Prof. Daniel Sica da Cunha

A Questão do Julgamento de Estado estrangeiro pelo Poder Judiciário brasileiro e a Imunidade de Jurisdição Estatal

Competência interna para julgamento do Estado estrangeiro no Brasil: ►Litígio Litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, Estado, Distrito Federal ou Território: competência originária do STF (art. 102, I, “e”, da CRFB/88)

Causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País: competência dos juízes federais (art. 109, II, da CRFB/88) e, em recurso ordinário, do STJ (art. 105, II, “c”, da CRFB/88)

Ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo [...]: Justiça do Trabalho (art. 114, I, da CRFB/88)

Pergunta-se: o Estado estrangeiro está obrigado a se submeter à jurisdição brasileira, quando demandado? Princípio da igualdade entre os (art. 4º, V, da CRFB/88) e o par

non habet judicium/

Estados

in

parem

imperium

► Imunidade de jurisdição (prerrogativa de Estados, organizações internacionais e suas autoridades de não serem submetidos compulsoriamente à jurisdição de outro Estado)

Imunidade de Jurisdição dos Estados: Visão clássica: imunidade absoluta (abrange qualquer ato, salvo renúncia expressa à imunidade ou consentimento expresso em se submeter à jurisdição) ► Visão moderna: imunidade para os atos de império (jure imperium) mas não para os atos de gestão (jure gestionis) Obs.: Leading case: caso Genny de Oliveira vs. República Democrática Alemã (STF. ACi 9696/SP, Tribunal Pleno, Julgado em 31/05/1989)

RECURSO ORDINÁRIO – AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS – DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – DOCUMENTOS EM PODER DA REPÚBLICA DA ITÁLIA – ALEGAÇÃO DE SEGREDO DE ESTADO – CLASSIFICAÇÃO PAUTADA EM ATO DE IMPÉRIO – SOBERANIA – IMUNIDADE ABSOLUTA – INDEFERIMENTO DA INICIAL – DESNECESSIDADE DE CITAÇÃO DA RECORRIDA. 1. A adoção de critérios para conferir segredo de Estado a documentos faz parte da soberania de qualquer nação independente dotada de organização jurídica e política. [...] 3. Se a República da Itália considera sob segredo de Estado os documentos cuja exibição se pretende, e reputa a recorrente inimiga da nação, ambos atos de império, não pode o Poder Judiciário brasileiro afastar a opção política daquele Estado estrangeiro, em face de sua imunidade absoluta no que toca acta jure imperii. (STJ, RO 100/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/03/2010, DJe 18/03/2010)

INTERNACIONAL, CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO MOVIDA CONTRA OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE. INTERVENÇÃO DE CARÁTER POLÍTICO E MILITAR EM APOIO À DEPOSIÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA DO BRASIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. DEMANDA MOVIDA PERANTE A JUSTIÇA FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. ATO DE IMPÉRIO.[...]. II. Caso em que se verifica precipitada a extinção do processo de pronto decretada pelo juízo singular, sem que antes se oportunize ao Estado alienígena a manifestação sobre o eventual desejo de abrir mão de tal prerrogativa e ser demandado perante a Justiça Federal brasileira, nos termos do art. 109, II, da Carta Política. III. Precedentes do STJ. IV. Recurso ordinário parcialmente provido, determinado o retorno dos autos à Vara de origem, para os fins acima. (STJ, RO 57/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/08/2008, DJe 14/09/2009)

Imunidade de Execução dos Estados: Prevalece a visão clássica: “[...], tratando-se da questão pertinente à imunidade de execução (matéria que não se confunde com o tema concernente à imunidade de jurisdição ora em exame), continua, quanto a ela (imunidade de execução), a entendê-la como sendo de caráter absoluto, ressalvadas as hipóteses excepcionais (a) de renúncia, por parte do Estado estrangeiro, à prerrogativa da intangibilidade dos seus próprios bens [...] ou (b) de existência, em território brasileiro, de bens, que, embora pertencentes ao Estado estrangeiro, sejam estranhos, quanto à sua destinação ou utilização, às legações diplomáticas ou representações consulares por ele mantidas em nosso País. [STF. ACO 575, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 01/08/2000, publicado em DJ 18/09/2000 P-00005]

