MULHERES SEM FILHO NO NORDESTE*

Morvan de Mello Moreira† Wilson Fusco‡

Palavras-chave: Fecundidade; Sem filho; Nordeste.

*

Trabalho apresentado no XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em São Pedro/SP – Brasil, de 24 a 28 de novembro de 2014 † Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e professor da Universidade Federal de Pernambuco ‡ Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco

INTRODUÇÃO Dentre as várias dimensões que o progressivo empoderamento feminino experimentou nas décadas recentes, a capacidade da mulher controlar sua reprodução é um elemento de particular importância para os estudos populacionais. Com a disseminação do controle da fecundidade

por

métodos

anticoncepcionais

acessíveis,

e

que,

ademais,

permitiam

exclusivamente à própria mulher o seu uso, foi-lhe confirmado o domínio da reprodução, facultada a escolha entre ter ou não ter filhos, e quantos e quando tê-los. No bojo das transformações sociais que ensejaram uma miríade de liberdades previamente cerceadas, a flexibilização das formas de coabitação, da norma social do casamento e o relaxamento da sanção social para que apenas no seu interior ocorressem os nascimentos e novos valores quanto à fecundidade ampliaram o espaço das escolhas pessoais no domínio feminino, com importantes repercussões sobre a reprodução. Dimensão adicional do empoderamento feminino se expressou no aumento do custo de oportunidade dos filhos, ensejado pelas novas possibilidades abertas às mulheres, muitas das quais competitivas com coabitação e/ou reprodução, pela primazia de estilos de vida e aspirações que almejam a realização e o bem estar individual. Esses fenômenos, também no Brasil, traduziram-se na observada queda do nível da fecundidade, na redução da idade média da reprodução, mesmo na presença da postergação da idade ao ter o primeiro filho e, aqui, na rápida convergência para parturição muito abaixo de quatro filhos e fecundidade abaixo do nível de reprodução. No decorrer desse processo de mudança uma variável que tem recebido relativamente pouca atenção é aquela referente às mulheres sem filho, quais sejam as que, ao longo da vida reprodutiva, reportaram não terem gerado um nascimento vivo. Observe-se que tal recorte incorpora tanto aquelas mulheres que por diversas razões, mas não por escolha, não tiveram filhos e aquelas que mesmo podendo tê-los, deliberadamente optaram por não terem filhos – usualmente denominadas “childfree” ou, mais adequadamente “childfree by choice” para diferenciá-las das “childless”, que por razões não voluntárias não têm filhos. Consideradas ao longo do período reprodutivo há que se ter em conta que uma fração das mulheres posterga os nascimentos até idades superiores, sendo até então contabilizadas como sem filho. Na literatura internacional a evolução da fração de mulheres impedidas 1 ou que escolheram completar suas vidas reprodutivas sem se incorporarem à maternidade é crescente

1

A proporção de mulheres impedidas de terem filho por infertilidade é estimada ser em torno de 3 por cento (UN, 2012). Três por cento é também a proporção de mulheres sem filho entre as Huteritas (VEEVERS, 1972), uma comunidade religiosa originária do movimento Anabatista, localizada em partes do Canadá e Estados Unidos, caracterizada pelo casamento precoce e universal e ausência de controle deliberado da fecundidade

