SP ANTONIO SERGIO CORDEIRO PIEDADE

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP ANTONIO SERGIO CORDEIRO PIEDADE CRIMINALIDADE ORGANIZADA E A DUPLA FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORC...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

ANTONIO SERGIO CORDEIRO PIEDADE

CRIMINALIDADE ORGANIZADA E A DUPLA FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO/SP 2013

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

ANTONIO SERGIO CORDEIRO PIEDADE

CRIMINALIDADE ORGANIZADA E A DUPLA FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC/SP, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito Penal, sob a orientação do Professor Livre Docente Antonio Carlos da Ponte.

SÃO PAULO/SP 2013

Banca Examinadora _______________________ _______________________ _______________________ _______________________ _______________________

Dedicatória

Dedico o presente trabalho à minha esposa Elenice e aos nossos queridos filhos Nilson e Maria Carolina, os

quais,

compreensiva,

de

forma com

amor

intensa e

e

afeto,

participaram deste sonho desde o seu nascedouro.

Agradecimentos A Deus, por ter me dado saúde e força para a conclusão do presente trabalho, sobretudo nos momentos mais difíceis. Ao meu orientador, Professor Doutor Antonio Carlos da Ponte, paradigma de homem público, pelo exemplo de competência, seriedade, disciplina e determinação na vida funcional e acadêmica, que acreditou e confiou na conclusão deste trabalho, pautando sua orientação pela cordialidade e lhaneza. Aos Professores Doutores Christiano Jorge Santos e Alessandra Orcesi Pedro Greco, pelo apoio e por suas profícuas e valorosas contribuições durante meu Exame de Qualificação. Aos Professores Doutores Dirceu de Mello e Maria Helena Diniz, pela sabedoria na condução dos debates e pelos ensinamentos científicos e de vida transmitidos durante as aulas ministradas nos créditos do Doutorado. Ao Professor Doutor Valter Foleto Santin, pelo estímulo e troca de ideias sobre o tema objeto deste trabalho.

Aos meus pais, José Nilson Piedade (in memoriam) e Izabel Cordeiro Piedade (in memoriam), pela ternura e o exemplo de que na vida as conquistas são frutos de foco, renúncia e determinação, bem como ao meu irmão Flávio Henrique Cordeiro Piedade, na lembrança de uma infância fraterna, na qual, acima de tudo, sempre imperou a união entre nós.

À minha esposa Elenice, pela compreensão, cumplicidade e companheirismo durante esta longa jornada e aos meus filhos, Nilson e Maria Carolina, crianças abençoadas, para quem sonhamos e acreditamos em uma sociedade mais humana e fraterna. Aos amigos Caio Márcio Loureiro, César Danilo Ribeiro de Novais, Gustavo Dantas Ferraz, Clóvis de Almeida Júnior e Antônio Veloso Peleja Júnior, pela leitura do trabalho e a rica e proveitosa troca de ideia sobre o tema. À Professora Margarida Maria Silva Castro, pela importante contribuição na revisão dos textos e a minha Oficial de Gabinete, Waleska Roberta Rodrigues, pela inestimável colaboração na 2.ª Promotoria de Justiça Criminal de Cuiabá- MT. Agradeço, por fim, ao Ministério Público do Estado de Mato Grosso, instituição a que tenho a honra de pertencer, nas pessoas de seus Procuradores- Gerais de Justiça, Marcelo Ferra de Carvalho e Paulo Roberto Jorge do Prado, grandes líderes, que me apoiaram nesta empreitada acadêmica.

RESUMO O presente trabalho tem por objetivo fazer uma análise crítica do

sistema

punitivo,

com foco nas organizações criminosas.

Hodiernamente rompemos com o paradigma do crime artesanal o que impõe traçarmos uma nova perspectiva para o Direito Penal, dentro da concepção de um Estado Democrático de Direito, onde a resposta penal precisa ser pensada para uma criminalidade organizada, sem rosto, transnacional, que, muitas vezes, encontra-se com tentáculos dentro do aparato do próprio Estado e representa uma afronta à democracia. Dentro desse contexto, será analisada a evolução das diferentes formas de Estado e as dimensões das garantias fundamentais, com a discussão acerca da importância dos princípios constitucionais do Direito Penal não somente na limitação, mas também na fundamentação e na legitimação de um sistema penal atual, no qual as ameaças não partem, como no passado, exclusivamente do Estado, mas de uma criminalidade difusa. O Estado, dentro desta perspectiva, deve agir para assegurar as garantias fundamentais do agente que violou a norma penal, mas também da sociedade. A

dupla

face

do

princípio

da

proporcionalidade,

notadamente na vertente da proibição da proteção deficiente, surge como um instrumento de materialização da dignidade da pessoa humana de índole social, de modo a não permitir que se vulnerem os direitos fundamentais em seu viés coletivo, com uma insuficiência de proteção aos valores mais caros de uma sociedade, visando assegurar uma convivência harmônica em sociedade, mediante uma política criminal eficiente que preserve a higidez democrática e a credibilidade das instituições republicanas.

Palavras-chave: criminalidade organizada, dupla face da proporcionalidade, princípio da proibição da proteção deficiente e preservação da higidez democrática.

ABSTRACT

This paper aims to make a critical analysis of the punitive system, with a focus on criminal organizations. Nowadays we break free from the paradigm of rude crimes which makes us draw a new perspective to the Criminal Law, in the conception of a democratic state, where the criminal response must be considered for the organized crime, faceless, transnational, which often presents tentacles within the apparatus of the state itself and is an affront to democracy. Within this context, we will analyze the evolution of different forms of state and the dimensions of fundamental guarantees, with discussions about the importance of the constitutional principles of criminal law not only related to limiting, but also in the basis and in the legitimating of a current criminal justice system, in which threats do not come only from the state, like in the past, but from a diffuse criminality. The State must act within this perspective to ensure the fundamental guarantees not only of the agent who violated the criminal standard, but also of society. The double sided proportionality principle, especially in the aspect of

the prohibition of poor protection

emerges as an instrument of

materialization of human dignity , so that it is not allowed for them to violate the fundamental rights in their collective bias, with a failure protection of the highest values of a society in order to ensure a harmonious coexistence in society, through an efficient crime policy that preserves the democratic healthiness and credibility of republican institutions.

Keywords: organized crime, double sided proportionality, prohibition of poor protection principle and preservation of democratic healthiness.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO......................................................................................................1 1.

O

DIREITO

PENAL

E

AS

DIFERENTES

FORMAS

DE

ESTADO.................................................................................................................4 1.1. Histórico dos sistemas penais e sua correlação com as formas de Estado.....................................................................................................................4 1.2. Estado de Direito...................................................................................23 1.2.1. Estado Liberal de Direito.............................................................28 1.2.2. Estado Social de Direito..............................................................30 1.2.3. Estado Democrático de Direito...................................................32 2. DIREITOS FUNDAMENTAIS........................................................................36 2.1. Conceito e origem..................................................................................36 2.2. Gerações ou dimensões?........................................................................42 2.2.1. Direitos de primeira dimensão....................................................45 2.2.2. Direitos de segunda dimensão.....................................................47 2.2.3. Direitos de terceira dimensão......................................................48 2.2.4. Direitos de quarta dimensão.......................................................49 2.2.5. Direitos de quinta dimensão.......................................................50 3. PRINCÍPIOS.....................................................................................................52 3.1. Conceito.................................................................................................52 3.2. Princípios e regras..................................................................................53 3.3.

Princípios

de

Direito

Penal

como

instrumento

de

fundamentação, limitação e legitimação da tutela penal......................................59

3.4. Princípios de Direito Penal em espécie.................................................62 3.4.1. Princípio da dignidade da pessoa humana..................................62 3.4.2. Princípio da legalidade................................................................66 3.4.3. Princípio da igualdade................................................................69 3.4.4. Princípio da culpabilidade..........................................................70 3.4.5. Princípio da humanidade............................................................72 3.4.6. Princípio da ultima ratio.............................................................74 3.4.7. Princípio da fragmentariedade....................................................76 3.4.8. Princípio da subsidiariedade.......................................................77 4. A DUPLA FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE................79 4.1. Princípio da proporcionalidade..............................................................79 4.2. Princípio da Proibição de excesso (Übermassverbot)...........................84 4.3. Princípio da Proibição da proteção deficiente (Untermassverbot)........86 5. ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS..................................................................94 5.1. Globalização e sociedade de risco.........................................................94 5.2. Considerações gerais e características ..................................................98 5.3. Delimitação do tipo penal de Organização Criminosa.......................107 6.

PRINCÍPIO

DA

PROIBIÇÃO

DA

PROTEÇÃO

DEFICIENTE

E

CRIMINALIDADE ORGANIZADA: A NECESSIDADE DE TRAÇAR UM NOVO HORIZONTE PARA O DIREITO PENAL..........................................116 6.1. Os critérios para a criminalização de uma conduta..........................116 6.2. Mandados de criminalização como instrumento de concretização (proteção) dos direitos fundamentais.......................................................119

6.3. A resposta penal frente às novas formas de criminalidade...............125 6.4. A proteção dos bens jurídicos difusos..............................................129 6.5. O equilíbrio entre o garantismo e a eficiência..................................132 7. O ENFRENTAMENTO DA CRIMINALIDADE ORGANIZADA COMO FORMA

DE

PRESERVAÇÃO

DO

ESTADO

DEMOCRÁTICO

DE

DIREITO............................................................................................................139 CONCLUSÕES..................................................................................................154 REFERÊNCIAS.................................................................................................162

1

INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por escopo a análise da dupla face do princípio da proporcionalidade, notadamente na vertente da proibição da proteção deficiente, no contexto das organizações criminosas, na perspectiva dos princípios fundamentadores, legitimadores e limitadores ínsitos ao Estado Democrático de Direito.

Serão enfocadas, de início, a função do Direito Penal e as consequências das diferentes formas de Estado, na elaboração e formatação do sistema punitivo. Analisaremos o Estado Liberal de Direito, o Estado Social de Direito até a consagração do Estado Democrático de Direito. Na

sequência

abordaremos

a

origem

dos

direitos

fundamentais. O Antigo Regime tinha como traço fundamental a personificação do Estado na figura do monarca. Todavia, com o advento do Estado Liberal, o indivíduo passou a ser protegido contra os excessos do Leviatã, donde surge a primeira geração de direitos, os quais são fruto das revoluções liberais. Com o surgimento do Estado Social e, posteriormente, do Estado Democrático de Direito surge a necessidade de traçar os horizontes de um Direito Penal, que consiga não só proteger o indivíduo, mas também acautelar a sociedade. Dentro desse contexto, será analisada a importância dos princípios constitucionais na fundamentação, na limitação e na legitimação do sistema penal hodierno, no qual as ameaças não partem, como no passado,

2

exclusivamente do Estado, mas de uma criminalidade que afronta o próprio Estado Democrático de Direito. Faremos

também

uma

análise

do

princípio

da

proporcionalidade, bem como a sua abordagem nas vertentes da proibição de excesso e da proibição da proteção deficiente, averiguando seu alcance e a sua extensão ante a criminalidade organizada, um fenômeno mundial, que, indubitavelmente, deixa sua mácula nas instituições governamentais e privadas, contando com a participação de membros do poder público e tem como desiderato o enriquecimento rápido e ilícito. Discorreremos sobre o Direito Penal em um mundo globalizado, com uma criminalidade sem fronteiras, o que impõe a discussão sobre o intitulado Direito Penal do Inimigo, como instrumento de combate às organizações criminosas. Discutiremos a necessidade de traçar um novo horizonte para o Direito Penal, com os critérios para a criminalização de uma conduta, a função e a relevância dos mandados de criminalização como instrumentos de proteção dos direitos fundamentais, a resposta penal diante das novas formas de criminalidade, a proteção dos bens jurídicos difusos e o equilíbrio entre o garantismo e a eficiência. Por fim, analisaremos a necessidade de enfrentamento da criminalidade organizada como forma de preservação do Estado Democrático de Direito.

3

Ressaltamos o insucesso que poderá ocorrer com a leitura do presente escrito, sem que haja um desprendimento da forma ordinária de se pensar a tutela penal, a qual sempre se limitou à proteção de bens jurídicos tradicionais, que desconsidera o avanço de uma criminalidade difusa, inerente a uma sociedade de risco, pois o que se propõe é a releitura do Direito Penal, tendo em vista o enfrentamento adequado da criminalidade organizada, sob novos parâmetros.

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1. O DIREITO PENAL E AS DIFERENTES FORMAS DE ESTADO 1.1. Histórico dos sistemas penais e sua correlação com as formas de Estado Os caminhos trilhados pelo Direito Penal estão intimamente ligados e condicionados à forma de Estado e trazem as diretrizes de um sistema, que deve ter unidade, coerência e completude.

O sistema penal deve ser um instrumento hábil a produzir equilíbrio nas relações sociais, com respostas penais efetivas, sobretudo nas condutas com real lesividade social. A forma de Estado será de fundamental importância para a estruturação do Direito Penal com a delimitação e o estabelecimento de marcos políticos, sociais e jurídicos, para sua formatação. Porém, uma questão é certa, como salienta Oscar Vilhena Vieira, o sistema punitivo não está atrelado a um viés exclusivamente técnico, mas é um tema de origem e repercussão política, sendo que qualquer decisão do legislador em criminalizar, ou não, uma determinada conduta ou do Poder Judiciário, ao impor uma reprimenda produz efeitos, havendo, inclusive controvérsias jurídicas e políticas1.

Em um Estado onde vigora o arbítrio, o Direito Penal será indubitavelmente opressor das garantias fundamentais, tipificando condutas de cunho moral e ideológico. Em um Estado Democrático, o Direito Penal respeitará os limites inerentes ao pluralismo político, ideológico, com uma gama de direitos que assegurem a pluralidade e a tolerância. Todavia, este acautelamento do 1

VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos fundamentais. Uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 60.

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indivíduo em face do Estado deverá, em algumas situações, sofrer limites, como forma de assegurar o convívio social de maneira ordeira e harmônica. Pode-se dizer, em linhas gerais, que o Direito Penal tem como função precípua ser um instrumento subsidiário de controle social, visando impedir a violação da norma penal e reprimindo o agente que a violou. Como salientado por Antonio Chaves Camargo, várias são as concepções de sistema penal, que, no correr dos tempos, inspiraram os filósofos e penalistas, com o objetivo de permitir que a intervenção do Estado, neste âmbito, considerado o mais grave de todos, fosse limitada ao essencial e indispensável para a manutenção da paz social2.

Em meados do século XVIII, as características da legislação criminal na Europa deram ensejo à reação de alguns pensadores, “agrupados em torno de um movimento de ideias, que têm como fundamento a razão e a humanidade”3. O direito era instrumento gerador de privilégios, que permitia aos juízes, dentro do mais desmedido arbítrio, julgarem os homens de acordo com sua condição social. A Revolução Francesa foi um marco histórico importante na consolidação das correntes iluministas e humanitárias, preconizadas por Voltaire, Montesquieu e Rousseau, se contrapondo aos excessos decorrentes da legislação penal da época, propuseram a diminuição da crueldade, a individualização da

2

CAMARGO, Antonio Luis Chaves. Sistemas de penas, dogmática jurídico- penal e política criminal. São Paulo: Cultural Paulista, 2002, p. 20. 3 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão- causa e alternativas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 37.

6

pena e a tentativa de adoção de critérios de proporcionalidade entre a conduta perpetrada e a respectiva resposta penal. No século XIX, nascem diversas linhas de pensamento e concepções, as quais procuravam se organizar tendo como norte determinados princípios fundamentais. Essas concepções (correntes), que se convencionou chamar de Escolas Penais ou Sistemas Penais, foram definidas, conforme esclarece Luiz Jiménez de Asúa, como o “corpo orgânico de concepções contrapostas sobre a legitimidade do direito de punir, sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanções”4. O primeiro movimento organizado de ideias, que procura pensar em diretrizes para o Direito Penal foi a Escola Clássica, cuja denominação foi dada pelos positivistas com conotação pejorativa, sendo uma expressão cunhada por Enrico Ferri, que era positivista. Cesare Bonesana foi o primeiro a apresentar na obra Dos Delitos e das Penas (1.764)5 um delineamento denso sobre uma teoria de cunho psicológico, o que o torna precursor da Escola Clássica. Roberto Lyra assevera que os clássicos “em conseqüência do mais paradoxal dos paradoxos, recebeu a certidão de nascimento das mãos de seus demolidores”6.

4

JIMÉNEZ DE ASUÁ, Luiz. Tratado de derecho penal. 3. ed. v. 2. Buenos Aires: Losada, 1964, p. 31. BONESANA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 1991. 6 LYRA, Roberto. Novas escolas penaes. Rio de Janeiro: Est. Graph. Canton & Reile, 1936, p. 7. 5

7

Os postulados do Iluminismo, de certa forma sistematizados na obra dos Delitos e das Penas, serviram de base para a nova doutrina, que representou a humanização das escolas penais. O contexto de absoluta crueldade que imperava nas sanções penais em meados do século XVIII impunha uma transformação no sistema punitivo em vigor, com a adoção de medidas que restabelecessem a dignidade humana e o direito do cidadão perante o Estado, fundamentando o individualismo, que acabaria inspirando o surgimento da Escola Clássica. O próprio Cesare Bonesana fez alusão ao Contrato Social nos dois primeiros capítulos de sua obra. Essa teoria do Contrato Social pressupõe a efetiva igualdade entre os homens. Enfim, preleciona Cezar Roberto Bitencourt, a Escola Clássica, tal como se desenvolveu na Itália, distinguiuse em dois grandes períodos: a) teórico filosófico- sob a influência do iluminismo, de cunho nitidamente utilitarista, pretendeu adotar um Direito Penal fundamentado na necessidade social. Este período, que iniciou com Beccaria, foi representado por Filangieri, Romagnosi e Carmignani; b) ético jurídico- numa segunda fase, período em que a metafísica jusnaturalista passa a dominar o Direito Penal, acentua-se a exigência ética de retribuição, representada pela Sanção Penal. Foram os principais expoentes desta fase Pelegrino Rossim, Francesco Carrara e Pessina7.

Todavia, Cesare Bonesana, o precursor do Direito Penal Liberal, e Carrara, o criador da dogmática penal foram os ícones da Escola Clássica.

7

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 15. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 83.

8

Ressalte-se, contudo que, na verdade, é praticamente impossível reunir os diversos juristas, representantes dessa corrente, que pudessem apresentar um conteúdo homogêneo, pois não houve uma Escola Clássica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum, relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados pelo crime e pela sanção penal.

Os Princípios fundamentais da Escola Clássica trazidos por Carrara são os seguintes: o crime é um ente jurídico, o livre-arbítrio como fundamento da punibilidade, a pena como meio de tutela jurídica e retribuição da culpa moral e o princípio da reserva legal. A Escola Clássica, portanto, foi o ponto de partida para a elaboração da teoria do crime, pois sob a liderança de Carrara começaram a construir a elaboração do exame analítico do crime, distinguindo os seus vários componentes. Em decorrência dos antecedentes históricos, onde imperava o arbítrio, os clássicos tinham uma grande preocupação de garantir e preservar a soberania da lei e afastar qualquer tipo de excesso. Com isso, limitavam duramente os poderes do juiz, quase o transformando em mero executor legislativo. O histórico Código Zanardelli, de 1889, adotou as ideias fundamentais da Escola Clássica.

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No fim do século XIX,

durante

o

predomínio

do

pensamento positivista no campo da filosofia surge a Escola Positiva. Durante esta fase ocorre o nascimento da biologia e da sociologia e há um grande avanço da antropologia, da psiquiatria, da psicologia, da sociologia e da estatística. Este panorama vai influenciar, sobremaneira, o Direito Penal e os estudos criminológicos.

O processo histórico é pendular, a Escola Clássica tinha uma visão de proteção do indivíduo. Por sua vez a Escola Positiva nasce em um contexto onde há exigência de defesa do corpo social contra a ação dos indivíduos que violassem a norma penal. A aplicação da pena passou a ser vista como uma reação natural do organismo social contra a atividade anormal dos seus componentes, admitindo o delinquente e o delito como patologias sociais. O fundamento da pena não são a natureza e a gravidade do crime, mas a personalidade do réu, sua capacidade de adaptação e especialmente sua periculosidade. A Escola Positiva apresenta três fases: fase antropológica, fase jurídica e fase sociológica. A fase antropológica teve como idealizador Cesare Lombroso que, apesar dos fracassos fundou a antropologia criminal, com o estudo antropológico do criminoso. Sustentava Lombroso que havia o criminoso

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louco, habitual, ocasional, passional e o famigerado criminoso nato, uma variedade particular da raça humana. O criminoso nato seria reconhecido por uma série de estigmas físicos, tais como a assimetria do rosto, dentição anormal, orelhas grandes, olhos defeituosos, tatuagens, irregularidades nos dedos e mamilos, etc. A fase jurídica teve como precursor Rafael Garofalo, que foi o jurista da primeira fase da Escola Positiva. Deu sistematização jurídica à Escola Positiva, estabelecendo os seus princípios, os quais consistiam em considerar a periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinqüente, o direito de punir tinha como escopo a teoria da Defesa Social, deixando em segundo plano os objetivos reabilitadores. Tinha grande ceticismo com relação à readaptação do criminoso, o que justificava suas posições radicais em favor da pena de morte e seu desinteresse pela ressocialização do delinquente. A fase sociológica, que teve como expoente Enrico Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal. Sustentou a teoria sobre a inexistência do livre-arbítrio, na Universidade de Bolonha (1.877). Adotava como Lombroso, a concepção sobre a defesa social através da intimidação geral. Contrariando Lombroso e Garofalo, Ferri entendia que a maioria dos criminosos era readaptável. Considerava incorrigíveis apenas os criminosos habituais, admitindo, assim mesmo, a eventual correção de uma pequena minoria dentro desse grupo.

Apesar do predomínio da defesa social,

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não deixou de marcar o início da preocupação com a ressocialização do criminoso. Em linhas gerais, podemos traçar como legado da Escola Positiva o nascimento da criminologia, sua preocupação com o delinquente e com a vítima, melhor individualização da pena, o conceito de periculosidade e o desenvolvimento de institutos, como a medida de segurança, o livramento condicional e a suspensão condicional da pena. Surge posteriormente a Terceira Escola, a qual foi plasmada a partir do famoso artigo publicado por Manuel Carnevale Uma Terza Scuola di Diritto Penale in Itália, em 1.891. Também conhecida como escola crítica, eclética, sociológica ou do naturalismo crítico procurou fundir os preceitos anteriores e criar uma terceira concepção. Essa corrente segundo Anibal Bruno “recolhe da escola clássica o princípio da responsabilidade moral e a conseqüente distinção entre imputáveis e não imputáveis, mas exclui o fundamento do livre arbítrio”8. Representando um movimento semelhante ao positivismo crítico da Terceira Escola Italiana, de conteúdo igualmente eclético nasce a Escola Moderna Alemã, sendo seu principal representante Franz von Liszt. Propõe, conforme sintetiza Cezar Roberto Bitencourt9: a) a adoção do método lógico-abstrato e indutivo-experimental; b) distinção entre imputáveis e

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BRUNO, Aníbal. Direito penal. parte geral, Tomo 1. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 124. Op. cit. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. 15. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 92-93. 9

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inimputáveis, c) concepção do crime como fenômeno humano- social e fato jurídico, d) função finalística da pena; e) eliminação ou substituição das penas privativas de liberdade de curta duração. Arturo Rocco, em seguida, difunde a Escola TécnicoJurídica, que parte do pressuposto de que a ciência penal é autônoma e não deve ser confundida com outras ciências, tais como a Antropologia e a Sociologia. De acordo com Luiz Regis Prado, o denominado tecnicismo jurídico-penal nasceu como resposta à confusão metodológica gerada pela escola positiva. A excessiva preocupação com os aspectos antropológicos e sociológicos do delito, em detrimento do jurídico, deu lugar a um estado de crise e conseqüente reação10.

Em decorrência, portanto, desta confusão metodológica nasce referida escola, a qual, em linhas gerais, aborda o problema do método no estudo do Direito Penal e caracteriza muito mais uma corrente de renovação metodológica do que propriamente uma escola, visto que procurou restaurar o critério propriamente jurídico da ciência do Direito Penal. Com a publicação de Comentatio an poena malum esse debeat, de Carlos David Augusto Röder, surge na Alemanha, em 1839, a Escola Correcionalista, cuja maior característica é fixar a emenda ou correção do agente que violou a norma penal como fim exclusivo e único da pena11.

10

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, vol. 1: parte geral, arts. 1. a 120. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 85. 11 RIVACOBA Y RIVACOBA, Manuel de. El correccionalismo penal. Argentina, Ed. Córdoba, 1989, p. 22.

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Seguindo a história nasce o Movimento da Defesa Social, que tem como precursores Filippo Gramatica, Adolphe Prins e Marc Ancel. Gramática assevera que o Direito Penal deve ser substituído por um direito de defesa social, com o objetivo de adaptar “o indivíduo à ordem social”12. Adolphe Prins fez a primeira sistematização da Defesa Social com a obra La Defensa Social y las transformaciones del Derecho penal13, todavia o grande referencial teórico desta linha ideológica é a obra de Marc Ancel, A Nova Defesa Social, em 1954, que se definiu como “uma doutrina humanista de proteção social contra o crime”14. Oswaldo Henrique Duek Marques, ressaltando a importância da Nova Defesa Social professa que a referida escola se afasta do determinismo positivista e postula o livre- arbítrio como fundamento da imputabilidade dentro de uma política criminal, na qual o indivíduo deve respeitar a coletividade e ter sua dignidade e liberdade protegidas, pois mesmo delinquente, tem direito a ser reintegrado socialmente pelo Estado15. O Novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação finalista da lavra de Hans Welzel16 é um importante referencial teórico na criação da doutrina finalista da ação. As teorias mais relevantes no contexto

12

GRAMATICA, Filippo. Principios de derecho penal subjetivo. Madrid: Reus, 1941, p. 124. PRINS, Adolphe. La defensa social y las transformaciones del derecho penal. Bruxelles, 1910. 14 ANCEL, Marc. A nova defesa social. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 446. 15 MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 128-129. 16 WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação finalista, tradução Luiz Regis Prado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. 13

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da estrutura do crime no pensamento finalista são: a teoria finalista da ação e a teoria normativa pura da culpabilidade. Após a morte de Welzel surgiram diversas linhas de pensamento a respeito do Direito Penal, denominadas por alguns de funcionalistas. O finalismo tem enfoque filosófico, ao passo que o funcionalismo tem enfoque sociológico, buscando analisar a função da aplicação do Direito Penal, mormente da aplicação da pena, com a reafirmação dos valores vigentes. O funcionalismo considera que a análise do crime deve observar a função político-criminal do Direito Penal. O objetivo de um sistema penal está em estruturar os elementos fundamentais que integram o conceito de crime. O funcionalismo avança um pouco mais e propõe que o estudioso da ciência penal construa uma estrutura conceitual que atenda à função do Direito Penal. As correntes funcionalistas mais importantes são: A Escola de Munique liderada por Claux Roxin, a Escola de Frankfurt dirigida por Winfried Hassemer, e a Escola de Bonn encabeçada por Günther Jakobs17.

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Antonio Carlos da Ponte realiza oportuna síntese sobre as vertentes do funcionalismo, asseverando que: “o funcionalismo penal critica os conceitos metodológicos finalistas, embasados no ontologismo. O finalismo entende que a realidade é unívoca e que basta conhecê-la para que os problemas jurídicos possam ser solucionados. O funcionalista por sua vez, admite serem várias as interpretações possíveis da realidade, de modo que o problema jurídico só possa ser resolvido através de considerações que digam respeito à eficácia e à legitimidade da atuação do Direito Penal. São três os sistemas funcionalistas: 1º) funcionalismo moderado, voltado à necessidade de penetração da política criminal na dogmática. Tem como principal expoente Claus Roxin; 2º) funcionalismo radical, representado pelo funcionalismo sociológico, inspirado na Teoria Sistêmica de Niklas Luhmann; 3º) funcionalismo limitado, voltado à

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O

funcionalismo

da

Escola

de

Munique,

também

denominado funcionalismo teleológico ou moderado liderado por Claux Roxin apregoa que a teoria do delito não pode ficar alheia aos postulados políticocriminais que norteiam o Direito Penal, os quais devem levar a uma aproximação permanente da realidade social. Assevera Claus Roxin que: submissão ao direito e adequação a fins político-criminais (Kriminalpolitische ZweckmäBigkeit) não podem contradizerse, mas devem ser unidas numa síntese, da mesma forma que Estado de Direito e Estado Social não são opostos inconciliáveis, mas compõem uma dialética: uma ordem jurídica sem justiça social não é um Estado de Direito Material, e tampouco pode utilizar-se da denominação Estado Social um Estado planejador e providencialista que não acolha as garantias de liberdade do Estado de Direito18.