Imunidade Internacionais:

das

Organizações

Prevalece a análise do Tratado constitutivo “[...] 2. Os organismos internacionais, ao contrário dos Estados, são associações disciplinadas, em suas relações, por normas escritas, consubstanciadas nos denominados tratados e/ou acordos de sede. Não têm, portanto, a sua imunidade de jurisdição pautada pela regra costumeira internacional, tradicionalmente aplicável aos Estados estrangeiros. Em relação a eles, segue-se a regra de que a imunidade de jurisdição rege-se pelo que se encontra efetivamente avençado nos referidos tratados de sede. 3. No caso específico da ONU, a imunidade de jurisdição, salvo se objeto de renúncia expressa, encontra-se plenamente assegurada na Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, também conhecida como "Convenção de Londres", ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 27.784/1950. (PROCESSO Nº TST-E-ED-RR-900/2004-019-10-00.9, Relator Ministro Caputo Bastos, Data de Julgamento 03/09/2009)

A Questão da Aplicação dos Tratados pelo Poder Judiciário brasileiro

Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Artigo 38: 1. A Corte, cuja função seja decidir conforme o direito internacional as controvérsias que sejam submetidas, deverá aplicar: a) as convenções internacionais, sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b) o costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita como direito; c) os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas; d) as decisões judiciais e as doutrinas dos publicitários de maior competência das diversas nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito, sem prejuízo do disposto no Artigo 59.

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: [...] III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional; Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969) / Decreto nº 7.030/09: Art. 2.1.a.: “tratado” significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica; Obs.: capacidade das organizações internacionais para celebrar tratados.

Consentimento Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969) / Decreto nº 7.030/09: Art. 2.1.b.: “ratificação”, “aceitação”, “aprovação” e “adesão” significam, conforme o caso, o ato internacional assim denominado pelo qual um Estado estabelece no plano internacional o seu consentimento em obrigar-se por um tratado;

Reservas Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969) / Decreto nº 7.030/09: Art. 2.1.d.: “reserva” significa uma declaração unilateral, qualquer que seja a sua redação ou denominação, feita por um Estado ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado;

Formulação de Reservas (art. 19): Um Estado pode, ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, formular uma reserva, a não ser que: (a) a reserva seja proibida pelo tratado; (b) o tratado disponha que só possam ser formuladas determinadas reservas, entre as quais não figure a reserva em questão; ou (c) nos casos não previstos nas alíneas a e b, a reserva seja incompatível com o objeto e a finalidade do tratado.

A reserva não modifica as disposições do tratado quanto às demais partes no tratado em suas relações inter se. Uma reserva expressamente autorizada por um tratado não requer qualquer aceitação posterior pelos outros Estados contratantes, a não ser que o tratado assim disponha. ► Quando se infere do número dos Estados, assim como do objeto e da finalidade, que a aplicação do tratado na íntegra entre todas as partes é condição essencial para o consentimento de cada uma delas em obrigar-se pelo tratado, uma reserva requer a aceitação de todas as partes.

Entrada em vigor Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969) / Decreto nº 7.030/09: Art. 24: 1. Um tratado entra em vigor na forma e na data previstas no tratado ou acordadas pelos Estados negociadores. [Vigência Diferida – por ex.: quorum + vacatio] 2. Na ausência de tal disposição ou acordo, um tratado entra em vigor tão logo o consentimento em obrigar-se pelo tratado seja manifestado por todos os Estados negociadores. [Vigência Contemporânea]

Exemplo: Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969) / Decreto nº 7.030/09: Art. 84. 1. A presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia que se seguir à data do depósito do trigésimo quinto instrumento de ratificação ou adesão. 2. Para cada Estado que ratificar a Convenção ou a ela aderir após o depósito do trigésimo quinto instrumento de ratificação ou adesão, a Convenção entrará em vigor no trigésimo dia após o depósito, por esse Estado, de seu instrumento de ratificação ou adesão.