para uma fração de países com baixos níveis de fecundidade (PRESTON; HARNETT, 2008; TANTURRI, MENCARINE, 2008; UN, 2012), mas não para os países de altas e intermediárias fecundidades e mesmo alguns de baixa fecundidade (RUTSTEIN; SHAH, 2004; UN, 2012). O relatório das Nações Unidas aponta que o conjunto de 53 países que compõem o painel de detentores de informações sobre proporção de mulheres sem filho no grupo 40 a 44 anos, para o período 1970-1979 e 2000-2011, experimentou queda nas frações de mulheres sem filho. A mediana da distribuição dos países de alta fecundidade declinou de 5%, em 1970-1979, para 4,3%, em 2000-2011; entre os de fecundidade intermediária de 7,1 para 6,2% e os de baixa fecundidade, de 7,8 para 7,2%. Há que se ter em conta, entretanto, de uma ampla variação em torno desses valores medianos: nos países de baixa fecundidade 50% dos países experimentaram aumento; mas em 11 dos 19 países de fecundidade intermediária e em 10 dos 16 países de alta fecundidade ocorreu declínio. (UN, 2012). Sobota (2005), de outro lado, buscando estabelecer se as populações europeia e americana tenderiam a se identificarem como sociedades sem filho, projeta que gradualmente a proporção de mulheres sem filho aumentará em quase toda a sociedade europeia, sem entretanto atingir os níveis observados pelas mulheres nascidas no início do século XX, e que nos Estados Unidos ocorrerá um gradual declínio entre as mulheres nascidas após 1960. Para a América Latina, Rosero-Bixby et al. (2009) não encontram bases para concluir quanto à trajetória futura das proporções de sem filho, em que pese constatarem um amplo crescimento na postergação de filhos entre as mulheres de 25 a 29 anos 2. Os autores colocam em compasso de espera se tal postergação se traduzirá em permanência, duvidando que o que ocorre entre as mulheres de mais alta educação se espraie por toda a população, em razão das desigualdades presentes nas sociedades latino-americanas. No Brasil é muito escassa a literatura que dá conta deste fenômeno. Apenas Cavenaghi e Alves (2013) se referem à temática, a exemplo de Sobota (2005) e Rosero-Bixby et al. (2009), considerando diferenciais regionais e sociais com o intuito de identificar se o Brasil, no futuro, se aproximaria à condição de uma sociedade sem filhos ou somente uma parcela de sua população continuaria a viver sob tal regime. Seus resultados identificam como de maior probabilidade de ocorrência essa segunda hipótese. Outra vertente do tema tem como objeto de análise o subconjunto da população brasileira constituída pelos casais de dupla renda e sem filho – a chamada família dinc (double income, no children, ou dink - double income, no kids) – representando aproximadamente 3% dos arranjos familiares no Brasil, posicionando-se no topo da pirâmide de renda, detendo os maiores níveis de educação, de renda e de consumo, e que 2

A postergação da maternidade para idades nas quais os níveis da fecundidade são mais baixos pode resultar em um aumento na proporção de mulheres sem filho, em função de uma multiplicidade de razões que inviabilizam os nascimentos.

apresentariam forte tendência de crescimento em não ter filho (BARROS, 2009; ALVES; CAVENAGHI; BARROS, 2010; ALVES; BARROS, 2012). O objetivo deste trabalho é analisar a evolução das proporções de mulheres sem filho no Nordeste no período 1970/2010, com base nos dados dos censos demográficos, considerando as feições que assumem os seus atributos educacionais e a situação conjugal, com a finalidade de dar relevo a esse fenômeno em termos de seu impacto sobre o nível da fecundidade e, assim, estabelecer um ponto de partida de discussão sobre as suas determinações subjacentes e contributo para as políticas populacionais. A ênfase é sobre a permanência do fenômeno de mulheres sem filho ao longo do período reprodutivo, tendo claro que o mesmo se torna cada vez mais volátil com o aumento da idade, e também que não é um evento predeterminado, tanto em trajetória como intensidade e incidência relativa. O Nordeste afigura-se de especial significado por ainda se constituir como uma das mais pobres regiões do país, na qual convivem amplas desigualdades sociais, ao mesmo tempo em que já apresenta níveis de fecundidade muito próximos da reposição e proporção expressiva de mulheres sem filho.

DADOS Neste trabalho, as proporções de mulheres sem filho são calculadas a partir das informações dos censos demográficos de 1970 a 2010, com base na informação sobre o número de filhos tidos reportados pelas mulheres. Dados sobre ausência de filhos podem ser subestimados por uma possível subenumeração de mulheres que respondem ao quesito pelo fato daquelas que trabalham, possivelmente, não estarem presentes no momento do inquérito ou porque muitas mulheres declaram filhos adotivos como filhos próprios. Descartou-se a análise do fenômeno considerando a renda em razão das dificuldades particularmente impostas pela qualidade das informações prestadas sobre a variável nos distintos censos, assim como sobre domicílios e famílias. Optou-se pela classificação das mulheres em idades reprodutivas (15 a 49 anos) por grupos quinquenais de idades, assim como por seus níveis de escolaridade, identificando-os como: 1) sem estudo ou primário incompleto; 2) primário completo ou ginasial incompleto; 3) ginasial completo até colegial completo; 4) superior completo ou incompleto. Adicionalmente foi considerada a situação conjugal das mulheres na tricotomia: 1) em união; 2) alguma vez unida; 3) solteira.