O

funcionalismo

da

Escola

de

Frankfurt,

também

denominado funcionalismo formalizador ou limitado, e dirigido por Winfried Hassemer sustenta a redução do Direito Penal ao que qualifica como direito penal nuclear, ficando uma zona intermediária entre este direito e as contravenções, denominado direito de intervenção, o qual teria como foco as novas formas de delinqüência (criminalidade organizada, delitos econômicos, etc.)19.

justificação do Direito Penal por sua utilidade social, voltada, contudo, aos limites de um Estado Democrático de Direito”. (PONTE, Antonio Carlos da. O “Habeas Corpus” como instrumento garantidor do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. In: Proteção judicial dos direitos fundamentais. Coord. Vidal Serrano Nunes Júnior. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007, p. 6). 18 ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico- penal. Tradução Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 20. 19 Ao se referir ao Direito Penal nuclear Winfried Hassemer fala em “um direito penal nuclear circunscrito aos bens jurídicos referentes aos seres humanos e que coloca sob punição apenas aqueles bens jurídicos da coletividade, que podem ser concebidos precisamente e que por detrás deles possam ser percebidos interesses pessoais (como no caso da periclitação do trânsito urbano, a busca judicial da verdade ou no caso de posse de objetos perigosos à comunidade), possuem outro tipo de pena do que um

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O funcionalismo da Escola de Bonn, também denominado funcionalismo radical ou extremado encabeçado por Günther Jakobs “está orientado a garantir a identidade normativa, a garantir a constituição da sociedade”20. O crime será uma falta de lealdade ao direito e a pena será o recurso necessário para estabilizar o sistema. A ideia do Direito Penal do Inimigo foi introduzida por Günther Jakobs, que é defensor do funcionalismo extremado, radical ou sistêmico21. Referida teoria possui um enfoque sociológico, “sob a forma de um conceito doutrinário, e também de um postulado político-criminal”22. Günther Jakobs utilizou pela primeira vez a expressão Direito Penal do Inimigo, no ano de 1.985, em seu artigo sobre criminalização no

direito penal que se apóia na proteção da capacidade funcional dos órgãos de subvenção ou do fluxo de capital ou que até mesmo permita a imputação coletiva da maioria das pessoas, eventualmente das direções, como, provavelmente, vivenciaremos em um futuro próximo. O direito penal ampliado a todos os bens universais possíveis se aproxima do direito administrativo, e a ele também corresponderá à qualidade de suas sanções. Não se trata mais de um equilíbrio adequado de um ilícito factível (e a confirmação das normas lesionadas por meio desse equilíbrio); trata-se de uma prevenção do risco, da dominação do perigo, da intervenção, antes que os danos ocorram”. (HASSEMER, Winfried. Direito penal libertário. Trad. Regina Grev. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 95-96). 20 JAKOBS, Günther. Sociedade, norma e pessoa: teoria de um direito penal funcional, tradução de Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Barueri, SP: Manole, 2003, p. 1. 21 “A corrente funcionalista radical é a que tenta transportar ao Direito Penal a teoria sistêmica do sociólogo alemão Niklas Luhmann. Para esse autor, que foi aluno de Talcott Parsons na Universidade Harvard, os sistemas sociais explicam-se por sua funcionalidade, procurando reduzir a complexidade, alcançando o consenso e diminuindo assim o conflito. Recorre para isso ao conceito de autopoiesis, que toma das ciências naturais e que se refere à capacidade dos seres vivos para gerarem-se a si mesmos, para subsistir sem influência exterior. Aplicando-o aos sistemas sociais, a autopoiese pressupõe que estes sistemas se autogerem, permanecendo operativamente fechado, permitindo assim sua própria conservação. O Direito seria funcional para o sistema: estabiliza a sociedade e, portanto, ao basear-se em normas generalizadoras e aceitas, está sempre legitimado. O delito é, ao contrário, disfuncional para a sociedade”. (OLIVÉ, Juan Carlos Ferré; PAZ, Miguel Ángel Núñez; OLIVEIRA, William Terra de; BRITO, Alex Couto de. Direito penal brasileiro parte geral: princípios fundamentais e sistema. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 146). 22 GRACIA MARTÍN, Luis. O horizonte do finalismo e o direito penal do inimigo; tradução de Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho; prefácio José Ignácio Lacasta-Zabalza. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 75.

17

âmbito prévio de condutas lesivas a bens jurídicos, publicado na Revista de Ciência Penal ZStW 97 (1.985), p. 756 s., 783 s.23 Em 1.999, o autor alemão ampliou a discussão do tema, passando a defender parcialmente esta tendência, assumindo um posicionamento de legitimação e aplicabilidade do chamado Direito Penal do Inimigo. Após os atentados de Nova York, nos Estados Unidos da América, no dia 11 de setembro de 2001; em Madri, na Espanha, em 11 de março de 2004 e, em Londres, em 07 de julho de 2005, a discussão a respeito da teoria de Günther Jakobs passou a se intensificar. Preleciona Alexandre Rocha Almeida de Moraes que, o „Direito Penal do Cidadão‟, segundo o modelo funcionalista de Günther Jackobs pautado pela prevenção geral positiva, mantém a vigência da norma (retrospectivo), enquanto o „Direito Penal do Inimigo‟ combate preponderantemente perigos (prospectivo), ou seja, retrata a concepção de prevenção especial, eis que o agente „inimigo‟ é tido como foco do perigo24.

Segundo Günther Jakobs, o Estado tem a opção de agir de dois modos com os delinqüentes: pode vê-los como pessoas que delinqüem, pessoas que tenham cometido um erro, ou indivíduos que devem ser impedidos de aniquilar o ordenamento jurídico, mediante coação25.

23

Idem, p.75. MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. Direito penal do inimigo: a terceira velocidade do direito penal. Curitiba: Juruá, 2010, p. 332. 25 JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Direito penal do inimigo: noções e críticas. org. e trad. André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli. 4. ed. atual. e amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 40. 24

18

Os cidadãos, portanto, são aqueles que aceitam as normas do Estado e não colocam em perigo o sistema, por sua vez, os inimigos possuem uma periculosidade permanente e prévia, devem ser afastados do sistema e são regidos por um direito de exceção26. Fundamenta-se,

remotamente,

tal

teoria

penal

no

contratualismo defendido, dentre outros, por Hobbes27 para quem o homem é um lobo para o homem e por Rousseau28 para quem o homem nasce bom a sociedade o corrompe. Sustentam que todas as pessoas ao viverem em sociedade firmam

26

Ao fazer a dicotomia entre o direito penal do cidadão e o direito penal do inimigo, Günther Jakobs assinala que os preceitos afetos ao direito penal do inimigo “devem por isso ser estritamente separados do direito penal de cidadãos, preferivelmente também na sua apresentação externa. Assim como a regulação da incomunicação não foi, corretamente, incorporada à StPO* (outra questão é se foi bem situada na EGGVG),** o direito penal de inimigos também tem que ser separado do direito penal de cidadãos de um modo tão claro que não exista perigo algum que possa se infiltrar por meio de uma interpretação sistemática, ou por analogia ou por qualquer outra forma no direito penal de cidadãos. O Código Penal, em sua configuração atual, oculta em não poucos pontos o extravasamento dos limites que correspondem a um Estado de liberdades” (JAKOBS, Günther. Fundamentos do direito penal. Tradução André Luís Callegari; colaboração Lúcia Kalil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 143). 27 Em Leviatã perfilhando o entendimento de que a segurança é o objetivo primeiro do Estado Hobbes constrói suas idéias. Katy Grissault ao comentar o escrito menciona: “O Estado procede de um contrato, por meio do qual cada um cede seu direito natural a um terceiro, o soberano, encarregado de instaurar e fazer reinar a paz e a segurança. Nesse contrato cada indivíduo cede seus direitos de maneira absoluta, com a condição de que os outros façam o mesmo. Hobbes formula assim os termos do contrato pelo qual cada cidadão está ligado aos outros: „Eu autorizo este homem ou esta assembléia e lhe entrego meu direito de me governar a mim mesmo, sob a condição de que você lhe entregue seu direito e autorize todas estas ações da mesma maneira‟. Pelo contrato social os sujeitos se engajam uns com os outros e se tornam um povo. O soberano, em compensação, está acima do contrato, e não está submetido a ele. O soberano define o justo e o injusto e seus atos devem ser inquestionáveis e inquestionados. Cada um, com efeito, entrega-lhe sua liberdade. Para Hobbes, não há soberania que não seja absoluta”. (GRISSAULT, Katy. 50 autores-chave de filosofia... e seus textos incontornáveis. Tradução de João Batista Kreuch. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012, p. 99). 28 A obra de Rousseau Do contrato social é elaborada dentro de uma concepção de que o contrato social é um pacto de reciprocidade, que exalta o valor liberdade. Sébastien Camus et al ao comentar o livro mencionam que: “O contrato social é o „verdadeiro fundamento da sociedade‟, é ele que dá origem ao povo. Isto significa primeiramente que a autoridade política não existe naturalmente, mas procede de uma convenção. Porém, face a outras teorias do contrato que consideram a entrada em política segundo o modelo do pacto de submissão, o „contrato social‟ defendido aqui é um pacto de associação recíproca e exige um acordo unânime. Nenhuma submissão pode de fato ser justificada, nem pela busca da sobrevivência, nem pela busca da segurança (...) A Hobbes, que gostaria de fazer da segurança o objetivo primário do Estado, Rousseau lembra assim o valor da liberdade”. (CAMUS, Sébastien; CHEDRU, Mathilde; DURAND- GASSELIN, Jean- Marc; GUEGUEN, Haud; MUNOZ, Eva. 100 obras-chave de filosofia.Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010, p. 59).

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uma espécie de contrato social, que lhes atribui, concomitantemente, direitos e obrigações. Jesús-María Silva Sánchez esclarece que, a transição do „cidadão‟ ao „inimigo‟ iria sendo produzida mediante a reincidência, a habitualidade, a delinqüência profissional e, finalmente, a integração em organizações delitivas estruturadas. E nessa transição, mais além do significado de cada fato delitivo concreto, se manifestaria uma dimensão fática de periculosidade, a qual teria que ser enfrentada de um modo prontamente eficaz29.

Sendo assim, como salientado por Antonio Carlos da Ponte, o agente envolvido em práticas como o terrorismo, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, a macrocriminalidade financeira ou que venha a integrar organizações criminosas rompe definitivamente o aludido contrato social, pois com sua atividade coloca em xeque a própria existência do Estado, devendo, desta forma ser tratado como inimigo; o que demanda a atuação de um Direito Penal particular, específico que se utiliza de ferramentas próprias30. Nesse sentido é importante destacar o enfoque de Jakobs ao fazer a distinção entre o cidadão (o qual, quando infringe a Lei Penal, torna-se alvo do Direito Penal) e o inimigo (nessa acepção como inimigo do Estado, da sociedade).

29

SÁNCHEZ, Jesús Maria Silva. A expansão do Direito Penal. Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Tradução Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 149-150. 30 PONTE, Antonio Carlos da. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 47.

20

Influenciado pelas ideias de Niklas Luhmann31, o crime é uma quebra das expectativas sociais. A função do direito penal é reafirmar a vigência da norma, sem a finalidade de proteção de bens jurídicos 32. Nessa linha, toda pessoa firma um contrato social, no qual se estabelecem direitos e obrigações. Aquele que descumpre as regras do contrato social deve ser tido como inimigo, havendo necessidade, portanto, de uma flexibilização das garantias constitucionais. Nessa perspectiva, adverte Alexandre Rocha Almeida de Moraes, surge o funcionalismo sistêmico como doutrina, na qual o Direito Penal é tido basicamente com a função de garantir a funcionalidade e a eficácia do sistema social e dos seus subsistemas, independentemente do modelo de Estado ou sistema político-social33. O Direito Penal do inimigo parte do pressuposto de que aquele indivíduo que quebra as expectativas sociais, não se submetendo ao 31

Eduardo Montealegre Lynett dispõe que: “O direito, na concepção de Niklas Luhmann, é uma estrutura através da qual se facilita a orientação social, e a norma, uma generalização de expectativas. A configuração fundamental da sociedade se produz através do direito, e a missão do Direito Penal é garantir essa configuração. As expectativas sociais se estabilizam através das sanções, Na teoria dos sistemas, as sociedades modernas se caracterizam por sua complexidade, porque se trata de um mundo onde tudo é possível, onde tudo pode ocorrer” (LYNETT, Eduardo Montealegre. Introdução à obra de Günther Jakobs. In: CALLEGARI, André Luís; LYNETT, Eduardo Montealegre; JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito penal e funcionalismo. Coordenadores André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Tradutores André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli e Lúcia Kalil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 13). 32 Günther Jakobs menciona que: “A doutrina do direito penal como proteção de bens jurídicos tampouco apresenta contribuição alguma na limitação da antecipação da punibilidade; em os delitos contra o meio ambiente conduz a teses estranhas. Um conteúdo genuinamente liberal desta teoria é mera opção legislativa. A teoria do direito penal como proteção da vigência da norma demonstra sua validade especialmente na teoria dos fins da pena: o fato é uma lesão da vigência da norma, a pena é a sua eliminação” (JAKOBS, Günther. O que protege o Direito Penal: os bens jurídicos ou a vigência da norma?. In: CALLEGARI, André Luís; LYNETT, Eduardo Montealegre; JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito penal e funcionalismo. Coordenadores André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Tradutores André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli e Lúcia Kalil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 51). 33 Op. cit. Direito penal do inimigo: a terceira velocidade do direito penal. Curitiba: Juruá, 2010, p. 332.

21

contrato social, portando-se como inimigo da sociedade, deve ser tratado como tal, ou seja ter um tratamento diferenciado, com a flexibilização de seus direitos fundamentais, a fim de preservar os direitos fundamentais da sociedade. A tese de Jakobs, portanto, está fundada em quatro pontos fundamentais, conforme declina Antonio Carlos da Ponte: 1º) Relativização ou até mesmo a supressão de alguns direitos e garantias individuais; 2º) O Direito Penal deve abandonar sua tradicional visão retrospectiva, que busca reparar o mal já realizado, e acolher uma concepção prospectiva, direcionado aos fatos futuros; 3º) As penas devem ser indeterminadas, durando enquanto forem necessárias. Sua intensidade não deve estar associada à culpabilidade do agente, mas ao perigo abstrato representado pelo inimigo; 4º) O âmbito da norma deve antecipar-se ao máximo, punindo-se até mesmo atos preparatórios, desde que tal medida seja eficaz ao pronto impedimento da ação do inimigo34.

O Direito Penal do cidadão, conforme enfatiza Günther Jakobs “mantém a vigência da norma, o Direito Penal do inimigo (em sentido amplo: incluindo o Direito das medidas de segurança) combate perigos”35. Preocupado

com

o

enfrentamento

da

criminalidade

contemporânea Jesús- Maria Silva Sánchez, analisando a política criminal a ser adotada nas sociedades pós-industriais, propõe a teoria das velocidades do Direito Penal estabelecendo dois blocos distintos de ilícitos, dispondo que o Direito Penal teria duas velocidades.

34

Op. cit. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 47. JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo: noções e críticas. Org. e Trad. André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli. 4. ed. atual. e amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 29. 35

22

A primeira velocidade, representada pelo Direito Penal „da prisão‟, na qual são mantidos de forma rígida os princípios político-criminais clássicos, as regras de imputação e os princípios processuais. A segunda velocidade é aplicada para os casos em que, por não tratar-se já de prisão, senão de penas de privação de direitos ou pecuniárias, aqueles princípios e regras poderiam experimentar uma flexibilização proporcional a menor intensidade da sanção36. No Brasil, o instituto despenalizador da transação penal, previsto na Lei dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099/95) é um claro exemplo do Direito Penal de segunda velocidade. O Direito Penal do inimigo, por sua vez, apregoado por Günther Jakobs encampa uma terceira velocidade para o Direito Penal com a mitigação e eventual flexibilização de alguns princípios do Direito Penal e do Direito Processual Penal, o recrudescimento das penas de determinados delitos, a aplicação em determinadas circunstâncias de penas indeterminadas e o abrandamento das regras de imputação. Alguns traços do Direito Penal de terceira velocidade encontram-se em nosso ordenamento jurídico, com as Leis 9.034/95 e 10.792/03, que alterou a redação do artigo 52 da Lei de Execuções Penais e disciplinou o Regime Disciplinar Diferenciado.

36

Op. cit. A expansão do Direito Penal. Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Tradução Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 149.

23

As principais críticas feitas ao Direito Penal do Inimigo são as seguintes: sua doutrina consiste em um direito penal simbólico; sua aplicação violaria garantias constitucionais, privilegia o direito penal do autor, inaptidão para conter a criminalidade moderna, ofensa ao princípio da legalidade, na vertente da determinação taxativa ao criar tipos penais excessivamente abertos de perigo abstrato.

Todavia, conforme assevera Luis Gracia Martín, as críticas formuladas ao Direito Penal do Inimigo, não conseguem ultrapassar o umbral do emocional e do retórico. Parte-se da premissa, de caráter emocional, de que o Direito Penal do Inimigo é algo que, simples e absolutamente, não deve existir, e tudo o que se diz a partir daí contra aquele não passa de tentativa, meramente retórica, de sua desqualificação, como algo totalitário e contrário ao Estado de Direito, e nada mais37.

Na sequência do trabalho passaremos a analisar as formas de Estado, partindo do Estado de Direito e desaguando no Estado Democrático de Direito, com o propósito de traçar um novo horizonte para o Direito Penal, ante a criminalidade organizada, dentro do contexto das novas formas de criminalidade.

1.2. Estado de Direito A criação de leis e a submissão à lei por ele criada é o traço característico do Estado de Direito, que faz um contraponto ao Estado 37

Op. cit. O horizonte do finalismo e o direito penal do inimigo; tradução de Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho; prefácio José Ignácio Lacasta-Zabalza. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 141.

24

Absolutista, o qual não tinha limites para se imiscuir na esfera das liberdades civis, política e religiosa. Definir Estado de Direito é uma tarefa complexa, pois é um dos mistérios da ciência jurídico- política; é, na esfera da ciência do Direito e do Estado, o que na Teologia é o mistério do Deus-Homem, o mistério do Criador da Natureza submetido à Natureza. Deus e Homem verdadeiro, diz o Credo; legislador, e, não obstante, submetido à lei, afirma a teoria política38.

O surgimento do Estado de Direito decorre da necessidade de conter os abusos e excessos provenientes do Estado Absolutista, sendo que conforme afirmam Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco quanto às suas origens e ao seu desenvolvimento histórico, juristas, filósofos e cientistas políticos, sem discrepâncias, indicam o surgimento do Estado de Direito no momento que se consegue pôr freios à atividade estatal por meio da lei, vale dizer, no instante que o próprio Estado se submete a leis por ele criadas39.

O Estado de Direito caracteriza-se essencialmente como declinado por Fábio Roque Sbardelotto, pela existência de uma ordem jurídica que define limites de atuação dos cidadãos e delimita o poder político do Estado, com a realização de um controle judicial, que é de fundamental importância na concretização do Estado de Direito e para a aplicação das regras estabelecidas40.

38

LEGAZ Y LACAMBRA, Luis. El Estado de Derecho en la actualidad. Madrid: Reus, 1934, p. 12. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de direito Constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 64. 40 SBARDELOTTO, Fábio Roque. Direito penal no estado democrático de direito: perspectivas (re) legitimadoras. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 30. 39

25

A ruptura contra os excessos e o respeito e fortalecimento dos direitos do homem, são características essenciais do Estado de Direito, e conforme assevera Norberto Bobbio por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas41.

O Estado de Direito no contexto atual, salientam Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco não é qualquer Estado ou qualquer ordem jurídica, mas apenas “aquele Estado ou aquela ordem jurídica em que se viva sob o primado do Direito, entendido esse como um sistema de normas democraticamente estabelecidas”42. Segundo os autores o Estado de Direito deve atender, pelo menos, a algumas exigências fundamentais: império da lei, lei como expressão da vontade geral; divisão de poderes; legalidade da administração; direitos e liberdades fundamentais. Dentro desse contexto, fica evidente que o Estado de Direito tem como fundamento e terá como consequência lógica a sedimentação do princípio da legalidade, o qual será um dos vetores interpretativos de inegável relevância para o Direito Penal. Pondera Luiz Luisi que o princípio da legalidade, segundo a doutrina mais contemporânea, se desdobra em três postulados. O primeiro se 41 42

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 05. Op. cit. Curso de direito Constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 65.

26

relaciona às fontes das normas penais incriminadoras. Outro se refere à enunciação dessas normas. E o terceiro é afeto à validade das disposições penais no tempo. O primeiro postulado é o da reserva legal. O segundo é o da determinação taxativa. E o último é o da irretroatividade da lei penal43. Todavia, o Estado de Direito não será sinônimo de um Estado que rompe decisivamente com o arbítrio, se não for um Estado Material de Direito, pois conforme adverte Manoel Gonçalves Ferreira Filho a expressão Estado de Direito é suscetível de várias interpretações. Para uns, Estado de Direto é a mesma coisa que Estado constitucional, isto é, Estado em que o poder é limitado por uma Constituição escrita e rígida. Para outros, Estado de Direito é aquele que é regido, em última análise, pela lei, mas por uma lei com conteúdo de justiça, não pela mera vontade arbitrária do legislador, expressa pela forma de lei. Não falta, porém, quem em nome da „pureza‟ do direito pretenda que é Estado de Direito todo aquele que comanda por meio de leis, independentemente do conteúdo justo ou não dessas leis44.

Com o propósito de fazer uma distinção Luciano Feldens elabora uma oportuna subdivisão entre Estado Formal de Direito, o qual denomina como Estado legal de direito45 e Estado Material de Direito, cunhado como Estado Constitucional de Direito46. O Estado Formal de Direito não discute a essência, não examina o conteúdo material dos preceitos legais, mas a sua forma. Nesse diapasão um Estado totalitário, absolutista pode ser um Estado Formal de Direto,

43

LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2. ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 2003, p. 17-18. 44 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 18. 45 FELDENS, Luciano. A Constituição Penal: a dupla face da proporcionalidade no controle das normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 30. 46 Idem, p. 33.

27

ou seja, que vive sob o império da lei, sem perquirir a essência e o alcance dos conteúdos normativos, sem averiguar a essência e o caráter de justiça da atividade legiferante. Por sua vez, o Estado Material de Direito é absolutamente incompatível com o Estado absolutista e, como salientado por Luciano Feldens “envolve um processo de necessária submissão ao conteúdo material decorrente da Constituição (validade)”47. Nessa ótica, fica evidente que o legislador passa a ter limites e deve se curvar aos valores constitucionais, os quais estão atrelados aos princípios e diretrizes ínsitas à supremacia e rigidez constitucionais, “propiciando uma franca relativização do então decantado „império da lei‟”48. Dentro da concepção de um Estado Material de Direito teremos o Estado Liberal de Direito, o Estado Social de Direito e o Estado Democrático de Direito. Observam Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco que na tipologia do Estado de Direito, ao que se convencionou chamar as suas etapas liberal, social e democrática, iniciadas com a Revolução Francesa, que a primeira fase, passando pelas transformações surgidas sobretudo após a Segunda Guerra- a sua fase social- e culminando com a densificação dos direitos fundamentais, antes apenas direitos civis e políticos, mas depois também direitos econômicos, sociais e culturais, cujo reconhecimento e realização constituem a razão de ser, o compromisso e a tônica do chamado Estado Democrático de Direito49.

47

Idem, p. 33. Idem, p. 33. 49 Op. cit. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009 p. 66. 48

28

Dentro dessa evolução dos modelos de Estado de Direito, o Direito Penal passou por profundas transformações ao longo do tempo, pois quando o indivíduo se propõe a viver em sociedade deve sujeitar-se a regras, que podem ser mais ou menos severas, de acordo com o momento cultural, histórico e político que atravessa um determinado país.

1.2.1. Estado Liberal de Direito O Estado Liberal de Direito decorre do liberalismo, que teve sua origem na Europa no século XVI e intensificado nos séculos XVII e XVIII, o qual apregoa a necessidade de uma ruptura com o Estado Absolutista. Conforme assinalado por Paulo Bonavides a filosofia política do liberalismo, preconizada por Locke, Montesquie e Kant, cuidava que, decompondo a soberania na pluralidade de poderes, salvaria a liberdade. Fazia-se mister contrapor à onipotência do rei um sistema infalível de garantias50.

José Afonso da Silva pontua as características de um Estado Liberal de Direito: submissão ao império da lei; divisão de poderes, com a separação de forma harmônica dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário; enunciados e garantias dos direitos individuais.51

50

BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 9. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 45. 51 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 113-114.

29

A nota principal do Estado Liberal de Direito é diluir os poderes do monarca e salvaguardar os interesses da burguesia emergente que se digladiava com a aristocracia. No entanto, o que se estruturou foi um Estado regulador, que se limitava a acautelar o individualismo burguês e a manter a segurança e a ordem, não havendo um avanço expressivo na tutela dos direitos fundamentais a todos os indivíduos indistintamente. Os direitos fundamentais, portanto, eram privilégio da burguesia e os demais os tinham apenas no plano formal. Neste sentido, Fábio Roque Sbardelotto limita sua incidência “na necessidade de permitir uma organização da sociedade em que cada indivíduo e cada grupo social tenham condições para perseguir livremente seu próprio objetivo e escolher seu próprio destino”52. Dentro dessa concepção individualista, o Estado se limita a acautelar os direitos do indivíduo frente ao arbítrio e excessos do seu poder que, em linhas gerais, como aponta Paulo Bonavides corresponde aos assim chamados direitos civis e políticos, os quais, em grande parte, correspondem à fase inicial do constitucionalismo ocidental53.

Os Estados Liberais de Direito surgiram, portanto, da necessidade de contenção dos abusos do Estado, que era visto como um inimigo,

52

Op. cit. Direito penal no estado democrático de direito: perspectivas (re) legitimadoras. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001 p. 33-34. 53 BONAVIDES, Curso de direito constitucional. 24. ed. amp. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 563.

30

donde surgiram denominações conhecidas como Estado Gendarme, Estado Leviatã e Estado Distância. Porém, como menciona Rodrigo de Grandis, o modelo liberal sucumbiu, ante os questionamentos dirigidos à democratização da ação política- cristalizados na ampliação do direito ao voto- e à crise nas relações socioeconômicas, agravadas, sobretudo pelas precárias condições de vida da população54.

1.2.2 Estado Social de Direito A Revolução Francesa por seu caráter preciso de revolução da burguesia levara à consumação de uma ordem social, onde pontificava, nos textos constitucionais, o triunfo do liberalismo. Do liberalismo apenas e não da democracia, nem sequer da democracia política.55 A consolidação do liberalismo significou uma importante ruptura com o Antigo Regime, no entanto, não teve o condão de materializar a democracia, ficando apenas como instrumento de contenção dos excessos do Monarca.

54

GRANDIS, Rodrigo de. Prisões processuais: uma releitura à luz do garantismo integral. In: CALABRICH, Bruno; FISCHER, Douglas; PELELLA, Eduardo (org.). Garantismo penal integral. Questões penais e processuais, criminalidade moderna e a aplicação do modelo garantista no Brasil, Salvador: Editora Jus Podium, 2010, p. 366. 55 Op. cit. Do estado liberal ao estado social. 9. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 43.

31

Dentro desse contexto, surge a necessidade de se voltar os olhos para o enfrentamento das desigualdades sociais, pois o Estado Liberal consolidou um modelo de Estado que apregoava uma igualdade formal, pois conforme descreve José Afonso da Silva, o individualismo e o abstencionismo ou neutralismo do Estado Liberal provocaram imensas injustiças, e os movimentos sociais do século passado e deste especialmente, desvelando a insuficiência das liberdades burguesas, permitiram que se tivesse consciência da necessidade da justiça social56.

O Estado Social de Direito faz uma correção de rota no curso da História, no individualismo e no excesso de neutralidade do Estado Liberal de Direito, trazendo uma concepção de que o Estado deve intervir para assegurar o bem comum do corpo social e não somente de uma parcela da sociedade. A expressão social como observam Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco “sinaliza para o propósito de corrigir/superar o individualismo clássico de caráter liberal pela afirmação dos direitos sociais, com a conseqüente realização da justiça social”57. A fase liberal avança para uma fase social, após duas guerras mundiais na perspectiva de uma ruptura com as ideias fundamentadoras do liberalismo, dentre elas as transformações do Estado num sentido democrático, intervencionista, social em contraposição ao laissez faire, laissez passer58.

56

Op. cit. Curso de direito constitucional positivo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 116. Op. cit. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 69. 58 MIRANDA, Jorge. Teoria do estado e da constituição. 3.ed. rev. atual. e amp. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 36. 57

32

A Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição Alemã de Weimar de 1919 foram fundamentais, do ponto de vista histórico e político, para a formatação do Estado Social, sendo que a Constituição Alemã de 1949 foi precursora no emprego da expressão Estado Social.

1.2.3. Estado Democrático de Direito O término da Segunda Guerra Mundial é o marco histórico para o surgimento do Estado Democrático de Direito. O Estado Liberal consagrou os direitos fundamentais de primeira dimensão e o Estado Social agregou os direitos fundamentais de segunda dimensão. Trazendo um conteúdo social, fundamentado na obtenção da igualdade material, surge o Estado Democrático de Direito, o qual busca tutelar os direitos transindividuais. J.J. Gomes Canotilho enuncia que Estado de Direito e democracia correspondem a dois modos de ver a liberdade. Diz o autor que no Estado de Direito concebe-se a liberdade como liberdade negativa, ou seja, uma „liberdade de defesa‟ ou de „distanciação‟ perante o Estado. É uma liberdade liberal que „curva‟ o poder. Ao Estado Democrático estaria inerente a liberdade positiva, isto é, a liberdade assente no exercício democrático do poder. É a liberdade democrática que legítima o poder (...) O coração balança, portanto, entre a vontade do povo e a rule of Law (...) O Estado Constitucional é „mais‟ do que Estado de Direito. O elemento democrático não foi apenas introduzido para „travar‟ o poder (to check the Power); foi também reclamado pela necessidade de legitimação do mesmo poder (to legimize State Power)59.

59

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 3. reimp.. Coimbra: Almedina, 2003, p. 99-100.

33

Conforme preleciona Alexandre de Moraes, o Estado Democrático de Direito “significa a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades aos direitos e garantias fundamentais”60. Segundo José Afonso da Silva o princípio da legalidade é também um princípio basilar no Estado Democrático de Direito. É da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se, como todo Estado de Direito, ao império da lei, mas da lei que realiza o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais". Assevera ainda que “a tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito consiste em superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social61.

As principais características de um Estado Democrático de Direito, conforme descreve Antonio Carlos da Ponte são sua criação e sua regulamentação por uma constituição; a realização de eleições periódicas pelo povo; a observância do império da lei; os cidadãos devem possuir obrigações junto ao Estado e esse frente aos primeiros; a possibilidade dos cidadãos, detentores de direitos sociais e políticos, oporem-se ao modo como o Estado esteja sendo conduzido; o Estado deve desenvolver-se satisfatoriamente e buscar alcançar justiça social, erradicando a miséria e não permitindo discriminações; o poder político deverá ser exercido em parte diretamente e, principalmente, por órgãos estatais independentes e autônomos; as funções estatais deverão ser exercidas com regularidade, probidade e de forma comedida, de modo que uma não se sobreponha às outras e que haja um rígido controle sobre elas62.

