COSTURAS ESTÉTICAS: O COTIDIANO NO ENSINO DA ARTE

COSTURAS ESTÉTICAS: O COTIDIANO NO ENSINO DA ARTE Elza Aparecida de Oliveira1 – UNIVALI Aline Amaral de Freitas2 – UNIVALI Andréia Regina Bazzo3 – UNI...
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COSTURAS ESTÉTICAS: O COTIDIANO NO ENSINO DA ARTE Elza Aparecida de Oliveira1 – UNIVALI Aline Amaral de Freitas2 – UNIVALI Andréia Regina Bazzo3 – UNIVALI Grupo de Trabalho – Educação, Arte e Movimento Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo A apropriação da estética do cotidiano como uma proposta a ser explorada no ensino da arte, constitui para a escola um cenário de possibilidades para o desenvolvimento de práticas pedagógicas que enriquecem e aproximam os sujeitos do seu contexto cultural por meio de uma educação voltada para o sensível. Para discutir questões acerca desse tema, foi proposta uma vivência estética prática que abordasse esse conceito. A ação relatada nesse artigo, foi aplicada para um grupo de mestrandos e doutorandos do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade do Vale do Itajaí, durante o Seminário de Ensino da Arte e Formação Estética no primeiro semestre de 2014. A problemática central a ser refletida com esses sujeitos era a discussão sobre as razões de inserir, nos espaços educativos, abordagens relacionadas à estética do cotidiano e a multiculturalidade como agente multiplicador dessa estética. A metodologia aplicada durante todo o processo foi a sensibilização dos participantes ao estimular e valorizar a produção de seus “fazeres especiais” e a partir destes construir uma narrativa que sirva de referência para a elaboração de suas próprias práticas e de ampliação do seu repertório artístico ao propor uma ligação entre esses fazeres e a produção contemporânea em arte. Essas reflexões foram fundamentadas nas abordagens de Richter (2008), Duarte Júnior (1981) e Mason (2001), que se constituíram no aporte teórico da atividade. O objetivo geral desta prática foi propor aos participantes uma vivência prática com a proposta da estética do cotidiano e o multiculturalismo e teve como resultado a reflexão, sensibilização e estímulo com vistas à abordagem de ensino voltada para a estética do cotidiano e a multiculturalidade diante de tantas diversidades, destacando a necessidade da educação do olhar, considerando novas perspectivas de ensinar e sobretudo o que ensinar. Palavras-chave: Estética do Cotidiano. Vivência Estética. Ensino da Arte.

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Designer de interiores, especialista em Arteterapia e mestranda do programa de Pós Graduação em Educação na Universidade do vale do Itajaí. Professora do curso superior de Tecnologia em Design de Interiores e do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Vale do Itajaí. 2 Especialista em História Cultural, licenciada em Artes Visuais e mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade do Vale do Itajaí. 3 Mestre em Educação do programa de Pós Graduação Em Educação da Universidade do Vale do Itajaí. Professora de Arte do Instituto Federal Catarinense, Campus Camboriú.

