Mayara Pillegi Moura Santos

Trabalho de Conclusão de Curso Design FAUUSP

Orientadora Profa. Dra. Clice de Toledo Sanjar Mazzilli

São Paulo - 2o semestre/2014

O presente trabalho é fruto de um longo processo de desenvolvimento pessoal e profissional, no qual eu pude contar com a colaboração de diversas pessoas direta e indiretamente. Assim, registro aqui meus sinceros agradecimentos: Aos meus colegas da FAU pela companhia, aprendizado e amizade nesses seis anos de graduação. Em especial, a Caroline Zambon, Christiane Sacoda e Rubiani Okamoto, por serem meu porto seguro; a Angela Coelho, Camilla Annarumma, Ery Higa, Laura Pires, Nívea Pascoaloto e Ricardo Yamamoto, pelo acolhimento; a Felipe Itai, pelo companheirismo; e a Isabela Prada, pela ajuda tipográfica. A todos os meus professores que, durante os últimos seis anos, contribuíram de várias formas com a minha formação pessoal e profissional, ainda que eu não tenha conseguido reconhecer isso em todos os momentos. À minha orientadora, Clice Mazzilli, por me incentivar constantemente a romper muitas próprias regras do fazer criativo e, ainda assim, fazê-lo de acordo com metodologias sólidas. Aos demais membros da minha banca, Denise Dantas, Giorgio Giorgi Jr. e Carlos Zibel, pelos apontamentos valiosos que foram feitos e que estão por vir. A funcionários e ex-funcionários da FAU pelas assistências e paciência. Especialmente neste último ano, a Simone Toledo, Thiago Wiek e Walter Garcia. A duas amigas que compartilham de áreas de interesse, que serviram de inspiração e me aconselharam: a Elizabeth Romani, pelos livros emprestados e conversas; a Camila Feltre, pela empolgação e novas perspectivas. A três amigas que me ajudaram com as entrevistas e testes com crianças: a Rita Cavalcanti e Simone Alexal, por me emprestarem seus filhos; a Paola Corrêa, por me emprestar seus alunos e pelos quase vinte e cinco anos de amizade em que mantivemos vívidas nossas crianças interiores. Aos meus pais, pois sem eles eu não estaria aqui de forma alguma. À minha mãe, Maria Cristina Pillegi, pela paciência e compreensão, pelo apoio e financiamento de tantas oportunidades e experiências e pelo serviço fotográfico. Ao meu pai, Herculano M. Santos, que, mesmo distante, sempre insistiu que eu cursasse Comunicação Social. A Ivan Ormenesse, por dividir comigo tudo isso e todo o resto.

Ao contrário, as cem existem!1 A criança é feita de cem. A criança tem cem linguagens, cem mãos, cem pensamentos, cem jeitos de pensar, de jogar e de falar. Cem, sempre cem, jeitos de escutar, de se maravilhar e de amar. Cem alegriais para cantar e compreender. Cem mundos para descobrir. Cem mundos para inventar. Cem mundos para sonhar. A criança tem cem linguagens (e depois cem, cem, cem), mas lhe roubam noventa e nove. A escola e a cultura lhe separam a cabeça do corpo. Dizem-lhe: de pensar sem mãos, de fazer sem cabeça, de escutar e de não falar, de compreender sem alegria, de amar e de se maravilhar só na Páscoa e no Natal. Dizem-lhe: de descobrir o mundo que já existe. E de cem, roubam-lhe noventa e nove. Dizem-lhe que o jogo e o trabalho, a realidade e a fantasia, a ciência e a imaginação, o céu e a terra, a razão e o sonho, são coisas que não estão juntas. Dizem-lhe, enfim, que as cem não existem. A criança diz: Ao contrário, as cem existem!

Loris Malaguzzi (UNIVESP TV, 2013, tradução nossa)

1. No Brasil, esse poema é mais conhecido como “As cem linguagens da criança”.

SANTOS, Mayara Pillegi Moura. Desenvolvendo experimentos gráficos que estimulem a criatividade na infância. Trabalho de Conclusão de Curso - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. Este trabalho propõe experimentos gráficos de caráter lúdico que visam estimular o desenvolvimento criativo na infância, especificamente para crianças de sete a nove anos. Foi realizado com base numa vasta pesquisa teórica sobre desenvolvimento infantil, atividades lúdicas, criatividade e educação e levantamento de referências pertinentes ao assunto, tanto visuais quanto funcionais; além de pesquisa prática que reúne entrevista com especialista em arte-educação, conversas com crianças e observação de seus desempenhos em um exercício proposto. A partir dessa coleta de dados e de pesquisa complementar sobre atributos projetuais, desenvolveram-se quatro experimentos gráficos que atuam como ferramentas para estimulação e produção do fazer criativo. Esses experimentos foram testados com possíveis usuários, editados e aperfeiçoados, a fim de possibilitar experiências mais agradáveis e enriquecedoras.

Palavras-chave Criatividade, desenvolvimento infantil, brincadeiras, atividades lúdicas.

1. Introdução

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2. O desenvolvimento infantil 2.1. Segundo Jean Piaget 2.2. Segundo Arnold Gesell 2.3. As crianças de 7 a 9 anos

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3. A importância do brincar na infância

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4. Como se dá a criatividade 4.1. A criatividade na criança e sua retração 4.2. Barreiras ao desenvolvimento criativo 4.3. Influências de variáveis dos ambientes familiar e escolar sobre a criatividade

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5. Entrevista com especialista em arte-educação

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6. Observações e conversas com crianças 6.1. Observações 6.2. Conversas

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7. Aplicação de exercício experimental

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8. Diretrizes para a execução do projeto

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9. Levantamento de produtos e referências visuais relacionados 9.1. Brinquedos relacionados 9.2. Produtos gráficos relacionados

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10. Primeiras ideias 10.1. Possibilidades projetuais 10.2. Geração de ideias 10.3. Pesquisas complementares

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11. Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas 11.1. Criando novas palavras 11.2. Desenhando novos bichos 11.3. Construindo espaços bidimensionais 11.4. Compondo com padrões gráficos

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12. Considerações finais

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13. Referências

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A criatividade normalmente é vista como um atributo excepcional, um quê de genialidade necessário a artistas, publicitários e designers para que sejam bem sucedidos em suas carreiras. Também é comum a concepção de que as ideias criativas surgem a partir do nada, num momento qualquer, como um inexplicável “lampejo de inspiração”1. No entanto, a criatividade se mostra no dia-a-dia de todos, na maneira como lidamos com nossos problemas e contratempos, tanto em nossas vidas profissionais como privadas, e é resultado do acúmulo de experiências obtidas a partir de condições ambientais, sociais e culturais diversas. Sendo assim, a criatividade está presente em todas as pessoas e apresenta diferentes níveis de desenvolvimento e manifestação, conforme a vivência de cada uma. É reflexo de um processo de construção que se inicia na infância, mas perdura ao longo da vida, e está fortemente ligado à aprendizagem. Pessoas que convivem com crianças têm contato com o potencial imaginativo dos pequenos — expresso por meio de suas brincadeiras e conversas —, mas, conforme crescem, é possível observar que há uma queda na manifestação da fantasia e, posteriormente, até uma retração dessa habilidade. As causas dessa redução, bem como o desejo de que os pequenos continuem manifestando sua imaginação, são motivos de estudo do presente trabalho. A partir desse tema, iniciou-se uma vasta pesquisa sobre o desenvolvimento infantil e áreas adjacentes que se relacionassem com a criatividade, além de produtos destinados ao público infantil que fossem pertinentes ao assunto. Observamos crianças e interagimos com elas, a fim de verificar, de maneira prática, oque foi levantado na pesquisa teórica. Nesse ponto, foi possível definir a faixa etária dos usuários, que restringiu-se a crianças de sete a nove anos. Então, partimos para a definição de requisitos de projeto, que conduziram ao caráter mais experimental da proposta: experimentos gráficos de caráter lúdico que auxiliem no estímulo das potencialidades criativas da criança. Para desenvolvê-los, houve grande ênfase no próprio processo de criação. Em seguida, os experimentos foram testados e alguns ajustes foram feitos. Todas as etapas acima descritas são esclarecidas no decorrer deste trabalho e podem dividir-se, para fins práticos, em duas partes: pesquisa e desenvolvimento. Embora essa divisão torne-se mais evidente devido à própria estruturação do Curso de Design e da disciplina de Trabalho de Conclusão do Curso, é importante mencionar que as partes se sobrepõem e se mesclam ao longo de todo o percurso de desenvolvimento do trabalho. A pesquisa compreendeu levantamento teórico e de campo. O levantamento teórico foi dividido em três áreas temáticas: desenvolvimento infantil, importância do brincar e criativi1. Expressão retirada de ALENCAR, Eunice M. L. Soriano de. Criatividade. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1993.

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Introdução

dade. A pesquisa de campo, por sua vez, complementa a parte teórica, por meio do contato direto com as crianças e elementos de seu mundo, organizando-se em quatro partes: entrevista com especialista em arte-educação, observação de crianças e conversas informais com elas, aplicação de exercício preliminar a diversas crianças e seleção de produtos e referências visuais relacionados. Por fim, concluímos a etapa de pesquisa com a definição das diretrizes para a execução do projeto. Durante a fase de desenvolvimento, houve novo levantamento de produtos, mas dessa vez com foco em materiais gráficos. Em seguida, propuseram-se algumas ideias para os experimentos que foram lapidadas até chegarmos às propostas iniciais. Nesse momento, foi necessário realizar pesquisas complementares a fim de dar suporte aos resultados pretendidos para os experimentos gráficos. Posteriormente, foram realizados testes com crianças para avaliar usabilidade e design dos experimentos e, então, foram feitas algumas alterações para permitir experiências mais agradáveis e enriquecedoras aos usuários, culminando com os experimentos finais aqui propostos. Os experimentos gráficos, por sua vez, são assim chamados por não encontrarem outra denominação adequada dentre os termos utilizados neste documento, pois não possuem regras bem definidas para se caracterizarem como jogos; nem têm a formalidade de brinquedos; mas consistem em objetos visuais e táteis, o que os distancia da imagem mental de brincadeiras ou atividades. Parte do desenvolvimento deste projeto se deu em paralelo à disciplina AUP2305 Processos de Criação e Design Visual, que visa ser um espaço de liberdade criativa para aprendizado e reflexão crítica sobre estratégias e técnicas para a realização de trabalhos em design visual, possibilitando ainda a articulação com trabalhos de outras disciplinas, neste caso, o TCC. A reflexão acerca da metodologia e dos próprios objetivos deste trabalho propiciada pela disciplina mudou seu encaminhamento, tornando-o mais investigativo e experimental que impositivo e definitivo. Da mesma forma que a criança, durante suas brincadeiras e aprendizados, está focada no processo, e não no resultado (como é descrito por diversos teóricos citados nos próximos capítulos), também este projeto enfatiza o processo de desenvolvimento, mergulhando nas estratégias de criação dos experimentos gráficos, por meio de muita pesquisa de referência e exaustivos ensaios. Assim, é importante ressaltar que este trabalho não objetiva desenvolver novos produtos a ponto de propor sua produção e comercialização em larga escala. Todo o processo de desenvolvimento dos experimentos gráficos seguiu metodologias comumente empregadas na indústria, mas foi uma escolha de projeto explorar e refinar mais de um partido, em vez de optar por apenas um deles e trabalhar no seu refinamento até a fase de produção comercial. Sendo assim, as quatro propostas aqui idealizadas encerram-se em sua fase de detalhamento e, ainda que sejam passíveis de pequena reprodução, podem submeter-se a alterações para viabilizar a produção serial e consequente comercialização.

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Neste trabalho, a fim de melhor compreender o desenvolvimento infantil, tomam-se como referência as obras de Jean Piaget e Arnold Gesell. A obra de Piaget enfoca o desenvolvimento intelectual da criança, que se inicia no seu contato físico com o mundo, considerando as influências do meio, ao passo que a obra de Gesell apresenta uma visão mais geral, abrangendo também desenvolvimento físico, mas que considera principalmente a influência da genética, em detrimento da ação do meio. Ambas as obras classificam o desenvolvimento em etapas diretamente relacionadas a faixas etárias, entretanto, como os próprios autores destacam, a evolução da criança é um processo contínuo sequencial que pode apresentar variações de indivíduo para indivíduo.

2.1. Segundo Jean Piaget A obra de Piaget está dispersa em livros e publicações que apresentam algumas diferenças estruturais entre si, o que dificulta um pouco a assimilação de sua teoria. Por essa razão, as informações compiladas a seguir são formuladas de acordo com a análise feita por Flavell (2001), com a ratificação de Piaget (conforme prefácio do livro). De acordo com a teoria piagetiana, as etapas do desenvolvimento dividem-se em três períodos, que são as principais épocas do desenvolvimento. Os períodos, por sua vez, dividem-se em estágios, que são subdivisões menores e “devem ser considerados como abstrações que auxiliam na análise do desenvolvimento e não como entidades concretas e imutáveis” (FLAVELL, 2011, p. 86). Os três períodos e seus estágios são: 1) Período sensório-motor (0 a 2 anos), divide-se em seis estágios: • • • • • •

Estágio 1 (0 a 1 mês) Estágio 2 (1 a 4 meses) Estágio 3 (4 a 8 meses) Estágio 4 (8 a 12 meses Estágio 5 (12 a 18 meses) Estágio 6 (18 meses a 2 anos)

2) Período das ações concretas (2 a 11 anos), que divide-se em 2 sub-períodos: Sub-período pré-operacional (2 a 7 anos), que tem três estágios: • Estágio pré-conceitual (2 a 4 anos) • Estágio das intuições simples (4 a 5 1/2 anos) • Estágio das intuições articuladas (5 1/2 a 7 anos) Sub-período das ações concretas (7 a 11 anos) 3) Período das ações formais (11 a 15 anos)

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O desenvolvimento infantil

Nesta explanação, enfatizaremos o sub-período das ações concretas, pois caracteriza o usuário-alvo do presente trabalho.

O período sensório-motor O período sensório-motor (0 a 2 anos) se caracteriza pelo desenvolvimento da criança a partir do nível neonatal (indiferenciação entre o eu e o mundo) para uma organização prática das ações sensório-motoras, que se dá por meio das primeiras relações perceptivas e motoras, em razão do seu contato imediato com o ambiente.

O período das operações concretas O período das operações concretas (2 a 11 anos) se inicia com as primeiras simbolizações e se encerra com o início do pensamento formal. Divide-se em dois subperíodos: • Sub-período pré operacional (2 a 7 anos) • Sub-período das operações concretas (7 a 11 anos) O sub-período pré-operacional (2 a 7 anos) é uma etapa de transição na qual “a criança deixa de ser um organismo, cujas funções mais inteligentes são ações sensório-motoras e explícitas e se transforma num organismo, cujas cognições superiores são manipulações internas e simbólicas da realidade.” (p. 152). Para que haja a representação simbólica da realidade, ou seja, a função simbólica1, é necessário ser capaz de diferenciar significante e significado, tornando-se, assim, capaz de evocar um para se referir ao outro. Enquanto a inteligência sensório-motora é capaz apenas de as ações sucessivas, “restringindo-se à busca de objetivos concretos de ação” (p. 153), a inteligência representativa através de sua capacidade simbólica, é capaz de abranger simultaneamente, numa síntese interna e única, toda uma extensão de eventos isolados. Trata-se de um procedimento muito mais rápido e móvel, capaz de evocar o passado, representar o presente e antecipar o futuro, através de um ato organizado e temporalmente curto. (p. 153)

A criança adquire a capacidade simbólica por meio de desenvolvimentos especiais da assimilação e da acomodação. “A assimilação refere-se ao fato de que todo encontro cognitivo com um objeto ambiental envolve necessariamente algum tipo de estruturação (ou reestruturação) cognitiva daquele objeto” (p. 48), de acordo com a organização intelectual do indivíduo. A acomodação, por sua vez, é o processo de adaptação às exigências que o mundo impõe às pessoas (p.48). A assimilação e a acomodação são processos que ocorrem de maneira quase simultânea e indissolúvel numa operação cognitiva: “A adaptação é um evento unitário, e a assimilação e a acomodação são abstrações desta realidade unitária.” (p. 48). No período sensório-motor, a acomodação se dá frequentemente por meio da imitação, proporcionando à criança seus primeiros significantes que representam um significado ausente (um acontecimento lhe serve de modelo). Com o desenvolvimento, a criança passa 1. A aquisição da função simbólica tem grande importância no nosso trabalho porque é ela que permite estabelecer relações e significações, proporcionando, assim, as habilidades de criação e representação e, consequentemente, o desenvolvimento da criatividade, como será explicado nos próximos capítulos.

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também a fazer imitações internas e pode evocar mentalmente imitações do passado sem precisar realizá-las fisicamente. A imitação interna assume uma imagem simbólica, um significante, podendo ser evocada para antecipar ações futuras. No sub-período pré-operacional, a criança também tende a centrar a atenção num único aspecto de um objeto e ignorar os demais, distorcendo seu raciocínio, uma vez que não considera aspectos que afetam diretamente sua percepção, limitando-se, assim, a um raciocínio supérfluo. Esse fenômeno faz com que ela não compreenda transformações, porque atém-se apenas aos estados de um acontecimento e não no processo em que um se converte em outro. Dessa forma, seu pensamento focaliza uma condição momentânea e estática, não sendo capaz de conectar um conjunto de condições sucessivas que fazem parte de um todo. No sub-período das operações concretas (7 a 11 anos), a criança já se encontra inserida no ambiente escolar e apresenta um sistema cognitivo coerente e integrado, com o qual organiza e manipula o mundo que a cerca [...] ela dá a impressão clara de possuir uma base cognitiva sólida, algo flexível e plástico, além de consistente e duradouro, com o qual pode estruturar o presente em termos do passado sem distorções e deslocamentos indevidos, ou seja, sem a tendência constante de cair na perplexidade e na contradição que caracterizam o [período] pré-escolar. Usando as palavras de Piaget, a criança operacional concreta se comporta, diante de uma ampla variedade de tarefas, como se uma organização assimilativa rica e integrada estivesse funcionando em equilíbrio com um mecanismo acomodativo precisamente ajustado e discriminativo. (p. 168)

Para Piaget, a cognição define-se como a aplicação pelo sujeito de ações reais tanto ao ambiente quanto a outras ações. No período sensório-motor, em geral, essas ações são externalizadas e observáveis, mas à medida que a criança adquire a função simbólica, elas se tornam interiorizadas, esquemáticas e móveis, conectando-se e formando sistemas de ações complexos e integrados, que são equilibrados (há um equilíbrio entre assimilação e acomodação) e organizados. Assim, no sub-período das operações concretas, a criança apresenta processos de pensamento lógico (operações) que podem ser aplicados a problemas reais (concretos). Ela está menos egocêntrica, fala com a finalidade de comunicar-se (logo, quer se fazer entender pelos outros) e já é capaz de explicar seu raciocínio. Consegue tomar decisões lógicas, apreender transformações e reverter operações mentais e, por meio das operações, compreende melhor conceitos de seriação, classificação, causalidade, tempo, espaço, velocidade, entre outros. Em suma, A criança pré-operacional tende a funcionar apenas em termos da realidade que tem diante dos olhos. No período operacional concreto, por sua vez, a criança começa a estender o pensamento do real para o potencial [...] Esta evolução é uma consequência natural da formação de estruturas operacionais concretas. (p. 208)

O período das operações formais (11 a 15 anos) A criança de 7 a 11 anos se estrutura e organiza principalmente de acordo com objetos e acontecimentos concretos do presente, o que faz com que sua capacidade de extrapolar

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essas estruturas e organizações para compreender e lidar com situações ausentes ainda seja limitada. Essa barreira dificulta a superação das propriedades físicas dos objetos e acontecimentos, o que compromete, por exemplo, a compreensão de quantidade, quando dois objetos têm o mesmo peso, mas volumes diferentes. Essas características se dão porque os sistemas operacionais da criança nessa idade atuam como ilhas, sem se comunicar entre si de maneira a formar um sistema integrado. Sem essa capacidade de combinação entre os sistemas, não é possível coordenar problemas que possuam múltiplas variáveis. A aquisição dessa capacidade é o que diferencia o sub-período das operações concretas do período das operações formais. O período das operações formais caracteriza-se pela diferenciação entre real e possível. o adolescente, ao começar a examinar um problema com que se defronta, tenta imaginar todas as relações possíveis que seriam válidas no caso dos dados em questão; a seguir, através de uma combinação de procedimentos de experimentação e de análise lógica, tenta verificar quais dessas relações possíveis são realmente verdadeiras. Portanto, a realidade é concebida como um subconjunto especial dentro da totalidade de coisas que os dados permitem admitir como hipótese; é considerada como a parte que “é” de uma totalidade que abrange tudo aquilo que “poderia ser”, sendo a tarefa do sujeito descobrir no que consiste esta parte. (p. 209)

Assim, surge o pensamento formal, que transcende as operações concretas (de estruturação e organização de objetos e acontecimentos), caracterizando a chegada da adolescência. Nesse tipo de raciocínio, o indivíduo “toma os resultados destas operações concretas, formula-os sob a forma de proposições e continua a operar com eles, ou seja, estabelece vários tipos de conexão lógica entre eles (implicação, conjunção, identidade, disjunção etc.).” (p. 201). Essa diferença entre o pensamento da criança e o do adolescente possui um importante significado adaptativo, pois implica que o adolescente começa a assumir papéis adultos, em um mundo com possibilidades futuras relevantes que passam a ser seus objetos de reflexão, como escolha da uma profissão, de um parceiro etc. As operações formais são o estado final do processo de evolução intelectual que teve início no nascimento, constituindo o ápice do desenvolvimento intelectual, ou seja, são o mesmo nível da capacidade mental que pode ser encontrada num adulto.

