Renata Amorim Leandro UFBA

A EDUCAÇÃO DO CAMPO EM TURMA MULTISSERIADA DO ASSENTAMENTO NOVA PANEMA: os desafios enfrentados na educação do campo Nair Casagrande UFBA [email protected]...
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A EDUCAÇÃO DO CAMPO EM TURMA MULTISSERIADA DO ASSENTAMENTO NOVA PANEMA: os desafios enfrentados na educação do campo Nair Casagrande UFBA [email protected] Renata Amorim Leandro UFBA [email protected]

Resumo O presente projeto de iniciação científica faz parte da pesquisa “A Educação do Campo e a Educação popular no Brasil: experiências em desenvolvimento no MST no Estado da Bahia”. Este projeto de pesquisa articula a integração entre o ensino, pesquisa e extensão através da disciplina curricular denominada 'Atividade Curricular em Comunidade (ACC)'. Especificamente está vinculada à experiência da ACC 'Educação Popular em Áreas de Reforma Agrária: os desafios da educação do campo', oferecida pelo departamento de Educação Física da Faculdade de Educação (FACED) da UFBA e vem sendo desenvolvido desde 2008. O estudo tem como problemática de pesquisa a seguinte questão central: quais as possibilidades da prática pedagógica em turma multisseriada da Escola do Assentamento Nova Panema, município de São Sebastião do Passé no período de 2010/2011, a partir de experiências de oficinas pedagógicas e referências da Pedagogia do MST? O objetivo geral é analisar as possibilidades da prática pedagógica na classe multisseriada da escola do Assentamento Nova Panema, no período de 2010/2011. A escola é localizada em área de reforma agrária do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Os objetivos específicos são os seguintes: a) analisar o projeto político-pedagógico da Escola do Assentamento Nova Panema; b) observar oficinas pedagógicas sobre conteúdos de diversas áreas do conhecimento na escola do Assentamento Nova Panema realizadas pela ACC-Educação Popular em Áreas de Reforma Agrária; c) analisar e sistematizar a proposta pedagógica do MST; d) Sistematizar experiências de ensino das diversas áreas do conhecimento nas séries iniciais do ensino fundamental. As hipóteses que levantamos são as seguintes: a) as oficinas pedagógicas que tratam o conhecimento a partir de eixos temáticos são possibilidades de materialização aproximada da pedagogia do MST; b) a educação do campo no Assentamento Nova Panema não tem conseguido se desenvolver de forma adequada devido a problemas estruturais/físicos e pela falta de formação especializada e continuada de professores de turmas seriadas.Os resultados parciais apontam que

existem possibilidades de trato com o conhecimento, das diversas áreas do conhecimento, de forma crítica, participativa e transformadora junto às crianças das séries multisseriadas iniciais do Ensino Fundamental, tendo como referência uma teoria pedagógica crítica baseada na Pedagogia do MST. A partir dessa abordagem da prática pedagógica, utilizadas nas oficinas, a variedade de temas discutidos é um elemento que contribui para a construção de outras formas de trato com os conteúdos na turma multisseriada do Assentamento Nova Panema. Palavras Chave: Educação do Campo; Turmas Multisseriadas; Pedagogia do MST

A ESCOLA* Era uma escola, Muito encantada, Não tinha teto, não tinha nada! Ninguém podia entrar nela não, Porque a escola não tinha chão; Ninguém podia estudar por lá Porque a escola não tinha parede Ninguém podia fazer pipi; Porque banheiro não tinha ali; Mas se transforma com muita luta Com o MST organizado! * Adaptação do poema “A Casa” de Vinicius de Moraes

1. Introdução O presente trabalho refere-se os estudos desenvolvidos no projeto de pesquisa “A Educação do campo para as crianças das séries iniciais no assentamento Nova Panema: Os desafios enfrentados em uma classe multisseriada”, inserido no Programa de Iniciação Científica (PIBIC) da Faculdade de Educação, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). O estudo tem como objetivo principal analisar as possibilidades da prática pedagógica, a partir de oficinas pedagógicas, na classe multisseriada do Assentamento Nova Panema, localizado em área de reforma agrária do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no município de São Sebastião do Passé, no período de 2010/2011. Considerando as dificuldades enfrentadas pela escola do assentamento, no que tange a estrutura física e acompanhamento pedagógico, o projeto de pesquisa busca,

