MARIA DE JESUS LOPES DA SILVA

Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação/Mestrado MARIA DE JESUS LOPE...
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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação/Mestrado

MARIA DE JESUS LOPES DA SILVA

FORMAÇÃO CONTINUADA E A PRÁTICA EDUCATIVA DOS PROFESSORES (AS) DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DO MUNICÍPIO DE COLARES-PA

Belém-PA 2008

Maria de Jesus Lopes da Silva

FORMAÇÃO CONTINUADA E A PRÁTICA EDUCATIVA DO (AS) PROFESSORES (AS) DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DO MUNICÍPIO DE COLARES-PA

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Pará. Área de concentração: Educação, Formação de professores e Educação de Jovens e Adultos. Orientadoras: Profa. Dra. Albêne Lis Monteiro.

Belém 2008

Dados internacionais de catalogação e publicação (CIP). Biblioteca do Centro de Ciências Sociais e Educação, UEPA, Belém - PA. SILVA, Maria de Jesus Lopes da. A Formação continuada e a pratica educativa dos professores(as) da educação de jovens e adultos do município de Colares-Pa/ Profa. Dra. Albêne Lis Monteiro. Belém/PA, 2008. 132f. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2008. 1. Formação continuada. 2. Educação de Jovens e Adultos. 3. Saberes escolares. 4. Saberes cotidianos. I. SILVA, Maria de Jesus Lopes da. ll. Título.

Maria de Jesus Lopes da Silva

FORMAÇÃO CONTINUADA E A PRÁTICA EDUCATIVA DOS (AS) PROFESSORES(AS) DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DO MUNICÍPIO DE COLARES-PA

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Pará. Área de concentração: Educação, Formação de professores e Educação de Jovens e Adultos. Orientadoras: Profa. Dra. Albêne Lis Monteiro.

Data da Avaliação: _____/_____/_____ Banca Examinadora: ________________________________ - Orientadora Profª Albêne Lis Monteiro Dra. em Educação(Currículo) PUC/SP Universidade do Estado do Pará

_______________________________ Examinadora Profª Maria do Perpétuo S. G. de Souza Avelino de França Dra. em Educação UNICAMP/SP Universidade do Estado do Pará

_____________________________ Examinadora Profª Ivany Pinto Nascimento Dra. em Psicologia da Educação pela PUC/SP Universidade Federal do Pará

Á mãe, Luzanira da Silva, que embora tenha freqüentado pouco a escola, é uma Mulher de muita sabedoria. É uma Mulher que aprendeu no e com o mundo

a

sobreviver

em

uma

sociedade

discriminatória e excludente. E foi com essa sabedoria que me orientou a estudar, ser tolerante, paciente e seguir no caminho do bem. Essa é a mulher que tenho como exemplo de vida.

AGRADECIMENTOS A sabedoria divina, que iluminou esta caminhada importante da minha vida. Á minha orientadora, professora Dra. Albêne Lis Monteiro, pelas contribuições teórico-metodológicas e leitura cuidadosa deste trabalho. Ás professoras, formadores (as) e educandos(as) que me receberam carinhosamente no lugar deles e colaboraram com a realização deste estudo. Aos professores do PPGED, que colaboraram com a minha formação acadêmica. À professora Dra. Ivanilde Apoluceno de Oliveira, por ter despertado em mim o desejo pela pesquisa e pelas contribuições teórico-metodológicas a minha formação acadêmica e prática educativa. À irmã, Maria Emilia e Maria Leila, que mesmo longe estiveram perto contribuindo para a concretização deste estudo. Ao marido, Elienae, pelo incentivo e apoio constante na realização desta dissertação. Pelos momentos de estudo, diálogo, reflexões, planejamentos, compreensão, citosina e amor. Às amigas Sabrina Borges, Sayda Rosa e Izaura Oliveira por fazerem parte da minha trajetória acadêmica. À amiga Ana Carolina pela presença e interesse em querer ajudar, nos momentos de dificuldade. Ao amigo Sérgio Corrêa, pelas reflexões teóricas - metodológicas significativas ao projeto que gerou esta dissertação. A amiga Roseane Gomes, pelas conversas de reflexões que foram importantes para a minha formação acadêmica. Ao NEP, por ser um espaço de formação permanente e contribuir significativamente na minha formação profissional e humana. À Secretaria de Estado de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia – SEDCT- pelo apoio financeiro que ajudou a concluir este trabalho. A todos (as) que direta e indiretamente ajudaram na construção desta dissertação.

Os educadores são como as velhas árvores. Possuem uma face, um nome, uma “estória” a ser contada. Habitam um mundo em que o que vale é a relação que os liga aos alunos, sendo que cada aluno é uma “entidade” sui generis, portador de um nome, também de uma “estória”, sofrendo tristezas e alimentando esperanças. E a educação é algo pra acontecer nesse espaço invisível e denso, que se estabelece a dois (ALVES, 2004, p.19).

RESUMO SILVA, Maria de Jesus Lopes da. A Formação Continuada e a Prática Educativa dos Professores da educação de Jovens e Adultos do Município de Colares – Pa. 2008.132f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2008. Esta dissertação tem como foco principal a formação continuada e a prática educativa dos professores da Educação de Jovens e Adultos, cujo problema de investigação consistiu em saber como a formação continuada realizada para os(as) professores(as) da EJA têm contribuído para a prática educativa. O estudo traz uma análise da concepção de educação que fundamenta esse processo formativo como também a concepção de formação continuada. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa descritiva, pois procurou descrever as práticas formativas e educacionais, evidenciando os sujeitos, os espaços, os saberes, as relações, os hábitos e os gestos. O lócus do estudo foi a Secretaria de Educação do município de Colares, pertencente à mesorregião do nordeste paraense e à microrregião do salgado. Os procedimentos metodológicos para coletar os dados foram: entrevista semi-estruturada acompanhada de um instrumental de observação in loco, pela necessidade de acompanhar de perto a prática educativa dos professores da EJA. Entre outras constatações, destaco que as professoras, mesmo enfrentando dificuldades de ordem estrutural e pedagógica, procuram ser sensíveis aos problemas dos(as) educandos(as) e reconhecê-los(as) como possuidores de saberes; procuram trabalhar as áreas do conhecimento, de forma interdisciplinar. Portanto, é uma prática que se caracteriza como inovadora, apresentando, entretanto, alguns traços da pedagogia tradicional. A concepção de educação que orienta a formação define-se por uma base freireana, porém identifiquei ser inconsistente, com ausência de fundamentos teórico-metodológicos da pedagogia libertadora. Embora com alguns problemas, a formação continuada influenciou, sobretudo, no aspecto prático de orientação para um trabalho pedagógico apoiado na cultura local dos educandos. Palavras-chave: Formação Continuada. Educação de Jovens e Adultos. Prática Educativa

ABSTRACT SILVA, Maria de Jesus Lopes da. A Formação Continuada e a Prática Educativa dos Professores da educação de Jovens e Adultos do Município de Colares – Pa. 2008.132f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2008. This dissertation has as main focus the continued formation and the educative practical of the professors of Adult and Young Education, whose problem of inquiry consisted in to know as the continued formation carried for the professors of the EJA has contributed for the educative practical. The study brings an analysis of the education’s conception that bases this formative process as well as the conception of continued formation. It is about a study of descriptive qualitative approach, therefore it looked for to describe the practical educational formative and, evidencing the citizens, the spaces, to knowledge, the relationships, the habits and the gestures. The lócus of the study was the Education’s Department of the city of Colares, in the middle region of northeast of Pará and the micro region of the Salgado area. The methodological procedures to collect the data had been: half-structuralized interview followed of observation in locu, for the necessity to follow of close the educative practical of the EJA’s professors. Among others verifications, I point out that the teachers, although facing difficulties of structural and pedagogical order, look for to be sensible to the problems of the students and to recognize them as owner of the knowledge; they look for to work the areas of the knowledge in the of interdisciplinary form. Therefore, it is a practical that it is characterized as innovative, presenting, however, some traces of the traditional pedagogy. The education’s conception that guides the formation is defined for a freireana base, however, I identified to be inconsistent, with absence of theoretical and methodologies bases of the liberating pedagogy. Although with some problems, the continued formation influenced, especially, in the practic aspect of orientation for a pedagogical work supported in the local culture of the students. Key - words: Continued Formation. Adults and Young Education. Educative Practical

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 1.1. O interesse pela temática: as marcas que me conduziram 1.2. A temática 1.3. O caminho metodológico 2. FORMAÇÃO CONTINUADA: APORTE TEÓRICO-METODOLÓGICO 2.1. As concepções de formação continuada 2.2. A formação continuada dos professores (as) da educação de jovens e adultos 3. O PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DO MUNICÍPIO DE COLARES-PA 3.1. Fundamentos teórico-metodológicos 3.2. Concepção de educação que orienta o processo formativo 3.3. Concepção de formação continuada 3.4. Prática formadora 3.4.1. Tempo, espaço e financiamento 3.4.2. Currículo da formação continuada 3.4.3. A experiência formativa do núcleo de educação popular Paulo Freire NEP: diferencial teórico-metodológico 3.4.4. Avaliação da formação continuada 4. A INFLUÊNCIA DA FORMAÇÃO CONTINUADA NA PRÁTICA EDUCATIVA DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DO MUNICÍPIO DE COLARES-PA 4.1. O cenário sócio-educativo 4.1.1. As carências 4.1.2. A diversidade cultural 4.2. A prática educativa 4.2.1. Currículo: interação entre os saberes 4.2.2. A interdisciplinaridade 4.3. Metodologia 4.3.1. Relação professor-aluno 4.3.2. Recursos didáticos e técnicas de ensino 4.3.3. Planejamento 4.3.4. Avaliação CONSIDERAÇÕES REFERÊNCIAS GLOSSÁRIO APÊNDICES

11 11 14 25 33 37 43

49 51 51 56 58 58 61 71 76 82 82 86 86 87 87 108 112 113 115 118 121 124 128 134 136

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INTRODUÇÃO

É preciso pensar a formação de professores (as) na perspectiva de um projeto de formação cultural”, o qual permitirá aos professores, na sua prática educativa, condições de resolver os desafios da sociedade, podendo intervir nela a partir de um conjunto de valores filosóficos, epistemológicos, antropológicos, políticos, éticos e estéticos (GHEDIN, 2003, p. 398).

1.1. O interesse pela temática: as marcas que me conduziram As primeiras inquietações para realizar esse estudo sobre A formação continuada dos professores da educação de jovens e adultos estão relacionadas à minha trajetória escolar no ensino fundamental, que representou uma trajetória de vivências de práticas discriminatórias e excludentes. Ao rememorar as lembranças da minha trajetória escolar vêm à tona as vivências de uma escola excludente, na medida em que ela reforçava por meio de suas práticas educativas a discriminação em função das diferenças de raça, gênero, dialetos, culturas, estética, na medida em que ela não respeitava os ritmos diferentes para aprender e tantas outras formas de discriminação que direta ou indiretamente estavam presentes nas práticas da escola e refletiam na reprovação e afastamento dos alunos. Portanto, as práticas de exclusão que marcaram a minha trajetória escolar estavam, em grande medida, em função das origens socioculturais e educacionais. A essas diferenças, a maioria dos (as) professores (as) mostravam-se apáticos e insensíveis. Suas práticas eram, na maioria, distanciadas dos educandos porque não os percebiam como sujeitos de história, sentimentos, objetivos, necessidades e também na medida em que não respeitavam as diferenças sociais, culturais, educacionais dos educandos. Evocar essas lembranças é uma tarefa difícil, exatamente porque mexe com as emoções, sentimentos, ressentimentos, mas tento olhar para elas como um aprendizado para a minha formação, em face da pluralidade de sentidos formativos que emanam dessas experiências escolares.

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A trajetória Universitária que vivenciei como graduanda do curso de Formação de Professores1 da Universidade do Estado do Pará - UEPA também contribuiu para que eu enveredasse por essa temática na dissertação, em face de vivenciar um curso deficiente em alguns aspectos, como a falta de incentivo à pesquisa e à extensão, em que predominava o ensino. Pela ausência de uma discussão crítica a respeito da educação e das questões relacionadas a ela, por parte de alguns professores que, limitavam-se a uma formação técnica, voltada para um fazer técnico. Uma formação pautada, na prática da maioria, no paradigma behaviorista assentada num cientificismo cartesiano-newtoniano. Neste paradigma os professores são formados para serem “funcionários” não - reflexivos do Estado e para

executar

atividades

meramente

instrumentais.

A

formação

é

descontextualizada social e politicamente e o professor assume-se neutro em relação ao status quo e as questões que favorecem a sua manutenção (KINCHELOE, 1997). Por não estar satisfeita com o que o curso e a Universidade ofereciam, não pretendia passar quatro anos em sala de aula sem vivenciar experiências pedagógicas, sem pesquisar, sem produzir, pois acreditava que o ensino, somente, na forma em que se caracterizava, não era suficiente para quem pretendia se formar educadora comprometida com uma educação de qualidade e, consequentemente, com a construção de uma sociedade mais justa, igualitária, ética e humana. Por esta razão comecei, dentro da própria Universidade, a buscar outras maneiras de ampliar a minha formação e a fazer outras leituras do contexto socioeducativo partindo da leitura de outros textos e de outras realidades. Com o apoio do Programa de Iniciação Científica da referida instituição, em 2002, comecei uma pesquisa intitulada A Inclusão de Jovens e Adultos no Sistema Regular de Ensino , na qual pude me aproximar dos referenciais teóricometodológicos da Educação de Jovens e Adultos em uma perspectiva de Educação Popular, bem como conhecer a história da EJA no Brasil e sua luta para constituir-se como um campo de direitos, além de debater sobre a formação necessária aos professores para trabalhar com essa modalidade de ensino, a partir do estudo de autores que compreendem a educação de jovens e adultos como uma forma de inclusão social e educacional. 1

Hoje, esse curso encontra-se extinto na Universidade do Estado do Pará.

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Outro fator que me aproximou da temática dessa dissertação foi à participação, em 2002, no Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos (PROALTO): processo social para a libertação, atual Núcleo de Educação Popular Paulo Freire (NEP), que funciona no Centro de Ciências Sociais e Educação (CCSEUEPA), no qual atuo como educadora - pesquisadora em espaços não escolares, onde tenho a possibilidade de trabalhar a minha formação, pois as ações socioeducativas nos proporciona fazer leituras de temáticas variadas sobre EJA, culturas, saberes, diferenças, identidades, formação de professores, currículo, entre outros temas, e uma diversidade de vivências que me faz refletir sobre a importância de uma formação decente, ética, humana e inclusiva, com vistas à transformação social. A inserção no núcleo significou a oportunidade de desenvolver ações de ensino, pesquisa e extensão de forma articulada e interdisciplinar. Ou seja, encontrei nesse espaço a consolidação do tripé: ensino-pesquisa-extenção que é essencial à Universidade e que deveria ser oportunizado a todos os alunos. O Núcleo passou a representar na minha vida “o lugar de aprender e ensinar”. Lugar de reflexão constante e de vivências pedagógicas que contribui para a minha formação pessoal, profissional e, sobretudo, humana. Efetivamente, é um espaço de formação profissional orientado para a pesquisa. Nesse paradigma, o professor é inerentemente político e preocupado com o contexto social, questiona o status quo e rejeita a formação para o ajustamento. A lógica que norteia o paradigma da formação para a pesquisa se assenta em: “Atitudes de compromisso com a democratização das escolas e da sala de aula, de diálogo e participação e de sensibilidade para o pluralismo e a diversidade” (VEIGA, 1998, p.79). Além dessas questões que me impulsionaram ao estudo das questões relativas à EJA e à formação do professor, outros fatores favoreceram o desenvolvimento dessa temática, como, por exemplo, a iniciativa da Secretária de Educação do Município de Colares, que busca desenvolver com os professores de EJA formações continuadas com o objetivo de prepará-los melhor para a prática educativa. A aproximação que estabeleci com o Município de Colares, seus moradores, professores, e educandos, me possibilitou conhecer alguns de seus problemas educacionais, sociais, culturais, políticos e econômicos, além da

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diversidade cultural, dos saberes cotidianos que servem de base para orientar a vida diária dos sujeitos. No Programa de Mestrado da Universidade do Estado do Pará, tive a possibilidade de ampliar em nível teórico, epistemológico as discussões sobre a formação de professores, formação continuada e a educação de Jovens e Adultos, temas que debato neste estudo, bem como as questões correlacionadas a elas: diversidade, cultura, identidade, multiculturalismo, saberes, educação popular, gênero, etnias, diferenças, meio ambiente, questões que se colocam para nós como centrais e que devem ser problematizadas no âmbito da educação de modo a nos orientar a intervir com responsabilidade nos rumos que a sociedade vem tomando em face dos processos de globalização política, econômica e cultural que atuam de forma dramática sob a vida da maioria das pessoas e a construir as bases para uma sociedade mais humana e solidária. Estas são algumas marcas que me conduziram para a realização desta dissertação, logo, espero que os escritos que seguem possam de, alguma forma, proporcionar reflexões e novas práticas nas áreas de debate em que este estudo está situado.

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1.2. A temática A educação nos séculos XIX e XX foi influenciada pelo método cartesiano, em que matéria e mente eram separados e o conhecimento dividido em campos especializados. Essa organização do pensamento refletiu em uma mentalidade reducionista por parte da comunidade científica, na qual o ser humano possui uma visão fragmentada do saber (BEHRENS, 2005). A formação de professores2 absorve esse modelo cartesiano na medida em que a define como um processo que ocorre a partir da construção do conhecimento assentado na reprodução do saber, conforme se observa na afirmativa de Behrens (2005, p. 23):

A visão fragmentada levou os professores e os alunos a processos que se restringem á reprodução do conhecimento. As metodologias utilizadas pelos docentes têm estado assentadas na reprodução, na cópia e na imitação. A ênfase no processo pedagógico recai no produto, no resultado, na memorização do conteúdo, restringindo-se em cumprir tarefas repetitivas que muitas vezes, não apresentam sentido ou significado para quem as realiza.

Esse modelo está assentado nas concepções essencialistas e positivistas de ser humano e de mundo, denominadas de pedagogia tradicional, escolanovista e tecnicista tidas como reprodutivistas e alienantes. Sem adentrar em uma análise das referidas pedagogias, apresento a seguir a visão de ser humano que elas trazem, a partir do estudo de Oliveira (2006):



Pedagogia tradicional A

referida pedagogia

traz como

pressuposto filosófico

a visão

essencialista de ser humano, entendendo-o com uma essência imutável: “O ser humano é constituído de uma essência imutável, a racionalidade, cabendo a educação conformar-se à sua essência” (OLIVEIRA, 2006, p. 104).

• Pedagogia escolanovista Apesar desta pedagogia contribuir para mudanças no âmbito pedagógico, apontando para mudanças no itinerário educativo, é criticada pelos progressistas por ser

a-historica

e

desvinculada

do

contexto

político

e

econômico

da

sociedade(OLIVEIRA, 2006). Ao longo de todo este trabalho, o termo professor inclui professor e professora, o mesmo se dando com o termo educando. 2

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Nesta pedagogia o ser humano é visto como: Projeto de seus atos, considerando como indivíduo único situado no tempo e no espaço [...]. Cada indivíduo é compreendido a partir de suas diferenças individuais, de suas capacidades e potencialidades individuais (OLIVEIRA, 2006, p. 106).

• Pedagogia tecnicista Segundo Oliveira (2006) a pedagogia tecnicista não traz expresso uma visão de ser humano, mas tem como pressuposto filosófico o positivismo e assentase nos “métodos e técnicas de ensino, na busca de uma eficiência técnica e de uma produtividade no ensino” (P, 109). Para se contrapor a esses paradigmas de formação conservadora e cartesiana, surge o paradigma da ciência denominado de paradigma emergente ou pós-moderno, que consiste em uma mudança de postura epistemológica diante dos fenômenos estudados. É uma ciência que busca enfrentar os desafios da ciência contemporânea de forma mais aberta e dinâmica, tentando compreender que a natureza é algo que se torna cada vez mais fugaz e mutante, num mundo que está em constante transformação. Este paradigma considera o saber como o resultado de um processo entre os saberes, ao considerar que o saber não é único e nem inflexível. Caracteriza-se por buscar compreender a realidade a partir da teia de relações que a constitui (SANTOS, 2006). O conhecimento nesse paradigma se pretende como não dualista, um conhecimento que se funda na superação das distinções natureza/cultura, natural/artificial,

vivo/animado,

observador/observado,

subjetivo/objetivo,

coletivo/individual, animal/pessoa (SANTOS, 2006). O referido paradigma prima por uma visão do todo, busca a superação da reprodução para a produção do conhecimento, da fragmentação do saber às interrelações dos saberes, sejam científico, cotidiano, mítico ou religioso. Conforme Behrens (2005, p. 23), o paradigma emergente se configura como uma ciência que “supere a fragmentação em busca do todo e que contemple as conexões, o contexto e as inter-relações dos sistemas que integram o planeta”. No que tange à formação de professores, a crise de paradigmas influencia a ampliação das discussões nessa área, com o objetivo de construir novos parâmetros para pensar a formação de professores, visto que a sua fundamentação, muitas vezes, se pauta nos princípios da racionalidade técnica.

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Tal temática tem alcançado grande expressividade entre os temas mais debatidos no âmbito da educação brasileira e cresce a cada dia o número de pesquisadores3 que enveredam pelos meandros deste tema, ao problematizar as questões concernentes a ele, como, por exemplo, a prática educativa dos professores a didática, a política de valorização do magistério, a profissionalização, a fundamentação teórica, a autonomia, a concepção de educação, entre outros.

Veiga (2002), sobre a formação de professores, critica o paradigma voltado para o desenvolvimento das competências e do desenvolvimento técnicoprofissional, ao reduzi-la a uma formação pragmática, simplista e prescritiva. A referida autora apresenta duas perspectivas voltadas para a formação do professor: a primeira refere-se ao professor como tecnólogo do ensino e a segunda, ao professor como agente social. O tecnólogo do ensino é definido mediante a lógica do poder constituído, sua formação limita-se às demandas do mercado globalizado. Para melhor definir a posição do tecnólogo do ensino, seria mais adequado dizer que ele parece ser a figura dominante no âmbito das reformas da educação (VEIGA, 2002). No trecho abaixo, a autora expressa que a formação tem centrado em uma prática em que o fazer está desprovido de qualquer fundamentação teórica, ou seja, uma prática basista.

A formação centra-se no desenvolvimento das competências para o exercício técnico - profissional, baseada no saber fazer para o aprendizado do que se vai ensinar. Os conhecimentos são mobilizados a partir do que fazer. Essa perspectiva de formação centrada nas competências é restrita e prepara, na realidade, o prático, o tecnólogo, isto é, aquele que faz, mas não conhece os fundamentos do fazer, que se restringe ao micro-universo escolar, esquecendo toda a relação com a realidade social mais ampla que, em última instância, influência a escola e por ela é influenciada. Essa concepção confere ao trabalho do professor um caráter muito ligado à atividade artesanal, restringindo competências a um saber prático (VEIGA, 2002, p. 72).

