Positivismo e construção de modelos na Antropologia

Positivismo e construção de modelos na Antropologia R oberto C abdoso de O l iv e ib a B arry H indess, um Lecturer em Sociologia n a U niversidade de...
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Positivismo e construção de modelos na Antropologia R oberto C abdoso de O l iv e ib a B arry H indess, um Lecturer em Sociologia n a U niversidade de Liverpool, e a u to r de alg u n s livros de in discutível interesse, como T h e D ecline o f W orking Class P olitics (1971), T h e Use of O fficial S ta tístic ín Sociology (1973) e P re-C apitalist M odes of Production (1975), este últim o escrito por P. Q. H irst (e já traduzido p a ra o portug u ês — Z ah ar, 1976), in cu rsio n a agora, com este seu Philosophy itnã M ethodology in th e Social Sciences (1977) *, no cam po da filoso­ fia e da m etodologia em ciências sociais com um objetivo bem de­ lineado: a dem olição da epistem ologia e dos d iferen tes racionalism os e em pirism cs que lh e dão g uarida. Propõe-se, assim , a u m a crítica das epistem ologias fenom enológicas (W eber, S chutz e H usserl) e p o ­ sitivistas (Mill, M ach, C arn ap e P opper) seguindo ap ro x im ad am en te u m a lin h a a lth u sse ria n a , ou n ela se in sp iran d o. S ua crítica recai sobre algum as m odalidades de positivism o que se m a n ife sta m num co n ju n to selecionado de au to res, especialm ents filósofos e lógicos, e n u m ou n o u tro c ie n tista social. M ax W eber é o sociólogo que m e­ rece su a m aio r atenção, cabendo a P arso n s e a um antropólogo como L évi-S trauss referên cias quase episódicas. Em ú ltim a análise, seu livro p re te n d e ser u m a a n á te m a c o n tra to d a e qualquer epis­ tem ologia, por ele d efin id a como “a te o ria em que o conhecim ento é concebido em term o s de u m a distinção e u m a correspondência e n tre dois re in o s”, e n tre o reino de conhecimento, de proposições, conceitos, crenças, etc. e um reino de objetos, variadamente concebidos como “objetos reais”, fenômenos, experiência, “ dados-de-pereepçãc sensorial”, “o dado”, etc. (p. 4). • New Jersey, Humanities Press Inc., Atlantic Highlands, 1977. 173

A epistem ologia seria assim um a disciplina com prom etida desde os seus prim órdios com a essência d a p o stu ra positivista. A sepa­ ração desses dois reinos, que de n e n h u m modo é in e re n te ap en as ao em piricism o, m as e stá p resen te n a p ró p ria origem do ra cio n a lismo, como o cartesian ism o com prova eloqüentem ente, é resp o n sá­ vel, segundo H indess — e com ele h á de se co n cordar — pela m aio­ ria dos equívocos e n co n trad o s n a s filosofias e n a s m etodologias das ciências sociais. E n tre ta n to , n em sem pre o A utor consegue d e m o n stra r esses equí­ vocos, lim itan d o -se com u m a freqüência su rp re e n d en te a ac u sa r de Irracio n alistas, dogm áticos ou especulativos todos os a u to re s que to m a p a ra exam e. É assim que, sobre W eber, conclui dizendo que “Mesmo ao nível m ais técnico, a m etodologia de W eber fa lh a to ta l­ m en te ao escap ar do relativism o e irracionalism o de sua m ais ge­ ra l epistem ologia e m e ta físic a ” (p. 48); sobre S chutz conclui o ca ­ p ítulo a ele dedicado afirm a n d o que “a ciência social de Schutz não é ciên cia”. E com c e rta razão com pleta: Ê um produto complexo de seu humanismo, uma ideologia teórica ratificando em seus “resultados” sua própria premissa necessária e inquestionável: de que “o pensamento objetivo do mundo” pode ser reduzido ao comportamento de indivíduos. O custo de seu humanismo é um mundo social em que não há leis sociais ou históricas; no qual não há possibilidade de ação política racional (p. 77).

Q uanto a H usserl, H indess n ão é m enos cáustico, a in d a que lh e reconheça u m a dim ensão filosófica e x tra o rd in a riam e n te rica, jam ais com preendia p o r S ch u tz que p re te n d e u intro d uzi-lo n a sociologia n o rte -a m e rica n a . E m bora p a re ç a com preender o rig o r do a n ti-p sicologismo de H usserl, in te rp re ta -o como “um a epistem ologia” que n ã o a p re se n ta soluções aos próprios problem as que coloca, caindo numa filosofia especulativa da história que com seu modo de causalidade expressiva e a conseqüentemente neces­ sária recusa das ciências é o último refúgio teórico da categoria empiricista do sujeito (p. 112).