através da observação de oficinas pedagógicas com a classe multisseriada, realizar o experiências com conhecimentos escolares abordados através de oficinas pedagógicas, visando desenvolver assim possibilidades de uma prática pedagógica transformadora com a classe multisseriada do assentamento. Para tanto, as referência da teoria pedagógica utilizadas tem sido a Pedagogia do MST (MST, 1996). Através das atividades do projeto de pesquisa realizadas durante o segundo semestre de 2010, foi possível acumular saberes fundamentais para a explicação e entendimento de dados encontrados sobre a temática de pesquisa em questão. No presente texto, apresentamos inicialmente um breve histórico do surgimento do e organização do MST no Estado da Bahia, que deu origem ao Assentamento Nova Panema. Em seguida, destacamos alguns aspectos que caracterizam a proposta pedagógica do MST, a qual é foco de estudo e de orientação das experiências investigadas acerca da prática pedagógica em turma multisseriada. Finalmente, apresentamos alguns resultados parciais da pesquisa.

2. Breve Histórico da Luta pela Terra no Assentamento Nova Panema No Brasil, a concentração fundiária se iniciou a partir dos primeiros europeus que vieram a nosso país em busca de riquezas e solos férteis para o plantio de monoculturas e extração de outros produtos naturais daqui. Com a chegada dos exploradores há cerca de quinhentos anos atrás, nossas terras brasileiras acabaram passando para o monopólio dos estrangeiros, deixando de ser um bem coletivo para se transformar em privilégio de uma minoria dominante. Assim, a partir das primeiras propriedades privadas, passaram a surgir também as primeiras manifestações sociais de luta contra a expropriação e expulsão da terra. Surgiram no período de 1940, as ligas camponesas que, assim como o Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que se iniciou na década de 1980, teve como objetivo a organização dos camponeses em torno da luta pela reforma agrária no Brasil. Neste contexto de luta pela terra, há 15 anos o MST chegava ao recôncavo baiano com sua ação política mais relevante e transformadora da realidade: a ocupação de terras. E é através dessa ação que, em 1997, o MST ocupou a fazenda Panema, da

empresa Sibra, na região de São Sebastião do Passé, dando origem assim, ao assentamento Nova Panema, que teve sua emissão de posse em fevereiro de 2000. A escola municipal do assentamento Nova Panema que era construída de taipa, há cinco anos desabou, e, atualmente a escola funciona no espaço da associação de moradores da comunidade em caráter provisório. A escola carece tanto de de estrutura básica (espaço físico) para as aulas ocorrerem, como também, de outros elementos como materiais didáticos, falta de funcionários e banheiro. Outro

elemento

problemático

enfrentado

pela

escola

é

o

reduzido

acompanhamento pedagógico e estrutural que a professora da escola obtém por parte do município de São Sebastião do Passé. O exemplo é a precariedade do funcionamento escola, onde toda a responsabilidade referente à escola é deixada nas mãos da professora e da comunidade. A escola funciona em dois turnos, pela manhã, com a turma multisseriada que possui crianças de 05 a 14 anos de idade e, à noite, com uma turma de educação de jovens e adultos (EJA), com aproximadamente doze educandos matriculados, mas com uma baixa freqüência às aulas. Na presente pesquisa, o nosso público alvo é a turma multisseriada da escola do assentamento Nova Panema. Passaremos, a seguir, para a discussão dos elementos que constituem a chamada Pedagogia do MST, a qual se constitui enquanto teoria pedagógica orientadora das experiências em desenvolvimento na presente pesquisa. 3. A Pedagogia do MST enquanto Possibilidades da Prática Pedagógica Através do histórico de lutas do MST por uma educação transformadora, que vai de encontro com os valores que o sistema capitalista atual reproduz, partiremos dos princípios básicos da Educação construídos pelo próprio Movimento com o objetivo de nortear a ação pedagógica de professores e professoras dos assentamentos e acampamentos do Brasil. Conforme

seus

princípios

pedagógicos,

o

Movimento

enfatiza

que

“Consideramos a educação uma das dimensões da formação, entendida tanto no sentido