RESULTADOS Na Tabela 1 é apresentada a distribuição do número de filhos tidos pelas mulheres nordestinas em idades reprodutivas no período 1970/2010. Considere-se que entre 1970 e 2010 a proporção de mulheres com três filhos ou mais declinou de 41,0% das mulheres em idade reprodutiva, em 1970, para 22,9%, em 2010, mas com movimentos de sentido contrário no que respeita a 3 e 4 ou mais filhos. A proporção de mulheres com 3 filhos apresentou tendência crescentes, aumentando de 6,8%, em 1970, para 11,6%, em 2010 (com pequeno decremento em relação 2000, 11,8%) e, por outro lado, aquelas com 4 ou mais filhos reduziram-se de forma significativa no quarentênio, decrescendo de 34,2%, em 1970, para 11,3% em 2010 (com significativo decréscimo em relação a 2000, 19,9%). De outro lado, o percentual daquelas com um ou dois filhos aumentou em proporções crescentes a cada decênio, passando de 14,9, em 1970, para 39,0%, em 2010. O movimento entre as mulheres com um filho e as mulheres com dois filhos é de igual dimensão: ambos os grupos passando de 7,4% e 7,5%, respectivamente, em 1970, para 19,6% e 19,4%, respectivamente, em 2010. Nesse ínterim a fração das mulheres sem filho declinou de 44,1% para 38,2%. Visto em menor escala temporal, as mais significativas mudanças ocorreram a partir dos anos de 1990, decênio no qual a fração de mulheres com até dois filhos ampliou em oito pontos percentuais a sua participação, passando a representar quase 1/3 das mulheres em idade reprodutiva. O incremento observado ocorreria fundamentalmente em razão do declínio da proporção das mulheres sem filho, e mais particularmente das mulheres com pelo menos quatro filhos. A redução do percentual de mulheres com quatro ou mais filhos foi contínua e intensa no período, passando de 34,2%, em 1970, para 11,3%, em 2010. Observe-se, ademais, que a expressiva queda absoluta e relativa do nível da fecundidade entre 1980-1991 é acompanhada por um modesto decremento na proporção de mulheres sem filho, enquanto a queda subsequente, de menor dimensão, parece ter sido atenuada pela significativa redução relativa no número de mulheres sem filho ocorrida no período 1991-2000 e a queda entre 2000 e 2010 ocorre na sequencia de uma diminuta ampliação da proporção das sem filho.

Tabela 1 – Nordeste – Distribuição percentual das mulheres em idade reprodutiva por número de filhos tidos e Taxa de Fecundidade Total – 1970/2010 Ano

Sem filho

1 filho

2 filhos

3 filhos

4 ou mais

TFT

1970

44,1

7,5

7,4

6,8

34,2

7,1

1980

42,8

9,4

9,0

7,8

31,1

5,6

1991

42,5

11,2

11,8

9,9

24,5

3,5

2000

37,2

15,0

16,0

11,8

19,9

2,7

2010 38,2 19,6 19,4 Fonte: IBGE. Censos Demográficos, 1970/2010.