2.2. Segundo Arnold Gesell Em seu livro A criança dos 5 aos 10 anos, Gesell expõe o resultado de uma complexa análise acerca do desenvolvimento dos esquemas de comportamento ao longo dos dez primeiros anos de vida. No entanto, vale reforçar que, embora o processo de desenvolvimento seja contínuo, não é regular e pode apresentar variações de uma criança para a outra. As características de maturidade não devem ser encaradas como normas rígidas nem como modelos. Servem apenas como exemplo das espécies de comportamento (desejáveis ou não) que tendem a ocorrer nesta idade. Cada criança tem o seu próprio esquema de desenvolvimento, que é único. As características de comportamento que assinalamos podem ser utilizadas para interpretar a sua individualidade e ajuizar o nível de maturidade em que ela está agindo. (GESELL, 1993, p. XVIII)

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O ciclo do desenvolvimento São necessários pouco mais de vinte anos para que um recém-nascido se torne adulto, mas o próprio nascimento foi precedido por uma fase embrionária e, posteriormente, fetal. Nessa última, já se tornam perceptíveis as diferenças entre os gêneros. Até o nascimento, outras particularidades surgem, marcando cada bebê com um esquema de desenvolvimento único. No entanto, observam-se características básicas e sequências que são típicas da espécie humana na cultura moderna. De maneira geral, a marcha do desenvolvimento é similar entre meninos e meninas, sendo que as meninas amadurecem mais cedo e um pouco mais rapidamente. A marcha se processa da seguinte maneira: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.

Embrião (0 a 8 semanas) Feto (8 a 40 semanas) Bebê (do nascimento aos 2 anos) Idade pré-escolar (2 a 5 anos) Idade escolar (5 a 12 anos) Adolescência (12 a 20-24 anos) Maturidade do adulto

Ao longo desse processo, o indivíduo passa por ciclos de comportamento que se repetem continuamente, mas que apresentam duração diversa conforme a sua idade. Basicamente, eles se caracterizam pelo revezamento entre processos de expansão e interiorização, no qual o indivíduo absorve e assimila o conteúdo adquirido anteriormente. Os primeiros cinco anos de vida são de preparação. Dos cinco aos dez anos, a criança está numa posição intermediária tanto no sentido biológico, quanto no cultural; são anos de complementação e vêm seguidos pela puberdade, que marca o início da adolescência. Deter-nos-emos na descrição da fase de complementação. Aos cinco anos, a criança já tem bastante independência nas suas rotinas elementares, já desenvolveu características emocionais próprias e certa capacidade de adaptação, podendo enfrentar o dia-a-dia com outras pessoas numa sala de aula. Ela tenta ajustar-se a si mesma e ao ambiente, mas logo sente as tensões do crescimento e das pressões das exigências culturais, o que caracteriza certa instabilidade dos seis anos. Na idade de sete anos, passa por um período de interiorização, mostra-se menos instável e mais capaz de absorver novas experiências, e apresenta relações mais firmes com colegas e professores. Aos oito, a criança volta a expandir-se, pois adquiriu experiências mais sólidas, relacionando-se melhor com seus pares, além de ter mais iniciativa e espontaneidade. Quando chega aos nove, torna-se ainda mais independente, desprendida dos mais velhos e de prisões domésticas, vivendo numa cultura de escolha própria, enfretando um período de desequilíbrio. Aos dez anos, essa independência se acentua. Ela se torna mais autoconfiante e, ao mesmo tempo, desenvolve maior identificação com um grupo, o que desencadeia o processo de desprendimento familiar tão comum nessa idade, mas traz uma nova fase de equilíbrio. É também nesse momento que as diferenças entre os dois sexos acentuam-se, consolidando a tendência à segregação entre eles. As meninas entram no período prépu-

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bertário antes dos meninos, e começam a apresentar modificações corporais e metabólicas, caracterizando o início da adolescência. As teorias propostas por Piaget e Gesell mostraram-se, para o fim deste trabalho, complementares, à medida que a primeira esclarece o desenvolvimento cognitivo da criança, abordando a origem do pensamento simbólico, que se relaciona diretamente com o processo de desenvolvimento da criatividade, e a segunda detalha de maneira categórica as características, gostos e habilidades da criança em cada idade, conforme será demonstrado no próximo tópico.

2.3. As crianças de 7 a 9 anos A partir das explicações deste e dos próximos capítulos, selecionou-se a faixa etária entre sete e nove anos como alvo dos experimentos a serem desenvolvidos neste trabalho. Como afirma Piaget, as crianças de sete a nove anos apresentam um sistema cognitivo coerente e integrado, no qual a função simbólica permite conectar eventos isolados e transformá-los em um sistema de experiências relacionadas. Dessa forma, elas passam a se relacionar de outra maneira com o mundo, apreendendo transformações e revertendo operações mentais para chegar a um objetivo pré-definido. Elas também já estão inseridas no contexto escolar e têm, portanto, maior contato com outras crianças e adultos além da família, apresentando, consequentemente, um pouco mais de independência em relação aos pais, características que corroboram o desenvolvimento de seu repertório e habilidades criativas. Além disso, as crianças dessa idade já têm o autoconceito bastante desenvolvido e começam a expressar autocríticas (capítulo 4), mostram-se mais preocupadas em se adaptar ao mundo adulto e assimilar suas regras, estando mais sujeitas a moldar seu comportamento de acordo com demandas externas. Isso pode afetá-las negativamente do ponto de vista da criatividade e da liberdade de expressão, caso venham a reprimir comportamentos que possam ser vistos como inadequados pelos outros colegas ou pessoas mais velhas. Por esses motivos, pode-se apontar essa faixa etária como um ponto-chave no desenvolvimento criativo da criança, pois é quando há um confronto entre imaginação e razão, conforme apontado por Vigotski no processo de retração da habilidade de criação (capítulo 4). Neste item, elencaremos as principais características das crianças de sete a nove anos que sejam pertinentes ao tema dessa pesquisa, de acordo com os estudos realizados por Gesell (1993). Entretanto, é importante relembrar que esses atributos não devem ser encarados como normas, mas como exemplos generalizados de comportamentos observados pelo autor. Ademais, deve-se considerar que o texto original foi escrito em 1946, nos Estados Unidos, apresentando, portanto, alguns elementos que podem não mais condizer com o contexto atual e local deste estudo. Nesta faixa etária, a criança busca compreender melhor o que acontece ao seu redor, organizando e assimilando as experiências acumuladas mentalmente. Ela tem percepções que

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lhe parecem intuitivas e tenta analisá-las de forma racional. Sua consciência está se desenvolvendo. Suas forças interiores a impelem a expandir-se psiquicamente, suas apreciações tornam-se mais profundas e discriminativas e sua emotividade amadurece. Tem um interesse quase científico por causas e circunstâncias, mas ainda se interessa por contos de fadas, super-herois e histórias de magia. É curiosa e ainda tende a mexer e manipular nas coisas que estão ao seu alcance. Começa a elaborar conclusões e identificar contextos e consequências, compreende o significado de suas ações, e sua maior tarefa é adaptar suas reações emocionais às regras sociais, enquanto mantém sua própria identidade. Percebe-se melhor como pessoa entre outras pessoas, o que assinala sua existência como indivíduo numa cultura. Ao mesmo tempo, apresenta nova capacidade de discriminação nas conexões com pais e professores, desenvolvendo relacionamentos mais profundos. Aos poucos, a criança desprende-se dos pais e fortalece os laços com os colegas de classe. Apresenta-se mais sociável e amigável e relaciona-se de maneira mais segura com o mundo. No entanto, apesar de transmitir segurança e sentido prático, ainda não é estável. Estão surgindo novos esquemas emocionais e, por isso, ela pode apresentar variações no humor. Está numa idade intermediária entre a infância e a adolescência e, por isso, apresenta reorientações significativas. Nessa fase, a criança apresenta maior sensatez e capacidade crítica, interessando-se por discussões lógicas. Desenvolve senso ético, tomando consciência do que é bom ou mau nela e nos outros e percebendo que esses conceitos são noções preestabelecidas que vão além da opinião dos pais. Aprende a discernir o que é mentira e entende que deve evitá-las, tornando-se vigilante de si mesma. Adquire aptidão para avaliar e criticar os outros e também preocupa-se com o que as outras pessoas pensam dela, abandonando o comportamento birrento do começo da infância e evitando chorar em público. Entretanto, ainda pode magoar-se facilmente e é sensível a críticas, especialmente se feitas pela mãe. Torna-se autocrítica, busca continuamente aperfeiçoar-se e é automotivada. Pode repetir um determinado comportamento buscando esgotar as possibilidades de uma atividade antes de passar para outra. Distrai-se menos com o movimento à sua volta e mantém-se mais absorvida no que está fazendo. Gosta de fazer o melhor que pode em suas atividades, entretendo-se e dedicando-se a elas, sem se sujeitar tanto a pressões externas. Por outro lado, é impaciente e busca resultados rápidos, podendo abandoná-la antes mesmo de começar. Quando fica entediada ou cansada, a criança manifesta seu desejo de mudar de tarefa, movendo-se frequentemente ou mexendo em outros objetos. Observa a comunicação entre os adultos, esperando aprender como se comportar. Tem consciência da dimensão que separa seu mundo e o deles e esforça-se para estabelecer sua própria posição no lar e na escola, constantemente redefinindo as regras de seus relacionamentos. Faz uso mais livre e adequado da linguagem, tanto para estabelecer relações quanto para comentar um determinado assunto. Gosta de se apresentar e expandir suas características comunicativas, por isso teatraliza as próprias atitudes com gestos e posturas, faz acrobacias e atividades físicas.

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Gosta de discutir e elaborar projetos, gosta muito de falar. Dessa forma, adquire o senso de companherismo e de planejamento social, trocando confidências e formando juízos. É nessa fase que surgem amizades profundas e duradouras. Forma grupos secretos, com regras e senhas, e aprende a subordinar seus interesses às exigências do grupo. Nesse processo, também aprende a perder e a jogar jogos que exijam cooperação intensa. Fisicamente, a criança também está mais amadurecida. Adoece e se cansa menos. Tem energia crescente e está frequentemente correndo e se movimentando. Repete cada exercício várias vezes até executá-lo bem, especialmente os de coordenação motora. Seus movimentos corporais se tornam mais ágeis e graciosos, ela tem consciência da própria postura e mais domínio do próprio corpo. Tem mais leveza e habilidade em suas atividades motoras delicadas e está mais receptiva a aprender novas técnicas. É, portanto, uma boa fase para aperfeiçoar o manejo de ferramentas, uma vez que a criança deseja aprimorar suas aptidões e gosta de repetir tarefas. Para consegui-lo, tenta planejar e antever as coisas. Se encontra uma tarefa difícil, pede que lhe expliquem suas etapas. E se seu resultado não é satisfatório, mostra-se autocrítica e tenta novas abordagens para realizá-la. A criança adquire maior capacidade de brincar sozinha e não se cansa de fazer o que gosta. Gosta de ver televisão e ler, mas também de desenhar e escrever, buscando aperfeiçoar seu traço e escrita. Volta a fazer atividades de colorir e recortar e continua gostando de fazer construções e coleções. O gosto pelas regras e o espírito de aprimoramento, gera mais atração por jogos de mesa e pela competição, o que a leva à desprezar aqueles que se tornaram muito fáceis para ela. No final deste período, começam a surgir diferenças de comportamento entre os sexos e, meninos e meninas estão mais conscientes disso, demonstrando repugnância ao tocarem uns nos outros até durante as brincadeiras. Os meninos adoram jogar bola e fazer brincadeiras de luta, já as meninas preferem brincar de boneca, ensaiando com elas o cotidiano. Entretanto, o prazer pela atividade física, faz com quem ambos gostem de patinar, nadar, andar de bicicleta.¬¬ As brincadeiras em grupo, por sua vez, são mais realistas, com menos “faz de conta”, utilizando o equipamento necessário para tornar as experiências mais verossímeis. Com base nessas características, pretende-se criar experimentos gráficos que estejam de acordo com as habilidades e preferências do usuário, propiciando a ele novas atividades criativas que ainda façam parte do seu recorte de interesses.

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Jogo, brinquedo e brincadeira são frequentemente utilizados como sinônimos no Brasil, mas diversos teóricos já se propuseram a definir e diferenciar essas três palavras. A palavra jogo permite algumas derivações de significado um tanto figurado, como jogo político, jogo de luzes, jogo de pratos etc., entretanto, ater-nos-emos à sua concepção mais lúdica. Kishimoto (2011) cita alguns autores e suas definições sobre as características comuns entre os jogos, sintetizadas a seguir: 1. liberdade de ação do jogador, voluntariedade na participação, motivação interna; 2. busca pelo prazer, pela diversão; 3. regras (implícitas ou explícitas); 4. ênfase no processo e não nos resultados ou benefícios; 5. incerteza do desfecho; 6. simbolismo (representação da realidade, espaço para imaginação) 7. significação (combinação de ideias e experiências, ambiente de teste) 8. contextualização no tempo e no espaço. Já o brinquedo supõe uma relação próxima com a criança e não tem seu uso restrito por um sistema de regras, o que pode permitir várias formas de utilização. Nesse sentido, é o contrário dos jogos, que muitas vezes implicam (explícita ou implicitamente) o exercício de certas habilidades em decorrência de suas estruturas e regras. O brinquedo pode representar realidades, tomando o lugar de objetos reais, muitas vezes inacessíveis, para que a criança possa manipulá-los; “ é o estimulante material para fazer fluir o imaginário infantil.” (2011, p. 24). Assim, permite que ela reproduza tudo ao seu redor: o cotidiano, a natureza, as relações humanas etc. Pode também representar o mundo técnico e científico e o modo de vida atual (eletrodomésticos, naves, bonecos, robôs), mas sempre incorporando tamanho, formas e até um imaginário preexistente de elementos da cultura infantil relacionados a idade e gênero do público-alvo, o que o distancia de uma representação fiel da realidade. Contudo, embora utilizado pela criança, o brinquedo é também resultado da visão que cada cultura tem de sua criança e do imaginário do criador do brinquedo, o adulto, que projeta o que percebe e idealiza da própria infância. “A infância expressa no brinquedo contém o mundo real, com seus valores, modos de pensar e agir e o imaginário do criador do objeto.” (2011, p. 21). A brincadeira, assim como o brinquedo, também se relaciona diretamente com a criança. É a ação desempenhada pela criança ao interagir com o universo lúdico, “ao concretizar as regras do jogo [...] Pode-se dizer que é o lúdico em ação.” (2011, p. 24). Nos últimos tempos, há um movimento de correntes psicológicas e pedagógicas no sentido de auxiliar o reconhecimento do “papel de brinquedos e brincadeiras no desenvolvimento e

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A importância do brincar na infância

na construção do conhecimento infantil.” (2011, p.24).

O brincar e suas consequências para o desenvolvimento É por meio das brincadeiras, que a criança pode explorar o mundo e a si mesma sem reais prejuízos, permitindo que expresse suas impressões e experiências como uma forma de treino para as dificuldades que enfrenta no dia a dia e, posteriormente, para a vida adulta. O valor das brincadeiras torna-se óbvio, na medida que ensinam às crianças a respeito do mundo em que vivem. As brincadeiras permitem às crianças observar o entorno de maneira muito mais intensa e assim, tornam-se capazes de fixar na memória e nos seus hábitos muito mais do que o fariam de forma passiva. (FONTOURA; PEREIRA, 2004, p.3).

Numa releitura de Bernabeu e Goldstein (2012), pode-se dizer que o brincar promove a exploração, possibilitando a descoberta de resoluções para eventuais questões ou problemas que a criança possa ter, o que pode produzir mudanças importantes no seu comportamento. Brincando, ela pode representar e encarar situações complicadas sem medo ou preconceitos que poderiam refreá-la, reconstruindo o passado e antecipando o futuro. “ O brincar assume, pois, duas facetas: a de passado, através da resolução simbólica de problemas não-resolvidos; e a de futuro, na forma de preparação para a vida.” (Vigotski1 apud PEDROSO et al., s. d., p. 6). Por esse motivo, a brincadeira promove e facilita a aprendizagem física, por meio do desenvolvimento motor, muscular, sensorial etc., e mental, constituindo-se como uma importante ferramenta para o desenvolvimento da cognição na criança. Além disso, o brincar é um mecanismo que possibilita a aprendizagem da significação, proporcionando a vazão do imaginário e a imersão numa realidade paralela. Nesse sentido, há um relaxamento das defesas psicológicas, o que facilita a aquisição de novos esquemas de aprendizagem, permitindo ao indivíduo lidar melhor com seus erros e fracassos e tolerar a frustração. “Brincando as crianças recriam o mundo, refazem os fatos, não para mudá-los simplesmente para contestá-los, mas para adequá-los aos filtros da compreensão.” (PEDROSO et al., s. d., p. 6). Essa mesma visão da brincadeira como ensaio da vida, é expressa por Kishimoto (2011, p. 143) da seguinte forma: “A conduta lúdica, ao minimizar as consequências da ação, contribui para a exploração e a flexibilidade do ser que brinca, incorporando a característica que alguns autores denominam futilidade, um ato sem consequência.” Sendo assim, a criança brinca como forma de absorver o mundo e aprender a responder a ele. PEDROSO et al. (s. d.) exaltam que o motivo que conduz a brincadeira reside no próprio processo de brincar, e não no resultado. Para que as atividades lúdicas rendam o máximo de benefícios para a criança, assim como qualquer outro elemento da aprendizagem, é importante que elas tenham “pontos de contato com a sua realidade” e que sejam voluntárias. Quando a criança brinca (e o adulto não interfere) muitas coisas sérias acontecem. Quando ela mergulha em sua atividade lúdica, organiza todo o seu ser em função da sua ação. O interesse provoca o fenômeno, reúnem-se potencialidades num exercício mágico e prazeroso. E quanto mais a criança mergulha, mais estará exercitando sua capacidade de concentrar a atenção, de descobrir, de criar e, especialmente, de 1. VIGOTSKI, L.S. A formação social da mente. 6. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998.

A importância do brincar na infância

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permanecer em atividade. É a aprendizagem pelo sentir, e não para obter determinado resultado ou para possuir alguma coisa. A criança estará aprendendo a engajar-se seriamente, gratuitamente, pela atividade em si. Estão sendo cultivadas aí, qualidades raras e fundamentais tais como a autonomia e socialização. Sem brincar, ela não vive a infância. (PEDROSO et al. s. d., p. 5).

A partir dessas constatações, pode-se, então, apontar a atividade lúdica como ferramenta eficaz para ensinar crianças de diferentes idades, se respeitadas suas individualidades e privilegiando suas motivações internas. É nesse contexto que vemos a oportunidade de aplicar conceitos e processos de design para viabilizar experiências lúdicas que estimulem o desenvolvimento criativo dos pequenos, ajudando-os a enxergar novas possibilidades e aprendizados por meio de experimentos gráficos.