amplo da formação humana, como no sentido mais restrito de formação de quadros para a nossa organização e para o conjunto das lutas dos trabalhadores.” (MST, 1999, p. 05). Portanto, a formação pedagógica que o MST propõe é a de um novo sujeito social, que não só se educa para saber ler e escrever. Educa-se também na perspectiva de uma nova ordem social, que pressupõe dimensões culturais, política, crítica e transformadora da realidade vigente. O campo brasileiro acaba por ser enquadrado no estereotipo de algo atrasado, alheio a sociedade, como se os sujeitos que nele moram sejam responsáveis apenas por reproduzir e abastecer as cidades, de que para trabalhar com a terra não são necessárias letras, nem competências. Nessa perspectiva, a escola não se faz necessária. Contrapondo-se a isso, a visão educação na cidade é colocada como sinônimo de avanço, de modernidade e progresso. Conforme Caldart (2004, p. 08), “(...) a estreiteza desse equacionamento nos revela como os horizontes políticos e educacionais se encurtam, quando a educação básica, seja da cidade ou do campo, é pensada apenas como transmissão dos saberes e habilidades demandadas pela produção e pelo mercado.”. Assim, ao se pensar nas práticas educativas realizadas para crianças e jovens, voltadas apenas para as leis de mercado, com a reprodução de valores como individualismo, consumismo, típicos do período atual que vivemos, entendemos que essas não contribuem em nada para uma formação de sujeitos sociais que contribuirão para a transformação do quadro social no qual vivemos. Nos seus 26 anos de existência, o MST, busca desconstruir tal concepção através de suas lutas e da construção de uma proposta pedagógica voltada para a educação do ser humano integral, voltada para a educação do campo. A educação, para o MST, é entendida enquanto um dos processos de formação da pessoa humana que está sempre ligada com um determinado projeto político e com uma concepção de mundo. Também é vista como uma das dimensões da formação, entendida tanto no sentido amplo da formação humana, como no sentido mais restrito de formação de quadros para a nossa organização e para o conjunto das lutas dos trabalhadores. (MST,1996, p. 05).

Neste sentido, ao reivindicar a sua própria pedagogia, destaca que esta se caracteriza pelo modo através do qual o Movimento vem historicamente formando o sujeito social de nome Sem Terra, e educando as pessoas que fazem parte dele, no dia a dia de sua organização. O princípio educativo principal desta pedagogia é o próprio Movimento, onde o olhar para este processo pedagógico ajuda a compreender e fazer avançar as experiências de educação e de escola vinculadas ao MST. Esta compreensão ampla de educação, expressada pelo MST, pode ficar mais evidente e compreensível na seguinte afirmação: O MST descobriu que os acampamentos e os assentamentos são uma Escola. Ele acredita que a participação nas mobilizações e nas lutas educam o Sem Terra. Educação que é aprofundada pela reflexão sobre a vida, a prática. (MST, 2000, p. 05). Desta forma, busca resgatar a concepção de educação enquanto formação humana, demonstrando que tem sido esta a prática encontrada no MST desde sua criação, ou seja, a transformação dos “desgarrados da terra” e dos “pobres de tudo” em cidadãos, dispostos a lutar por um lugar digno na história. Hoje, a identidade de ser Sem Terra é indicada como algo que simboliza bem mais do que ser um trabalhador ou uma trabalhadora que não tem terra, ou que luta por ela. O Sem Terra tornou-se (...) uma identidade historicamente construída, primeiro como afirmação de uma condição social: sem-terra, e aos poucos não mais como uma circunstância de vida a ser superada, mas sim como uma identidade de coletivo: somos Sem Terra do MST! (...) Esta identidade fica mais forte à medida que se materializa em um modo de vida, ou seja, que se constitui como cultura, e que projeta transformações no jeito de ser das pessoas e da sociedade, cultivando valores radicalmente humanistas, que se contrapõem aos valores anti-humanos que sustentam a sociedade capitalista atual. (MST, 2001, p. 05).

Assim, para esta construção, o Movimento torna-se a grande escola, onde o coletivo deixa de ser um detalhe, e passa a ser a raiz da pedagogia; que forma novos sujeitos sociais, e que educa seres humanos, não cabendo apenas numa escola. Esta pedagogia torna-se muito maior do que as estruturas da escola, envolvendo a vida como um todo, em que certos processos educativos que sustentam a identidade Sem Terra jamais poderão ser realizados dentro de uma escola.