Se a c rític a de H indess a W eber e, sobretudo, a S chutz a p re se n ta alguns p ontos b a s ta n te sugestivos, como o leito r p o derá por si p ró ­ prio av aliar, a crítica que dirige a H usserl em pobrece enorm em ente o filósofo, p ra tic a m e n te caricatu rizan d o -o de form a a to rn á -lo irre ­ conhecível.

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Os q u atro capítulos seguintes p erco rrem o u tra g am a de " irra cionalism os” e “espeeulações” — p a ra o A utor m ais c laram en te po­ sitivistas e em p iricistas do que os considerados nos capítulos a n te ­ riores e m enos “escam oteados” pelo m a n to da fenom enologia. Essa pelo m enos é a idéia que H indess parece p re te n d e r d a r ao leitor. Ao c a ra c te riz a r o lu g a r do “fa to ” e d a “te o ria ” no positivism o, to m a a obra de Mill, A S y ste m o f Logic, ju n ta m e n te com a de M ach, T he A nalysis o f S ensations, e T he Logical S tru c tu re of th e W orld, de C arnap, p a ra m o s tra r que, m algrado a s respectivas epistem ologias que elas supõem a p re se n ta re m algum a diversidade — das m ais cruas, como a de Mill e a de M ach, às m ais sofisticadas, como a de C arn ap —, to d as se inserem n u m tipo de positivism o onde “n e n h u m a po­ sição epistem ológica co eren tem en te lógica e racio n alm en te d efensá­ vel pode ser estab elecid a” (p. 134). E a n te s de se e n c a m in h a r p a ra um a avaliação sistem ática de Popper — que fa rá no penúltim o ca ­ p ítu lo do livro —, d etém -se a e x a m in a r o que c h am a de “th e epistemology o f m o ã el-b u ld in g ”, apo ian d o -se p a ra ta n to — e n tre outros au to res — em alg u m as passagens de L évi-S trauss (especificam ente n a versão inglesa de seus livros A nthropologie Stru ctu ra le e La P ensée Sauvage, e trazen d o a antropologia, a in d a que por u m m o ­ m ento, ao c en tro de su as preocupações. A epistem ologia de que se tr a ta aqui está e s trita m e n te v inculada à co n stru ção de modelos, sen ­ do defin id a como u m a d isciplina em que “o conhecim ento científico é m encionado p a r a ser produzido a tra v é s d a construção e m a n ip u ­ lação de m odelos” (p. 142). T am bém ta l epistem ologia não escapa a u m a avaliação ta x a tiv a , segundo a qual ela “rep re se n ta u m a fo r­ m a d e ’concepção em p iricista de conhecim ento que é tã o vaga e im ­ precisa q u an to v azia” (p. 163). V oltarem os a isso ad ia n te. No c a ­ pítulo seguinte, H indess tr a t a de Popper, de su a teo ria da ciência e de su a m etodologia, d en o m in ad a de “criticism o ra cio n a l”. É c er­ ta m e n te o seu m elh o r capítulo, en q u an to p ro c u ra d esm ontar a epis­ tem ologia p o p p erian a, p a ra d iag n o sticá-la como sendo p ro fu n d a ­ m en te dogm ática. Não há sen&o fé cega e dogmatismo vazio para apoiar a perspectiva segundo a qual o “criticismo racional” contribui para o crescimento do conhecimento. Na ausência de tal fé deve parecer que o jogo da ciência é inteiramente destrutivo: pode mostrar que as teorias são falsas mas nada têm de po­ sitivo a oferecer. Porém, — questiona Hindess — sempre pode­ rá mostrar que as teorias são falsas? A doutrina das decisões metodológicas de Popper e seus reparos sobre a função do treino dos cientistas sugere que o processo do teste dedutivo pode não prover bases racionais para a rejeição de qualquer teoria

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que não resista ao teste. Vimos — continua Hindess — que nenhum teste pode ser sempre logicamente conclusivo de modo que a "refutação” de uma teoria é um assunto de decisões, convenções e formas de treino (p. 179-180).

