissídio coletivo. c.

As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas

As convenções coletivas e os acordos coletivos são fontes autônomas e

integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser

diferenciam-se pelos sujeitos que as firmam. As convenções, mais amplas, são

modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.

firmadas pelos sindicatos (dos empregados e empregadores), já os acordos são firmados pelo sindicato dos empregadores diretamente com as empresas, ou seja,

d.

são mais restritas e específicas ao âmbito de uma empresa. As normas coletivas, gênero que compreende convenções e acordos coletivos,

Os usos e costumes são fontes autônomas, pois o Estado não está presente nessa formação de fonte jurídica.

e.

O laudo arbitral, que está previsto no art. 114, § 1º da CLT e é aplicável apenas

contemplam regras jurídicas (grande parte das cláusulas) e cláusulas obrigacionais,

nas relações coletivas de trabalho, dada a hipossuficiência do trabalhador, é fonte

dirigidas aos entes pactuantes, exclusivamente. As primeiras, portanto, conferem

heterônoma de direito do trabalho.

direitos aos trabalhadores, que se não observados incidirão multas convencionais e

f.

cobradas em uma única ação:

A doutrina tem entendido que o regulamento de empresa não é fonte formal de direito, pois não atende ao pressuposto da abstratividade, é restrito ao âmbito da

SUM-384, TST

empresa. Vale ressaltar que as cláusulas do regulamento da empresa aderem ao

I - O descumprimento de qualquer cláusula constante de instrumentos

contrato de trabalho, caso mais benéficas (princípio da condição mais benéfica).

normativos diversos não submete o empregado a ajuizar várias ações,

Não sendo, atingirão apenas os futuros contratos.

pleiteando em cada uma o pagamento da multa referente ao

Súmula nº 51 do TST. I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou

descumprimento de obrigações previstas nas cláusulas respectivas.

alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores

II - É aplicável multa prevista em instrumento normativo (sentença

admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. II - Havendo a

normativa, convenção ou acordo coletivo) em caso de descumprimento

coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por

de obrigação prevista em lei, mesmo que a norma coletiva seja mera

um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro.

repetição de texto legal. Convém ainda acrescentar que as cláusulas estipuladas em norma coletiva somente serão substituídas por outra norma coletiva ou sentença normativa. Ou seja, ainda que a norma coletiva tenha alcançado o seu termo de vigência, as vantagens por ela concedidas aderem ao contrato, somente sendo substituídas por outra norma superveniente. É o que se denomina ultra-atividade das normas coletivas, conforme a Súmula n. 277 do TST:

g.

A jurisprudência, principalmente no contexto atual de valorização dos precedentes e ainda mais no âmbito da seara laboral, onde vige um verdadeiro império das Súmulas e Orientações Jurisprudenciais, tem sido considerada fonte formal heterônoma. Para tanto, é preciso que se exteriorizem por meio de entendimento sumulado, de orientação jurisprudencial, precedente normativo etc, ao que se chama jurisprudência consolidada.

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h.

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Princípios, aliado à doutrina atual, pós-positivista, são normas e, portanto,

2. (2011.1) Foi celebrada convenção coletiva que fixa jornada em sete horas diárias.

fontes formais.

Posteriormente, na mesma vigência dessa convenção, foi celebrado acordo coletivo prevendo redução da referida jornada em 30 minutos. Assim, os empregados das empresas que subscrevem o acordo coletivo e a convenção coletiva deverão trabalhar, por dia,

Questão da OAB 1. (2015.3) Reinaldo trabalha em uma empresa cujo regulamento interno prevê que o

a)

empregador pagará a conta de telefone celular do empregado,

podendo ser derrogada por norma hierarquicamente inferior.

R$

150,00

até

o

limite

de

mensais. Posteriormente, havendo crise no setor em que a empresa

atua, o regulamento interno foi expressamente alterado para constar que, dali em diante, a empresa arcará com a conta dos celulares dos empregados até o limite de R$ 50,00 mensais.

b)

8 horas, pois a CRFB prevê jornada de 8 horas por dia e 44 horas semanais, não

7 horas e 30 minutos, porque o acordo coletivo, por ser mais específico, prevalece

sobre a convenção coletiva, sendo aplicada a redução de 30 minutos sobre a jornada de 8 horas por dia prevista na CRFB.

De acordo com o entendimento consolidado do TST, assinale a

afirmativa correta. A) O regulamento interno é ato unilateral de vontade do empregador, que poderá

c)

7 horas, pois as condições estabelecidas na convenção coletiva, por serem mais

abrangentes, prevalecem sobre as estipuladas no acordo coletivo.

modificá-lo a qualquer momento, daí por que não há direito adquirido e a nova condição

d)

alcança Reinaldo.

favorável ao trabalhador4.

B) A alteração somente é válida para aqueles que foram admitidos anteriormente à

3. (2015.3) Em normas coletivas firmadas pela empresa Montagens Industriais Ltda., há previsão de multa por descumprimento de cláusulas normativas que foram efetivamente descumpridas pela empresa. Diante disso, assinale a afirmativa correta.

mudança e não prevalece para os que forem contratados após a mudança. C) A alteração é válida, mas só alcança aqueles admitidos posteriormente à mudança, não podendo então alcançar a situação de Reinaldo3. D) A alteração feita pela empresa é ilegal, pois, uma vez concedida a benesse, ela

6 horas e 30 minutos, pela aplicação do princípio da prevalência da norma mais

A) O empregado terá de ajuizar tantas ações quantas forem as lesões, postulando, em cada uma delas, a multa pelo descumprimento de obrigações previstas nas respectivas cláusulas.

não pode ser retirada em momento algum e para nenhum empregado, atual ou futuro.

B) Tratando-se de multa prevista em instrumento normativo em decorrência descumprimento de cláusula que reproduz texto de lei, a multa é incabível.

3

4

CORRETA: LETRA C

CORRETA: LETRA D

de

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C) Tendo em vista a reprodução de textos de lei em cláusulas de instrumentos normativos diversos, ficará a critério do juiz definir se pode haver esse acúmulo. D) O descumprimento de qualquer cláusula constante de instrumentos normativos diversos não submete o empregado a ajuizar várias ações, pleiteando, em cada uma, o pagamento de multa referente ao descumprimento de obrigações previstas nas respectivas cláusulas5. 4. (2014.2) Paulo, soldador, trabalha na empresa Tubo Forte Ltda.. Em abril de 2013, o sindicato representativo da categoria de Paulo firmou acordo coletivo com a empresa Tubo Forte Ltda., no qual estabelecia a concessão de vale refeição. Tal acordo teve validade de um ano e, até hoje, não houve outra norma coletiva negociada. Em razão disso, desde que houve o decurso do prazo de vigência do acordo, a empresa cessou o pagamento do benefício. Na qualidade de advogado de Paulo, responda, fundamentadamente, aos itens a seguir. A) O que você deverá alegar em eventual ação trabalhista? B) Qual o princípio de direito do trabalho está envolvido na questão?

5

CORRETA: LETRA D

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