O Estado formalista recebeu inúmeras críticas na medida em que permitiu quase um absolutismo, sendo necessário redinamizar o Estado, lançar-lhe outros fins; não que se desconsiderassem as conquistas alcançadas, 60

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 17. Op. cit. Curso de direito constitucional positivo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 121 e 123 62 Op. cit. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 142-143. 61

34

afinal eles significaram o fim do arbítrio, mas cumprir outras tarefas, principalmente sociais, era imprescindível. Transforma-se o velho e formal Estado de Direito num Estado Democrático, no qual, além de mera submissão à lei deveria haver submissão à vontade popular e aos fins propostos pelos cidadãos63. Portanto, de acordo com Celso Ribeiro Bastos, no entendimento de Estado Democrático devem ser levados em conta o perseguir certos fins, guiando-se por certos valores, o que não ocorre de forma tão explícita no Estado de Direito, que se resume em submeter-se às leis, sejam elas quais forem64.

O artigo 1° da Constituição Federal de 1988 estabelece que: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.

Dispõe no parágrafo único, art. 1º que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”. É nítida, portanto, a postura do legislador constituinte em adotar o regime do Estado Democrático de Direito para nortear os ditames da República Brasileira, reunindo, desta forma, os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito. Esta fusão não é apenas formal, mas traz um novo conceito de Estado, o qual inegavelmente traça novos horizontes, para a busca do bem comum.

63 64

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 147. Idem, p. 147.

35

A Constituição Federal de 1988, conforme enuncia Flávia Piovesan “demarca, no âmbito jurídico, o processo de democratização do Estado brasileiro, ao consolidar a ruptura com o regime autoritário instalado em 1964”65. O sentido e os fundamentos das formas de Estado são sintetizados por Paulo César Busato e Sandro Montes Huapaya, ao afirmarem que Estado de Direito está associado ao princípio da legalidade, o Estado Social está associado à necessidade social da intervenção estatal e o Estado Democrático se identifica com a idéia de pôr o Estado a serviço da defesa dos interesses do cidadão66.

O Estado possui o monopólio da jurisdição e, via de consequência, principalmente na seara penal, detém o poder de aplicar o direito ao conflito de interesses no qual, via de regra, encontra-se envolvido o status libertatis do indivíduo. No entanto, quanto maior for a liberdade do Estado em agir na aplicação da lei penal, maior será a possibilidade da incidência de abusos e desvios. Por isso, o próprio Estado Democrático de Direito se autolimitou, estabelecendo um compromisso político e ético na contenção dos excessos contra o indivíduo, ínsitos ao totalitarismo de tutela penal, mas sem deixar de acautelar a sociedade, compatibilizando o exercício pleno dos direitos fundamentais de caráter individual, sem se omitir de salvaguardar os de índole coletiva.

65

PIOVENSAN, Flávia. A proteção dos direitos humanos. Teoria geral dos direitos humanos (Coleção doutrinas essenciais; v. 1). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 282. 66 BUSATO, Paulo César; HUAPAYA, Sandro Montes. Introdução ao direito penal: fundamentos para um sistema penal democrático. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 120.

36

2. DIREITOS FUNDAMENTAIS 2.1. Conceito e origem Direitos fundamentais são aqueles direitos essenciais, básicos, imprescindíveis, indispensáveis que o Estado deve assegurar para uma vida digna em sociedade. O arcabouço de direitos fundamentais assegurado por um Estado demonstra o seu grau de compromisso com os valores essenciais para uma vida digna e ordeira em sociedade67. José Afonso da Silva descreve que a expressão direitos fundamentais “é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas”68. A Constituição Federal de 1.988 elenca vários direitos fundamentais. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano afirmam que os Direitos Fundamentais “constituem uma categoria jurídica, constitucionalmente erigida e vocacionada à proteção da dignidade humana em todas as dimensões”. E ressaltam a sua natureza poliédrica, em razão de prestar ao resguardo do ser humano na sua liberdade, nas suas necessidades e na sua preservação69. Comumente se faz uma confusão terminológica entre 67

Guilherme de Souza Nucci leciona que direitos fundamentais “constituem, em verdade, os mais absolutos, intocáveis e invioláveis direitos inerentes ao ser humano, vivente em sociedade democrática e pluralista, harmônica e solidária, regrada e disciplinada, voltada ao bem comum e à constituição e pujança do Estado Democrático de Direito” 67 (NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 74) 68 Op. cit. Curso de direito constitucional positivo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 176-177. 69 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 110-111.

37

direitos fundamentais e direitos humanos. Porém, não há uma distinção profunda entre as terminologias. Em linhas gerais pode-se dizer que, quando incorporados à Constituição de um Estado serão considerados direitos fundamentais, ao passo que quando inseridos em tratados internacionais serão denominados direitos humanos, sendo que as expressões são empregadas como sinônimas70. Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento

nas

primeiras

constituições

escritas,

se

limitavam às

prerrogativas que o indivíduo tinha em oposição aos excessos do Estado, se apresentando como forma de contenção dos excessos do Leviatã em face do indivíduo, ou seja, como forma de conter os abusos, manifestando-se como uma zona de não intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder71. Na sequência, os direitos fundamentais avançam em uma trajetória evolutiva e passam a ser compreendidos também como uma obrigação positiva do Estado, no sentido de atuar de forma a proteger direitos. Para se compreender a origem dos direitos fundamentais é necessário fazer uma retrospectiva histórica para contextualizá-los e entendê-los ao longo da existência humana, pois não há como analisar determinado sistema 70

Nesse sentido: “O termo „direitos fundamentais‟ se aplica àqueles direitos (em geral atribuídos à pessoa humana) reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivado de determinado Estado, ao passo que a expressão „direitos humanos‟ guarda relação com documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e em todos os lugares, de tal sorte que revelam um caráter supranacional (internacional) e universal” (SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 249). 71 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 126.

38

jurídico, sem levar em consideração o contexto histórico, os valores sociais, culturais, políticos e econômicos de cada momento72. O homem, desde o princípio vive em grupo, pois conforme Aristóteles o homem é, por natureza, um animal político e aquele que não pode viver em sociedade, ou que de nada precisa por bastar-se a si próprio, não faz parte do Estado; é um bruto ou um deus. A natureza compele assim todos os homens a se associarem73.

Nas sociedades primitivas vigorava a vingança privada, pois não havia normas gerais e abstratas, que tivessem o condão de regular as relações sociais, bem como não existia um Estado estruturado jurídica e politicamente, que pudesse dirimir os conflitos. Sendo assim, conforme salienta Carolina Alves de Souza Lima, “na época primitiva, não se pode falar em Estado, magistrados, processo judicial e preservação de direitos do homem”74. Os direitos fundamentais não surgiram no mundo antigo, todavia a antiguidade foi o berço de um ideário que proporcionou o seu reconhecimento.

72

A respeito da origem dos direitos fundamentais descreve Alexandre de Moraes que: “Os direitos humanos fundamentais, em sua concepção atualmente conhecida, surgiram como produto da fusão de várias fontes, desde tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a conjugação dos pensamentos filosóficos- jurídicos, das idéias advindas com o cristianismo e com o direito natural. Essas idéias encontram um ponto fundamental em comum, a necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado e de suas autoridades constituídas e a consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado moderno e contemporâneo. Assim, a noção de direitos fundamentais é mais antiga que o surgimento da idéia de constitucionalismo, que tão-somente consagrou a necessidade de insculpir um rol mínimo de direitos humanos em um documento escrito, derivado diretamente da soberania da vontade popular. (MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 19). 73 ARISTÓTELES. A política. Rio de Janeiro: Ediouro, “s.d”, p. 15. 74 LIMA, Carolina Alves de Souza. O Princípio constitucional do duplo grau de Jurisdição. Barueri, SP: Editora Manole, 2004, p. 15.

39

Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero ao descreverem a origem dos direitos fundamentais mencionam a importância e a influência que a antiguidade teve em seu reconhecimento e asseveram que de modo especial, os valores da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade dos homens encontram suas raízes na filosofia clássica, especialmente no pensamento gregoromano e na tradição judaico- cristã. Saliente-se, aqui, a circunstância de que a democracia ateniense constituía um modelo político fundado na figura do homem livre e dotado de individualidade75.

Na Idade Média existia uma rígida separação de classes sociais, com profunda relação de subordinação entre suseranos e vassalos. No entanto, mesmo diante desse quadro surgiram nesse período vários documentos legais que reconheciam a existência dos direitos humanos, sendo que uma importante conquista da Idade Média, em relação aos Direitos Fundamentais, foi a elaboração da Magna Carta Libertatum, em 1.215, pelos Ingleses, a qual foi extraída pela nobreza inglesa do Rei João Sem Terra, em 1215, quando este se apresentava enfraquecido pelas derrotas militares que sofrera. Celso Ribeiro Bastos, ao analisar o lento processo pelo qual se deu a aquisição dos direitos fundamentais, destaca que “o cristianismo, com a idéia de que cada pessoa é criada à imagem e semelhança de Deus, teve uma contribuição grande”76.

75 76

Op. cit. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 252-253. Op. cit. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 152.

40

Durante o século XVII surgiram conquistas substanciais e definitivas, no entanto, o surgimento das liberdades públicas tem como ponto de referência duas fontes primordiais: o pensamento iluminista da França do século XVIII e a Independência Americana. No transcorrer da História foram se reconhecendo direitos em favor dos grupos sociais, o que não se fazia nas primeiras declarações, passando-se a reconhecer, paralelamente, ao indivíduo o direito de associação, inclusive como garantia da própria liberdade individual. As manifestações dessa nova concepção ocorreram nas primeiras constituições republicanas, como a alemã de 1919 (Weimar) e a espanhola de 1931, bem como na Constituição Mexicana de 1917, ainda que com menor repercussão. Os direitos individuais, pela sua transcendência, já extrapolaram os limites de cada Estado para se tornar uma questão de interesse internacional, e a via escolhida tem sido a da proclamação de direitos de âmbito transnacional. A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1.948 preocupou-se, fundamentalmente, com quatro ordens de direitos individuais, conforme afirma Celso Ribeiro Bastos77: no primeiro bloco de direitos se aglutinam os direitos pessoais do indivíduo: direito à vida, à liberdade e à segurança. Num segundo grupo encontram-se expostos os direitos do indivíduo 77

Idem, p. 160.

41

em face das coletividades: direito à nacionalidade, direito de asilo para todo aquele perseguido (salvo os casos de crime de direito comum), direito de livre circulação e de residência, tanto no interior como no exterior e o direito de propriedade. O terceiro grupo versa sobre as liberdades públicas e os direitos públicos: liberdade de pensamento, de consciência e religião, de opinião e de expressão, de reunião e de associação, princípio na direção dos negócios públicos. Por fim, em um quarto grupo figuram os direitos econômicos e sociais: direito ao trabalho, à sindicalização, ao repouso e à educação. A proteção e o reconhecimento dos direitos fundamentais do homem encontram-se na base das Constituições modernas democráticas. Os direitos fundamentais, portanto, constituem uma variável ao longo da história, cujo elenco se modificou e continua se modificando, em decorrência das condições históricas, dos interesses, das classes no poder ou dos meios disponíveis para sua realização. O enfoque normativo dos direitos fundamentais nasce com a consolidação das vigas-mestra do Estado Democrático de Direito, exatamente quando surgem mecanismos para a participação do povo nas decisões políticas e com o desenvolvimento de instrumentos para o controle e limitação do poder estatal78. No Brasil, a Constituição Federal promulgada em 05 de Outubro de 1988, em sintonia com o contemporâneo Estado Democrático de 78

MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 40.

42

Direito, adota um perfil nitidamente democrático, o que se encontra expressamente demonstrado em seu artigo 1°, que materializa um viés republicano que se insurge contra uma tradição autoritária, que vigorou no Brasil durante o período de exceção, quando as garantias fundamentais encontravam-se mitigadas e, em muitas situações, totalmente suprimidas. Para tanto, a Constituição Federal consagra princípios fundamentais, com o escopo de resguardar a dignidade da pessoa humana e, sobretudo, os direitos e garantias do indivíduo, assim como da sociedade, os quais abordaremos no terceiro capítulo do presente trabalho. Em razão da necessidade de conciliar a proteção à liberdade individual e o acautelamento da sociedade, fica evidente a correlação entre o Direito Penal e os Direitos Fundamentais, como forma de aprimorar o sistema normativo.

2.2. Gerações ou dimensões? Há grande divergência na doutrina, no que se refere à terminologia mais adequada para se descrever a evolução histórica dos direitos fundamentais.

43

Paulo Bonavides fala em gerações dos direitos fundamentais, os quais “passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas”79. Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero prelecionam que a idéia de que a evolução dos direitos (humanos e fundamentais) poderia ser compreendida mediante a identificação de três „gerações‟ de direitos passou a ser difundida por Karel Vasak, a partir da conferência proferida em 1979 no Instituto Interamericano de Direitos Humanos, em Estrasburgo80. Karrel Vasak desenvolveu a teoria dos direitos fundamentais inspirado pelo lema da Revolução Francesa. A primeira geração dos direitos seria a dos direitos civis e políticos, fundamentados na liberdade (liberté), que tiveram origem nas revoluções burguesas. A segunda geração seria a dos direitos econômicos, sociais e culturais, baseados na igualdade (égalité), impulsionada pela Revolução Industrial e pelos problemas sociais por ela causados. Por fim, a última geração seria a dos direitos de solidariedade, em especial o direito ao desenvolvimento, à paz e ao meio ambiente, coroando a tríade com a fraternidade (fraternité), que ganhou força após a Segunda Guerra Mundial, especialmente após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 194881.

79

Op. cit. Curso de direito constitucional. 24 ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 563. Op. cit. Curso de direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 258. 81 VASAK, Karrel. Pour une troisième génération des droits de l‟homme. Estudes et essais sur le droit internacional humanitaire et sur les principes de la Croix-Rouge en el honneur de Jean Pictet. Genève: La Haye, 1984, p. 837-845. 80

44

Porém, o vocábulo gerações passou a ser alvo de críticas, pois o termo dimensões reconhece a ausência de sobreposição dos direitos fundamentais. Desta forma, uma nova dimensão não abandonará os avanços e conquistas da dimensão antecessora e, assim, a nomenclatura se mostra mais consentânea. Nessa perspectiva Ingo Wolfgang Sarlet assevera que não há alternância, mas um caráter de reconhecimento progressivo dos direitos fundamentais, no contexto de um processo cumulativo, de modo que o uso da expressão gerações pode trazer a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra82. Além disso, como assinalado por Vladimir Brega Filho merece destaque o caráter de complementariedade das gerações de direitos, que convivem entre si83. Defendendo que o vocábulo dimensões é melhor talhado do que gerações Antonio Veloso Peleja Júnior afirma ainda que, o termo dimensões é mais apropriado do que gerações de direitos humanos, porque esta segunda acepção dá uma idéia de algo que se sucede e se supera no tempo, que resta ultrapassado, ao passo que as dimensões de direitos humanos sucederam-se historicamente, mas não se superaram sucessivamente, sendo a 1ª e a última do mesmo modo exigíveis e invocáveis84.

82

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 45. 83 BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na Constituição de 1988: conteúdo jurídico das expressões. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 25-28. 84 PELEJA JÚNIOR, Antônio Veloso. Conselho nacional de justiça e a magistratura brasileira. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 261.

45

Nesse sentido, entendemos mais apropriado utilizarmos o vocábulo dimensões, pois o valor histórico da conquista de uma geração não pode ser abandonado pela dimensão subseqüente. O que ocorre é a inter relação entre os grupos de direitos, que se complementam uns aos outros. Não obstante, em que pese controvérsia terminológica, acerca da utilização das nomenclaturas gerações ou dimensões, verifica-se que a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas, sobretudo para sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno „Direito Internacional dos Direitos Humanos‟85.

2.2.1. Direitos de primeira dimensão Durante os séculos XVII, XVIII e XIX, a Magna Carta de 1215, assinada pelo rei “João Sem Terra”; a Paz de Westfália de 1648; o Habeas Corpus Act de 1679; o Bill of Rights de 1668 e as Declarações Americanas de 1776 e Francesa de 1789 tiveram papel determinante para a formatação dos direitos de primeira dimensão.

85

Op. cit. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 46.

46

Os direitos de primeira dimensão se materializam pelas liberdades públicas e pelos direitos políticos, ou seja, direitos civis e políticos, os quais expressam o valor liberdade. Esta gama de direitos tem por desiderato ser um instrumento de acautelamento das liberdades públicas, funcionando como freio aos atos do Estado, que violem a autonomia da vontade dos cidadãos, pois marcam a transição de um Estado autoritário para um Estado de Direito. Conforme observam Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero os direitos de primeira dimensão são decorrentes do pensamento liberal-burguês do século XVIII, com um viés essencialmente individualista, concebidos como direitos do indivíduo frente ao Estado, com a ressalva de certo conteúdo social característico do constitucionalismo francês86. São, portanto, os direitos- barreira, pois segundo Paulo Bonavides, os direitos de primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é o seu traço mais característico; enfim são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado87.

Todas

as

constituições

modernas

e

democráticas

incorporaram as liberdades fundamentais, as quais têm como objetivo equacionar, ou no mínimo, abrandar o conflito entre o indivíduo e o Estado.

86

Op. cit. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 260. Op. cit. Curso de direito constitucional. 24. ed. amp. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 563-564. 87

47

2.2.2. Direitos de segunda dimensão Vários documentos legislativos influenciaram o advento dos direitos de segunda dimensão, dentre eles a Constituição Francesa de 1848, a Constituição Mexicana de 1917, a Declaração Russa dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1918 e o Tratado de Versalhes de 1919. Todavia, foi a Constituição Alemã de 1919 (Constituição de Weimar), o primeiro texto que organizou, de forma sistêmica, os direitos de segunda dimensão, dentro de uma perspectiva que influenciou de forma substancial o constitucionalismo europeu e a Declaração dos Direitos do Homem. A Revolução Industrial, a partir do século XIX, inspirou e influenciou os direitos de segunda dimensão. Em face das péssimas condições de trabalho surgem movimentos importantes, tais como o Cartista na Inglaterra e a Comuna de Paris, os quais têm como meta reivindicar direitos trabalhistas e normas de assistência social. Conforme salienta Paulo Bonavides os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividade, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado Social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX88.

E complementa que os documentos e Constituições que os encamparam 88

Op. cit. Curso de direito constitucional. 24. ed. amp. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 564.

48 passaram primeiro por um ciclo de baixa normatividade ou tiveram eficácia duvidosa, em virtude de sua própria natureza de direitos que exigem do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exigüidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos89.

Essa

visão

programática

avançou

até

atingirmos

constituições, como a do Brasil que evoluiu para aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais de segunda dimensão, que têm o valor igualdade como inspiração.

2.2.3. Direitos de terceira dimensão Os direitos fundamentais de terceira dimensão são produto das alterações da sociedade e decorrência de profundas mudanças no cenário da comunidade internacional, tais como o vertiginoso avanço tecnológico e científico, a sociedade de massa, o que via de consequência impõe alterações profundas nas relações sociais e econômicas. Em decorrência desse novo contexto social, surge a preocupação de proteção do gênero humano, com enfoque transindividual, passando a gozar de especial atenção interesses como a higidez ambiental. Paulo Bonavides preleciona que, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à 89

Idem, p. 564.

49 proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Tem primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta90.

Os direitos de terceira dimensão conforme anotado por Ingo Wolfgand Sarlet são na verdade, do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância, bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes conseqüências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais91.

Observa Vidal Serrano Nunes Júnior que depois da Segunda Grande Guerra e os horrores do Holocausto, surge a solidariedade entre os povos como um elemento novo na reconstrução dos direitos do homem, na perspectiva do ser humano como parte da humanidade92. Os direitos de terceira dimensão, portanto, dizem respeito ao valor fraternidade, solidariedade e têm por escopo assegurar a proteção às populações mais vulneráveis.

2.2.4. Direitos de quarta dimensão Os direitos de quarta dimensão não se apresentam de forma unânime na doutrina. Em linhas gerais, podemos dizer que se referem ao direito dos povos. 90

Idem, p. 569. Op. cit. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 262. 92 NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Editora Verbatim, 2009, p. 46-47. 91

50

Norberto Bobbio assinala que a quarta dimensão de direitos nasce em decorrência dos avanços no campo da engenharia genética e descreve que já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo93.

Todavia, Paulo Bonavides assevera que a globalização política no contexto da normatividade jurídica, como forma de materialização do Estado Social, faz nascer os direitos de quarta dimensão e destaca os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo. E dispõe que a democracia positivada enquanto direito de quarta geração há de ser, de necessidade, uma democracia direta. Materialmente possível graças aos avanços da tecnologia de comunicação, e legitimamente sustentável graças à informação correta e às aberturas pluralistas do sistema94.

2.2.5. Direitos de quinta dimensão Fala-se ainda em uma quinta dimensão dos direitos fundamentais, a qual entende que o direito à paz deve ser tratado em dimensão autônoma e assevera que este é axioma da democracia participativa, ou, ainda, supremo direito da humanidade.

93

Op. cit. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 5-6. Op. cit. Curso de direito constitucional. 24. ed. amp. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 571. 94

51

Menciona Paulo Bonavides que “a concepção da paz no âmbito da normatividade jurídica configura um dos mais notáveis progressos já alcançados pela teoria dos direitos fundamentais”95. Karel Vasak cataloga o direito à paz, no rol dos direitos de fraternidade, ou seja, de terceira dimensão, contudo é criticado por Paulo Bonavides, que afirma ser a sua análise incompleta e teoricamente lacunosa96.

Catalogar o direito à paz como de terceira dimensão ou em uma dimensão autônoma pode ter relevância do ponto de vista metodológico, todavia o mais importante é que o Estado desenvolva uma política criminal que enfrente de forma eficiente e com uma resposta penal proporcional às organizações criminais, as quais com seus efeitos devastadores turbam a paz pública e causam na sociedade um ambiente de total insegurança. Na sequência analisaremos os princípios fundamentadores, limitadores e legitimadores do Direito Penal, os quais são instrumentos para a concretização dos direitos fundamentais.

95 96

Idem, p. 579. Idem, p. 569.

52

3. PRINCÍPIOS 3.1. Conceito O vocábulo princípio, derivado do latim principium significa, de forma geral, o início, o começo. Celso Antônio Bandeira de Mello ao conceituar princípio e declinar as consequências de seu não cumprimento assevera que, princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (...) Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e aluise toda a estrutura nelas esforçada97.

O ordenamento jurídico, conforme observa Guilherme de Souza Nucci “constitui um sistema lógico e coordenado, imantado por princípios, cuja meta é assegurar a coerência na aplicação das normas de diversas áreas do Direito”98. Em busca de referida coerência, ou seja, de um sistema que possua harmonia, a investigação científica dos princípios passa a ter relevância 97

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 25. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 56, de 10.12.2007, 2ª Tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 942-943. 98 Op. cit. Princípios constitucionais penais e processuais penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 35.

53

no Estado Democrático de Direito. Na perspectiva do Direito Penal o estudo dos princípios, conforme salienta Antonio Carlos da Ponte corresponde à análise minudente da própria origem do sistema punitivo, uma vez que são eles o sustentáculo da Constituição Federal e da própria dogmática penal, que, em um Estado Democrático e Social de Direito, exige uma leitura constitucional99. E conclui, asseverando que os princípios gozam de função dupla, tendo em vista que fundamentam a atuação do Direito Penal e, ao mesmo tempo, limitam seu campo de incidência100. Os princípios devem, portanto, ser definidos como o fundamento, a origem, a base, a razão fundamental sobre a qual se discorre a respeito de qualquer matéria e serve como pressuposto teórico fundamental dentro da análise de um sistema que consiga combater de forma eficiente as novas formas de criminalidade.

3.2. Princípios e regras Tratar de normas, princípios e regras não é uma tarefa simples, em razão da complexidade do tema, o qual não é objeto do presente trabalho. Todavia, revela-se pressuposto teórico fazermos uma análise, ainda que sucinta, do conceito de referidos institutos.

99

Op. cit. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 63. Idem, p. 64.

100

54

Segundo Humberto Ávila, “normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos”101. As normas, como signos que são, de acordo com Clarice von Oertzen de Araújo, “referem-se a objetos. Genericamente considerado, o objeto das normas jurídicas é a conduta humana em sociedade”102.

A norma é gênero do qual são espécies princípios e regras. Para haver maior compreensão deve-se fazer a distinção entre as normas que são regras e as normas que são princípios. Conforme salienta Luís Roberto Barroso, a dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normasprincípios e as normas-disposição. As normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas as quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema103.

Ronald Dworkin sustenta que a diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica, sendo que as duas espécies normativas apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas diferem quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo- ou- nada. Dados os fatos

101

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7. ed. amp. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 30. 102 ARAUJO, Clarice von Oertzen de. Semiótica do Direito. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 70. 103 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 141.

55

que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão104. Robert Alexy, por sua vez, ao fazer a diferenciação entre princípios e regras discorda do posicionamento de Ronald Dworkin e caracteriza os princípios como mandamentos ou mandados de otimização105.

Virgílo Afonso da Silva menciona que as proposições trazidas por Ronald Dworkin e Robert Alexy não se confundem106. J.J. Gomes Canotilho traz critérios para distinguir regras e princípios: a) Grau de abstracção: os princípios são normas com um grau de abstracção relativamente elevado; de modo diverso, as „regras‟ possuem uma abstracção relativamente reduzida. b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de 104

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério; tradução e notas Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 39. 105 Menciona Robert Alexy que regras “são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau, toda norma é ou uma regra ou um princípio” e afirma que princípio são “normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes”. (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgilio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90-91). 106 Menciona o autor que “não só as teses de ambos os autores não são idênticas- a própria idéia de otimização não está presente nas obras de Dworkin- a própria idéia de otimização não está presente nas obras de Dworkin-, como também a possibilidade de única resposta correta é rejeitada expressamente pela teoria dos princípios na forma defendida por Alexy. O que o conceito de mandado de otimização impõe é o que se pode chamar de idéia regulativa, ou seja, uma ideia que sirva para guiar a argumentação em um determinado sentido. Várias podem ser as repostas que satisfaçam as exigências de otimização. Quanto maior o número de variáveis- e de direitos- envolvidos em um caso concreto, maior tenderá a ser a quantidade de respostas que satisfaçam o critério de otimização” (SILVA, Virgilio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre os particulares. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 121).

56

mediações concretizadoras (do legislador, do juiz), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação directa. c) Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza estruturante ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do Estado de Direito). d) Proximidade da idéia de direito: os princípios são „standards‟ juridicamente vinculantes radicados nas exigências de „justiça‟ (Dworkin) ou na „idéia de direito‟(Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional. e) Natureza normogenética: os princípios são fundamentos de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas,

desempenhando,

por

isso,

uma

função

normogenética

fundamentante107. Com efeito, o tema relacionado à distinção entre regras e princípios é bastante árido. No entanto, a função e o alcance dos princípios e das regras, como bem salientou Antonio Carlos da Ponte, deverão ser compreendidos da seguinte forma: os princípios são viabilizados por meio de regras. Enquanto os princípios expressam valores que informam o sistema jurídico, dotados, portanto, de abstratividade; as regras buscam assegurar concretude ao sistema, criando mecanismos que assegurem observância e aplicação à valoração eleita108.

107

Op. cit. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 3. reimp.. Coimbra: Almedina. 2003, p. 1160-1161. 108 Op. cit. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 64-65.

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Sendo assim, podemos afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana é viabilizado, dentre outros dispositivos, pela regra disposta no artigo 12 da Lei 7.210/84, o qual prevê que, “a assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas”. As regras da Lei 8.884/94, de acordo com Eros Roberto Grau, conferem concreção aos princípios da liberdade de iniciativa, da livre concorrência, da função social da propriedade, da defesa dos consumidores e da repressão ao abuso do poder econômico109. Para as regras se aplica o preceito do tudo ou nada de Dworkin, sendo que quando duas regras colidem fala-se em conflito, ou seja, no caso concreto uma só será aplicável. Já os princípios são diretrizes gerais, os quais imantam um ordenamento jurídico e seu espectro de incidência é muito mais amplo que o das regras. Entre princípios não há conflito, conforme enfatiza Antonio Carlos da Ponte, considerando que permitem a realização de ponderações e harmonizam-se, de tal forma que conferem peso a cada um deles. As regras, por sua vez, em razão de conter fixações normativas definitivas, “excluem-se quando contraditórias, prevalecendo uma em detrimento da outra, uma vez que discutem, na essência, uma questão de validade”110.

109

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 211-212. 110 Op. cit. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008. 65.

58

Conforme dissemos em nossa Dissertação de Mestrado, poderíamos diferenciar os princípios e as regras com exemplos. Na primeira situação hipotética, uma entidade de ensino estabelece que o aluno para ser aprovado em uma disciplina deverá ter no mínimo a média sete. O aluno que não alcançar a nota mínima será reprovado. Neste caso estamos diante de uma regra, pois não há discussão, valendo a regra do tudo ou nada. Em outra situação, uma entidade de ensino preleciona que o aluno para ser aprovado deverá ter um bom desempenho, não estabelecendo uma nota mínima. Neste caso não há como se estabelecer de forma objetiva qual a nota para a aprovação, deverá ser levado em conta a frequência, a participação do aluno em sala de aula, sua pontualidade na apresentação dos trabalhos e outros critérios subjetivos. Bom desempenho para a aprovação é uma diretriz geral. Neste exemplo estamos diante de um princípio. Podemos concluir, portanto, que as regras conferem „concreção aos princípios‟. Entre as regras haverá conflitos normativos e antinomias, mas não entre os princípios, os quais se harmonizarão111. Firmados os fundamentos teóricos alinhavados neste item, passa-se à análise dos princípios fundamentadores, limitadores e legitimadores do Direito Penal, na concepção da ordem constitucional de 1988, que reproduz de forma inequívoca um Estado Democrático de Direito.

111

PIEDADE, Antonio Sergio Cordeiro. Aspectos relevantes das circunstâncias judiciais na individualização da pena. 2009. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Direito)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 40.