ISSN 2176-1396

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Introdução A abordagem da estética do cotidiano como estratégia para o ensino da arte é uma possibilidade de proporcionar aos alunos e professores uma maior aproximação com o território artístico e estético percebido no dia a dia das pessoas. Para ensinar arte, Richter (2008) afirma que é preciso preservar o encantamento do universo estético do sujeito, defendendo uma educação intercultural que prioriza a integralidade do indivíduo e de sua cultura por meio de uma educação voltada para o sensível que pode ser um campo de exploração de práticas pedagógicas. Com base nessa proposição foi elaborada e aplicada uma vivência estética com o objetivo de propor aos participantes uma prática com a proposta da estética do cotidiano e o multiculturalismo. Como objetivos específicos norteadores dessa ação destacam-se: (1) identificar os conceitos de estética do cotidiano; (2) salientar a importância da experiência e vivência estética no cotidiano das pessoas; (3) fomentar novos olhares na perspectiva dessa estética para o ensino da arte. Duarte Júnior (1981) que é defensor do pensamento acerca da importância da estética na educação, é um aliado de Richter quando atesta que a arte é produto de uma cultura e de um determinado período histórico, onde os sentimentos de um povo com relação às questões humanas são expressados. A estética na educação permite o acesso ao desenvolvimento cultural e atua como promotora de significações e valores estéticos de uma determinada época e do ambiente no qual o indivíduo vive. Acredita que a vida é mais esteticamente vivida quanto mais as ações desempenhadas no cotidiano se aproximam do sentido que efetivamente se dá à própria existência, promovendo um equilíbrio e coerência entre o sentir, pensar e o agir diário (DUARTE JÚNIOR, 1981). Essa percepção estética no dia a dia tira as ações da funcionalidade e mecanização a fim de resgatar a relação humana com a rotina e o cotidiano. Nesse sentido o autor comenta que “[...] educar-se é, primeiramente, adquirir a ‘visão de mundo’ da cultura a que se pertence; educar-se diz respeito ao aprendizado de valores e dos sentimentos que estruturam a comunidade na qual vivemos” (DUARTE JUNIOR, 1981, p. 59). Pensar o ensino da arte numa perspectiva de envolver ações da comunidade, incluir a visão para quem se ensina e resgatar o humano é entender a arte como elemento cultural e como maneira de ampliar as possibilidades de apropriação da arte e valorização do universo cultural e estético dos sujeitos pela significação que terão com a arte.

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A proposta de Richter (2008) é fazer das diferenças e do universo pessoal dos(as) alunos(as) uma oportunidade de aprendizado de conteúdos artísticos, com produções da arte contemporânea, que utilizam-se do mesmo referencial de trabalho do ambiente diário dos sujeitos e rompem com as barreiras entre arte erudita e popular, aproximando o mundo da arte do mundo dos sujeitos. A estética do cotidiano fala da visão estética trazida de casa, do âmbito familiar, e perceber e explorar como essa micro estética está relacionada ao modo como cada indivíduo se organiza enquanto sujeito, e como poderia contribuir para estreitar o vínculo entre a escola e as diversas culturas que habitam o espaço escolar, foi sem dúvida um dos interesses perseguidos pela autora. Neste percurso, Richter (2008) adota a expressão “fazer especial”, quando se refere ao fazer estético carregado de sentido como uma tendência fundante da natureza humana, um comportamento sensível que deliberadamente dá forma ou expressão artística a uma ideia ou objeto, conferindo um caráter de especialidade e distinção. Richter (2008) busca ainda a origem do “fazer especial”, quando fala do processo de existencialização do sujeito-em-prática dando sentido à vida. O resultado, além do objeto simbólico dotado de valor estético, é a produção de subjetividade, o sentido de existir e a transformação do cotidiano em algo especial. A autora alerta que é um equívoco reduzir o comportamento artístico a um fazer especial o qual pode parecer demasiadamente simples deixando de lado outros aspectos importantes da concepção de arte. Porém usá-lo como ponto de partida para a sua compreensão amplia a capacidade de reconhecimento dos conceitos neste campo do conhecimento. A questão do sentimento de valoração estética, que suscita na relação entre o objeto e a sua apreciação pelos sujeitos nas mais diversas culturas, promove uma experiência que envolve muito mais que mero prazer, mas uma provocação da mente e do espírito, que segundo Richter (2008), amplia o conceito de arte, pois a arte em si, é por excelência, criadora de valor estético. No sentido de entender melhor o que é valor estético, a autora relaciona o termo ao prazer que a experiência estética comum dos exemplos familiares, como um simples olhar, ouvir ou sentir as coisas do cotidiano, causa no sujeito sem justificativa ou razões especiais, simplesmente acontece. Lembra ainda, que a experiência do “fazer especial” envolve muito mais do que um simples prazer, é ainda mais profunda e eficaz quando amplia o entendimento de arte numa visão pós-moderna, que inclui entre outras coisas, a arte de diversas culturas e o romper das barreiras entre a arte erudita e a popular.