Essa assertiva expõe a realidade da formação do professor pautada em uma prática, muitas vezes, desprovida de base teórica significativa e reduzida à escola como único espaço de construção do saber. Uma formação que pouco É possível visualizar esse crescimento em eventos, como o EPENN. Neste, no ano de 2005, por exemplo, foram 239 trabalhos aprovados (ANAIS DO EVENTO: VOLUME 2 E 3). Em 2007, no mesmo evento foram aprovados 314 trabalhos (ANAIS DO EVENTO). Esse crescimento relaciona-se, também, ao grau de importância atribuído à formação dos professores para a elevação da qualidade da prática educativa e, de forma conseqüente, para a elevação da qualidade da educação brasileira.

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considera o contexto cultural dos professores e nem parte dele para realizar a prática, reduzindo-a um fazer artesanal. Segundo Kincheloe (1997) essa prática de formação dos professores está assentada no paradigma artesanal tradicional, que considera os professores como artesãos que apreendem com a experiência, sem, contudo, precisar da teoria. Ou seja, nesse paradigma teoria - prática são duas dimensões que não se relacionam. A segunda perspectiva apresentada por Veiga (2002) para a formação é a do professor como agente social. Ao contrário da formação na visão do tecnólogo do ensino, a formação nessa perspectiva do agente social defende uma discussão global que contempla desde a formação inicial e continuada até as condições de trabalho, salário, carreira e organização da categoria. A formação de professores como agentes sociais ocorre em um processo formativo orgânico e unitário, um dos pilares fundamentais da formação teórica de qualidade, que “implica recuperar, nas reformulações curriculares, a importância do espaço para análise da educação como disciplina, seu campo de estudo e status epistemológico; busca, ainda, a compreensão da totalidade do processo de trabalho docente.” (ANFOPE apud VEIGA, 2002, p. 82,83). Em relação à formação continuada, surge com o intuito de equacionar os problemas relativos à formação dos professores, que são, conforme Nunes (2000), Candau (1996), as limitações teórico-metodológicas da formação inicial, a prática educativa assentada em um paradigma tecnicista, a globalização que impõe novas exigências à formação dos professores, mas não são, somente, essas questões que exigem processos de formação continuada para os professores. A idéia de trabalhar formações continuadas para os professores está, também, assentada na necessidade de ampliar a formação do professores a partir do diálogo com as temáticas que são centrais e imprescindíveis para uma educação critica apoiada nas questões de gênero, etnia, identidade, diferenças, cultura, multiculturalismo, interculturalidade, educação em direitos humanos, ecologia, entre outros. Esses temas macros precisam, contemporaneamente, ser discutidos no âmbito da formação dos (as) professores (as), considerando o complexo e heterogêneo contexto educacional, social e cultural em que estão inseridos. Pautar essa discussão dentro dos processos formativos dos professores será possível construir outras lógicas de formação e, conseqüentemente, garantir

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práticas educativas mais criativas, éticas, políticas e humanas contribuindo para a formação de cidadãos ativos e participativos. No que tange à formação de professores para atuar no âmbito da EJA, uma das perguntas mais comum é: Qual a formação necessária para o professor da EJA? Não há uma resposta pronta e acabada para essa questão. Não existe uma receita passo-a-passo para orientar o professor da EJA. O que há são algumas pistas que orientam o professor a realizar uma prática respeitosa, ética e coerente com a realidade sociocultural dos seus educandos. Entre essas pistas está à própria compreensão de formação do professor que precisa ser entendida como um processo contínuo de reflexão sobre a prática, conforme ressaltam Freire (2006) e Nóvoa (1991). Ou seja, é um processo que demanda por parte do professor reflexão-ação-reflexão permanentemente sobre o ato educativo - práxis. Outra pista importante é o professor procurar conhecer a trajetória da EJA ao longo da história, seus desdobramentos, bem como os entendimentos, as concepções que foram atribuídas a ela. A Educação de Jovens a Adultos é definida por Furter (1994, p. 32) a partir do valor axiológico da sociedade capitalista: Na escala axiológica da sociedade capitalista, a educação não formal é menos do que educação formal, posto que a primeira é concebida como “complementar de”, “supletiva de”, já que não tem valor em si mesma; pelo contrário, o saber que se lhe reconhece radica em que ela capacita, ou seja, em que é instrução e, não, educação. Em contrapartida, a educação formal “vale” por si, porque prepara o homem integral, o cidadão.

Gadotti (2007, p. 29) corrobora com esse entendimento quando afirma que a educação de jovens e adultos4 é, na maioria das vezes, definida pelo que ela não é: Por isso falamos de educação assistemática, não-formal e extra-escolar. A educação não-formal seria menos que a educação formal, posto que a primeira é concebida como “complementar de”, “supletiva de”, que não tem valor em si mesma.

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Esses jovens e adultos são, na maioria, sujeitos trabalhadores das classes populares. Homens e mulheres, trabalhadores, empregados e desempregados; filhos, pais e mães; moradores urbanos de periferias, de favelas e vilas. Campesinos, ribeirinhos, pescadores. Sujeitos sociais e culturais, marginalizados das esferas socioeconômicas e educacionais, privados do acesso à cultura letrada e aos bens culturais e sociais.

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No fragmento anterior, tem-se a educação de adultos pensada como sendo uma educação que não é valorizada, fato esse apontado por Furter (1994) e Gadotti (2007) quando expressaram o que a educação não é, por se tornar um apêndice da educação que busca atender as demandas do mercado de trabalho. A assertiva evidencia a visão de inferioridade e preconceito que é lançada para a educação de adultos, a qual ao se diferenciar de forma institucional, programática e pedagogicamente, como um tipo especializado de educação oferecida aos marginalizados da escola, se firma como algo que existe fora do sistema escolar de educação. É uma educação emergente e não regulamentada como importante do ponto de vista educacional e social. E nem poderia ter essa conotação, valorativa e de reconhecimento, haja vista que, aos marginalizados da educação, não lhes é permitido o direito de ter uma educação regulada, visto que na sociedade capitalista dependente, igualdade social de oportunidades aos bens sociais reflete uma ameaça, uma desestabilidade ao status quo de uma minoria da população. Brandão (1994, p.33) evidencia o desprestígio da educação de adultos, que apenas instrui e não prepara o homem integral: A educação de adultos realizou-se como estágio de emergência que ressocializou tardiamente o sujeito adulto popular não escolarizado. Deulhes fragmentos de saber para que ele se converta em um cidadão educado, ainda que nunca formado pela educação e, muito menos, transformado através dela.

Tem-se então uma idéia de educação de jovens e adultos que se desenvolve como possibilidade de instruí-los no sentido de torná-los cidadãos educados, mas essa mesma educação não os formaria de forma integral e nem transformaria suas vidas. Nesse sentido, a educação de jovens e adultos assume um caráter compensatório e o saber necessário é uma distribuição desigual e hierarquizada. Na década de 1960, em meio à política repressiva que o Brasil vivenciava, surgiu no cenário nacional uma nova proposta para a educação de adultos que se contrapunha a adotada pelo sistema educacional. Essa proposta ganhou expressividade por meio do educador Paulo Freire, que, ao participar do 2º Congresso Nacional de Educação de Adultos, realizado em 1958, propôs um

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Programa Permanente de Alfabetização para o enfrentamento da problemática do analfabetismo, entendendo a EJA a partir de uma visão das causas do analfabetismo, como educação de base articulada com as reformas de base (GATOTTI, 2007). Embora as discussões sobre a EJA tenham iniciado na década de 1950 (BRANDÃO, 1994), chega-se ao século XXI tentando encontrar soluções para o enfrentamento dos mesmos problemas educacionais, sociais e culturais que marcam a história da EJA desde a sua gênese, razão pela qual pesquisadores de vários países lançam diversos olhares para esse campo e tentam problematizá-lo com o intuito de configurá-lo em face das suas especificidades. Entre os motivos que ocasionam diversos olhares para a EJA destacamse: as políticas de atenção a educação de jovens e adultos, didática na EJA, a formação do educador da EJA, as concepções que norteiam a educação de jovens e adultos; a formação teórico-metodológica dos professores para trabalhar com essa modalidade de ensino; a ausência de um currículo próprio para a EJA, pensado a partir das suas especificidades e realidades; a falta de recursos materiais e pedagógicos e estruturação adequada das escolas; a ausência de políticas efetivas de formação continuada para os professores da EJA, entre outras questões. No que tange aos processos formativos contínuos para os professores da EJA observo que, da forma como está estruturado e como é colocado em prática, pouco favorece mudanças significativas na prática educativa. De acordo com Candau (1996), a formação continuada segue um modelo clássico, ou seja, é pontual, dicotomizada, alheia às realidades educacionais, sociais e culturais dos professores inseridos no processo formativo. Nas experiências que venho acumulando em formações continuadas com professores de jovens e adultos, das quais participei como formadora ou apenas como ouvinte, permitiram-me observar que em alguns processos formativos há a predominância desse modelo clássico, que tem proporcionado poucas mudanças significativas

na

ação

dos

professores.

Muitos

deles

trabalham

sem

contextualização, sem a corporeificação da palavra pelo exemplo, poucos consideram as marcas culturais dos jovens e adultos e partem delas para desenvolver a prática. Poucos refletem de maneira crítica a prática. Tudo isso tende a refletir na educação dos jovens e adultos que, na maioria, continuam não sabendo ler e escrever, e, quando sabem, restringem-se a leituras limitadas, superficiais, e

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sofrem com práticas preconceituosas de todas as ordens: social, econômica, física, cultural, as quais culminam com a exclusão escolar, problema que acompanha a educação de jovens e adultos desde o início da sua história e que foi confirmado pelas autoras Silva e Castro (2004) no estudo que realizaram sobre a inclusão e permanência dos jovens e adultos na escola regular do Município de Belém. A questão que me inquieta é como mudar essa realidade, oferecendo aos jovens e adultos condições de não apenas de inserção, mas também de permanência na escola. Talvez uma das primeiras iniciativas, mas não a única, seja cuidar da formação continuada dos professores da EJA. Como desenvolver a formação continuada de professores para trabalhar com jovens e adultos? Esses professores são sujeitos que têm realidades diversas, experiências para socializar, saberes cotidianos diferentes. Nesse contexto, será possível chegar com tudo pronto? Todos esses contextos plurais não proporcionariam uma formação significativa? As questões culturais locais que estão em volta dos professores, os saberes, o que fazer com eles? Ao que tudo indica, essas questões tendem a ficar secundarizadas. Trazer essas questões para a formação continuada possibilitaria dar-lhe um novo sentido. Por meio da problematização com os professores, é possível saber o que eles pensam sobre essas questões, como as percebem no cotidiano deles, como as tratam na sala de aula e como seria possível trabalhar os conteúdos escolares a partir delas. As Secretarias de Educação Estaduais, Municipais, as escolas, os formadores, as entidades não governamentais, todos precisam priorizar e debater as questões concernentes a formação continuada para que se possa melhorar a qualidade da formação dos professores, avançar na educação dos jovens e adultos e, por conseguinte mudar os indicadores que colocam o Brasil em 69º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, (ARAÚJO, 2006). As discussões têm que ser feitas a partir de outros olhares que contemplem os saberes cotidianos, da cultura local que se constituem em uma temática extremamente contemporânea e relevante. Estabelecer diálogos, entre os saberes, é importante, visto que essa conversa entre saberes enriquece o trabalho educativo. Por exemplo, a ciência do homem branco precisa conversar com a ciência do indígena (TERENA, 2004), com a ciência dos ribeirinhos, dos quilombolas e dos povos das florestas. Essa é uma tarefa desafiadora para a maioria dos

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professores que na prática educativa ainda não conseguiram estabelecer um diálogo entre os saberes e continuam a trabalhar na perspectiva da fragmentação e da especialização. Essa discussão é importante porque a formação continuada precisa ter como pano de fundo os saberes culturais que nascem do cotidiano dos professores de jovens e adultos, considerando que o cotidiano é um espaço rico de saberes, onde a formação continuada acontece. O cotidiano, na perspectiva de Pais (2003, p.31) é definido como: Uma rota de conhecimentos. Quer isto dizer que o quotidiano não pode ser uma parcela isolável do social. Mas o próprio social, que se revela por meio do cotidiano.

Pretendo evidenciar que o cotidiano pode e precisa ser considerado no processo de formação continuada de professores, por ser um espaço no qual o social se revela, permitindo perceber os valores, os saberes, as crenças, as atitudes, as reações e as representações que os sujeitos fazem da realidade social em que vivem. Neste campo de discussão apontei o seguinte problema de investigação: Como a formação continuada realizada para os Professores da Educação de Jovens e Adultos, por meio da Secretaria Municipal de Educação, do Município de Colares-Pa, tem contribuído para a prática educativa dos professores? O qual permitiu vislumbrar se a formação continuada, de fato, se revela em um contínuo e se é uma ação que promove mudanças na prática educativa dos professores de jovens e adultos do Município. Esse problema seguiu acompanhado de algumas questões norteadoras: • Qual a concepção que orienta a formação continuada oferecida pela Secretaria Municipal de Educação de Colares-Pa? • Em

que

essa

formação

continuada

tem

contribuído

para

o

desenvolvimento da prática educativa dos professores da EJA? • As temáticas da formação continuada emergem das necessidades formativas dos professores da EJA?

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• Essas temáticas são trabalhadas a partir dos saberes culturais cotidianos dos professores envolvidos no processo “formativo”? O objetivo geral foi definido da seguinte maneira: Analisar como a formação continuada realizada para os professores da Educação de Jovens e Adultos, por meio da Secretaria Municipal de Educação de Colares-Pa, contribuiu para o desenvolvimento da prática educativa dos professores. Os objetivos específicos foram: Identificar a concepção que orienta a formação continuada, oferecida aos professores da EJA pela Secretaria Municipal de Educação de Colares-Pa; Observar como a formação continuada tem contribuído para o desenvolvimento da prática educativa dos professores da EJA; Verificar se as temáticas da formação continuada emergem das necessidades formativas dos professores; Identificar se essas temáticas estão sendo trabalhadas a partir dos saberes culturais cotidiano dos professores envolvidos no processo formativo e se há interação entre saberes. Encontrei alguns autores que problematizam a formação de professores com outros olhares, relacionando com questões recorrentes e na tessitura desta dissertação dialogo com seus escritos por considerar que são discussões atuais, de fato, uma tendência na problematização da formação de professores: Canen (2005), Candau (1996), Oliveira (1994), além dos autores que fazem a abordagem do cotidiano: Pais (2003), Costa et al. (2003), Macedo (2000).

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1.3. O caminho metodológico A definição de um caminho metodológico que oriente o desenvolvimento de uma investigação é quase sempre um processo conflituoso para o pesquisador, que precisa definir de maneira cuidadosa o percurso metodológico que norteará a investigação. Dominar as técnicas, as estratégias, ser coerente, ético e responsável com a coleta dos dados e mais ainda com o processo de análise não é uma tarefa fácil e exige por parte do pesquisador domínio, segurança e conhecimento. Penso que esse processo torna-se mais complexo porque o fenômeno a ser investigado deverá ser olhado sob vários pontos de vista, analisado na sua totalidade, diferenciando-se de pesquisas tradicionais que compreendem o conhecimento como estável, único, inflexível, absoluto, fechado e auto-suficiente (MORIN, 2003). Ao contrário dessa compreensão, acredito na multiplicidade de saberes e é com base nessa idéia que enveredo pelo contexto social e cultural dos professores em processo de formação, desvelando as teias, as redes, as inter-conexões, as relações, os seus saberes e a cultura que os caracteriza como seres humanos culturais e históricos. Para tanto, considero que esta construção está assentada na abordagem qualitativa, visto que permite o afloramento das significações, das representações, dos valores, das crenças, dos desejos que emanam das relações sociais, conforme Minayo e Sanches (1994). Esta pesquisa constitui-se também em um estudo descritivo, pois permitiu a descrição dos sujeitos, dos espaços, das relações, dos hábitos, gestos e “tudo” que for possível captar e que venha contribuir para o seu desenvolvimento (LUDKE e ANDRÉ, 1986). É também um estudo de observação in-loco pela necessidade de acompanhar de perto, a prática educativa dos professores da EJA no intuito de observar como a formação continuada está refletindo na prática educativa dos professores de jovens e adultos. Adler e Adler (1998 apud Flick, 2004, p. 147), consideram que: A observação faz-se importante porque além das competências da fala e da escuta, empregadas nas entrevistas, a observação é outra habilidade

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diária metodologicamente sistematizada e aplicada na pesquisa qualitativa. Reúne não apenas as percepções visuais, mas também aquelas baseadas na audição, no tato e no olfato.

Ainda sobre a observação, Flick (2004) revela que as pesquisas qualitativas enfatizam que as práticas somente podem ser acessadas por meio da observação, e que as entrevistas e as narrativas tornam acessíveis apenas os relatos das práticas e não as próprias práticas. Constitui-se, também, em um levantamento bibliográfico das temáticas principais deste estudo, as quais são: formação de professores, formação continuada e educação de jovens e adultos, saberes, cultura, currículo, planejamento, entre outras. O lócus da pesquisa foi a Secretaria Municipal de Educação e três escolas do Município de Colares.

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Figura1: Mapa do Município de Colares-Pa

5

Fonte: O liberal (Pará - anuário 2008).

Colares pertence à mesorregião do nordeste paraense e à microrregião do salgado. É uma ilha com cerca de 250km², cuja sede está situada às margens da Baía do Marajó, distando 100 km da capital do Estado do Pará, Belém. Estabelece limites ao norte com a baía do Marajó, ao sul, com o Município de Santo Antônio do Tauá, a leste, com Vigia e a oeste, com a Baía do Sol.

5

1. Colares. 2. Mocajuba. 3. Jucarateua. 4.Guajará. 5. Candeuba. 6.Maracajó. 7. Piquiatuba. 8. Itabocal. 9. Fazenda. 10. Itajura. 11. Ururi. 12. Arace. 13. Araci da Laura. 14. Genipaúba da Laura. 15. Arari. 16. PA – 238.

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O acesso ao Município se dá por meio das rodovias BR-316, PA-140 e 238 até a localidade de Penha - Longa, onde a travessia é feita por meio de uma balsa. O município de Colares foi criado em 29 de dezembro de 1961 por meio da lei 2.460 possui uma população estimada em 10.981 habitantes, sendo 3.332 localizados na zona urbana e 7.549 na zona rural (O LIBERAL, 2008). A história desse município está associada à colonização da cidade de Vigia, pois antes de ser independente pertencia aquele Município e o seu povoamento está relacionado com a vinda dos jesuítas, para a catequização dos índios tupinambás. Como o Município não conseguiu se manter depois de ser desmembrado de Vigia, foi extinto, e somente restaurado em 4 de abril de 1883, pela lei 1.152. Em 1901, Colares foi reintegrado a Vigia e, em 1961 conseguiu sua emancipação definitivamente (O LIBERAL, 2008). Em relação às atividades econômicas, predomina no município as atividades ligadas à pesca, a agricultura, com destaque para o cultivo da mandioca, um dos principais alimentos dos habitantes e o artesanato. Há também, além dessas atividades econômicas, o setor de serviços e comércio que vem crescendo gradativamente na cidade. As primeiras atividades econômicas são vistas como pertencentes ao mundo rural, o qual por sua vez é visto como lugar de atraso e pouco valor. Enquanto que aquelas ligadas ao comércio são relacionadas ao meio urbano, lugar de desenvolvimento e modernização. Essa visão dualista entre campo e cidade é resultado da política capitalista que em nome do desenvolvimento e da modernização, destrói e exclui povos e culturas. Sobre as manifestações culturais, ganha destaque as de cunho religioso como o círio de Nossa Senhora do Rosário que ocorre em Colares, o círio de São Sebastião na localidade de Jaçarateua e o círio de São Tomé em Mocajuba que ocorre no mês de Setembro e as manifestações populares, como por exemplo, os folguedos populares, o carimbó, os bois bumbás e grupos de pássaros. Em relação aos informantes entrevistados foram: • 04 professoras que moram no próprio município, na faixa etária entre 27 e 36 anos. O fato de serem somente professoras é em função da predominância de mulheres na educação de Jovens e Adultos do Município. Desse total de professoras, duas trabalham com a 2ª etapa (3ª e 4ª) e duas, com a 1ª etapa (1ª e

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2ª), sendo que uma das turmas da 1ª etapa foi fechada pela Secretaria de Educação, que alegou, segundo a professora da turma, o número insuficiente de alunos para mantê-la em exercício, razão pela qual a observação na turma ficou prejudicada. Quanto à formação, as professoras possuem apenas o Ensino Médio e estão trabalhando na EJA há pelo menos uns quatro anos, com exceção de uma professora que tem dois anos de experiência na EJA; • 02 formadores, sendo 01 do sexo masculino, com 28 anos, que tem formação superior completa em Pedagogia e especialização em Matemática pela Universidade Federal do Pará, e 01 do sexo feminino, com 57 anos e formação superior em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará. Ambos são moradores locais e desenvolvem atividades profissionais na Secretaria de Educação de Colares. • 04 educandos jovens e adultos, sendo 03 do sexo feminino e 01 do sexo masculino. Além de estudar, eles desenvolvem atividades produtivas ligadas à agricultura (plantio de mandioca, milho, cupuaçu, murici, bacuri, verduras, ervas medicinais,); ao extrativismo (açaí); à pesca (no Rio Marajó); e ao artesanato regional (colares, cestos, tipiti, abanos, rede de pescar). Por questões éticas, os sujeitos da pesquisa não terão seus nomes verdadeiros revelados e serão identificados por códigos6. Como critério de escolha dos sujeitos professores e formadores levei em consideração o gênero e o fato de pertencerem ao quadro de profissionais da Secretaria Municipal de Educação e terem experiência com a educação de Jovens e Adultos há pelo menos um ano. Em relação aos educandos, o critério adotado foi o gênero e estarem freqüentando regularmente a escola. Quanto à coleta dos dados, foi feita a partir de entrevista semiestruturada, acompanhada de um instrumental de observação, com o intuito de reunir o máximo de informações que pudessem responder ao problema levantado nesta dissertação. A coleta foi feita por meio do recurso de gravador, máquina fotográfica, roteiro de questões para observação e caderno de anotação. Para analisar os dados gerados, aproximei-me do método de análise do conteúdo que consiste em um conjunto de técnicas de análise das comunicações [...] procura conhecer aquilo que está por traz das palavras sobre os quais se Os códigos de identificação dos sujeitos para professor são P1, P2, P3 e P4. Para formador são F1 e F2 e para educandos Educ. 1, Educ.2, Educ.3 e Educ.4. 6

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debruça (BARDIN, 1977, p. 43 e 44) e se assenta no pressuposto de uma concepção crítica e dinâmica da linguagem e o seu ponto de partida é a mensagem, seja verbal, gestual, silenciosa, figurativa ou documental, que necessariamente expressa um significado. O método procura extrair os sentidos do texto, aquilo que é expresso e que o pesquisador consegue interpretar. A pergunta que se faz nesse método de análise é: o que este texto quer dizer? Busquei, então, extrair do conteúdo das falas, dos gestos e das ações os significados que foram possíveis captar. Os procedimentos de organização dos dados para análise foram feitos da seguinte maneira: No primeiro momento, os dados foram transcritos seguindo as questões do instrumental de entrevista e, em seguida, agrupados, de acordo com os sentidos (semântica), na forma de unidades e eixos temáticos para, posteriormente, serem analisados. As unidades e eixos temáticos, construídos com base nos dados, foram os seguintes: Unidade temática I: Programa de formação continuada de Colares-Pa para os professores de Jovens e Adultos. Eixos temáticos: • Concepção de Educação: Fundamentos Teórico-Metodológicos • Concepção de formação continuada • Prática Formadora (tempo, espaço, financiamento, Currículo e avaliação) • A Experiência Formativa do Núcleo de Educação Popular Paulo Freire – NEP. Unidade Temática II: A influência da formação continuada na prática educativa do professor de educação de jovens e adultos do Município de ColaresPa. Eixos temáticos: • Aproximação com o lócus da pesquisa: O cenário sócio-educativo • Prática educativa (currículo escolar, metodologia, recursos didáticos, relação professora-aluno, planejamento e avaliação) Entre as seções que compõem esta dissertação, destaco: Formação Continuada:

aporte

teórico-metodológico.