59

3.3. Princípios de Direito Penal como instrumento de fundamentação, limitação e legitimação da tutela penal Os princípios constitucionais de Direito Penal fundamentam sua atuação, pois servem como norte na criação dos tipos penais e na imposição das penas. Por sua vez, os princípios limitam o campo de incidência do Direito Penal, a fim de evitar o excesso e o arbítrio por parte do Estado. Os limites impostos ao Direito Penal são herança do Estado Liberal. Conforme observa Maria da Conceição Ferreira da Cunha, “a necessidade limitadora resulta do Direito Penal ser um instrumento muito forte nas mãos do Estado”112. A Constituição Federal traz de forma implícita e explícita os valores que devem ser objeto de tutela penal, por parte do Estado em todas as esferas, seja na atividade legislativa, executiva ou judicante, o que inegavelmente legitima sua atuação, ora como instrumento de contenção do excesso, ora assegurando a efetividade dos valores mais caros de uma sociedade113. A necessidade de compatibilização de critérios limitadores e legitimadores decorre, portanto, do fato de o Direito Penal apresentar dupla faceta, pois conforme salienta Maria da Conceição Ferreira da Cunha se

112

FERREIRA DA CUNHA, Maria da Conceição. Constituição e crime. Uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Editora Porto, 1995, p. 272. 113 Janaina Conceição Paschoal dentro de uma concepção de que a Constituição Federal serve apenas como limite à criminalização afirma que: “parece preocupante o fato de doutrinadores, alguns conhecida e reconhecidamente democráticos, defenderem, ou aceitarem, que a Constituição determina (e até obriga) a criminalização de condutas, ou seja, o cerceamento da liberdade” (PASCHOAL, Janaina Conceição Constituição, Criminalização e direito penal mínimo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 19).

60 por um lado, ele é a arma mais terrível nas mãos do Estado, não só por conter as sanções que, em princípio, mais interferem com valores fundamentais da pessoa, como pelos efeitos sociais que inegavelmente desencadeia, e precisa, assim, de ser legitimado e limitado na sua actuação; legitimando e limitando não só quanto à forma de actuação, oferecendo garantias de imparcialidade e certeza jurídica, mas também quanto ao próprio conteúdo. Mas, por outro lado, ele é imprescindível para a própria defesa dos valores essenciais à vida do homem em sociedade114.

A influência dos princípios constitucionais do Direito Penal é de fundamental importância, na formatação de um sistema coeso e harmônico, que lhe assegure coerência e efetividade. Francesco C. Palazzo115 fala em princípios de Direito Penal constitucional e princípios constitucionais influentes em matéria penal. Em linhas gerais, os princípios de direito penal constitucional se impõem ao Direito Penal e têm por escopo proteger o indivíduo contra o arbítrio estatal. Dentro desse enfoque, Maria da Conceição Ferreira da Cunha ressalta que os princípios incidem diretamente no sistema penal e dão expressão à tradicional concepção, de origem liberal-iluminista, da Constituição como garantidora da liberdade e direitos dos cidadãos, como o instrumento por excelência de defesa dos indivíduos face ao poder estadual116.

A essência dos princípios de Direito Penal constitucional é analisar os direitos fundamentais sob a perspectiva dos direitos de defesa do indivíduo face ao Estado. 114

Op. cit. Constituição e Crime. Uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Editora Porto, 1995, p. 272. 115 PALAZZO, Francesco C. Valores constitucionais e direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2009, p. 22-23. 116 Op. cit. Constituição e Crime. Uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Editora Porto, 1995, p. 119.

61

Por outro lado, os princípios constitucionais influentes em matéria penal incidem sobre o conteúdo da matéria penal, ou seja, conforme afirma Francesco C. Palazzo “condicionam com prevalência, o conteúdo, a matéria penalmente disciplinada, e não a forma penal de tutela, o modo de disciplina penalística”117. Na atualidade, o maior interesse dos estudiosos se refere à influência exercida pelos valores constitucionais sobre o conteúdo do Direito Penal118. Os princípios, portanto, darão o contorno do Direito Penal, pois serão o fio condutor para a concretização dos valores elencados pelo constituinte. Guillermo J. Yacobucci declina que no Direito Penal há quatro ordens de princípios: os princípios constitutivos, configuradores ou materiais, que devem ser observados obrigatoriamente, não importando o modelo de sistema punitivo adotado, destacando-se em referida categoria o princípio da dignidade da pessoa humana; os princípios fundamentais do Direito Penal, os quais são de suma importância para a própria existência do Direito Penal, sendo exemplos de referida modalidade os princípios da legalidade, da anterioridade e da culpabilidade; os princípios derivados, que decorrem da adoção dos princípios constitutivos e fundamentais do Direito Penal, tais como os princípios da

117

Op. cit. Valores constitucionais e direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2009, p. 23. 118 Idem, p. 23.

62

proporcionalidade e intervenção mínima e os princípios éticos, ligados ao conteúdo moral, ético e à própria essência de justiça que se espera quando se aplica a lei penal no caso concreto. São exemplos, de referida categoria, os princípios da adequação social e da humanidade119. Na

sequência

passaremos

a

analisar

os

princípios

constitucionais explícitos e implícitos trazidos pela Constituição Federal de 1988, que tem por missão não somente limitar, mas também fundamentar e legitimar a incidência do Direito Penal, dentro de uma perspectiva que assegure proteção aos direitos fundamentais de todas as dimensões, como forma de consolidar o modelo de Estado Democrático de Direito adotado. Ressaltamos que ao princípio da proporcionalidade será destinado capítulo específico em razão de sua relevância fundamentadora para o presente trabalho.

3.4. Princípios de Direito Penal em espécie 3.4.1. Princípio da dignidade da pessoa humana O princípio da dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral ínsito a todo o indivíduo, que inegavelmente passa a ter reflexos na esfera jurídica, em razão de ser o fundamento da nossa ordem

119

YACOBUCCI, Guillermo J. El sentido de los principios penales. Buenos Aires: Editorial Ábaco, 2002, p. 126.

63

constitucional,

vinculando

todos

os

poderes

e

instituições.

Cuida-se,

indubitavelmente de uma viga mestra na estrutura normativa120. Immanuel Kant ao defender que todo ser racional existe como fim em si mesmo e não como objeto traz a essência do significado de dignidade da pessoa humana. Afirma que, no reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade121.

Guilherme de Souza Nucci destaca a importância e a relevância do princípio e menciona que olhares especiais devem voltar-se ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois respeitada a dignidade da pessoa humana, seja do ângulo do acusado, seja do prisma da vítima do crime, além de assegurada a fiel aplicação do devido processo legal, para a consideração de inocência ou culpa se cumpre, em última análise, o objetivo do Estado de Direito e, com ênfase, democrático122. Ingo Wolfgang Sarlet conceitua a dignidade da pessoa humana como a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um 120

De forma clara e objetiva Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery mencionam que o princípio da dignidade da pessoa humana é “o princípio fundamental do direito. É o primeiro. O mais importante” (NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição federal comentada e legislação constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 118). 121 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos.Trad. Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2011, p. 65. 122 Op cit. Princípios constitucionais penais e processuais penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 39.

64 complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida123.

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira menciona que a dignidade da pessoa humana deve ser compreendida como o conjunto de atributos pessoais de natureza moral, intelectual, física, material que faz com que o indivíduo tenha a consciência de suas necessidades, de suas aspirações, de seu valor, e o tornam merecedor de respeito e acatamento perante o corpo social124. Em razão de cuidar-se de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana, conforme enuncia Luiz Alberto David Araujo, é “um dos princípios constitucionais que orientam a construção e a interpretação do sistema jurídico brasileiro”125. Antonio Carlos da Ponte salienta que a opção política do constituinte “pode facilmente ser compreendida, pois a pessoa humana deve ser considerada alicerce e objetivo maior da sociedade, ou seja, a razão da existência do Estado são as pessoas”126.

Antonio Luis Chaves Camargo afirma que a dignidade humana, 123

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 70. 124 MARIZ DE OLIVEIRA, Antonio Claudio. O direito penal e a dignidade humana. A questão criminal: discurso tradicional. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da (coord.). Tratado lusobrasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 816 125 ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 102. 126 Idem, p. 65.

65 expressão melhor do que dignidade da pessoa humana, pois esta reflete um pleonasmo, é a fonte de todos os direitos humanos, pois exerce a função de base destes direitos, servindo de conexão entre o ser e seu agir social127.

Alguns autores, como Guilherme de Souza Nucci128, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da Silva Martins129, sustentam que a dignidade da pessoa humana é uma das metas a ser atingida pelo Estado e pela sociedade brasileira, nada tendo a ver com um princípio penal específico.

Todavia, com propriedade e da forma com a qual concordamos, Antonio Carlos da Ponte leciona que, o princípio da dignidade da pessoa humana é considerado o fundamento maior da carta de princípios denominado Constituição Federal (...) Trabalhando com a idéia de sistema jurídico fechado, propugnada por Hans Kelsen, o princípio da dignidade da pessoa humana seria, como já adiantado, a norma hipotética fundamental -ápice da pirâmide-, sob a qual encontrar-se-ia a Constituição Federal, alicerçada em uma série de outros princípios. Abaixo, estariam as leis complementares, delegadas, ordinárias, os decretos, as portarias, etc130.

O artigo 1º, inciso III da Constituição Federal coloca a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, razão pela qual aludido princípio não se encontra entre os direitos e garantias individuais previstos no artigo 5º da carta política.

O princípio da dignidade da pessoa humana, portanto, guiará o legislador, assim como intérprete na interpretação da Constituição Federal e,

127

CHAVES CAMARGO, Antonio Luis; SHECAIRA, Sérgio Salomão (organizador). Estudos criminais em homenagem a Evandro Lins e Silva (criminalista do século). São Paulo: Editora Método, 2001, p. 74. 128 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: Parte geral: Parte especial. 2. ed. rev. amp. e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 73. 129 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil, v. 1. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 425. 130 Op. cit. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 65-67.

66

via de consequência, na sua concretização, tanto em seu âmbito individual, contendo eventuais excessos contra o agente que violou a norma penal, como em seu viés coletivo, se preocupando com a vítima e a sociedade.

3.4.2. Princípio da legalidade O artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal fixa o conteúdo das normas penais incriminadoras, ou seja, os tipos penais, mormente os incriminadores, os quais somente podem ser criados através de lei em sentido estrito, emanada do Poder Legislativo, respeitando o procedimento previsto na carta política. O Direito Penal em um Estado Democrático de Direito se alicerça em princípios, entre os quais o da legalidade, que possui grande relevo, pois a criação de um tipo penal incriminador está atrelada necessariamente à reserva legal, pois não há crime nem pena ou medida de segurança sem prévia lei (stricto sensu). Pondera Luiz Luisi, como dito no Capítulo 1, que o princípio da legalidade, segundo a doutrina mais contemporânea, se desdobra em três postulados. O primeiro se relaciona às fontes das normas penais incriminadoras. Outro se refere à enunciação dessas normas. E o terceiro é afeto à validade das disposições penais no tempo. O primeiro postulado é o da reserva legal. O

67

segundo é o da determinação taxativa. E o último é o da irretroatividade da lei penal131. O primeiro postulado, o da reserva legal, estabelece que não há crime nem pena sem lei em sentido estrito, elaborada na forma constitucionalmente prevista, através do poder legiferante, o que demonstra a materialização do princípio da divisão dos poderes.

O objetivo imediato e preponderante da reserva legal é impedir que o Poder Executivo venha a se imiscuir na seara do Legislativo, no que concerne à criação de tipos penais e penas. O fundamento que justifica a escolha do Poder Legislativo como o detentor exclusivo do poder normativo em sede penal está em sua legitimação democrática, a qual emerge do artigo 1º, parágrafo único da Constituição Federal de 1.988. Em síntese, fica patente que somente a lei formal é fonte criadora de crimes e de penas, de circunstâncias agravantes ou de medidas de segurança, sendo incompatível com a ordem constitucional vigente a utilização, em seu lugar, de qualquer outro ato normativo, como por exemplo, medida provisória. O segundo postulado é o da determinação taxativa, segundo o qual o tipo penal incriminador deve ser bem definido e detalhado para não 131

LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais Penais. 2. ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 2003, p. 17-18.

68

gerar qualquer dúvida quanto ao seu alcance e aplicação. O legislador deve evitar tipos penais vagos, genéricos, ambíguos, imprecisos, dúbios e repletos de termos valorativos que podem dar ensejo ao abuso do estado na invasão da intimidade e da esfera de liberdade dos indivíduos. Márcia Dometila Lima de Carvalho assevera que juristas de renome já salientaram que o princípio da reserva legal só pode desenvolver toda a sua eficácia, quando a vontade do legislador expressa-se com suficiente clareza, de modo a excluir qualquer decisão subjetiva e, portanto, arbitrária. (...) É mister que esta lei, temporalmente anterior, ao definir o fato criminoso, enuncie, com clareza, os atributos essenciais e específicos da conduta humana, de forma a torná-la inconfundível com outra, cominando-lhe pena balisada (sic) em limites razoáveis132.

O terceiro postulado é o da irretroatividade da lei penal (artigo 5o, XL, CF e artigo 2º do Código Penal), ressalvada a retroatividade favorável ao acusado- “a lei não retroagirá, salvo quando para beneficiar o réu”. A declaração Universal dos Direitos do Homem de 1.948 em seu art. XI-2 estabelece: Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

A finalidade precípua da irretroatividade da lei penal é restringir o arbítrio legislativo e judicial na elaboração ou aplicação retroativa da lei prejudicial. 132

CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação constitucional do direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, p. 54-55.

69

3.4.3. Princípio da igualdade O princípio da igualdade ou da isonomia irradia seu preceito para o direito penal. Respeitá-lo é submeter-se ao Estado Democrático de Direito. Está assentado no artigo 5º caput da Constituição Federal que, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. O princípio em análise é segundo J.J. Gomes Canotilho “um dos princípios estruturantes do regime geral dos direitos fundamentais”133. Como vimos no Capítulo 1, quando tratamos do panorama histórico do Direito Penal e as Diferentes Formas de Estado, durante a evolução histórica dos sistemas penais, as legislações nem sempre respeitaram o princípio da igualdade. Todavia, o texto constitucional representa uma ruptura com o regime autoritário e propõe uma igualdade.

133

Op. cit. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. 3. reimp.. Coimbra: Almedina. 2003, p. 426.

70

Em linhas gerais podemos dizer que o princípio da igualdade ou da isonomia se traduz na obrigação de se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades. O preceito magno da igualdade, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, é norma destinada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador. “Deveras, não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria edição dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas”134. Os meios empregados para se combater a criminalidade tradicional não deverão ser os mesmos utilizados para o enfrentamento de uma criminalidade difusa, pois o alcance social e os efeitos das condutas terão reflexos diferentes no contexto social. Quando se fala em dar um tratamento diferenciado às novas formas de criminalidade, se propõe exatamente a materialização do princípio da igualdade, pois se desigualam situações diferenciadas, as quais inegavelmente merecem um tratamento mais rigoroso.

3.4.4. Princípio da Culpabilidade Postulado basilar de que não há pena sem culpabilidade (nulla poena sine culpa). Por isso, conforme leciona Antonio Carlos da Ponte, tem-se defendido “que em nenhum caso se pode admitir, nem por razões 134

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1984, p. 13.

71

ressocializadoras, nem de proteção da sociedade diante do criminoso, uma pena superior ao que permite a culpabilidade”135. É a culpabilidade um juízo de reprovabilidade, juntamente com a consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Será reconhecida como elemento do crime ou como pressuposto para a aplicação da pena, dependendo do conceito de crime adotado. Como salientou Luiz Luisi, a nossa ordem jurídica também dá a culpabilidade gabarito constitucional. Basta considerar o texto do inciso XVII, da nossa Carta Magna: „ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória‟. Isto quer dizer que a condenação ao cumprimento de uma pena pressupõem, seja provada e declarada a culpabilidade de um agente que seja autor ou participe de um fato típico e antijurídico. Também se deduz a presença da culpabilidade do texto do inciso XLVI, do Código V, da Constituição de 1988, que consagra a individualização da pena136.

Não há crime sem dolo ou culpa. Ninguém será punido, se não houver agido com dolo ou culpa, dando mostras de que a responsabilização não será objetiva, mas subjetiva. A culpabilidade, portanto, terá de acordo com Luiz Flávio Gomes e Antonio García-Pablos de Molina tríplice função, se constituindo em um dos fundamentos da pena (sem culpabilidade devidamente comprovada jamais pode existir pena); limite da pena (artigo 29 do Código Penal), ou seja,

135

PONTE, Antonio Carlos da. Inimputabilidade e processo penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p.

25. 136

Op. cit. Os princípios constitucionais Penais. 2. ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 2003, p. 37.

72

cada agente será punido nos limites de sua culpabilidade e fator de graduação, a qual será analisada no momento da aplicação da pena137.

3.4.5. Princípio da humanidade O Brasil vedou a aplicação de penas insensíveis e dolorosas. A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da humanidade das penas, o que significa, conforme preceitua Guilherme de Souza Nucci, que o Estado deve ser benevolente na aplicação da pena, buscando o bem-estar de todos na comunidade, inclusive dos condenados, que não merecem ser excluídos somente porque delinqüiram, até porque uma das finalidades da pena é sua ressocialização138.

Sendo assim, não haverá penas “de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX”, “de caráter perpétuo”, “de trabalhos forçados”, “de banimento”, “cruéis” (artigo 5º, XLVII), além de se estabelecer que ao preso deva ser assegurado o respeito à integridade física e moral (artigo 5.º, XLIX).

A individualização da pena encontra sintonia com o princípio da humanidade, notadamente no que se refere à individualização executória da sanção penal.

137

GOMES, Luiz Flávio; PABLOS DE MOLINA, Antonio García. Direito penal: parte geral, vol. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 570. 138 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 2. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 40-41.

73

Deve o juiz da execução penal zelar para que o cumprimento da reprimenda seja feito de forma humanizada, não se tolerando eventuais excessos, que afrontem a dignidade da pessoa humana, pois conforme salienta Sérgio Salomão Shecaira e Alceu Corrêa Júnior, é através da forma de punir que se verifica o avanço moral e espiritual de uma sociedade, não se admitindo pois, nos tempos atuais, qualquer castigo que fira a dignidade e a própria condição do Homem, sujeito de direitos fundamentais invioláveis139.

No entanto, quando estamos diante de organizações criminosas torna-se necessário, no que se refere à execução da pena, pensar em mecanismos que tenham a capacidade de neutralizar a ação de seus integrantes, pois não há como se tolerar que ordens e comandos provenientes de líderes que se encontram com sua liberdade suprimida sejam dados de dentro do sistema prisional, para ataques e convulsões sociais que visam desestabilizar a ordem pública e a manutenção, no mundo externo, do negócio criminoso. O Regime Disciplinar Diferenciado é uma forma de sanção disciplinar que foi introduzido em nosso ordenamento jurídico “ante a criminalidade organizada, a qual causa efeitos nocivos à sociedade”140.

Sendo assim, o Regime Disciplinar Diferenciado é compatível com a ordem constitucional de 1988 e não afronta o princípio da 139

SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA JÚNIOR, Alceu. Teoria da Pena: finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 87. 140 PIEDADE, Antonio Sergio Cordeiro. Aspectos relevantes do regime disciplinar diferenciado. Revista Jurídica do Ministério Público de Mato Grosso. Coord. João Batista de Almeida. Cuiabá: Entrelinhas, 2008, p. 199.

74

humanidade, pois é uma medida que tem por escopo tratar de forma diferenciada desiguais, ou seja, dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos prisionais, bem como acautelar a ordem pública, a qual vem sendo ameaçada por delinqüentes, os quais, mesmo custodiados, continuam gerindo suas organizações criminosas, do interior do sistema carcerário, onde lideram rebeliões, com morte de reféns e fugas, e fora da prisão, onde promovem atos no seio da sociedade civil, os quais afrontam o Estado Democrático de Direito141.

3.4.6. Princípio da ultima ratio Também denominado, princípio da intervenção mínima, preceitua que o direito penal deve ser a última opção do legislador para resolver conflitos emergentes na sociedade. O direito penal, segundo preceitua Pedro Luiz Ricardo Gaglliardi, “é a ultima ratio, recurso extremo e draconiano do Estado, limitado a proteger os bens jurídicos cuja tutela pelos demais ramos sejam insuficientes, situação não evidenciada no caso”142. O princípio da ultima ratio ou da intervenção mínima surge por ocasião do movimento social de ascensão da burguesia (Iluminismo). 141

Idem, p. 208. GAGLIARDI, Pedro Luiz Ricardo; MARQUES DA SILVA, Marco Antonio; COSTA, José de Faria (Coordenação). Direito penal especial, processo penal e direito fundamentais: Visão Luso-Brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 544-545. 142

75

Aludido princípio julga ser legítima a criminalização de um fato somente se este constitui o único meio necessário para a proteção de um determinado bem jurídico. Assim, para corroborar esta ideia, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em seu artigo 8º, determinou que "a lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias (...)”. Como assinalamos em nossa Dissertação de Mestrado, o direito penal deve ser utilizado como um antibiótico de última geração, ou seja, somente ser administrado para solucionar situações de extrema gravidade e depois de vencidas as etapas anteriores, com a utilização de outros medicamentos menos agressivos. A utilização indiscriminada de um medicamento potente, para debelar situações sem gravidade pode levar à sua banalização e ineficácia, sendo que quando realmente for necessária a sua administração não serão produzidos os efeitos necessários. Portanto, mutatis mutandi, verificamos que o direito penal só deve intervir para resolver situações graves e com efetiva lesividade social, sob pena de cair no descrédito. O antibiótico de última geração não pode ser administrado para curar um resfriado corriqueiro, mas para uma patologia grave.O direito penal não pode, como exposto, ser vulgarizado e tratado como norma solucionadora de qualquer conflito, sob pena de cair no descrédito. O arsenal punitivo do Estado deve ser reservado para condutas com efetiva lesividade social143.

Porém, a concepção de um Direito Penal de intervenção mínima não se opõe e muito menos deslegitima sua intervenção nos casos em que exista a necessidade de tutela penal constitucionalmente assegurada.

143

Op. cit. Aspectos relevantes das circunstâncias judiciais na individualização da pena. 2009. Dissertação de Metrado (Mestrado em Direito)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 62-63.

76

3.4.7. Princípio da fragmentariedade É decorrência do princípio da intervenção mínima, pois o direito penal é um fragmento do ordenamento jurídico, não podendo, obviamente, regular todas as lesões a bens jurídicos tutelados. O direito penal, via de consequência, deve ocupar-se das condutas mais graves, verdadeiramente lesivas à vida em sociedade. Outras questões devem ser resolvidas pelos demais ramos do direito, através de indenizações civis ou punições administrativas. Eis aí, como salientado por Francisco de Assis Toledo, o caráter fragmentário do direito penal: dentre a “multidão de fatos ilícitos possíveis, somente alguns –os mais graves– são selecionados para serem alcançados pelas malhas do ordenamento penal”144. Cezar Roberto Bitencourt afirma que o princípio da fragmentariedade tem como fundamento que somente as condutas mais graves praticadas contra bens jurídicos mais importantes carecem dos rigores do direito penal145. O direito penal, portanto, possui um caráter fragmentário, ou seja, deve ocupar-se somente daqueles casos em que há uma ameaça grave aos bens jurídicos tutelados pelo Estado, logo, nunca disciplinando bagatelas irrelevantes.

144

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 4. ed. rev. e amp. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 14-15. 145 BITENCOURT, Cézar Roberto. Novas penas alternativas. Análise político-criminal das alterações da Lei n. 9.714/98. São Paulo: Saraiva. 1999, p. 36.

77

3.4.8. Princípio da subsidiariedade A subsidiariedade do direito penal, que presume a sua fragmentariedade, deriva de sua consideração como um remédio sancionador extremo, que deve ser ministrado apenas quando nenhum outro se mostrar suficiente para resolver o conflito. Assim, a intervenção do direito penal só se legitima quando os outros ramos do direito se revelarem ineficazes em sua intervenção. Este princípio decorre do próprio caráter fragmentário do Direito Penal e estabelece que a sua intervenção somente deva ocorrer nos casos com efetiva lesividade social, os quais impeçam a manutenção da ordem social, pois como aduz Víctor Gabriel Rodríguez a complexidade do sistema social tem alertado para a insuficiência do sistema punitivo estatal, que deve ser utilizado de forma subsidiária. Cita o autor exemplos de alternativas inovadoras, tais como o sistema de Agências Reguladoras, as regras deontológicas dos órgãos de classe, os quais devem ser manejados no primeiro momento devendo o Direito Penal reservar-se a autuar somente quando aqueles houverem fracassado146. Alberto Silva Franco, ao prefaciar o livro Pressupostos Materiais Mínimos da Tutela Penal de Alice Bianchini assevera que a máquina penal não deve ser posta em ação se outras formas de controle, menos gravosas, podem ser utilizadas. Daí o caráter subsidiário do sistema penal: só deve atuar em última instância quando os demais controles fracassem ou se mostrem inertes. A necessidade, como assevera Luzon Peña „pressupõe o 146

RODRÍGUEZ, Víctor Gabriel. Fundamentos de direito penal brasileiro: lei penal e teoria geral do crime. São Paulo: Atlas, 2010, p. 91.

78 merecimento da pena e significa que um fato, além de merecedor de pena, necessita ser apenado, já que, no caso concreto, não existe nenhum outro meio disponível que seja eficaz e menos aflitivo147.

O direito penal funciona como um soldado de reserva, entrando em cena somente se os demais ramos do direito não tiverem aptos a proteger o bem jurídico tutelado. Caso não seja necessária sua atuação, “fica ele de prontidão, aguardando, se necessário, ser chamado pelo operador do Direito para, aí sim, enfrentar uma conduta que coloca em risco a estrutura da sociedade”148. Jorge de Figueiredo Dias leciona de forma precisa acerca da intervenção subsidiária do Direito Penal ao afirmar que: a restrição da função do direito penal à tutela de bens jurídicos penais, por um lado, e o caráter subsidiário desta tutela em sintonia com o princípio da necessidade, por outro, conduzem à justificação de uma posição político-criminal fundamental: a de que, para um eficaz domínio do fenômeno da criminalidade dentro de cotas socialmente suportáveis, o Estado e o seu aparelho formalizado de controle do crime devem intervir o menos possível; e devem intervir só na precisa medida requerida pelo asseguramento das condições essenciais de funcionamento da sociedade149.

Fica evidente, portanto, que o Direito Penal deve guardar suas energias para intervir nas situações que possuam relevância e danosidade social.

147

FRANCO, Alberto Silva. In: BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 11. 148 MASSON, Cleber Rogério; MARQUES DA SILVA, Marco Antonio (Coordenação). Processo penal e garantias constitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 135. 149 DIAS, Jorge de Figueiredo, Questões fundamentais de direito penal revisitadas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 81.

79

4. A DUPLA FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE 4.1. Princípio da Proporcionalidade O princípio da proporcionalidade encontra fundamento nos incisos XLII, XLIII, XLIV, XVLVI e XLVII, do artigo 5º da Constituição Federal. Sua previsão não está expressa na Constituição Federal, todavia é indiscutível o seu reconhecimento pela doutrina: O texto constitucional brasileiro não apresenta previsão expressa a respeito do princípio da proporcionalidade, como fazem as Constituições de outras nações. Todavia, isso não impede seu reconhecimento, uma vez que, como se verá, ele é imposição natural de qualquer sistema constitucional de garantias fundamentais. Na realidade, o princípio da proporcionalidade é elemento intrínseco essencial de qualquer documento jurídico que vise instituir um Estado de Direito Democrático, o qual, por essência obrigatória, baseia-se na preservação de direitos fundamentais150.

Paulo Queiroz assinala que referido princípio é o mais importante do Direito Penal, pois em matéria penal tudo é proporcionalidade, em razão de que tudo o que se discute neste âmbito passa pelo crivo da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito151. Comumente se confunde, de forma equivocada, o princípio da proporcionalidade com o princípio da razoabilidade152, sendo que em muitas ocasiões o próprio Supremo Tribunal Federal já os reconheceu como sinônimos.

150

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 41. 151 QUEIROZ, Paulo. Direito Penal- Parte geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 32-33. 152 Para Virgílio Afonso da Silva “proporcionalidade e razoabilidade não são sinônimos. Enquanto aquela tem estrutura racionalmente definida, que se traduz na análise de suas três sub-regras (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), está ou é um dos vários topoi dos quais o STF se

80

O princípio da proporcionalidade tem sua origem no direito alemão e o princípio da razoabilidade é decorrente de decisões reiteradas da Suprema Corte Americana. Antonio Carlos da Ponte enuncia que o princípio em apreço trabalha diretamente com o conceito de Justiça em um Estado Democrático de Direito, apontando as infrações penais que não são passíveis de prescrição, aquelas consideradas de extrema gravidade por parte do Estado brasileiro e, ao mesmo tempo, proibindo a adoção de determinadas penas e exigindo a individualização das permitidas, com o que assegura o controle da própria ação estatal153.

Para

que

se

possa

compreender

o

princípio

da

proporcionalidade lato sensu, devemos analisar as suas três vertentes ou subprincípios, trazidas por J. J. Gomes Canotilho154 dispostos abaixo: Princípio da conformidade ou adequação de meios: Consoante este princípio, a atividade do poder público deve ser apropriada para a consecução dos objetivos pretendidos pela Constituição Federal. O princípio da conformidade ou adequação impõe que a medida adotada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes. Consequentemente, a exigência de conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o acto do poder público

serve, ou uma simples análise de compatibilidade entre meios e fins”. SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. RT, 798/23-50, 2002, p. 45. 153 Op. cit. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 79-80. 154 Op. cit., Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 3. reimp.. Coimbra: Almedina. 2003, p. 269-270.