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Para Vigotski (2009), conservar experiências anteriores é o que facilita nossa adaptação ao mundo que nos rodeia, porque assim criamos hábitos permanentes que se repetem em situações semelhantes. Nosso cérebro e nervos possuem plasticidade, modificando sua estrutura conforme as influências e mantendo essas modificações se os estímulos forem frequentes e repetitivos. Mas além de conservar nossa experiência anterior, o cérebro também é capaz de criar e combinar. Essa capacidade é o que impele o homem para o futuro, pois gera nele o desejo de modificar o presente em busca de algo que imaginou - caso contrário apenas reproduziríamos o passado e continuaríamos vivendo da mesma forma sempre. Sendo assim, nossa habilidade criadora baseia-se nessa capacidade de combinação, que permeia todos os campos da cultura (arte, ciência ou técnica), uma vez que tudo que foi inventado pelo homem foi primeiramente criado pela sua imaginação. Para o autor, ela é uma função vital do desenvolvimento humano que se manifesta na relação entre imaginação e realidade e depende tanto de fatores intelectuais quanto emocionais. Vigotski (2009, p. 16) afirma que a “criação é condição necessária da existência”. Com base nisso, podemos observar que os processos de criação manifestam-se logo na infância, identificando-os nas brincadeiras das crianças (como o faz de conta). Todavia, a brincadeira nunca é uma cópia exata das experiências que a criança teve, e sim uma reelaboração criativa de suas impressões. Combinando essas impressões, a criança encontra uma nova realidade que responde a suas aspirações e receios. [A atividade criadora] não irrompe de uma vez, mas lenta e gradativamente, desenvolvendo-se de formas mais elementares e simples para outras mais complexas. Em cada estágio etário, ela tem uma expressão singular; cada período da infância possui sua forma característica de criação. (p. 19)

Tudo o que a criança apreende é acumulado e posteriormente pode servir para a construção da fantasia, num processo complexo de reelaboração, que consiste na dissociação das impressões a fim de criar uma nova associação: A dissociação consiste em fragmentar esse todo complexo em partes. Algumas delas destacam-se das demais; umas conservam-se e outras são esquecidas. Dessa forma, a dissociação é uma condição necessária para a atividade posterior da fantasia. Subsequentemente, para reunir os diferentes elementos, a pessoa deve, antes de tudo, romper a relação natural segundo a qual foram percebidos. [...] A esse processo segue-se o de modificação a que se submetem os elementos dissociados. Tal processo de modificação ou de distorção baseia-se na natureza dinâmica dos nossos estímulos nervosos internos e nas imagens que lhes correspondem. [...] Nesse movimento está a garantia de sua modificação sob a influência de fatores internos que as distorcem e reelaboram. [...] O momento subsequente que compõe os processos da imaginação é a associação, isto é, a união dos elementos dissociados e modificados. [...] Por fim, o último momento do trabalho preliminar da imaginação é a combinação de imagens individuais, suas organização num sistema, a construção de um quadro complexo. (Vigotski, 2009, p. 36-39).

O autor ressalta a importância do processo de romper a relação natural das coisas na dis-

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Como se dá a criatividade

sociação, pois nele está a base do pensamento abstrato, que possibilita a formação de novos conceitos e está fortemente ligado ao trabalho criativo. Entretanto, a criatividade não depende só de fatores internos, ela também é influenciada pelo meio (ambiente, sociedade e cultura) a que pertence o indivíduo: Qualquer inventor, mesmo um gênio, é sempre um fruto de seu tempo e de seu meio. Sua criação surge de necessidades criadas antes dele e, igualmente, apoia-se em possibilidades que existem além dele. Eis por que percebemos uma coerência rigorosa no desenvolvimento histórico da técnica e da ciência. Nenhuma invenção ou descoberta científica pode emergir antes que aconteçam as condições materiais e psicológicas necessárias para seu surgimento. A criação é uma herança histórica e cada forma que sucede é determinada pelas anteriores. (p. 41).

4.1. A criatividade na criança e sua retração De acordo com Vigotski (2009), a imaginação amadurece com a idade e apresenta, na adolescência, uma fase de transição, caracterizada pela transgressão do equilíbrio do organismo infantil e para o equilíbrio ainda não encontrado no organismo maduro. Biologicamente, essa evolução é acompanhada da puberdade e do amadurecimento sexual, quando maturam os interesses permanentes e retraem-se os infantis. Nesse período de transição, ocorre uma reestruturação da imaginação, transformando-se de subjetiva em objetiva. Fisiologicamente, é a formação do cérebro adulto. Psicologicamente, é o antagonismo entre a subjetividade pura da imaginação e a objetividade dos processos racionais. Então, é possível observar que a atividade de imaginação se retrai devido à ruptura e transgressão em busca de um novo equilíbrio. Um exemplo comum dessa retração é o desaparecimento da paixão pelo desenho. Normalmente, até a idade escolar, as crianças gostam muito de desenhar, porque essa é a atividade que lhes oferece maior possibilidade de expressão. No entanto, com o início da puberdade, “a criança começa a ter uma relação crítica com os seus desenhos; os esquemas infantis deixam de satisfazê-las; eles parecem-lhe por demais objetivos e ela chega à conclusão de que não sabe desenhar, pondo de lado o desenho.” (Vigotski, 2009, p. 49). O mesmo processo acontece com o interesse por brincadeiras ingênuas da primeira infância e contos de fadas. Nesse mesmo período da vida, a criança começa a desenvolver suas habilidades de criação literária. Para se criar com palavras algo próprio que combine fatos reais é necessário maior experiência de vida e habilidade de análise de relações e situações. Assim, a criação literária aparece mais desenvolvida na adolescência, acompanhando o amadurecimento sexual, quando ascendem as vivências subjetivas resultantes de uma investigação do próprio mundo, que se manifestam com base na literatura que o adolescente percebe nos adultos a sua volta. Entretanto, logo o adolescente também se torna crítico de si mesmo e fica insatisfeito com seus textos, deixando de escrever. Segundo Vigotski, essa retração ocorre devido ao próprio processo de amadurecimento do indivíduo. Durante o crescimento da criança, o início do desenvolvimento da imaginação antecede o da razão. Porém, num determinado momento, o desenvolvimento da imaginação

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se estabiliza e é alcançado pelo desenvolvimento da razão. A partir daí, ambos evoluem na mesma velocidade, tornando-se forças competitivas. A atividade da imaginação adapta-se às condições racionais. No entanto, na maioria das pessoas, a partir desse período de encontro, o desenvolvimento da imaginação declina rapidamente, assinalando sua retração: A imaginação criativa entra em declínio - esse é o caso mais comum. Apenas os dotados de imaginação fértil são exceção; a maioria, aos poucos, entra na prosa da vida prática, enterra os sonhos de sua juventude, considera o amor uma quimera etc. Isso, no entanto, é uma regressão e não um aniquilamento, porque a imaginação criadora não desaparece por completo em ninguém, ela apenas transforma-se em casualidade. (RIBOT apud VIGOTSKI, 2009, p. 47).

Em outras palavras, o que acontece é uma “formatação” do pensamento. A criança cresce e aprende a ver o mundo de maneira mais racional, tendendo a ignorar seus devaneios uma vez que não encontra lugar para eles no mundo objetivo. Aqueles que não ignoram sua imaginação e suas habilidades criadoras continuam a desenvolver essas capacidades, que só tendem a se aprimorar com o acúmulo de experiências. Novamente, faz-se necessário reiterar que esses comportamentos são resultado de generalizações, uma vez que o crescimento não é igual em todos os indivíduos. Embora todas as crianças atravessem as mesmas fases de desenvolvimento, este acontece de maneira diferente para cada uma delas, pois as fases apresentam durações distintas. Da mesma forma, nem todas as crianças abandonam por completo o gosto pelo desenho e pela criação literária.

4.2. Barreiras ao desenvolvimento criativo Dado que a criatividade é resultado de elementos internos e externos, Alencar (1993) lista alguns fatores que podem dificultar o desenvolvimento criativo: • pressões sociais com relação ao indivíduo que age de maneira destoante dos demais ou daquilo que se é esperado; • atitude negativa ou medo de se arriscar em novas situações; • desejo de aceitação pelo grupo; • expectativas com relação ao apelo sexual, caracterizando certas atitudes e atividades como estritamente relacionadas a apenas um dos gêneros; • bloqueios perceptivos, tais como: » dificuldade do indivíduo em perceber um objeto com várias funções; » dificuldade de reestruturar um problema; » dificuldade de reformular um julgamento conforme novas visões lhe aparecem; » ênfase exagerada na forma tradicional de fazer as coisas. • barreiras emocionais, tais como: » negativismo, dificuldade em considerar sugestões alheias; » desconhecimento de seus próprios recursos internos e potenciais; » medo do ridículo e da crítica; » preferência por julgar ideias em vez de gerá-las; » concepção de si próprio como pouco criativo, orientando suas ações no sentido de confirmar essa imagem;

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» sentimento de inferioridade; » muita ansiedade. • barreiras culturais, tais como: » considerar a fantasia e a reflexão como perda de tempo; » preferir a tradição à mudança; » ênfase na razão, lógica, utilidade e desvalorização da intuição, sentimentos e julgamentos qualitativos.

4.3. Influências de variáveis dos ambientes familiar e escolar sobre a criatividade Como foi possível notar anteriormente, o desenvolvimento da criatividade depende de condições adequadas. Sabendo que, durante a infância, há forte influência dos ambientes familiar e escolar sobre o indivíduo, faz-se necessário considerar de que forma compactuam com esse processo. As colocações a seguir foram retiradas da obra de Alencar (1993). Os primeiros anos de vida, anteriores à entrada na escola, são extremamente importantes para desenvolvimento da criança, especialmente na formação da inteligência, da criatividade e do autoconceito. O autoconceito diz respeito à imagem subjetiva que cada pessoa tem de si mesma e que passa a vida tentando manter e melhorar. Ele é formado pelas crenças e atitudes que a pessoa tem a respeito de si própria, sendo altamente influenciado pela percepção do que os outros pensam dela. Constitui um determinante importante da pessoa que somos, determina ainda o que pensamos a respeito de nós mesmos, o que fazemos e o que acreditamos que podemos fazer e alcançar. (p. 69-70).

O autoconceito começa a se desenvolver bem cedo, pois a criança já recebe informações do meio desde o seu nascimento - estudos mostram que ela é capaz de reagir a estímulos de afetividade desde bebê. Durante os primeiros anos de vida, esse desenvolvimento se dá principalmente com base no ambiente do lar. Primeiramente, a criança aprende a interpretar expressões faciais, e depois aprende a linguagem verbal, assimilando as opiniões e reações das pessoas a sua volta. Assim, ela se percebe aceita ou rejeitada e, com base em suas experiências, estrutura a imagem que tem de si mesma. Muitas vezes a criança é ridicularizada e criticada pelos trabalhos que faz ou ao desempenhar alguma tarefa, e isso pode comprometer seu desenvolvimento: Esta atitude crítica dos pais e, mais tarde, dos professores para com suas produções, respostas e ideias, é introjetada pela criança e inibe a sua capacidade de pensar e de criar. Em função desta atitude crítica que se desenvolve desde muito cedo em sua vida, pode-se dizer que a criança bloqueia o seu próprio desenvolvimento, passando a se ver de forma negativa, percebendo-se como incompetente e incapaz. (p. 72).

De maneira geral, os lares que propiciam um bom desenvolvimento da criança encorajam seus interesses criativos, sua autonomia e independência, e apresentam pouco ou nenhum comportamento crítico e punitivo. Quando a criança ingressa na escola, “seu autoconceito já está relativamente bem formado, e as suas crenças e atitudes a respeito de si mesma contribuirão para a forma como reage à experiência escolar e ao clima social e emocional da sala de aula.” (CANFIELD; WELLS1,

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1976 apud ALENCAR, 1993, p. 73). No entanto, suas experiências ali continuam contribuindo para a formação do seu autoconceito, principalmente nos primeiros anos, quando a influência do professor sobre o aluno é maior. A atitude do professor ou o sistema empregado por ele podem reforçar a imagem que um aluno tem de si mesmo. Há casos em que o professor cria situações em sala de aula que podem resultar em tensão ou sentimento de fracasso no aluno. Também é frequente organizar os alunos nas fileiras de forma a deixar os de pior desempenho no fundo da sala. Isso deixa-os mais suscetíveis a suas dificuldades, enquanto o professor dedica-se àqueles que acredita terem mais potencial. O maior agravante disso é que o autoconceito se torna resistente a mudanças com o tempo, o que faz com que o indivíduo não assimile experiências que não corroborem com a percepção que tem de si mesmo. Assim, a criança pode rejeitar ou ignorar a experiência que não é consistente com aquilo em que ela acredita, procurando justificativas externas para suas experiências de sucesso. Por outro lado, esse fato pode contribuir com o desempenho dos indivíduos autoconfiantes, conforme demonstraram estudos da própria autora: “crianças com um autoconceito positivo tendem a ter um rendimento acadêmico significativamente superior àquelas que apresentam um autoconceito menos positivo.” (p. 75). Sendo assim, entendemos que há certas características que a criança traz consigo em sua história que permeiam todo o seu desenvolvimento físico, intelectual e emocional e, nesse sentido, há quase nada que este projeto possa fazer para mudar. Contudo, entendemos que ele pode atuar nos processos de dissociação e associação, fornecendo ferramentas para que a criança construa novos elementos a partir da interação com os experimentos gráficos. Pensando especificamente nas crianças de sete a nove anos, este trabalho pretende ainda contribuir para enfraquecer a retração da capacidade imaginativa da criança, à medida que ela desenvolve processos de raciocínio lógicos e se torna mais autocrítica, proporcionando experiências em que ela esteja livre das pressões externas de alcançar um modelo de resultado predeterminado.

1.CANFIELD, J; WELLS, H. C. 100 ways to enhance self-concept in the classroom: a handbook for teacher and parents. Englewood Cliffs, N. J.: Prentice-Hall, 1976.

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A pesquisa teórica forneceu dados suficientes para compreender de maneira geral o comportamento das crianças e o desenvolvimento da criatividade. No entanto, sentiu-se a necessidade de obter uma visão mais prática e atual da relação entre criança, criatividade e ensino. Para tanto, foi realizada uma entrevista com a Dra. Rosa Iavelberg, especialista em arteeducação, atualmente professora e pesquisadora na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Iavelberg esclareceu que, hoje, a visão que se tem do processo criativo da criança é diferente daquela que se teve durante mais de um século, mas que contribuiu tanto para o aumento do interesse em estudar a infância. Em meados do século XIX já surgem educadores com tendências modernistas (que formulam teorias a partir do ideário da Arte Moderna), que fazem as primeiras observações da produção da criança considerando algum valor criativo, mas ainda sem sistematizá-las. No início do século XX, surgem estudos mais estruturados, principalmente em oficinas realizadas com as crianças. A partir desse momento, começa-se a colecionar desenhos infantis, resultando hoje na história da arte infantil, que registra as mudanças na maneira da criança apreender o mundo. Há exemplos de tipos de desenhos que desapareceram com o tempo, provavelmente como resultado de mudanças culturais que têm forte influência sobre o imaginário das crianças. É muito comum nas teorias modernistas que estudam a arte infantil o conceito de que o desenvolvimento da criatividade da criança decai com o tempo, na adolescência ou no que, hoje, corresponde ao ensino fundamental. Na concepção modernista, a arte vem de dentro, é a auto-expressão, e o que a criança faz é exatamente representar aquilo que ela percebe. No entanto, com o tempo, ela assimila melhor os elementos do mundo adulto, percebendo um padrão, um sistema, e tende a incorporá-lo. E o Modernismo vê isso como estagnação. As teorias mais atuais, entretanto, que surgiram por volta dos anos 1980, têm outra visão: não existe uma arte do adulto e uma arte da criança, mas sim uma gênese que vai da infância à vida adulta. E essa redução da produção artística se dá porque os interesses da criança também mudam com o tempo, mas pouco se faz no sentido de alimentá-lo com aquilo que ele quer saber. Na arte, a temática de cada artista costuma girar em torno de uma questão importante para ele, que às vezes conduz toda a sua produção ao longo da vida. As crianças, por sua vez, também se colocam questões. Contudo, as assimilações da cultura e do meio, podem levá-la a ignorá-las, uma vez que não são valorizadas ou que podem tomar um tempo que a criança poderia utilizar para fazer algo "mais produtivo". Ou seja, de certa forma, nossa

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Entrevista com especialista em arte-educação

cultura não abre muito espaço para que continuemos na descoberta de nós mesmos e do mundo, quando já temos que assumir determinados compromissos ou demonstrar uma certa evolução em termos de produtividade objetiva. Nos anos 1980, começa a surgir uma visão mais epistemológica na arte-educação. A arte é vista como conhecimento, como forma de construir expressão, além de reproduzir técnicas ou estéticas. O que gera a questão: como se aprende arte? E os estudos, a partir daí, se dão no sentido de como compreender os processos de apreensão da criança para, então, ser capaz de ensiná-la. A criança pode conhecer os artistas e seus problemas, as técnicas utilizadas e as estéticas existentes, mas não deve ser incitada a copiá-los. Ela deve ter materiais necessários e receber instruções de como utilizá-los, mas não deve receber um tema para seu trabalho. Assim, a criança obtém conhecimentos de arte no plano procedimental, mas está livre para criar o que quiser, de acordo com seus interesses. Essa é a melhor forma de fazer com que ela supere obstáculos, porque ela estará intrinsecamente motivada. É a aprendizagem da arte por meio do fazer arte. Nesse ponto, as considerações de Iavelberg vão ao encontro da opinião de Munari (1981): As técnicas da experimentação e da investigação sem objetivos definidos ajudam o desenvolvimento da criatividade. Essas duas atividades desenvolvem-se de modo sistemático; de outro modo, obter-se-ão apenas dados parciais e não estaremos certos de ter experimentado todas as possibilidades úteis. [...] A sociedade do futuro já se encontra entre nós e podemos vê-las nas crianças. A partir da forma como se desenvolvem e se formam as crianças, podemos pensar numa sociedade futura mais ou menos livre e criativa. Devemos, portanto, libertar as crianças de todos os condicionamentos e ajudá-las a formarem-se, bem como desenvolver cada personalidade a fim de que esta possa contribuir para o progresso coletivo. O indivíduo na infância não deve ser sufocado por imposições, constrangido em esquemas que não são os seus, obrigado a copiar modelos. [...] Muitas vezes não é dada qualquer explicação técnica, ficando as crianças abandonadas a si próprias e sem qualquer ajuda. Muitos professores e educadores infantis dizem: 'Deixamos as crianças completamente livres para fazerem o que quiserem, damos-lhe as tintas e o barro e elas experimentam-se livremente.' Mas se o conhecimento destas crianças não for alargado com jogos criativos, elas não poderão estabelecer relações entre as coisas conhecidas, ou só o poderão fazer de uma forma muito limitada, de modo que a sua fantasia não se desenvolverá. Quase todas as crianças de quase todo o mundo pintam o que vêem, o que sabem, o que conhecem, ou seja, um prado, uma casa, montanhas, uma árvore e o sol. A forma da casa ou da árvore poderá variar, mas os temas são mais ou menos estes. E se não forem ajudadas a desenvolver-se, em adultos pintarão, como hobby, as mesmas coisas do mesmo modo. (p. 123-125, grifo nosso).

Segundo Iavelberg, nos dias de hoje, por conta da evolução tecnológica e a contínua difusão de imagens, a criança entra mais cedo em contato com as regularidades do sistema da arte. As crianças desenham na tela do tablet, mas também desenham no papel: uma narrativa pode estar em diversos meios, o que proporciona grande flexibilidade. Elas usam os meios tradicionais e os meios inovadores, e não precisamos orientá-las nisso, porque aprendem sozinhas. São capazes de assimilar muito mais coisas em tempo mais curto, é um processo análogo a ser alfabetizado em duas línguas. Com isso, a capacidade de imaginação vai mudando, a criança já aprende a criar de forma diferente.

Entrevista com especialista em arte-educação

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Brincar com palavras, com letras, com o computador: manuseá-los livremente, ludicamente, antes de dar a este manuseio um caráter instrumental. Talvez seja por isto que as crianças aprendem informática mais depressa do que os adultos: brincam com o computador, antes de tentar 'usá-lo para'. (DANTAS, 2011, p. 116)

Contudo, a criança também está mais sujeita a influências de conteúdos do mundo adulto, que percebe como modelo a ser seguido e tenta incorporar rapidamente. Por isso, surge a impressão de que está perdendo sua capacidade imaginativa. No entanto, para ela, é uma conquista assemelhar-se ao adulto. É nesse contexto que se inserem os brinquedos que são versões reduzidas de ferramentas e eletrodomésticos, como conjuntos de faça você mesmo, mini-batedeiras e mini-máquinas de costura. Com base no princípio defendido por Iavelberg e Munari, de oferecer às crianças as ferramentas para o fazer criativo em vez de um modelo a ser imitado, é que proporemos em nossos experimentos gráficos. Além disso, como também aponta Munari, desejamos que esses experimentos proporcionem novas relações entre elementos conhecidos pelas crianças para que elas possam, a partir daí, desenvolver sua fantasia e criar coisas novas.

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Com o objetivo de complementar as conclusões obtidas pelo levantamento teórico a respeito das crianças, foram realizadas algumas visitas a ambientes frequentados por elas para observar seus comportamentos. Por nem sempre haver o contato direto com essas crianças, não é possível precisar suas idades, que aqui serão estipuladas com a finalidade de facilitar esta análise. Além disso, foram realizadas três conversas informais com crianças de sete a dez anos1 a fim de verificar mais profundamente se seus comportamentos, preferências e necessidades variavam muito em relação aos apontados por Gesell (1993), conforme o capítulo 1 deste trabalho, uma vez que o livro foi escrito em um contexto posteriormente revolucionado pelas tecnologias. Este capítulo visa expor de maneira sucinta, as principais conclusões obtidas nesses levantametos.

6.1. Observações Os locais das observações foram: • • • •

o playground do parque urbano Raphael Lazzuri, em São Bernardo; um circuito de habilidades no Sesc Pinheiros, em São Paulo; a loja de brinquedos educativos Trenzinho, em Pinheiros, São Paulo; duas aulas de natação em piscina de condomínio, no Paraíso, em São Paulo.