Nesta,

proponho

uma

reflexão,

contextualizando historicamente no Brasil o debate sobre a formação continuada,

31

suas concepções, conceitos, pressupostos teórico-metodológicos e objetivos. Faço também uma abordagem da formação continuada voltada para os professores da EJA, procurando evidenciar a sua importância para a efetivação de uma educação coerente com a realidade socioeducacional dos jovens e adultos. Na seção seguinte, O processo de formação continuada dos professores da Educação de Jovens e Adultos do município de Colares-Pa, apresento o processo de formação continuada vivenciado pelos professores do Município de Colares, a partir da fala dos sujeitos e das observações realizadas in loco, evidenciando como a mesma vem sendo realizada pela secretaria de educação além de apontar as problemáticas teórico-metodológicas que interferiram na qualidade das formações. A próxima seção, A influência da formação continuada na prática educativa dos professores da educação de Jovens e Adultos do Município de Colares-Pa, também foi tecida a partir das vozes dos sujeitos e das observações in loco, de modo a evidenciar como a prática educativa dos professores da EJA se desenhou a partir das formações continuadas. Quanto à sustentação teórica para fundamentar cada uma das temáticas propostas neste estudo, utilizo no campo da formação de professores e formação continuada Veiga (2002), Scheibe (2002), por tecerem em seus discursos uma formação dos professores para além do técnico-instrumental e problematizarem a forma como a prática educativa se realiza: técnica, pragmática e simplista; Candau (1996), pela contribuição no campo da formação continuada, ao evidenciar as diversas formas que a mesma vem sendo historicamente definida e praticada; Canen (2005), porque o diálogo com a autora se dá, sobretudo, a partir dos escritos que tece em relação à formação e ao multiculturalismo; Nóvoa (1991), porque aborda a formação continuada por meio da idéia de reflexão sobre a prática a partir da prática; entre outros que acreditam e concebem a formação de professores em uma perspectiva contemporânea. Em relação à temática da educação de Jovens e Adultos, dialogo com os seguintes autores: Brandão (1994), Freire (1982), Gadotti (2007), Soares (2006) e Oliveira (2004), em virtude das contribuições teórico-metodológicas que trazem para esse campo de estudo e atuação. Quanto à discussão epistemológica das questões relacionadas com os saberes cotidianos, com a cultura local, será mediada pelas abordagens feitas por

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Pais (2003), com a análise que faz dos paradigmas sociológicos da vida cotidiana; Heler (2000), na discussão que tece do cotidiano e compreende o ser humano na vida cotidiano como ser individual e ser genérico; Brandão (2002), com a educação como cultura: Costa et al. (2003), saberes culturais; saberes e formação de professores; Oliveira (1994), a relação entre os saberes e Canen (2005), por discutir a formação de professores, a interculturalidade e o cotidiano escolar.

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FORMAÇÃO CONTINUADA: APORTE TEÓRICO-METODOLÓGICO

A prática docente implica certa sabedoria que vai se constituindo na gente, à medida que a gente vai constituindo a experiência de ensinar e de aprender (FREIRE, 2004, p. 146).

O modelo de ciência que predominou nos séculos XIX e XX foi a da razão absoluta, fechada e auto-suficiente (MORIN, 2005). De acordo com essa razão, a concepção de educação pauta-se na individualidade, no predomínio do saber científico, verdadeiro, rigoroso e metódico. A ciência não aceita um conhecimento que não esteja justificado pelos fundamentos da razão. Essa compreensão de conhecimento está relacionada ao paradigma da ciência moderna, que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que não se pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas (SANTOS, 2006, p. 21). Nesse paradigma, a escola é compreendida como o espaço privilegiado do saber científico, verdadeiro e inquestionável. A escola dentro desse paradigma é o local onde se aprende a cultura dominante, que qualifica para o mercado de trabalho e atua conforme as leis do capital. Sob o enfoque da ciência moderna, o professor é compreendido pela ótica produtivista e capitalista e tem como objetivo ser transmissor (a) do saber científico e atuar sob a égide do sistema. Conforme Mizukami et al. (2003, p. 11), a formação de professores é vista pela ótica da racionalidade técnica, como aplicação de regras advindas de teorias e da técnica à prática pedagógica. Em nível nacional e internacional, a formação de professores constitui, no contexto atual, uma das temáticas que mais atrai pesquisadores. Em eventos, como congressos, simpósios, encontros e seminários, o maior número de trabalhos escritos e aprovados concentra-se no GT de formação de professores, conforme se evidencia nos anais de 2005 e 2007 do Encontro de Pesquisa do Norte e Nordeste EPENN.

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A intenção não é, somente, mostrar números, mas evidenciar que o GT de formação de professores está entre os que mais realiza pesquisas e, conseqüentemente, produzem. Esse crescimento nas produções do campo em questão reflete o quanto a referida temática, à luz de questões, como condições de trabalho dos professores, prática educativa, qualidade da formação, fundamentação teórica,

profissionalização, autonomia,

entre

outras,

tem

sido

amplamente

problematizada. Uma pesquisa realizada por Brzezinski et al. (2006) aponta o crescimento das pesquisas sobre formação do professores no Brasil. No período de 1997 a 2002, foi realizada uma pesquisa sobre a Formação de Profissionais da Educação por meio da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), com a finalidade de mapear as teses e dissertações dos 50 programas de pós-graduação do Brasil e identificar as temáticas mais pesquisadas pelos discentes de tais programas. Entre os resultados da pesquisa, identificou-se que do total de 8.085 dissertações e teses, defendidas nos 50 Programas de Pós-Graduação de Educação credenciados pela Capes, 1.769 tratam do tema Formação de Profissionais da Educação. Desse total de trabalhos, foram selecionadas como amostra 742 dissertações e teses. Das 742, a categoria Trabalho Docente foi a mais investigada, com uma produção de 268 (36%) trabalhos, seguida pela Formação Inicial, com 165 (22%) e, na seqüência, a categoria Formação Continuada, com 115 (15%) trabalhos (BRZEZINSKI, 2006). De acordo com a autora, a categoria Formação Continuada, no período de 1997 a 2002, deu um salto quantitativo, ao superar as 36 pesquisas realizadas sobre a mesma temática nos anos de 1990 a 1996. As várias razões para pesquisar esse tema, conforme aludi estão relacionadas à emergência de consolidar uma prática educativa com qualidade e mudar os indicadores que apontam para um Brasil com um ensino de baixa qualidade, conforme indicadores apresentados pelo Instituto Nacional Anísio Teixeira sobre a situação do Brasil no índice qualidade do ensino. O País aparece em 87º lugar, um dos piores desempenhos, ressalta o documento. Entre os 16 países da América Latina, o Brasil em relação à qualidade do ensino está em 10º lugar no ranking (BRASIL, 2005, p. 33).

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No tocante às discussões sobre a problemática da formação dos professores (as), alerto que discuto de forma tangencial as questões mais gerais que estão correlacionadas a ela, como, por exemplo, as políticas públicas. Para Neto e Maciel (2004), as políticas públicas para formação de professores no Brasil, que vêm sendo implementadas desde a década de 1980, representam as ações de um projeto hegemônico neoliberal, que, em nome do jargão qualidade total, propõe medidas simplistas, aligeiradas e imediatistas para a formação de professores, que se vêem obrigados a se qualificar, pelo fato de o Estado estar oferecendo facilidades para essa qualificação. O termo qualidade total da educação foi formulado na década de 1980 nos Estados Unidos e na Grã-Bretânia, incorporado, posteriormente, às políticas educacionais brasileiras, as quais foram formuladas a partir das perspectivas neoliberais para a educação escolar, que é pensada como uma empresa produtiva, ou seja, o que há é uma visão mercadológica da educação. O ethos da qualidade total produz, de maneira pedagógica, o indivíduo econômico, pressuposto do modelo de mercado (NETO, MACIEL, 2004, p. 53). De acordo com esses autores, a maioria das formações dos professores tem sido desenvolvida de acordo com essa lógica de mercado. É uma formação para atender os anseios de uma sociedade em desenvolvimento e de consumo. Em face disso, a formação oferecida aos professores tem por base a técnica, ser instrumental e descontextualizada. Neto e Maciel (2004) contestam as formações que se configuram como aligeiradas, simplistas, fragmentadas. É necessário compreendê-las como um investimento pessoal, profissional, institucional, político, público, social e econômico. Acrescento mais, precisam, sobretudo, serem compreendidas dentro de uma dimensão de formação humana, estética e ética. Essa formação de professores, para atuar na sociedade capitalista, tem sido questionada em virtude de sua limitação técnica. São necessários professores preparados para atuar na sociedade contemporânea globalizada e resolver os problemas concernentes a ela. Isso será possível se a formação estiver pautada na articulação entre o conhecimento, a pesquisa e a prática, para proporcionar condições necessárias à formação e ao desenvolvimento da educação nacional (NETO, MACIEL, 2004). Surgem com esse fim as iniciativas de formações contínuas que serão problematizadas ao longo desta seção.

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No que concerne à formação continuada, parto das teorizações do termo e seus desdobramentos enquanto uma política que visa à qualidade da educação por meio de um processo contínuo de formações que precisa contribuir de maneira eficiente para equacionar as dificuldades que os professores enfrentam no seu cotidiano escolar e efetivar uma prática educativa com qualidade. Segundo Filho (2003), em seus escritos sobre a memória da formação continuada, as iniciativas desse tipo de formação têm sua origem no final dos anos 1960, quando o Estado de São Paulo, em convênio com o MEC/Prontel, a Secretaria de Educação de São Paulo, e a Fundação Padre Anchieta -TV2 Cultura, levou ao ar o primeiro programa de aperfeiçoamento de professores que utilizava um sistema de multimeios. A idéia era melhorar a qualidade do ensino por meio da combinação da mídia televisiva e a mídia impressa. O objetivo dessa programação era oferecer ao maior número de educadores a oportunidade de participar de um processo de atualização pedagógica. Entretanto, a programação não estava isenta de críticas. A principal crítica foi em relação ao distanciamento entre a programação e os reais problemas que os educadores estavam enfrentando no dia-a-dia da escola. Isso mostra que a primeira iniciativa de formação continuada, segundo Filho (2003), para melhorar a qualidade da educação, já inicia distante dos professores e de suas necessidades educacionais. Penso que, para começar caminhando rumo ao acerto, o primeiro passo de um projeto de formação continuada é fazer um mapeamento dos problemas teóricos e metodológicos enfrentados pelos professores no cotidiano escolar, para então se efetivar. Se um programa de formação continuada não atende aos anseios, aos problemas pedagógicos vivenciados pelos professores na prática educativa, a tendência é fracassar. Isso não significa dizer que a formação continuada deve ser vista como a solução de todos os problemas enfrentados pelos professores, mas que seja um processo que venha somar com os conhecimentos já vivenciados e construídos na formação inicial, cotidiana, social e cultural dos sujeitos. A formação continuada, enquanto um tema “novo” que, aos poucos, ascende e cresce, tem atraído vários pesquisadores que se lançam a pesquisar sobre o tema na tentativa de compreender melhor o que designa o termo e quais seus reais objetivos, para produzir outra maneira de formar os professores e ampliar os referenciais nesse campo.

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Conforme já evidenciei anteriormente, a formação continuada é uma tendência e constitui-se fundamental para a prática educativa. Nunes (2000, p. 43) também enveredou por essa temática na sua tese e assevera que um dos motivos pelos quais se investe na formação contínua, está relacionada à prática dos professores, isto é: À necessidade urgente de transformar a prática pedagógica do professor face às diversas críticas que este recebe quanto à qualidade de seu trabalho e à ineficiência em resolver determinados problemas pedagógicos que enfrenta no processo educativo.

Nesse sentido, a urgência de transformação da prática dos professores relaciona-se às críticas que sofrem quanto à qualidade do seu trabalho educativo e que o parâmetro para investir na formação continuada é a existência de uma prática caracterizada por uma experiência profissional problemática e conflituosa, que precisa ser revista e redimensionada na direção de estabelecer um ensino de qualidade. Nunes, assim como Nóvoa (1991), Marin (2004), Candau (1996), também destaca em seus estudos a importância da formação continuada. O discurso é o mesmo. Formação continuada para “reparar” a formação teórico-metodológica dos professores, com a finalidade de melhorar a prática educativa, porém, cada um desses autores apresenta suas contribuições, que estão situadas no campo teórico e prático, para tentar superar os problemas relacionados a formação continuada.

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2.1. As Concepções de formação continuada A urgência de melhorar a prática educativa dos professores e, conseqüentemente, a qualidade do ensino leva o MEC e as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação a pensar processos de formação continuada para os professores com magistério, ensino médio ou, ainda, para aqueles que não tiveram uma formação inicial superior adequada, com consistência teórica e metodológica para o exercício da docência. No contexto do desenvolvimento dessas formações, emerge uma questão importante e que tem requerido ampla discussão por parte dos que enveredam por ela, que é apontar os referenciais dessa formação. Autores, como Nunes (2004) e Arouca (1996), afirmam que a formação continuada de professores emerge e se desenvolve assentada no referencial da educação permanente. Para Furter (1987, p. 136-137), a educação permanente é: Uma concepção dialética da educação, como um duplo processo de aprofundamento, tanto da experiência pessoal quanto da vida social global, que se traduz pela participação efetiva, ativa e responsável de cada sujeito envolvido, qualquer que seja a etapa da existência que esteja vivendo.

Arouca diz que a educação permanente se define como um processo ininterrupto que se dá por meio da experiência pessoal e coletiva traduzindo-se pelos atos educativos vivenciados no cotidiano, conforme expresso no trecho abaixo: A educação permanente é um processo ininterrupto de aprofundamento tanto da experiência pessoal como da vida coletiva, que se traduz pela dimensão educativa que cada ato, cada gesto, cada função, qualquer que seja a situação em que nos encontramos, qualquer que seja a etapa da existência que estejamos vivendo (1996, p. 69).

Freire também tratou a formação permanente do professor como prioridade e estabeleceu, durante sua administração na Secretaria de Educação de São Paulo, seis princípios básicos para o programa de formação permanente dos professores, que são descritos a seguir:

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O educador é o sujeito da sua prática, cumprindo a ele criá-la e recriá-la; A formação do educador deve instrumentalizá-lo para que ele crie e recrie a sua prática através da reflexão sobre o seu cotidiano; A formação do educador deve ser constante, sistematizada, porque a prática se faz e se refaz; A prática pedagógica requer a compreensão da própria gênese do conhecimento, ou seja, de como se dá o processo de conhecer; O programa de formação de educadores é condição para o processo de reorientação curricular da escola; O programa de formação de educadores terá como eixos básicos: A fisionomia da escola que se quer, enquanto horizonte da nova proposta pedagógica; A necessidade de suprir elementos de formação básica aos educadores nas diferentes áreas de conhecimento humano; A apropriação, pelos educadores, dos avanços científicos do conhecimento humano que possam contribuir para a qualidade da escola que se quer (2006, p. 80).

A compreensão desses autores, acerca da formação permanente do professor, aponta para a idéia de uma educação global e intensa que ocorre durante toda a trajetória de vida, sem interrupção e considera as experiências pessoais e sociais do ser humano. É um processo continuum e sistematizado que visa ao amadurecimento da prática educativa na medida em que o professor, ao refletir sobre sua ação a faz e refaz mais consciente, visando à formação de educandos conscientes

e

críticos.

A

formação

permanente

se

fará

por

meio,

preponderantemente, da reflexão critica sobre a prática (FREIRE, 2006, p. 39). Entretanto, na literatura do campo da formação continuada, evidencia-se que essa é compreendida, pela maioria, como “reciclagem” dos professores, sendo, portanto, oposta à idéia de formação postulada pela educação permanente. A idéia de uma formação como reciclagem refletiu em um movimento de resistência por parte de vários professores e pesquisadores, entre os quais destaco Candau (1994), Marin (2004), Nunes (2000), visto que o termo reciclar significa, conforme Candau (2004, p. 141), refazer o ciclo, voltar e atualizar a formação recebida, ou seja, não há uma continuidade na formação dos professores. Candau (2004) ressalta que esses processos de reciclagem dos professores sempre foram feitos por meio de cursos, seminários, simpósios, congressos, encontros presenciais e a distância, em um dado período de tempo, promovidos pelas Secretarias de Educação ou em convênio com as Universidades, tendo como lócus de realização as próprias Universidades. No dizer da autora, essa é uma perspectiva clássica de formação continuada de professores, que também é destacada por Nunes (2004), ao reconhecer que as nomenclaturas, historicamente,

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foram denominadas de: Reciclagem, treino, aperfeiçoamento e capacitação. Essa formação na visão da autora é apresentada de forma desarticulada: No conjunto das nomenclaturas reciclagem, treinamento, aperfeiçoamento, capacitação, as linhas de ações centram-se, predominantemente, na oferta de cursos cuja programação, realização e avaliação já nos revelava a ineficiência de seus resultados, pois ficavam restritos ao oferecimento de “catálogos” de cursos trabalhados de forma isolada, fragmentados, de curta duração, esporádicos e por isso, sem continuidade, desvinculados das reais necessidades formativas dos professores, propostos quase sempre pelas equipes de técnicos e de gerência acadêmica, ao que parece, longe de constituírem-se em projetos articulados de formação contínua de professores(NUNES, 2000 p. 55).

Nessa perspectiva, a idéia de formação continuada está distante dos referenciais da educação permanente, visto que essa compreende um processo de formação total do ser humano que se dá em um continuum e se alarga por toda a vida. Ao abordar a educação permanente para construir uma definição, Furter (1987) procura desconstruir as imagens, as concepções equivocadas que historicamente foram atribuídas em torno desse tipo de educação. A definição da educação permanente, a partir da idéia de educação extra-escolar, educação complementar, educação destinada aos Jovens e adultos e educação popular, é na visão do autor incoerente e confusa e não expressa a idéia de educação permanente. Esse tipo de educação, segundo Furter (1987, p. 137), pode ser compreendida a partir de três pontos fundamentais:

1ª qualquer atividade humana, qualquer aspecto da práxis, presta-se a uma formação; 2ª a educação é uma atividade de um sujeito e não é um conjunto de instituições; 3ª a educação é sumamente ligada a nossa maneira de viver o tempo e os tempos: consiste em aprender como organizar a sua vida no tempo, seja qual for à idade cronológica de alguém.

Isso significa que a educação permanente não é reduzida a momentos da vida humana. Ela assume caráter formativo porque se processa em todas as atividades desenvolvidas pelo ser humano no seu cotidiano social e cultural. A

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educação permanente será, portanto, a maneira de se preocupar pedagogicamente com a vida cultural de uma nação (FURTER, 1987). A partir dessa compreensão, é possível inferir que a formação continuada não comunga dos referenciais da educação permanente, visto que a primeira, conforme as pesquisas da área, se consolida de maneira desarticulada, momentânea e por meio de processos pontuais. Em oposição à concepção clássica de formação continuada, Candau (2004) tece algumas considerações, entre elas, o deslocamento da formação continuada da universidade para a escola. No espaço escolar, o professor descobre, apreende, desaprende, reestrutura o conhecimento e, portanto, se forma; além disso, há o reconhecimento das diferenças profissionais existentes entre os professores participantes das formações e o reconhecimento e valorização do saber docente, entendido como plural, porque é constituído dos saberes profissionais, curriculares e dos saberes da experiência. Assim, como Candau (2004), concordo que é importante a mudança de lócus da formação, que antes era feita exclusivamente na universidade, para a escola,

por

considerá-la

espaço

riquíssimo

de

formação,

como

também

imprescindível para o reconhecimento dos saberes dos professores. Porém, ressalto que, entre esses saberes, nós formadores temos que valorizar os saberes da experiência, os saberes culturais cotidianos dos professores que estão no processo formativo. Saberes esses que de maneira geral são ignorados nas formações continuadas, ao se valorizar mais os saberes científicos, os saberes profissionais, disciplinares e curriculares (TARDIF, 2002). A formação continuada vem se configurando como: Predominantemente em eventos pontuais - cursos, seminários, oficinas, palestras, que de modo geral, não respondem às necessidades pedagógicas mais imediatas dos professores e nem sempre se constituem num programa articulado e planejado como tal (BRASIL, 1999, p.41).

Esse tem sido o modelo de formação continuada mais comum, a realização de cursos e palestras pontuais para dar uma resposta, para dizer que estão sendo feitas, mas que, na realidade, não se coadunam com as reais necessidades dos professores.

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Gentili (1999, p. 34) também se posiciona em relação a esse modelo de formação que na sua visão se caracteriza como “pacotes de treinamento”:

No contexto dos processos de modernização conservadora, as políticas de formação de docentes vão se configurando como pacotes fechados de treinamento(definidos sempre por equipes de técnicos, experts e até consultores de empresas) planejadas de forma centralizada, sem participação dos grupos de professores envolvidos no processo de formação, e apresentando uma alta ‘ transferibilidade’(ou seja, com grande potencial para serem aplicados em diferentes contextos geográficos e com diferentes populações).

É contra esse modelo de formação continuada pontual, fragmentada, descontextualizada, que, historicamente, está estruturado e idealizado no imaginário das pessoas que me posiciono, com a intenção de apontar parâmetros para redefinila de modo que possa proporcionar mudanças significativas nas práticas educativas dos professores e na aprendizagem dos educandos jovens e adultos, visto ser esse um dos objetivos da formação continuada. Ao contrário da compreensão de formação continuada apresentada anteriormente, Nóvoa (1991, p. 30), em seus escritos, apresenta outra compreensão de formação continuada: A formação continuada deve alicerçar-se em uma “reflexão na prática e sobre a prática”, através de dinâmicas de investigação-ação e de investigação-formação, valorizando os saberes de que os professores são portadores.

Essa idéia de refletir sobre a prática a partir da própria prática também foi discutida por Freire (2006), ao falar que o momento principal da formação dos professores é o da reflexão crítica sobre a prática: É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário a reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática (FREIRE, 2006, p.39).