81

é apto para e conforme os fins justificativos da sua adoção. Trata-se, pois, de controlar a relação de adequação medida-fim. Princípio da exigibilidade ou da necessidade: Este princípio determina que o Estado deva sempre escolher o meio igualmente eficaz e menos oneroso para o cidadão. Assim, o Estado como esclarece Alice Bianchini, “somente está autorizado a se utilizar do arsenal punitivo quando, para a obtenção de determinados fins, inexiste qualquer outro meio menos oneroso para o cidadão”155. Princípio da proporcionalidade em sentido estrito: Exige que o Estado procure sopesar as vantagens e desvantagens da medida tomada, e, assim, decidir pela tomada ou não do ato. Este princípio só deverá ser analisado após a observância dos dois outros anteriormente mencionados, pois, em muitas situações, apesar de a medida ser adequada e exigível, poderá não ser proporcional em sentido estrito. Gilmar Ferreira Mendes, apontando decisão do Tribunal Constitucional Alemão assevera que os meios utilizados pelo legislador devem ser adequados e exigíveis à consecução dos fins visados. O meio é adequado se, com a sua utilização, o evento pretendido pode ser alcançado; é

155

Op.cit. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 83.

82 exigível se o legislador não dispõe de outro meio eficaz, menos restritivo aos direitos fundamentais156.

Na proporcionalidade entre os delitos e as penas, deve existir sempre uma medida de equilíbrio e justiça. Vinculando o Poder Legislativo no plano abstrato à elaboração dos tipos penais, e no plano concreto o Poder Judiciário à análise da gravidade do fato ilícito perpetrado e a pena a ser imposta. Desta

forma,

fica

evidente

que

o

princípio

da

proporcionalidade é de fundamental importância no direito penal e no processo penal, para contrabalançar valores e princípios, que rotineiramente se opõem, como por exemplo o direito à liberdade do indivíduo e o dever do Estado de punir o culpado. Luciano Feldens esclarece que, provavelmente não exista hipótese mais evidente de aplicação do princípio da proporcionalidade no âmbito do Direito Penal do que quando invocando o cognominado princípio da insignificância. Embora seguidamente reconduzido ao plano exclusivo da dogmática penal, a constatação acerca da insignificância jurídico-penal de uma conduta determinada não é senão a realização de um juízo concreto de desproporcionalidade que se realiza acerca da potencial incidência de uma medida legalmente prevista (a sanção penal) a uma situação de fato157.

O princípio em análise vincula o legislador, assim como o julgador em sua função jurisdicional, no qual devem ser compatibilizados os direitos do agente que violou a norma penal, bem como da sociedade.

156

MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: Aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva 1990, p. 41. 157 Op. cit. A constituição penal. A dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2005, p. 191.

83

A proporcionalidade deverá ser analisada em seu duplo enfoque, pois como observa Antonio Carlos da Ponte não se limita à proibição de excessos mas socorre também a obrigatoriedade de proteção suficiente a determinados bens eleitos pela Constituição Federal em atenção aos mandados explícitos e implícitos de criminalização, e a observância a uma pauta mínima de Direitos Humanos158.

O princípio da proporcionalidade, portanto, será um instrumento para que o Direito Penal esteja atrelado a uma pauta mínima de direitos humanos, ou seja, que coíba os excessos do Estado, assegurando ao cidadão seus direitos fundamentais, mas que da mesma forma não incida em uma tutela penal pífia e injusta, ainda que para tal finalidade mitigue alguns desses direitos, em nome do interesse público, sem que essa flexibilização viole a lei e a segurança jurídica159.

158

PONTE, Antonio Carlos da. Inimputabilidade e processo penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 82. Nesse sentido esclarece Antonio Scarance Fernandes de que não há antagonismo entre eficiência e garantismo, sendo possível que o Estado crie mecanismos para uma resposta penal e processual penal para as organizações criminosas, sem se descuidar de assegurar ao acusado uma pauta mínima de direitos humanos, como veremos mais adiante no capítulo 6.5. Assevera o autor que: “Entende-se ser eficiente o processo que, além de permitir uma eficiente persecução criminal, também possibilita uma eficiente atuação das normas de garantia. Assim, é dotado de eficiência o ordenamento formado por regras que permitam equilíbrio entre o interesse do Estado em punir autores de infrações penais e o interesse do acusado em se defender plenamente. Em outras palavras, o equilíbrio entre a exigência de assegurar ao investigado, ao acusado e ao condenado a aplicação das garantias fundamentais do devido processo legal e a necessidade de proporcionar aos órgãos de Estado encarregados da persecução penal mecanismos para uma atuação positiva. Não se deve pender para os extremos de um hipergarantismo ou de uma repressão a todo custo (...) No tocante ao crime organizado, o estudo da eficiência pode ser efetuado de maneira global, em face do conjunto das normas processuais que o regulam. Fixada a idéia de que não se compreende eficiência sem observância das garantias constitucionais, essas normas serão eficientes se permitirem repressão ao crime organizado com respeito ao núcleo essencial de garantias, por meio do qual se garantem a imparcialidade do juiz, a ampla defesa e o contraditório”. (FERNANDES, Antonio Scarance. O equilíbrio na repressão ao crime organizado. In: FERNANDES, Antonio Scarance; ALMEIDA, José Raul Gavião de; MORAES, Maurício Zanoide de (Coords.). Crime organizado. Aspectos processuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 09-11). 159

84

4.2. Princípio da Proibição de excesso (Übermassverbot) Dentro de uma perspectiva de contenção dos excessos do Estado em face do indivíduo, surge a modalidade do princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição de excesso. Referido princípio vincula tanto o legislador na criação de tipos penais, assim como o julgador na aplicação da reprimenda nos casos concretos.

Para cumprir seu desiderato o Direito Penal não pode, por meio de um dos seus órgãos de persecução penal, agir de forma desproporcional para com o agente que violou a norma penal e, via de consequência, feriu os direitos fundamentais de terceiros. A vedação de excesso foi uma constante ao longo da história, tanto que o Estado Liberal de Direito, conforme explicitado no capítulo 1 surge como forma de acautelar o cidadão dos arbítrios do Leviatã. Dentro de sua fundamentação individualista, com foco na proteção da burguesia contra o absolutismo monárquico foram desenvolvidas as garantias de primeira dimensão, que não tinham nenhuma preocupação de proteger o corpo social. Winfried Hassemer afirma que a proibição de excesso põe em relevo a tradição clássica dos direitos fundamentais como fundamento dos direitos de defesa frente às intromissões estatais160.

160

HASSEMER, Winfried. ¿Puede haber delitos que no afecten a un bien jurídico penal?. In: HEFENDEHL, Holand (ed.). La teoría del bien jurídico: ¿fundamento de legitimación del Derecho penal o juego de abalorios dogmáticos? Madrid: Marcial Pons, 2007, p. 98.

85

O Sistema Garantista ou Teoria do Garantismo Penal tem como precursor Luigi Ferrajoli, cujo referencial teórico tem como marco histórico a obra Direito e Razão que encontra na proibição de excesso a viga mestra para sua construção teórica. Tal sistema visa conter o excesso de tutela penal e o abuso estatal, o qual não deve se imiscuir de forma arbitrária na seara das liberdades individuais e acaba por contemplar a proteção dos direitos fundamentais de viés exclusivamente individual. A incidência do garantismo, no que se refere à limitação do poder punitivo do Estado é abordada por Luigi Ferrajoli em três enfoques, os quais possuem conexão entre si: a) o que designa um modelo normativo de direito, se referindo ao modelo de „estrita legalidade‟, o qual é inerente ao próprio Estado de Direito, que sob o plano epistemológico se caracteriza como um sistema cognitivo ou de poder mínimo, sob o plano político se caracteriza como uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e a maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos; b) como teoria do direito e crítica do direito, a qual preconiza uma teoria jurídica da validade e da efetividade como categorias distintas não só entre si, propondo uma aproximação teórica que mantém separado o ser e o dever ser; c) como filosofia do direito e crítica da política, que designa uma filosofia política que requer do direito e do Estado o ônus da justificação externa com base nos bens e nos

86

interesses nos quais a tutela ou a garantia constitui a finalidade, propondo a separação entre direito e moral161. Referida construção teórica consagra o garantismo negativo criando a falsa ilação de que há um confronto, uma polarização permanente da proibição de excesso com a proibição de proteção deficiente. Registra-se que não se propõe com o presente trabalho a criação de um Direito Penal que restabeleça o arbítrio ou o retorno ao período de exceção. Muito pelo contrário, o que se pretende é justamente um Direito Penal justo e equilibrado, que contenha o excesso, mas que não tenha uma proteção insuficiente no que concerne à repressão à violência e à desestabilização social proporcionada pela ação das organizações criminosas.

4.3. Princípio da Proibição da proteção deficiente (Untermassverbot) A proibição da proteção deficiente, por sua vez, como desdobramento do princípio da proporcionalidade tem como desiderato tutelar, em sua plenitude, os direitos fundamentais.

O Estado, conforme dispõe Edilson Mougenot Bonfim deve assegurar não apenas a garantia do cidadão perante os excessos do Estado na restrição dos direitos fundamentais, por meio do princípio da proibição de

161

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3.ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 785-787.

87

excesso, a chamada „proteção vertical‟, mas também a garantia do cidadão contra agressões de terceiros, denominada „proteção horizontal‟, na qual o Estado atua como garante eficaz dos cidadãos, impedindo tais agressões, tutelando de forma eficaz o valor segurança, garantido constitucionalmente ou punindo os agressores (valor justiça, assegurado pela Constituição Federal)162. Hoje, no Brasil, há uma tendência em consagrar um supergarantismo negativo, que leva a uma proteção insuficiente, sobretudo no que se refere às novas formas de criminalidade, principalmente do crime organizado. Investigar o alcance e a aplicação da proibição da proteção deficiente, dentro da concepção de um garantismo pleno, não significa propor um recrudescimento simplista da intervenção punitiva, muito menos uma apologia ao totalitarismo penal, mas traçar um horizonte que permita uma resposta penal adequada, sobretudo diante das novas formas de criminalidade muitas vezes capitaneadas por organizações criminosas. Como salienta Lenio Luiz Streck, trata-se de entender, assim, que a proporcionalidade possui uma dupla face: de proteção positiva e proteção de omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade pode ser decorrente de Excesso do Estado, caso em que determinado ato é desarrazoado, resultando desproporcional o resultado do sopesamento (Abwägung) entre fins e meios; de outro, a inconstitucionalidade pode advir de proteção insuficiente de um direito fundamental-social, como ocorre quando o Estado abre mão do uso de determinadas sanções penais ou administrativas para proteger determinados bens jurídicos. Este duplo viés do princípio da proporcionalidade decorre da necessária vinculação 162

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 104.

88 de todos os atos estatais à materialidade da Constituição, e que tem como consequência a sensível diminuição da discricionariedade (liberdade de conformação) do legislador163.

Em uma democracia é necessário romper com a visão de um garantismo

hiperbólico

monocular164,

alicerçado

em

uma

perspectiva

exclusivamente limitadora da vertente da proibição de excesso, a qual possui um viés exclusivamente individualista, sem nenhum enfoque de proteção da sociedade.

O princípio da proporcionalidade deve ser aplicado, conforme recomendado pela hermenêutica constitucional, tanto em sua face de proibição de excesso, como no reverso na proibição de insuficiência. A incidência da proibição da proteção deficiente é tema candente na academia, que descarta uma aguçada discussão no que se refere a sua incidência, dada a necessidade de compatibilização das duas facetas que norteiam esta ferramenta imprescindível na formulação dos tipos penais e na incidência da lei penal nos casos concretos. Conter os excessos e arbítrios do Estado em face do indivíduo, nem de longe se contrapõe à ideia de intervenção penal necessária, a qual tenha a capacidade efetiva de acautelar a sociedade. Quando se enfrenta de forma eficiente a debilidade de tutela penal, principalmente no que se refere aos

163

STRECK, Lênio Luiz. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Revista Ajuris, Ano XXXII, nº 97, março 2005, p. 180. 164 FISCHER, Douglas. O que é garantismo penal (integral). In: CALABRICH, Bruno; FISCHER, Douglas; PELELLA, Eduardo (orgs.). Garantismo penal integral: questões penais e processuais, criminalidade moderna e a aplicação ao modelo garantista no Brasil. Salvador: Editora JusPodium, 2010, p. 27-28.

89

bens jurídicos difusos é necessária uma resposta penal diferenciada que, muitas vezes, mitigue no primeiro momento as garantias fundamentais individuais como forma de assegurar o convívio social. Não se trata de ficar adstrito a rótulos estigmatizantes, mas dentro de uma leitura inerente a um Estado Democrático de Direito, assegurar o respeito às garantias fundamentais coletivas. A não compatibilização da proteção individual com a proteção coletiva traz consequências à própria finalidade do Estado, que é assegurar o convívio de forma tolerável e evitar, no caso das organizações criminosas, uma afronta à própria democracia. Nesse diapasão, encampando a ideia da proibição da proteção deficiente (Untermassverbot) Luciano Feldens afirma que um Direito Penal de intervenção mínima não se contrapõe conceitualmente a um Direito Penal de intervenção minimamente (constitucionalmente) necessária165. Ingo Wolfgang Sarlet afirma que a proporcionalidade na vertente da proibição de excesso acabou transformando-se em um dos pilares do Estado Democrático de Direito e da correspondente concepção garantista do direito (...). De outra parte, a noção de proporcionalidade não se esgota na categoria da proibição de excesso, já que vinculada igualmente, como ainda será desenvolvido, a um dever de proteção por parte do Estado, inclusive quanto a agressões contra direitos fundamentais provenientes de terceiros, de tal sorte que se está diante de dimensões que reclamam maior densificação, notadamente no que diz com os desdobramentos da assim chamada proibição de

165

Op. cit. A Constituição penal. A dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2005, p. 213.

90 insuficiência no campo jurídico-penal e, por conseguinte, na esfera da política criminal166.

O Direito Penal deve evitar excessos, pois está vinculado a princípios constitucionais que limitam sua incidência, mas por outro lado deve tutelar bens jurídicos com densidade social e reafirmar a sua autoridade, donde surge o imperativo de proteção, com a necessidade de uma resposta penal proporcional e adequada.

A legitimação da intervenção penal seja vinculando o legislador à criação de tipos penais ou o Judiciário à aplicação de uma pena suficiente e adequada é corolário, da proibição da proteção deficiente. Nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet preconiza que, o Estado na esfera penal poderá frustrar o seu dever de proteção atuando de modo insuficiente (isto é, ficando aquém dos níveis mínimos de proteção constitucionalmente exigidos) ou mesmo deixando de atuar, hipótese, por sua vez, vinculada (pelo menos em boa parte) à problemática das omissões inconstitucionais. É nesse sentido que - como contraponto à assim designada proibição de excesso - expressiva doutrina e inclusive jurisprudência têm admitido a existência daquilo que se convencionou batizar de proibição de insuficiência (no sentido de insuficiente implementação dos deveres de proteção do Estado e como tradução livre do alemão Untermassverbot)167.

Detlev Sternberg- Lieben menciona que na República Federal Alemã, o Tribunal Constitucional tem afirmado em numerosas decisões que os direitos fundamentais, como direito objetivo, não se limitam somente à obrigação do Estado de não permitir a intromissão nos bens e liberdades dos 166

SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 47, março de 2004, p. 63-64. 167 Idem, p. 98.

91

cidadãos constitucionalmente protegidos como direitos fundamentais (segurança frente ao Estado), mas também a obrigação de proteger tais bens e liberdades de ataques provenientes de outros cidadãos (segurança através do Estado)168. A Procuradoria- Geral da República, com supedâneo no princípio da proteção deficiente propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4301/DF em impugnação à parte do artigo 225 do Código Penal, na redação dada pela Lei 12.015, de 07 de agosto de 2009, em virtude de ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana e da proibição da proteção deficiente. O ponto central do questionamento se deu em razão da alteração trazida pela Lei 12.015/2009 que passou a estabelecer que, nos casos em que o crime de estupro é qualificado por lesão corporal grave ou morte, deve proceder-se mediante ação penal pública condicionada à representação, e não mais por meio de ação penal pública incondicionada, como dispunha a lei anterior, assim como a Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal169. Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça em sede de Embargos de Declaração no Habeas Corpus nº 170.092-SP (2010/0073325-7) em voto condutor da Ministra Maria Thereza de Assis Moura asseverou que: 168

STERNBERG- LIEBEN, Detlev. Bien jurídico, proporcionalidad y libertad del legislador penal. In: HEFENDEHL, Holand (ed.). La teoría del bien jurídico: ¿fundamento de legitimación del Derecho penal o juego de abalorios dogmáticos? Madrid: Marcial Pons, 2007, p. 105-106. 169 Na inicial da Ação Direta de Inconstituionalidade menciona o Procurador Geral da República que: “Referida condição de procedibilidade da ação penal em casos tais- de altíssimo nível de gravidade, de elevado grau de reprovabilidade, e que só beneficia o sujeito ativo do crime-, constitui franca transgressão ao postulado da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF) e ao princípio da proibição da proteção deficiente, importante vertente do princípio da proporcionalidade (art. 5º, LIV, da CF). Diante do reconhecimento de que o Estado tem o dever de agir na proteção de bens jurídicos de índole constitucional, a doutrina vem assentando que a violação à proporcionalidade não ocorre apenas quando há excesso na ação estatal, mas também quanto ela se apresenta manifestamente deficiente”. (cf. Petição Inicial disponível em acesso em 19 de fevereiro de 2013).

92 o princípio da proporcionalidade tem ampla aplicação na seara penal- a fim de abrandar os rigores punitivos. Todavia, a sua dimensão de proibição da proteção deficiente não se justifica no Direito Penal, bastando contemplar a realidade e ter em linha de consideração o crescente recrudescimento legislativo.

O aresto do Superior Tribunal de Justiça, sob o pálio do recrudescimento legislativo, em total desprezo a uma leitura constitucional do Direito Penal contemporâneo, nega aplicação à proibição da proteção deficiente.

Porém, no Recurso Extraordinário nº 418.376, o Supremo Tribunal Federal aplicou, pela primeira vez, o princípio da proibição da proteção deficiente, em um caso para o qual se buscava extinguir a punibilidade de agente condenado por atentado violento ao pudor praticado contra uma menina de nove anos, de quem abusara por quatro anos e que, aos doze, engravidou, iniciando com o seu agressor uma união estável. O relator, Ministro Marco Aurélio, votou pela extinção de punibilidade do agente170. A decisão do Supremo Tribunal Federal representa um avanço significativo, na medida em que se faz no caso concreto um juízo de ponderação, no qual se analisa a magnitude da lesão e a necessidade de proteção de um direito fundamental coletivo, com enfoque social.

170

A discussão gravitava em torno da aplicação da extinção da punibilidade prevista no inciso VIII do art. 107 do Código Penal, que foi revogado pela Lei 11.106/05, que extinguia a punibilidade dos crimes sexuais (estupro e atentado violento ao pudor) na hipótese de casamento da vítima com o acusado. Em razão do dispositivo constitucional preconizado pelo art. 226, § 3 º), o qual equiparou a união estável ao casamento, o réu, via Recurso Extraordinário, buscava a extensão do beneplácito da lei, em razão de supostamente viver em concubinato com a vítima. Entre os Ministros houve severa divergência e se formaram três posicionamentos: o primeiro acolhia a tese sustentada pelo acusado e asseverava que o dispositivo deveria ser aplicado por interpretação analógica, dando-lhe, por conseguinte, eficácia; o segundo posicionamento entendeu que as particularidades do caso concreto (estupro de uma menina de 9 anos de idade) impediam a concessão do dispositivo, não podendo se estender o conceito de casamento para os casos de concubinato e união estável; por sua vez, a terceira posição firmada em voto condutor do Ministro Gilmar Ferreira Mendes não acolheu o recurso manejado invocando violação ao princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição da proteção deficiente dos direitos fundamentais.

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Porém é necessária a aplicação de referido princípio, com a exaltação de valores como justiça e segurança pública, de forma a não deixar sem proteção bens de grande importância para o corpo social. A densidade e a relevância do bem jurídico é que determinam a necessidade de proteção. A proibição da proteção deficiente, portanto, é um instrumento de materialização da dignidade da pessoa humana de índole social, visto que havendo uma insuficiência de proteção aos valores mais caros de uma sociedade, se vulneram os direitos fundamentais em seu viés coletivo. Por outro lado, havendo uma efetiva tutela do que é digno de proteção, se dá concretude a uma garantia universal, que é a dignidade da pessoa humana. Assim, como assinala Luiz Carlos dos Santos Gonçalves a proporcionalidade da atuação estatal na esfera dos direitos fundamentais deve ser sindicada não apenas para evitar medidas gravosas e evitáveis- a proibição de excesso, Übermassverbotmas, também, no sentido de proibir a proteção subdimensionada ou insuficiente Untermassvebot171.

O tema em análise desperta ainda mais preocupação diante de um mundo globalizado, sem fronteiras, o que impõe um novo olhar sobre o Direito Penal, pois o grande desafio está em encontrar um sistema penal que consiga ser útil e eficiente para enfrentar as novas formas de criminalidade, valendo-se necessariamente de ferramentas mitigadoras, as quais não coloquem em risco a segurança jurídica e não levem ao arbítrio. 171

GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Mandados expressos de criminalização e a proteção de direitos fundamentais na Constituição Brasileira de 1988. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 57,

94

5. ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS 5.1. Globalização e Sociedade de Risco Estudar as novas formas de criminalidade, notadamente o crime organizado, tem como pressuposto teórico o estudo da globalização e da sociedade de risco.

A

globalização,

em

linhas

gerais,

consiste

nas

transformações decorrentes da integração econômica, política e social que torna o mundo supostamente interligado e que traz alterações na ordem política e econômica dos países em razão da expansão das fronteiras. Segundo Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, globalização é metáfora de nossos dias que exprime condição econômica e cultural. Promove a hegemonia do capitalismo e de percepções neoliberais, anunciando uma escatologia que consagra novos moldes de soberania, de relações humanas e de idiossincrasias172.

Preleciona Tatiana Viggiani Bicudo que globalização “é um conceito poroso, tendo sido utilizado para definir inúmeros fenômenos”173. Tadeu A. Dix Silva afirma que a globalização “é vista como um processo uniforme no qual os Estados-nação, culturas nacionais e, consequentemente, o Direito são

172

GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Globalização, neoliberalismo e Direito no Brasil. Londrina: Editora Humanidades, 2004, p. 5. 173 BICUDO, Tatiana Viggiani. Globalização e as transformações no direito penal, Doutrinas Essenciais. Direito Penal Econômico e da Empresa, v. 1, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 776.

95

transformados pela integração econômica”174. E como assinalam Vladimir Oliveira da Silveira e Maria Mendez Rocasolano não reflete, no entanto, apenas a dimensão econômica do poder. Vai além, condicionando o padrão de comportamento, em especial por meio da cultura- o que acentua a preeminência dos valores mercantis sobre os humanistas e implica um sério problema, já que o „bem estar‟, principalmente na periferia do capitalismo, está condicionado a fatos e decisões que escapam à atuação dos Estados, expondo-os a crises externas175.

Um dos principais teóricos da sociedade de risco é o sociólogo germânico Ulrich Beck, que no livro Sociedade de Risco: Rumo a Uma Outra Modernidade, descreve minuciosamente os medos sociais contemporâneos. Afirma o autor que diferentemente da sociedade de classes, onde a força motriz pode ser resumida na frase: tenho fome! o movimento desencadeado com a emergência da sociedade de risco, ao contrário, é expresso pela afirmação: tenho medo! A solidariedade da carência é substituída pela solidariedade do medo. O modelo da sociedade de risco marca, nesse sentido, uma época social na qual a solidariedade por medo emerge e torna-se uma força política176.

Nesse contexto, o medo norteia uma nova tendência das relações sociais que não pode ser ignorada pelo Direito Penal contemporâneo, o qual deve estar atrelado a uma linha principiológica, que o coloque como ultima ratio, mas que também consiga enfrentar, de forma efetiva, as novas formas de criminalidade.

174

DIX SILVA, Tadeu A. Globalização e direito penal brasileiro. Doutrinas Essenciais. Direito Penal Econômico e da Empresa, v. 1, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 754. 175 SILVEIRA, Wladimir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos humanos: conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 87. 176 BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Trad. Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 60.

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Zygmunt Bauman ao abordar as relações contemporâneas e os conceitos de próximo e distante, que indubitavelmente trazem reflexos nas relações sociais e no universo do Direito Penal, notadamente diante das novas formas de criminalidade difusa menciona que o advento do telefone celular serve bem como „golpe de misericórdia‟ simbólico na dependência em relação ao espaço: o próprio acesso a um ponto telefônico não é mais necessário para que uma ordem seja dada e cumprida. Não importa mais onde está quem dá a ordem- a diferença entre „próximo‟ e „distante‟, ou entre o espaço e o civilizado e ordenado, está a ponto de desaparecer177.

Alessandra Orcesi Pedro Greco e João Daniel Rassi afirmam que o que verifica a teoria da „sociedade de risco‟ é que, não só o homem não conseguiu controlar as catástrofes naturais, como também criou uma série de novos riscos, através das novas tecnologias e formas de organização da produção, e, tanto quanto os fenômenos naturais, fogem ao controle humano178.

Em um mundo globalizado os riscos e o sentimento de insegurança tornam-se muito mais agudos, pois há uma dissolução das fronteiras que afeta as relações sociais de uma maneira geral e isto inegavelmente produz reflexos no Direito Penal. A globalização da economia trouxe às organizações criminosas a oportunidade de diversificarem sua atuação, não se dedicando mais a um ramo específico, fazendo também com que rompessem os limites territoriais, se tornando supranacional. 177

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008, p. 18. 178 GRECO, Alessandra Orcesi Pedro; RASSI, João Daniel. Crimes contra a dignidade sexual. São Paulo: Atlas, 2010, p. 27.

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A internacionalização do crime é um grande desafio aos Estados modernos para o século XXI, bem como um novo paradigma de atuação para o Direito Penal, a criminologia e a política criminal. Jesús- María Silva Sánchez salienta que o objetivo fundamental do Direito Penal da globalização é, como indicado no princípio, eminentemente prático. Trata-se de proporcionar uma resposta uniforme ou, ao menos, harmônica, à delinqüência transnacional, que evite a conformação de „paraísos jurídico-penais´179.

O crime organizado tem logrado um status claramente internacional. As atuais condições econômicas do mundo permitem que significativa quantidade de dinheiro proveniente do crime organizado seja transferida, através de operações de “lavagem” do dinheiro obtido ilicitamente, o que dificulta sobremaneira a persecução de seus responsáveis. José de Faria Costa180 observa que a ausência de um território nacional para o desenvolvimento da criminalidade dificulta a identificação de quem é quem na cadeia da autoria, tornando essa tarefa não só labiríntica, mas de empenho por parte da polícia, Ministério Público e juízes. Jean Zieler181 anota que a globalização da economia mundial significou a abertura das fronteiras dos Estados às organizações criminosas, contribuindo para a sua proliferação sem maiores controles. O planeta inteiro 179

SÁNCHEZ, Jesús- Maria Silva. A expansão do direito penal. Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Tradução Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 81. 180 COSTA, José de Faria. O fenômeno da globalização e o direito penal econômico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 34, 2001. p. 14. 181 ZIEGLER, Jean. Senhores do crime. As novas máfias contra a democracia. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 25-37.

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tornou-se assim um gigantesco mercado no qual os povos, as classes sociais e os países entram em competição. Diante deste quadro é necessário que o direito penal passe a ter caráter supranacional, notadamente no que se refere às organizações criminosas, a fim de enfrentar a criminalidade organizada em um mundo globalizado.

Ante a lesividade e a complexidade das condutas perpetradas pelas organizações criminosas são necessárias a mitigação de algumas garantias de seus integrantes e a utilização de um tratamento diferenciado no plano do Direito Penal, com o fito de assegurar as garantias fundamentais em seu duplo enfoque. A globalização, portanto, tornou-se a marca mais efetiva do crime organizado, pois as organizações beneficiam-se do livre comércio, do desenvolvimento das telecomunicações, bem como do sistema financeiro internacional para a prática de suas condutas ilícitas.

5.2. Considerações gerais e características O crime organizado traz efeitos deletérios ao Estado Democrático de Direito, sendo que suas ações possuem grande nocividade social. A lavagem de dinheiro, que é uma grande e inescrupulosa ferramenta das organizações criminosas, na captação de dinheiro sujo, o tráfico ilícito de

99

entorpecentes, o tráfico de armas, a pedofilia, o terrorismo, o genocídio, o tráfico de pessoas e órgãos, a exploração de jogos de azar (jogo do bicho, bingos e máquinas de caça-níquel), os crimes cibernéticos, os crimes contra a administração pública, com ênfase para as fraudes à licitação,

aos crimes

econômicos, à lavagem de dinheiro, aos sequestros, à ação de grupos de extermínio, dentre outros, que evoluem desprezando fronteiras e provocando deterioração das ordem econômicas, financeira e social em todo o mundo. A corrupção de políticos e funcionários públicos perpetrada pelas organizações criminosas, por via de consequência, esgarça o tecido social e fragiliza, sobremaneira, a democracia, pois retira a credibilidade das instituições e tira dos trilhos a locomotiva, que é o Estado, o qual deve inexoravelmente conduzir os passageiros à estação final que é o bem comum. A problemática do crime organizado e consequentemente os riscos trazidos a vida democrática de um país, conforme descreve Mario Daniel Montoya deve ser verificada do ponto de vista social, econômico, político e jurídico, em razão da influência que este novo fenômeno da criminalidade exerce sobre essas áreas, que se expande atingindo de forma inequívoca os altos funcionários que fazem parte dos três poderes do Estado182. Jean Zielgler, ao descrever o avanço do crime organizado cita Eckart Werthebach, ex-chefe da contra-espionagem alemã, o qual assevera:

182

MONTOYA, Mario Daniel. Máfia e crime organizado. Rio de Janero: Lumes Juris, 2007, p. 71-72.

100 Com o seu gigantesco poder financeiro, a criminalidade organizada influencia secretamente toda a nossa vida econômica, a ordem social, a administração pública e a justiça. Em certos casos ela impõe sua lei e seus valores à política. Dessa forma, desaparecem gradualmente a independência da justiça, a credibilidade da ação política e, afinal, a função protetora do Estado de direito. A corrupção torna-se um fenômeno aceito. O resultado é a progressiva institucionalização do crime organizado. Se esta tendência persistir, o Estado logo se tornará incapaz de assegurar os direitos e liberdades cívicas dos cidadãos183.