Parque urbano Raphael Lazzuri O playground destinado a crianças maiores possui balanços, dois brinquedões, um forte de madeira, um trepa-trepa de madeira com pneus e uma gangorra. Três grupos com duas a quatro crianças de cerca de quatro a nove anos já chegaram formados ao playground, durante a observação. Não se observou a união de nenhum deles nem a entrada de crianças externas aos grupos já formados. Havia grupos mistos e grupos apenas de meninos ou meninas. Os grupos mistos e de meninos tendiam a formar circuitos de atividades envolvendo os principais brinquedos do playground, pelos quais passavam seguindo sempre o movimento de um líder, que podia ser substituído ou não.

1. Embora o foco deste trabalho seja crianças de sete a nove anos, optou-se por entrevistar também uma menina de dez, a fim de observar em que medida seu comportamento poderia ir além ou aquém das expectativas estabelecidas com base nas descrições de Gesell. Pretendia-se assim, tentar antever de que forma algo criado para crianças de sete a nove anos poderia interessar ou não a uma criança mais velha, ou quais elementos seriam necessários para que também lhe fosse interessante.

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Observações e conversas com crianças

Um dos grupos, em um determinado momento, brincou mais livremente de pega-pega pelos brinquedos, usando-os como esconderijo ou proteção. O único grupo só de meninas estava mais tímido, elas ficavam sempre juntas com os adultos responsáveis e permaneceram grande parte do tempo nos balanços. A observação mostrou o entusiasmo das crianças em repetir o mesmo movimento diversas vezes, aperfeiçoando assim suas habilidades corporais. Também mostrou como elas se divertem superando desafios impostos por si mesmas, como escalar o escorregador, subindo do chão ao topo.

Sesc Pinheiros No dia da visita, acontecia um circuito de obstáculos para crianças de todas as idades que ocupava metade do ginásio. As crianças estavam organizadas em filas conforme idade/ tamanho. Cada fila deveria percorrer uma etapa do circuito de obstáculos. Cada etapa tinha um tipo de obstáculo, como cordas, bancos, cones etc. Ao sinal da educadora, cada fila de crianças começava a percorrer seus respectivos obstáculos e, quando sinalizadas, deveriam mudar para a próxima etapa. Cada grupo deveria percorrer aquela mesma fila até que a educadora comandasse a mudança. Assim, todos os grupos percorreriam todos os tipos de obstáculos. Dependendo do obstáculo, a criança deveria pular, equilibrar-se, zig-zaguear, rastejar etc., treinando, dessa forma, coordenação motora, equilíbrio, força e desenvolvendo também percepção corporal. Ao mesmo tempo, as crianças lidavam com a ansiedade de esperar sua vez de percorrer o circuito e praticavam paciência esperando o colega da frente terminar o trajeto, já que nem todas as crianças conseguiam cumprir a tarefa na mesma velocidade. Em geral, as crianças conversavam pouco entre si, estavam sempre focadas em entrar logo na fila e começar a brincadeira. Notava-se, no entanto, principalmente entre as mais velhas (com cerca de oito a onze anos), a competição, algumas vezes levando-as a passar na frente das outras para terminar antes o exercício. Observou-se também a contínua necessidade de estarem em movimento: ao terminar a sequência de obstáculos, voltavam correndo para o início, onde ficavam pulando, girando e se mexendo.

Trenzinho A maior parte dos visitantes da loja eram adultos, mas foi possível observar a dinâmica de algumas crianças com objetos e brinquedos. Em geral, elas evidenciavam curiosidade e queriam tocar e provar o máximo de objetos que pudessem. Uma menina com cerca de dez anos, demonstrou bastante interesse por um brinquedo de madeira que desafiava coordenação, reflexos e intelecto, da Coleção Desafio da marca Mitra. Depois disso, passou algum tempo experimentando instrumentos musicais. Enquanto isso, o irmão mais novo dela (cerca de sete anos) se entretinha mais com alguns jogos de construção e quebra-cabeças que estavam disponíveis em mesas de alturas mais baixas, possivelmente mais acessíveis para ele. Embora essa observação tenha sido pouco conclusiva, pode refletir o interesse de cada uma das idades em aprimorar competências com as

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quais mais se identificam, mas que ainda lhes sejam um tanto desafiadoras.

Piscina Esta foi observação participativa, pois a autora do presente trabalho entrou na piscina com as crianças e assistiu-lhes durante as aulas, atuando como assistente da professora, Paola S. G. Corrêa, formada em Educação Física pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Foram observadas aulas de duas turmas, de faixas etárias semelhantes. Na primeira, havia um menino e uma menina de quatro anos. Na segunda, duas meninas e um menino, entre sete e oito anos de idade. As observações sobre as turmas serão feitas em paralelo, a fim de apontar as diferenças notadas entre ambas. Em geral, antes de começar a aula, as crianças mostravam-se bastante tímidas com a presença de uma estranha no ambiente. Curiosamente, dentro da piscina, elas relaxavam e interagiam normalmente. Nos intervalos dos exercícios, as crianças de quatro anos ficavam menos agitadas que as de sete e oito. Este grupo ficava girando, mergulhando e dando cambalhotas dentro da água, enquanto o primeiro apenas aguardava no mesmo lugar pelas novas instruções, enquanto apoiava-se nas bordas da piscina. Isso possivelmente se dava porque as crianças menores ainda não conseguiam alcançar o chão com os pés, o que poderia lhes dar menos autoconfiança e segurança. A professora propôs, nas duas aulas, uma atividade lúdica, dispersando Gogos (pequenos personagens plásticos de formas variadas) pela piscina e pedindo que as crianças os encontrassem. No entanto, para as crianças menores, ela deixava claro que não era uma competição, e explicou: “As mais novas ainda ficam muito chateadas quando perdem um jogo.”. Por outro lado, as crianças mais velhas já eram capazes de lidar melhor com esse tipo de frustração, embora tenha-se observado que se queixaram várias vezes quando seu desempenho não foi tão bom quanto gostariam. Durante o tempo livre para recreação na aula, a menina de quatro anos divertiu-se fazendo um bolo de cenoura imaginário (ela havia até levado panelinhas plásticas para a aula neste dia) para seu cavalo Pipo (o espaguete de espuma). Isso pode indicar a forte presença da brincadeira de faz de conta no cotidiano das crianças menores. Nenhuma criança observada demonstrou problemas em lidar com crianças do sexo oposto, no entanto, algumas demonstravam certas preferências e preconceitos em relação às cores normalmente ligadas aos gêneros. Os meninos e uma das meninas de sete anos, em especial, rejeitavam e evitavam o cor-de-rosa. As demais meninas, no entanto, não demonstraram a mesma aversão pelo azul.

6.2. Conversas As três conversas foram realizadas em ambientes familiares às crianças, a fim de deixá-las mais confortáveis, e contemplaram também a aplicação do exercício experimental a ser comentado no capítulo 7.

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Camila Camila tem sete anos e é aluna de natação de Paola S. G. Corrêa. A conversa aconteceu em diversos momentos, na academia e no playground do condomínio, onde Corrêa dá aulas de natação. Aparentava ou desejava aparentar que estava atarefada e até preocupada, por isso, corria de um lado para o outro, fragmentando a conversa. A menina demonstrou ser bem esperta, alegre, ativa, comunicativa, carinhosa e curiosa. Durante a conversa, brincou com os equipamentos da academia, apostou corrida com um garoto mais novo no playground, subiu no telhado da casinha de brinquedo para pegar um fruta na árvore e sentou para conversar. Também fez várias perguntas à entrevistadora, ofereceu chocolate e deu um abraço de despedida quando foi definitivamente embora. Gostou de observar as imagens do exercício experimental, identificando-se com algumas profissões que deseja ter quando crescer (pintora e médica), apesar de não ter sabido informar o que gostaria de estudar na faculdade. Disse gostar de montar e construir usando Lego e blocos de madeira, principalmente um castelo para suas bonecas Polly. Todas as macaquices que fez, como correr, brincar nos equipamentos de ginásticas e subir na casinha de brinquedo, demonstravam que também gostava bastante de atividade física e de aperfeiçoar suas habilidades motoras. Demonstrava boa coordenação motora e consciência corporal. Se ficava entediada com alguma coisa, apenas mudava de atividade, não demonstrando descontentamento ou incômodo. Em dois momentos falou da mãe e das escolhas que lhe foram impostas por ela (como mudar de escola e vestir roupas cor-de-rosa), às quais demonstrou boa aceitação, apesar de não lhe agradarem. Havia mudado de escola há menos de seis meses e, provavelmente por isso, falava mais da antiga que da atual. Contou sobre como funcionavam os clubinhos da sua antiga turma, numa história que misturava faz de conta e realidade. Ainda no faz de conta, fazia ligações pelo celular de brinquedo, para o namorado e para o chefe (do antigo clubinho). Falava sobre seu mundo sem timidez. Era evidente que buscava fazer as mesmas coisas que um adulto (e usar elementos de sua linguagem), mas não deixava de fazer também as coisas de criança, e tratava suas fantasias com a mesma seriedade que tratava o mundo real. Apresentava-se levemente autocrítica. Parecia independente e responsável, mas se confundiu algumas vezes com compromissos e horários.

Henrique Henrique tem nove anos, e é filho de Simone, roteirista e professora de inglês. A conversa se deu em sua casa, onde foi possível conhecer melhor o mundo do menino. Durante a visita, ele brincou de bola na sala de estar e fez malabarismos com um nunchaku (“arma de artes marciais do conjunto de armas do kobudo e consiste de dois bastões pequenos conectados em seus fins por uma corda ou corrente”2), mostrou os brinquedos de seu quarto, seu jogo preferido de computador e assistiu a um episódio de seu programa preferido. Disse que gostava de atividade física, mas preferia brincar no computador.

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Em seu quarto, havia peças de Lego misturadas e espalhadas (seu brinquedo favorito) por todos os lados. Os Legos são de várias séries e coleções, a maioria era de personagens de desenhos animados ou filmes de que ele gosta. Henrique contou que tem fases, quando entra em uma, brinca muito com um determinado Lego, mas depois enjoa e para de brincar. No entanto, pode vir a usar peças de Legos anteriores para montar coisas com os novos. Quando ganha um novo produto Lego, constrói exatamente o que vem desenhado na caixa, mas logo em seguida desmonta para criar algo novo. No quarto, havia também jogos, bichos de pelúcia, brinquedos do Hot Wheels e action figures de super-heróis. Henrique disse que até tentava manter alguma organização em seus brinquedos, mas isso não durava muito tempo. Durante essa conversa no quarto, sobre os brinquedos, a entrevistadora misturou algumas peças de Lego e outros pequenos brinquedos, colocando mais de uma cabeça num personagem e criando monstrinhos. Curiosamente, Henrique ficou incomodado com as criações, dizendo que aquilo não podia ser feito, porque criava monstros. Esse comportamento pode demonstrar uma tendência da criança dessa idade a preferir seguir ou imitar modelos da realidade a experimentar novas possibilidades combinatórias, como é mais comum em crianças menores, principalmente na primeira infância. Sentado ao computador, mostrou o jogo de construção virtual Minecraft, seu preferido, que possui três modos de operação: “creative, onde há recursos ilimitados, nenhum perigo e pode-se voar livremente; survival, onde os jogadores precisam coletar recursos, criar itens e ganhar níveis, e onde monstros perigosos surgem à noite; e hardcore, similar ao survival, mas aonde há apenas uma vida para o jogador”3. Henrique gosta do modo creative, justamente porque pode fazer o que quiser, sem morrer, e ainda voar. Construía e destruía coisas com blocos o tempo todo, desordenadamente. Isso exemplifica a ênfase da criança no processo da brincadeira (como apontado no capítulo 3) e não na busca pelos resultados. Também pode demonstrar que não há, na construção com blocos (peças geométricas e, até certo ponto, abstratas), a mesma tendência em se seguir um modelo predeterminado, como foi percebido na mistura de corpos dos personagens. De certa forma, essa conduta de liberdade criativa também pode ser notada quando o garoto brinca com as peças de montar do Lego, conforme contou no início da entrevista. Conversando sobre a escola, Henrique comentou que gostava das aulas de artes, porque tinha espaço para criar. Algumas vezes o tema era fixado pelo professor, mas o menino disse preferir quando o tema era livre, ainda que perdesse "metade da aula decidindo o que fazer". Contou também que gostava de desenhar, principalmente seu personagens preferidos. Quis mostrar seu programa favorito, Ninjago, baseado em uma linha de produtos da Lego que acabou virando animação. Procurou no Youtube e na UOL até encontrar o primeiro episódio dublado e com boa qualidade de imagem e som. Realizou essa busca com bastante destreza. Comentou que agora estava na fase de Ninjago que, segundo a mãe, deve ser uma das mais longas. Descobriu a animação por meu dos amigos, com quem constantemente

2. Nunchaku. Wikipédia. Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2014. 3. Minecraft. Wikipédia. Disponível em: . Acesso em: 22 mai. 2014.

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troca sugestões e informações sobre programas de televisão. Ainda sobre programas, disse que não gostava mais dos filmes da Disney e fazia caretas ao ouvir o nome de animações famosas como Carros e Toy Story. Também rejeitou Ben 10 e Star Wars. Pelos olhos da mãe, era uma questão de "fases", como o próprio Henrique reconhece. Aparentemente, ele deixa de gostar de produtos e marcas quando considera que está maduro demais para elas. No caso da Disney, dramatizou a rejeição satirizando as músicas dos filmes, a partir de paródias que viu no Youtube. Em determinado momento, teve problemas com o computador e ficou chamando pela mãe insistentemente, mas quando ela finalmente chegou, não deixou que ela mexesse no computador. Posteriormente, apareceu na porta do banheiro de cueca, dizendo ter feito xixi na calça sem querer, e não ficou envergonhado ou tímido com a situação, apesar de haver um estranho (a entrevistadora) presenciando a cena. Essas duas situações pareceram, assim, uma forma que Henrique encontrou para chamar a atenção para si mesmo, uma vez que não era o foco das conversas nesses momentos. Foi possível notar, ao longo da observação, que ele foi se soltando e relaxando, ficando mais à vontade. Foi simpático e atencioso, até oferecendo bala, mas em alguns momentos também era um pouco grosseiro. Parecia bem consciente sobre si mesmo, principalmente quando falava sobre suas fases e preferências. Fazia afirmações com uma certeza inabalável. Era enfático e dramático em diversos momentos, e mostrou instabilidade apenas quando se frustrou com o computador, o que pode ter sido uma forma de chamar a atenção. Demonstrou forte influências dos amigos e carinho pela mãe.

Lívia Lívia tem dez anos e é prima de segundo grau da entrevistadora. A conversa com ela se deu durante um almoço em família, na casa de sua avó. Foi bem solícita durante a conversa, mas estava com um pouco de vergonha, e respondia de maneira direta e concisa. Está no quinto ano, estuda de manhã e faz bastantes atividades durante as tardes, na escola mesmo, ficando lá em período integral quase todos os dias. Joga vôlei e futebol, faz ginástica artística e aula de circo. Também participa da Pastoral, uma atividade da escola em que os alunos visitam crianças carentes e brincam com elas ou fazem companhia para idosos em asilos. A única tarde livre da semana é às sextas-feiras. Chega em casa só de noite e ainda estuda e arruma suas coisas para o dia seguinte. Também estuda inglês. Gosta de brincar de boneca “do tipo que parece bebê”, não gosta muito da Barbie nem da Polly. Gosta de brincar de construir com umas peças similares ao Lego, que tem na escola, acha que dão liberdade de criar o que quiser. Também gosta de desenhar, pintar e jogar stop. Lívia disse que gostou bastante de aprender sobre mitologia grega e tem vontade de estudar história ou dar aulas de educação física quando crescer. Durante a visita, ficou tomando conta do cachorrinho da tia, enquanto ela dormia. Ele é muito pequeno, por isso não pode pular do sofá, e Lívia se mostrou bem responsável, encar-

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regando-se de não deixá-lo pular e cuidando para que ninguém pisasse nele sem querer.

Com essas conversas e observações, pode-se dizer que as crianças de sete a dez anos apresentaram boa consciência corporal e habilidades motoras, permitindo que realizem com destreza atividades que requerem coordenação motora fina. O gosto por atividades físicas, indica que, ainda que se interessem pelo mundo digital, não abandonaram as atividades do mundo físico, e embora não brinquem mais na rua como antigamente, encontraram outros espaços (abertos e fechados) para recreação e exercícios. E apesar das crianças (principalmente as mais novas) aparentarem estar em constante movimentação, quando se dedicam a uma atividade de que gostam, podem ficar focadas por um longo tempo. Podem brincar sozinhas ou em grupo, usando outros objetos ou apenas a imaginação, adaptando-se às condições disponíveis. As crianças de sete a dez anos continuam gostando de desenhar, pintar e construir, mostrando aptidão para trabalhos manuais e o gosto por projetar, externalizar, aquilo que vêem, sentem e desejam. Da mesma forma, também as brincadeiras de faz de conta aparecem como ferramenta para externalização em crianças de diversas idades. As crianças no parque seguiam o chefe do grupo em um trajeto repleto de obstáculos simbólicos significativos, Camila dividia com os ex-colegas de classe uma complexa história de aventuras, e Lívia simula em casa o futuro como mãe, cuidando de suas bonecas. Apesar de Lívia não fazer parte do público-alvo, sentiu-se a necessidade de conhecer um pouco mais a fundo a criança de dez anos para compreender de que maneira seu comportamento e interesses mudam e o que poderia ser considerado desinteressante para ela. Entretanto, frisamos mais uma vez que os dados científicos obtidos sobre as características das crianças de cada faixa etária não devem ser tomados como regra, mas sim como parâmetros. Da mesma forma, também as observações feitas neste capítulo não podem ser consideradas isoladamente e devem servir apenas como exemplos dentre tantos perfis que as crianças podem apresentar.

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A ideia de aplicar um exercício experimental nasceu na disciplina AUP2305 Processos de Criação e Design Visual, realizada em paralelo ao primeiro semestre do TCC. A disciplina abordava diversas estratégias e técnicas para a realização de trabalhos em design visual e buscava contribuir para o desenvolvimento dos Trabalhos de Conclusão de Curso dos alunos matriculados. A princípio, a proposta deste exercício surgiu de um questionamento sobre como as pessoas reagiriam ao não encontrar o que esperavam quando tentassem juntar peças de quebra-cabeças que propusessem imagens objetivas. Será que ficariam frustradas por não encontrarem todas as peças para formar uma imagem? Ou será que veriam graça na possibilidade de formar novas imagens diferentes e criativas? Isso apenas tangenciava o tema abordado por este trabalho, mas a medida que ambos os projetos foram se desenvolvendo, começaram a se relacionar mais intimamente, e toda a experiência vivida com o exercício experimental terminou por causar profundas alterações no direcionamento deste TCC. Sabendo, então, que as crianças de sete a nove anos já estão mais conscientes de que buscam imitar e seguir os padrões do mundo adulto, e que seu próprio desenvolvimento pode, naturalmente, racionalizar sua forma de ver o mundo, propôs-se este exercício, visando observar como reagiriam e se, de alguma forma, ele poderia contribuir para o estímulo da criatividade. Segundo Munari (1981), os produtos da criatividade nascem das relações estabelecidas por meio do pensamento, na dependência daquilo que o criador conhece. Assim, uma pessoa que tenha conhecimentos limitados tem mais dificuldade para estabelecer relações. No entanto, apenas ter conhecimentos não é suficiente: uma pessoa culta que não explora as relações entre as coisas que conhece, não se utiliza da fantasia. A cultura popular é uma contínua manifestação de fantasia, de criatividade e de invenção. Os valores dos objetos desta atividade são acumulados naquilo a que se chama tradição, técnica ou artística, e estes valores são continuamente verificados por outros atos de fantasia e de criatividade e, portanto, substituídos quando se mostram ultrapassados. Assim, a tradição é a soma dos valores objetivos da coletividade e esta deve renovar-se continuamente, se não quiser entrar em decadência. (MUNARI, 1981, p.39).

O autor expõe em seu livro Fantasia uma série de relações que podem ser abordadas a fim de se gerar um produto criativo, tais como: inversão de uma situação (ex.: fogo frio), mudança de cor (ex.: fogo azul), mudança de função (ex.: fogueira que congela) etc. Todavia, não basta apenas explorar relações, é necessário também que o fruto desse processo tenha uma função, um propósito a servir: A análise dos exemplos elementares, bem como dos complexos, da atividade da fantasia deveria servir para compreender o seu mecanismo, os seus meios de ação, a sua maneira de fazer, pois a operação completa exige que o trabalho seja desenvolvido com cuidado e com cultura, que tenha uma regra também ela inventada mas comunicável, ou então não passará de um puro exercício pessoal, não comunicável, útil quando muito como investigação ou experimentação. (p. 121).