Os arg u m en to s que H indess aduz como su sten taç ão de sua c rí­ tic a a Popper nos p arecem b a s ta n te p e rtin e n te s e podem rev elar ao le ito r aspectos n ão negligenciáveis do que se p oderia c h a m a r — ta l­ vez c o n tra o próprio p ro je to de H indess — u m a “boa le itu ra epistem ológica” Em prim eiro lugar, p arece que H indess n ão se apercebeu in te i­ ra m e n te de que, ao c ritic a r tão sistem aticam en te as intervenções d a epistem ologia e d a filosofia n a s ciências socais, acabou por co­ m eter ig u al in tervenção, tra ta n d o la rg a m e n te das ciências sociais baseado, quase que exclusivam ente, em filosofias, epistem ologias e m etodologias e n ão n a an álise de discursos efetiv am en te científicos, qualquer que seja a concepção de ciência que o a u to r (ev en tu al­ m en te exam inado) possa te r. É assim que H indess co n cen tra seu fogo c o n tra o em pirism o e o positivism o que vicejam e n tre autores que fa la m sobre ciência, m as n ã o a fa ze m ; é o caso de H usserl, de C arnap. de M ach, de Schutz, de Popper. Em segundo lugar, quando t r a ta daqueles que têm p o r ofício a produção d a ciência, como W eber, P arso n s ou L évi-Strauss, deles focaliza u n icam en te seus trab alh o s teórico-m etodológicos (p o rta n to lim itan d o -se o nosso A utor a um a proposta n itid a m e n te epistem ológica) e deixando de lado suas m o­ nografias, seus tra b a lh o s substantivos. É certo qus são au to res con­ vidativos p a ra esse tipo d e reflexão, u m a vez que eles, por si p ró ­ prios, ja m a is se fu rta ra m a d iscu tir a questão de com o conhecer e qual a especificidade do conhecim ento sociológico (vis à vis a n tro p o ­ lógico). Porém , caberia p e rg u n ta r se com a sep aração a rtific ia l des­ ses au to res de suas obras su b stan tiv as n ão se e sta ria encam in h an d o o leito r m enos avisado a "ju lg a r” ta n to W eber e P a rso n como Lévi-S tra u s s exclusivam ente pelos aspectos epistem ológicos de suas obras? C e n tra isso, creio que o le ito r deve se precaver. Pois deve te r em m e n te que H indess n ão quer dem olir a p e n a s as epistem ologias e m etodologias ex am in ad as; q u er dem olir a epistem ologia e a m etodo­ logia. P ro g ram a — tem os de co ncordar — co n sisten te com um a pos­ tu r a teó rica segundo a q u al é n a história de u m a disciplina que te ­ m os condição de av a lia r a s condições e os lim ites de sua eficácia n a construção do conhecim ento. V ejam os a su a proposta com suas pró p rias p alav ras:

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Eu não proponho qualquer metodologia ou epistemologia como alternativa às posições criticadas aqui. Ao contrário, eu argumento que os problemas que essas disciplinas colocam são falsos problemas e que eles surgem somente como uma função de uma concepção de conhecimento que pode ser mostrada como sendo fundamentalmente e inevitavelmente incoerente. A epistemologia e doutrinas derivadas, tais como a metodologia e a filosofia da ciência, não tem fundamentação racional ou coerente. Em particular, pois, não pode haver metodologia prepcritiva racional ou coerente (p. 2).

C erto; m as a té que ponto a s m etodologias e as epistem ologlas exam in ad as, a p licad as pelos sociólogos e pelo antropólogo “com pro­ m e te ra m ” e fetiv am en te os resu ltad o s científicos alcançados? Todos os resu ltad o s? A lguns? Q uais? As respostas a essas p e rg u n ta s — que c erta m e n te n ão in te re ssa ra m a H indess — seriam fu n d am en ta is, so­ b retu d o p a ra d e m o n stra r em cada caso a que am bigüidades e “in ­ coerências”, “d o u trin a s filosóficas” e “prescrições m etodológicas” pode lev ar a pesquisa concreta. P o r o u tro lado, em su a arg u m en tação c o n tra “to d as as form as de epistem ologias”, H indess se apoia em A lthusser e desenvolve su as idéias no últim o capítulo do livro, cum prindo o que prom ete n a in ­ trodução : Uma crítica conclusiva da epistemologia em todas as suas formas foi esboçada por Althusser em sua análise da estrutura da “concepção empiricista de conhecimento”. ( . . . ) Para os propósitos desta Introdução é suficiente dizer que o conceito de Althusser de “concepção empiricista de conhecimento” de­ signa uma concepção que contrapõe sujeito a objeto, conheci­ mento a ser, teoria a fato, e assim por diante, e que representa conhecimento genuíno como uma função de um processo que transpõe a distinção entre conhecimento e objeto (p. 5).