Ao decidir fazer parte da luta pela terra e pela reforma agrária, o sem-terra opta por sair de seu mundo de isolamento, que é gerado pela exclusão social, passando a fazer parte de uma coletividade, ou seja, o acampamento. Com isso acaba por conquistar uma identidade e vira Sem Terra. Essa vida em coletividade ajuda a constituir as leis que orientam a vida de todos aqueles que ali estão vivendo (o regimento interno). Devido a isto, e a todo processo de luta, afirma o MST: (...) o acampamento vira uma escola: a escola da vida e uma escola de vida. (MST, 2001, p. 14). A proposta pedagógica indica que as escolas do MST também assumem esta mesma lógica de organização e de gestão dos assentamentos e acampamentos. Não sendo apenas uma mera reprodução, mas de forma que os Sem Terrinha1 possam aprender a se organizar, saibam escolher e avaliar seus representantes, e a observar pela vivência, o funcionamento de uma coletividade, tudo isto acompanhados pelas educadoras. E, ainda, para que saibam, ao mesmo tempo, pesquisar, estudar ou aprofundar, analisar, avaliar, propor, trabalhar, ou seja, que participem também de todo o processo educativo. Ao acreditar que o funcionamento da escola também forma, capacita e educa, o MST busca construir uma pedagogia em que não basta a simples troca de conteúdos das disciplinas ou uma diferenciação de uma metodologia de sala de aula. Ao contrário, destaca que a maneira de organizar a escola e as relações sociais que são geradas por esta mesma organização, são tão importantes quanto o conteúdo e a didática. Buscando, assim, uma mudança não apenas do conteúdo, mas também da forma da escola funcionar, de modo a qualificar o processo educativo. Desta forma, quando se fala em educação no MST, englobam-se os seguintes âmbitos: escolas de 1º grau dos assentamentos; escolas (legais ou não) dos acampamentos; alfabetização e pós-alfabetização de jovens e adultos dos acampamentos e assentamentos; educação infantil (0 a 6 anos) nas famílias, nas creches, nas préescolas; escolarização da militância em cursos supletivos ou em cursos alternativos de 1 º , 2º e 3º graus; cursos de formação de professores, de monitores, de educadores infantis, de outros formadores. Assim, apesar do eixo central continuar sendo a escola, esta última passa a ter um sentido bem mais abrangente.

1

Crianças e adolescentes Sem Terra.

A educação não é tratada de maneira isolada de toda uma prática de militância pela transformação social, como se evidencia nos princípios apontados pela pedagogia do Movimento. Destaca-se que a educação é uma particularidade de um projeto mais amplo, pois Com o MST, temos uma mística. Cultivamos símbolos. Temos um jeito de viver e um jeito de falar: ocupamos palavras. Temos um grande objetivo que é a Reforma Agrária. Objetivo este que só se realiza plenamente com o alvorecer de uma sociedade nova. Na caminhada para concretizar este objetivo descobrimos que a vivência dos NOSSOS VALORES ajuda a construir o caminho. Ajuda a resistir contra anti-valores semeados pela sociedade atual. Mais, os Valores é que dão o tempero de nossa ação. Na vivência dos valores nos tornamos mais humanos e mais lutadores e lutadoras. (MST, 2000, p. 05). A partir destas reflexões quanto à compreensão de educação, o Movimento considera que sua escola (...) é uma Escola do Campo, vinculada a um movimento de luta social pela Reforma Agrária no Brasil. Ela é uma escola pública, com participação da comunidade na sua gestão e orientada pela Pedagogia do Movimento, que como vimos, é na verdade o movimento de diversas pedagogias. (...) É uma escola que humaniza quem dela faz parte. E só fará isto se tive o ser humano como centro, com sujeito de direitos, como ser em construção, respeitando as suas temporalidades. A nossa tarefa é formar seres humanos que têm consciência de seus direitos humanos, de sua dignidade. Não podemos tratar os educandos como mercadorias a serem vendidas no mercado de trabalho. Isto é desumanizar, a eles e a nós também. (MST, 2001, p.11).

Outro aspecto de igual importância que se destaca é o papel da escola, onde Uma Escola do MST tem a tarefa de resgatar o amor ao trabalho e a pertença do educando e da comunidade Sem Terra à classe trabalhadora, porque é ela que transforma a natureza com a sua sabedoria e seu esforço físico. A escola pode ajudar a despertar a pertença a uma organização, o MST, e o respeito aos seus símbolos; fazer aflorar o amor ao MST, a ser Sem Terra, a pertencer à terra, a ser parte da terra. Uma Escola do MST é capaz de destacar o valor de ser Sem Terrinha, herdeiros da identidade Sem Terra. Será um dos espaços onde se resgata a memória de eventos importantes para a classe trabalhadora e revela os seus grandes lutadores e lutadoras (MST, 2001, p. 23).