Assim sendo, com a motivação de explorar relações entre partes destoantes entre si a fim

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de compreender como as crianças lidariam com as associações inesperadas entre elas, propôs-se um exercício de experimentação baseado no conceito de cadáver esquisito. O cadáver esquisito é um método de subversão discursiva surgido no século XX, com o movimento surrealista francês1, criando composições inusitadas, muitas vezes sem sentido, e que podem ser de autoria coletiva. Posteriormente, o recurso foi utilizado também em imagens gráficas, associando livremente elementos variados, e encontrou diversos desdobramentos em sua forma, conteúdo e processo de criação. Para o exercício proposto, foram criados dois cadernos utilizando figuras humanas. Em cada caderno, as figuras estavam divididas em três partes (cabeça, tronco e pernas). No primeiro caderno (identificado, no texto, como FC), elas estavam completas e era sempre possível encontrar as três partes pertencentes ao mesmo personagem, de maneira a formar as imagens esperadas. No segundo caderno (identificado como FI), as figuras estavam incompletas, pois possuíam apenas duas das três partes, que variavam conforme os personagens, formando imagens inesperadas e não permitindo a formação das imagens esperadas. Ou seja, alguns personagens possuíam apenas cabeça e tronco, outros, tronco e pernas, e os restantes, pernas e cabeça. Dessa forma, nunca seria possível encontrar as três partes de um mesmo personagem e formar sua figura completa. Em ambos os cadernos, as partes que formam um mesmo personagem estão intercaladas com as demais, de maneira que é necessário procurar os pedaços pelo caderno (folheando-o) para formar uma figura completa. Todas as figuras humanas foram baixadas gratuitamente de bancos de imagem online. As do caderno FC são provenientes do site Vector Open Stock2, e as do caderno FI vieram do site Vector Characters3.

Exemplos de personagens do caderno com imagens completas (FC)

1. Cadáver esquisito. Wikipédia. Disponível em: Acesso em: 04 jun. 2014. 2. Vector Open Stock. Disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2014. 3. Vector Characters. Disponível em: . Acesso em: Acesso em: 15 abr. 2014.

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Exemplos de personagens do caderno com imagens incompletas (FI)

O exercício foi realizado com nove crianças, entre quatro e onze anos4. Consistiu em dar os dois cadernos para elas, um após o outro, e observá-las brincando, a fim de descobrir se já estavam familiarizadas com a atividade, se perceberiam alguma diferença entre eles e como reagiriam a ela. Inicialmente, pretendia-se não interferir, mas algumas crianças precisaram de estímulos para envolverem-se mais com a atividade. Em seguida, esclarecia-se as diferenças entre os dois cadernos a fim de saber de qual gostavam mais.

Os dois cadernos utilizados no exercício experimental: à esquerda, caderno FC; à direita, caderno FI. 4. Foi escolhida esta faixa etária, mais ampla que a do usuário alvo do projeto, porque a interação com o experimento poderia variar, caso a criança já conhecesse esse tipo de atividade, ainda que fosse mais nova. Além disso, poderia ajudar a observar melhor a relação entre a idade do usuário e suas expectativas quanto às imagens esperadas e também suas preferências.

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Aplicação de exercício experimental

De maneira geral, os comportamentos não se relacionaram diretamente à idade do usuário, mas sim as suas experiências anteriores. Algumas crianças já conheciam a atividade e, por isso, tinham mais facilidade em manipular os cadernos e já sabiam o que buscar (a formação completa das figuras). Fernando (4 anos) folheou o caderno FC rapidamente e, depois de completar uma figura masculina, saiu impaciente para brincar. Camila (7 anos) completou duas figuras do caderno FC, gostava de contemplar os desenhos e preferia as personagens de cabelo cacheado, porque pareciam com o dela. No caderno FI, mesmo depois de informada sobre a impossibilidade de completar as figuras, continuou tentando, principalmente com as figuras de médicos, porque também se identificava com elas (contou que queria ser médica quando crescesse). Sabia indicar o que havia de errado nas junções que não combinavam (como um braço saindo de lugar nenhum, ou um elemento cortado que não apresentava continuação). Henrique (9 anos) reconheceu rapidamente a atividade e começou a procurar as partes no caderno FC, formou quase todas as figuras, sem muita hesitação ou dúvida. No caderno FI demorou mais para formar a primeira figura, mas logo reconheceu a incompatibilidade na junção dos elementos próximos às extremidades de cada faixa de papel. Mesmo avisado sobre a característica deste caderno, continuou procurando. Insistiu em outras combinações, mas demonstrava-se incomodado e insatisfeito, até que fechou o caderno irritado. A maioria das crianças ainda não conhecia a atividade, mas boa parte compreendeu rapidamente como funcionava e também buscaram formar as figuras completas. Felipe (6 anos) compreendeu sozinho que as figuras do caderno FC se completavam, mas achou que isso só acontecia com as últimas páginas, pois foi quando conseguiu completar a primeira. Emitia interjeições de compreensão, como “hum”, quando tinha seus insights. Na observação do caderno FI já passava mais rápido pelas páginas, mas demonstrava mais dificuldade em encontrar alguma combinação. Lívia (10 anos) começou pelo caderno FI e entendeu rapidamente como funcionava a atividade. Juntou rapidamente duas partes de uma das ilustrações e buscou a terceira. Encontrou uma que encaixava mais ou menos, mas logo percebeu que tinha algo errado. No caderno FC, encontrou facilmente as combinações. Marina (10 anos) e Manuela (11 anos) realizaram o exercício ao mesmo tempo, alternando os cadernos entre si. Ambas ainda não conheciam a atividade, mas compreenderam rapidamente o que fazer. Apenas Carolina (4 anos) e Gabriel (9 anos), pareceram não saber o que fazer e folhearam as páginas por mais tempo sem nenhum resultado. Quando lhes foi explicado como funcionava o caderno, Carolina não esboçou nenhuma reação, ao passo que Gabriel demonstrou mais interesse pelo exercício. As sete crianças que concluíram o exercício preferiram o caderno FC, entretanto, algumas indicaram que gostavam de poder formar figuras inusitadas, como foi o caso de Felipe e Lívia, e Gabriel ria quando aconteciam combinações mistas entre os sexos (ex.: cabeça de

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homem com corpo de mulher). Quanto ao caderno IF, Manuela identificou-o como desafiador, já Henrique, disse que dava raiva, porque frustrou-se quando não conseguiu completar as figuras. O exercício demonstrou que, embora haja algum interesse em formar novas imagens, a tendência predominante é completar os modelos predefinidos. Entretanto, a sensação de frustração pode ter sido agravada pelo fato de que a quebra das figuras se dava de maneira a instigar a busca de uma parte complementar, que no caso do caderno FI, nunca era suprida. Se, ainda que as partes complementares não fossem do mesmo personagem, mas apresentassem uma continuidade em suas formas, talvez isso reduzisse o incômodo causado no usuário em benefício do divertimento e da curiosidade ao unir elementos distintos que de alguma forma se encaixassem. Em outras palavras, se de um ombro sai um braço que deveria segurar um martelo, mas ao unir as partes, a criança vê um braço que segura uma frigideira, é provável que, de estranha, a imagem passasse a ser divertida ou instigante, propiciando ao usuário todo um universo de potencialidades imaginativas: esse homem não é um pedreiro? Mas por que ele estaria segurando uma frigideira? O que ele vai fazer com ela? O que mais poderia ter nessa cena? Alguns jogos baseados no princípio do cadáver esquisito, quando bem executados, são pensados e desenhados dessa forma, de maneira a permitir um mar de possibilidades para o imaginário infantil. A experiência proporcionada pela disciplina AUP2305 Processos de Criação e Design Visual propiciou um mergulho nos processos de desenvolvimento deste trabalho. Por meio do exercício experimental, a autora teve maior contato com as crianças e desenvolveu maior interesse pela experimentação e pela geração de alternativas. Com a leitura dos livros de Munari e a pesquisa de referências visuais, abriram-se novas possibilidades projetuais que culminaram com o desenvolvimento dos experimentos gráficos proposto mais adiante.

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Com base nas pesquisas sobre o desenvolvimento infantil (capítulo 2) e da criatividade (capítulo 4) e a importância do brincar em todos esses processos (capítulo 3), definiu-se o usuário alvo do projeto como as crianças de sete a nove anos. Como afirma Piaget, elas já desenvolveram a função símbolica, permitindo conectar eventos isolados e transformá-los em um sistema de experiências relacionadas. Dessa forma, relacionam-se de forma participativa com o mundo, apreendendo-o e interagindo com ele em busca de um objetivo pré-definido. Elas também estão mais contextualizadas no ambiente escolar, tendo mais contato com outras crianças e adultos além da família e apresentando mais independência, características que corroboram o desenvolvimento de seu repertório e habilidades criativas. Além disso, já têm o autoconceito razoavelmente desenvolvido e demonstram-se ligeiramente autocríticas, preocupadas em assimilar o mundo adulto e suas regras e, por isso, sujeitando-se a moldar seu comportamento de acordo com demandas externas. Assim, consideramos essa faixa etária um ponto-chave no desenvolvimento criativo da criança, pois é quando há um confronto entre imaginação e razão, conforme apontado por Vigotski no processo de retração da habilidade de criação. Como Vigotski também aponta, é durante essa faixa etária que a autocobrança por um bom desempenho pode reduzir o gosto pelo desenho e fazer surgir o interesse pela expressão verbal. Entretanto, a criança ainda gosta de brincar, fazer trabalhos manuais, construir e, assim, externalizar seus pensamentos e sensações. Por meio das atividades lúdicas, ela explora o mundo e aprende muito sem se dar conta disso. É nesse contexto que vemos a oportunidade de proporcionar experiências que auxiliem no estímulo das potencialidades criativas das crianças, ajudando-as a enxergar novas possibilidades e construir seu repertório. E falando em possibilidades, vemos o papel como uma importante ferramenta no processo de criação da criança, servindo de suporte para desenhos, textos e artes de todos os tipos. Por essa razão, elegemos esse material como base para o desenvolvimento de nosso projeto, acreditando que está muito próximo da realidade da criança e que permite fácil reprodução e armazenamento, conforme sua formatação. A partir desse critério de buscar um suporte conhecido da criança, o papel, para propiciar experiências lúdicas que estimulem a criatividade, propomos, então, a criação de experimentos gráficos, que estejam de acordo com as habilidades e interesses do usuário em questão. Os experimentos gráficos são assim chamados por não se caracterizarem como jogos, não possuindo regras e/ou objetivos bem definidos, nem terem a formalidade de brinquedos, mas ainda assim possuindo materialidade, o que os distancia das brincadeiras. E dado o caráter investigativo e experimental desses experimentos, enfatizar-se-á seu processo de

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Diretrizes para a execução do projeto

desenvolvimento, enfocando as estratégias de criação, por meio da pesquisa de referências e estudos gráficos. Assim, é importante lembrar que este trabalho não objetiva desenvolver um novo e definitivo produto, pronto para produção e comercialização em larga escala, mas sim propostas projetuais que seguem até a fase de detalhamento e que abrem caminho para novas proposições e soluções, possivelmente permitindo, no futuro, a produção serial e consequente comercialização. Conforme apresentado na pesquisa, os produtos da criatividade nascem das relações estabelecidas por meio do pensamento, nos processos de dissociação e associação, na dependência daquilo que o criador conhece. Como defendido por Iavelberg e Munari, deve-se oferecer às crianças as ferramentas para o fazer criativo em vez de um modelo a ser seguido ou imitado. Em Fantasia, Munari (1981) lista algumas relações entre elementos que podem facilitar a produção de novas associações. São exemplos disso: • • • • • • • • • •

multiplicação das partes de um conjunto; mudança de cor; mudança de matéria; mudança de lugar ou posição; mudança de função; mudança de dimensão; mudança de peso; fusão de diversos elementos num mesmo corpo; variações de percepções sensoriais; relações entre relações: combinação de elementos já combinados nos processos anteriores.

Por essas razões, propomos que nossos experimentos gráficos possibilitem novas relações entre elementos do universo da criança, para que ela seja capaz de construir e criar sua própria obra criativa, dando-lhe espaço para libertar seu imaginário sem a obrigatoriedade imposta pelas demais atividades objetivas e racionalizantes de seu cotidiano (como aulas, lições de casa etc.). Em suma, a fim de propiciar à criança de sete a nove anos uma atividade lúdica criativa e descontraída, são caraterísticas desejadas nesses experimentos gráficos: • • • • • • • • •

o emprego de temas do universo infantil; a evocação de atividades do cotidiano da criança; o uso do papel e/ou similares como suporte; a promoção de novas oportunidades de aprendizagem; o aprimoramento da função simbólica; o auxílio na construção de repertório visual e conceitual; a perspectiva de novas experiências (visuais, sensoriais, perceptivas etc.); o estímulo à investigação; o fomento à formação de novas associações;

Diretrizes para a execução do projeto

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• o incentivo à criação; • a valorização do pensamento divergente, incentivando a geração de soluções variadas por parte da criança; • a possibilidade de novos e variados usos conforme o desejo do usuário; • o uso tanto individual quanto em grupo; • a utilização em momentos de lazer ou com fins educativos. Ao mesmo tempo, são características a serem evitadas por esses experimentos: • a restrição ou proibição de uma determinada forma de utilização; • a instituição do que é certo e errado; • a desvalorização ou rejeição de soluções criativas da criança.

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Esse levantamento foi feito em diversos momentos do desenvolvimento do projeto, desde a etapa de criação do exercício experimental até a etapa de geração de ideias. Em cada momento, teve um objetivo diferente, passando de uma pesquisa específica, para uma genérica e, então, de volta para uma específica, e muitas referências levantadas foram, posteriormente, descartadas. Neste capítulo, apresentaremos aquelas que, de alguma forma, se relacionam com as ideia geradas para os experimentos gráficos propostos.

9.1. Brinquedos relacionados Com a intenção de levantar produtos lúdicos encontrados no mercado que explorem o conceito de criatividade e que agradem nosso usuário alvo, visitamos a loja Azul e Rosa Brinquedos Educativos. Ali, conversamos com uma das vendedoras, a fim de saber que brinquedos ela costuma sugerir para estimular a criatividade e quais os produtos mais buscados por crianças de sete a nove anos. Os brinquedos indicados para estimular a criatividade foram, principalmente, os de faz de conta (casinhas, castelos e construções de madeira, fantoches, bonecos e objetos do mundo adulto em versão reduzida, tais como panelas, alimentos e mobílias) e os de produção manual artística (como massa de modelar, kits para criar em tear, fazer bijuterias, desenhar e pintar, entre outros). Além disso, também foram apontados peças e blocos construtivos e quebra-cabeças tridimensionais. Quanto aos produtos mais procurados pelas crianças de sete a nove anos, a vendedora indicou alguns jogos, kits de ciências e engenharia, que propõem a construção de coisas específicas. Observando e analisando produtos que fizessem parte do recorte indicado pela vendedora, mas já de acordo com os objetivos deste projeto, destacamos os seguintes itens:

Construção Alguns brinquedos de construção funcionam como meio para o desenvolvimento do faz de conta, constituindo o cenário ou algum elemento das histórias imaginadas (exemplos: Brincando de engenheiro e Zolo), mas há também aqueles que são o fim, permitindo que a criança crie livremente o que quiser, sem que haja um uso posterior da criação (exemplos: Tangram e linha Creative Whack). Propiciam a experimentação de possibilidades de encaixes e arranjos, materializando o produto da imaginação. Cada tipo de brinquedo apresenta particulares que são consideradas pela criança durante processo de criação.

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Levantamento de produtos e referências visuais relacionados

Brincando de engenheiro: blocos de madeira para montagem de elementos da paisagem urbana por meio de sopreposição e justaposição das peças.

Linha Creative Whack: três produtos de faces ou arestas imantadas que permitem diversas combinações formais.

Zolo: peças plásticas com formas e cores variadas para criar personagens.

Tangram: quebra-cabeças chinês de sete peças que permite a criação de uma infinidade de figuras no plano bidimensional, pode ser de papel ou madeira.

Artesanato e artes Geralmente são kits de ferramentas e materiais que permitem a confecção de produtos ou estilização de peças já prontas. Algumas vezes o trabalho artesanal com o produto é apenas um estágio em sua utilização, pois depois de pronto ele receberá um novo uso. Esse tipo de produto fornece, assim, condições para o desenvolvimento de habilidades manuais que viabilizam a transformação do mundo imaginário em realidade. No entanto, a maioria deles, como os exemplos listados a seguir, apesar de propiciar a criação livre, vende em sua proposta — e, principalmente, em sua embalagem e publicidade — a construção/imitação de modelos predeterminados, em detrimento do ensino de princípios construtivos ou da utilização de ferramentas. Esse posicionamento vai contra as recomendações de Munari (1981), conforme apontado no capítulo 7.

Levantamento de produtos e referências visuais relacionados

Minha Casinha de Bonecas: casinha de papelão revestido para pintar e decorar ao gosto do usuário, contém ilustrações dos ambientes internos, mas permite que o próprio usuário defina se quer utilizá-las e onde aplicá-las.

Paper FX: apetrechos para criar efeitos e trançados com papel colorido. Enfatiza a produção de bolsas artesanais, mas propicia a criação de diversos produtos.

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Real Construction: kits para construção com material que imita madeira. Incluem ferramentas e peças nos formatos necessários para construção dos elementos anunciados na embalagem, mas também fornece peças para corte conforme desejo do usuário.

Thread Art: inclui suportes perfurados e linhas coloridas para criar padrões geométricos, acompanha instruções e sugestões de uso.

9.2. Produtos gráficos relacionados Após definirmos as diretrizes executivas para o projeto, partimos para o levantamento de produtos gráficos que apresentassem soluções interessantes ou que fossem pertinentes ao tema da criatividade. Dessa pesquisa, destacamos os seguintes produtos:

Livros de Faça Você Mesmo Esse tipo de livro ensina a fazer objetos e peças de arte ou a reproduzir técnicas artísticas. Em geral, apresentam o mesmo problema dos brinquedos de artesanato e artes: não ensinam princípios conceituais sobre como criar objetos ou usar técnicas, apenas descrevem como reproduzir o exemplo sugerido. Algumas exceções interessantes, estão enumeradas a seguir:

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Levantamento de produtos e referências visuais relacionados

Let's Make Some Great Art, de Marion Deuchars: é uma coleção de livros que ensina técnicas de desenho e pintura (inclusive as utilizadas por grandes artistas), sem propor um modelo para ser copiado. Também oferece imagens semi-prontas para a criança completar como desejar.

O Livro da Nina para Guardar Pequenas Coisas, de Keith Haring: propõe temas para a criança desenhar e ilustrações para ela completar. O autor simplificada ainda mais seu estilo de traço e desenho, aproximando-o da linguagem da criança, apresentando a ela um estilo de arte que ela é capaz de imitar com maior verossimilhança, o que pode reduzir sua autocrítica negativa.

Create Your Own Monster: é vendido como um livro, mas na verdade é uma caixa com quinze lâminas de papel com recortes em facas especiais. As peças devem ser destacadas e encaixadas perpendicularmente, formando, a partir de peças 2D, monstrinhos que ficam em pé. Cada lâmina contém as partes do corpo de um único monstro, mas podem ser misturadas com as de outros monstros, proporcionando mais combinações.

Outros livros relevantes Oh!, de Josse Goffin: cada página dupla tem uma ilustração que se transforma quando se abre uma extensão do lado direito, surpreendendo e incentivando a imaginação.

Levantamento de produtos e referências visuais relacionados

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Juego de Componer Arte, de Hervé Tullet: cada página dupla possui um estilo de composição gráfica (manchas de tinta, linhas etc.) e está cortada longitudinalmente em três partes assimétricas, permitindo ao usuário combinar as composições numa nova imagem.

A Festa das Palavras, de Katia Canton: misto de poesia e arte gráfica, incentiva a observação e exploração das palavras por meio de trocadilhos e jogos textuais.

All Mixed Up, de Carin Berger: seguindo o princípio do cadáver esquisito, fragmenta imagens e suas respectivas orações descritivas em três partes (cabeça, tronco e pernas; substantivo, verbo, advérbio), criando novos personagens e suas histórias.

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Levantamento de produtos e referências visuais relacionados

Outras referências gráficas Monster Blocks: também utilizando o princípio do cadáver esquisito, é um produto gráfico que pode ser comprado online, impresso em casa e montado pela própria criança. Consiste em três cubos com seis ilustrações de monstros, divididas em três partes cada (cabeça, tronco e pernas). Cada cubo apresenta, em cada uma de suas seis faces, a mesma parte dos monstros, ou seja, há um cubo para as cabeças, outro para os troncos e o último para as pernas. Os três cubos podem ser combinados de diversas maneiras, formando novos monstros.

Più e meno, de Bruno Munari: é um jogo gráfico, formado por lâminas com transparências e ilustrações que, sobrepostas, criam cenas e efeitos visuais, propiciando ao usuário fazer experiências visuais e criar suas próprias histórias.