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O encaminhamento da costura, entre o significado da arte e as vivências cotidianas está voltado para quem se ensina, promove o perceber e o conhecer esses sujeitos. A estética do cotidiano levanta provocações sobre qual é o valor estético na vida diária destas pessoas. Pensando a arte como fator intrínseco da vida humana, não descolado do dia a dia ou exclusivo de ambientes institucionais para Arte. Perceber que o dia a dia é repleto de vivências estéticas atribui novo significado em nossa relação com o mundo e estabelece relações sensíveis com as experiências cotidianas. O desafio é a forma de tratar este olhar estético na escola, na busca de estratégias e de falas sobre a sensibilidade dos acontecimentos diários e a valorização dos fazeres ao percebê-los como artísticos. Nesse caminho cotidiano o multiculturalismo se manifesta na percepção de diferenças culturais que permeiam as convivências sociais e constituem a identidade dos grupos ampliando, sobretudo a amplitude estética dos indivíduos. O multiculturalismo não pede pela igualdade cultural, levanta questões sobre as diferenças culturais. O Brasil é um país com uma enorme diversidade de grupos culturais que compõem a sociedade, a proposta traz para o jogo questões de racismo, gênero e estereótipos econômicos e sociais que marcam as divisões de classes. Esse posicionamento pós-moderno no ensino da arte promove provocações à pluralidade do grupo e a diversidade presente na arte entendida como variação cultural que “[...] deve ser representada e transmitida no sistema escolar para que as crianças aceitem-se em qualquer sociedade” (MASON, 2001, p. 47). Nas aulas de arte onde se aborda códigos que não são os dominantes, abre-se a perspectiva de uma concepção de arte etnocêntrica, ou seja, utiliza-se de códigos culturais e estéticos dos alunos, bem como de grupos de minoria, com uma proposta de acesso a outras culturas que são valorizadas e legítimas. Apropriando-se do multiculturalismo próprio da sociedade contribui-se para educar para a pluralidade. Nesse sentido, multicultural é entendido na educação sob a ótica antropológica como “[...] processo pelo qual uma pessoa desenvolve competências em múltiplos sistemas de perceber, avaliar, acreditar e fazer”. (RICHTER, 2008, p. 25). Operação que envolve a educação formal e informal como transmissora da cultura, este processo não acontece unicamente no espaço da escola, sendo a educação universal o caminho de pertencimento e entendimento de sua cultura. O entendimento desses conceitos foi essencial para a elaboração da vivência estética com foco no cotidiano e no multiculturalismo desenvolvida dentro do Seminário de Ensino da Arte e Formação Estética descritas como Colcha de Retalhos.

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Colcha de Retalhos: costuras estéticas e multiculturais Este relato de experiência é o resultado de uma prática educativa com propostas no âmbito da estética do cotidiano e da multiculturalidade dentro do Seminário Ensino da Arte e Formação Estética no Programa de Pós-Graduação da Universidade do Vale do Itajaí, no primeiro semestre de 2014, cujo foco era a abordagem de perspectivas para o ensino da arte. O grupo de participantes da vivência era formado de professores das mais diversas áreas, como arte, direito, pedagogia, odontologia, veterinária, design, educação física, entre outras, constituindo um contexto interdisciplinar onde a proposta aplicada se fortalece como caminho de assumir diferenças culturais e de identidade como possibilidades de escolhas de conteúdos para esses docentes. Para esse universo de sujeitos foi elaborada pelas autoras deste relato, uma prática didática que contemplasse a diversidade da turma e proporcionasse o despertar do olhar para a estética em seu cotidiano. A metodologia empregada no desenvolvimento da prática aqui relatada, está resumida num organograma (Figura 1) que concentra as principais etapas do processo. Figura 1: Organograma da metodologia

Fonte: Elaborado pelas autoras.