Nesse sentido, to d a e qualquer epistem ologia to m a u m a ou o u tra, quando n ã o v árias dessas oposições. A concepção de conhecim ento p a ra ta is epistem ologias seria, assim , “u m a fun ção d a fo rm a p a r­ tic u la r” em que essas oposições são concebidas. Porém , H indess m esm o concordando com essa visão a lth u sse ria n a d a epistem ologia, n ã o a ise n ta de desvios racio n alistas, c o n tra os quais — segundo o nosso A utor — h á de se precaver. Eu não proponho uma teoria do discurso como a realização de um logos. Ao contrário, tenho argumentado que a concepção racionalista da produção do discurso teórico é meramente um caso particular de uma concepção racionalista mais geral de ação em que o mundo, ou alguma parte particular dele, é con­ cebido como a realização da idéia (p. 227).

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A lthusser parece n ão escap ar dessa te n ta ç ã o em sua in te rp re ta ­ ção do m arxism o, conform e conclui H indess: Esse colapso de um dos mais sofisticados intérpretes con­ temporâneos do marxismo e a crítica mais rigorosa da epistemologia clássica numa racionalista, e por conseguinte idealista, concepção da produção do discurso teórico pode servir — con­ clui Hindess — como índice dos perigos com que nos confron­ tamos nesta área (p. 228).

O que dizer desse a té certo ponto su rp reen d en te livro? P reli­ m in arm e n te , h á de se concordar que o seu ap arecim ento no meio anglo-saxão é por si só a lta m e n te saudável, pois é d e n tro das p ró ­ p rias hostes do positivism o e do em piricism o que surge um a crítica tã o decidida. Tem a seu favor o fato de n ão se f u r ta r a subm eter à m esm a crítica n e n h u m dos au to res referidos, nem sequer A lthusser — seu m aio r in sp ira d o r no p ro g ram a a n ti-p o sitiv ista a que se propôs. A crítica que d evota sistem aticam en te a to d as as m an ifes­ tações daquelas p o stu ra s epistem ológicas que h ostiliza não é, e n tre ­ ta n to , suficien tem en te cuidadosa e su ficien tem ente conclusiva p a ra n ão nos deix ar n u m m a r de in terrogações inevitáveis. A im pressão que H indess nos d á em m u ita s de suas c ríticas — ain d a que não em to d as ce rta m e n te — é que elas são tã o a p ressad as e sim plifica­ das q uanto, em alguns casos, e x tre m a m e n te superficiais. A que de­ dica a H usserl p o r exem plo — salvo m elh o r juízo — parece cair n e sta ú ltim a categoria. M as q u an to à que faz a L évi-Strauss, não tem os dúvida n e n h u m a sobre seu simplism o. Como se t r a t a do único antropólogo a te r a tra íd o a aten ção do nosso A utor, urge que re ­ flitam os um pouco sobre isso. A rigor, H indess n ão é n a d a original em sua “descoberta” que poderia ser resum ida em dois pontos: prim eiro, que p a ra L évi-S trauss os fato s devem ser cu idadosam ente descritos sem qualquer “precon­ ceito teórico”, afirm ação que p a ra H indess rev elaria um a p o stu ra basicam en te positivista n a m edida em que im p licaria um a não o rien­ taç ão d a coleta de dados pela teoria. Segundo, que o inconsciente — de p apel tão p re p o n d e ra n te n a te o ria e s tru tu ra lista — só se su ste n ta ria à base de u m a p o stu ra epistem ológica n a tu ra lista , a r ti­ culando as d eterm inações sociais, psicológicas e genéticas (estas, provavelm ente, via córtex c e re b ral); tam b ém aqui não só o conhe­ cim ento m as a realid ad e objeto de conhecim ento seria, em ú ltim a análise, a p ró p ria n a tu re z a : “o fu n cio n am en to inconsciente do p e n ­ sam en to pode g e ra r conhecim ento u n ic a m e n te porque suas e s tru tu ­ ra s correspondem a c e rta s c a ra c terístic a s do m undo” (p. 161). Con­