Kaleidograph: também é jogo gráfico formado por lâminas, mas desta vez com recortes de formas simétricas baseadas na geometria natural de cristais e flores. Elas podem ser sobrepostas ou utilizadas como estêncil, possibilitando diversas combinações de cores e estampas.

Levantamento de produtos e referências visuais relacionados

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Remember Puro: outro jogo gráfico, formado por lâminas circulares e quadradas, com cortes transversais às suas bordas. Todas as lâminas apresentam o mesmo tipo de padrão gráfico, mas com combinações cromáticas diferentes, elas podem ser encaixadas perpendicularmente umas às outras, formando construções tridimensionais.

Cluster puzzle: um tipo de quebra-cabeças formado por figuras justapostas, que não possuem vãos entre si ou se sobrepõem. Em outras palavras, a forma de cada figura se dá pela contra-forma das demais ao seu redor. É o mesmo princípio construtivo adotado em tesselações (ver capítulo 10). Aqui, não observamos um produto em específico, mas sim o princípio construtivo utilizado, que também é muito frequente na obra de M. C. Escher.

Mosaico II, 1957 - M. C. Escher

Lizard, 1942 - M. C. Escher

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Levantamento de produtos e referências visuais relacionados

Monument Valley: jogo virtual no qual os personagens devem cumprir um percurso passando por obstáculos. Os cenários do jogo são inspirados em algumas obras de M. C. Escher que geram ilusões de ótica a partir de ambientes retratados por meio de perspectiva isométrica. No jogo, os mesmos efeitos das ilusões de ótica de Escher podem ser provocados no cenário por meio da interação com ele, alterando a posição dos elementos. O jogo permite que o usuário brinque e recrie o espaço, assim como o Minecraft, utilizado por Henrique (capítulo 6, página 37). Seu visual é atraente e as ilusões de ótica são elementos que despertam a curiosidade nas crianças, podendo estimular a criatividade.

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Neste e no próximo capítulo, mergulharemos nas peculiaridades dos processos criativos de desenvolvimento dos experimentos gráficos propostos. Algumas ideias surgiram cedo, ainda durante a realização do exercício experimental, outras vieram só depois do levantamento de produtos e referências visuais. Todavia, para facilitar o relato e a compreensão desses processos, organizaremos os fatos de acordo com suas etapas formais, e não de maneira cronológica.

Possibilidades projetuais A partir das diretrizes para execução do projeto, listamos alguns elementos que poderiam ser considerados durante a etapa de geração de ideias. São eles:

Temáticas conceituais • • • • • • • • •

mitologia grega folclore animais super-heróis monstros pessoas palavras frutas objetos

Temáticas estéticas • cor • textura • forma

Possibilidades exploratórias (tipos de relações) • • • • • • • • • •

multiplicação das partes de um conjunto; mudança de cor; mudança de matéria; mudança de lugar ou posição; mudança de função; mudança de dimensão; mudança de peso; fusão de diversos elementos num mesmo corpo; variações de percepções sensoriais; relações entre relações: combinação de elementos já combinados nos processos anteriores.

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Primeiras ideias

Possibilidades técnicas/estilísticas • • • •

recortes/peças avulsas colagem sobreposição ilustração

Possibilidades formais do suporte • • • • •

caderno totem peças soltas para construção bidimensional peças soltas para construção tridimensional lâminas

Materiais do suporte • • • • • • • •

sulfite reciclato canson couchê papelão paraná vegetal seda

Geração de ideias A partir do levantamento de produtos e referências visuais e da listagem de possibilidades projetuais, foi possível formular as seguintes ideias-conceito:

Reinventando a casa Mobiliar os cômodos de uma casa com objetos não convencionais (exemplo: colocar uma Estátua da Liberdade reduzida na sala de estar) ou inverter o uso de alguns objetos (exemplo: usar o vaso sanitário como cadeira).

Desenhando novos bichos Fazer a criança desenhar misturando partes de animais (cabeça, tronco, patas, orelhas, focinho, asas) para criar novos bichos.

Criando frutanimais Misturar partes de frutas com partes de animais e formar novos frutanimais, considerando também mesclar seus nomes (exemplo: morangato). Enfatizar a textura das frutas e o contorno do corpo dos bichos.

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Montando monstrinhos Juntar peças já prontas (formas abstratas ou partes do corpo de animais ou humanos) para criar monstrinhos variados.

Criando animais do mar abissal Juntar partes do corpo de animais marinhos e objetos do cotidiano para criar animais do mar abissal.

Criando novas palavras Juntar palavras e/ou trecho de palavras e criar novos significados para o resultado dessas junções.

Compondo arte Cartões com padrões gráficos coloridos para a criança compor painéis.

Compondo com cores Cartões coloridos que ajudem a criança a aprender composições cromáticas.

Compondo com geometria Cartões com formas geométricas básicas (losangos, retângulos, triângulos) para a criança compor painéis.

Descobrindo formas Pequeno totem rotativo que segue o princípio do cadáver esquisito, mas que cria imagens inovadoras, como no livro Oh! (página 56).

De onde vem os super-heróis Mesclar elementos e características de heróis e/ou deuses já existentes com elementos do cotidiano para criar novos super-heróis com superpoderes inusitados para realizar as tarefas simples da vida, valorizando os pequenos talentos das pessoas (exemplo: o SuperCook, um herói que carrega uma frigideira e tem um cinto de utilidades com ferramentas da cozinha, ele cozinha qualquer coisa muito bem em 5 minutos e ajuda a acabar com a fome mundial).

Habitáculo mutante Caixa de papelão que se transforma em outras coisas (exemplos: casa, carro, foguete) por meio de extensões e apliques. Isso permitiria que a mesma caixa fosse utilizada para mais de uma brincadeira. Os apliques poderiam vir prontos ou ser projetados pela criança. Como é possível notar, algumas ideias são mais conceituais (do que se trata o experimento) e outras, mais formais (como se dá o experimento); a maioria visa principalmente exercitar a criatividade, mas há também algumas de teor educativo.

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Primeiras ideias

Pesquisas complementares Montando monstrinhos Para a disciplina AUP2305 Processos de Criação e Design Visual, além do exercício experimental (capítulo 7), foi necessário desenvolver mais um experimento e, para tanto, escolhemos a proposta Montando monstrinhos. Assim, deveríamos criar peças que pudessem ser utilizadas para a criação de monstrinhos. Procuramos algumas ilustrações e produtos de monstros para descobrir de que forma as pessoas costumam desenhá-los: que elementos e cores usam, o que faz daqueles personagens monstros, que emoção eles transmitem etc. A pesquisa mostrou o seguinte: • • • • • • •

frequentemente apresentam a repetição de elementos; frequentemente seus corpos possuem partes de animais; podem transmitir medo, repugnância ou estranheza; mas também pode ser fofos e simpáticos ou cômicos; os mais assustadores costumam utilizar cores escuras; os mais amigáveis, utilizam cores claras e vivas; mesmo quando são amigáveis, possuem características assustadoras, como dentes à mostra, chifres, pelos, vários olhos etc.

Eis alguns exemplos coletados na pesquisa:

Retirado de:

Retirado de:

Retirado de:

Retirado de:

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Como esse primeiro experimento era focado na disciplina e não seria, necessariamente, utilizado no TCC, optou-se por fazer um trabalho mais solto, manual e espontâneo. Escolhemos duas cores de papel color plus que fossem contrastantes, azul e laranja (que também são complementares), e recortamos formas variadas. Algumas representavam elementos figurativos, como braços, pernas, orelhas, caudas; outras eram apenas formas abstratas. Todas as formas foram recortadas livre e diretamente no papel, sem desenho prévio. Os globos oculares foram recortados em papel branco e as pupilas foram desenhadas com canetinha preta; assim foram feitos os olhos. Em seguida, foi a hora da própria autora testar o projeto e montar os monstrinhos. A escolha das peças ocorria aleatoriamente, mas havia uma grande tendência em criar personagens simétricos e utilizar sempre as pernas como pernas, os braços como braços etc., evidenciando a própria tendência do adulto em representar de maneira racional, imitando aquilo que conhece. Foram criados onze personagens utilizando-se ambas as cores, mas as possibilidades combinatórias eram infinitas, principalmente quando um membro do corpo passava a desempenhar outra função que não a sua original. Foi uma atividade bastante recreativa. A seguir, alguns exemplos de monstrinhos criados.

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Esse experimento funcionou como um primeiro exercício para o processo de criação, mostrando as possibilidades projetuais e ajudando a moldar as premissas para o desenvolvimento dos experimentos definitivos, à medida em que colaborou para a redefinição das diretrizes deste trabalho.

Paleta cromática Para viabilizar todos os experimentos, fez-se necessária a seleção de uma paleta cromática para proporcionar combinações harmoniosas de cores. Para tanto, baseamo-nos nos estudos realizados por Johannes Itten, conforme expostos na obra de Barros (2001).

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A harmonia cromática é para Itten a avaliação do efeito da junção de duas ou mais cores. Ao propor experiências e experimentos com as combinações de cores subjetivas, ele concluiu que os indivíduos diferem no seu julgamento de harmonia. Conceitos populares de harmonia, demonstraram a Itten a preferência pelas combinações de 'tons análogos'. (p. 49)

Itten afirma que as pessoas tendem a preferir os tons análogos, ou tons próximos, por uma questão gosto pessoal, sem força objetiva, que elege determinada combinação cromática como agradável ou não agradável, atrativa ou não atrativa. Ele defende que é necessário transformar o conceito de harmonia cromática de acordo com princípios objetivos e, para isso, busca apoio na fisiologia da visão, baseando-se no fisiologista Edwald Hering. Assim, tem-se que "a harmonia objetiva busca a satisfação do olho humano, evitando que este produza (fisiologicamente/ilusoriamente) as cores que estão faltando na composição." (p. 50), ou seja, "duas ou mais cores são mutuamente harmônicas se suas misturas levam a um cinza-neutro." (ITTEN1 apud BARROS, 2001, p. 50). E, contrapondo-se às combinações harmônicas, estão as combinações expressivas, que são todas aquelas cujas misturas não levam ao cinza, sendo, portanto, discordantes. Esse é um recurso também muito utilizado em grandes obras de pintura, no qual pode haver predomínio de uma cor sobre as demais. Itten também identifica outros fatores que influem na escolha da composição cromática, como as posições relativas das cores (proximidade) e seus graus de pureza e brilho (luminosidade). A fim de facilitar a visualização das relações entre as cores, ele propõe um círculo cromático de doze cores, elemento fundamental de sua teoria da cor. Nesse círculo, "as cores diametralmente opostas devem ser complementares, e [...] misturando-as deve-se poder chegar ao cinza. Assim, [...] o azul fica oposto ao laranja, de forma que a sua mistura resulte no cinza." (ITTEN, 1996, apud BARROS). No centro do círculo, ficam as cores primárias, formando um triângulo equilátero que se divide igualmente. Da junção das faces externas de cada cor primária, sai um triângulo isósceles de cor secundária, que tangencia um anel de doze cores, unindo primárias, secundárias e terciárias.

Círculo cromático de Itten

1. ITTEN, Johannes. The Art of Color - subjective experience and objective rationale of color. Translated by Ernst van Haagen. New York: Van Nostrand Reinhold Co., 1996.

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Primeiras ideias

O círculo também facilita na identificação de cores contrastantes: Nós falamos em contrastes quando diferenças distintas podem ser percebidas entre dois efeitos comparados. Quando tais diferenças atingem seu grau máximo, nós falamos em contrastes polares ou diametrais. [...] Nossos órgãos sensitivos só podem funcionar por comparações. A mesma linha é dada como curta quando a linha a ela comparada é mais longa. Os efeitos cromáticos são similarmente intensificados ou enfraquecidos pelo contraste. (ITTEN, 1996, apud BARROS).

Os principais contrastes com os quais estamos habituados são: • • • •

entre cores puras (as próprias cores do círculo cromático); entre claro e escuro; entre cores quentes e frias; entre cores complementares.

Esses conceitos aqui explicados serão bastante explorados no desenvolvimento dos experimentos gráficos, principalmente em Compondo padrões gráficos.

Tipografia Dado que, formalmente, as crianças iniciam sua alfabetização aos seis anos, ao entrar na Educação Fundamental, é de se esperar que aos sete elas já conheçam o alfabeto e sejam capazes de unir sílabas e ler textos simples, ainda que precisem fazer algumas pausas. Assim sendo, o fato de alguns de nossos experimentos fazerem uso da linguagem verbal estimula que elas desenvolvam essa habilidade, além de propiciar diversão e aprimorar a capacidade criativa. Para viabilizar esses experimentos, fizemos uma breve pesquisa sobre as características recomendadas de uma tipografia voltada para crianças. Há opiniões díspares em relação à exposição da criança a variações tipográficas durante o aprendizado, como afirma Lourenço (2011, p. 86). Alguns autores acreditam que é necessário "expor as crianças às variações para que haja uma familiaridade com diversos textos e mensagens encontrados no cotidiano" (COUTINHO e SILVA2, 2006, p.7 apud LOURENÇO, 2011, p. 86), outros alertam para a necessidade de um cuidado especial ao se escolher uma tipografia mais lúdica ou divertida, porque esta pode apresentar pouca legibilidade, comprometendo a compreensão do conteúdo pela criança. Segundo Strunck3, a legibilidade é a "facilidade de identificação correta de um grupo de caracteres por parte do leitor. Depende também do espaço esculpido entre as letras e à sua volta, conhecido como entreletras [...] Também depende da entrelinha, que é a distância de uma linha de base a outra." (apud LOURENÇO, 2011, p. 85-86). Para Baines & Haslam (2005)4 e Niemeyer (2003)5, "se refere à forma da letra ou caractere tipográfico e o quão fácil é o reconhecimento de um caractere individual ou alfabeto em uma fonte particular" (apud LOURENÇO, 2011, p. 87).

2. COUTINHO, Solange Galvão; SILVA, José Fábio Luna. Linguagem Visual em livros didáticos infantis. 15° Encontro Nacional da ANPAP. Anais do 15° Encontro Nacional. Arte: limites e contaminações. Salvador, 2006. 3. STRUNCK, Gilberto. Viver de Design. Rio de Janeiro: 2AB, 1999. 4. BAINES, Phil; HASLAM, Andrew. Type & Typography. London: Laurence King Publishing, 2005. 5. NIEMEYER, Lucy. Tipografia: Uma apresentação. Rio de Janeiro: 2AB, 2003.

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Em sua tese, Lourenço (2011) considera, a partir de outros trabalhos, que os caracteres chamados infantis apresentam maior legibilidade para as crianças, porque "as letras [são] projetadas de acordo com as necessidades percebidas nas crianças" (p. 91). Posteriormente, o autor também defende o uso de fontes sem serifa, justificando: É importante que as letras sejam “limpas” e claras para não dificultar, ou melhor, não confundir a leitura pelas crianças; A necessidade das crianças por tipografias que remetam à caligrafia é muito forte, e os tipos sem serifas se aproximam mais desses anseios. (p. 99)

Outro aspecto importante a se considerar é o tamanho da tipografia. Para que haja boa leitura por parte das crianças, deve-se "assegurar movimentos fáceis e corretos nos olhos." (p. 106), e as linhas devem ser curtas. De acordo com parâmetros tipográficos para livros infantis, recomendados por Burt (1959 apud COUTINHO e SILVA, 2006), para crianças entre sete e oito anos, o corpo deve ser de 18 pontos e, para crianças entre oito e nove anos, de 16 pontos. Quanto às ascendentes e descendentes (as partes acima e abaixo da altura x das letras minúsculas), Willberg e Forssman6 (2007, apud LOURENÇO, 2011, p. 112) orientam que devem ser grandes o suficiente para impedir a confusão entre caracteres parecidos, como em h e n. Com base nessas informações, selecionamos algumas tipografias que testamos com as crianças na primeira versão dos experimentos. Esses estudos serão relatados no próximo capítulo.

Padrões gráficos e representação tridimensional Durante o detalhamento, as três últimas ideias-conceito Compondo arte, Compondo com cores e Compondo com geometria se mesclaram e se transformaram, resultando em duas novas propostas que serão detalhadas no próximo capítulo. Basicamente, o objetivo pretendido era criar uma peça de formato padrão que, replicada, pudesse formar um mosaico contínuo e infinito com padrões gráficos que enriquecessem o repertório criativo da criança, oferecendo possibilidades cromáticas e figurativas, formando imagens diferentes conforme o usuário posicionasse as peças. Esse conceito é muito explorado por M. C. Escher em parte de sua obra, o que nos levou a pesquisar mais sobre o artista e seu trabalho. Maurtis Cornelis Escher nasceu em 1898, na Holanda, e se tornou muito conhecido por seu trabalho como artista gráfico. Durante o tempo em que viveu na Itália, aperfeiçoou suas ilustrações realistas, representando, principalmente, paisagens e construções. Na Espanha, teve contato com os mosaicos da cultura árabe, do palácio de Alhambra, e interessou-se pela forma com que os padrões geométricos se entrelaçavam e se repetiam7. Essas duas viagens tiveram profundas consequências no desenvolvimento de sua obra, que são, especificamente, inspiração para o presente projeto.

6. WILLBERG, Hans Peter; FORSSMAN, Friedrich. Qual é o seu tipo: Primeiros socorros em tipografia. Tradução: Hans Dürrich. São Paulo: Editora Rosary, 2007. 7. Escher's Biography. Disponível em: . Acesso em: 2 out. 2014.

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Sua grande competência como ilustrador e seu forte interesse pela experimentação gráfica, levou-o a realizar extensos estudos de padrões geométricos, preenchimento de planos, perspectiva, entre outros, que geram efeitos de ilusão tipicamente reconhecidos como símbolos do seu trabalho. Em sua análise, Locher (1992, p. 135) categoriza a produção de Escher de acordo com sete temas (tradução livre): 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.

penetração de mundos ilusão do espaço divisão regular do plano perspectiva espirais e sólidos regulares o impossível o infinito

No nosso projeto, dois desses temas foram tomados como pontos de partida:

Ilusão do espaço8 Segundo Locher (1992, p. 138), toda representação espacial em um plano é baseada em ilusão. Embora a superfície da imagem seja plana, bidimensional, nós a percebemos como espacial, tridimensional. Isso acontece porque nosso cérebro aprende desde cedo a interpretar o espaço como tridimensional, mesmo que a imagem formada em nossa retina quando observamos um objeto seja plana. Escher fascinava-se com essa capacidade do cérebro em transformar imagens bidimensionais em tridimensionais e, assim, fez diversos experimentos visuais na tentativa de quebrar essa ilusão de espaço, mas seus resultados foram em vão. Embora ele tenha criado diversos padrões gráficos e ilustrações que subvertem a realidade e misturam planos distintos de forma não-natural, a impressão de tridimensionalidade persiste. É neste tema e nos experimentos realizados por Escher para este fim que o jogo Monument Valley, indicado no levantamento de referências (página, baseia-se.

Relativity, 1953.

Reptiles, 1943.

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Divisão regular do plano9 A divisão regular do plano é o tema de maior interesse do próprio Escher em seu trabalho (Locher, 1992, p. 141). Esse princípio consiste na criação de uma espécie de quebra-cabeças a partir de peças geométricas simples, como quadrados, triângulos e hexágonos. Não é possível utilizar pentágonos ou polígonos com mais de seis lados. A partir dessas simples formas, é possível criar padrões gráficos surpreendentes. Para construí-los, é possível utilizar sempre a mesma forma geométrica, ou criar combinações com algumas delas. Se pegarmos, por exemplo, um quadrado podemos destacar algumas partes e aplicar os princípios geométricos de simetria, reflexão e rotação, de maneira que sempre retiremos de um dos quadrados a mesma parte que adicionaremos ao quadrado subsequente. Assim, não haverá intervalos ou sobreposições entre as formas e a posicionamento justaposto entre elas resultará num padrão gráfico repetitivo e de reprodução infinita. Esse princípio construtivo é conhecido como tesselação10, que tem origem da palavra latina tessela, peça para construir mosaicos.

Bird/Fish, 1938.

Smaller and smaller, 1956.

parte de Metamorphosis III, 1967-1968.

No capítulo a seguir, explicaremos de que forma esses processos de construção gráfica foram utilizados nos experimentos propostos. 8 e 9. Imagens da obra de M. C. Escher retiradas do site http://www.wikiart.org/en/m-c-escher/. Acesso em 18 nov. 2014. 10. Tesselação. Wikipédia. Disponível em: . Acesso em 20 out. 2014.