Inegavelmente, conforme leciona Gustavo Senna Miranda o crime organizado na atualidade representa um dos maiores riscos à democracia, ao Estado Democrático de Direito, motivo pelo qual deve ser combatido com a máxima efetividade. Contudo, inúmeros são os obstáculos existentes para o enfrentamento da criminalidade organizada, destacando-se a mentalidade de grande parte dos operadores jurídicos, ainda aprisionados com as concepções de um direito penal e um processo penal tradicional, que desconsidera a existência dessa criminalidade difusa, típica de uma sociedade de riscos, que assombra o mundo184.

Existem organizações criminosas especializadas em desvio de extraordinários montantes dos cofres públicos para contas de particulares, que são abertas em paraísos fiscais no exterior. Um dos pontos marcantes da criminalidade organizada é a acumulação de poder econômico de seus integrantes. Conforme assevera Eduardo Araújo da Silva, as organizações “atuam no vácuo de alguma proibição estatal, o que lhes possibilita auferir extraordinários lucros”185. Aliás, o mercado do crime organizado movimenta expressiva quantia em dinheiro, estimando-se um movimento de mais de 1/4 (um quarto) do 183

Op. cit. Senhores do crime. As novas máfias contra a democracia. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 23. MIRANDA, Gustavo Senna. Obstáculos contemporâneos ao combate às organizações criminosas. Revista dos Tribunais 870, abril de 2008, p. 460. 185 SILVA, Eduardo Araújo da. Crime organizado. Procedimento probatório. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 28. 184

101

dinheiro em circulação no mundo. Além disso, a acumulação do poder econômico deriva da necessidade de legalizar o lucro obtido ilicitamente, acarretando a lavagem de dinheiro auxiliada pelos paraísos fiscais (Panamá, Ilhas Cayman, Uruguai, Ilhas Virgens Britânicas, Andorra, dentre outros)186. Outro ponto marcante das organizações criminosas é o seu alto poder de corrupção, o qual se configura como fator relevante no incentivo ao crime organizado, uma vez que é direcionado a várias autoridades das três esferas estatais, na medida em que são compostas pelas instâncias formais de controle do Direito (Polícia Judiciária, Ministério Público e Poder Judiciário), pelas altas esferas do Poder Executivo, além de integrantes do Poder Legislativo187. Registre-se que a criminalidade difusa decorre da ausência de vítimas individuais, conhecidas, determinadas, configurando-se como obstáculo à reparação dos danos causados pelas organizações criminosas, uma vez que no momento em que se descobre a infração, os danos são imensos e irreparáveis, restando ao Poder Público o rastreamento do valor apropriado, tarefa esta de difícil concretização, frente à morosidade do sistema de justiça.

Vale lembrar que as organizações criminosas possuem característica mutante, pois se utilizam de empresas de fachada, terceiros laranjas e contas bancárias específicas como meios impeditivos de visibilidade de sua atuação pelo Poder Público. Ademais, de tempos em tempos, em razão do 186 187

Idem, p. 29. Idem, p. 28.

102

dinamismo que permeia suas ações, alteram sua estrutura administrativa, mudando as empresas, removendo as pessoas para lugares diversos e criando outras contas bancárias. Não se pode olvidar que o alto poder de intimidação também é um fator considerável, já que a lei do silêncio imposta aos membros do crime organizado, assim como às pessoas estranhas à organização é mantida devido ao emprego de meios cruéis de violência. Dominam territórios, contam com força armada, elegem políticos e dominam estabelecimentos prisionais188. Assim sendo, os membros de tais facções podem atuar na clandestinidade, a fim de evitar a responsabilização penal. No âmbito internacional, os criminosos não encontram grandes dificuldades para interagir, sobretudo após o desenvolvimento do processo de globalização da economia, que contribuiu para a aproximação das nações, possibilitando aos grupos que ainda operavam paralelamente um novo impulso em suas relações com maiores perspectivas de expandirem mercados ilícitos. Como exemplos, os cartéis colombianos que expandiram seu negócio de comércio de cocaína para o cultivo do ópio e a comercialização da heroína. A Máfia japonesa, além de comercializar entorpecentes, passou a atuar no mercado de ações e na exploração de atividades ligadas à pornografia. A

188

MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. A ética judicial no trato funcional com as associações criminosas que seguem o modelo mafioso. Revista dos Tribunais, nº 694, agosto de 1993, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 445.

103

Máfia russa explora o tráfico de componentes nucleares, além de armas, entorpecentes e mulheres. Os grupos brasileiros também diversificaram suas atividades, as quais constituem em roubo a bancos, extorsão mediante sequestro, resgate de presos, tráfico de armas e entorpecentes, com conotações internacionais. É preciso analisar a estrutura das organizações criminosas e sua relação com a comunidade. Estes grupos têm uma estrutura empresarial, possuindo na base soldados que realizam diversas atividades gerenciadas por integrantes de média importância. Ademais, como salienta Eduardo Araújo da Silva para ganhar simpatia da comunidade em que atuam e facilitar o recrutamento de seus integrantes, realizam ampla oferta de prestações sociais, aproveitando-se da omissão do aparelho do Estado e criando uma prática de um verdadeiro Estado paralelo189.

Algumas organizações, como as Máfias italianas, a Yakuza japonesa e as Tríades chinesas apresentam traços comuns, uma vez que surgiram no início do século XVI como uma maneira de defesa contra os abusos cometidos por aqueles que detinham o poder.

Para o crescimento de suas atividades referidas organizações sempre contaram com a conivência de autoridades corruptas das regiões onde atuavam.

189

Idem, p. 31.

104

Um caso marcante de Terrorismo, vertente do crime organizado, ocorreu em 1855, ocasião em que anarquistas franceses atentaram contra Napoleão III, tendo esses se refugiado na Bélgica, cujos governantes recusaram-se a conceder-lhes a extradição. Tal fato originou a Lei francesa de 28 de julho de 1894. No Brasil, a associação criminosa derivou do movimento conhecido como cangaço, cuja atuação deu-se no sertão do Nordeste, durante os séculos XIX e XX, como uma maneira de lutar contra as atitudes de jagunços e capangas dos grandes fazendeiros, além de contestar o coronelismo. Como enunciado por Eduardo Araújo da Silva, personificados na figura de Virgulino Ferreira da Silva, O Lampião, (1897-1938), os cangaceiros tinham organização hierárquica e com o tempo passaram a atuar em várias frentes ao mesmo tempo, dedicando-se a saquear vilas, fazendas e pequenas cidades, extorquir dinheiro mediante ameaça de ataque e pilhagem ou seqüestrar pessoas importantes e influentes para depois exigir resgates. Para tanto, relacionavamse com fazendeiros e chefes políticos influentes e contavam com a colaboração de policiais corruptos, que lhes forneciam armas e munições190.

É de verificar-se que a primeira infração penal organizada no Brasil consistiu na prática do jogo do bicho, iniciada no século XX. Relatou-se que o Barão de Drumond criou o jogo com o intuito de arrecadar dinheiro para salvar os animais do Jardim Zoológico do Estado do Rio de Janeiro. Contudo, a ideia popularizou-se e passou a ser patrocinada por grupos organizados, os quais monopolizaram o jogo, corrompendo policiais e políticos. Consta que, na década de 80, o jogo do bicho movimentou cerca de 500.000 mil dólares dia com as 190

Op. cit. Crime organizado. Procedimento probatório. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 25.

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apostas realizadas, sendo que de 4% a 10% deste montante era destinado aos banqueiros, o que proporcionava um faturamento de 20 mil dólares diários, ou 600 mil dólares mensais191. O Estado de Mato Grosso viveu experiência amarga com o jogo do bicho capitaneada por João Arcanjo Ribeiro, um ex-policial civil, que com a prática desta contravenção penal expandiu seus negócios para os jogos de azar, a exemplo dos caça níqueis, valendo-se da lavagem de dinheiro, para branquear o capital arrecadado e passou, de forma espúria, a determinar a execução de todos os possíveis concorrentes e devedores, com um ativo segmento de pistolagem192, o qual disseminava o medo, edificando uma perigosa organização criminosa que contava com participação de agentes do Estado193. Cumpre assinalar que, nas décadas de 70 e 80 emergiram do sistema prisional carioca grupos dedicados à prática de roubos a bancos e ao tráfico de drogas, como a Falange Vermelha, que nasceu no presídio da Ilha 191

MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado, São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 1998, p. 93-95. 192 João Arcanjo Ribeiro, em razão de seus negócios escusos é acusado, dentre outros crimes, como mandante do assassinato do Diretor-Presidente do Jornal Folha do Estado Jornalista Sávio Brandão, ocorrido no dia 30.09.2002. O principal motivo seria o esquema de distribuição de máquinas caça-níqueis no Estado. O jornal de Brandão fez uma série de reportagens sobre o assunto. (cf. matéria disponível em , acesso em 03 de março de 2013). 193 A exemplo do Estado de Mato Grosso, Gustavo Sena Miranda relata a existência em território capixaba de uma verdadeira organização paramilitar denominada scuderie detetive le cocq, composta por integrantes do poder público que dava suporte para a prática de variados crimes, tendo atuação mais destacada nos crimes de homicídio (mando), sendo uma verdadeira associação de grupos de extermínio. Salienta que: “O Estado do Espírito Santo passou por um período de trevas em relação à criminalidade organizada, pois, lamentavelmente, o crime estava enraizado em diversos órgãos públicos, com sérias conseqüências para a sociedade capixaba, comprometendo a prestação, pelo Estado, de direitos sociais essências para a pessoa humana. O Estado tinha sido capturado pela criminalidade”. Diante desse contexto, de violência, um dos ícones do movimento de enfrentamento desta dura realidade, o juiz Alexandre Martins de Castro Filho foi assassinado no dia 24.03.2003, data emblemática, que no Espírito Santo foi instituído como o dia estadual da luta contra o crime organizado, de conformidade com a Lei Estadual 8.615, de 10.09.2007 (Op. cit. Obstáculos contemporâneos ao combate às organizações criminosas. Revista dos Tribunais 870, abril de 2008, p. 462-463).

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Grande, o Comando Vermelho, originado no presídio Bangu 1 e comandado por líderes do tráfico de entorpecentes e o Terceiro Comando, dissidente do Comando Vermelho e idealizado no mesmo presídio por detentos que discordavam da prática de seqüestros de crimes comuns praticados por grupos criminosos. No Estado de São Paulo, em meados da década de 90, surgiu no presídio de segurança máxima anexo à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, a organização criminosa denominada Primeiro Comando da Capital (PCC), com atuação criminosa diversificada que migrou para diversas unidades da Federação194. O denominado Primeiro Comando da Capital patrocina rebeliões e resgates de presos, rouba bancos e carros de transporte de valores, pratica extorsão de familiares de detentos, extorsão mediante sequestro e tráfico de entorpecentes, possuindo conexões internacionais. Sua audácia é tamanha que vem afrontando o Estado com a execução de policiais, além de membros de facções rivais, tanto dentro como fora dos presídios195. Fica evidente, portanto, o grau de perigo que as organizações criminosas provocam ao Estado Democrático de Direito. Até porque como esclarece Guilherme de Souza Nucci,

194

SOBRINHO, Mário Sérgio. O crime organizado no Brasil. In: FERNANDES, Antonio Scarance; ALMEIDA, José Raul Gavião de; MORAES, Mauríc Zanoide de. Crime organizado: aspectos processuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 30. 195 Episódio que revela a audácia da ação do PCC se refere ao assassinato de um juiz de direito no Estado de São Paulo: “Machado Dias, que era juiz-corregedor da Vara de Execuções Criminais e corregedor dos Presídios de Presidente Prudente, foi assassinado pouco depois de deixar o fórum local, em 14 de março de 2003. Ele foi baleado após seu carro ser fechado por dois outros veículos. Responsável por conceder ou negar benefícios para presos da região --entre eles líderes do PCC (Primeiro Comando da Capital), o juiz era considerado sério e duro ao julgar pedidos dos presos”. (cf. matéria disponível em , acesso em 03 de março de 2013).

107 essas organizações têm a capacidade de corroer a honestidade pública, corrompendo políticos e autoridades e gerando descrédito às instituições oficiais, bem como fomentando a impunidade no tocante aos crimes em geral196.

Sendo assim, torna-se necessária uma discussão sobre os parâmetros para o enfrentamento desta criminalidade difusa, que rompe com o modelo de crime rudimentar e coloca em risco os alicerces da democracia. Nesse passo, torna-se importante o exame minucioso sobre a flexibilização de direitos fundamentais individuais, sem se descuidar de um núcleo fundamental, que consiga compatibilizar garantismo e eficiência.

5.3. Delimitação do tipo penal de Organização Criminosa Delimitar um tipo penal de organização criminosa que se ajuste a uma tutela penal adequada é tema dos mais relevantes. Importante ressaltar que a tipificação correspondente às condutas delitivas individuais é incompatível com o problema do crime organizado, devido ao número variado e complexo de condutas que o compõem. José Paulo Baltazar Júnior ao discorrer sobre a concretização do dever de proteção no âmbito do crime organizado examina a forma de resposta penal frente a tal perigo, mediante três vias distintas: a) a tese fraca, a qual reconhece a impossibilidade de tipificação ou conceituação da organização criminosa; b) a tese forte, pela qual a tipificação de organização como

196

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed. rev. e amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 251.

108

concretização do dever de proteção no âmbito da criminalidade organizada, serve como resposta, tanto no campo do direito material quanto no do direito processual; c) a tese mista, que admite a tipificação da organização criminosa, mas não toma essa tipificação como critério único para a possibilidade de adoção de medidas investigativas específicas, podendo ser adotados outros critérios que autorizem a sua adoção, tais como a quantidade ou qualidade da pena, rol de crime, etc197. Convém ponderar que a conceituação normativa faz-se possível mediante a aproximação de três critérios trazidos por Enrique Anarte Borralo: estrutural (número mínimo de integrantes), finalístico (rol de crimes a ser considerado como de criminalidade organizada) e temporal (permanência e reiteração do vínculo associativo)198. Assim sendo, é possível conceituar crime organizado como aquele praticado por, no mínimo, três pessoas, permanentemente associadas, que praticam, de forma reiterada, determinados crimes a serem estipulados pelo legislador, em consonância com a realidade de cada País. No mesmo diapasão, da conceituação acima descrita é o art. 2 º do Tratado de Palermo, resultante da Convenção da Organização das Nações Unidas sobre a Delinqüência Organizada Transnacional, a qual se realizou no

197

BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crime organizado e proibição da insuficiência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 225-226. 198 ANARTE BORRALLO, Enrique. Conjeturas sobre la criminalidad organizada. In: OLIVÉ, Juan Carlos Ferré; BORRALO, Enrique Anarte (Org.). Delincuencia organizada: aspectos penales, procesales y criminologicos. Huelva: Universidad de Huelva Publicaciones, 1999. p. 31-33.

109

período de 12 a 15 de novembro de 2000, na Itália, e define como organização criminosa aquela que reúna mais de três pessoas (requisito estrutural), de forma estável (requisito temporal), visando perpetrar crimes graves, assim considerados aqueles punidos com pena igual ou superior a quatro anos, com intuito de lucro (requisito finalístico). No Brasil a Lei n° 9.034/95 procurou tutelar o crime organizado, não se atentando ao Projeto n° 3.519/89, cujo artigo 2° estipulava que: Para efeitos desta lei, considera-se organização criminosa aquela que, por suas características, demonstre a existência de estrutura criminal, operando de forma sistematizada, com atuação regional, nacional e/ou internacional.

Além disso, como esclarece Eduardo Araújo da Silva, não partiu de uma noção de organização criminosa, não definiu crime organizado por seus elementos essenciais, não arrolou as condutas que constituiriam criminalidade organizada nem procurou aglutinar essas orientações para delimitar a matéria. Optou somente, num primeiro momento, por equiparar a organização criminosa às ações resultantes de quadrilhas ou bandos (art. 1°)199.

Posteriormente, a Lei 10.217/2001 alterou a redação do art. 1° da Lei 9.034/95, contudo não solucionou o problema da conceituação de crime organizado. Porém, como salienta Guilherme de Souza Nucci, a Lei 9.034/95 deixou a desejar, criando um vazio e determinadas ilogicidades. A lacuna advém da ausência da definição do que vem a ser organização criminosa. A 199

Op. cit. Crime organizado. Procedimento probatório. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 37.

110 ilogicidade foi a equiparação, para os mesmos fins, desse tipo de empresa-crime à quadrilha ou bando e à genérica expressão associação criminosa de qualquer tipo200.

Sendo assim, fica evidente que o legislador desperdiçou a oportunidade de enfrentar uma das questões mais tormentosas do Direito Penal moderno, ou seja, conceituar ou ao menos aproximar-se de um conceito de crime organizado ou de organizações criminosas, com o fito de delimitar o âmbito de aplicação da Lei 9.034/95.

Existem vários obstáculos para o enfrentamento da criminalidade organizada, sendo que conceituar organização criminosa conforme Gustavo Senna Miranda não é tarefa das mais fáceis conceituar crime organizado, especialmente porque nem todas as características estarão sempre presentes, variando de acordo com o perfil de cada organização, bem como das particularidades das regiões nas quais dedicam maior atuação, pois é inegável que as organizações criminosas procuram desenvolver suas atividades justamente nas cidades e países onde encontram maiores facilidades para a prática de seus ilícitos, seja, por exemplo, pela deficiência legislativa, seja pela incapacidade dos órgãos de prevenção ou repressão, ou, ainda, pelo elevado índice de corrupção desses órgãos201.

Nesse diapasão Vicente Greco Filho afirma que não há em nossa legislação conceito de organização criminosa e de que não deverá mesmo haver, a qual deve permanecer como conceito aberto, a ser reconhecido pelo juiz no caso concreto202.

200

Op. cit. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 201. 201 Op. cit. Obstáculos contemporâneos ao combate às organizações criminosas. Revista dos Tribunais 870, abril de 2008, p. 461. 202 GRECO FILHO, Vicente. In: Prefácio. Crime organizado. Coord. MESSA, Ana Flávia; CARNEIRO, José Reinaldo Guimarães. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 26.

111

Todavia, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo ) adotada na Assembléia Geral da ONU, em Nova York, em 15.11.2000, da qual o Brasil é signatário, que foi incorporada em nosso ordenamento jurídico, por meio da sua promulgação no Decreto nº 5.015, de 12.03.2004, procurou conceituar e trazer as diretrizes para a prevenção e combate às organizações criminosas, que pode ser perfeitamente aplicado, por analogia, para criminalidade organizada interna, o que inclusive foi reconhecido pelo Conselho Nacional de Justiça, ao editar a Recomendação 3º, de 30.05.2006203. Com a recomendação feita aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de Justiça dos Estados, para que criem varas criminais especializadas para processar e julgar delitos praticados por organizações

203

Recomenda a especialização de varas criminais para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas e dá outras providências A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições, tendo em vista o decidido na Sessão de 30 de maio de 2006, e CONSIDERANDO a necessidade de o Estado combater o crime organizado, mediante a concentração de esforços e de recursos públicos e informações; CONSIDERANDO a necessidade de resposta judicial ágil e pronta, em relação às medidas especiais de investigação aplicáveis no combate ao crime organizado, nos termos da Lei nº 9.034/95 e da Convenção de Palermo; CONSIDERANDO que a especialização ao combate ao crime organizado já foi levada a efeito pelo Ministério Público e pelas Forças Policiais; CONSIDERANDO que a especialização de varas tem se revelado medida salutar, com notável incremento na qualidade e na celeridade da prestação jurisdicional, em especial para o processamento de delitos de maior complexidade, seja quanto ao modus operandi, seja quanto ao número de pessoas envolvidas; CONSIDERANDO que os Tribunais Regionais Federais possuem autorização legal para especializar varas, de acordo com o disposto nos artigos 11 e 12 da Lei nº 5.010/66, c/c o artigo 11, parágrafo único, da Lei nº 7.727/89 e que os Tribunais de Justiça dos Estados estão também autorizados a especializar varas nos termos da legislação de organização judiciária local, resolve RECOMENDAR 1. Ao Conselho da Justiça Federal e aos Tribunais Regionais Federais, no que respeita ao Sistema Judiciário Federal, bem como aos Tribunais de Justiça dos Estados, a especialização de varas criminais, com competência exclusiva ou concorrente, para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas. 2. Para os fins desta recomendação, sugere-se: a) a adoção do conceito de crime organizado estabelecido na Convenção das Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional, de 15 de novembro de 2000 (Convenção de Palermo), aprovada pelo Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003 e promulgada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, ou seja, considerando o "grupo criminoso organizado" aquele estruturado, de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção das Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

112

criminosas fica patente o reconhecimento, por parte do Conselho Nacional de Justiça, do conceito de crime organizado estabelecido na Convenção de Palermo. Contudo, o que se reconhece é o conceito de organização criminosa,

sendo

de

bom

alvitre

o

aperfeiçoamento

do

legislador

infraconstitucional, ou seja, de um reforço normativo, no sentido de criar um tipo penal aberto, fluido de organização criminosa, contendo, conforme Gustavo Senna Miranda pelo menos as características mais marcantes “num rol não exaustivo, até mesmo porque tal pretensão seria inviável em vista da capacidade de mutação e adaptação das organizações criminosas”204. O vácuo legislativo no Brasil é evidente, sendo que o Supremo Tribunal Federal, na sessão do dia 12 de junho de 2012, no Habeas Corpus n. 96007, concedeu a ordem para trancar uma ação penal de lavagem de dinheiro por meio de organização criminosa, em razão da atipicidade do crime antecedente. Em voto vista a Ministra Cármem Lúcia Antunes Rocha destacou “a atipicidade do crime de organização criminosa, tendo em vista que o delito não consta na legislação penal brasileira”. A Lei 12.694, de 24 de julho de 2012, que dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas trouxe o conceito de organização criminosas, em sintonia com a Convenção de Palermo, todavia, não comina nenhuma pena, não criando, via de conseqüência nenhum tipo penal. Há, 204

Op. cit. Obstáculos contemporâneos ao combate às organizações criminosas. Revista dos Tribunais 870, abril de 2008, p. 476.

113

portanto, uma definição de organização criminosa, para fins eminentemente processuais e investigativos. Referida lei prevê a criação de um colegiado, já em primeira instância, nos processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organização criminosa, nos quais o juiz poderá decidir por sua formação, para a prática de determinados atos processuais. O colegiado será formado pelo juiz do processo e por dois outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico. Dentre os procedimentos previstos na nova lei estão a decretação de prisão, concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão e decisão de sentenças. Além dessas, a concessão de liberdade condicional, a transferência de integrantes de organizações criminosas para presídios de segurança máxima e a inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado. Pela nova legislação, está prevista também a alienação antecipada dos bens apreendidos. Antes da decisão final da Justiça sobre o caso, o juiz poderá determinar a venda do bem e o valor obtido será depositado em conta judicial. Ao final do processo, se o réu for absolvido, o montante corrigido será devolvido e, em caso de condenação, o valor será transferido ao poder público. A medida evita a depreciação do patrimônio e o gasto do Estado com a manutenção dos bens em depósitos. A questão da criação de um tipo penal deve ser enfrentada. Está tramitando no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 6.578/2009, decorrente do Projeto de Lei do Senado nº 150/2006 de autoria da ex- Senadora

114

Serys Slhessarenko, o qual tem por escopo disciplinar as questões afetas às organizações criminosas, desde o seu conceito jurídico até os mecanismos de obtenção da prova e o procedimento criminal, revogando, portanto, a Lei 9.034/95, que tem um nítido caráter processual, mas que não traz um tipo penal de organização criminosa205. Há também o Projeto de Lei do Senado nº 236/2012, decorrente do Anteprojeto do Novo Código Penal elaborado nos termos do Requerimento n. 756/2011, combinado com o Requerimento n. 1034/2011, que nomeou uma Comissão de Juristas, com a aprovação do Senado Federal, que prevê no artigo 256 o tipo penal de organização criminosa206. Na Exposição de Motivos é explicitado que por sua vez, o crime de organização criminosa exige, além do mínimo de três agentes ou membros, uma organização – o que o diferencia da mera associação – que se caracteriza, também, 205

Dispõe o Projeto de Lei 6.578, PLS 150/2006: “Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, meios de obtenção da prova, crimes correlatos e procedimento criminal a ser aplicado. § 1º Considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direita ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”. 206 Organização criminosa. artigo 256. Organizarem-se três ou mais pessoas, de forma estável e permanente, para o fim específico de cometer crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a quatro anos, mediante estrutura organizada e divisão de tarefas, com hierarquia definida e visando a auferir vantagem ilícita de qualquer natureza.§1º A pena aumenta-se até a metade se a organização criminosa é armada, se um ou mais de seus membros integra a administração pública, ou se os crimes visados pela organização tiverem caráter transnacional. Milícia §2º Se a organização criminosa se destina a exercer, mediante violência ou grave ameaça, domínio ilegítimo sobre espaço territorial determinado, especialmente sobre os atos da comunidade ou moradores, mediante a exigência de entrega de bem móvel ou imóvel, a qualquer título ou de valor monetário periódico pela prestação de serviço de segurança privada, transporte alternativo, fornecimento de água, energia elétrica, venda de gás liquefeito de petróleo, ou qualquer outro serviço ou atividade não instituída ou autorizada pelo poder público ou constrangendo a liberdade do voto. Pena – prisão, de quatro a doze anos, sem prejuízo das penas relativas aos crimes cometidos pela organização miliciana. Circunstância qualificadora § 3º Se a organização é integrada por agentes ou exagentes do sistema de segurança público ou das forças armadas, ou agentes políticos. Pena – prisão, de oito a vinte anos. Causas de aumento de pena § 4º A pena é aumentada de 1/3 até a metade: Se a organização criminosa é armada; Quando a violência ou grave ameaça recair sobre pessoa incapaz, com deficiência ou idosa; Se houver prática de tortura ou outro meio cruel.

115 pela estabilidade e permanência, porém com identificada estrutura organizada, divisão de tarefas entre os seus integrantes, definida hierarquia e com a específica finalidade do cometimento de crimes – e não de qualquer crime, registre-se – cuja pena máxima seja igual ou superior a quatro anos, nos precisos termos em que o Tratado ou Convenção de Nova Iorque define infração grave. Houve por bem a Comissão deixar claro que a auferição, pelos agentes ou membros organizados, seja de vantagens de ilícitos de qualquer natureza, merecendo, por coerência com o crime de associação criminosa, aumento especial de pena se a organização for armada ou que qualquer de seus membros seja servidor público ou se os objetivos criminosos apresentem caráter transnacional.

O Projeto de Lei nº 6.578/2009 e o Projeto de Lei do Senado nº 236/2012 trazem um novo tipo penal autônomo, em sintonia com a Convenção de Palermo. Todavia, entendemos que o tipo a ser criado deve ser mais aberto e deverá ser complementado pelo julgador no caso concreto, sob pena de se inviabilizar a sua aplicação, pois não há como ficarmos atrelados a uma modalidade de organização criminosa, que tem mais incidência em uma determinada região, tais como as milícias no Rio de Janeiro. Deve, portanto, a norma em construção ter um caráter geral e abstrato, com o estabelecimento de diretrizes e elementares essências das organizações criminosas, sob pena de sofrer obstáculos para o seu efetivo cumprimento. Além disso, o tipo penal a ser criado deve ter uma pena cominada in abstrato elevada e ser incluído, dentre o rol dos crimes hediondos, constando no rol descrito no art. 1 º da Lei 8.072/90, em razão de sua gravidade e de sua afronta à democracia e a toda estrutura de Estado, o que lhe impõe um tratamento diferenciado.

116

6. PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE E CRIMINALIDADE ORGANIZADA: A NECESSIDADE DE TRAÇAR UM NOVO HORIZONTE PARA O DIREITO PENAL 6.1. Os critérios para a criminalização de uma conduta A abordagem do princípio da proibição da proteção deficiente, no cenário da criminalidade organizada, é de fundamental importância para a construção de um sistema punitivo adequado ao Estado Democrático de Direito em sintonia com os valores constitucionais. O Direito Penal fundamenta-se nos princípios explícitos e implícitos trazidos pela Constituição Federal, sendo que há flagrante violação ao princípio da proporcionalidade, quando há excesso na atuação estatal, bem como quando ela ocorre de forma deficiente. Para se considerar uma conduta como criminosa e criar tipos penais é indispensável a observância de critérios. Os princípios constitucionais, descritos no capítulo 3, bem como o conceito de bem jurídico, serão de fundamental importância na produção legislativa, no tocante à criação de novos tipos penais. Winfried Hassemer pondera que sem o conceito de bem jurídico é impossível construir uma proibição de defeito em Direito Constitucional e também em Direito Penal. Assevera que a admissão de um bem jurídico necessário e merecedor de proteção é o fundamento do qual surge o

117

dever de proteção; é o motor que impulsiona uma proibição de defeito e que pretende obrigar o legislador a atuar207. Já está assentado que não é qualquer bem jurídico que obterá a qualificação de bem jurídico-penal. Em um Estado Democrático de Direito é necessário estabelecer até onde o direito penal pode interferir na condução da vida do cidadão. Busca-se concluir tais reflexões com fundamento nos princípios que norteiam a questão. Nesse sentido Alice Bianchini afirma que, um estado de direito pressupõe a soberania popular, respeitando as opções de vida de cada pessoa, sem se prestar a perseguir construções ideológicas, pregações divinas ou objetivos transcendentes (...). As condutas meramente imorais não se constituem em objeto de tutela penal208.

As concepções do bem jurídico-penal sofreram inúmeras variações no curso da história e continuam distantes de um consenso. Uma tarefa árdua é conceituar bem jurídico penal. A doutrina penal, conforme afirma Alice Bianchini, utiliza o termo bem jurídico em duas distintas acepções: a) no sentido político-criminal (de lege ferenda); b) no sentido dogmático (de lege lata). A distância que se estabelece entre um e outro varia de conformidade com a capacidade de realização, por parte do direito

207

Op cit. ¿Puede haber delitos que no afecten a un bien jurídico penal?. In: HEFENDEHL, Holand (ed.). La teoría del bien jurídico: ¿fundamento de legitimación del Derecho penal o juego de abalorios dogmáticos? Madrid: Marcial Pons, 2007, p. 103. 208 BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 34-35.