Efeitos Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969) / Decreto nº 7.030/09: Art. 26: Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé [pacta sunt servanda]. ► Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969) / Decreto nº 7.030/09: Art. 27: Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado [Direito Interno e Observância de Tratados].

Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969) / Decreto nº 7.030/09: Art. 28: A não ser que uma intenção diferente se evidencie do tratado, ou seja estabelecida de outra forma, suas disposições não obrigam uma parte em relação a um ato ou fato anterior ou a uma situação que deixou de existir antes da entrada em vigor do tratado, em relação a essa parte. [Irretroatividade de Tratados] ► Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969) / Decreto nº 7.030/09: Art. 29: A não ser que uma intenção diferente se evidencie do tratado, ou seja estabelecida de outra forma, um tratado obriga cada uma da partes em relação a todo o seu território [Aplicação Territorial de Tratados]

Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969) / Decreto nº 7.030/09: Art. 34: Um tratado não cria obrigações nem direitos para um terceiro Estado sem o seu consentimento. [Res Inter Alios Acta] Obs.: uma obrigação ou um direito nascem para um terceiro Estado de uma disposição de um tratado se as partes no tratado tiverem a intenção e o terceiro Estado aceitar [no caso de obrigação, o Estado deve aceitá-la expressamente, por escrito; no caso de direito, presume-se o seu consentimento até indicação em contrário]

Fases e Incorporação ao Direito Interno: CRFB/88, art. 21, I: Compete à União: I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais; CRFB/88, art. 84, VII: Compete privativamente ao Presidente da República: manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos; CRFB/88, art. 84, VIII: Compete privativamente ao Presidente da República: celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

Negociação [Adoção de texto pelo Consentimento de todos, exceto nas Conferências Internacionais, em que o texto é adotado por 2/3 dos presentes e votantes]. Assinatura [Autenticação do texto] ► Aprovação/Referendo [CRFB/88, art. 49, I: É da competência exclusiva do Congresso Nacional: resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional]; [Decreto-legislativo]

Ratificação [Ato internacional pelo qual o Estado confirma o tratado, após a aprovação interna] [Depósito ou troca dos instrumentos] [Ato discricionário] [Efeitos internacionais] Promulgação [Ato interno pelo qual o governo do Estado afirma a existência do tratado e ordena sua execução] [Decreto] [Efeitos internos] ► Registro [após sua entrada em vigor, os tratados serão remetidos ao Secretariado das Nações Unidas para fins de registro ou de classificação e catalogação, conforme o caso, bem como de publicação]

Conflito entre Tratado e norma de Direito Interno Tratados com valor constitucional [versam sobre direitos humanos aprovados pelo rito do art. 5º, § 3º (EC nº 45/2004)] ► Tratados com valor supralegal [versam sobre direitos humanos (i) incorporados antes da EC nº 45/2004 ou (ii) após a EC nº 45/2004, desde que não tenham observado o rito do art. 5º, § 3º] [STF: Voto do Ministro Gilmar Mendes no HC 87.585 e no RE 466.343 ] ► Tratados com valor legal [vide: STF: RE 80.004 (1977) e ADI 1.480-3]

DECRETO Nº 6.949, DE 25 DE AGOSTO DE 2009. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição quelhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo n.186, de 9 de julho de 2008, conforme o procedimento do 3ºdo art. 5º da Constituição, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007; Considerando que o Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação dos referidos atos junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas em 01 de agosto de 2008; Considerando que os atos internacionais em apreço entraram em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, em 31 de agosto de 2008; DECRETA: Art. 1. A convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, apensos por cópia ao presente Decreto, serão executados e cumpridos tão inteiramente como neles se contém.

Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988: Art. 5º, LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel; Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992: Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969: Art. 7.7. 7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. Código Civil: Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido serácompelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.