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Como dito anteriormente, a evolução das etapas de pesquisa de campo e desenvolvimento não ocorreu da maneira linear como é aqui descrita, mas sim em um contínuo processo de zig-zag, alternando pesquisas complementares (tanto de referências visuais quanto de informações) e esboços das propostas, que contribuíram para refinar as diretrizes para criação dos experimentos. Escolhemos seis das doze ideias-conceito e começamos a esboçar como poderiam se materializar. Foram elas: • • • • • •

Montando monstrinhos Criando novas palavras Desenhando novos bichos Compondo arte Compondo com cores Compondo com geometria

Montando monstrinhos, detalhada ainda na época da entrega do primeiro relatório deste trabalho, foi um marco para o desenvolvimento do projeto, porque ajudou a redefinir e consolidar as premissas para criação dos experimentos. Foi com base nesse exercício que decidimos enfocar os processos de criação e desenvolvimento dos demais experimentos, propiciando, por meio deles, dar às crianças ferramentas para o fazer criativo e tendo o papel como suporte. Assim sendo, essa proposta não foi continuada, permanecendo como um exercício intermediário do processo de desenvolvimento. Compondo arte, Compondo com cores e Compondo com geometria são ideias que se fundiram e levaram às pesquisas complementares sobre cores e a obra de Escher. Depois desse levantamento e alguns esboços iniciais, chegamos a duas propostas de experimentos: Construindo espaços bidimensionais e Compondo padrões gráficos. Essas duas propostas unem-se a Criando novas palavras e Desenhando novos bichos, gerando os quatro experimentos gráficos de caráter lúdico que visam estimular o desenvolvimento criativo em crianças de sete a nove anos, como proposto por este trabalho. Neste capítulo, para cada uma das propostas, descreveremos como as ideias-conceito se transformaram na proposta inicial, que foi testada e ajustada, até obtermos os resultados finais aqui apresentados. Os quatro experimentos foram desenvolvidos em paralelo, etapa a etapa, mas para facilitar a compreensão de seus processos, descreveremos cada experimento de maneira isolada, conforme as seguintes etapas: Processo de criação, Realização dos testes, Ajustes finais e Modelo final. Os testes das propostas iniciais foram realizados com dois meninos de nove anos, que também participaram do exercício experimental, em seus ambientes familiares: Gabriel

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Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

e Henrique. Os testes foram realizados com cada um deles em dias diferentes (Gabriel foi o primeiro), mas ambos os garotos testaram os quatro experimentos num único dia e em sequência. As visitas para realizar os testes duraram cerca de duas horas. O tempo para realização do teste de cada experimento variou entre 5 a 25 minutos, mas foram realizadas algumas pausas intermediárias porque as crianças ficaram cansadas ou distraíram-se com outras coisas. Neste ponto, é válido relembrar que os resultados aqui propostos não encerram as possibilidades projetuais dos experimentos, uma vez que abrem caminho para novas proposições e soluções, permitindo, no futuro, sua produção serial e consequente comercialização. Frisamos também que a escolha do papel como suporte para a materialização dos experimentos visa propiciar sua produção caseira, oferecendo à própria criança (e sua família) a possibilidade de imprimir e recortar as peças, participando do processo de criação. Para dar maior durabilidade e facilitar a usabilidade das peças, os modelos finais dos experimentos Desenhando novos bichos, Criando novas palavras e Compondo padrões gráficos foram colados sobre uma base em paraná revestido branco, de 1mm de espessura, recortada na impressora laser do Laboratório de Modelos e Ensaios da FAU-USP.

Criando novas palavras Ideia-conceito Juntar palavras e/ou trecho de palavras e criar novos significados para o resultado dessas junções.

Processo de criação Para proporcionar o maior número de combinações possíveis entre as palavras, optamos por aplicá-las em peças avulsas (como num jogo de dominó). Em seguida, precisávamos descobrir quais palavras utilizar e como permitir a combinação entre elas. Inicialmente, pensamos que seria mais enriquecedor se este experimento também proporcionasse a aquisição de conhecimentos linguísticos. Por isso, observando o clássico processo de construção das palavras, definimos que as peças deveriam conter prefixos, radicais, sufixos e uma breve explicação sobre a origem ou significado de cada um1. Radical: é o núcleo da palavra, retendo seu significado. É o fator comum em palavras de uma mesma família. Prefixo: é o afixo que se adiciona antes do radical, modificando seu sentido. Sufixo: é o afixo que se adiciona ao final do radical, modificando seu sentido e até sua classe gramatical.

1. Essas informações foram retiradas dos seguintes sites:

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

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A seguir, os primeiros esboços estruturais das peças:

A-

DIS-

CLORO

-EIRO

Na frente das cartas, apenas o morfema2. No verso, também o significado.

Ao mesmo tempo, fizemos também um estudo de formas para as peças.

PALAVRA PALAVRA

MONTANHA MONTANHA

GRAFIA GRAFIA

PALAVRA

MONTANHA

PALAVRA

MONTANHA

GRAFIA

MONTANHA

GRAFIA

PALAVRA

GRAFIA

INHO INHA INHO INHA INHO INHA INHO INHA INHO INHA

Formato preferido:

PALAVRA

MONTANHA

GRAFIA

INHO INHA

O formato retangular acompanha o comprimento da palavra para evitar o desperdício de material. As extremidades salientes proporcionam estabilidade ao encaixe entre as peças e indicam o fluxo de leitura.

Entretanto, o excesso de elementos explicativos parecia dificultar o processo de criação de novas palavras, porque impunha condições demais. Além disso, parecia que a atividade pretendia ter caráter educativo, o que requereria muito mais aprofundamento em estudos linguísticos e ensaios, fugindo do escopo da nossa proposta. Então, optamos por eliminar

2. Na morfologia, morfema é a menor parte capaz de expressar significado. Embora gramaticalmente, neste experimento, nem todas as palavras utilizadas nas peças sejam morfemas, adotaremos o uso desse termo, porque para os efeitos deste projeto, cada peça é o menor fragmento portador de significado. Ou seja, consideraremos que cada peça contém um morfema.

76

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

as explicações linguísticas e os radicais e inserimos novos morfemas para incentivar outras combinações.

PROF

DENT

VIZI

MIGO

PRINC

Selecionamos partes de palavras do cotidiano da criança para ela misturar com sufixos e prefixos.

Ainda em busca de mais possibilidades que se aproximassem da realidade da criança e com processos naturais de derivação de palavras, selecionamos também alguns substantivos primitivos (que dão origem a outras palavras por meio de derivação) e verbos. Para o formato das peças, optamos pelo modelo abaixo, porque era de fácil encaixe, fácil produção manual (recorte com tesoura ou estilete) e funcionava bem como indutor do fluxo de leitura. Em seguida, foi necessário definir a estética das peças. Como havia três grupos de morfemas-radicais3 para formar novas palavras (substantivos primitivos, verbos e partes de palavras), cada um se tornou um conjunto, que recebeu prefixos e sufixo, e que foi identificado com uma família cromática. Dentro de cada conjunto, cada tipo de elemento gramatical utilizaria cores diferentes, a fim de identificar que eles possuíam funções diferentes entre si, e que havia uma sequência estrutural que poderia ou não ser seguida para construir uma nova palavra. Essa organização visava avaliar se a criança teria maior ou menor facilidade para operar com um determinado tipo de elemento-base e, para tanto, ela usaria cada conjunto de uma vez. As cores utilizadas provinham do círculo cromático de Itten. Era também necessário escolher a tipografia a ser utilizada. Com base na pesquisa relatada no capítulo 10, escolhemos três tipografias sem serifa de aspecto infantil, disponibilizadas gratuitamente na Internet. Optou-se por fontes tipográficas gratuitas, porque, uma vez que o intuito dos experimentos é que eles possam ser disponibilizados livremente para reprodução caseira, seria um gasto desnecessário pagar pelo uso de fontes comerciais, já que o experimento não será comercializado. As três fontes escolhidas foram: Coming Soon, Smart Kid, CF Jack Story. Para dar maior legibilidade aos morfemas, preferiu-se utilizar todas as letras em caixa-alta. Smart Kid CF Jack Story Coming Soon

3. Aqui também o termo utilizado se apropria do significado gramatical dentro da proposta do experimento. Portanto, morfema-radical vem a ser a menor parte da palavra capaz de expressar significado e que é fator comum em palavras da mesma família, podendo sofrer derivação. Ou seja, numa regra de construção por derivação, morfema-radical seria o elemento antecedido pelo prefixo e seguido do sufixo, a "peça do meio".

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

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Essas definições fazem parte do teste que foi aplicado às crianças. Sendo assim, cada conjunto apresenta doze peças, quatro de cada tipo (prefixo, morfema-radical e sufixo), de acordo com os exemplos a seguir:

Grupo 1 - Fonte: Smart Kids. Cores quentes: prefixos (laranja claro), partes de palavras (laranja), sufixos (laranja escuro).

Grupo 2 - Fonte: CF Jack Story .Tons de verde (luminosidade): prefixos (verde claro), substantivos primitivos (verde), sufixos (verde escuro).

Grupo 3 - Fonte: Coming Soon. Cores primárias: prefixos (amarelo), verbos (azul), sufixos (vermelho).

Realização dos testes Henrique estava bastante impaciente, porque queria assistir a um filme. Por essa razão pode ter participado desta atividade com pouca vontade, criando apenas três exemplos. Juntava as peças para criar novas palavras, mas dava-lhes significados já existentes que, na maioria das vezes, não tinham qualquer relação com as partes unidas. Soube reconhecer os usos dos sufixos e prefixos. Utilizou a carta sub/sob, na qual o usuário poderia escolher o prefixo que julgasse mais adequado, mas Henrique pareceu não compreender isso, o que nos fez perceber que este era um ponto a ser trabalhado. Por último, Henrique criou uma palavra bem grande juntando dezenove peças, mas ficou com preguiça de escrever todas em

Henrique transcrevendo sua mais longa palavra.

Palavras criadas por Henrique: Antidescobrir: não descobrir Sob/subdade: caduca Ãosemitriprofhipoorposelefandiamarmontsuperadoeiroiscoinho: ar

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Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

sua folha de registro e acabou diminuindo a quantidade. Ao final, divertiu-se dando a ela um significado bem curtinho: "ar". Para iniciar o teste com Gabriel oferecemos apenas um dos conjuntos. Depois foram introduzidos os outros dois, um de cada vez. Ele ficou feliz em receber mais peças e pareceu não notar diferença entre os conjuntos. Disse não gostar de verde e, por isso, pode ter evitado usar as peças dessa cor. O garoto reconhecia o uso de alguns termos como sufixos e prefixos, mas nem sempre seguia essas determinações. Divertiu-se definindo os significados das palavras criadas e resgistrou-os num papel. Para criar, buscava basear-se em seus conhecimentos e associações com palavras que já conhecia. Curiosamente, suas criações sempre combinavam apenas duas peças. Quando lhe foi sugerido compor palavras mais longas, ele montou uma com mais de dez peças, mas desistiu de dar-lhe um significado. Gabriel elegeu este experimento como o seu favorito e teria continuado brincando, se não tivéssemos que passar para o próximo.

Gabriel transcrevendo e definindo uma de suas novas palavras.

Palavras criadas por Gabriel: Profassão: ajudar as pessoas que necessitam. Fogologia: bactérias no fogo. Monttopo: é um monte no Japão que contém 1623 metros. Elefantre: Quem cuida dos elefantes (de recémnascido até dois meses). Hidromar: massagista do mar. Fogologia: bactérias no fogo. Hidrofalar: professor do mar. Hidroeiro: engenheiro do mar. Triado: três meses após a reencarnação.

Ajustes finais Antes do teste, imaginávamos que as crianças poderiam adaptar os morfemas das peças caso achassem necessário, por exemplo, ao juntar Falar + Eiro = Faleiro (em vez de Falareiro), pois esse é um processo comum na língua para a derivação de diversas palavras, principalmente com verbos irregulares. Entretanto, aos nove anos, embora elas já tenham maior domínio sobre a língua, talvez seja necessária maior intimidade com o experimento ou mesmo com as próprias possibilidades linguísticas para se chegar a essas conclusões. Assim sendo, decidimos facilitar as junções entre os tipos de peças, propiciando conexões que funcionassem sempre de maneira regular, sem a necessidade de adaptações. Para tanto, dado que todos os sufixos utilizados se iniciam por vogais, a solução encontrada foi fazer com que os morfemas-radicais terminassem em consoante, permitindo junções mais comuns aos olhos da criança. Os morfemas-radicais continuaram a ser de três tipos, mas desta vez dividiram-se em: verbos sem as terminações das conjugações, substantivos sem as terminações vocálicas e substantivos inteiros terminados em consoantes. Concluímos que não havia a necessidade de dividir os tipos de morfemas-radicais, portanto misturamos todos num único conjunto.

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

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Pela aplicação do teste, o uso das cores não agregou diferenciais. Entretanto, acreditamos que, no contato a longo prazo da criança com o experimento, ela pode identificar os tipos de morfema e isso pode ajudá-la no seu desenvolvimento lexical. Portanto, achamos interessante utilizar cores para identificar os tipos de morfemas empregados no experimento e, uma vez que os morfemas-radicais e os afixos se complementam, consideramos adequado que suas cores também fossem complementares. Com base no círculo cromático de Itten, escolhemos laranja para os morfemas-radicais e azul para os afixos. Os morfemas-radicais, por sua vez, são de três tipos (verbos e substantivos sem terminação e substantivos terminados em consoantes) e os afixos, de dois (prefixos e sufixos). Para diferenciar também esses subgrupos, optamos por cores análogas que não comprometessem a harmonia proposta pelo contraste complementar. Assim, os morfemas-radicais apresentaram os três laranjas do círculo cromático, e os afixos, dois azuis.

Cores escolhidas para cada tipo de morfema.

O formato das peças também foi revisto, ajustando-se melhor ao tamanho dos morfemas de cada uma. A angulação dos triângulos das extremidades foi alterada, tornando-os mais obtusos e aumentando o espaço interno de cada peça. O tamanho da peça original foi calculado com base no morfema mais longo, de 7 letras, e tem 6,5 cm de largura por 3 cm de altura, comportando morfemas de 5 e 7 letras. Para que os morfemas menores não ficassem soltos numa peça muito grande, adaptamos os tamanhos das peças. Para 2 letras, a parte retangular da peça (sem as extremidades triangulares) equivale a um terço da parte retangular da peça original. Para 3 e 4 letras, a equivalência é de dois terços.

Antes

Depois

6,5 cm

3 cm

X

2/3X

1/3X

80

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

Durante o teste as crianças não demonstraram dificuldades em compreender nenhuma das três tipografias utilizados. No entanto, consideramos a Smart Kid mais adequada, por possuir traço de espessura contínua e equilibrada, ser bem definida e ter caracteres largos. A Coming Soon tem traço muito fino e a JF Jack Story, traço irregular, além de ser um tanto condensada. Além disso, aumentamos o tamanho da fonte do teste de 20 pt para 40 pt na versão revista, aproveitando melhor o espaço da peça. O conjunto final possui 17 peças grandes (de 5 a 7 letras), 20 peças médias (de 3 e 4 letras) e 4 peças pequenas (de 2 letras), totalizando 41 peças, sendo: 10 verbos sem terminação, 5 substantivos sem terminação, 5 substantivos terminados em consoante, 10 prefixos e 10 sufixos.

Modelo final

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

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Desenhando novos bichos Ideia-conceito Fazer a criança desenhar misturando partes de animais (cabeça, tronco, patas, orelhas, focinho, asas) para criar novos bichos.

Processo de criação A ideia principal era desafiar a criança a fazer combinações variadas com partes de animais e, então, desenhá-las. A princípio, pensamos em fazer fichas que pudessem ser sorteadas, mas poderia ocorrer de saírem, por exemplos, três fichas de cabeças de três animais diferentes. Nesse caso, o bicho seria formado apenas por cabeças, ou a criança teria que continuar sorteando mais fichas para poder completar o corpo, ou ainda teria que desenhar um corpo qualquer. Queríamos propiciar uma atividade mais bem estruturada, que desse algumas limitações para a criança, mas ainda abrisse espaço para a inovação. Assim, optamos por criar uma roleta com várias camadas, permitindo a combinação de elementos predefinidos que poderiam ser recombinados. A criança ajustaria as camadas como bem desejasse, giraria o ponteiro e desenharia o resultado sorteado das interações. Inicialmente, pensamos que seria interessante misturar quatro partes de animais: cabeça, tronco, membros (patas, asas ou nadadeiras) e detalhes (orelhas, bicos, caudas, cascos etc). E, para deixar os futuros bichinhos mais alegres e divertidos, achamos que seria interessante adicionar também algumas opções de cores. Então, cada camada da roleta seria uma parte de animal ou cor, totalizando cinco camadas. Para desenhar a roleta, dividimos um círculo de 10 cm de diâmetro em oito partes iguais. Experimentamos as mesmas três fontes tipográficas utilizadas em Criando novas palavras, Coming Soon, Smart Kid e CF Jack Story (veja quadro comparativo na página 72), e escolhemos a primeira porque tinha traço mais fino e dava leveza às massas de texto que usaríamos. Como as expressões escritas seriam longas e lineares, levemente curvadas, achamos que seria melhor escrever tudo em caixa-baixa. A Coming Soon, apesar de ter traço fino, é uma fonte de caracteres largos, e por isso o tamanho escolhido foi de 14 pt. No círculo mais interno da roleta, colocamos as cores com as quais as crianças poderiam desenhar. Com base no círculo cromático de Itten, o critério para seleção das cores foi ter quatro cores escuras e quatro claras. Escolhemos as três cores primárias e as duas cores secundárias. Em vez do verde, que seria a terceira cor secundária, optamos pelo verde claro. Ainda precisávamos de duas cores, já que a roleta estava dividida em

Círculo dividido em 8 partes Fonte escolhida para textos:

Comingo Soon 14 pt A

A

A

A

A

A

A

A

A paleta escolhida com base no círculo cromático de Itten.

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Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

oito partes. Por apresentar maior contraste com as cores já escolhidas que as demais cores terciárias (laranja claro, azul escuro etc.), optamos pelo magenta. Além disso, escolhemos o preto, porque achamos que seria interessante ter uma cor mais neutra, que fosse mais próxima da cor da pelagem e penugem dos animais de verdade. Nas cores claras, escrevemos seus nomes em preto. Nas cores escuras, escrevemos em branco. No círculo seguinte, agrupamos os membros dos animais. A maioria dos textos era maior que o espaço que tínhamos para cada parte de animal, por isso, tivemos que quebrar os textos em duas linhas, e esse círculo ficou com 13 cm de diâmetro. O espaço entre a linha externa de cada círculo e o círculo anterior foi pensado de forma a não "sufocar" as palavras, deixando uma sobra agradável à leitura em todos os lados. O círculo posterior continha os corpos dos animais. Nessa parte, a circunferência já possuía 15 cm de diâmetro e, assim, pode comportar bem o texto em uma única linha. O círculo seguinte era largo demais para comportar um texto em única linha, sobrava bastante espaço entre as palavras e as bordas de cada "fatia" da roleta. Assim, optamos por alargá-lo ainda mais (totalizando 18 cm) e dividi-lo em dois, colocando a última camada alternada com a penúltima. Para isso, novamente foi necessário quebrar os textos.

As cinco camadas lado a lado em escala reduzida.

Dessa forma, a roleta possuía cinco camadas recombináveis, cada uma com oito opções. A seta que seleciona as combinações também foi feita de papel, e todos os elementos foram presos por uma linha de costura que cruza o centro de todos eles.

Realização dos testes Somente com explicação oral, Gabriel teve um pouco de dificuldade em compreender como as camadas podiam ser recombinadas e precisou de uma demonstração. Mesmo assim, acabava girando várias camadas juntas e as combinações se repetiam. Quando tentou misturá-las mais, acabou desalinhando as fatias, o que, inicialmente, parecia um problema, mas não mostrou nenhuma consequência negativa. O menino fazia os desenhos em tamanho pequeno e, assim, couberam vários na mes-

A primeira versão da roleta, utilizada nos testes.

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

83

ma página. Desenhava direto com os lápis de cor e, quando a seta caiu entre duas opções de cores, utilizou ambas. Em um dos desenhos, também utilizou o preto para fazer os detalhes. Nas últimas ilustrações, como as camadas já estavam bem bagunçadas (desalinhadas), não usou todos os elementos indicados, talvez porque não quisesse ou porque não identificou essa demanda na roleta.

Os desenhos feitos por Gabriel.

Gabriel gostou bastante desse experimento e ficou satisfeito com seus desenhos. Foi o segundo experimento que mais gostou e teria continuado a brincar se não tivéssemos que trocar de atividade. Henrique parecia pouco interessado em participar do teste, estava ansioso e desenhava em pé, com um dos joelhos dobrado sobre a cadeira.

Henrique impedindo que seus desenhos fossem vistos e fotografados.

Manipulou muito pouco a roleta para misturar as camadas e não quis utilizar lápis de cor. Completou o primeiro desenho com outros elementos, como uma genitália masculina e excrementos, parecendo desejar causar alguma reação na pesquisadora. Por fim, apagou os elementos para a mãe não ver e não permitiu que fossem fotografados porque estavam "feios". Diferentemente de Gabriel, fez desenhos bem grandes, um por folha, e afirmou não ter gostado da atividade.