118

positivo, dos postulados reconhecidos como imprescindíveis pela política criminal209. Segundo Luiz Regis Prado, a noção de bem jurídico “implica a realização de um juízo positivo de valor acerca de um determinado objeto ou situação social e de sua relevância para o desenvolvimento do ser humano”210. Para Francisco de Assis Toledo bens jurídicos são valores ético-sociais que o direito seleciona, “com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas”211. Nilo Batista faz uma crítica às concepções lógico-formais de bem jurídico, asseverando que numa sociedade dividida em classes, o direito penal está protegendo relações sociais (ou „interesses‟, ou „estados sociais‟, ou „valores‟) escolhidos pela classe dominante, ainda que aparentem certa universalidade, e contribuindo para a reprodução dessas relações212.

Em um Estado onde vigore a democracia, como é o caso do Brasil, a noção de bem jurídico e os critérios para a criminalização de uma conduta devem ter estreita vinculação com as limitações (princípios da ultima ratio, fragmentariedade e subsidiariedade) e os deveres (mandados de

209

Idem, p. 38. PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico- penal e constituição. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 82. 211 Op. cit. . Princípios básicos de direito penal. 4. ed. rev. e amp. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 16. 212 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 8. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 116. 210

119

criminalização) impostos ao Direito Penal pela Constituição Federal e deve acautelar tudo aquilo que cause indignação pública e tenha danosidade social.

6.2. Mandados de criminalização como instrumento de concretização (proteção) dos direitos fundamentais A Constituição Federal de 1988 traz mandados de criminalização explícitos e implícitos. O legislador constituinte, devidamente legitimado com base em seu poder constituinte originário elenca e descreve os valores

que

devem

ser

tutelados

e

assegurados

pelo

legislador

infraconstitucional. A elaboração e a posterior materialização de uma carta política representada por uma constituição traz o retrato de um momento político, social e histórico. O Brasil rompeu com o arbítrio e a Assembléia Nacional Constituinte de 1988, traduzindo os valores democráticos elencou os bens jurídicos, os quais devem ser salvaguardados. O Direito Penal tem uma pauta ditada por valores expressos e implícitos na Constituição Federal, que são denominados de mandados de criminalização ou cláusulas de criminalização, as quais decorrem dos princípios, que limitam o seu campo de incidência, mas também, como já abordamos no capítulo 3, fundamentam e legitimam os valores inerentes à ordem constitucional.

120

Os mandados de criminalização, conforme anota Antonio Carlos da Ponte indicam matérias sobre as quais o legislador ordinário não tem a faculdade de legislar, mas a obrigatoriedade de tratar, protegendo determinados bens ou interesses de forma adequada e, dentro do possível, integral213.

Alberto Jorge Correia de Barros Lima assinala que a Constituição,

densificando

determinados

bens

jurídicos

considerados

axiologicamente os mais relevantes, estabelece imposições constitucionais criminalizadoras de conteúdo impeditivo e de conteúdo prescritivo, as quais são denominadas cláusulas constitucionais de criminalização214. Os mandados de criminalização revelam face importante do princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição da proteção deficiente, e podem ser expressos ou implícitos. São exemplos de mandados expressos de criminalização o preconizado no art. 5º, XLII (racismo), XLIII (tortura, tráfico de drogas e terrorismo), XLIV (ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático) e no artigo 225, parágrafo terceiro (crimes ambientais). Referidos bens jurídicos foram reconhecidos de forma inequívoca pelo constituinte, como dignos de proteção e, via de conseqüência, impõe ao legislador ordinário a criação de tipos penais. Os mandados implícitos de criminalização tiveram seu reconhecimento, pela primeira vez, em 1975, em uma decisão do Tribunal

213

Op. cit. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008 p. 152. LIMA, Adalberto Jorge C. de Barros. Direito penal e constituição: a imposição dos princípios constitucionais penais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 142. 214

121

Constitucional Alemão, que reconheceu a inconstitucionalidade de norma contida no ordenamento jurídico daquele país, que permitia a interrupção da gravidez nos três primeiros meses de gestação. O

reconhecimento

dos

mandados

implícitos

de

criminalização está atrelado a uma análise contextual da Constituição, que não pode ocorrer no campo meramente subjetivo, atrelado unicamente ao talante do intérprete215. Seu reconhecimento se dará, portanto, em situações extremadas. No Brasil, o não atendimento por parte do Poder Legislativo a um mandado de criminalização, esclarece Antonio Carlos da Ponte não traz, no âmbito legal, qualquer conseqüência, a não ser a instituição do Congresso Nacional em mora legislativa, desde que, para tanto, tenha sido proposta ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a argüição de descumprimento de preceito fundamental ou mandado de injunção216.

A ausência de ferramentas mais efetivas no sentido de compelir o legislador ao cumprimento dos mandados de criminalização compromete vários comandos emanados da Constituição Federal, que, indubitavelmente, tem por escopo ser um inegável instrumento de proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões.

215 216

Op. cit. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 166. Idem, p. 152

122

Em

nosso

país,

alguns

mandados

expressos

de

criminalização foram atendidos, na íntegra, pelo legislador ordinário, a exemplo do tráfico ilícito de entorpecentes previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006. Outros mandados de criminalização foram atendidos de forma parcial, como o preceituado no art. 5 º, inciso XLIII, da Constituição Federal, no que se refere à Lei dos Crimes Hediondos, que suprimiu de seu rol o crime de envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte (artigo 270 c.c. artigo 285, ambos do Código Penal) e no artigo 3 º, inciso IV, da Constituição Federal que assevera ser um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, “sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e no artigo 5º, inciso XLII, o qual indica o racismo como crime inafiançável e imprescritível. A análise do preconceito e a discriminação é tema palpitante e que deve ser enfrentado para a construção de uma sociedade justa e solidária, pois de acordo com Christiano Jorge Santos desde os primórdios da humanidade, verifica-se a existência de ódio e aversão de determinados indivíduos para com outros e de alguns grupos em relação a distintas coletividades217.

No Brasil a Lei 7.716/89, conforme Antonio Carlos da Ponte significou um palpável avanço, na medida em que guindou à categoria de crimes condutas que a Lei „Afonso Arinos‟ tratava como meras contravenções, sem descurar da criação de novos 217

SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de preconceito e de discriminação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 27.

123 tipos penais relacionados à discriminação. Ocorre, que tal diploma legal não coibiu todas as formas de discriminação, como determina o texto constitucional. Formas gravíssimas permanecem impunes, como as discriminações decorrentes de orientação sexual ou provenientes do fato de a vítima ser portadora de doença grave; que, quando muito, podem configurar crimes contra a honra218.

Por outro lado, alguns mandados de criminalização foram ignorados pelo legislador infraconstitucional, tais como o terrorismo, o qual é proveniente de uma criminalidade difusa, sem rosto e transnacional, não obstante, nossa Constituição ser expressa em catalogar tal crime como equiparado a hediondo. Ponto importante a ser analisado se refere ao artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal, o qual dispõe que: os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Referido

dispositivo

consiste

em

mandado

de

criminalização, no qual conforme pontuado por Antonio Carlos da Ponte o Estado brasileiro assume sua vocação democrática no campo interno junto à Comunidade Internacional, oxigenando especialmente o Direito Penal e o Direito Processual Penal e exigindo o constante repensar de um sistema punitivo que deve ter como valor maior a dignidade da pessoa humana219.

Interessante que, mesmo com os negativos reflexos sociais produzidos pelas organizações criminosas e sua inequívoca afronta à dignidade da pessoa humana em seu viés coletivo, não temos um mandado de

218 219

Op. cit. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 154. Idem, p. 163.

124

criminalização expresso com relação à referida modalidade criminosa, muito menos a sua configuração como crime hediondo ou assemelhado. O combate às organizações criminosas apresenta-se como um mandado implícito de criminalização que não foi atendido, na íntegra, pelo legislador brasileiro, pois a Lei 9.034/95 se limita a trazer formas de utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, mas não traz um tipo penal autônomo, o qual deve ser aberto em razão da complexidade e do dinamismo característico de suas ações. O vácuo legislativo em nosso arcabouço legislativo é tão claro que o Projeto de Lei nº 6.578/2009 e o Projeto de Lei do Senado nº 236/2012 criam um novo tipo penal autônomo de Organização Criminosa. Os mandados de criminalização em um Estado Democrático de Direito têm dupla função: a) realizar justiça social; b) proteger direitos e garantias individuais. Dentro da concepção de proteção dos bens jurídicos tradicionais poderíamos pensar nos mandados de criminalização exclusivamente como instrumentos de acautelamento dos direitos e garantias individuais. Porém, atualmente, o combate a determinadas práticas criminosas como o narcotráfico, a criminalidade organizada, a lavagem de dinheiro, os crimes que atentam contra bens difusos e coletivos, os crimes eleitorais, dentre outros, exige uma nova leitura do Direito Penal que permite, por vezes, a flexibilização de algumas

125

garantias constitucionais em busca de um valor maior representado pela Justiça Social220. Assim, fica evidente que se não houver, diante das novas formas de criminalidade, a mitigação dos direitos e garantias fundamentais de índole exclusivamente individual, não conseguiremos implementar uma política criminal comprometida com a edificação de um sistema punitivo, que contemple instrumentos hábeis, tais como os previstos na Lei 9.034/95, para o enfrentamento da criminalidade organizada com mecanismos que possibilitem a tutela das garantias fundamentais de todas as dimensões, com os olhos voltados para a dignidade da pessoa humana de índole coletiva, que se constitui num dos pilares da democracia. O mundo contemporâneo exige um novo olhar para o Direito Penal, porém isso não significa a supressão dos direitos e garantias individuais ou a sua flexibilização diante de bens jurídicos tradicionais, mas de uma nova leitura do sistema punitivo e de uma resposta penal diferenciada frente às novas formas de criminalidade.

6.3. A resposta penal frente às novas formas de criminalidade É necessário traçar um novo horizonte para o enfrentamento das novas formas de criminalidade. A tutela penal nos crimes relacionados à

220

Idem, p. 164.

126

criminalidade organizada, macrocriminalidade financeira,

tipos penais que

busquem proteger bens jurídicos difusos precisa ocorrer de forma efetiva, pois o Estado deve proteger o cidadão contra os excessos/arbítrios do direito penal e do processo penal (garantismo no sentido negativo, que pode ser representado pela aplicação do princípio da proporcionalidade enquanto proibição de excesso Übermassverbot).

Por outro lado, esse mesmo Estado não deve pecar por eventual proteção deficiente (garantismo no sentido positivo, que se materializa pelo princípio da proporcionalidade como proibição da proteção deficiente – Untermassverbot). Indubitavelmente que, conforme enuncia Antonio Carlos da Ponte, “a criminalidade que atenta contra interesses difusos e coletivos, que exige a atuação do Direito Penal supra-individual, é o grande desafio do mundo contemporâneo”221. Quando estamos diante das novas formas de criminalidade, onde se procura a preservação e a proteção de bens jurídicos difusos precisamos, além de uma postura prospectiva, de que ocorra a flexibilização de algumas garantias fundamentais, que se materializarão na mitigação do princípio da legalidade, com a admissão de tipos penais abertos e de um juízo de ponderação na admissão da prova.

221

Idem, p. 38.

127

A doutrina e a jurisprudência precisam evoluir e aplicar o princípio da proporcionalidade em seu duplo enfoque, vedando excessos contra o indivíduo, mas também não permitindo uma proteção deficiente a determinados bens jurídicos, sobretudo aos transindividuais, que atingem todo o corpo social, com a adoção de um balanceamento de interesses. Américo Bedê Júnior e Gustavo Senna fazem crítica contundente à adoção de um garantismo puramente individual (negativo), que despreza a existência de um garantismo positivo, tutor da segurança pública, enquanto direito fundamental essencial para a garantia da qualidade de vida da população. Mencionam que essa postura preconceituosa e antidemocrática de parcela da doutrina revela um comportamento típico de quem foi acometido, pode-se dizer, pela “síndrome de Alice”, como se vivessem em um “mundo de fantasia”, com um “direito penal de fantasia”, no qual não existem homens quede forma paradoxal- são movidos por verdadeiro descaso para com a vida humana; um mundo no qual não existem terroristas, nem organizações criminosas, a comprometer as estruturas do próprio Estado222. Nossa legislação também precisa avançar de forma a assegurar o que foi contemplada em nossa Constituição Federal, notadamente o princípio da dignidade da pessoa humana, pois conforme aduz Alexandre Rocha Almeida de Moraes

222

BEDÊ JÚNIOR, Américo; SENNA, Gustavo. Princípios do processo penal: entre o garantismo e a efetividade da sanção. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 27-28.

128 a técnica legislativa do Direito Penal, pautada pelos princípios clássicos e iluministas, não consegue mais ter aplicação exclusiva, em virtude da natureza dos bens jurídicos de terceira geração (transindividuais), em razão dos novos tipos alçados à tutela do Direito Penal em decorrência dos avanços tecnológicos, e diante da necessidade de repressão dos graves crimes transnacionais da modernidade223.

O mundo contemporâneo convive, grosso modo, com duas modalidades de criminalidade. A primeira delas é a criminalidade de massa, a qual segundo afirma Cassio Roberto Conserino é consistente na criminalidade de rua praticada por criminosos eventualmente reunidos ou, invariavelmente, por um único agente. É aquela criminalidade que está presente no cotidiano das grandes cidades, aquela sem organização, sem aspecto regional (é local), com estrago social não muito significativo (...) com vítima precisa e identificada, sem alto poder de violência ou ameaça, com atuação desordenada e ao sabor da oportunidade, com baixo nível de especialização, enfim, é a criminalidade sem expressão vultosa224.

A segunda modalidade seria a criminalidade organizada. Winfried Hassemer ao fazer a distinção entre a criminalidade organizada e a criminalidade de massas225 assevera que se deve distinguir a criminalidade organizada da criminalidade de massa, as quais possuem características diferenciadas e requerem estratégias diferentes de prevenção e repressão226.

223

Op. cit. Direito penal do inimigo: a terceira velocidade do direito penal. Curitiba: Juruá, 2010, p. 331. CONSERINO, Cassio Roberto. Crime organizado e institutos correlatos. São Paulo: Atlas, 2011, p. 15. 225 Segundo Winfried Hassemer “criminalidade de massas em nosso meio compreende, há muito tempo, arrombamento de apartamentos, roubo e outros tipos de violência contra os mais fracos nas ruas, furto de automóveis e bicicletas, o abuso de drogas nas grandes cidades (...) a „criminalidade organizada‟ é menos visível que a criminalidade de massas. Os especialistas ainda não conseguem chegar a um consenso sobre no que ela realmente consiste. A participação de quadrilhas bem organizadas ou a atividade criminosa ou habitual e profissional não parecem critérios suficientemente claros (...). Proponho, portanto, usar a expressão „criminalidade organizada‟ somente quando o braço com o qual pretendemos combater toda e qualquer forma de criminalidade seja tolhido ou paralisado: quando o Legislativo, Executivo ou Judiciário se tornem extorquíveis ou venais”. (HASSEMER, Winfried. Direito penal: fundamentos, estrutura e política. Organização e Revisão Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos; Tradução Adriana Beckman Meireles... (et al.). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008, p. 268) 226 Hassemer, Winfried. Límites Del estado de derecho para el combate contra la criminalidad organizada. Revista brasileira de ciências criminais vol. 23 julho-setembro, p. 26. 224

129

Portanto, a criminalidade organizada (grande criminalidade) possui grande potencial de ameaça social, ao passo que a criminalidade de massas (média e pequena criminalidade) compreende infrações do dia a dia, sendo de fundamental importância uma postura diferenciada por parte do legislador e dos operadores do direito, no que se refere às organizações criminosas, sob pena de termos uma resposta penal absolutamente pífia e desproporcional.

6.4. A proteção dos bens jurídicos difusos O estudo do bem jurídico é um dos temas mais caros do Direito Penal, o qual sofreu alterações ao longo do processo histórico. O bem jurídico penal conforme obtempera Antonio Carlos da Ponte “situa-se na fronteira entre a política criminal e o Direito Penal, resultando da criação política do crime, que está atrelada ao modelo de Estado eleito”227. Um Direito Penal de um Estado Totalitário não terá a mesma conformação valorativa e principiológica de um Direito Penal de um Estado Democrático de Direito. Dentro desta concepção, Jorge Figueiredo Dias salienta que “os bens jurídicos protegidos pelo direito penal devem considerar-se concretizações dos valores constitucionais expressa ou implicitamente ligados

227

Op. cit. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 149.

130

aos direitos e deveres fundamentais”228, de modo a lhe assegurar dignidade jurídico-penal. É inegável ser o Direito Penal um instrumento a serviço da proteção de bens jurídicos que possuam dignidade constitucional. Quando falamos em bens jurídicos tradicionais nos valemos dos instrumentos clássicos para sua proteção. Todavia, para punirmos as organizações criminosas temos que pensar na salvaguarda de bens- jurídicos penais difusos, pois os prejuízos atingem a sociedade como um todo. Discorre Antonio Carlos da Ponte que surge a idéia de bem jurídico na primeira metade do século XIX, dentro de uma concepção contratualista defendida, dentre outros autores, por Fuerbach, segundo o qual a todo direito a ser respeitado correspondia um dever a respeitar. Sob esse prisma, o delito era concebido como violação a um direito subjetivo individual229.

Fica evidente que o ideário inicial de bem jurídico se restringia a uma abordagem liberal e individualista, atrelada à defesa dos direitos individuais de primeira dimensão. No entanto, persistimos ainda atrelados, segundo enunciado por Lenio Luiz Streck a um paradigma penal de nítida feição liberal-individualista, isto é, preparados historicamente para o enfrentamento dos conflitos de índole interindividual, não engendramos, ainda, as condições necessárias para o enfrentamento dos conflitos 228

DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal: sobre os fundamentos da doutrina penal sobre a doutrina geral do crime. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 48. 229 Op. cit. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 147.

131 (delitos) de feição transindividual (bens jurídicos coletivos), que compõe majoritariamente o cenário desta fase de desenvolvimento da sociedade brasileira230.

A

punição

da

criminalidade

organizada

tem

como

preocupação fundamental a proteção de bens-jurídicos difusos, os quais inegavelmente estão ligados aos denominados interesses difusos. O objeto do interesse difuso como assevera Gianpaolo Poggio Samanio “é um bem da vida de natureza difusa, de formação fluida no seio da comunidade, referindo-se a sua totalidade. Daí o caráter super ou metaindividual dos interesses difusos”231. O combate eficaz das organizações criminosas é de interesse da sociedade como um todo, pois suas ações atentam contra o Estado Democrático de Direito, cabendo ao Direito Penal trazer um equilíbrio de proteção, ou seja, avançar para uma proteção integral, que tenha o condão de concretizar um garantismo pleno, protetor dos direitos e garantias individuais, assim como resguarde os interesses do corpo social que, em última análise, consiste em uma convivência pacífica. Neste cenário, a política criminal a ser adotada deve ser compatível, conforme enfatiza José Paulo Baltazar Júnior com um direito e um processo penal baseados na Constituição, a serem entendidos no contexto da teoria dos princípios e da teoria da argumentação, limitados pela dignidade da pessoa 230

Op. cit., p. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Revista Ajuris, Ano XXXII, nº 97, março 2005, p. 174. 231 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Tutela penal dos interesses difusos. São Paulo: Editora Atlas, 2000, p. 29.

132 humana e pelo procedimento do processo legislativo, com o que se evita a pecha do totalitarismo e da tirania dos valores232.

6.5. O equilíbrio entre o garantismo e a eficiência A ferramenta para se compatibilizar eficiência com garantismo integral, no enfrentamento da criminalidade organizada é a utilização do princípio da proporcionalidade, que será diretriz fundamental na contenção dos excessos e na legitimação de uma tutela penal, a qual não permita uma proteção insuficiente. Para isso será necessário uma postura diferenciada do Direito Penal no que se refere a esta criminalidade difusa. Antonio Scarance Fernandes, com base na diversidade de tratamento normalmente dispensado às diferentes formas de criminalidade, assevera que estas para fim de estudo podem ser divididas em três espécies: a criminalidade leve, a criminalidade comum e a criminalidade grave e/ou organizada233. Sustenta o autor que os crimes considerados leves, além de forte movimento no sentido de serem simplesmente eliminados do ordenamento ou transformados em infrações administrativas, buscam os sistemas legais, ou propõem a doutrina, soluções destinadas a evitar a instauração do processo, com a criação de institutos despenalizadores.

232

Op. cit. Crime organizado e proibição da insuficiência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 97. 233 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 6. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 26.

133

Para a criminalidade comum, mantém-se o sistema acusatório tradicional com amplas garantias ao réu. E conclui asseverando que, o campo mais problemático para o legislador e para a doutrina é o da criminalidade grave e/ou organizada. Têm os países dificuldade em enfrentá-la. Não sabem mesmo como criar um corpo legislativo que, outorgando eficiência ao sistema repressivo, não fira os direitos e garantias individuais assegurados nas Constituições e Convenções Internacionais234.

A história do processo penal, conforme Antonio Scarance Fernandes é marcada por movimentos pendulares, ora “prevalecendo idéias de segurança social, de eficiência repressiva, ora predominando pensamentos de proteção ao acusado, de afirmação e preservação de suas garantias”235. O que se exige, quando falamos em novas formas de criminalidade, nas quais se inclui a criminalidade organizada é a adoção de um modelo de atuação prospectiva. É importante frisar, como salienta Antonio Carlos da Ponte que com tal preocupação não se defende ou, tampouco, legitima-se um suposto Direito Penal do Inimigo, expressão maior do funcionalismo radical; mas se reconhece que algumas medidas adotadas por essa nova teoria ajustam-se perfeitamente aos tipos penais que busquem proteger bens difusos236.

Falar em Direito Penal do Inimigo não significa repristinar os direitos penais nazistas, com as ideias propagadas pela Escola de Kiel237, que

234

Idem, p. 27. Idem, p. 19. 236 Op. cit. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 47-48. 237 Esta corrente surgiu na Alemanha nazista, sob inspiração do nacionalsocialismo, que propõe um processo de subjetivação do Direito Penal. Luiz Flávio Gomes, Antonio García- Pablos de Molina e Alice Bianchini ao discorrerem sobre o papel exercido pela Escola de Kiel para tentar justificar e fundamentar 235

134

buscou restabelecer o socialismo ou mesmo tratar como inimigos aqueles que violaram o contrato social. Cuida-se na verdade, de avaliar o direito penal à luz do funcionalismo penal, ou seja, dentro da concepção de que a pena deve ter uma função ligada à política de segurança pública. Ao contrário do que se diz o funcionalismo extremado ou posições ínsitas às ideias de Jakobs não devem ser utilizados para punir bens jurídicos tradicionais, mas determinadas formas de criminalidade que violem bens jurídicos ou coletivos, e que afetem, sobremaneira, a sociedade, como é o caso dos bens relacionados ao meio ambiente, à macrocriminalidade financeira, à falta de lisura no processo eleitoral, à criminalidade organizada, ao tráfico internacional de entorpecentes, ao terrorismo, ao tráfico de seres humanos e aos crimes cibernéticos. Nestes casos há necessidade de um direito penal que se antecipe ao perigo, pois o Estado não pode agir do fato consumado. Tomemos como exemplo os efeitos deletérios de um ataque terrorista. Quando falamos em eficiência precisamos nos socorrer do princípio da proporcionalidade, notadamente da análise de sua dupla face, de seu duplo enfoque.

O Estado tem o dever de agir na proteção de bens jurídicos. A doutrina vem se consolidando no sentido de que a proporcionalidade não um Direito Penal nazista e autoritário asseveram que: “O método fenomenológico e a contemplação do Direito como „ordem concreta‟ (depois das devidas manipulações) foram invocados como os fundamentos filosóficos do nacional socialismo alemão (leia-se: do nazismo). Do trabalho teórico encarregou-se a Escola de Kiel, chefiada por Dahm e Schaffstein, dentre outros, que logicamente propugnaram, também, por um „método‟ adequado às novas concepções jurídicas” (GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García- Pablos de; BIANCHINI, Alice. Direito penal: introdução e princípios fundamentais. volume 1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 142-143).

135

ocorre somente quando há excesso na ação estatal (proteção vertical), mas também quando esta se apresenta manifestamente deficiente (proteção horizontal). A política criminal a ser traçada pelo Direito Penal contemporâneo que contempla expectativas diferenciadas deve encontrar um adequado equilíbrio entre a demanda social de eficiência, com uma resposta penal necessária e suficiente, e a demanda de respeito aos direitos fundamentais do indivíduo que violou a norma penal. Precisamos utilizar o princípio da proporcionalidade na colisão de direitos fundamentais em sua plenitude, dentro de uma linha que assegure um garantismo penal integral e não uma proteção pela metade, que dê guarida exclusivamente ao agente que violou a norma penal e não tenha compromisso com a coletividade, com a paz pública, com a convivência harmônica em sociedade. É inegável que devemos lutar de forma incansável pela implementação de um Direito Penal de cariz nitidamente democrático, que esteja em sintonia com o preconizado na Constituição Federal de 1988, no que se refere à contenção de excessos, porém precisamos avançar um pouco mais na busca de uma proteção, que volte os olhos para esta vítima difusa que sofre os reflexos desta nova modalidade de crime.

136

Referindo-se à necessidade de proteção de bens jurídicos individuais e também coletivos Douglas Fischer realiza oportuna síntese, ao mencionar que: do garantismo integral decorre a necessidade de proteção de bens jurídicos (individuais e também coletivos) e de proteção ativa dos interesses da sociedade e dos investigados e/ou processados. Integralmente aplicado, o garantismo impõe que sejam observados rigidamente não só os direitos fundamentais (individuais e coletivos), mas também os deveres fundamentais (do Estado e dos cidadãos), previstos na Constituição. O Estado não pode agir desproporcionalmente: deve evitar excessos e, ao mesmo tempo, não incorrer em deficiências na proteção de todos os bens jurídicos, princípios, valores e interesses que possuam dignidade constitucional, sempre acorrendo à proporcionalidade quando necessária a restrição de algum deles238.

Resta evidente que o garantismo integral compatibiliza de forma harmônica o garantismo e a eficiência, pois sugere a releitura de uma posição que foi se cristalizando em nossa doutrina, a qual propõe a prevalência absoluta dos direitos fundamentais individuais sobre os demais valores que se encontram descritos de forma expressa e implícita na Constituição Federal e impõe também o acautelamento dos bens jurídicos difusos e, consequentemente, do corpo social. Rótulos à parte, o que se deve é buscar um Direito Penal que consiga ser útil e eficaz no combate às novas formas de criminalidade, sendo que diante de uma criminalidade difusa se justificam algumas posturas ínsitas ao denominado Direito Penal do Inimigo, tais como a mitigação do princípio da

238

Op. cit. O que é garantismo penal (integral). In: CALABRICH, Bruno; FISCHER, Douglas; PELELLA, Eduardo (org.). Garantismo penal integral: questões penais e processuais, criminalidade moderna e a aplicação ao modelo garantista no Brasil. Salvador: Editora JusPodium, 2010, p. 48.

137

legalidade escrita, com a criação de tipos penais abertos; antecipação de tutela penal e uma postura prospectiva. Para cada música uma dança, uma cadência específica. Não há como tratarmos de criminalidade organizada, que dissemina suas ações no mercado financeiro, corroendo sua credibilidade, no tráfico ilícito de entorpecentes, na corrupção de agentes do Estado, dentre outras práticas espúrias, com a mesma linha dogmática e a adoção de idênticas posturas de política criminal utilizadas no século XIX. Como salienta obtempera Maria Luiza Schäfer Streck se o Estado passou de inimigo dos direitos fundamentais a pontecial amigo desses direitos, parece também evidente que o Direito Penal deve ser analisado no mesmo contexto, isto é, ele também terá um novo papel239.

Portanto, o que se propõe no presente trabalho não é a adoção de um Direito Penal com ranço autoritário, violador dos direitos fundamentais, mas de uma política criminal, que não fique atrelada ao alvedrio de mandatários, com políticas de governo oportunistas e sim que traçe diretrizes de uma política de Estado em matéria penal, contendo eventuais excessos, porém não pecando por uma resposta penal insuficiente, pois, conforme obtempera Lenio Luiz Streck, a constituição determina- explícita ou implicitamente- que a proteção dos direitos fundamentais deve ser feita de duas formas: a uma, protege o cidadão frente ao Estado; a duas, através do Estado- e, inclusive, através do direito punitivo- uma vez que o cidadão também tem o direito de ver seus direitos 239

STRECK. Maria Luiza Schäfer. Direito penal e constituição: a face oculta da proteção dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 63.

138 fundamentais protegidos, em face da violência de outros indivíduos240.

Esta proteção integral aos direitos fundamentais, ou seja, do cidadão e da sociedade, quando se estiver diante de uma criminalidade difusa, impõe a flexibilização de alguns direitos individuais, com a adoção de posturas do funcionalismo sistêmico, o que é absolutamente compatível com o Estado Democrático de Direito e não pode ser taxado de um totalitarismo de tutela penal ou retorno ao denominado Movimento Lei e Ordem241, mas, sim, de um Direito Penal conectado com os valores republicanos, pois sem acautelamento do indivíduo frente ao Estado, e da sociedade frente à violência emanada das organizações criminosas, não existe plenitude democrática.

240

STRECK, Lenio Luiz. Entre Hobbes e Rousseau - a dupla face do princípio da proporcionalidade e o cabimento de mandado de segurança em matéria criminal. In: Direito penal em tempos de crise. Org. Lenio Luiz Streck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 98. 241 Segundo Manuel Monteiro Guedes Valente: “O Movimento Lei e Ordem, que preconiza a implementação de um Direito penal máximo, cujos bens jurídicos inter-individuais e patrimoniais recebem uma tutela reforçada com elevada punibilidade face às ofensas, incrementando-se uma incessante proclamação diária da necessidade de criminalização e de instituição de penas pesadas. Este movimento teve origem nos anos 60 nos USA e tem como exemplo, no Brasil, a Lei dos Crimes Hediondos” (VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Direito penal do inimigo e o terrorismo: o „progresso‟ e o „retrocesso‟. Coimbra: Almedina, 2010, p. 58).