11,6

11,3

2,1

Tais transformações apontam que a queda da fecundidade no Nordeste ocorreu por meio de uma significativa redução nas altas parturições, com crescimentos em todas as demais, mas com evidente tendência de se direcionar para um ou dois filhos por mulher. Tal movimento implicaria considerar que, como o processo de queda em direção aos menores números de filhos ainda não teria finalizado, a fecundidade nordestina no próximo decênio completaria sua trajetória para níveis abaixo da reposição. Esse movimento se derivaria com base na redução da parturição três e aumentos do filho único e do par de filhos, ou seja, famílias menores. Mantidos tais direcionamentos, uma das mais pobres regiões do país passaria a experimentar decréscimos populacionais adicionais advindos da redução da fecundidade num horizonte relativamente próximo. Idade Os resultados sobre mulheres sem filho apresentados na anterior Tabela 1 incorporam a participação de todas as mulheres em idade reprodutiva, incluindo assim gerações com comportamentos reprodutivos distintos e também resultam da composição etária dessa população em tela ao longo de todos os decênios. No Gráfico 1 são apresentadas as distribuições das mulheres em idades reprodutivas sem filho segundo grupos quinquenais de idade. Exceto no que diz respeito àquelas com menos de 25 anos, quais sejam os anos iniciais da reprodução, o comportamento ao longo do tempo da proporção das mulheres sem filho é similar até o final do período reprodutivo. A partir do terceiro grupo etário é observada uma relativa estabilidade na proporção de mulheres sem filho entre os censos de 1970 e 1980, um ligeiro incremento quando do censo de 1991 e uma oscilação no período seguinte com diminuição em 2000 e incremento em 2010. Entre as menores de 25 anos, as jovens do grupo 15 a 19 anos vivenciam a experiência de sem filho de forma declinante até 2000, revertendo a tendência em 2010, mas sem retornar aos níveis de 1991. Por outro lado, entre as jovens do primeiro efetivo grupo de idade reprodutiva (20 – 24 anos), a trajetória das sem filho é senoidal, decrescendo e crescendo ao longo das datas

censitárias, mas em percentuais muito modestos, exceto quanto às variações observadas entre os últimos três censos. No grupo etário seguinte (25 – 29 anos), que junto com o anterior concentra a maior fração da fecundidade total, as flutuações são um pouco menos expressivas, e maiores nos últimos decênios. Em particular a esse grupo etário, entre as mulheres de 20 anos, é o mesmo que apresenta o maior incremento absoluto na proporção de mulheres sem filho, passando de 28,3%, em 2000, para 35,3%, em 2010, valor maior do que experimentado pelo grupo de 20 – 24 anos (de 49,5% em 2000 para 56,2% em 2010). Gráfico 1 – Nordeste - Distribuição percentual das mulheres sem filho por grupos quinquenais de idades – 1970/2010 100 P e r c e n t a g e m

90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 15 - 19

20 - 24

25 - 29

30 - 34

35 - 39

40 - 44

45 - 49

Grupos de idades 1970

1980

1991

2000

2010

Fonte: IBGE. Censos Demográficos, 1970/2010. Os três últimos grupos de idades, até os anos de 1991, apresentavam proporções de mulheres sem filho relativamente semelhantes, diferenciando-se a partir daí, inicialmente pelo afastamento para maior da proporção de sem filho nas idades 35-39, e após, pelo mesmo movimento de aumento na faixa 40-44 anos em relação ao grupo etário final. Observe-se que entre 2000 e 2010 houve incremento da proporção de sem filho em todos os grupos etários e que, em termos relativos, esse aumento cresce com a idade. Se considerarmos o grupo 40-44 anos

como o mais apropriado para a mensuração da fecundidade completa3 então, de acordo com os dados da Tabela 2, seria em torno de 13% a proporção de mulheres nordestinas que atingem o final da vida reprodutiva sem filho. A similitude entre os percentuais observados no grupo 40-44 e 45-49 anos reforça a percepção de que, no agregado, mulheres que completaram 40 anos e que até então não tiveram filhos não mais os teriam. Se são pouco expressivas as diferenças de proporções das mulheres sem filho de 40 anos em relação às de 35-39 anos até 1991, o mesmo não se pode dizer quanto aos dados de 2000 e 2010 que apontam um afastamento maior entre os dois grupos, a sugerir que a postergação de nascimentos até as idades mais altas se apresenta como um fenômeno do século XXI, enquanto a finalização da maternidade em torno dos 35 anos era uma feição do século anterior. Tabela 2 – Nordeste – Distribuição percentual das mulheres de 35-39, 40-44 e 45-49 anos sem filho – 1970/2010 Ano