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ceda-se a “desco b erta” m as reconheça-se, p o r o u tro lado, que esses aspectos ditos p o sitiv istas n a obra de L évi-S trauss n ã o podem ser tom ados iso lad am en te e in a b stracto sem o risco de reduzirm os o a n ­ tropólogo a c a ra c te rístic a s que n ã o lhe são a b so lu tam en te centrais. O que lh e é c e n tra l — e H indess n ão a p o n ta — é o privilegiam ento, ou o rein ad o quase absoluto, d a razão a n a lític a em detrim ento, q u a ­ se um a anulação, da razão d ialética. O positivism o de L évi-S trauss está aí, n u m tip o de racionalidade tã o bem criticado por S a rtre em su a Critique de la R azo n D ialectique, n ã o nesse em piricism o dos m o­ delos que ncsso a u to r p re te n d e v er em L évi-S trauss. O uso que Lévi-S tra u ss faz da noção de modelo — que H indess viu a trav és desse viéz — revela algo que nos parece fu n d a m e n ta l p a ra diferenciá-lo do u suário típico — p o sitiv ista e em p iricista — dos modelos. O a n á te m a de “em p iricista” aplicado a L évi-S trauss e a todos os outro s que se filiam — segundo H indess — à “epistem ologia de construção de m odelos”, repousa nessa ordem de argum entos. U m a arg u m en tação desse tip o dirige a crítica a p e n a s n u m ponto do estru tu ra lism o que, sobre ser relev an te, em absoluto pode se co n stitu ir no foco privilegiado de u m a crítica m ais consistente ao uso d a n o ­ ção de m odelo. Pelo m enos h á de se a d m itir que o assu n to é bem m ais controvertido do que p oderia p a re c e r ao nosso Autor. C ríticas m ais p e n e tra n te s vam cs e n c o n tra r, p o r exem plo, em au to re s como D an S p erber (‘Le S tru c tu ra lism e en A nthropologie”, in Qu’est-ce que la structuralism e? P aris, Seuil, 1968) ou como A lain B adiou Le Con cept de Modèle. P aris, M aspero, 1968), este últim o, aliás, citado por Hindess, porém , ao que podem os in fe rir, p o r ele m uito pouco a p ro ­ veitado. P a ra B adiou as dem onstrações de L évi-S trauss atrav és do uso que faz de m odelos e sta ria m com prom etidas com um m a sc ara m ento ideológico de um conceito de ordem lógico-m atem ática que não o h a b ilita a p re te n d e r a cien tificid ad e (cf. Pierre Cressant, L éviS tra u ss■ P aris, E ditions U niversitaires, 1970, p. 87, au to r, p o r sinal, de um a in te re ssa n te le itu ra a lth u sse rla n a de L évi-S trauss). A c rítica "cie B adiou n ão c o n te sta a p en as L évi-S trauss, m as~a~própriãr~noção de modelo e ela é p e rfe ita m en te conseqüente com suas bases a lth u sserianas. J á Sperber, sem d e stru ir a noção de modelo, te n ta recuperá - la revelando a p en as o c a rá te r pouco rigoroso de seu uso por LéviS trauss. As crític a s assim se dividem e n tre a acusação de um posi­ tivism o evidenciado pelo uso de m odelos e a de u m a aplicação pouco rigorosa (pouco p o sitiv ista?) desses m esm os modelos. P ierre C ressan t a rtic u la to d as essas críticas e, certam en te, é bem m ais feliz do que Hindess. R ecom endam os p o r isso ao leito r o ro teiro indfcado p o r

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C ressan t como u m a boa a lte rn a tiv a a u m a crítica m ais segura ao uso de m odelos n a antro p o lo g ia e stru tu ra l. F in alm en te, cab eria a c re sc en ta r ap en as — p a ra n ão nos alo n g ar­ m os m ais n estes co m entários — que as in te rp re ta çõ e s sobre o uso de m odelos p o r L évi-S trau ss n ão se esgotam n a s que, como a s aqui tra ta d a s , vêem n a co n stru ção de m odelos u m pecado positivista des­ tin a d o à e te rn a expiação. R efiro-m e especialm ente à le itu ra que M aurice G odelier nos d á de L évi-S trauss e que, fosse ela levada em conta, quem sabe teríam o s tid o um desenvolvim ento do assu n to b as­ ta n te d iferen te daquele que H indess nos ofereceu. E m prim eiro lu ­ gar, G odelier n ão to m a o m odelo separado d a noção lé v i-strau ssia n a de e stru tu ra ; em segundo lu g ar, p ro c u ra a p a rta r-s e daquilo que c h a ­ m a de “em pirism o id e a lista ” a que se filiam au to res como L each que negam à e s tru tu ra q ualquer realidade. Assim escreve Godelier: . . . para Lévi-Strauss como para Marx, as estruturas não são realidades diretamente visíveis e observáveis mas níveis da realidade que existem além das relações visíveis dos homens entre si e cujo funcionamento constitui a lógica profunda de um sistema social, a ordem subjacente a partir da qual deve-se explicar sua ordem aparente.