Quanto à compreensão de educando que constitui esta escola, evidencia-se que estes (...) são crianças, adolescentes e ou jovens (com sua temporalidade própria), são do campo (com saberes próprios) e são do MST (herdeiros de identidade Sem Terra em formação). Queremos que os educandos possam ser mais gente e não apenas sabedores de conteúdos ou meros dominadores de competências e habilidades técnicas. Eles precisam aprender a falar, a ler, a calcular, confrontar, dialogar, debater, duvidar, sentir, analisar, relacionar, celebrar, saber articular o pensamento próprio, o sentimento próprio, ... e fazer tudo isto sintonizados com o projeto histórico do MST, que é um projeto de sociedade e de humanidade. Por isto, em nossa Escola é vital que as educadoras cultivem em si e ajudem a cultivar nos educandos a sensibilidade humana, os valores humanos (MST, 2001, p. 11).

A proposta é que os educandos sejam desafiados pelas educadoras a se autoorganizar, com autonomia, bem como a fazer uma opção de escola que desejam construir. Neste sentido, a auto-organização é entendida como o direito dos educandos de se organizarem em coletivos, com tempo e espaço próprios, com a intenção de analisar e discutir suas questões, de elaborar propostas, visando participar como sujeitos da gestão democrática do processo educativo e da escola como um todo. Assim, este espaço torna-se um aprendizado destas práticas na construção do sujeito, devendo ser acompanhado por uma educadora que respeite a autonomia dos educandos. Já a autonomia é vista como a garantia do direito aos educandos de assumirem posturas próprias, sem a tutela das educadoras, de forma a também assumirem a responsabilidade pelas decisões tomadas. Assim, isto exige tempo e espaços em que não sejam as educadoras a fazer a pauta das discussões, coordenarem ou até mesmo participarem das mesmas. Aqui, o papel destas limita-se a alertar para possíveis equívocos de análise e riscos não percebidos durante o processo de aprendizado, de forma a não impor ou propor soluções. Contudo, ressalta-se que algumas destas formas de organização dos educandos já têm acontecido nas escolas do MST, porém se forem combinadas virão a atender o

objetivo da vivência educativa de uma estrutura orgânica mais complexa do que a já existente. Em relação à forma de gestão escolar, a proposta é que esta também garanta os princípios organizativos do Movimento, visando garantir os princípios pedagógicos da gestão democrática, da auto-organização dos estudantes, dos coletivos pedagógicos das educadoras e da participação da comunidade assentada, bem como do MST, no cotidiano da vida escolar. Assim, os principais sujeitos que constituem esta estrutura orgânica da escola são os educandos, as educadoras, a comunidade assentada ou acampada, as instâncias do MST e suas relações nas instâncias da escola. Nesta estrutura orgânica que caracteriza a organização da escola, devem estar presentes os princípios organizativos do MST, principalmente a direção coletiva, como forma de garantir a decisão de todos e a superação do paternalismo e do presidencialismo. Já a divisão de tarefas e funções, deve respeitar as qualidades e aptidões pessoais, prevê o profissionalismo e a disciplina, e busca valorizar a participação de todos de forma a estabelecer responsabilidades individuais. É importante ressaltar que a compreensão de coletivo perpassa por este ser um organismo social vivo, com instâncias, atribuições, responsabilidades, correlações e interdependência entre as partes; e, se isto não existir, também não existirá coletivo, apenas uma aglomeração ou concentração de indivíduos. Neste sentido, destaca-se também a necessidade do planejamento participativo para um bom funcionamento da escola, com a finalidade de garantir a integração nos vários momentos da vida escolar. A avaliação, que também deve ser coletiva, é apontada como fundamental para todo o processo de gestão, de planejamento, de execução, bem como para as relações existentes, pois todos estes processos devem ser continuamente avaliados. Em relação ao processo de avaliação do educando, de acordo com o MST (2001, p. 31), devem ser levados em conta o crescimento da pessoa como ser humano, a formação do seu caráter, a convivência solidária e a participação nas atividades e participação no trabalho. E ainda, o aprendizado escolar e o desenvolvimento

intelectual, juntamente com a capacidade de pensar e de utilizar estes aprendizados na vida prática. Neste contexto, também se amplia o entendimento de quem realmente são as(os) educadoras(es) incluindo-se, dentre estes(as), todas as pessoas que se envolvem diretamente no processo de aprendizagem-ensino realizado pela escola: 