35 – 39 anos

40 – 44 anos

45 – 49 anos

1970

13,2

12,7

12,8

1980

13,1

12,3

12,6

1991

15,4

15,2

15,7

2000

12,0

9,9

9,3

2010 15,5 13,2 Fonte: IBGE. Censos Demográficos, 1970/2010 – Tabulações do SIDRA

12,0

Desconsiderando as variações em 2000 e 2010, observe-se como diferentes gerações, nascidas entre 1920-1925 até 1960-1965, apresentam proporções relativamente semelhantes de mulheres sem filho depois das mesmas terem completados 35 anos. A relativa estabilidade das proporções de sem filho entre as mulheres de fecundidade completa ao longo do período 1970/2010 é o resultado de uma relativa constância no comportamento reprodutivo das mulheres nordestinas no período anterior ao início do processo de redução da fecundidade no país e na região. Isso não é observado no momento a partir do qual região passa a experimentar significativas mudanças no comportamento reprodutivo e na qual a fecundidade passava de níveis extremamente altos para os de reposição. Os resultados à Tabela 3, com dados sobre as proporções de mulheres sem filho entre as mulheres em idades reprodutivas nascidas pós 1965, para os anos de 2000 e 2010, mostra aumento nas frações de sem filho para todas as gerações. Os aumentos cresceram de forma cumulativa com as idades a indicarem que frações crescentes das mulheres em idades 3

De acordo com os indicadores implícitos nas projeções de população do IBGE de 2013, no Nordeste, em 2010, no grupo 40-44 anos de cada 1000 mulheres apenas 12 se mantiveram fecundas no decorrer do ano anterior à data do censo e no grupo 45-49 anos são tão somente três em cada 1000. De outro lado, no grupo 35-39 ainda foram 36 em cada 1000 a terem filhos e nas idades 30-34, 67 em cada 1000. Os mais altos percentuais de fecundidade são experimentados pelos grupos 25-29 e 20-24 anos, 95 e 115 em cada mil mulheres, respectivamente. (IBGE, 2013)

reprodutivas aderem à condição de sem filho. Tabela 3 – Nordeste – Distribuição percentual das mulheres sem filho por grupos quinquenais de idades – 2000-2010 Grupos de Idade

2000

2010

15 - 19

84,0

86,5

20 - 24

49,5

56,2

25 - 29

28,3

35,3

30 - 34 16,9 Fonte: IBGE. Censos Demográficos, 2000-2010

21,6

Considerando tão somente os dados referentes ao ano de 2010, a comparação dos níveis de ausência de filhos por grupos de idades, entre as mulheres nordestinas e as mulheres brasileiras em geral, mostra que o Sudeste apresenta os mais elevados percentuais, enquanto a região Norte experimenta os menores, conforme os dados da Tabela 4. Tabela 4 – Brasil e Regiões – Distribuição percentual das mulheres sem filho por grupos quinquenais de idades – 2010 Grupos de Idades

Brasil

Nordeste

Norte

Sudeste

Sul

Centro-Oeste

15 a 19 anos

88,0

86,3

82,0

90,4

89,7

87,4

20 a 24 anos

60,4

55,9

47,5

66,0

63,9

58,0

25 a 29 anos

39,6

35,0

27,6

45,2

41,5

36,2

30 a 34 anos

23,8

21,3

16,7

27,6

23,0

20,5

35 a 39 anos

15,9

15,2

11,9

18,2

13,4

13,2

40 a 44 anos

13,2

13,0

9,8

15,1

10,8

10,8

45 a 49 anos 12,2 11,8 8,8 14,0 Fonte: IBGE. Censo Demográfico, 2010 – Tabulações do SIDRA.

10,0

9,5

O Nordeste posiciona-se intermediariamente, aproximando sua distribuição daquela observada no Centro-Oeste, mostrando proporções de mulheres sem filho mais elevadas para todo o conjunto abaixo de 35 anos e menores para as demais. A região nordestina apresenta, depois do Sudeste, as maiores proporções de mulheres sem filho entre as mulheres com 35 anos ou mais.