E c o n tin u a G odelier rep o rtan d o -se ao tex to que tem servido de ponto de su sten tação d a “epistem ologia de construção de m odelos” de que n os fa la H indess: É este o sentido da célebre fórmula de Lévi-Strauss que Leach e certos estruturalistas quiseram interpretar em um sentimento idealista e formalista privilegiando a primeira frase em detrimento da segunda: “O princípio fundamental é que a noção de estrutura social não se liga à realidade empírica mas aos modelos construídos em conformidade com esta. As rela­ ções sociais são a matéria prima empregada para a construção de modelos que tomam m anifesta a própria estrutura social” (Godelier, “Anthropologie et Economie”, in Horizon, trajets m arxistes en anthropologie. Paris, Maspero, 1973, p. 57).

As controvérsias estão a í e p a ra o leito r in teressad o n a co n stru ­ ção do conhecim ento n a s ciências sociais em g eral e n a antropologia em p a rtic u la r, P hilosophy a n ã M ethoâology in th e Social Sciences — em que pesem a s reservas que fizem os e to d a s a s interrogações que propusem os ao longo desses com entários — deverá ser um livro es­ tim u la n te . Ao leito r especialm ente voltado p a ra a s questões epistem ológicas p ropostas pela antro p o lo g ia e stru tu ra l, a incursão do A utor n a crítica a L évi-S trau ss teve o m érito, ao m enos, de nos c h a m a r

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a aten ção sobre a existência do perigo positivista in e re n te em epistem ologias d evotadas à co nstrução de m odelos. A distinção evocada p or B ourdleu e seus associados (P. B ourdieu, J-C l. C ham boredon e J-C l. P asseron, Le M étier de Socíologue. P a ris, M outon, 1973, p. 76 1 e n tre “modelos m im éticos”, co n cern en tes a relações de sem elhança, e “m odelos analógicos”, co n cern en tes a relações analógicas, os p ri­ m eiros aplicados n a rep ro d u ção do objeto em su a exterioridade e os segundos dedicados à ap reen são dos p rin cíp io s su bjacentes, interiores à re alid a d e que in te rp re ta m , oferece-nos u m a via b a sta n te fecu n d a p a ra discernirm os im p o rta n te s diferen ças no uso da noção de m o­ delo, am p lian d o com isso a visão um pouco e stre ita que nos oferece H indess. E n q u an to o m odelo m im ético e s ta ria com prom etido com um a inevitável p o stu ra positivista, o analógico não, necessariam ente. No caso de L évi-S trauss, o uso claro que faz do modelo analógico parece, a in d a , envolver u m a posição te ó ric a prévia, precisam ente aquela que nos h a b itu a m o s a c u n h a r d e “teo ria e s tru tu ra lis ta ”, re s­ ponsável p o r um conceito de realid ad e social e de como conhecê-la, e onde a p ró p ria noção de e s tru tu ra , sob rep u jan do a de modelo — m esm o analógico — é crucial. Seguindo Rousseau, e de forma decisiva, Marx ensinou, observa Claude Lévi-Strauss, que a ciência social não se baseia no plano dos acontecimentos tanto quanto a física a partir dos dados da sensibilidade: a finalidade é construir um modelo, es­ tudar suas propriedades e as diferentes maneiras em que ele reage no laboratório, para aplicar em seguida estas observações na interpretação daquilo que se passa empiricamente (Tristes Tropiques, Paris, PIon, 1956, p. 49, apuâ Bourdieu et alii, o.c., p. 77).

Ao categ o rizar tud o isso com o estig m a de em piricista ou de po­ sitivista, a rrisc a -se o A utor a cair n u m sim plism o inaceitável, q u a n ­ do não n u m a fa lá c ia que o leitor, p o r certo, h a v e rá de elidir.

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