As professoras e os professores, estaduais ou municipais, assentados ou não, que

atuam na escola; 

as funcionárias e funcionários contratados para trabalhar na escola (secretária,

merendeiro, faxineira, trabalhador de campo, ...) e que contribuem com o processo educativo pelo seu exemplo de ser e de fazer e pela sua participação na gestão; 

as voluntárias e os voluntários, normalmente assentados, que atuam como

monitores de oficinas e acompanham os educandos em atividades pedagógicas na escola; e ainda, 

os técnicos que contribuem no assentamento e também atuam no processo

educativo, desenvolvendo assim um trabalho integrado, com os assentados em seus lotes e com os filhos e filhas na escola.

Destaca-se que todas as(os) educadoras(es) precisam de uma formação diferenciada e permanente visando permitir que compreendam o seu papel no processo educativo, devendo estes(as) participar pelo menos do coletivo das(dos) educadoras(es). Ainda, propõe-se que Para ser educadora numa escola como esta é preciso ser apaixonada pela educação, conhecedora da realidade do campo e sensível aos seus problemas; a favor da Reforma Agrária, lutadora do povo e amiga ou militante do MST. É preciso se desafiar a compreender a história do MST e a conhecer as marcas deste Movimento, que é político e pedagógico ao mesmo tempo. Isto implica em procurar entender a cada dia os traços do MST que em seu movimento constrói a sua identidade: o ser Sem Terra. Isto exige: sensibilidade humana e abertura para reeducar nas relações os seus valores; disposição de participar de um processo construído coletivamente pelas educadoras nele inseridas, com a participação ativa dos educandos e de toda comunidade; capacidade de trabalho cooperado, de ser um coletivo educador; romper com a visão de conteúdos e se desafiar a trabalhar saberes e a tratar pedagogicamente a luta, o trabalho, a vida como um todo (MST, 2001:16).

É importante ainda levantarmos a seguinte ênfase apontada pelo MST que ressalta que: A Escola que aqui apresentamos não existe em nenhum lugar na sua totalidade. Mas os seus principais aspectos estão presentes e em funcionamento em muitos lugares. Cada idéia que aparece (...) é fruto de nossas experiências, que estão em processo. O desafio é aproveitarmos os vários passos dados, em lugares diferentes, para avançar em conjunto, sem deixar de respeitar a realidade e a criatividade de cada grupo e de cada lugar. Não queremos dar um modelo mas sim algumas referências para a reflexão do coletivo de cada escola. E uma reflexão que não deve parar nunca, acompanhando o movimento de nossa prática e do conjunto do MST. (MST, 2001, p. 04).

Dessa forma, a presente pesquisa se coloca com a perspectiva de investigação científica das possibilidades de práticas pedagógicas, em turmas multisseriadas, que possam contribuir para a formação humana crítica e transformadora, tendo como princípios orientadores as referências da proposta pedagógica do MST.

4. Resultados Parciais A partir do desenvolvimento do projeto de pesquisa, verificou-se que o projeto político-pedagógico em vigência na Escola do Assentamento Nova Panema é elaborado pela Secretaria do Município de São Sebastião do Passe. Os conteúdos ministrados para a turma multisseriada dessa escola visam ao cumprimento dos preceitos legais presentes na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – Lei nº 9.384/96 - que estabelece o ensino da língua portuguesa, da matemática, do estudo dos conhecimentos do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil, como conteúdos obrigatórios do currículo para as séries iniciais – do 1º ao 5º ano – do ensino fundamental. Avaliando as abordagens pedagógicas utilizadas através das oficinas realizadas na classe multisseriada do assentamento Nova Panema, foi possível observar como os conteúdos das diversas áreas do conhecimento podem ser planejados e executados de

forma crítica, participativa e transformadora junto às crianças das séries multisseriadas iniciais do Ensino Fundamental. Considerando assim, as abordagens da prática pedagógica utilizadas nas oficinas, a variedade de temas discutidos é um elemento que contribui para a construção de outras formas de transmissão de conteúdos e conhecimentos para a turma do assentamento Nova Panema. Contudo, observamos diversos fatores limitantes na realidade escolar estudada. Dentre essas, destacam-se a precariedade da existência escolar oriunda de políticas públicas educacionais que orientam-se historicamente por uma profunda desvalorização da educação pública no Brasil.

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