Escolaridade Na Tabela 5 e no Gráfico 2 são apresentadas as distribuições percentuais das mulheres sem filho por nível de escolaridade entre 1970 e 2010. Os resultados apontam claramente uma relação positiva entre nível educacional e proporção de mulheres em idade reprodutiva sem filho. Visto na totalidade dos 40 anos há uma clara redução da proporção de sem filho por todos os níveis educacionais, mas de forma desigual, sendo tanto maior quanto mais baixo o grupo educacional. Esses resultados que mostram a queda na proporção de sem filho em todos os grupos educacionais no quarentênio, com exceção das com nível superior, que apresentaram ligeiro aumento entre 2000 e 2010, são exatamente opostos às evidências de Taylor et al. (2010), para quem as mulheres americanas experimentaram aumento na proporção de sem filho para todos os grupos educacionais, com exceção daquelas de maior escolaridade (pós-graduação). A mais expressiva redução da proporção de mulheres sem filho ocorreu entre as mulheres que não chegaram a completar o nível primário, cujas proporções despencaram de 35,4%, em 1970, para 15,1%, em 2010, ocorrendo em maior valor entre 1991 e 2000. Segue-se-lhe o declínio observado entre aquelas que superaram o limite do primário mas não completaram o curso ginasial: a proporção de sem filho reduziu-se de 58,1%, em 1970, para 30,9%, em 2010, diminuição muito semelhante àquele do grupo anterior. Os segmentos com níveis de escolaridade mais elevados vivenciaram reduções similares e bem mais modestas no quarentênio do que aquelas dos grupos de menor escolaridade e apenas entre aquelas que ingressaram no curso superior se observou um modesto aumento na proporção de sem filho. No acompanhamento das mudanças do comportamento temporal das mulheres em idade reprodutiva de nível superior deve-se levar em consideração o número absoluto das mesmas nos decênios iniciais da segunda metade do século passado. O número delas em cursos universitários nos anos 70 (menos de 50 mil, ocasião do primeiro grande salto, passando para mais de 200 mil em 1980) e 80, e mesmo nos anos 90 do século anterior, era muito diminuto. Somente a partir do início deste século é que as mulheres nordestinas passaram a ingressar massivamente em cursos de nível superior, sendo observado que aquelas em idade reprodutiva quase triplicaram em número entre 2000 e 2010, atingindo um total de 2,3 milhões de mulheres com curso superior completo ou incompleto. Este é o grupo de mulheres que apresentou o menor decréscimo na proporção de sem filho no quarentênio e o único a apresentar em 2010 níveis superiores àqueles de 2000 e, inclusive, ao de 1991. Por outro lado, claramente, dada a dimensão inicial das mulheres sem estudo ou primário incompleto no total da população nordestina, é possível imputar-lhes a contribuição para os altos níveis de fecundidade encontrados na região e, de maneira oposta, pode-se atribuir-lhes uma fração significativa da queda da fecundidade observada nas últimas décadas pelo amplo processo

educativo experimentado pelas mesmas.4 Tabela 5 – Nordeste – Distribuição percentual das mulheres em idade reprodutiva sem filho por nível de escolaridade – 1970/2010 Primário Ginasial Sem estudo ou Superior completo ou completo ou Período primário completo ou ginasial colegial incompleto incompleto incompleto completo 1970

35,4

58,1

63,5

72,0

1980

30,3

47,5

62,4

60,7

1991

29,9

44,9

48,8

48,2

2000

16,9

34,8

46,3

45,5

2010 15,1 30,9 Fonte: IBGE. Censos Demográficos, 1970/2010

42,6

48,8

Gráfico 2 – Nordeste - Distribuição percentual das mulheres sem filho por nível de escolaridade – 1970/2010 80

70 P e 60 r c e 50 n t 40 a g 30 e m 20

Anos 10 1970 1980 sem estudo ou primário incompleto ginasial completo ou colegial completo

1991

2000 2010 primário completo ou ginasial incompleto superior completo ou incompleto

Fonte: IBGE. Censos Demográficos, 1970/2010. Os diferencias entre os grupos extremos são bastante elevados e mais amplo no período mais recente do que no inicial uma vez que, em 1970, a proporção de mulheres sem filho que 4