Ajustes finais Apesar das crianças não terem apresentado dificuldade para ler (com exceção de terem que inclinar a cabeça para acompanhar a curvatura dos círculos), a tipografia de traço fino, Comingo Soon, parecia um pouco apagada; e a divisão do texto em duas alinhas em algumas camadas, mas não em outras, causava incômodo visual. Por essas razões, optamos por trocar de fonte e escolhemos a Smart Kid, a mesma utilizada no experimento Criando novas palavras. Além do traço ser mais grosso e os caracteres mais estreitos, essa mudança criaria uma harmonia estética entre os dois experimentos. Com a nova tipografia, os textos passaram a caber em uma única linha e ainda foi possível aumentar o tamanho para 16 pt. Além disso, para facilitar a manipulação e deixar o visual mais limpo, optamos por retirar a camada com os detalhes dos animais, reduzindo a roleta a quatro camadas. Para não encolher demais a roleta, que diminuiria cerca de 2 cm devido à redução da largura dos círculos, o tamanho de todos eles foi revisto. O círculo interior, das cores, passou a ter 11 cm. O seguinte, 13. O outro, 15 e o último, 17.

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Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

No círculo interior, percebemos que não havia necessidade de manter os nomes das cores, pois nada acrescentavam ao usuário, portanto, resolvemos tirá-los. Quanto às cores, achamos que o preto destoava das demais e não oferecia uma possibilidade verdadeiramente nova de criação, por isso decidimos substituí-lo pelo verde escuro. Assim, utilizamos as três cores primárias, as três secundárias e duas terciárias, que foram mantidas na roleta de acordo com sua sequência no círculo cromático de Itten. A linha de costura utilizada para unir os elementos da roleta de teste ficou frouxa com o uso, o que deixou a seta fora do lugar e mais difícil de ser manuseada. Para o modelo final, utilizamos um parafuso plástico para pastas de 1,25 cm de altura. Ele possui uma espécie de rosca, garantindo que as camadas não se soltem. O modelo utilizado foi o único encontrado para a compra e, mesmo com o uso das bases rígidas em papel paraná, a altura do parafuso é maior que a dos discos da roleta. Entretanto, sabemos que há versões menores no mercado que poderiam ficar mais ajustadas às camadas. Para a produção caseira, caso as camadas não sejam coladas sobre uma base rígida e o parafuso plástico não seja encontrado, sugerimos também o uso de colchetes de metal (também conhecidos como bailarinas). Dessa forma, se desconsiderarmos as variações cromáticas, as 24 partes de animais possibilitam 512 combinações diferentes, propiciando muita recreação criativa para as crianças.

Modelo final

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

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Construindo espaços bidimensionais Ideia-conceito Propiciar a representação espacial no plano bidimensional por meio de peças modulares representadas em perspectiva isométrica.

Processo de criação A partir da observação da obra de Escher (páginas 69 e 70), formou-se um interesse pelos seus estudos sobre ilusão do espaço. Com a descoberta do jogo virtual Monument Valley (página 60), pensamos em como poderíamos trazer o conceito de brincar com a transformação do espaço de forma bidimensional e tátil. Como a autora deste trabalho já havia trabalhado algumas vezes com padrões gráficos baseados na representação em perspectiva isométrica do cubo, a solução surgiu rapidamente: criar blocos de construção e elementos bidimensionais para criar os mesmo ambientes que as crianças costumam criar com blocos de construção tridimensionais ou em jogos de computador. Então, primeiramente definimos as medidas do cubo, que seria a base para criação das demais peças. Ele possui 5 cm de largura por, aproximadamente, 5,7 cm de altura. A partir daí, desenvolvemos as outras peças, sempre seguindo essa proporção. A seguir, representações das principais peças em escala reduzida.

4F

2F F F/4

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Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

Criamos também algumas variações do cubo com portas e janelas ou como portais, rampas e telhados.

Com o mini-cubo, desenvolvemos elementos menores e complementares, que poderiam ajudar na construção de detalhes, como escadas, muralhas, molduras etc.

Para que o efeito volumétrico das peças funcionasse adequadamente, as cores escolhidas deveriam criar o efeito de luz e sombra mais comuns nesse tipo de representação. Para isso, a solução mais simples seria utilizar a mesma cor com variações de saturação ou luminosidade, ou ainda matizes análogas similares. O círculo cromático de Itten, possui três matizes de laranja que funcionam muito bem nesse tipo de aplicação e, por isso, foram utilizados nos cubos. Para os adornos, as cores também análogas mas mais contrastantes, como o vermelho e o amarelo, funcionaram muito bem. Para os telhados, testamos o azul, que também possui matrizes análogas similares. Por serem complementares, a combinação entre azul e laranja é muito harmônica. Em seguida, testamos também com outros pares complementares e outras cores de apoio (derivadas por meio da adição de branco), mas optamos pelas cores da proposta inicial.

Aplicação de cores análogas e complementares nas peças.

Teste com outras combinações análogas.

Aplicação de cores análogas e cores de apoio.

A seguir, algumas possibilidades de construções que propusemos com as peças:

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

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Realização dos testes As peças foram disponibilizadas sobre a mesa, e Gabriel pegou algumas. Juntou três delas, mas parecia desanimado, olhava para os lados, voltava a olhar para o experimento, mexia mais um pouco na posição das peças... A mãe dele, então, sugeriu que fizéssemos uma pausa para descansar. Ao retornar ao experimento, o garoto disse que não queria brincar de novo. Disse que achou difícil criar algo bonito e que deveria ser uma atividade para crianças de doze anos ou mais. Henrique testou esse experimento depois de fazer um intervalo para assistir ao começo de um filme. Parecia menos ansioso, agora que tinha feito o que queria, e estava mais disposto a colaborar. Assim como Gabriel, escolheu peças maiores para usar. Preferiu agrupar peças semelhantes e aceitou sugestões para aprimorar sua criação. Depois de ver um exemplo de composição com elementos mais variados, resolver ousar mais com suas montagens. Gostou bastante de brincar os efeitos de ilusão de ótica e ficou repetindo o termo enquanto mexia nas peças.

À esquerda, Gabril tenta fazer uma casinha, mas sente dificuldade em combinar as peças. À direita, Henrique complementa sua composição depois de observar outras possibilidades de combinações.

Ajustes finais

Modelo final

A usabilidade do jogo foi melhor quando a criança observou de que forma as peças podiam interagir. Assim, imaginamos que um tempo maior de exposição casual ao experimento poderia levar a criança a novas descobertas por si só.

Com mais telhados, foi possível criar uma espécie de vilinha, por exemplo.

Como as crianças preferiram as peças maiores e mais simples, optamos por eliminar os mini-cubos e seus derivados e aumentar o número das demais peças. Também criamos um losango chapado verde para representar jardins.

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Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

Compondo padrões gráficos Ideia-conceito Permitir a construção e experimentação de padrões gráficos coloridos por meio da interação entre módulos simétricos.

Processo de criação Essa ideia foi inspirada em Remember Puro e cluster puzzles (página 59). Para criar módulos que permitissem a formação de padrões gráficos de forma repetitiva e contínua, buscamos referências na obra de Escher (página 71) sobre a divisão regular dos planos e, a partir daí, descobrimos os princípios construtivos da tesselação. Como explicado anteriormente, para criar padrões a partir desses princípios, precisamos partir de um triângulo, quadrado ou hexágono e destacar algumas partes, aplicando a elas os princípios geométricos de simetria, reflexão e rotação, de maneira que sempre retiremos de um polígono a mesma parte que adicionaremos ao polígono subsequente. Assim, não haverá intervalos ou sobreposições entre eles, resultando em um padrão gráfico repetitivo e de reprodução infinita. Optamos por realizar os estudos com um triângulo equilátero. Com base nele, criamos diversos grids, traçando as mediatrizes de cada lado, círculos tangenciando-o por dentro e por fora, círculos tangenciando as mediatrizes e assim por diante. A partir desses grids, começamos a transformar o triângulo, sempre adicionando e removendo partes com base na simetria dos lados. O resultado desse estudo foram as doze peças (e suas respectivas tesselações) que vemos a seguir.

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

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Esta foi a peça escolhida, devido a sua simplicidade formal, facilitando encaixes e recortes manuais, e também por propiciar melhor visualização dos estudos gráficos que pretendíamos fazer internamente à peça.

Em seguida, fizemos estudos com cores chapadas para verificar de que forma a criança poderia criar relações entre as peças. No entanto, essa análise mostrou que faltava um elemento de união que fortalecesse o vínculo entre elas. Esse estudo foi feito com base nas cores do círculo cromático de Itten, bem como os estudos mais adiante.

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Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

A fim de verificar de que forma as cores poderiam se relacionar no grafismo interno das peças, fizemos mais um estudo com cores. Para isso, criamos um grafismo com base no mesmo grid de construção da peça, e testamos 16 possibilidades de combinações cromáticas, de acordo três tipos de cores (primárias, secundárias e terciárias), totalizando 48 resultados. Estudo de cores com base primária: amarelo 4 cores análogas

2 cores análogas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

2 cores próximas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

2 cores complementares, 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

Mesma cor: 4 tons com pouco contraste: 100%, 90%, 80%, 70%.

2 cores análogas: 2 tons com bastante contraste: 100% 30%.

2 cores próximas: 2 tons com bastante contraste: 100% 30%.

2 cores complementares, 2 tons com bastante contraste: 100% 30%.

Mesma cor: 4 tons com bastante contraste: 100%, 75%, 50%, 25%.

2 cores análogas: 4 tons: 100% e 70% e 50% e 20%.

2 cores próximas: 4 tons: 100% e 70% e 50% e 20%.

2 cores complementares, 4 tons: 100% e 70% e 50% e 20%.

Tríade em 100% e tom complementar da principal em 50%.

inversão

inversão

inversão

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

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Estudo de cores com base secundária: verde 4 cores análogas

2 cores análogas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

2 cores próximas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

2 cores complementares, 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

Mesma cor: 4 tons com pouco contraste: 100%, 90%, 80%, 70%.

2 cores análogas: 2 tons com bastante contraste: 100% 30%.

2 cores próximas: 2 tons com bastante contraste: 100% 30%.

2 cores complementares, 2 tons com bastante contraste: 100% 30%.

Mesma cor: 4 tons com bastante contraste: 100%, 75%, 50%, 25%.

2 cores análogas: 4 tons: 100% e 70% e 50% e 20%.

2 cores próximas: 4 tons: 100% e 70% e 50% e 20%.

2 cores complementares, 4 tons: 100% e 70% e 50% e 20%.

Tríade em 100% e tom complementar da principal em 50%.

inversão

inversão

inversão

92

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

Estudo de cores com base terciária: laranja escuro 4 cores análogas

2 cores análogas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

2 cores próximas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

2 cores complementares, 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

Mesma cor: 4 tons com pouco contraste: 100%, 90%, 80%, 70%.

2 cores análogas: 2 tons com bastante contraste: 100% 30%.

2 cores próximas: 2 tons com bastante contraste: 100% 30%.

2 cores complementares, 2 tons com bastante contraste: 100% 30%.

Mesma cor: 4 tons com bastante contraste: 100%, 75%, 50%, 25%.

2 cores análogas: 4 tons: 100% e 70% e 50% e 20%.

2 cores próximas: 4 tons: 100% e 70% e 50% e 20%.

2 cores complementares, 4 tons: 100% e 70% e 50% e 20%.

Tríade em 100% e tom complementar da principal em 50%.

inversão

inversão

inversão

Depois de testar essas 48 combinações cromáticas isoladamente, era necessário verificar de que maneira elas interagiriam entre si, se o desenho resultante da continuidade do padrão seria interessante para o usuário, como poderiam ser explorados as combinações do padrão e das cores, de forma a inspirar o usuário a experimentar as possibilidades etc.

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

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Combinação de peças da paleta do amarelo

Combinação de peças das três paletas

As combinações resultantes da análise de cores foi bastante interessante. Entretanto, achamos necessário explorar mais possibilidades de grafismos e, para isso, escolhemos três grids: um apenas com linhas curvas, um apenas com linhas retas e um com linhas mistas (curvas e retas). Para cada grid, geramos 6 grafismos, cada qual utilizando de 3 ou 4 cores.

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Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

Padrões gerados a partir do grid feitos com linhas retas

Padrões gerados a partir do grid feito com linhas curvas

Padrões gerados a partir do grid com linhas mistas

Como ainda não havíamos decidido se as peças utilizariam as mesmas coisas ou cores diversas, testamos algumas combinações cromáticas aplicadas aos padrões criados, de acordo com o estudo cromático anterior.

Interações entre padrões de linhas retas

Interações entre padrões de linhas curvas

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

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Interações entre padrões de linhas mistas

Interações entre os três tipos de padrão

O resultado ainda não era satisfatório, as peças pareciam não conversar entre si, mas a ideia era que elas formassem um desenho interessante mas não figurativo, quando unidas. Partimos, então, para a criação de novos grafismos em paralelo. Juntamos as 6 peças, 2 de cada grid, e começamos a criá-los na dependência dos demais. Assim, foi possível proporcionar melhor transição dos elementos de uma peça para a outra. E novamente testamos também com cores.

Ainda insatisfeitos com o resultado, realizamos novo estudos de combinações cromáticas a partir das cores primárias, gerando 12 alternativas para cada uma, totalizando 36 resultados.

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Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

Estudo de cores com base primária: amarelo 4 cores análogas

2 cores análogas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

2 cores próximas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

2 cores complementares, 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

Mesma cor, 4 tons com médio contraste: 100%, 80%, 60% e 40%.

2 cores análogas: 2 tons com pouco contraste: 80% e 40%.

2 cores próximas: 2 tons com pouco contraste: 80% e 40%.

2 cores complementares, 2 tons com pouco contraste: 80% e 40%.

Mesma cor: 4 tons com bastante contraste: 100%, 75%, 50%, 25%.

4 cores análogas

2 cores próximas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

2 cores próximas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

Estudo de cores com base primária: vermelho 4 cores análogas

2 cores análogas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

2 cores próximas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

2 cores complementares, 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

Mesma cor, 4 tons com médio contraste: 100%, 80%, 60% e 40%.

2 cores análogas: 2 tons com pouco contraste: 80% e 40%.

2 cores próximas: 2 tons com pouco contraste: 80% e 40%.

2 cores complementares, 2 tons com pouco contraste: 80% e 40%.

Mesma cor: 4 tons com bastante contraste: 100%, 75%, 50%, 25%.

4 cores análogas

2 cores próximas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

2 cores próximas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

97

Estudo de cores com base primária: azul 4 cores análogas

2 cores análogas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

2 cores próximas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

2 cores complementares, 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

Mesma cor, 4 tons com médio contraste: 100%, 80%, 60% e 40%.

2 cores análogas: 2 tons com pouco contraste: 80% e 40%.

2 cores próximas: 2 tons com pouco contraste: 80% e 40%.

2 cores complementares, 2 tons com pouco contraste: 80% e 40%.

Mesma cor: 4 tons com bastante contraste: 100%, 75%, 50%, 25%.

4 cores análogas

2 cores próximas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

2 cores próximas: 2 tons com pouco contraste: 100% e 70%.

E também analisamos como as combinações cromáticas relacionavam-se juntas.

98

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

Selecionamos, então, 30 dessas peças para testar com as crianças. As peças foram impressas em tamanho 10 cm por 10,2 cm.

Realização dos testes Gabriel começou a brincar sobrepondo algumas peças. Logo percebeu que isso não era muito interessante e começou a posicionar as peças lado a lado. Juntou cinco delas e deu-se por satisfeito. Levantou da mesa e foi fazer outras coisas. Comentou que achou o experimento legal, mas que era rápido de brincar. Baseou suas escolhas pelas peças de acordo com suas preferências cromáticas (predomínio do azul). Já Henrique ficou bastante interessado no experimento. Testou várias posições de encaixe, antes de definir onde deixaria cada peça. Utilizou mais peças que Gabriel e se aproveitou de vãos entre elas para criar a composição. Tendeu aproximar peças de cores similares e ficou satisfeito com sua montagem. Afirmou ter sido esse seu experimento preferido.

Gabriel inicialmente sobrepôs as peças.

Henrique dedicou-se por mais tempo.

Ajustes finais Pareceu-nos que a conexão entre os grafismos e a cores não foi suficiente. O experimento carecia de um objetivo mais atraente para a criança. Além disso, havia tantas cores e grafismos que todos pareciam brigar por atenção, dificultando a percepção dos elementos em sua singularidade. Por essas razões, optamos por simplificar bastante as peças, limitando-as a três modelos com o uso de três cores. Os novos grafismos criados podem gerar padrões geométricos ao serem combinados entre si, mas também permitem um desenho livre e abstrato. Além disso, testamos todas as combinações entre matizes análogos possíveis com o círculo cromático de Itten.

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

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Escolhemos a combinação com cores claras e bem definidas, misturando matizes quentes e frios: laranja claro, amarelo e verde claro. Também utilizamos uma variação de luminosidade para gerar mais elementos combinatórias nas peças. Estes são os modelos de peças definidos:

A seguir, estão algumas combinações possíveis entre elas:

A ideia desse conjunto de peças é propiciar que a criança possa experimentar possibilidades combinatórias com os grafismos, criando tanto padrões simétricos e repetitivos, quanto desenhos abstratos e livres. Assim, o conjunto proposto possui 18 peças com cada grafismo, permitindo a montagem de 3 núcleos hexagonais e totalizando 54 peças.

100

Definição e desenvolvimento das quatro propostas escolhidas

Modelo final

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Os quatro experimentos gráficos apresentados no capítulo anterior são o resultado da vasta pesquisa sobre desenvolvimento infantil, criatividade e a importância do brincar, bem como das entrevistas e observações realizadas e do exercício aplicado, além da coleta de produtos e referências relacionados, pesquisas complementares e intensos estudos projetuais. Cada um, a seu modo, buscou relacionar-se com as atividades cotidianas e recreativas das crianças de sete a nove anos, propondo estimular o lazer e a criatividade, apresentando-se como ferramenta para o fazer criativo: para o desenho, para a escrita, para a construção do espaço e para a construção de padrões gráficos. Esses quatro experimentos não se encerram aqui como soluções. Reconhecemos que os primeiros testes foram significativos, porém, poderiam ser aprofundados. Indicamos a sua realização com mais crianças e de maneira mais prolongada e livre, permitindo que a criança interaja por conta própria com os experimentos, conforme surja o desejo, porque o próprio processo de descoberta pode propiciar novos usos e gerar novos conhecimentos para o usuário. Entendemos também que, neste ponto, é aconselhável a realização de novos testes, para verificar se as alterações feitas foram positivas e se há ainda algum problema e ser resolvido. Da mesma forma, para propiciar a continuidade deste trabalho por meio do refinamento das propostas e sua viabilização para produção comercial, novos testes com usuários, além de novas pesquisas sobre materiais seriam necessários. Assim sendo, consideramos que os objetivos propostos por este projeto foram alcançados e bem documentados, mas não encerram as possibilidades de outros desdobramentos propostos por ele. Por fim, agradecemos a você, leitor, que nos acompanhou até aqui nessa jornada que, além de conhecimentos teóricos e práticos, também foi de autoconhecimento.

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ALENCAR, Eunice M. L. Soriano de. Criatividade. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1993. BARROS, Lilian Ried Miller. A Cor na Bauhaus: teorias e metodologias didáticas e a influência da doutrina de Goethe. São Paulo, 2001. BERNABEU, Natália; GOLDSTEIN, Andy. A brincadeira como ferramenta pedagógica. São Paulo: Paulinas, 2012. DANTAS, Heloysa. Brincar e trabalhar. In: KISHIMOTO, T. M. (Org.) O brincar e suas teorias. São Paulo: Cengage Learning, 2011. FLAVELL, John H. A psicologia do desenvolvimento de Jean Piaget. Com prefácio de Jean Piaget. Tradução Maria Helena S. Patto. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2001. FONTOURA, Antônio M.; PEREIRA, Alice T. C. A criança e o design - aprender brincando. In: Anais do 6º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. São Paulo: FAAP, 2004. GESELL, Arnold. A criança dos 5 aos 10 anos. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993. KISHIMOTO, Tizuko M. (Org.) Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 13 ed. São Paulo: Cortez, 2011. LOCHER, J. L. et al. Escher: The Complete Graphic Work. Londres: Thames and Hudson, 1992. LOURENÇO, Daniel Alvares. Tipografia para livro de literatura infantil: desenvolvimento de um guia com recomendações tipográficas para designers. Curitiba, 2011. MUNARI, Bruno. Fantasia: invenção, criatividade e imaginação na comunicação visual. Lisboa: Editorial Presença, 1981. PEDROSO, Crislaine de A.; BARRETO, Jaqueline M.; MALAQUIAS, Joseli de S. S.; PINTO, Luciana de M. Papel do brinquedo no desenvolvimento infantil. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2014. VIGOTSKI, Lev. S. Imaginação e criação na infância: ensaio psicológico. Apresentação e comentários de Ana Luiza Smolka. Tradução de Zoia Prestes. São Paulo: Ática, 2009. UNIVESP TV. Reportagem especial - As Escolas de Educação Infantil de Reggio Emilia, Itália. Youtube. 2013. Disponível em: . Acesso em: 04 abr. 2014.