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Moita (1995, p. 115) evidencia a formação por meio das interações em um processo de vida, conforme observo no excerto: Ninguém se forma no vazio. Formar-se supõe troca de experiência, interações sociais, aprendizagens, um sem fim de relações. Um percurso de vida é assim um percurso de formação, no sentido de que é um processo de formação.

Por meio da concepção de Moita, entendo a formação para além das concepções que lhes são atribuídas, conforme já foi verificado anteriormente. A formação é um continuum na vida do ser humano e ocorre em diversos momentos da vida por meio das interações e da socialização de experiências. Para Ghedin (2003, p. 398): “é preciso pensar a formação de professores (as) na perspectiva de um projeto de formação cultural”, o qual permitirá aos professores, na sua prática educativa, condições de resolver os desafios da sociedade, podendo intervir nela a partir de um conjunto de valores filosóficos, epistemológicos, antropológicos, políticos, éticos e estéticos, oferecendo uma visão de mundo, de sociedade e de homem/mulher que permita retomar a dimensão da utopia no modo como somos e fazemos a educação no presente. Creio que essa é a perspectiva de formação continuada que precisa ser defendida nos discursos e ações. Isso se há o desejo de avançar na formação dos professores, caso contrário, eles continuarão sendo vistos pela ótica do tecnólogo do ensino, conforme Vieira (2002, p. 73): “a formação do professor está reduzida ao exercício técnico-profissional, reduzindo-se a uma formação pragmática, simplista e prescritiva”.

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2.2 – A formação continuada de professores da Educação de Jovens e Adultos No campo da educação de jovens e adultos7, a formação continuada voltada para os professores tem se caracterizado como uma iniciativa em expansão. O Governo, as Secretarias de Educação Estaduais e Municipais, as Universidades, entre outros, têm colocado a formação contínua como uma ação prioritária, no âmbito das políticas de incentivo à formação do professor da EJA. Mas, por que tanto interesse com a formação continuada para os professores da EJA? Penso que uma das respostas está relacionada com a própria trajetória da educação de jovens e adultos que luta para se configurar e adquirir status de educação. Busca desconstruir os preconceitos que historicamente foram atribuídos a ela, muitas vezes, definida como um tipo de educação não-formal, extra-escolar, educação que não é (FURTER, 1994), como se não formasse o indivíduo. Outra resposta para essa pergunta está relacionada, também, com a necessidade de construir uma educação para jovens, adultos e idosos partindo do seu lugar, das suas marcas culturais, das suas especificidades, das identidades, das realidades socioculturais em que estão inseridos, posto que, em muitos casos a educação direcionada para estes sujeitos não é uma educação que os valoriza a partir de suas marcas culturais, mas uma educação que parte de outras culturas, de outros lugares, reforçando assim a exclusão de jovens, adultos e idosos do sistema educacional. Beisiegel (1982) destaca que, no Brasil, a educação de jovens e adultos traz, na construção da sua história, para se consolidar como tal, as marcas do descaso educacional, social, econômico, político e cultural. A EJA há muitos anos vem lutando para se configurar como uma educação que merece, sobretudo, ser respeitada e que possui especificidades, as quais são determinantes para pensar uma educação comprometida com esses sujeitos. A maneira como a EJA, ao longo da sua trajetória, foi pensada traz também uma idéia do perfil do professor dessa modalidade, que, no geral, é a idéia de que não é necessária muita instrução para ensinar essas pessoas. Soares (2006, p. 287) alerta para a importância de estender a formação do educador da EJA para 7

São na maioria sujeitos trabalhadores das classes populares. Homens e mulheres, trabalhadores (as) empregados (as) e desempregados (as); filhos, pais e mães; moradores urbanos de periferias, de favelas e vilas. Campesinos, ribeirinhos, pescadores. Sujeitos sociais e culturais, marginalizados das esferas socioeconômicas e educacionais, privados do acesso à cultura letrada e aos bens culturais e sociais.

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além dos cursos de pedagogia, com o objetivo de evitar os comentários: qualquer um que saiba ler pode alfabetizar, caracterizando essa como uma educação sem valor que, portanto, não precisa de pessoas com formação acadêmica, com formação específica para tal fim. Para desconstruir essas compreensões, faz-se necessária a reflexão sobre o perfil do (a) professor/educador (a) da EJA. Gadotti (2007, p. 32) propõe essa reflexão quando levanta a questão: Quem é o (a) educador/professor (a) de jovens e adultos? O educador do próprio meio facilita a educação de jovens e adultos. Contudo, nem sempre isso é possível. É preciso formar educadores provenientes de outros meios não apenas geográficos, mas também sociais. Todavia, no mínimo, esses educadores precisam respeitar as condições culturais do jovem e do adulto analfabeto. Eles precisam fazer o diagnóstico histórico-econômico do grupo ou comunidade onde irão trabalhar e estabelecer um canal de comunicação entre o saber técnico (erudito) e o saber popular.

O (a) professor/educador(a) de jovens e adultos precisa assumir uma postura de educador(a) popular, que, como tal, é um animador cultural, articulador, orientador, sensível, dialógico, flexível, solidário, amoroso, ético, político, ou seja, um educador freireano. Para a Câmara de Educação Básica, das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, essa formação precisa contemplar além das exigências formativas de cunho teórico-metodológico, que é imprescindível a qualquer professor, a complexidade dessa modalidade:

O preparo de um docente voltado para a EJA deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à complexidade diferencial desta modalidade de ensino. Assim esse profissional do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente com esta parcela de estudantes e de estabelecer o exercício do diálogo. Jamais um professor aligeirado ou motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntariado idealista e sim um docente que se nutra do geral e também das especificidades que a habilitação como formação sistemática requer (PARECER nº: 11/2000, p. 58).

Historicamente, o professor da EJA, hoje com algumas exceções, tem apenas o ensino fundamental e o ensino médio. Essa é uma realidade mais presente no

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campo do que nas grandes cidades que estão, paulatinamente, procurando resolver a questão e apresentar um novo perfil do professor de jovens e adultos. É possível visualizar pequenas mudanças nessa área, basta observar as várias iniciativas que surgem em espaços diversos como, por exemplo, as universidades, que por meio dos Núcleos e Grupos de Educação Popular8, estão ampliando as discussões nesse campo, no que concerne às questões de cunho teórico e metodológico na busca de reconfigurar a Educação de Jovens e Adultos. Os eventos em educação, como o EPENN, são outros espaços que oportunizam a socialização de pesquisas e debates. O GT Educação de Jovens e Adultos do EPENN em 2005, por exemplo, contou com 30 trabalhos apresentados e, em 2007 foram 64. Esses números evidenciam o crescimento das produções nos últimos anos e demarcam a EJA avançando nas pesquisas e discussões. Todas essas iniciativas buscam a reconficuração da EJA, evitando assim continuar sendo tachada como um “lote vago”, “terra sem dono”, onde tudo se pode e em que qualquer um põe a mão (ARROYO, 2004). Embora Arroyo (2005) afirme que educação de jovens e adultos é um campo ainda não consolidado nas áreas de pesquisas, formações, políticas públicas e diretrizes educacionais, vejo por meio desses vários espaços uma somatória de possibilidades de fazer esse campo evoluir nos aspectos teóricos e metodológicos e, assim, se consolidar como uma área que precisa, sobretudo, ser reconhecida e tratada com respeito. Além do reconhecimento de que os sujeitos jovens e adultos envolvidos são pessoas importantes, de potencialidades, mas com várias especificidades e limitações, que vão desde as questões educacionais às questões de saúde. Portanto, os professores para assumir a EJA precisam de uma formação, ao mesmo tempo, geral e específica. Em face dessas questões, iniciativas de formação continuada, tanto em nível nacional como local, têm surgido com propósitos bastante comuns para esse campo. A política de formação continuada, entre outros objetivos, preocupa-se com o perfil do professor da EJA. Passar de um professor de educação básica com pouca instrução para um professor com educação superior e muitos conhecimentos teóricoEntre os Núcleos de Educação Popular que tematizam a educação de jovens e adultos e trabalham a formação dos professores destaco, o Núcleo de Educação Popular Paulo Freire-NEP, localizado no Centro de Ciências Sociais e Educação da Universidade do Estado do Pará; O Núcleo de Educação de Jovens e Adultos – NEJA da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG; O Serviço de Educação de Jovens e Adultos – SEJA de Porto alegre; O Núcleo de Educação de Jovens e Adultos e formação de professores da Faculdade de Educação de São Paulo – NEA.

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metodológico ou de um professor que não consegue na prática fazer uso dos conhecimentos teóricos para um professor que saiba na prática relacionar teoria e prática constitui objetivos dos processos formativos contínuos. Entre os programas de formação continuada voltados para a EJA, destaco o Núcleo de Educação de Jovens e Adultos - NEJA da Universidade Federal de Minas Gerais que trabalha com a pesquisa e a formação de professores (as) e seus objetivos giram em torno da articulação das diversas iniciativas de formação de educadores de Jovens e Adultos na UFMG e do incentivo ao desenvolvimento de projetos de pesquisa em Educação de Jovens e Adultos (EJA); Núcleo de Estudos de Educação de Jovens e Adultos e Formação Permanente de Professores – NEA da Faculdade de Educação de São Paulo-FEUSP, desenvolve ações educativas com jovens e adultos e trabalha a formação dos professores, tanto presencial quanto a distancia; O Núcleo de Educação de Jovens e Adultos da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) – NEJA, entre as suas ações destaca a formação de professores, seja por meio de cursos de extensão ou de parcerias com órgãos públicos, entidades privadas e organizações não-governamentais; O Programa “EDUCAmazônia: Construindo Ações Inclusivas e Multiculturais no Campo”, criado a partir das discussões que ocorreram no I Seminário Paraense de Educação do Campo em 2003, e tem entre outros objetivos trabalhar a formação dos professores dos Municípios do Estado, que enfrentam dificuldades para realizar uma prática educativa inclusiva dos sujeitos do campo(2005); O Núcleo de Educação Popular Paulo FreireNEP9 da Universidade do Estado do Pará, que além das ações de ensino, pesquisa e extensão, trabalha com a formação dos professores de EJA, do próprio Núcleo, e também de alguns Municípios do Estado do Pará, com o objetivo de possibilitar que os professores dessa modalidade possam refletir sobre suas práticas sociais cotidianas e escolar para desenvolvê-las de forma mais humana, e solidária e inclusiva. Assim este Núcleo compreende a formação como: Necessidade política e histórica, que pressupõe o debate teórico sobre a exclusão socioeducacional e o desenvolvimento de práticas pedagógicas críticas e dialógicas. Formação comprometida ética e politicamente com a luta pela superação da discriminação e da exclusão na sociedade e na 9

O Núcleo desenvolve formações continuadas nos seguintes Municípios do Estado do Pará, como por exemplo, Belém, São Domingos do Capim, São João da Ponta. Estes são lócus de atuação permanente do Núcleo. Entretanto o mesmo, já atuou em outros Municípios do Estado desenvolvendo ações de formação continuada como, em Eldorado dos Carajás, Igarapé-Miri, Mojú, Mocajuba, Breves, Cachueira do Piriá, Bragança, Santarém, Castanhal, Salinas, entre outros.

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escola. Formação da pessoa humana, como indivíduo, cidadão e profissional, objetivando uma vivência social mais humana, justa e solidária (PFC, 2006, p. 3,4).

Esses espaços se configuram por meio das suas ações em iniciativas que pretendem elevar o nível de formação dos professores da EJA, contribuindo para que os mesmos reflitam sobre os problemas enfrentados no exercício da prática educativa a partir da prática educativa, potencializando novas práticas. É nesse contexto em que surgem várias iniciativas de formação continuada para os professores da educação de Jovens e Adultos que analiso a seguir o Programa de Formação Continuada da Secretária de Educação de Colares-Pa. Mas vale frisar que a superação dos problemas que interferem na realização de práticas educativas mais significativas no âmbito da EJA, não esta relacionada, somente a ausência de formações continuadas, mas esta relacionada, também, com os fatores que estão no universo macro escolar, ou seja, é preciso analisar esses problemas a partir de um contexto maior. Não adianta os professores participarem de formações continuadas tencionando realizar práticas inovadoras se os mesmos não têm salários dignos, se não há condições mínimas para trabalhar. De que adianta planejar uma aula interessante, criativa, construir o melhor projeto pedagógico se o sistema não garante condições estruturais básicas, equipamentos e material didático para os professores desenvolverem seu trabalho com o mínimo de dignidade.

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O PROCESSO FORMATIVO DOS PROFESSORES (AS) DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DO MUNICÍPIO DE COLARES-PA

A necessidade de uma educação contínua, que seja uma Constancia na vida humana e que permita viver plenamente o nosso mundo planetário, não pode ser preenchida por um simples prolongamento da educação, nem por um maior alastramento do campo escolar. Deve tomar a forma de uma educação permanente, a partir da qual deverá ser pensada toda a educação e que obrigará os educadores a inventar novas técnicas e novos métodos adequados (FURTER, 1987, p. 127).

Nesta seção analiso o processo de formação continuada desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação de Colares-Pa, que, desde 2006 vem trabalhando na formação dos professores da EJA com o objetivo de melhorar a prática educativa dos mesmos e o processo de aprendizagem dos educandos. Esta análise terá como base a entrevista realizada junto aos sujeitos, visto que não foi possível ter acesso aos documentos referentes à proposta de formação continuada dos professores do Município de Colares, como por exemplo, o projeto políticopedagógico que embasa a formação continuada, talvez porque o mesmo nunca tenha existido10. O único documento que consegui junto à Secretaria Municipal de Educação e que faz menção à formação continuada dos professores foi o Planejamento Estratégico da Gestão Municipal (2005). Nesse, aparecem várias ações que serão implantadas no Município, ao longo de quatro anos, entre as quais destaca-se a iniciativa de promover formação continuada para os profissionais da educação: Proporcionar educação continuada para os profissionais da educação. Por meio de atividades como: cursos, palestras, oficinas, seminários, etc. com vistas a elevar o grau de desempenho e satisfação dos servidores da

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Tirei essa conclusão a partir das falas dos sujeitos. Quando solicitava o projeto de formação continuada às respostas colocavam em dúvida a existência do mesmo.

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educação no prazo de janeiro 2008(SEMED/PEGM, 2005, p. 05).

de

2005

a

dezembro

de

Ainda nesta seção, dou ênfase, também, à experiência formativa realizada pelo Núcleo de Educação Popular Paulo Freire - NEP, que, em 2006, desenvolveu formações continuadas para os professores de Colares. Destaco que a idéia de incluir, nesta dissertação, o processo formativo desenvolvido pelo NEP no Município de Colares foi motivada pelos próprios sujeitos desta pesquisa, quando, durante as entrevistas, enfatizaram a relevância do trabalho do NEP para a sua formação, bem como estabeleceram diferenças entre os dois processos formativos, o promovido pela própria Secretaria Municipal de Educação de Colares e o realizado pelo NEP, que teve como objetivo: Promover a formação de educadores (as) do Município que atuam na Educação Infantil, no Ensino Fundamental (1ª a 4ª série) e na Educação de Jovens e Adultos, visando à promoção da inclusão social e educacional das populações do Município, possibilitando aos educadores locais a produção de habilidades e conhecimentos pedagógicos, que gerem um melhor processo de ensino-aprendizagem, a democratização da educação e a promoção de práticas de respeito às diferenças (NEP/ PFC, 2006, p. 3).

No que tange à ação de formação continuada desenvolvida pela Secretaria de educação de Colares, fica evidente por meio do Planejamento Estratégico da Gestão Municipal (2005) que é uma ação voltada para os professores de modo geral, por meio de atividades, como cursos, palestras, oficinas e seminário, que serão desenvolvidas por um período de quatro anos. Para identificar como esse trabalho formativo se caracteriza e se efetiva como um processo de formação continuada, reuni, por meio das falas dos sujeitos, alguns eixos que identificassem o modelo de formação construído pela Secretaria. Detenho-me, portanto, nos seguintes eixos: a) Fundamentos Teóricometodológicos (concepção de educação que orienta o processo formativo e concepção de formação continuada), b) Prática Formadora (tempo, espaço, financiamento currículo e planejamento) e c) Avaliação.

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3.1. Fundamentos teórico-metodológicos Todo processo formativo que pretende trabalhar formação do professor precisa estar ancorado em uma teoria que lhe sirva de fundamentação, porque nenhum processo formativo, educativo é puro praticismo, nem tão pouco, puro teoricismo, mas um processo que se realiza na unidade entre teoria-prática (FREIRE, 1996). Sobre a questão Candau afirma: A teoria e a prática educativa, [...], são consideradas o núcleo articulador da formação do educador, na medida em que os dois pólos devem ser trabalhados simultaneamente, constituindo uma unidade indissolúvel (2002, p. 59).

O que significa dizer que a dialética teoria-prática é, na formação do professor, uma postura metodológica indispensável e que por meio dela é possível ao professor construir uma práxis educativa. Com essa compreensão, procurei identificar na fala dos sujeitos, quais fundamentos teórico-metodológicos estão presentes na formação continuada desenvolvida pela Secretaria Municipal de Educação de Colares, que possam favorecer aos professores a reflexão sobre suas práticas e (re)construí-las de maneira mais crítica e humana. 3.2. Concepção de educação que orienta o processo formativo Nas falas dos sujeitos, foi possível identificar o que pensam sobre a formação continuada, isto é, suas impressões, seus anseios, desejos, falhas, necessidades e críticas. O formador 1 explicou que a formação é orientada pelo método Paulo Freire: “a concepção é a de Paulo Freire”, destacando que é “a concepção do respeito, do tema gerador...” (F1). Embora afirme que a formação é orientada pela concepção de educação freireana, por meio dos princípios teórico-metodológicos, tema gerador e respeito, não explica a concepção de educação, de formação, fala de algumas categorias que

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estão presentes na formação, sem, contudo, explicitar como são trabalhadas nem por que são importantes no trabalho de formação de professores. Segundo Freire (2005), o tema gerador, o universo temático ou temática significativa constituem um conjunto de questões que partem dos contextos sociais, econômicos, culturais e educacionais dos sujeitos envolvidos no ato educativo e servem de base metodológica para problematizar a realidade dos educandos e sugerir a mudança na vida dos mesmos. Portanto, há uma relação de reciprocidade entre o tema gerador e o ser humano. Um não se encontra isolado do outro. No dizer de Freire (2005, p. 114): O tema gerador não se encontra nos homens isolados da realidade, nem tampouco na realidade separada dos homens. Só pode ser compreendido nas relações homens-mundo. Investigar o tema gerador é investigar o pensamento dos homens referido a realidade, é investigar seu atuar sobre a realidade, que é sua práxis.

O respeito apontado pelo formador é um princípio ético básico da educação freireana que precisa ser cultivado na prática educativa. Respeitar as especificidades etárias, culturais, educacionais, sociais e lingüísticas do ser humano faz parte de uma educação que pretende ser ética. O exercício do respeito entre formadores(as),

professores(as) e

educandos(as), durante a realização das suas ações pedagógicas, socioculturais, ajuda na criação de práticas mais humanas e reflete na formação de sujeitos mais felizes e tolerantes. A formadora aponta que a concepção que orienta o trabalho formativo é: “uma concepção de formação libertadora do despertar da criticidade” (F2). Essa foi uma resposta curta e direta. Ao instigar mais sobre essa compreensão para saber como ocorre a criticidade por meio da formação continuada, com base na concepção libertadora de educação, não obtive resposta. O discurso dos olhos, das mãos e dos gestos da formadora revelou que ela parecia meio insegura para falar sobre a questão, quando insistir novamente. Então deixei que ficasse a vontade, mas a mesma não quis mais falar. A educação libertadora aparece em Freire como uma das suas grandes preocupações. A Pedagogia do Oprimido (2005) e a Educação como Prática da

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Liberdade (1989), principais obras freireanas, traduzem a preocupação do autor com a temática da liberdade. Freire, em seus escritos, traduz sua inquietação com a situação social e cultural de opressão a que os homens estão submetidos e por meio de reflexões mostra que a mudança está na educação como um processo que liberta, por isso, propõe a superação do ser humano da condição de ser menos para a de ser mais. Mas o que pretende a educação libertadora? Ela é a favor de quem e contra quem? O que ela defende? A educação libertadora relaciona-se à situação social e cultural a que o ser humano historicamente está submetido e pretende ser: Instrumento de desalienação e de libertação de homens e mulheres que passam a refletir sobre a sua condição de explorados e, conscientes dessa situação opressora, se engajam numa luta para a libertação, visando eliminar as contradições existentes entre opressores e oprimidos, cuja relação é de poder, fundamentalmente nas diferenças de classes sociais (OLIVEIRA, 2003, p. 25).

A educação libertadora está a favor daqueles que no seu cotidiano social e cultural são oprimidos, quando lhes são negados o direito de trabalhar livremente, de lutar pelas suas necessidades, de dizer sua palavra, de lutar pela afirmação dos homens como pessoas. Nesse sentido, educar é lutar pela humanização. Entretanto, essa luta só será possível na medida em que os oprimidos, ao se descobrirem como “hospedeiros” do opressor, contribuam para o planejamento da sua liberdade (FREIRE, 2005). A educação libertadora é contra o opressor, aquele que, por possuir poder, violenta o outro. A violência do opressor em relação ao oprimido é social, política e cultural. É uma violência que se traduz na anulação do ser humano como pessoa, como um ser de busca, em permanente processo de humanização. De acordo com a fala da Formadora 2, a educação libertadora volta-se para “o despertar da criticidade”. Acrescentaria que esta se encontra em função daquela e vice-versa. Para despertar um ser humano crítico, a educação precisa para isso ser voltada para a problematização das questões que estão relacionadas ao contexto dele. E quanto mais crítico for o ser humano, mais preparado estará para lutar pela sua liberdade e pela do outro.

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Freire (1996, p. 32), em Pedagogia da Autonomia, discursa sobre a criticidade a partir do exercício da curiosidade: A promoção da ingenuidade para a criticidade não se dá automaticamente, uma das tarefas precípuas da prática educativo-progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade critica, insatisfeita e indócil.

Em Pedagogia da Pergunta, Faundez e Freire (1985), ao dialogar, fazem referência à curiosidade como o início da construção do conhecimento, porque todo conhecimento é pergunta. Entretanto, a característica que o ensino assume é a de dar respostas e não a de fazer perguntas. Essa falta de estímulo a perguntas, Freire (1985, p. 46) chama de “castração da curiosidade”. Ele afirma que:

O que está acontecendo é um movimento unilinear, que vai de cá pra lá e acabou, não há volta, e nem sequer uma demanda; o educador, de modo geral, já traz a resposta sem lhe terem perguntado.

Faundez (1985, p. 48) reforça a idéia de que tudo começa com a curiosidade e, ligada à curiosidade, a pergunta. Essa é uma aprendizagem que o professor precisa exercitar na sua prática educativa: A primeira coisa que aquele que ensina deveria aprender é saber perguntar. Saber perguntar-se, saber quais são as perguntas que nos estimulam e estimulam a sociedade. Perguntas essenciais, que partam da cotidianeidade, pois é nela onde estão as perguntas. Se aprendêssemos a nos perguntar sobre nossa própria existência cotidiana, todas as perguntas que exigissem resposta e todo esse processo pergunta-resposta, que constitui o caminho do conhecimento, começariam por essas perguntas básicas de nossa vida cotidiana, desses gestos, dessas perguntas corporais que o corpo nos faz.