Em 1970, 86,3% das mulheres nordestinas em idades reprodutiva não tinham o primário completo e tão somente 5% tinham, pelo menos, o ginasial completo. Em 2010 esses percentuais passaram a ser de 33,3 e 51,5%, respectivamente. Entre 2000 e 2010 a proporção de mulheres nordestinas na faixa de 15 a 49 anos de idade com ginasial ou colegial completo aumentou de 1/3 para 51,2%, sendo o mais expressivo incremento observado entre aquelas que ingressaram no curso superior, duplicando no período, correspondendo, em 2010, a 12,3% das mulheres em idades reprodutivas – em 1970 elas eram tão somente 0,5%.

ingressaram em cursos universitários era o dobro daquelas que não completaram o primário, e, em 2010, as de curso superior passaram a ser mais do que o triplo da fração das analfabetas ou com primário incompleto sem filho. Chama a atenção o significativo diferencial promovido pela educação primária completa ou ginasial incompleto em relação àquelas sem estudo ou primário incompleto, diferença essa que em 2010 se mostra maior do que a existente em 1970. Adicionalmente, movimento digno de nota refere-se à semelhança dos indicadores dos grupos educacionais mais elevados (ginasial ou colegial completo e superior completo ou incompleto). Tais resultados sugerem, no agregado, comportamentos distintos entre os dois pares de grupos educacionais: os de menor escolaridade apresentam sempre as menores proporções de sem filho e as maiores quedas entre 1970 e 2010 vis-à-vis os de maior escolaridade. Observe-se, também, que os diferenciais entre os extremos dos grupos educacionais cresceu no quarentênio, em razão de ter sido maior a queda entre as de menor nível de escolaridade do que as de maior, que, inclusive, reverteram no último decênio a trajetória até então declinante. Gráfico 3 – Nordeste – Proporção de mulheres sem filho por nível de escolaridade – 2010 50 45 40 35 30 25 20

P e r c e n t a g e m

48,8

42,6

30,9

15 10

15,1 5 Escolaridade 0 sem estudo ou primário incompleto

primário completo ou ginasial incompleto

ginasial completo ou colegial completo

superior completo ou incompleto

Fonte: IBGE. Censos Demográficos, 1970/2010 Visto em termos do censo de 2010, os resultados apresentados no Gráfico 3 indicam o incremento na proporção de mulheres sem filho em consonância com os avanços na escolaridade e os níveis totais de sem filho segundo os grupos educacionais.

Situação Conjugal A evolução da proporção de mulheres unidas ou alguma vez unidas, sem filho, é crescente ao longo do quarentênio, com exceção de uma quebra de trajetória em 2000, de acordo com os dados apresentados à Tabela 6. Em 1970, entre elas, pelo menos 10 em cada 100 mulheres se colocavam na condição de ausência de filhos, e em 2010 essa fração aumentou para 15 em cada 100, em sentido contrário ao que ocorria entre nunca unidas, cujas proporções declinaram de 94,1%, em 1970, para 87,9%, em 2010. As diferenças entre as mulheres em união e as mulheres alguma vez unidas são bastante discretas, apresentando, essas, proporção um pouco menor do que aquelas, possivelmente em razão do diferencial de composição etária dos grupos e por uma cessação mais precoce das possibilidades de conceber entre as alguma vez unidas. Considere-se, ademais, que a evolução da distribuição das mulheres unidas sem filho se ajusta perfeitamente à evolução do zero filho por grupos de idades – todos os grupos de idades apresentaram o mesmo comportamento de declínio no intervalo de 40 anos, a despeito de entre as mulheres nunca unidas a proporção de zero filho ter declinado de forma sistemática, o que significaria dizer que o comportamento do zero filho ao longo do tempo, em todos os grupos etários, está quase completamente determinado pelo comportamento das mulheres unidas mesmo aquelas que por período determinado. É significativo observar a queda da proporção de mulheres nunca unidas com zero filho, a indicar que nesse grupo social a não união declina como fator restritivo à maternidade. Tabela 6 – Nordeste – Distribuição percentual das mulheres em idade reprodutiva sem filho por situação conjugal – 1970/2010 Ano Em união Alguma vez unida Nunca unida Total 1970