O texto de apoio disponibilizado no início do semestre, proposto para as discussões e embasamento teórico sobre o tema, foi o primeiro capítulo do livro de Ivone Richter,

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Interculturalidade e Estética do Cotidiano no Ensino das Artes Visuais (2008), que fundamenta esse trabalho. Com o intuito de provocar e sensibilizar os sujeitos envolvidos, encaminhou-se, via email, durante as duas semanas anteriores à apresentação, produções artísticas que abordam a temática sobre estética do cotidiano. Essas produções incluíram poemas de Adélia Prado, como o Impressionista , Solar e Registro; o poema de Elisa Lucinda, Parem de falar mal da rotina; e links de vídeos com textos de Marina Colassanti, Eu sei mas não devia, e Manoel de Barros, Difícil fotografar o silêncio, ambos declamados pelo ator Antônio Abujamra. Segue abaixo um dos poemas utilizado nesta estratégia, intitulado Impressionista. Uma ocasião, Meu pai pintou a casa toda De alaranjado brilhante Por muito tempo moramos numa casa, Como ele mesmo dizia, Constantemente amanhecendo. Adélia Prado (PRADO, 2010, p. 36)

Com a intenção de repensar os lugares cotidianos e nossas memórias afetivas e instigar os participantes a refletirem sobre suas experiências estéticas, foram enviados pelo correio cartões-postais (Figura 2) com imagens da cidade, com a seguinte mensagem escrita à mão: Figura 2: Cartões-postais enviados

Fonte: Elaborado pelas autoras

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Desta provocação retornaram três textos com relatos de experiências cotidianas, todos em escrita poética que foram lidos e declamados durante a apresentação do seminário por uma das autoras dessa vivência, Andréia Bazzo. Esse momento configurou o ponto alto da apresentação em razão da entrega dos participantes à emoção e entusiasmo, em proferir seus comentários e suas reflexões, ao falarem da alegria e surpresa pelo recebimento da correspondência. Uma das respostas ao envio dos cartões revela a surpresa: “meu esposo é quem pega a correspondência, ficou espantado, me disse ao me entregar: Achei no mínimo estranho, nunca mais tinha visto alguém se comunicar assim..., quase chorei...”(Zenilda, uma das participantes). Nos registros poéticos retornados dos participantes percebeu-se a delicadeza e as memórias que as cartas remetem. Ao receber uma carta a rotina da forma de comunicação é alterada e repensada. “A caligrafia, o tempo desprendido para escrever os cartões, a ida ao correio”, como bem escreve Clara, outra das participantes, “não é possível de se deletar”. Nessa ação a percepção estética diante de relações interpessoais fortalece a fundamentação de Duarte Junior (1981) de que quanto mais vivenciarmos a estética diariamente mais promovemos a harmonia entre o sentir, o pensar e o agir diário. Com a perspectiva de conhecer e socializar os “fazeres especiais” desses sujeitos, para colocar em prática as considerações de Richter (2008), e com a intenção de preparar uma pequena exposição dos trabalhos para romper as barreiras de arte popular e erudita, foi solicitado ao grande grupo que colaborassem com relatos ou objetos que retratassem alguma forma de expressão artística pessoal. Com estes encaminhamentos foi organizado um plano de aula que envolveria as questões teóricas sobre estética do cotidiano e uma prática para reflexão sobre abordagens possíveis dentro desta perspectiva de ensino de arte. No planejamento da apresentação foi programado um roteiro de atividades que correspondem às seguintes etapas: 

Preparação do espaço;



Acolhida dos participantes ao som dos poemas declamados por Antônio Abujamra, os mesmos que foram enviados durante as semanas que precederam o encontro;



Contextualização da temática em questão, com considerações sobre o texto de Richter (2008);



Apresentação do “fazer especial” dos participantes;

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Momentos intercalados para apresentação de dois vídeos de artistas brasileiros, Rivane Neuenschwander e Gaudí Brasileiro, que abordam a estética do cotidiano em suas obras;



Um coffee break típico cujo tema escolhido foi festa junina;



Registro de uma vivência estética com a pintura de uma obra coletiva;



Discussões com o grupo e respostas à pergunta formulada;



Encerramento.