Corroboro com essa discussão em torno da curiosidade, que ligada à pergunta, proporciona a construção do conhecimento e, por sua vez, transforma os sujeitos ingênuos em críticos e os faz lutar pela superação da relação opressoroprimido, da condição de ser menos para a de ser mais. Entendo que o processo de transformação de uma consciência ingênua a uma consciência crítica passa por essa relação dinâmica. A curiosidade, por meio de questionamentos (perguntas) e reflexões de uma dada realidade, gera no sujeito a criticidade que, por sua vez, gera outras curiosidades que conduzem o sujeito ao pensamento crítico.

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Entretanto, no geral, o que ocorre nas escolas, nas práticas educativas, é um movimento de mão única, quer dizer, do professor para o aluno. O professor é o comunicador, enquanto o educando passivamente recebe os comunicados: Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem (FREIRE, 2005, p.66).

A crítica tecida por Freire é que nessa visão de educação bancária, o educando é anulado. A ele não é permitido ser sujeito, não é permitido ser mais. O educador, sujeito alienador, assume posições fixas e invariáveis. Será sempre o que sabe e o educando, aquele que não sabe. Essa hierarquia nega que a educação é um processo contínuo de busca, entre os sujeitos. A citação abaixo expressa que o saber, que não é limitado ao educador, ocorre a partir da interação ser humano-mundo: Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros (FREIRE, 2005, p. 67).

A Professora 2 destaca que a concepção que norteia a formação é a pedagogia freireana, que parte do conhecimento dos alunos para o científico: É Paulo Freire. A concepção de Paulo Freire prega a partir do conhecimento dos alunos. Vai do seu conhecimento para o científico. Eu acho que esse método é muito bom.

De fato, a pedagogia freireana defende a idéia de uma educação que parta dos saberes que os educandos trazem antes de chegar à escola, saberes que aprendem no convívio social, com a família, com os grupos de amigos, no trabalho, nas Associações, nos diversos espaços educativos, em direção aos saberes sistematizados. Tanto os formadores quanto os professores afirmam que a formação continuada é orientada pela educação Freireana e o fazem por meio dos princípios como respeito, criticidade e liberdade, ou seja, a educação de Freire é

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compreendida por esses sujeitos, a partir de alguns princípios, os quais não são suficientes para caracterizar a concepção adotada pela secretaria como freireana. Apesar

das

limitações

teórico-metodológicas

para

esclarecer

a

concepção que orienta o trabalho formativo, percebi que existe o desejo, por parte dos sujeitos, de elevar essa compreensão de formação continuada tanto na teoria quanto na prática. Essa percepção está em função das conversas cotidianas que tive com os sujeitos, nas quais deixaram transparecer que se preocupam com a educação no município de Colares e desejam melhorar a prática de ensino com EJA, desejam que os educandos não evadam da escola, antes, tenham mais rendimento. 3.3. Concepção de formação continuada Sobre a concepção de formação continuada que predomina em Colares, considero que é um processo diferente daqueles que, na maioria das vezes, são realizados por outras instituições, como Universidades, Secretarias de Educação. Enquanto essas, na maioria, se apóiam em teorias para promover a formação dos professores, sem, contudo, dialogar com a prática, Colares prima por uma formação apoiada na cultura local, nas experiências práticas educativas dos professores, sem aprofundar o diálogo com o campo teórico e, assim, predomina uma prática baseada na vivência. É possível caracterizar essa formação, ainda, como um “encontro de vivências”, considerando que predominam práticas de relatos de vivências, análise de situações pedagógicas vividas pelos professores. Segundo Kramer (1989), esse tipo de prática apresenta dois problemas: uma visão dicotomizada sobre a prática e o caráter de evento desarticulado do trabalho dos professores. Logo, tem-se uma formação moldada pelo paradigma artesanal tradicional que compreende a formação do professor a partir das experiências vividas (KINCHELOE, 1997). Para Veiga (1998, p. 78) neste paradigma a formação do professor desenvolve-se: “dentro de um contexto sociopolítico que é imutável e que, por isso, falha ao considerar a luta pela democracia e pela justiça social, não focalizando a dimensão política do ensinar”. Por apresentar traços de uma formação que visa à formação dos profissionais da educação, por meio “de atividades como cursos, palestras, oficinas,

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seminários, etc. com vistas a elevar o grau de desempenho e satisfação dos servidores da educação” (PEGM, 2005, p. 05), apoio-me em Candau (2004) para dizer que predomina uma concepção de formação continuada em uma perspectiva clássica. Como a formação está relacionada a dois espaços diferentes, a Secretaria de Educação (sede) e a zona rural (escola), segundo algumas professoras, talvez possa ser caracterizada como formação em serviço. Um tipo de formação continuada que ocorre nos espaços sócio-educativos, entre os quais se destaca a escola. De acordo com Nascimento (1997, p. 82), a escola é lugar de convivência e comunicação entre os profissionais. É nesse espaço, contexto do trabalho docente, que: Torna possível a reflexão sobre a prática real, a discussão, a troca, a busca de soluções para os problemas do cotidiano, que podem constituir um importante instrumento de formação dos professores.

Entretanto, não posso afirmar que a formação continuada desenvolvida para os professores de Colares é um tipo de formação em serviço, somente porque se desenvolve no âmbito da escola. Além de desenvolver-se no espaço escolar precisa ser espaço gerador de reflexões e mudanças no âmbito da prática educativa apoiados em uma base teórica consistente. Porém, o que observei a partir da fala dos professores é que os encontros coletivos de professores refletem momentos de relatos

das

vivências

dos

próprios

professores,

pedagogicamente, sendo poucos os debates teóricos.

que

são

comentados

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3.4. Prática Formadora 3.4.1. Tempo, espaço e financiamento De acordo com os sujeitos dessa pesquisa, o tempo destinado à formação continuada no Município de Colares é regular, ocorre de dois em dois meses, mas não é suficiente. Regularmente. De dois em dois meses. Esse tempo não é suficiente (P1). De dois em dois meses. Não é suficiente, o tempo. Quando pedimos para eles relatarem os problemas, dificuldades, o tempo não dá. O ideal era ouvir todo mundo e tudo que eles têm pra dizer. A carga horária é insuficiente para o que queremos, realmente deles (F1/C.).

A F2 afirmou que as formações acontecem regularmente e que além do trabalho coletivo há um atendimento individualizado a partir das dúvidas dos professores. Acontecem regularmente. Todo bimestre. Fora o trabalho que é feito, quando os professores precisam nos procuram ou nós procuramos para orientar tirar as dúvidas. Há um atendimento individualizado e coletivo.

Em suma, os formadores admitem que esse tempo é insuficiente, mas não buscam estratégias de equacionar a questão partindo do diálogo com os professores, ouvindo o que eles/elas acham do tempo destinado para as formações, uma vez que já apontam, neste estudo, como sendo pouco. Questiono-me sobre esse tempo. Será que uma formação de dois em dois meses pode ser caracterizada como regular? Esse tempo é suficiente? Quem determinou esse tempo? Esse tempo é o tempo de quem? Ele respeita outros tempos? Quanto ao espaço em que ocorrem as formações continuadas realizadas pela Secretaria Municipal de Educação de Colares, é percebido na fala dos sujeitos como sendo a cidade (sede - Secretaria de Educação) e a zona rural (escola), nos chamados pólos. Percebo que a formação realizada pela Secretaria de Educação é descentralizada dos espaços que se caracterizam como escolares. Em geral, a formação se desenvolve em espaços Universitários, distantes do lócus em que a prática educativa ocorre. Alguns autores afirmam que é preciso repensar o lócus da formação continuada, descentralizar a formação de espaços Universitários para a

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escola em que os professores atuam. “Considerar a escola como lócus de formação continuada passa a ser uma afirmação fundamental na busca de superar o modelo clássico de formação continuada” (CANDAU, 1997, p. 57). Mas, a autora alerta que a mudança de lócus na formação continuada não se faz de uma hora para outra nem de maneira espontânea. O simples fato de estar localizado na escola, de desenvolver uma prática escolar concreta não garante a existência de um processo formativo, visto que para ocorrer tal processo é importante que essa prática: Seja uma prática reflexiva, uma prática capaz de identificar os problemas, de resolvê-los, que seja uma prática coletiva, uma prática construída conjuntamente por grupos de professores ou por todo o corpo docente de uma determinada instituição escolar (CANDAU, 1997, p. 57).

Nóvoa (2000) corrobora com esse alerta feito por Candau, quando entende que a verdadeira formação do professor se desenvolve nos espaços concretos de cada escola, em torno dos problemas pedagógicos ou educativos reais, que os sujeitos envolvidos enfrentam durante o ato educativo. Josso (1998), por sua vez compreende a formação, um processo abrangente e interacional que pode ocorrer em qualquer espaço social, de maneira eventual ou sistemática: Formamo-nos quando integramos na nossa consciência, e nas nossas atividades, aprendizagens, descobertas e significados efetuados de maneira fortuita ou organizada, em qualquer espaço social, na intimidade conosco próprios ou com a natureza (44).

No que tange ao financiamento para o desenvolvimento das formações continuadas, o Plano Nacional de Educação – PNE afirma: A formação continuada dos profissionais da educação pública deverá ser garantida pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, cuja atuação incluirá a coordenação, o financiamento e a manutenção dos programas como ação permanente (2000, p. 70).

A Secretaria Municipal de Educação de Colares parece estar de acordo com o que define o PNE no que concerne à coordenação, financiamento e

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manutenção da formação. No que tange ao financiamento, o F1 afirma que a secretaria já recebeu recurso financeiro: Já houve financiamento, em 2006. Agora nós usamos recursos da prefeitura. Não temos um valor. Agente calcula um valor de quanto vamos gastar. Na zona rural não precisamos de almoço, ai já não gasta com isso. Já na sede o custo é maior, porque tem almoço. Então depende da localidade. Mas sempre estipulamos em torno de 2.000 no máximo. Não são suficientes, mas pro momento é, agente não se aperreia, mas pra fazer uma coisa melhor precisaríamos de mais. Nas formações de 2006 foi financiada pelo MEC, FNDE, estipulado um valor de 4.000 mil reais por encontro. Foi um total de 34 mil para formação (F1).

Entretanto, afirma que, desde 2007, utiliza recursos próprios para realizar a formação com os professores e estima que haja um gasto de R$ 2.000,00, no máximo, por formação. Reconhece que não é suficiente, porque, para trabalhar melhor, a formação precisa de mais recursos. De acordo com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação-Fundeb (2007), as secretarias de educação podem utilizar o recurso repassado pelo Fundeb para beneficiar os professores da educação de jovens e adultos, independente de nível e modalidade (educação infantil fundamental, médio, educação de jovens e adultos) e idade (criança, jovens e adultos), seja com a parcela dos 60%, destinada ao pagamento da remuneração dos profissionais do magistério, seja com a parcela de 40%, destinada a outras ações de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino. O Fundeb ( 2007) expressa que a formação do professor é uma necessidade e visa à qualidade da educação, porque, segundo o PNE (2000), a formação continuada dos professores do magistério é parte essencial da estratégia de melhoria permanente da qualidade da educação, e visa à abertura de novos horizontes na atuação profissional.

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3.4.2. Currículo da formação continuada Para definir o currículo que orienta a formação continuada dos professores da EJA, identifiquei que a Secretaria, por meio dos formadores, escolhe as temáticas que são trabalhadas na formação, conforme o trecho a seguir:

A temática da formação continuada somos nós a secretaria, a coordenação e formadores que decidimos, mas solicitando aos professores o que eles estão necessitando. Ao final de cada formação já se estabelece o que vai ser trabalhado na próxima. Olha nós vamos desenvolver isso... ai vamos pesquisar para a formação (F1).

A formadora confirma: Os professores não definem, somos nós formadores. Levamos já as temáticas. Mas é claro que olhamos os relatórios, as cadernetas dos professores para saber onde eles estão tendo maior dificuldade(F2).

E as professoras reforçam: É a secretaria que decide. Nós só sabemos na hora. É sempre assim.. Creio que sim. Acho que se não tivesse uma necessidade, não tinha porque haver uma formação (P2).

A Secretária decide. Quem decidiu foi à própria Secretaria, o Secretário de Educação (P4).

Assim, é da coordenação e formadores (as), a decisão sobre a escolha dos temas a serem trabalhados. Entretanto, os formadores fazem uma ressalva dizendo que a escolha é feita a partir das necessidades dos professores, as quais são apontadas por relatórios feitos por eles/elas sobre o trabalho educativo. Esta fala parece contraditória porque os professores no decorrer da entrevista não falaram sobre a existência de relatórios. Por meio desses posicionamentos parece evidente que as decisões estão restritas a uma instância superior, que parece não ouvir os professores nem realiza um diagnóstico das realidades que envolvem a prática educativa, para então apontar direcionamentos e construir um currículo que represente e atenda as reais necessidades formativas dos professores.

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Os temas trabalhados na formação, para a P2 são: avaliação, planejamento e plano. A P1 não identificou os temas trabalhados, mas disse que na formação “mexem muito com Paulo Freire”, mas há outros de que ela não lembra. Já a P4 afirmou que os temas de que lembra são: “avaliação, planejamento, habilidades e competências”. Para o F1, os temas geralmente trabalhados são: “organização do trabalho docente, currículo, leitura e escrita e principalmente avaliação”. A relação das temáticas com as necessidades dos professores para o desenvolvimento do trabalho com os educandos jovens e adultos é percebida na fala dos sujeitos, que afirmaram:

Na verdade tá um pouco. Necessitamos de saber um método para ensinar jovens e adultos. Conhecer mais sobre como trabalhar com essas pessoas. Nessa formação falta mais teoria e prática. Metodologia para ensinar a ler e escrever. Com certeza ta contribuindo para a nossa formação. Primeiro porque alguns professores falam de suas experiências ai a gente vai adquirindo para gente: o método, a maneira de dar aula. Muitos não têm experiência, ai pega aquele relato e usa no seu trabalho (P1).

Estão de acordo sim, mas o problema é que eles não são trabalhadas com aprofundamento. Falta metodologia para ensinar jovens e adultos. O que sabemos hoje, o que fazemos veio mais por meio do NEP que iam bem nas nossas necessidades. Sim. Ta sendo muito bom. Porque na formação estamos adquirindo muitos conhecimentos. Tiramos as dúvidas. Trabalhar com o adulto é difícil, como eu sempre falei pro Walter, é difícil. Eles têm um outro tipo de educação diferente da criança. Não é como trabalhar com a criança. Educação de EJA é muito diferente. Eu levo um plano de aula aí eles dizem professora queremos uma aula de matemática aí eu converso com eles pra eles me entender e eu entender eles. (P4)

Os temas citados nos excertos anteriormente não estão, totalmente de acordo, porque a necessidade dos professores consiste em saber um método para ensinar jovens e adultos, conhecer estratégias metodológicas de ensino, além da articulação entre teoria e prática, assim revelou a professora 1. Ao contrário, a P4 disse que os temas estão de acordo, porém reconhece que o problema é que eles não são trabalhados com profundidade e que é preciso trabalhar mais metodologias para o ensino da EJA. Enfatiza também, a contribuição do NEP na formação porque considerou as necessidades formativas dos professores.

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Em face das constatações expostas é possível inferir que as professoras não descartaram a contribuição dos temas que estão presente na formação, mas também reconhecem que não contemplam de forma substantiva suas necessidades formativas. Identifiquei tanto nas falas dos sujeitos, quando na observação in loco, que as necessidades formativas dos professores são diversas e vão além das que foram apontadas. Vão desde conhecimentos básicos relacionados às áreas de conhecimentos a questões pedagógicas específicas para EJA. As necessidades formativas no âmbito teórico-metodológico que as professoras apontaram anteriormente são conhecimentos básicos para quem vai trabalhar com jovens e adultos. Saber como ensiná-los requer, no mínimo, conhecimentos sobre as especificidades desses sujeitos, além de conhecer métodos de educação para jovens e adultos. Há também a necessidade de metodologias alternativas compatíveis com as especificidades dos jovens e adultos e com a realidade em que estão inseridos. Essas questões preocupam as professoras, que buscam no dia a dia da sala de aula tomar alguma iniciativa para superá-las. Durante algumas conversas com as professoras e por meio das observações, percebi o quanto elas gostariam de fazer um trabalho melhor com os jovens e adultos. O quanto se sentem aflitas com as angústias de seus educandos que não conseguem avançar na aprendizagem, que reclamam da vista que está limitada, da falta de merenda escolar, da pouca iluminação na sala de aula, entre outras dificuldades. Entre as iniciativas para superar esses problemas, tanto a P1 quanto a P3 flexibilizam o horário das aulas. Em lugar de começarem as atividades às 18:30, iniciam às 16:30 ou às 17:00h, a fim de permitirem que aqueles que têm limitação na visão sintam-se menos prejudicados; outra iniciativa que observei foi a P1 escrever com letras grandes no quadro para favorecer os educandos, permitindo-lhes enxergar melhor; o atendimento individualizado aos educandos também é uma iniciativa que observei nas práticas das professoras. Os temas mencionados pelas professoras e formadores estão de acordo com o que Tardif (2002) denomina de saberes profissionais. Saberes que o professor precisa apreender, por meio de instituições e ou programas de formação, visando a uma formação científica ou erudita com a finalidade de incorporá-las a sua prática educativa.

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Considero que os temas citados pelas professoras são relevantes para o aperfeiçoamento do professor a fim de conduzir o trabalho pedagógico. No entanto, penso que eles estão sendo trabalhados em seus aspectos muitos gerais, sem considerar as especificidades de cada nível ou modalidade de ensino. Assim, a organização do trabalho docente, o currículo, a leitura e a escrita, a avaliação e o planejamento foram desenvolvidos levando em consideração as especificidades dos sujeitos? A P2 nos ajuda a responder essa questão: “a formação não vem trabalhando especificamente para a EJA, mas é muito gratificante, porque ensina a gente a atuar na sala de aula, sobre planejamento” e a P4 reitera:

Trabalhar com o adulto é difícil, como eu sempre falei, é difícil. Eles têm um outro tipo de educação diferente da criança. Não é como trabalhar com a criança. Educação de EJA é muito diferente.

Compreendo, por meio dessas afirmativas, que os temas referidos pelas professoras e formadores, parece que não dão conta das especificidades da educação de jovens e adultos. É interessante a consciência da P4 ao reconhecer que a educação para o adulto é diferente da educação para crianças. No geral, as práticas com jovens e adultos lançam mão de metodologias infantis para ensiná-los e por isso acabam por infantilizar o jovem e o adulto. A EJA precisa de um processo diferenciado de acordo com suas especificidades. Segundo Oliveira (2008), a Educação de Jovens e Adultos apresenta uma: especificidade etária, porque o olhar está voltado para as pessoas jovens, adultas e idosas das classes populares, que não tiveram acesso à escola na faixa etária dos 07 aos 14 anos; especificidade sociocultural, considerando que é direcionada para determinados grupos culturais e sociais; especificidade éticopolítica, em função da relação de poder que existe entre os escolarizados e os não escolarizados. A autora ressalta que compreender as especificidades da EJA significa: Compreender a sua condição de «pessoas humanas» e sua condição social de «não-crianças», «excluídos» e «membros de determinados grupos e

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classes sociais» populares. Para compreender-se as especificidades da educação de adultos torna-se necessário considerar-se os jovens e os adultos em suas situações concretas existenciais, sociais, econômicas e políticas.

Sobre a questão, Gadotti e Romão (2007) também contribuem, ao destacarem a importância de levar em consideração a diversidade desses grupos sociais como, por exemplo, o perfil sócio-econômico, étnico, de gênero, de localização espacial e de participação sócio-econômica (p. 120). Assim como esses autores, penso que não é possível pensar em processos de ensino para os adultos sem partir de suas particularidades, nem de forma desarticulada das realidades que vivenciam, muito menos sem olhar para as suas condições de vida. Uma das primeiras iniciativas a considerar na formação dos professores é pensar nos sujeitos com quem os professores vão trabalhar. Quem são esses sujeitos? Arroyo (2005, p.24) nos ajuda a compreender esses sujeitos a partir de suas trajetórias humanas e escolares.

Urge ver mais do que alunos e ex-alunos em trajetórias escolares. Vê-los jovens-adultos em suas trajetórias humanas. Superar a dificuldade de reconhecer que, além de alunos jovens evadidos ou excluídos da escola, antes do que portadores de trajetórias escolares truncadas, eles e elas carregam trajetórias perversas de exclusão social, vivenciam trajetórias de negação dos direitos mais básicos à vida, ao afeto, à alimentação, à moradia, ao trabalho e à sobrevivência. Negação até do direito de ser jovens. As trajetórias escolares truncadas se tornam mais perversas porque se misturam com as trajetórias humanas.

A reflexão proposta pelo autor é que possamos olhar para esses sujeitos, não superficial e ligeiramente, mas com um olhar abrangente e significativo. Olhar e ver que suas trajetórias escolares estão liameadas com as trajetórias humanas que influenciam na realização daquelas. Ele alerta, ainda, que não devemos olhá-los apenas a partir das trajetórias de carências, e sim, sobretudo, como protagonistas de trajetórias de humanização: Se revelam protagonistas pela sua presença positiva em áreas de cultura, pela pressão por outra sociedade e outro projeto de campo, pelas lutas por seus direitos...trata-se de captar que, nessa negatividade e positividade de suas trajetórias humanas, passam por vivências de jovens-adultos onde fazem percursos de socialização e sociabilidade, de interrogação e busca

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de saberes, de tentativas de escolhas e formação de valores. As trajetórias sociais e escolares truncadas não significam sua paralisação nos tensos processos de sua formação mental, ética, identitária, cultural, social e política. Quando voltam à escola carregam esse acúmulo de formação e de aprendizagens (ARROYO, 2005, p. 25).

O reconhecimento dessas trajetórias contribui para a reconfiguração da EJA, da formação dos professores, da didática, dos processos e dos conteúdos a serem trabalhados. Direciona os professores, a escola e o sistema a reorientar suas ações sócio-educativas e a construir novas práticas educativas e inclusivas. Retornando à questão das especificidades dos jovens e adultos, enfatizada pelas professoras, a Comissão Nacional de Educação de Jovens e Adultos afirma que a escola não pode deixar de reconhecer, no processo educativo, as especificidades desses sujeitos e levar em conta a diversidade desses grupos sociais: perfil sócio-econômico, étnico, de gênero, de localização espacial e de participação sócio-econômica (2007, p. 120, 121). A reconstrução de novas práticas educativas inclusivas e humanas passa necessariamente pela questão do currículo. Que currículo é importante para formar os professores de EJA? Que saberes os professores devem trabalhar na escola com jovens e adultos? Essas questões, entre outras, são essenciais para a reflexão de qual currículo é necessário aos professores que atuam com jovens e adultos. Considero que a formação continuada, de modo geral, consiste em um espaço de diversidade de saberes que se complementam e interagem em um processo de ação-reflexão-ação com a intenção de ressignificar a prática educativa. Além dos saberes profissionais – conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores, como escolas normais, Universidades e faculdades de educação –, saberes disciplinares –

relativos às áreas do

conhecimento e que estão integrados à universidade sob a forma de disciplinas –, e saberes curriculares – conhecimentos oriundos dos programas escolares, como objetivos, conteúdos e metodologias que os professores devem ensinar – que estão presentes na formação dos professores, seja inicial ou continuada, há os saberes que brotam da vivência cotidiana dos professores, da experiência prática e que geralmente são ignorados por não serem oriundos das instituições nem dos currículos oficiais (TARDIF, 2002).