10,3

9,6

94,1

56,5

1980

10,7

10,2

92,8

42,8

1991

13,7

13,2

91,8

42,5

2000

10,3

9,5

89,6

37,6

2010 14,9 14,7 Fonte: IBGE. Censos Demográficos, 1970/2010

87,9

38,2

Sem filho e fecundidade O impacto das mulheres sem filho sobre a taxa de fecundidade total ao longo do tempo pode ser aquilatado pela diferença entre a taxa de fecundidade total e aquela simulada considerando tão somente as mulheres que tiveram filhos. Os resultados são apresentados no Gráfico 4.

Se desconsiderarmos as variações temporais associadas às diferenças nas estruturas etárias das mulheres em idades reprodutivas, podemos atribuir à evolução das mulheres sem filho por idade as desigualdades entre as taxas de fecundidade total, calculadas com base nas informações de filhos nascidos vivos por todas as mulheres em idades reprodutivas, e as taxas obtidas pelas mesmas informações tendo em conta apenas as mulheres que tiveram pelo menos um filho, As diferenças relativas entre as taxas de fecundidade total são crescentes até o terceiro decênio da série e declinante até 2010, encontrando o seu maior distanciamento absoluto nos resultados do censo de 1991 e a maior diferença relativa em 2010. Gráfico 4 – Nordeste – Taxa de fecundidade total, taxa de fecundidade total simulada na ausência de mulheres sem filho e proporção de mulheres em idades reprodutivas sem filho – 1970/2010. 10

50 44,1

9

42,8

45

42,5

8,8 8

37,2

40 35

7 T F T

38,2

7,1

7,1

7,0

30

6 5,6

5

5,3

25

%

20

S e m

4,6

4

15 3,5

3

10 2,7

2

2,1

1

5 0

Anos

1970

1980 TFT

1991 TFT simulada

2000

2010

F i l h o

% MSF

Fonte: IBGE. Censos Demográficos, 1970/2010. Nas datas censitárias de 1970 e 1980, quando as taxas de fecundidade regional ainda eram altas, mulheres sem filho contribuiriam para que a fecundidade fosse em torno de 20% menor do que aquela que seria observada efetivamente, a apontar que mesmo sendo elevadas as frações de mulheres sem filho, as mulheres que se tornaram mãe geraram um número elevado de filhos que parcialmente reduziu o impacto das sem filho. A partir de 1991 cresce o impacto

atribuível à presença das mulheres sem filho reduzindo para valores próximos de 50% a fecundidade, mesmo em uma situação na qual as proporções de mulheres sem filho declinavam.

CONCLUSÃO Os resultados apontam na direção de que deverá ampliar a proporção de mulheres sem filho no Nordeste, na medida em que a revolução na educação aumentar continuamente a fração de mulheres com mais elevada escolaridade. Entretanto, não há evidências que no futuro breve esse aumento na proporção de mulheres sem filho seja expressivo no Nordeste e que atinja níveis que a identifiquem como sociedade sem filho. Os resultados necessitam maior detalhamento para potencializar suas contribuições para a compreensão dos movimentos observados e à formulação de políticas. Aparentemente, pode-se atribuir alguma participação das variações nas proporções de mulheres sem filho na trajetória da queda da fecundidade no Nordeste, ampliando-a com o aumento da proporção e atenuando-a pelo seu decréscimo e estabilidade. Avaliado pelo nível de escolaridade é possível antecipar a eventual futura redução da fecundidade associada à proporção de sem filho, em razão do aumento da escolaridade da população nordestina. Da mesma forma, com a continuidade da redução da proporção de mulheres nunca unidas sem filho, o aumento da nupcialidade poderá atuar como um freio à queda da fecundidade, mas há que se estabelecerem seus limites. Os resultados sugerem que a fecundidade nordestina deverá declinar ainda mais e que deverá se consolidar em torno de 1 ou 2 filhos por mulher como o tamanho modal da família nordestina.

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