A preocupação inicial foi ambientar o espaço, a sala de aula, de modo a transformá-lo em lugar de acolhimento e aconchego. O lugar foi pensado a partir da ideia de uma casa comum onde os participantes pudessem ser recebidos em uma sala de visitas para uma conversa informal para depois saborear um delicioso café da tarde na sala de jantar, configurando assim um hábito do cotidiano da maioria das pessoas. Para atingir o objetivo de acolher os visitantes, e situá-los na temática do encontro, foram adesivados quatro textos em pontos estratégicos das paredes, sendo três poemas de Adélia Prado, citados anteriormente, e uma frase escrita pelo antropólogo Clyde Kluckhohn e Henry Murray, psicólogo. Um dos textos foi afixado na parede amarela do foyer. Essa ação nos rendeu comentários sobre o estranhamento de dois indivíduos, que ao passarem por ali e se depararem com a obra poética, se aperceberam pela primeira vez a cor amarela da parede. É bom que se registre que esta parede foi pintada nesta cor há mais de um ano e que as referidas pessoas sempre passam por esse local. Este se constituiu resultado do trabalho, por confirmar o efeito positivo no incremento da percepção diária proporcionado por uma intervenção artística. O layout que mais se aproximou da intenção da proposta, foi o da formação de um grande círculo de cadeiras e poltronas para que todos pudessem ficar de frente e com isso proporcionar um equilíbrio participativo. Este círculo configurou a sala de visitas e a sala de jantar foi ambientada ao lado do círculo com a mesa posta logo na entrada para recepcionar os visitantes. Foi montado em um dos cantos uma pequena exposição dos trabalhos retratados pelo “fazer especial” trazidos por alguns dos participantes. Do lado oposto, pendurados por fios de nylon e grampos de roupas, estavam os delicados pochoirs4 com uma pergunta que deveria ser respondida no final do encontro. Os pochoirs representaram neste cenário a delicadeza dos bordados e rendas utilizados no singelo ato estético de enfeitar o lar. 4

Pochoirs são um tipo de estêncil com desenhos vazados que foram feitos pelas autoras em folhas de papel vegetal

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No outro canto da sala, instalou-se um pequeno atelier de pintura, com tintas e pincéis e uma grande tela branca na parede esperava... e atiçava a curiosidade dos presentes. Esse era o espaço reservado para a confecção da colcha de retalhos numa alusão ao multiculturalismo como possibilidade temática de práticas pedagógicas no ensino das artes visuais. Os participantes foram recebidos na sua chegada ao foyer pela leitura de um dos textos resposta do cartão postal e encaminhados à sala de aula, ao entrar foram acolhidos pelo som penetrante da voz de Antônio Abujamra que recitava o texto de Manoel de Barros, “Difícil fotografar o silêncio”. E o silêncio se fez enquanto escutavam. O encontro prosseguiu com a contextualização mediada como um bate papo informal entre amigos e a temática tomou corpo nas falas entusiasmadas dos colegas. Era preocupação das mediadoras não monopolizar a palavra e sim oportunizar que ela fluísse por todo o círculo num debate sutil onde todos pudessem contribuir de alguma forma com a discussão acrescentando suas experiências relacionadas à estética do cotidiano e multiculturalismo nas práticas docentes do ensino de arte. E a tarde seguiu proveitosa e enriquecedora com as intervenções marcantes das leituras dos textos escritos como resposta às provocações estéticas das autoras durante a preparação do seminário. Todos pareciam arrebatados pela performance da declamação e pela intensidade poética dos textos produzidos por eles mesmos. Muitas manifestações emocionadas complementaram esse momento que foi marcado também pelos relatos dos percursos estéticos das vivências cotidianas que nos culminavam “fazeres especiais” expostos e socializados com o grande grupo. O prazo não foi suficiente para tudo o que foi programado em razão da quantidade de intervenções e alongamento das falas. Optou-se pela continuidade dos diálogos pertinentes ao momento de experienciação estética vivenciada pelo grupo. Um dos Vídeos previstos para exibição sobre a obra do Gaudí Brasileiro foi suprimido da apresentação e já com o tempo esgotado deu-se início ao café da tarde e todos foram convidados a sentarem-se à mesa e o lanche foi servido. O tema festa junina escolhido para o coffee break, se justifica pelo caráter folclórico e elementos multiculturais de origem europeia assimilados pela cultura brasileira, onde os festejos são importantes para além da alegria, expressar os costumes, a culinária e a religiosidade do povo. Terminado o intervalo o grupo foi convidado a participar de uma experiência estética com a criação de um grande painel coletivo onde todos contribuíram pintando uma porção da tela registrando sua passagem por aquele espaço. Aqueles que preferissem podiam intervir com colagens de revistas disponibilizadas nos materiais do atelier. A execução da obra