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No caso da formação continuada proposta pela Secretaria Municipal de Educação de Colares, parece mobilizar em seu currículo diversos saberes, que vão desde aqueles considerados saberes acadêmicos aos da vivência cotidiana. Esses consistem em saberes que emergem da vivência cotidiana social e cultural dos professores.Temas que surgem das marcas culturais dos professores e que não estão nos currículos oficiais. Segundo Tardif (2002, p. 49):

Estes saberes não se encontram sistematizados em doutrinas. São saberes práticos. [...] e formam um conjunto de representações a partir das quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua profissão e sua prática cotidiana em todas as suas dimensões. Eles constituem, por assim dizer, a cultura docente em movimento.

Evidenciei, a partir da fala dos sujeitos, que, além dos saberes profissionais, sobressaem, durante a formação continuada, vários saberes, que brotam da vivência cotidiana e estão na raiz cultural do Município.Tanto os professores quanto os educandos são possuidores desses saberes, porque esses integram a dinâmica cotidiana de suas vidas. O F1, a P2 e a P3 afirmam que, tanto na formação, quanto na sala de aula, esses saberes estão presentes:

O que, mas aparece... não só na formação mas na sala de aula, e bastante, é a questão da lavoura, da roça, da pesca. Coisas que estão na raiz do município. As questões do folclore, as lendas. Das lendas o que mais sobressai é a matinta Perera, a Maria Vivó. Das músicas: o carimbo (F1). Levam, sim. Eles mandam os professores partirem daqui de colares do saber popular, as lendas. Quando temos formação, no final sempre aproveitamos para apresentar algo daqui. Dos saberes daqui, por exemplo, o folclore, as danças, as lendas. Não é somente esse saber... os jovens e adultos tem do trabalho com a terra, o saber popular (P2). Há. Muitas formações falam dos saberes da terra. Eles fazem como tema gerador. Eles pediam para a gente sugerir os nossos temas. Ai os professores iam desenvolver. O que podemos trabalhar a partir da pesca, da agricultura, das histórias de lendas (P3).

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Percebo a partir do exposto que o processo formativo trabalha o saber popular com os professores e os incentiva a trabalhá-los também em sala de aula com os educandos. Essas afirmações dos sujeitos me levam a considerar que há uma forte predominância, nas formações, dos saberes cotidianos que brotam do contato com a terra; saberes que emergem do contato com as águas; saberes que brotam do mundo lendário e saberes da musicalidade. Ressalto que não é minha intenção, nesse momento, esmiuçar esses saberes. Por hora, a intenção é evidenciar se estão presentes na formação continuada, tanto os saberes profissionais, quanto os saberes da vivência cotidiana, e se estão sendo trabalhados pedagogicamente e inter-relacionados nas formações realizadas. Quanto a essa questão, parece haver divergências entre os sujeitos:

É sim. Tanto na formação quanto o que eles aplicam em sala de aula. Bem, primeiro a gente conversa com eles para saber o que eles têm a contribuir com a formação. A partir do que eles dizem, a partir do que eles conhecem é que a gente orienta eles a trabalhar. Como organizar esses conhecimentos em um planejamento(F1).

Embora F1 afirme que a formação continuada trabalha com esses saberes, não fica claro em sua fala de que forma ocorre esse trabalho. De que maneira os saberes são inter-relacionados pedagogicamente. Parece que o formador confunde a formação com momentos de orientação a partir de “encontros de vivências”, em que todos contam suas experiências, as quais servem de orientação para outros. A P2 confirma que a formação considera os saberes dos professores e os trabalha pedagogicamente por que: “não é uma formação imposta”.

Eles colhem para depois desenvolver a formação. É mais ou menos como planejar incluindo os conhecimentos locais. Ao final das formações, sempre fazemos uma apresentação envolvendo os saberes locais como, por exemplo, o folclore (danças e lendas). É uma aula que a gente dar (P2).

A F2 acredita que não há preocupação com o saber dos professores na formação, e, se houver, é apenas em parte. A realidade sociocultural não é

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totalmente considerada. Mas ressalta que procuram orientar os professores, que, ao fazerem os seus planejamentos, precisam partir do contexto local, isto é, o de Colares. Ela afirmou: Eu acredito que ela fugiu disso. Ela não considera totalmente a realidade dos professores. Se aproveita é em parte, não é total. Mas orientamos para eles partirem de colares quando for fazer o planejamento para não trabalhar fragmentado.

Apesar de existir ênfase dos saberes locais dos professores durante a formação, não consegui perceber como esses saberes são inter-relacionados com as temáticas. Apenas percebi que há a predominância da cultura local nas formações e certa preocupação com o planejamento dos professores que precisa considerar essa cultura. Tive acesso a algumas produções que foram construídas pelos professores durante as formações e que, segundo os mesmos, são aproveitadas nas aulas com os educandos jovens e adultos. Entre as produções, destaco o carimbó de Colares e a paródia paraense, construídos coletivamente para fim didático, descritos a seguir:

Carimbo de Colares Fui convidado para cantar o carimbo Na ilha de colares Mas eu garanto que eu não vou só Ilha de encanto e beleza Muito verde e belos mares

Venham dançar comigo O carimbó de Colares Ao vir nesta terra, visite o Itajurá Aracê, Ururi, Santo Antônio do Tauá-Pará Não deixe de tomar o açaí da Fazenda Visite terra Amarela, Colares é uma lenda

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Venha ao Cacau Guajará, Jenipaúba Maracajó, Arari, São Pedro e Mocajatuba Cumii e Mãe do Rita, Canduba e Jacaró Santo Antônio de Colares, lá canto o meu carimbo

Jenipaúba de Colares, Acapú é um aconchego, lá em Jacaré Mãe Itabocal logo chego Agora que você conhece, as nossas localidades Venha visitar nossa boa Colares.

Paródia Colarense Tô, tô, tô na ilha de Colares Resgatando a cultura das nossas localidades Lá no Guajará, tem barco pra pescar Jogo a linha e pego o peixe Que vem pronto pra assar Nossa pesca é muito rica vamos todos aproveitar

Tô, tô, tô na ilha de Colares Resgatando a cultura das nossas localidades Passando pela Fazenda tem a festa do açaí Pego o fruto tiro o vinho Saboroso até o fim Todo mundo participa Quem entra não quer sair

Tô, tô, tô na ilha de Colares Resgatando a cultura das nossas localidades Mocajatuba minha gente É uma terra tão bonita, Tem festa de São Tomé, todo mundo participa Evento religioso é muito conhecido

Tô, tô, tô na ilha de Colares Resgatando a cultura das nossas localidades Lá em Jacarateua, em janeiro tem folia Todo mundo se anima pra cair na brincadeira

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Vamos todos nesse meio lá no rio da Mangueira Temos em Maracajó a festa da Mandioca Pra tirar o tucupi, separa da tapioca Fazer nossa farinha que é sempre muito gostosa Tô, tô, tô na ilha de Colares Resgatando a cultura das nossas localidades O município de Colares é uma terra acolhedora Todos que vem visitar Querem logo aqui voltar, aproveite esse embalo Venha aqui pra comprovar Tô, tô, tô na ilha de Colares Resgatando a cultura das nossas localidades Essas produções construídas no coletivo de professores, durante as formações, para auxiliar no trabalho educativo (P1), traduzem vários elementos que fazem parte da cultura local e demonstram que os professores valorizam as coisas da terra. Pedagogicamente, a P1 disse que utiliza essas produções em sala de aula como auxílio na leitura, escrita e aproveita para trabalhar os conteúdos de matemática, história, geografia e ciência. De acordo com a professora, a primeira coisa do trabalho é saber que atividade o educando realiza no seu dia-a-dia. Como a maioria desenvolve a prática da pesca e da agricultura, então, “aproveito todos os saberes deles nas aulas” (P1). Na seção II deste estudo, a professora evidencia que desenvolve um trabalho interdisciplinar com seus educandos a partir do conhecimento que eles têm das atividades produtivas que realizam.

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3.4.3. A experiência formativa do Núcleo de educação Popular Paulo FreireNEP: diferencial teórico-metodológico A experiência formativa do Núcleo de Educação Popular Paulo FreireNEP foi destaque entre os sujeitos deste trabalho, razão pela qual considero importante apresentar sua proposta formativa nesta dissertação. O NEP atuou no Município de Colares no ano de 2006, realizando um trabalho de formação para os professores, não só para a EJA, mas contemplou também os professores da educação infantil e fundamental (1º a 4 ª série). Ao contrário do Programa de Formação do Município, o Núcleo possui uma proposta teórico-metodológica consistente, fundamentada e coerente com os pressupostos freireanos, as quais são os pilares de sustentação de suas ações pedagógicas, assim como respeita e considera na sua prática as necessidades formativas dos professores. Essa proposta é reconhecida pelos professores e formadores deste estudo como diferente. O formador 1 considera que o trabalho do NEP foi a base para o trabalho e a formação do professor. As propostas e discussões proporcionadas pelo Programa de Formação passaram a ser referência para as formações que a Secretaria passou a realizar. O registro a seguir evidencia que a diferença entre o Programa de Formação de Colares e a experiência formadora do NEP está no eixo teóricometodológico: Era um grupo, com consistência, tinha mais teoria. Eram mais especializados para fazer o trabalho de formação. Trazia oficinas e produção de material (p2).

A P1 considerou bom o trabalho dos formadores do NEP, por partir das necessidades do professor. Afirmou que a formação iniciava com uma discussão geral com base em textos e autores diversos, depois partia-se para um trabalho mais específico, por níveis e modalidade de ensino, com ênfase nas necessidades de cada grupo: Era um grupo grande que trazia vários textos discutiam com a gente. Era bom, porque tinha leitura e vários autores. Eles pegavam os problemas que enfrentávamos na sala de aula e discutiam com a gente. Como podíamos melhorar, resolver aquele problema. Depois de uma discussão geral, eles

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trabalhavam por nível: infantil, fundamental e EJA. Pegavam nossas necessidades e trabalhavam. Se o problema era leitura, trabalhava a leitura, se o problema era escrita, trabalhava a escrita, se o problema era metodologia, trabalhava(P1).

A diferença que a P2 destaca no trabalho do NEP consiste na fundamentação teórica, porque foi possível adquirir mais conhecimentos no trabalho coletivo (todos os níveis e modalidades de ensino juntos) e individual (divisão em grupo de acordo com os níveis e modalidades de ensino), assim como na diversidade de material, autores e temáticas, envolvendo currículo, avaliação, pluralidade cultural, metodologias e interdisciplinaridade. A P2 destaca o trabalho desenvolvido:

Formação com consistência, teoria. Discutíamos sobre currículo, metodologias, pluralidade cultural, interdisciplinaridade, é o que eu lembro agora. Tem muita diferença, com o NEP foi possível adquirir mais conhecimentos. Aqui, na formação de Colares, não há uma formação muito voltada para os professores da eja. É tudo ao modo da secretária. O método é dele. Quando era o NEP, de cada temática tínhamos uma explicação. Era um trabalho com todo mundo e depois separado Quando tínhamos dificuldade os formadores tiravam as dúvidas. Tinha fundamentação teórica. Eles traziam material, vários autores discutindo sobre currículo, avaliação, metodologias.

No projeto, Formação Continuada com Professores do Município de Colares - Pa, elaborado pelos formadores do Núcleo, consta que sua preocupação é a formação ampla do professor, para tanto, é necessária uma fundamentação teórica, política e ética, que proporcione aos professores pensar em práticas educativas inclusivas e dialógicas, conforme expressa o documento:

A formação do professor não pode deixar de ser crítica e estar contextualizada nas grandes contradições econômicas, sociais e culturais da região amazônica e do país, em sua relação com a realidade da globalização mundial. Formação compreendida como necessidade política e histórica, que pressupõe o debate teórico sobre a exclusão socioeducacional e o desenvolvimento de práticas pedagógicas críticas e dialógicas (NEP-PFCP, 2006, P. 3).

É mais que uma formação profissional, por ser uma:

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Formação comprometida ética e politicamente com a luta pela superação da discriminação e da exclusão na sociedade e na escola. Formação da pessoa humana, como indivíduo, cidadão e profissional, objetivando uma vivência social mais humana, justa e solidária (NEP-PFCP, 2006, P. 3).

O referido projeto traz na sua proposta, entre outros, os seguintes objetivos (2006, P. 3): • Fortalecer o trabalho coletivo entre os professores e práticas interdisciplinares comprometidas com a educação e a formação social da população local. • Possibilitar a construção de uma educação que valorize as diversas culturas existentes no município, respeitando a diferença e promovendo uma sociedade multicultural e inclusiva. Observo neles a amplitude e importância do trabalho formativo do Núcleo na medida em que este procura incentivar o desenvolvimento de práticas educativas interdisciplinares e inclusivas, reconhecendo a diversidade cultural local e o respeito às diferenças. A proposta de formação continuada, que foi elaborada e colocada em prática pelo NEP, emerge, sobretudo, da:

Realidade educacional, sociocultural, ambiental e político-econômica de Colares, visando contribuir com o desenvolvimento local da região e com a melhoria das condições de vida de sua população (2006, p.4).

A partir do exposto, considero que o Programa de Formação Continuada do NEP se enquadra no modelo teórico denominado por Demailly (1992) como forma interativa-reflexiva, na qual predomina a interação mútua entre formandos (formador – professor) e uma ligação à situação de trabalho. Aproxima-se também, de acordo com Nóvoa (1999, p.21), dos modelos construtivistas (modelo investigativo e interativo-reflexivo), “porque partem de uma

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reflexão contextualizada para a montagem dos dispositivos de formação contínua, no quadro de uma regulação permanente das práticas e dos processos de trabalho”. Acredito que o NEP, na sua atuação formativa, compreende que a formação continuada alicerça-se em uma reflexão na prática e sobre a prática, por meio de dinâmicas de investigação-ação e de investigação-formação, valorizando os saberes de que os professores são portadores (NÓVOA, 1991, p.30). Essa valorização é percebida na fala da P3 que considera a formação realizada pelo NEP da seguinte forma: Vinha a equipe toda. A formação globalizava todas as séries e vários temas. Era muito bom. A formação que o NEP fazia contribuiu bastante. Com os formadores do NEP, eles valorizavam muito o conhecimento da gente aquilo que a gente sabe da terra. Fizemos até um painel grande mostrando toda a riqueza cultural local e como podíamos trabalhar essa diversidade cultural na sala de aula. Como ensinar a partir dessa cultura. E isso ajudou no nosso aperfeiçoamento, para que quando chegássemos a sala de aula aproveitar aquilo que foi debatido lá com eles.

O painel que a professora menciona e que evidencia a diversidade cultural local foi confeccionado pelos professores em conjunto, com o objetivo de acessar a realidade social, cultural, econômica e educacional local, com vistas à ressignificar o currículo escolar dos professores de Colares, o qual é apresentado no quadro a seguir.

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Quadro 1 Painel representativo da realidade sócio-econômica e cultural de Colares

Considero que o trabalho formativo desenvolvido pelo NEP tem uma dimensão cultural, porque considera e respeita as marcas culturais locais. Possui um currículo que integra os diversos conhecimentos, por isso, assume um caráter interdisciplinar, na medida em que procura estabelecer o diálogo com os saberes, tanto aqueles oriundos do currículo oficial quanto aqueles que compreendem um currículo não-escolar. Tem uma dimensão técnica, pois acredita que esta é também importante para o desenvolvimento da prática educativa e que o professor precisa ter domínio de técnicas, metodologias, estratégias, dinâmicas, além de saber organizar o processo de ensino-aprendizagem dos educandos. Assume a relação teoria-prática como imprescindível na formação do educador, porque não concebe uma prática baseada no praticismo e nem tão somente no teoricismo, mas na dialética das duas.

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Assim, a proposta de formação do NEP compreende o que Candau (1997) chama de perspectiva multidimencional da formação de professores, porque apresenta uma dimensão técnica, humana e político-sociocultural. Na dimensão técnica, o foco é para a organização e operacionalização dos elementos que compõem o processo de ensino-aprendizagem: objetivos, seleção de conteúdo, estratégias de ensino e avaliação. A dimensão humana volta à atenção para a relação interpessoal presente no processo formativo. A educação é compreendida como um permanente processo de comunicação que favorece o crescimento pessoal, interpessoal e grupal. Ao contrário das dimensões anteriores, a dimensão sócio-econômica e político têm uma perspectiva crítica, centrada nas questões filosóficas e sociológicas. A educação é uma prática social conectada com o sistema político-econômico, logo o professor precisa ter uma formação sólida em ciências socais e humanas (CANDAU, 2002). Com base nessas inferências, situo o trabalho formativo do NEP, por procurar em sua ação formadora integrar tais dimensões,

assumindo

a

formação

de

professores

em

uma

perspectiva

multidimensional. 3.4.4. Avaliação da formação continuada As professoras e formadores (as) avaliaram a formação continuada desenvolvida pela Secretaria de Educação de Colares e ainda apontaram o que é necessário para melhorar. A formadora 1 afirmou que “é regular... por quê? Porque falta muito aprofundamento teórico” e a P2 reiterou: É regular. Olha quem da essa formação é o coordenador. Ele é uma excelente pessoa, mas está faltando pessoas mais qualificadas. Ele tem nível superior, mas o tempo dele é corrido, então deixa a desejar.

As professoras dão a seguinte sugestão para melhorar as formações: Então penso numa equipe organizada, para fazer essas formações...gostaria que fosse igual como o NEP fazia. Porque às vezes essas formações acabam parecendo uma reunião do que mesmo uma formação (P1).

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É regular a formação... Acho que eles deveriam se aprofundar na formação da EJA. Não ficar só no fundamental e infantil. Nós professores de Colares necessitamos de uma formação voltada para a EJA. Dá para tirar um proveito, mas não é o suficiente. (P2)

O excerto que segue, retirado dos registros feitos pela P2, parece mais um desabafo: O que eu acho dessas formações que estamos tendo é que ela deveria ser voltada mais para EJA. Mas tive proveito das que tem. Mas tenho melhorado a minha prática. As formações ... Era o coordenador que ministrava as formações. Pelo fato dele ser professor, gestor, secretário não tinha tempo para estudar e ministrar as formações aí ficava aquela coisa corrida. Era 8h, estava marcada, ele chegava as 09 e era correria. Era regular. Ainda necessitamos de muito. Nós que trabalhamos com adultos temos uma deficiência muito grande. Tenho muita força de vontade, ano passado ficamos 8 meses sem receber, o pessoal da EJA. Se eu não tivesse força de vontade eu abandonaria a turma. Mas eu penso que meus alunos não têm nada haver. Eles querem aprender então vou continuar.

É patente nesse desabafo da professora o descaso da Secretaria de Educação com o ensino. Formação aligeirada, professores sem salário! É até incoerente pensar em formação continuada para o professor melhorar sua prática educativa, quando este é desrespeitado na sua condição humana, ao ter violado o seu direito ao salário. Como é possível exigir dos professores um ensino de qualidade se a estes não lhes é dado o mínimo de condições para trabalhar? Se o professor não tem o necessário para garantir suas necessidades objetivas? A professora acima das suas condições humanas assume o compromisso de está na turma, mesmo sendo desrespeitada nos seus direitos, e o faz porque, certamente, respeita essas pessoas que no seu dia-a-dia são violentadas por um sistema socioeducacional que as exclui. A situação é dramática. Penso que enquanto o Sistema Educacional tratar os professores com desrespeito, violando seus direitos, não poderemos avançar em mudanças significativas em relação à educação, seja qual for o nível ou a modalidade de ensino. Cabe a nós professores e professoras, que assumem-se progressistas, se indignar diante de injustiças como essas e denunciar, afirmando uma posição ética e política em defesa daqueles e daquelas que são oprimidos e tem cotidianamente seus direitos violados.

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Entre as sugestões dadas pelos sujeitos, visando melhorar as formações, destacam-se:



O aprofundamento teórico-metodológico;



O aprofundamento de questões específicas para a EJA;



Profissional mais qualificado;



Profissionais com mais disponibilidade de tempo. Na avaliação do formador, há o reconhecimento de que a formação é

regular, mas ressalta que poderia ser melhor, porém em face das dificuldades dos professores diz que está bom. Avalio esse processo como regular, mas é o que nós temos para oferecer. Poderia ser melhor, mas levando em consideração as dificuldades dos professores e o que temos feito para resolver, está bom (F 1).

Embora implícito em sua fala certo comodismo, mostra-se interessado em melhorar a qualidade da formação e sugere mais recursos financeiros, oficinas e menos teoria: O que poderia fazer era alocar mais recursos, para fazer principalmente oficinas com os professores. Eles precisam de coisas mais práticas e não muito teórico. Pra melhorar precisamos realizar oficinas de jogos com eles (F 1).

É interessante analisar o posicionamento do Formador 1 quando defende uma formação com mais prática e menos teorias, como se fosse possível separá-las. Nenhuma prática se radica sem uma base teórica. Essa é uma questão que considero bastante problemática nos cursos de formação continuada, pois os mesmos, na maioria, buscam um processo formativo que lhes diga o que fazer na prática ignorando a teoria. No entanto, a ausência da teoria no processo formativo implica práticas simplistas, pragmáticas e sem reflexão crítica sobre a mesma. Freire (2006, p.39) lembra que na formação de professores o momento fundamental é:

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O da reflexão critica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se melhorará a próxima prática. O próprio discurso teórico tem que ser de tal modo que quase se confunda com a prática.

Ou seja, é preciso existir reflexão-ação (práxis) no trabalho educativo. A questão da teoria passa pela formação do professor que não pode ser feita separada de uma compreensão do mundo e das questões existenciais. A formação do professor precisa na sua prática trazer o exercício da reflexão, visando à construção de uma práxis. Segundo Oliveira (2006, p. 200): A formação do educador na perspectiva dialética não se reduz a “saber sobre” os problemas da educação, mas se dá pela construção de uma práxis, ou seja, o educador deve construir uma teoria a partir da sua prática.

Corroboro também com a referida autora, quando afirma que a tendência atual e o maior desafio que os cursos de formação de professores nos colocam é: A construção de um curso de pedagogia que tenha como eixo curricular a unidade dialética teoria-prática, o que implica repensar a prática do educador em uma dimensão de totalidade, de pluralidade e de interdisciplinaridade.