139

7. O ENFRENTAMENTO DA CRIMINALIDADE ORGANIZADA COMO FORMA DE PRESERVAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Brasil venceu definitivamente um período de arbítrio, quando havia flagrante violação das garantias fundamentais e democratizou-se.

O art. 1º da Constituição Federal prevê de forma expressa que a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito e tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), tendo como objetivos fundamentais (art. 3º): o de construir uma sociedade livre, justa e solidária; de garantir o desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e, finalmente, o de promover o bem de todos. Desta forma, cumpre ao Estado a proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões, não havendo como o Direito Penal fazer um enfrentamento da criminalidade organizada dentro de uma concepção de um Estado Liberal de Direito individualista, o qual se limita à tutela dos direitos fundamentais de primeira dimensão. A criminalidade organizada subtrai da sociedade as condições de equilíbrio e ordem e, consequentemente, coloca em risco a segurança de toda a coletividade, devendo o Estado, que assumiu o monopólio da jurisdição, dar uma resposta penal satisfatória para o enfrentamento dessa

140

criminalidade difusa, com proteção dos valores mais caros elencados na Constituição Federal, pois o perfil do Estado Democrático de Direito “aponta para um Direito de conteúdo não apenas ordenador (Estado Liberal) ou promovedor (Estado Social), mas, sim, potencialmente transformador”242. O Estado dentro desta perspectiva deve agir para proteger não somente o agente que violou a norma penal, mas também o cidadão, pois o direito à segurança está descrito de forma expressa no artigo 144 da Constituição Federal de 1988243. O Direito Penal tradicional, de acordo com Antonio Carlos da Ponte, “não possui ferramentas suficientes ao combate de novas formas de criminalidade, que atentam contra bens jurídicos que se afastam da criminalidade ordinária”244.

242

Op. cit. Entre Hobbes e Rousseau - a dupla face do princípio da proporcionalidade e o cabimento de mandado de segurança em matéria criminal. In: Direito penal em tempos de crise. Org. Lenio Luiz Streck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 103. 243 Luciano Oliveira, Pesquisador e Professor de Sociologia Jurídica da Universidade Federal de Pernambuco afirma de forma enfática que a segurança é também um direito humano e preleciona que “a segurança pessoal é uma variável das mais importantes a serem consideradas nas estratégias de respeito aos direitos humanos. E segurança – tanto quanto saúde, educação, trabalho, etc. – é um benefício que um Estado democrático deve aos seus cidadãos. Sem ela, voltamos ao chamado “estado de natureza” – que talvez seja menos idílico do que pintaram os contratualistas da nossa predileção. Ou seja: lemos tanto Rousseau, que esquecemos Hobbes” (OLIVEIRA, Luciano. Segurança: um direito humano para ser levado a sério. Em Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito n. 11. Recife, 2000, p. 244-245). No mesmo sentido e encampando a idéia de ser a segurança um direito humano menciona Christiano Jorge Santos: “entendendo-se o direito à segurança como direito humano, estamos a tratar de direito de todas as pessoas e, portanto, na expressão também veem-se incluídas as vítimas de infrações penais e as testemunhas de crimes ou de contravenções penais” (SANTOS, Christiano Jorge. Interceptação telefônica, segurança e dignidade da pessoa humana.In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da (coord.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 842). 244 Op. cit. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p.43.

141

Referida constatação é fundamental para que busquemos caminhos para a construção de um sistema que reconheça a necessidade de proteção dos bens jurídicos difusos. Rompemos com o paradigma do crime artesanal e passamos a ter que traçar uma nova perspectiva para o Direito Penal. A resposta penal precisa ser pensada para uma criminalidade organizada, sem rosto, transnacional que, muitas vezes, encontra-se com tentáculos dentro do aparato do próprio Estado e representa uma afronta à democracia. Em uma democracia, que invariavelmente deve ter como alicerce instrumentos que assegurem a proteção das garantias fundamentais de todas as dimensões, não é razoável que não se enfrente com eficiência, organizações criminosas, que, em razão de sua nocividade social, trazem efeitos deletérios ao corpo social. A resposta penal que deve ser dada ao fenômeno criminal decorrente das organizações criminosas, a qual deve tutelar valores decorrentes de bens jurídicos difusos deve ser diferenciada. Não há como traçar diretrizes para uma criminalidade transnacional, sem rosto, com o mesmo enfoque, se valendo das mesmas ferramentas do direito penal clássico. Uma democracia não convive com um estado paralelo, não tolera organizações que se infiltram nas instituições. Não se pretende atribuir ao Direito Penal a solução para todos os males. O Estado que se denomina democrático deve promover o bem comum, ou seja, criar políticas públicas que

142

permitam a igualdade de oportunidades, o acesso às necessidades básicas, o investimento maciço em educação, saúde, lazer e segurança pública. Todavia, para que o Estado cumpra com sua missão social é necessário o enfrentamento de organizações que subtraem da população o sonho de acesso aos seus anseios básicos e impõem a instabilidade, com a disseminação do tráfico de entorpecente, da macrocriminalidade financeira, do desvio do dinheiro público, o qual, sem nenhuma dúvida, fragiliza a democracia e dissemina a miséria. O

Direito

Penal

deve

interferir

nas

questões

que

efetivamente possuem relevância. A dignidade da pessoa humana em seu viés coletivo está atrelada a uma política de segurança pública, que contempla a não tolerância às organizações criminosas. A criminalidade organizada nasce em decorrência do vácuo de poder do Estado, se instalando em suas estruturas e corroendo os pilares da convivência pacífica. Observa Antonio Carlos da Ponte que a criminalidade organizada; delitos que atentam contra o conceito de Segurança Pública; Administração Pública; que atingem o consumidor; o meio ambiente; a lisura do processo eleitoral, este último pilar de um Estado Democrático, dentre outros não podem ser combatidos eficazmente por um Direito Penal simbólico, subsidiário, pautado na intervenção mínima, que abusa de medidas despenalizadoras, prestigia o criminoso e, por via transversa, condena a sociedade245.

245

Idem, p. 39-40.

143

Falar em enfrentamento desta nova modalidade de criminalidade exige discussão acerca da relativização dos direitos fundamentais individuais e a concretização dos direitos fundamentais da sociedade. A mitigação dos direitos fundamentais do indivíduo para salvaguardar os direitos fundamentais dos integrantes da sociedade encontra respaldo na própria Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas, que em seu art. 29 estabelece: Toda pessoa tem deveres com a comunidade, posto que somente nela pode-se desenvolver livre e plenamente sua personalidade. No exercício de seus direitos e no desfrute de suas liberdades todas as pessoas estarão sujeitas às limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o respeito dos direitos e liberdade dos demais, e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. Esses direitos e liberdades não podem, em nenhum caso, serem exercidos em oposição com os propósitos e princípios das Nações Unidas. Nada na presente Declaração poderá ser interpretado no sentido de conferir direito algum ao Estado, a um grupo ou a uma pessoa, para empreender e desenvolver atividades ou realizar atos tendentes à supressão de qualquer dos direitos e liberdade proclamados nessa Declaração.

No cenário nacional, por sua vez, encontra-se na própria Constituição Federal de 1988 indicativo efetivo do constituinte em impor um tratamento distinto do tradicional, para proteção da higidez do Estado Democrático de Direito, consoante art. 5º, inciso XLIV, o qual dispõe constituir crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Como se sabe em toda ordem jurídica a regra consiste na prescrição dos delitos. Assim o afastamento da prescritibilidade demonstra a opção do constituinte em propor o enfrentamento

144

de forma diferenciada da criminalidade, quando associada a condutas tendentes a comprometer e abalar as estruturas dos valores democráticos. Os efeitos negativos da atuação das organizações criminosas à sociedade são inegáveis. A exemplo dos casos em que as organizações criminosas fornecem dinheiro para campanhas políticas, como no caso (...) dos banqueiros do jogo do bicho ou quando os próprios mandatários estão envolvidos em esquemas de desvios de verbas públicas246.

A necessidade de proteção das garantias fundamentais coletivas decorre, portanto, dos efeitos deletérios das práticas provenientes das organizações criminosas. É inegável que a higidez democrática encontra-se comprometida com sua atuação, pois qual será o compromisso de um mandatário que teve sua campanha financiada com o dinheiro proveniente das organizações criminosas? Obviamente será distinto dos valores republicanos, que devem nortear o administrador público. No delito de organização criminosa, a ser criado, o bem jurídico tutelado é a higidez democrática e a preservação da credibilidade das instituições republicanas, pois conforme pontua Ana Flávia Messa a existência do crime organizado reflete a absoluta ineficácia do Estado no combate à criminalidade organizada consubstanciada numa atuação coletiva, estável, articulada, sofisticada, disciplinada, violenta, com divisão lucrativa e racional das atividades ilícitas, já que não consegue manter a ordem pública interna com a realização da segurança coletiva247.

246

Op. cit. Crime organizado e proibição da insuficiência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 224. 247 MESSA, Ana Flávia. Aspectos constitucionais do crime organizado. In: Crime organizado. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 102.

145

Para a concretização do dever de proteção, torna-se necessária a implementação de reforço normativo para o enfrentamento da criminalidade organizada, pois como obtempera José Paulo Baltazar Júnior “o fenômeno representa, efetivamente, uma nova forma de perigo”248. Para que a proposta do presente escrito não represente a tentativa de inclusão de uma cláusula aberta despida de parâmetros para flexibilizar direitos, propõe-se que a relativização das garantais fundamentais individuais sejam implementadas com base nos seguintes pressupostos, que conferem a necessária segurança jurídica: a) lesividade social do bem a ser protegido, manifestada diante da característica difusa do bem jurídico penal a ser tutelado; b) potencialidade de abalo da higidez do Estado Democrático de Direito ante a ineficácia de proteção, com base no sistema de tutela dos bens jurídicos tradicionais; c) constatação de que a violação dos bens jurídicos penais é perpetrada por organização criminosa, que com suas atividades possuem o condão de afrontar os pilares da democracia; d) risco iminente de vulneração às bases da segurança pública do Estado e o seu compromisso de tutela efetiva aos valores fundamentais da sociedade de todas as dimensões; e) a necessidade de cumprimento dos mandados explícitos e implícitos de criminalização previstos na Constituição Federal de 1988, os quais impõem o enfrentamento diferenciado das organizações criminosas.

248

Op. cit. Crime organizado e proibição da insuficiência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 225.

146

Constatada no caso concreto, a presença de referidos pressupostos de relativização, o princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição da proteção deficiente deve ser a ferramenta, para dar concretude à flexibilização que se propõe neste escrito. Ressaltamos que referidos pressupostos de mitigação não encontram como destinatário somente o intérprete e aplicador da lei, mas também o legislador, o qual fundado nessas premissas deve realizar o que denominamos de reforço normativo para a adequada tutela penal das práticas perpetradas pelas Organizações Criminosas. O reforço normativo em tela se refere à criação de mecanismos concretos que permitam o efetivo enfrentamento das organizações criminosas: no plano do direito material com a criação de um tipo penal específico de organização criminosa, que deverá ser aberto e fluido, tendo por base os pressupostos de relativização acima elencados, pois sua delimitação pode torná-lo obsoleto, dado o dinamismo e mutação das práticas encetadas pelo crime organizado; no plano processual com a implementação e uso efetivo de ferramentas processuais já existentes que possibilitem o aludido tratamento.

Nesse contexto, surge a necessidade de utilização do princípio da proporcionalidade, o qual “não será passaporte para o exercício de discricionariedades ou arbitrariedades”249.

249

Op. cit. Direito penal e constituição: a face oculta da proteção dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 63.

147

O garantismo penal, comumente utilizado pela nossa doutrina de traço nitidamente individualista, não admite a existência de mandados de criminalização e parte de um arcabouço teórico, o qual se limita à proteção dos direitos de primeira dimensão, dentro de uma perspectiva, na qual os princípios constitucionais do Direito Penal têm como única missão servir como limite à intervenção estatal, não tendo o condão de fundamentar e legitimar a incidência do Direito Penal. Todavia, o princípio da proporcionalidade deverá contemplar um garantismo integral, ou seja, deverá ter o enfoque da proibição de excesso, mas também deverá assegurar a proibição de uma proteção deficiente. Os mandados de criminalização assumem grande relevância no sistema jurídico penal, pois são mecanismos de fundamentação e legitimação do Direito Penal, pois conforme esclarece Antonio Carlos da Ponte “indicam as matérias as quais o legislador ordinário não tem a faculdade de legislar, mas obrigatoriedade de tratar”250. Sendo assim, o Direito Penal deve estar em sintonia plena com os valores trazidos pela Constituição Federal, tendo em vista que, as baterias do Direito Penal do Estado Democrático de Direito devem estar direcionadas preferencialmente para o combate dos crimes que impedem a realização dos objetivos constitucionais do Estado. Ou seja, no Estado Democrático de Direitoinstituído no art. 1º da CF/88- devem ser combatidos os crimes que fomentem a injustiça social, o que significa afirmar que o direito penal deve ser reforçado naquilo que diz respeito aos

250

Op. cit., Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 184.

148 crimes que promovem e/ou sustentam as desigualdades sociais251.

A proliferação de ações do crime organizado revela a ineficiência do Estado em seu enfrentamento e o descumprimento dos mandados implícitos de criminalização previstos nos artigos 1º e 3º da Constituição Federal, os quais são instrumentos de implementação e manutenção dos valores de um Estado Democrático de Direito.

A tarefa de combate à criminalidade organizada não é simples, pois exige que o Estado enquanto Poder Executivo, além da promoção de políticas públicas, que consigam diminuir o abismo social que reina em nosso país, onde pessoas são recrutadas para o submundo do crime, consiga se estruturar e se aperfeiçoar, com o investimento no aparato de segurança pública (Polícia Civil, Polícia Militar, Institutos de Criminalística, etc.), com capacitação, treinamento dos integrantes das corporações policiais, com a implementação de um sistema de inteligência, com troca permanente de informações entre as instituições envolvidas na persecução penal, o aprimoramento de programas de proteção a vítimas e testemunhas. Ao Poder Legislativo cabe a produção de uma legislação viva, sintonizada com a realidade social, que defina um tipo penal autônomo de organização criminosa, crie um tratamento processual diferenciado, para o seu enfrentamento, que permita celeridade processual, segurança jurídica, com a

251

STRECK, Lenio Luiz. As (novas) penas alternativas à luz da principiologia do Estado Democrático de Direito e do controle de constitucionalidade. In: A sociedade, a violência e o direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 124.

149

mitigação de direitos e garantias fundamentais de índole individual, como forma de assegurar uma legislação coesa e eficiente. Ao Poder Judiciário é imperiosa uma mudança de mentalidade de alguns Magistrados, ainda atrelados a um Direito Penal e a um Direito Processual tradicional, que desconsideram as novas formas difusas de criminalidade.

É fundamental também, que seja superada a eterna discussão sobre os poderes investigatórios do Ministério Público, pois vários crimes perpetrados por integrantes de organizações criminosas foram desvendados por Grupos de Atuação de Combate ao Crime Organizado dos Ministérios Públicos. Além disso, não é crível em uma democracia o monopólio das investigações, pois nosso sistema constitucional contempla o denominado princípio da universalização da investigação criminal, pois como descreve Valter Foleto Santin a polícia não é o único ente estatal autorizado a proceder à investigação criminal; não há exclusividade. O princípio é da Universalização da Investigação, em consonância com a democracia participativa, a maior transparência dos atos administrativos, a ampliação dos órgãos habilitados a investigar e a facilitação e ampliação do acesso ao Judiciário, princípios decorrentes do sistema constitucional atual252.

Foram várias as tentativas de vedar a possibilidade de investigação por parte do Ministério Público, assim como de outras instituições, dentre elas destacamos o Projeto de Emenda Constitucional nº 37, o qual dá

252

SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. 2. ed. rev. e amp. Bauru, SP: Edipro, 2007, p. 62.

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exclusividade à Polícia Civil para investigar crimes no país. Vencendo as etapas do processo legislativo e sendo aprovada e incorporada à Constituição Federal teremos um duro golpe no enfrentamento das organizações criminosas. Nessa luta em favor da reafirmação das instituições republicanas, precisamos de um Ministério Público fortalecido, pois sua atuação, após a edição da Constituição Federal de 1988, foi de fundamental importância na democratização do banco dos réus em nosso país. É necessário além das ferramentas processuais previstas na Lei 9.034/95, tais como a ação controlada; o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais; a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos; a infiltração de agentes de polícia ou de inteligência, que seja dado condições para que os agentes do Estado envolvidos na persecução penal possam cumprir com sua missão. Nesse sentido, é de fundamental importância a criação de mecanismos eficientes de proteção a Magistrados e Membros do Ministério Público que atuam no combate à criminalidade organizada, com o aperfeiçoamento da Lei 12.694/2012, de 24 de julho de 2012, que criou a possibilidade de formação de um colegiado de juízes para a prática de atos processuais em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas.

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Referido diploma legal tratou de questão relevante de forma absolutamente tímida, pois não criou a figura do juiz sem rosto ou juiz anônimo, assim como limitou seu enfoque a figura do julgador e não se preocupou com a integridade física do Membro do Ministério Público que atue em feitos de crimes praticados por organizações criminosas. O instituto do juiz sem rosto foi utilizado no Peru, Colômbia, México e Nicarágua com o propósito de dar segurança a Magistrados, que atuaram em processos envolvendo organizações criminosas. Na Itália, durante a denominada Operação Mãos Limpas também foram criados instrumentos para preservação da identidade de juízes e promotores. No Brasil, o tema já foi discutido quando da análise do Projeto de Lei do Senado nº 87, de 2003, de autoria do então senador Hélio Costa, que previa, em determinadas situações, o julgamento sem a formal identificação do juiz, o que despertou debate candente sobre a sua constitucionalidade. Antonio Scarance Fernandes afirma que a medida fere o princípio do devido processo legal, em seu núcleo essencial por violar as garantias da imparcialidade, do contraditório e da ampla defesa. E questiona como avaliar a imparcialidade de juiz desconhecido? Assevera, ainda, com

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relação ao Membro do Ministério Público, de que não há como aceitar um acusador desconhecido253. Porém, em que pese à preocupação do autor com as garantias constitucionais individuais verificamos que em situações, as quais envolvem organizações criminosas, compostas muitas vezes por indivíduos poderosos, com bom trânsito social, que corrompem autoridades, exercem tráfico de influência, ser impossível ao Estado assegurar uma resposta penal satisfatória sem se utilizar de um instituto que preserve seus agentes (promotores e juízes) e lhes possibilite uma acusação e um julgamento não contaminado por ameaças diretas ou veladas. Reafirmamos, portanto, que não há como se enfrentar a criminalidade organizada com os mesmos instrumentos normativos utilizados para a persecução penal nos crimes tradicionais. Além disso, o aparato coercitivo do Estado (polícias, Ministério Público, Poder Judiciário) precisa de uma interlocução permanente, com respeito à autonomia funcional de todos os envolvidos nessa engrenagem, com uma atuação integrada, desburocratizada, onde a vaidade e as questões menores sejam suplantadas em nome do interesse público.

O compromisso de edificação de um novo sistema jurídico penal exige compromisso social de todos os atores e a convicção de que o Direito Penal deve entrar em cena em situações relevantes, com respostas penais 253

Op. cit. O equilíbrio na repressão ao crime organizado. In: FERNANDES, Antonio Scarance; ALMEIDA, José Raul Gavião de; MORAES, Maurício Zanoide de (Coords.). Crime organizado. Aspectos processuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 26.

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proporcionais e adequadas ao caso concreto, não ficando limitado a uma leitura ideológica de salvaguarda exclusiva das garantias fundamentais clássicas, mas que avance e seja um instrumento adequado na proteção e manutenção da higidez democrática. Assim sendo, é absolutamente compatível com os alicerces da democracia o recrudescimento legislativo e do aparato de repressão policial e judicial, como forma de dar concretude e eficiência aos direitos fundamentais da sociedade, rompendo com o modelo mental individualista, que prevê a contenção dos excessos, mas não garante proteção à sociedade. Algumas posturas do Direito penal do inimigo estão em consonância com a Constituição Federal de 1988, em razão da necessidade de maior rigor, para o enfrentamento da criminalidade organizada, que decorre de um mandado implícito de criminalização que visa, em última análise, assegurar a preservação do Estado Democrático de Direito, numa importante vertente que é a segurança pública, direito humano e social.

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CONCLUSÕES 1) A forma de Estado será de fundamental importância, para a estruturação do Direito Penal com a delimitação e o estabelecimento de marcos políticos, sociais e jurídicos, para sua formatação, sendo que o sistema penal deve ser um instrumento hábil a produzir equilíbrio nas relações sociais, com respostas penais efetivas, sobretudo nas condutas com significativa lesividade social. 2) Em um Estado onde vigora o arbítrio, o Direito Penal será indubitavelmente opressor das garantias fundamentais, tipificando condutas de cunho moral e ideológico. Em um Estado Democrático de Direito, o Direito Penal respeitará os limites inerentes ao pluralismo político, ideológico, com uma gama de direitos que assegurem a diversidade e a tolerância 3) A Constituição Federal de 1988 demarcou o processo de democratização do Estado brasileiro, ao consolidar a ruptura com o regime de exceção de 1964 trazendo um novo conceito de Estado, que traça novos horizontes para o Direito Penal. 4) Ao contrário do posicionamento preconizado por alguns doutrinadores

que

contemplam

um

garantismo

parcial,

os

princípios

constitucionais do Direito Penal são de fundamental importância, na formatação de um sistema coeso e harmônico, que lhe assegure coerência e efetividade e tem a função de ser um instrumento de fundamentação, limitação e legitimação do Direito Penal.

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5) A Constituição Federal traz de forma implícita e explícita os valores que devem ser objeto de tutela penal, por parte do Estado em todas as esferas, seja na atividade legislativa, executiva ou judicante, o que inegavelmente legitima sua atuação, ora como instrumento de contenção do excesso, ora assegurando a efetividade dos valores mais caros de uma sociedade. 6) Os meios empregados para se combater a criminalidade tradicional não deverão ser os mesmos utilizados para o enfrentamento de uma criminalidade difusa, pois o alcance social e os efeitos das condutas terão reflexos diferentes no contexto social. Quando se fala em dar um tratamento diferenciado às novas formas de criminalidade, se propõe exatamente a materialização do princípio da igualdade, pois se desigualam situações diferenciadas, as quais inegavelmente merecem um tratamento mais rigoroso. 7) O Regime Disciplinar Diferenciado é compatível com a ordem constitucional de 1988 e não afronta o princípio da humanidade, pois é uma medida que tem por escopo tratar de forma diferenciada desiguais, pois quando estamos diante de organizações criminosas torna-se necessário, no que se refere à execução da pena, pensar em mecanismos que tenham a capacidade de neutralizar a ação de seus integrantes, pois não há como se tolerar que ordens e comandos provenientes de líderes que se encontram com sua liberdade suprimida sejam dados de dentro do sistema prisional, para ataques e convulsões sociais que visam desestabilizar a ordem pública e a manutenção, no mundo externo, do negócio criminoso.

156

8) Ante a lesividade e a complexidade das condutas perpetradas pelas organizações criminosas são necessárias a mitigação de alguns direitos individuais de seus integrantes, tais como a liberdade, a intimidade, etc, com a utilização de um tratamento diferenciado no plano do Direito Penal e do Direito Processual Penal, com o fito de assegurar as garantias fundamentais em seu duplo enfoque.

9) A proibição da proteção deficiente, portanto, é um instrumento de materialização da dignidade da pessoa humana de índole social, visto que havendo uma insuficiência de proteção aos valores mais caros de uma sociedade, vulneram-se os direitos fundamentais em seu viés coletivo. Por outro lado, havendo uma efetiva tutela do que é digno de proteção, se dá concretude a uma garantia universal, que é a dignidade da pessoa humana. 10) Diante de uma criminalidade difusa, se justifica algumas posturas ínsitas ao denominado Direito Penal do Inimigo, tais como a mitigação do princípio da legalidade escrita, com a criação de tipos penais abertos; antecipação de tutela penal e uma postura prospectiva. 11) A adoção de um tratamento diferenciado para o enfrentamento da criminalidade organizada, com a mitigação de garantias fundamentais individuais não se traduz na adoção de um Direito Penal com ranço autoritário, violador dos direitos fundamentais, mas de uma política criminal, que não fique atrelada ao alvedrio de mandatários, com políticas de governo oportunistas e sim que traçe diretrizes de uma política de estado em matéria

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penal, contendo eventuais excessos, porém não pecando por uma resposta penal insuficiente. 12) Em um Estado Democrático de Direito, a noção de bem jurídico e os critérios para a criminalização de uma conduta devem ter estreita vinculação com as limitações (princípios da ultima ratio, fragmentariedade e subsidiariedade) e determinações (mandados de criminalização) impostas ao Direito Penal pela Constituição Federal e devem acautelar tudo aquilo que cause indignação pública e tenha danosidade social. 13) Os mandados de criminalização assumem grande relevância no sistema jurídico penal, pois são mecanismos de fundamentação e legitimação do Direito Penal. 14) O enfrentamento às organizações criminosas apresentase como um mandado implícito de criminalização que não foi atendido, na íntegra, pelo legislador brasileiro, pois a Lei 9.034/95 se limita a trazer formas de utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, mas não traz um tipo penal autônomo, o qual deverá ser aberto em razão da complexidade e do dinamismo característico de suas ações, fixar uma pena em um patamar elevado e ser inserido no rol dos crimes hediondos da Lei 8.072/90. 15) No delito de organização criminosa, que deverá estar previsto no Código Penal ou em legislação penal extravagante, o bem jurídico a

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ser tutelado é a higidez democrática e a preservação da credibilidade das instituições republicanas. 16) O combate eficaz às organizações criminosas é de interesse da sociedade como um todo, pois suas ações atentam contra o Estado Democrático de Direito, cabendo ao Direito Penal trazer um equilíbrio de proteção, ou seja, avançar para uma proteção integral, o qual tenha o condão de concretizar um garantismo pleno, que proteja os direitos e garantias individuais, assim como resguarde os interesses do corpo social que, em última análise, consiste em uma convivência pacífica. 17) A política criminal a ser traçada pelo Direito Penal contemporâneo que contempla expectativas diferenciadas deve encontrar um adequado equilíbrio entre a demanda social de eficiência, com uma resposta penal necessária e suficiente, e a demanda de respeito aos direitos fundamentais do indivíduo que violou a norma penal. 18) A implementação de uma política criminal eficiente passa pelo cumprimento de um mandado implícito de criminalização que consiste na criação, por parte do Poder Legislativo, de um tipo penal autônomo de organização criminosa, bem como de um tratamento processual diferenciado, para o enfrentamento da criminalidade difusa, que permita celeridade processual, segurança jurídica, com a mitigação de direitos e garantias fundamentais de índole individual.

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19) Para um efetivo combate à criminalidade é necessário, além de um arcabouço legislativo, que o Poder Executivo invista no aparato de segurança pública do Estado (Polícia Civil, Polícia Militar, Institutos de Criminalística, etc.), com capacitação, treinamento dos integrantes das corporações policiais, com a implementação de um sistema de inteligência, com troca permanente de informações entre as instituições envolvidas na persecução penal e com o aprimoramento de programas de proteção a vítimas e testemunhas. 20) O aparato coercitivo do Estado (polícias, Ministério Público, Poder Judiciário) precisa de uma interlocução permanente, com respeito à autonomia funcional de todos os envolvidos nessa engrenagem, com uma atuação integrada, desburocratizada, onde a vaidade e as questões menores sejam suplantadas em nome do interesse público. 21) É necessário o aperfeiçoamento da Lei 12.694/2012 de 24 de julho de 2012, que criou a possibilidade de formação de um colegiado de juízes para a prática de atos processuais em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, pois referido diploma legal tratou de questão relevante de forma absolutamente tímida, pois não contemplou a figura do juiz sem rosto ou juiz anônimo, assim como limitou seu enfoque a figura do julgador e não se preocupou com a integridade física do Membro do Ministério Público que atue em feitos de crimes praticados por organizações criminosas.

160

22) É fundamental também, que seja superada a eterna discussão sobre os poderes investigatórios do Ministério Público, assegurandolhe a possibilidade de investigar, pois em uma democracia é de vital importância que nenhuma instituição detenha o monopólio da apuração de ilícitos penais. 23) Com a finalidade de que a mitigação das garantias fundamentais individuais não represente a tentativa de inclusão de uma cláusula aberta despida de parâmetros para flexibilizar direitos, propõe-se que sua a relativização seja implementadas com base nos seguintes pressupostos, que conferem a necessária segurança jurídica: a) lesividade social do bem a ser protegido, manifestada diante da característica difusa do bem jurídico penal a ser tutelado; b) potencialidade de abalo da higidez do Estado Democrático de Direito ante a ineficácia de proteção, com base no sistema de tutela dos bens jurídicos tradicionais; c) constatação de que a violação dos bens jurídicos penais é perpetrada por organização criminosa, que com suas atividades possuem o condão de afrontar os pilares da democracia; d) risco iminente de vulneração às bases da segurança pública do Estado e o seu compromisso de tutela efetiva aos valores fundamentais da sociedade de todas as dimensões; e) a necessidade de cumprimento dos mandados explícitos e implícitos de criminalização previstos na Constituição Federal de 1988, os quais impõem o enfrentamento diferenciado das organizações criminosas. 24) O sistema penal adequado ao Estado Democrático de Direito, no mundo contemporâneo deve ser útil e eficaz no combate às novas

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formas de criminalidade, com a modernização da lei penal e processual penal, com um arcabouço jurídico diferenciado para o enfrentamento das organizações criminosas, e sobretudo com a mudança de mentalidade dos operadores do Direito, para a tutela efetiva da higidez democrática e da credibilidade das instituições republicanas. 25) Enfim, no combate às organizações criminosas, não há oposição, mas sim compatibilização entre o núcleo essencial do garantismo voltado à proteção do indivíduo e a mitigação de garantias fundamentais individuais, decorrentes de algumas posturas do Direito Penal do Inimigo, que se justificam em nome da dupla face do princípio da proporcionalidade, como forma de assegurar a dignidade da pessoa humana em seu viés social.

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