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compartilhada significou a colcha de retalhos, uma policromia dinâmica formada pela potencialidade da pluralidade cultural onde o sujeito em ação se transforma em possibilidades infinitas e o ser e o fazer unem-se no ato de criar (RICHTER, 2008). Para essa vivência foram reservados 40 minutos do tempo total da apresentação. Simultaneamente foi apresentado o vídeo da artista plástica contemporânea Rivane Neuenschwander cuja obra também retrata a estética do cotidiano. A medida que terminavam suas pinturas, os participantes voltavam aos seus lugares e então eram estimulados a recolher um pochoir do fio que trazia impresso a seguinte pergunta: Em sua opinião, por qual razão poderíamos inserir nos espaços educativos abordagens relacionadas à estética do cotidiano e a multiculturalidade? Esse momento de coleta dos registros aconteceu depois dos diálogos e da experiência estética e foi planejado para que pudéssemos colher as impressões de cada participante sobre a temática abordada durante o encontro. Respostas concluídas e entregues no tempo estimado de três horas de encontro, tempo esse que passou quase sem que se apercebesse dele, a não ser pela necessidade de seu controle para que todas as etapas pudessem se realizar. Chegou a hora da despedida, dos agradecimentos e de depoimentos espontâneos favoráveis às práticas vivenciadas em conjunto nesta tarde de partilha. As respostas registradas em cada pochoir, coletadas no final da sessão, foram posteriormente lidas e fundamentadas pelo aporte teórico que embasou toda a prática descrita. Considerações Finais A perspectiva do olhar para a estética do cotidiano enriquecida pelo multiculturalismo é uma das propostas que influenciam o ensino da arte na atualidade. Este enfoque pensa práticas e conceitos que envolvem percepções sensíveis sobre as vivências estéticas cotidianas, a escuta das falas dos alunos e da comunidade dentro de sua diversidade e provoca para estender o universo artístico aos pequenos detalhes da vida que são valorizados ao tornarem-se objetos de arte. Como finalização deste relato fica o sentimento, aqui permitido ser usado pelo entendimento da importância da estética na educação, da fragilidade de nossas percepções cotidianas como potencialmente artísticas e da riqueza multicultural como ponto de ligação da arte na educação. E pela ausência desses olhares justifica-se sua inserção no ensino da arte. Ao propor práticas que incluíssem focos da estética do cotidiano e da multiculturalidade, esse

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grupo de sujeitos redescobriu quais são seus fazeres especiais, escutou quem estava ao seu lado, descobriu o outro e sobre o outro se redescobriu e refletiu sobre novas perspectivas de ensinar e do que ensinar. Valeu a pena! REFERÊNCIAS DUARTE JUNIOR., João Francisco. Fundamentos estéticos da educação. São Paulo: Cortez: Autores Associados: Uberlândia, MG: Universidade de Uberlândia, 1981. MASON, Rachel. Por uma arte-educação multicultural. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2001. PRADO, Adélia. Impressionista. In: Bagagem. Rio de Janeiro: Record, 2010. RICHTER, Ivone Mendes. Interculturalidade e estética do cotidiano no ensino das artes visuais. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2008.