As falas dos sujeitos mostram uma formação continuada problemática, que embora esteja preocupada com a formação dos professores e a qualidade da educação, deixa a desejar em vários pontos, os quais os próprios professores evidenciaram. Entre os pontos mais destacados está a ausência de fundamentação teórica na formação. As professoras parecem reconhecer que a prática não se faz sem a teoria, muito embora, algumas vezes, a referência que fazem é para formações práticas. O processo formativo envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer, corroborando Freire ( 2006). Ao contrário do posicionamento do formador 1 que pensa a formação com menos teoria, a formação continuada desenvolvida pelo Núcleo de Educação Popular Paulo Freire pensa a formação em uma dimensão global. Uma formação que compreende a teoria e a prática indissociáveis. Essa compreensão é também dos próprios formadores, ao reconhecerem que existe uma diferença entre as formações. Embora a formação desenvolvida pelo NEP não seja o foco neste

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trabalho, não poderia de deixar de apontar a avaliação que os sujeitos fizeram do mesmo como uma forma de comparação com a formação que é realizada pela Secretaria de Educação de Colares-Pa. No trecho a seguir, o formador destaca a diferença entre ambos processos formativos:

O NEP trabalhou o que consideramos a base para o professor para podermos continuar depois. Há teve diferença, sim. No caso do NEP quando ele trabalhou a formação, nós consideramos a base. Os conteúdos que ele trabalhou foram à base. Agora claro tem uma diferença entre o trabalho do NEP e o nosso. O NEP quando vinha, trazia várias propostas, discussões grandes, atividades em grupos, apresentações, aplicações na prática de sala de aula, construção de material concreto, oficina e trabalhava com todos ao mesmo tempo, agora a gente faz por pólo. É um número reduzido. Mas nos dá condição de saber mais deles. Mas há uma diferença na parte teórica. Devido o NEP ter trabalhado com a base teórica, a gente sente essa diferença. Nós estamos aproveitando o que o NEP deixou, não estamos criando coisas novas, não. A diferença é essa (F1).

De acordo com o registro, pode-se inferir que a diferença entre os dois processos de formação está no campo teórico-metodológico. Enquanto o NEP prima pela discussão teórica, visando à reflexão da prática educativa, o processo formativo proposto pela Secretaria de Educação de Colares propõe um trabalho pautado na vivência e argumenta que aproveita o que o NEP deixou de contribuição teórica para fazer o trabalho, porém não fica claro de que forma essa teoria é aproveitada.

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A INFLUÊNCIA DA FORMAÇÃO CONTINUADA NA PRÁTICA EDUCATIVA DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DO MUNICÍPIO DE COLARES-PA

Não podemos deixar de lado, desprezado como algo imprestável, o que educandos, sejam crianças chegando à escola ou jovens e adultos a centros de educação popular, trazem consigo de compreensão do mundo, nas mais variadas dimensões de sua prática na prática social de que fazem parte. Sua fala, sua forma de contar, de calcular, seus saberes em torno do chamado outro mundo (FREIRE, 1992, P. 85,86).

4.1. O cenário sócio-educativo As observações in loco e as entrevistas realizadas com as professoras, formadores e educandos permitiram identificar no cotidiano do micro universo escolar das escolas do Município de Colares várias carências como também uma rica diversidade cultural. 4.1.1. As carências As carências estão relacionadas, principalmente, à estrutura física das escolas, à ausência de materiais didáticos para os educandos e professores e à falta de merenda escolar. Essas carências são comuns nas três escolas observadas, sendo que uma encontra-se melhor estruturada, já que dispõe de um espaço escolar próprio e mais adequado para receber os educandos. A Escola Municipal Santo Antônio, localizada na Comunidade de Santo Antônio, atualmente, funciona em um espaço improvisado, o Centro Comunitário. Segundo a professora 1, os alunos foram remanejados para esse centro porque o prédio da escola estava oferecendo risco à comunidade escolar, razão pela qual passaria por uma reforma. Entretanto, a comunidade espera há mais de dois anos pela escola que nunca foi reformada. Esse fato evidencia o descaso do poder público com a educação, que não é tratada como prioridade, mas é negada por

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aqueles que deveriam garantir o direito que todos têm de ter educação de qualidade em uma escola que ofereça o mínimo de condições.

Foto 2: Centro Comunitário, atualmente, funciona como escola.

A escola se resume a duas salas de aula muito pequenas, não possui banheiro, cozinha nem biblioteca. Quase tudo é improvisado, o espaço, o quadro, as carteiras e a iluminação. A sala de aula que deveria ser um espaço agradável para os educandos torna-se um espaço desagradável, por conta da situação em que se encontra. O espaço da sala de aula é meio aberto, a parte superior não possui parede, ficando desprotegida e, em períodos de chuva, as aulas, quase sempre, são interrompidas. O quadro de giz encontra-se bastante desgastado com falhas pelo meio, o que dificulta aos educandos enxergarem o que está escrito. A iluminação é a maior inquietação dos educandos e professoras. As lâmpadas existentes não garantem uma boa iluminação, comprometendo o processo de aprendizagem dos educandos, pois a maioria sofre com problemas de visão.

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A P1 confirma a inexistência de qualquer recurso didático e no lugar onde, atualmente, os educandos têm aula: “Não há nenhum tipo de recurso. Inclusive estamos no centro comunitário. Nem livro didático tem”. A Escola Municipal Tia Anastácia, localizada na PA - 140, assim como a anterior, possui problemas sérios em relação a sua estrutura física. Com apenas duas salas pequenas, a escola é insuficiente para as necessidades da comunidade escolar. Não possui cozinha, banheiro, biblioteca nem laboratório de informática. Para as professoras 3 e 4 biblioteca e sala de informática, são espaços que “ninguém sabe para que serve e nem como funciona”. Em relação às carteiras, encontram-se um pouco conservadas, porém em número insuficiente para acomodar os educandos. No dia em que todos vão para a escola, falta carteira. O quadro de giz está bastante comprometido, dificultando a leitura dos educandos. A iluminação também foi mencionada pelos educandos e professores dessa escola como um problema sério que afeta a aprendizagem dos educandos. As professoras falam da situação da escola:

A escola não conta com nenhuma estruturação adequada. A sala que dou aula, não tem eletrificação. Tem apenas uma lâmpada que pouco ilumina. Eu várias vezes mandei ajeitar uma coisa e outra, para os alunos não evadirem. Para a gente não perder alunos. Só que a secretaria não dá condições para que os alunos permaneçam. Os nossos livros da EJA é muito resumido, não tem fundamentação. O espaço é só uma sala de aula que tem para os alunos, livro didático e só (P2). Não há estrutura nenhuma. É precário, eles vem porque tem força de vontade, mas recurso à escola não oferece, a secretaria não oferece. O que eles distribuem é um livro para os alunos e canetinha (P3).

A escola Noêmia, localizada na sede, também possui algumas carências, como a não disponibilidade de biblioteca, livros, laboratório de informática, porém, das três, é a que está melhor estruturada. Primeiro, porque a escola, ao contrário das anteriores, possui um espaço relativamente grande e organizado para acomodar os educandos, o prédio escolar é próprio, além de possuir cozinha e banheiro no interior da escola, conforme evidencia a professora 4: “Não tem nada de computador, biblioteca, livros, laboratório...tem sala de aula, secretaria, cozinha e banheiro”.

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Foto 3: Escola Municipal Noêmia.

A observação que realizei no interior da escola confirma o que as professoras revelaram quanto à sua infra-estrutura. Computador, biblioteca, livros, merenda, não fazem parte do contexto escolar. Possui uma cozinha com fogão, geladeira, mesa, pia, panelas, água, mas a merenda é um item em falta na escola. O espaço escolar conta com quatro salas de aula pequenas, com capacidade para receber mais ou menos 25 alunos. As carteiras estão conservadas. O quadro de giz encontra-se pouco conservado e a maioria dos educandos reclamam que a iluminação é deficiente para os que têm limitações na visão. Em relação ao material didático, a maioria dos educandos e professoras destacam, principalmente, a falta de livros, que, para eles, ajudaria na aprendizagem. Por meio dessas falas e observações que registrei in loco, é evidente o descaso da Secretaria Municipal de Educação com a EJA. As escolas, na maioria, não oferecem o mínimo de estrutura física e material para o desenvolvimento das atividades educativas. Além dessa dificuldade tem a falta da merenda que, certamente, afeta no desenvolvimento escolar dos educandos, visto que estes, conforme relatou a P3, “na maioria das vezes, os educandos chegam à escola com fome, então me vejo na obrigação de providenciar uma merenda para eles”.

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A P1, na tentativa de solucionar o problema da falta de merenda escolar, realiza com os educandos uma coleta para comprar merenda ou, às vezes, leva de casa, ressaltando: “quando tem”. 4.1.2. A diversidade cultural No tocante à diversidade cultural, Colares, situada à margem da Baía do Marajó, impressiona pela beleza natural e, principalmente, pela diversidade de saberes que a constitui. Cada canto, cada lugarzinho reflete uma variedade de conhecimentos com características bem definidas, próprias de uma região diversa e multicultural. Na década de 70 ficou conhecida nacionalmente pela presença de fenômenos ufológicos: a suposta visita de ETs e pela “operação prato”, realizada pela força aérea Brasileira em 1977, com o objetivo de verificar a ocorrência de discos voadores e seres extraterrestres, conhecidos como “chupa - chupa”. O Município de Colares destaca-se no cenário da Amazônia Paraense e nacional pelas impressionantes histórias de ETs, cobra grande, Matinta Perera, as famosas arraias, pela graciosa orla que possui à margem da Baía. Impressiona pela diversidade de saberes que circulam entre os moradores Colarenses. Saberes que nascem do contato dos moradores com a terra, por meio do cultivo de mandioca, feijão, laranja, banana, etc.; saberes que emergem do contato com a água, pela prática da pesca; saberes que emanam da medicina popular, nos usos de remédios caseiros para cura e saberes lendários que são cultivados na memória do povo e repassados de geração a geração por meio da oralidade. Essa diversidade de conhecimentos que flui em Colares traduz sua riqueza cultural e estão presentes no universo escolar por meio dos educandos e dos professores que fazem parte deste universo que é um misto de saberes que se inter-relacionam. Essa diversidade cultural presente em Colares tem atraído vários turistas brasileiros e estrangeiros interessados em explorar suas riquezas e descobrir seus encantos, conhecer suas histórias inusitadas e aproveitar a tranqüilidade que é peculiar à cidade.

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4.2. A prática educativa 4.2.1. Currículo: interação entre os saberes O currículo escolar da EJA não foi construído especificamente para atender as necessidades dos jovens e adultos porque é o mesmo que os professores desenvolvem na educação infantil. Essa constatação se deu a partir de observações e conversas informais que tive com as professoras e formadores (as), em que ficou subentendido nos relatos que a Secretaria Municipal de Educação nunca conseguiu estabelecer um norte para a EJA. Isso significa dizer que a EJA não apresenta um documento que oriente os professores no trabalho pedagógico. O que existe e foi apresentado pela Secretaria de Educação, e que eles chamam de planejamento de ensino para EJA, é uma relação dos conteúdos a serem trabalhados pelos professores em cada bimestre, conforme se pode visualizar no quadro a seguir: 1ª etapa – História e Geografia Os direitos e deves de cada aluno Bairros em que ficam a casa e a escola I bimestre

Meios de transportes Meios de comunicação Trânsito Zona rural e urbana Datas cívicas Acontecimentos importantes ocorridos no Brasil (município e

II bimestre

escola) Autoridades (Federal, Estadual e Municipal) Autoridades religiosas Autoridades militar Município Atividades e distribuição de produtos

III bimestre

Pontos turísticos Profissões Serviços

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Religião Tipos de recreação Clima IV bimestre

Localização e orientação Revisão dos conteúdos

Foto 4: Conteúdo programático de história e geografia da 1ª etapa para a educação de 11 jovens e adultos .

1ª etapa – Língua Portuguesa Relato de experiências vivenciadas Leitura informativa e recreativa Ordenação de sílabas e frases I bimestre

Ditado, cópia e treino ortográfico Encontro consonantal e vocálico Dígrafos (ch, lh, RR, gu) Composição de história a vista de gravura Separação e classificação quanto ao número de sílabas Sílaba tônica Leitura e interpretação Acento agudo e circunflexo

II bimestre

Sinais de pontuação Avisos Frases afirmativas, interrogativas e exclamativas Ortografia Sinônimos e antônimos Substantivo próprio, comum e coletivo Artigo definido e indefinido

III bimestre

Flexão do substantivo Adjetivo Bilhete (leitura e produção) Ditado, cópia e treino ortográfico

IV bimestre

11

Leitura e interpretação de texto

Fonte: Planejamento de Ensino da EJA (COLARES, 2007).

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Uso da cedilha Pronomes (pessoais, tratamento e possessivo) Verbo (presente, passado e futuro) Carta Foto 5: Conteúdo programático de língua portuguesa da 1ª etapa para a educação de 12 jovens e adultos .

2ª etapa – Matemática Número e numeral Sistema de numeração decimal II bimestre

Adição (propriedade e provas) Problemas de adição Subtração (provas e problemas) Expressão numérica com adição e subtração Multiplicação (propriedade e provas) Multiplicação por 10, 100 e 1000 Problemas de multiplicação Dobro, triplo, quádruplo, quíntuplo e sêxtuplo Múltiplos Divisão

II bimestre

Divisão por 10, 100 e 1000 Problema de divisão Expressão numérica com as quatro operações Valor do termo desconhecido Divisão de um número natural Divisibilidade Números primos Números fracionários

III bimestre

Representação decimal Sistema monetário brasileiro Porcentagens e sistemas

IV bimestre

Medidas Geometria

12

Fonte: Planejamento de Ensino da EJA (COLARES, 2007).

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Foto 6: Conteúdo programático de matemática da 2ª etapa para a educação de jovens e 13 adultos .

2ª etapa – Ciências Corpo humano Órgãos dos sentidos Saúde I bimestre

Hábitos de higiene Saneamento Aparelhos digestivos, respiratório, circulatório, urinário e reprodutor Sistema ósseo e muscular A terra: Nosso planeta (astronomia)

II bimestre

A água: a parte líquida da terra Estados físicos da água O solo e o ar Substancias Matéria e corpo

III bimestre

Mudança de estado físico Ciclo da água Formação de chuvas Animais vertebrados Classificação: peixes, anfíbios, repteis e mamíferos

IV bimestre

Animais invertebrados: úteis e nocivos Vegetais: partes Funções: classificação dos tipos de raízes e caules Germinação e reprodução

Foto 7: Conteúdo programático de ciências da 2ª etapa para a educação de jovens e 14 adultos .

O F1 disse que “estão planejando a elaboração de um documento próprio para a EJA”, ou seja, essa modalidade não possui um documento exclusivo para 13

14

Fonte: Planejamento de Ensino da EJA (COLARES, 2007). Fonte: Planejamento de Ensino da EJA (COLARES, 2007).

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orientar as ações educativas. É bom ressaltar que um planejamento para nortear as ações com a EJA é imprescindível para o seu bom funcionamento, já que sem este o trabalho fica comprometido. Em face da ausência de um planejamento para nortear a educação de jovens e adultos, penso que há certo descaso com essa modalidade. É como se não fosse necessário pensar em um trabalho sério, articulado, planejado, porque, afinal de contas, são pessoas que precisam apenas saber assinar o nome. Essa foi uma idéia equivocada, construída historicamente e, infelizmente, é assim que muitas pessoas pensam a questão da EJA. Esse pensamento está relacionado com a própria história da EJA, que foi pensada pelo sistema como uma educação compensatória. Muito embora, seja um assunto que vem sendo problematizado com bastante intensidade em diversos espaços e entre vários sujeitos professores pesquisadores, visando desconstruir os olhares discriminatórios para essa modalidade de ensino. Com o objetivo de dar direcionamento à educação de jovens e adultos o MEC construiu um documento voltado para essa modalidade, chamado Proposta Curricular para o 1º segmento do ensino fundamental. A finalidade do documento é oferecer subsídios para: “á elaboração de projetos e propostas curriculares a serem desenvolvidos por organizações governamentais e não-governamentais, adaptados às realidades locais e necessidades específicas” (BRASIL, 2001, p. 7). Mas uma vez os currículos são construídos de cima para baixo, sem a participação dos sujeitos educativos e, imposto aos professores para apenas adaptarem as suas realidades. O currículo tem que ser construído com os sujeitos educativos a partir das suas realidades, das suas especificidades, das suas necessidades, da sua cultura, dos seus saberes, das diferenças, dos seus tempos. Não sou contra os referencias curriculares, mas penso que eles devem ser construídos com os sujeitos educativos, assumindo a condição de protagonista dessa construção, partindo do lugar em que estão inseridos. De acordo com o MEC, “às Secretarias Estaduais e Municipais de educação e os professores de educação de jovens e adultos tem um importante instrumento de apoio, com a qualidade de referencial que lhe é conferida pelo notório saber de seus autores” (BRASIL, 2001, p.7). No caso da Secretaria de Educação de Colares, não encontrei nenhum indício desse documento, nem se a Secretaria tem conhecimento da existência do mesmo.

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No que tange ao desenvolvimento do trabalho pedagógico, algumas professoras contam com o apoio de um livro didático, cujo nome é: “Novo Curupira, para a educação de jovens e adultos - livro integrado”.

Foto 8: Capa do livro integrado – Coleção Novo Curupira.

A proposta do livro é trabalhar as áreas do conhecimento de maneira integrada. O que significa integrado? De acordo com o dicionário Michaelis (2001, p. 394) “significa tornar (-se) inteiro, completar (-se); integralizar. Juntar-se, tornando-se parte integrante”, ou seja, como o próprio nome diz é a integralização dos conhecimentos. É a articulação das áreas do conhecimento, de forma que as mesmas não sejam trabalhadas isoladamente. Porém, ao analisar o livro, percebi que se mostra incoerente com essa idéia. Sua organização é feita da seguinte forma: geografia, língua portuguesa, matemática

e

história,

com

seus

respectivos

conteúdos.

As

áreas

dos

conhecimentos vêm todas discriminadas, separadamente. Em nenhum momento tais conhecimentos se integram, conforme mostra o sumário do livro em questão:

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15

Foto 9: Sumário de geografia do livro integrado Novo Curupira .

Foto 10: O encontro das lendas está localizado na parte relacionado à área de conhecimento de 16 língua portuguesa e não tem interação com os outros conhecimentos .

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Sumário: Unidade I: Divisão da terra em continentes: o velho mundo, novo mundo, novíssimo mundo, o continente gelado, oceanos; Unidade II: Brasil: divisão política e regional, Amazônia, Nordeste, Centro-sul; Unidade III: A região norte, Amazônia e o estado do Pará: Localização, relevo, clima, hidrografia, transportes, vegetação, o Pará e as meso e microrregiões, população, economia, os ciclos econômicos, a pecuária e agricultura, turismo, região metropolitana de Belém, microrregião do Salgado, microrregiões Bragantinas, microrregião do Guamá, microrregião do sudeste do Pará, baixo amazonas e mesorregião do Marajó. 16

Unidade IV: Cobra Grande: é uma das mais conhecidas lendas do folclore amazônico. Conta à lenda que em uma tribo indígena da Amazônia, uma índia, grávida da Boiúna, (Cobra grande, Sucuri), deu a luz a crianças gêmeas, que na verdade eram cobras. Um menino, que recebeu o nome de horonato ou Nonato, e uma menina, chamada de Maria. Para ficar livre dos filhos, a mãe jogou as duas crianças no rio. Lá no rio, como cobras, se criaram. Honorato era bom, mas sua irmã era muito perversa. Prejudicava os outros animais e também as pessoas. Eram tantas as maldades praticadas por ela que Honorato acabou por matá-la para pôr fim as suas perversidades. Honorato, em algumas noites de luar, perdia o seu encanto e adquiria a forma humana, transformando-se em um belo rapaz, deixando as águas para levar uma vida normal na terra. Para que se quebrasse o encanto de Honorato era preciso que alguém tivesse muita coragem para derramar leite na boca da enorme cobra, e fazer um ferimento na cabeça até sair sangue. Ninguém tinha coragem de enfrentar o enorme monstro. Até que um dia um soldado de cametá (município do Pará) conseguiu libertar Honorato da maldição. Ele deixou de ser cobra d’água para viver na terra com sua família.

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Apesar de o livro integrado não contribuir para o trabalho de integração dos conhecimentos, percebi e as entrevistas confirmam que as professoras procuram, individualmente, na sua prática, distanciar-se do currículo oficial, o qual já está sistematizado e determinado, cabendo ao professor, apenas, repassar os conhecimentos aos educandos, para um “currículo do cotidiano”, compreendido como o enredamento de diversos saberes que emanam do dia-a-dia dos sujeitos, sem deixar de lado os conteúdos escolares. A proposta de trabalhar dessa forma, conforme está explícita na fala dos sujeitos, na segunda seção, teve início com as formações realizadas tanto pelo NEP quanto pela Secretaria Municipal de Educação. A partir dos dados que emergiram das falas das professoras e formador (a) sobre o tópico currículo, destaquei dois conceitos: saberes escolares e saberes cotidianos, que serão desenvolvidos ao longo destes escritos. O C1 demonstra que o ponto de partida da prática do professor (a) está na cultura de ambos os sujeitos educativos. O aluno e o professor participam de um universo cultural comum, de um mesmo lócus cultural - a comunidade em que vivem: Todos os saberes da vivência são o ponto de partida para ensinar os conteúdos. A cultura do aluno é a cultura do professor, porque moram na mesma comunidade, então fica mais fácil (C1).

A existência de um trabalho que parte dos saberes dos educandos, da cultura desses sujeitos, pressupõe a existência de um currículo escolar articulado com a cultura, uma vez que o currículo é o meio, institucionalizado, pelo qual a cultura é transmitida e socializada. Porém, é preciso tomar cuidado com a maneira como se entende a relação entre currículo e cultura. A teoria tradicional considera a cultura: Como um conjunto inerte e estático de valores e conhecimentos a serem transmitidos de forma não-problemática a uma nova geração, nem ela existe de forma unitária e homogênea (MOREIRA e SILVA, 2002, p. 26).

Ao contrário da teoria tradicional, que vê o currículo como uma correia transmissora de uma cultura, a teoria crítica considera o currículo e a cultura, duas dimensões envolvidas:

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A educação e o currículo estão profundamente envolvidos em uma política cultural, o que significa que são tanto campos de produção ativa de cultura, quanto campos contestados (MOREIRA e SILVA, 2002, p. 26).

Logo, o currículo escolar precisa ser visto além de mero transmissor de conhecimentos, mas como um terreno de produção e criação de significados e de política cultural. Nesta perspectiva de currículo é possível radicar práticas compromissadas com a formação cultural, política e crítica dos educandos envolvidos, levando-os à reflexão crítica dos problemas concernentes à realidade social. Para tanto, são necessárias práticas contextualizadas, que percebam o cotidiano dos educandos como um meio favorável para praticar educação. A P2 enfatizou que sua prática tem essa percepção e ressalta que foi a partir das formações que: Comecei a valorizar a experiência diária dos alunos, a partir das formações. Do cotidiano para a vivência da sala de aula. A partir da formação eu fui aprender. Eu aprendi muito. A minha prática é a partir da experiência do aluno.

A formação, assim está no excerto, contribuiu para a valorização da experiência diária dos educandos e a professora passou a trabalhar a partir dessa experiência. É como se a formação tivesse sensibilizado a professora para a questão da valorização do cotidiano, que, para alguns autores, como, Candau (1997), Giroux e Simon (2002), Oliveira (2006) constitui uma questão central para a prática educativa. No caso dos educandos de EJA do Município de Colares, constatei que têm uma vasta experiência de vida, uma diversidade de saberes que servem para orientar a vida cotidiana. Esses saberes relacionam-se aos “que fazeres” socioculturais desses sujeitos. Esses, com os saberes que possuem, conseguem orientar-se no tempo e no espaço, relacionar-se com a natureza e dela retirar o alimento necessário para a sobrevivência e produzir os utensílios de que precisam para o desenvolvimento de suas múltiplas atividades. As fotos a seguir mostram os educandos interagindo com elementos da natureza e transformando-os em seus objetos de trabalho para atender suas

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necessidades. Na primeira foto, o educando transforma uma palha de palmeira em um paneiro, que é útil para colocar açaí, carregar a mandioca, o peixe. Na segunda foto, a educanda transforma talas de guarumã em um cesto, que tem a mesma utilidade do paneiro.

Foto 11: Processo de construção de um paneiro: muito utilizado pelas comunidades amazônicas durante suas atividades produtivas.

O excerto que se segue é uma explicação da Educ. 2, que demonstra como explora a natureza para construir os objetos de que necessita para desenvolver as atividades produtivas do dia-a-dia:

Aquilo ali é uma cesta. Para fazer essa cesta eu usei guarumã e plástico. O guarumã é uma árvore que dá no mato. Eu pego o guarumã destalo e vou amarando e puxando até ganhar o formato de uma sexta. Olha, isso aqui é um guarumã ( ela pegou uma tala de guarumã para me mostrar). Para destalar o guarumã ele precisa estar verde e não seco, porque se tiver seco vai quebrar e ai não presta. Também faço cesto com a palha de tucumã. Faço também os colares. Com caroço de açaí, de tucumã, pachuba (é um caroço fino, quando ela ta maduro ele cai e a gente pega). Tem também o caroço de achurana que uso para tecer os colares. Para fazer a rede de pescar uso nylon de 24, 16, 30, são várias classes de nylon.(Como à senhora conhece a classe do nylon?) Conheço pela grossura, esse aqui é de 26. A educanda mostrou como tece a rede: pego o nylon e traço no dedão do pé daí com a agulha vou tecendo, fazendo uma seqüência de malhas. Para fazer a rede do pescador é preciso o nylon, a agulha e uma palheta. (Educ. 2)

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Foto 12: Processo de construção de um cesto: muito utilizado nas comunidades rurais amazônicas durante suas atividades produtivas.

A educanda 4 evidencia como utiliza os conhecimentos sobre a medicina popular para tratar de alguns casos comuns de saúde: Por exemplo, para um baque já tem o mastruz. A gente pila com andiroba e passa até chegar a presença do médico pra vê. Quando é uma torcedura do pé a mesma coisa. Pra febre usa a quina, que é uma planta. Pra dor de cabeça, nem tenho por aqui, mas tem remédio caseiro... é o anador. O chá do anador coloca no fogo ferve depois tampa deixa esfriar e toma. Pra gripe a gente sempre faz o banho da laranja da terra, faz o banho e lavar a cabeça. É bom para dor de cabeça. Eu não fico sem ele. Tem a sacaca de planta, a folha dela é maior, é amargosa, mas quando a pessoa ta com problema de estomago, dor no fígado. Vindicá, mistura com a laranja da terra o favacão e ferve. É bom para catarro e dor de cabeça (Ed. 4).

Tomar o cotidiano dos educandos como um espaço rico de saberes a ser explorado pelos professores para iniciar o processo educativo favorece uma aula mais dinâmica, criativa, significativa e menos tradicional, conforme a própria

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professora define: “Não se basear só em livro, conteúdo, encher o quadro, jogar para eles, impor para o aluno o conhecimento” (P2). A professora parece entender a importância de se aproximar da experiência dos educandos jovens e adultos no ato educativo. Segundo ela, sua prática toma como ponto de partida a experiência do educando:

Os alunos me provocam. Eu assisti isso na televisão, me explique isso. O que significa isso que eu ouvi? Eu coloco minha prática a partir da experiência do aluno (P2).

Segundo a P4, a formação ajuda na aprendizagem e no conhecimento a ser transmitido para os educandos. Entretanto, não fica claro que conhecimento é esse. Se são conhecimentos pedagógicos e/ou se são conhecimentos disciplinares. A formação ajuda na aprendizagem, no conhecimento para eu transmitir para eles. Contribui bastante para a prática educativa dos professores. Meus alunos são de 20, 30, 40, 60 anos. Eu aprendo com eles (P4).

O interessante nessa fala é que, ao mesmo tempo em que a professora se utiliza da expressão “transmitir conhecimentos para os educandos”, assumindose como sujeito que forma e os educandos como objetos que necessitam ser formados, como se esses não possuíssem conhecimento algum, afirma, também, que aprende com eles, educandos de diversas faixa-etárias. Então, fica subentendido que ela os percebe como sujeitos do conhecimento e entende que a aprendizagem não parte somente dela em direção a eles, mas deles em direção a ela. Freire (1996, p.23) afirma que “apesar das diferenças entre si: quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado”. Portanto, ensinar não é transferir conhecimento, nem conteúdos, nem formar, é moldar o outro, mas numa ação dialógica em que todos os sujeitos, independente das diferenças, aprendem juntos. A P1 também busca expressar uma prática que respeita os saberes locais dos educandos e afirma que tais saberes ajudam no ensino dos conteúdos: Uma vez estava dando um assunto, aí começou uma história de uma cobra.... Deixei eles falarem e construímos um texto cada um contando a sua versão da Maria Vivó.

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Depois peguei as palavras que eles escreveram erradas e trabalhamos as letras como m, n na palavra. Depois passamos para a parte da ciência trabalhando os répteis, os vertebrados (P1).

Além de permitir que os educandos participem contando às versões que conhecem da lenda, a professora aproveita para ensinar os conteúdos de língua portuguesa e ciências. A professora procura na sua aula explorar aquilo que os educandos conhecem relacionado ao contexto deles, a fim de possibilitar uma aula interessante e significativa, visto que o educando aprende a partir daquilo que ele conhece do seu universo cultural, como, por exemplo, a lenda da Maria Vivó, que é bastante conhecida na região de Colares e possui várias versões entre os educandos. A versão mais conhecida é: Uma mulher foi engravidada por uma cobra e ao procurar a ajuda de um pajé, este retirou o filhote de cobra de seu ventre e o cegou de um olho, lançando-o nas águas do rio Tupinambá, tendo chamado-o de “Maria Vivó”. O filhote se desenvolveu, deslocando-se posteriormente para as pedras do farol da marinha, localizado em frente a cidade, fazendo desse lugar sua morada permanente. Muitos dos naufrágios acontecidos com as embarcações eram atribuídos à Maria Vivó, que não tinha o hábito de devorar os corpos dos náufragos, pois estes eram sempre encontrados nas proximidades da ilha do Marajó. Ela é temida pelos pescadores que quando a vêem evitam aproximar-se e esperam que ela retorne as pedras do farol, embora muitos a considerem inofensiva (PINTO, 2004, p.154).

Por meio dessas falas, há evidências de que existe a tentativa de um trabalho interdisciplinar por parte da professora, na medida em que procura dialogar com os saberes da vivência e os saberes escolares, ensinando os conteúdos e partindo daquilo que é peculiar aos educandos, sua cultura. Porém, a professora ressalta que essa iniciativa não se dá sempre, ocorre quando tem uma brecha: “Sempre que tenho uma brecha essas coisas acontecem e eu incluo o assunto que tenho que trabalhar” (P1). A P2, no trabalho que desenvolve com os educandos jovens e adultos, destaca a existência do diálogo entre as disciplinas: Há um diálogo envolvendo as disciplinas. Boto a música no quadro e vamos trabalhar o português, acentuações, se são oxítonas, paroxítonas, e assim trabalhamos. A partir da dança, pode trabalhar a expressão corporal, parte do corpo humano, aí inclui as ciências. Trabalhamos também a

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origem da música, de nossa Colares. E Colares fica em que região, a geografia. Principalmente na matemática, trabalho os saberes. Eles trabalham muito com a mandioca, fazendo farinha. A compra e venda. O litro da farinha, o quilo, as medidas tudo isso é conteúdo. Em relação às ervas, as plantas medicinais, que é da cultura deles, puxo na sala de aula. Das plantas medicinais, mando eles pesquisarem a partir do saber deles, o que é bom para determinadas doenças. Aí eles dizem para dor de barriga é isso. Aí a gente vai para o trabalho com o meio ambiente. Discutimos a questão das queimadas, do lixo, tudo isso em relação à natureza.

A professora evidencia a existência de um trabalho integrado entre os saberes escolares (os conteúdos das disciplinas) e os saberes cotidianos dos educandos. É partindo da música, da dança, da agricultura, da medicina popular que a professora trabalha as disciplinas (os saberes escolares), entre os quais, língua portuguesa, matemática, ciências, geografia e a questão ambiental. Sobre a questão ambiental, a professora mostra fazer um trabalho de conscientização com os educandos sobre a exploração indevida do meio ambiente, incentivando-os a preservá-lo:

É desse meio que eles tiram o sustento, então se formos explorar indevidamente vamos sofrer mais tarde, então trabalho essa conscientização do meio ambiente com eles. Ano passado fiz com eles um plantio de árvores, para incentivar a preservação. Plantamos acácia, árvore de enfeite. A nossa comunidade é o portal de Colares, todo mundo passa por aqui, então pensamos em deixar um jardim bonito aqui (P2).

Nesse fragmento, o que sobressai na prática educativa dessa professora é a tentativa de trabalhar a questão ambiental para uma consciência ecológica crítica e o faz chamando a atenção para os cuidados que se precisa ter com o meio ambiente, visto que é dele que sai o sustento. Construir uma consciência ecológica critica se constitui um desafio para a sociedade que está sob os efeitos dramáticos das ações irresponsáveis do homem com a sua própria casa- a natureza- que esta rachada e para recuperar a sua rachadura é preciso que todos em uma ação conjunta interdisciplinar assumam o compromisso de salvar a natureza. Para tanto, Leonardo Boff ( 2008, p. 28) diz que

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“todas as práticas humanas e saberes precisam se redimensionar a partir da ecologia17 e dar sua contribuição especifica”. Mas alerta que não basta:

Colocar a partícula eco diante do nome de cada ciência-ecoeconomia, ecossociologia, ecopolítica, ecomedicina, ecopsicologia, ecoteologia, etc – continuar funcionando tudo como antes (BOFF, 2008, p. 28).

O que importa, na realidade, segundo o autor é fazer uma autocrítica severa, no sentido de identificar de que forma esse ou aquele saber estão contribuindo para o desequilíbrio ecológico e em seguida apontar de que forma esses saberes poderão contribuir, em uma perspectiva ecológica, para construir novas atitudes de proteção e respeito com a natureza. Considero significativa a atitude da professora em levar essa questão para a sala de aula e problematizar com os educandos os impactos das ações do ser humano na natureza, ou seja, sob o próprio ser humano. Acredito que o caminho é por ai. As escolas precisam inserir em seus planejamentos, nos seus projetos políticos - pedagógicos o debate critico sobre o meio ambiente e já apontar propostas para solucionar os problemas ambientais. Além da preocupação de conscientizar, existe uma relação solidária e coletiva entre os educandos, que percebo ser incentivada pela professora, conforme é revelado abaixo: Fizemos mutirão para limpar as ruas, um ajudar o outro no plantio. Na época de roçado procuro incentivar e ajudar. Por exemplo, vou plantar a roça, então meu vizinho me ajuda e eu ajudo meu vizinho. Isso é trabalho coletivo. Levei eles para a roça. Ai homens e mulheres se ajudam. Isso nós fizemos em mutirão (P2).

A P3 também trabalha na prática os saberes que estão presentes na formação continuada, mas não é sempre, e dá um exemplo de como faz: Trabalho mas não é sempre.... Na prática de ensino pego a música e trabalho matemática, português e assim vai. Pego música de carimbó, mas 17

Segundo Boff (2008, p. 26 e 27), atualmente o conceito de ecologia se expandiu para além dos seres vivos. Ecologia representa a relação, a interação e o diálogo que todos os seres (vivos e não vivos) guardam entre si e com tudo o mais que existe. A ecologia não abarca apenas a natureza (ecologia natural), mas também a cultura e a sociedade (ecologia humana, social etc.).

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não trabalho muito. Todo o espaço aqui é explorado para as aulas, até porque é aqui que eles trabalham, moram, então aproveito.

A professora dá ênfase para o trabalho de conscientização ambiental e para a matemática. Áreas do conhecimento que trabalha a partir dos usos que os educandos fazem na roça: Eles trabalham em roça, aproveito para fazer a conscientização ambiental. A mandioca, por exemplo, é bom para trabalhar a matemática. Eles fazem farinha para vender. Extrai o tucupi, a folha da maniva tudo isso para vender. Aí trabalho o preço, o valor desses produtos, entra na matemática. (P3).

Ao trabalhar dessa maneira, a professora enfatiza que também aprende: “E tudo isso serve para meu conhecimento, eu aprendo muito com eles” (P4). Essa fala lembra Freire (2005), ao afirmar que o educador não é somente o que educa, mas o que, enquanto educa, também é educado e o educando, enquanto é educado, também, educa, ou seja, ambos assumem-se como sujeitos do conhecimento, pois:

Ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. Mediatizados pelos objetos cognoscíveis (P. 79).

Quando perguntei aos educandos se as professoras procuram articular o saber escolar com o saber que eles trazem do cotidiano, as respostas mostraram-se contraditórias, quando comparadas com a fala das professoras, anteriormente. O Educ.3 reconhece que a professora, às vezes, tenta, mas lhe falta o conhecimento, porque não tem a prática: “Às vezes, a senhora nunca pescou, mas se a senhora for puxar de pesca com a pessoa que tem prática, fica longe o conhecimento”. Isto é, para o educando, se a professora não domina o conhecimento prático das atividades cotidianas que eles desenvolvem, fica difícil fomentar a discussão. “Mas, a gente não vai contra a professora”, afirma o Educ.3. O fato de o educando afirmar que a professora tem dificuldades para tratar dos conhecimentos práticos cotidianos, mas que mesmo assim eles não vão contra ela, deixa implícita a visão que os educandos têm do professor. Aquele que

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sabe e, mesmo não sabendo, não pode ser contestado. O professor está certo e sua palavra não pode ser colocada em dúvida. O professor representa, nesse caso, o detentor do conhecimento, o grande sábio, o que pensa, o que educa, o que não pode ter seu conhecimento contestado, lembrando a educação bancária denunciada por Freire (2005). Diante dessa postura dos educandos, as professoras mostram-se humildes e não reforçam essa visão, pelo contrário, fazem afirmações do tipo: “os educandos possuem muitos conhecimentos que não tenho; aprendo com eles” (P1). A humildade como qualidade do educador apresenta-se nas atitudes das professoras. Com base nas características sobre a prática educativa, já apresentadas, considero que não é possível apontar que essa prática é, somente, uma pedagogia tradicional, pois apresenta elementos de uma prática educativa que busca “ser mais”, pois respeita os conhecimentos dos educandos, trabalha de forma menos fragmentada, reconhece os jovens e adultos como sujeitos que possuem diferenças, que têm várias especificidades, e, por isso, necessitam de um atendimento diferenciado e cuidadoso. Por outro lado, o mesmo educando ressalta a existência de uma relação democrática entre a professora e os educandos, visto que parecem respeitar-se nessa relação de socialização de conhecimentos. A professora fala sobre o que ela entende, e o que não sabe, os educandos “concertam” e chamam a professora para o ambiente deles, para conhecer o cotidiano em que estão inseridos. Ela fala o que ela entende, às vezes nós consertamos um pouco. A gente chama ela pra dentro, pra dentro do ambiente. Quando o assunto é a agricultura nós explicamos (Educ.3).

Quando o assunto é a agricultura, os educandos explicam a partir da perspectiva do agricultor e estabelecem a diferença entre três tipos de agricultura, visto que essa é uma atividade inerente a eles. É dela que tiram a sobrevivência e cotidianamente, desenvolvem várias atividades relacionadas a ela. Cultivam a mandioca, o arroz, o feijão, o cupuaçu, o açaí, o milho: Eu explico a agricultura a partir do agricultor, porque tem 3 tipos de agricultor. Tem o agricultor patrão, aquele que só manda fazer, ele tem a parte financeira, mas se ele for pra prática não sabe fazer, porque tudo ele paga pra fazer, tem o agricultor que faz o próprio trabalho ele quer progredir, ele cresce... Tem o outro agricultor que vai no roçado pela

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manhã e logo vai embora, é um que só quer mesmo...não tem vontade de crescer na vida, fica só embromando no trabalho. Eu sou o tipo da pessoa que faço qualquer serviço, eu gosto de crescer. Crescer...aquela pessoa que ta lá embaixo , mais pelo trabalho ele quer crescer. (Educ.3)

A agricultura é a atividade que predomina entre os educandos, sejam homens ou mulheres. Entre as atividades da agricultura, a que mais se destaca é o plantio da mandioca para a feitura da farinha, alimento principal das comunidades rurais. Além da farinha, a Educ. 1 destaca o beiju, derivado da mandioca e importante alimento para as populações rurais: Tem o beijú chica e o beiju da mandioca mole. A diferença é que o beiju mole é da mandioca que faço a farinha. O beiju chica é feito da mandioca dura. Tempero a massa com o coco ralado e faço as rodinhas e coloco no forno, fica durinho, muito gostoso. Isso eu faço pra comer.

O cultivo da mandioca como principal renda dos moradores de comunidades rurais é também: Uma atividade produtiva que permite construir uma identidade cultural coletiva, gerando conhecimentos que são transmitidos de geração a geração (OLIVEIRA E NETO, 2004, p. 56).

Ganham destaque, também, as atividades de pesca exercidas pelo Edu. 3. Segundo ele, existem alguns tipos de pesca, as quais se diferenciam: Conheço tudo de pesca. Todo tipo de pesca eu conheço. Conheço curral: pesca de curral é aquele que você pega as esteiras grande vara ou de rede mesmo, faz as muruadas e mete para dentro do mangal e quando o peixe vem entra e não sai mais. Ele é feito conforme a correnteza, porque ela traz o peixe. Da forma que ele entra ele está morto. Porque entra mais não sai mais. Tem a pescaria de muzuá. Essa é com isca de peixe. Você mata o peixe deixa estragar um pouco...isca pequena enfia todo e amarra com um fio e depois mete 4 moirão(são quatro varas que você finca na areia e mete no muzuá amarra e deixa ficar lá. Quando o peixe vem ele sente aquele pixé e entra. Quando a maré seca que você vai ver está cheio de peixe e é só encher a carga. A pesca de linha de mão, a gente vai pra fora e pesca de fora. Um pescador pesca com três linhas, uma amarrada na coxa, uma em uma mão e na outra. o outro tipo é o anzol. Bota o anzol na água com isca e deixa lá até o peixe comer a isca. A outra é a de rede. Tem a rede de arrasto né ...eu pescava mais com a rede de arrasto porque a maré vai levando ela (Educ3).

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Tais atividades representam com bastante autenticidade a sabedoria popular. Sabedoria que é passada de geração a geração: “Todos esses conhecimentos, ensino para os outros, minhas filhas, minhas sobrinhas e netas.” (Educ.2) Esse ritual de ensino é uma maneira de manter viva a cultura popular. De eternizar os modos de ser, fazer e viver de um povo. É a cultura que vai determinar o desenvolvimento do ser humano e da sociedade, sobre a qual Brandão (2002, p. 22) enfaticamente diz: Somos o que criamos para efemeramente nos perpetuarmos e transformamos a cada instante. Tudo aquilo que criamos a partir do que nos é dado, quando tomamos as coisas da natureza e as recriamos como objetos e os utensílios da vida social representa uma das múltiplas dimensões daquilo que, em uma outra chamamos de: Cultura. O que fazemos quando inventamos os mundos em que vivemos: a família, o parentesco, o poder de estado, a religião, a arte, a educação e a ciência.

O deslindamento da prática educativa das professoras de EJA, com influência da formação continuada, revelou que predomina a existência dos saberes escolares e saberes cotidianos, sobre os quais teço algumas considerações com base em alguns autores que tratam da questão. Os saberes escolares estão relacionados às áreas do conhecimento (matemática, língua portuguesa, história, geografia, ciências, entre outras.). É o que Tardif chama de saberes disciplinares, os quais se caracterizam como:

Saberes que correspondem aos diversos campos do conhecimento, aos saberes de que dispõe a nossa sociedade. Os saberes das disciplinas emergem da tradição cultural e dos grupos sociais produtores de saberes (2002, p. 38).

Saberes que, historicamente, foram instituídos como saberes válidos e que estão nos livros, nos manuais e nos currículos oficiais. Saberes que são produzidos, veiculados e aceitos pela escola como verdadeiros e que têm o professor como seu principal disseminador. Segundo Oliveira: O saber inerente a escola é o saber caracterizado como erudito, livresco, científico, marcado pela rigorosidade do método e da sistematização no

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processo de construção do saber. A escola é o lugar da transmissão do saber e este saber adquiri uma, especificidade , é produto de uma ação metodológica, de um ritual acadêmico o qual legitima a soberania do saber escolar (2006, p. 153).

Os saberes escolares, que penetram e que são disseminados na escola por meio das disciplinas, têm passado por momentos de discussão/reflexão, quanto a sua organização curricular, quanto à forma como tais saberes são ensinados, quanto ao grau de importância que tem esses saberes e, sobretudo, como atribuir status de saber àqueles saberes socialmente construídos pelos educandos nas suas vivências cotidianas. Em face disso, alguns pesquisadores, como Oliveira et al. (2004), Lima (2007), Oliveira e Santos et al. (2008), trazem a questão do saber para debate, procurando problematizar que no âmbito escolar o saber não pode ficar restrito ao científico, devido existirem outros saberes que precisam ser percebidos e respeitados, entre os quais, o da experiência. Esses pesquisadores chamam a atenção para a necessidade de se fazer interagir os saberes na escola, dando status de conteúdo aos saberes que estão à margem do processo educativo. Como, por exemplo, aqueles saberes que os educandos trazem para a sala de aula, as redes de saberes que os educandos constroem no seu dia-a-dia: Cada sujeito traz para dentro da sala de aula uma rede de saberes, construída em múltiplos espaços tempos de experiência, e participa da rede tecida na sala de aula (MACEDO, 2004, p. 48).

Esses saberes levados para a sala de aula pelos educandos são apreendidos, construídos e reconstruídos por eles nas mais diversas experiências cotidianas. Saberes esses denominados de cotidianos, que são compreendidos pela Escola Plural como os saberes que os educandos, crianças, jovens e adultos e educadores constroem a partir de suas vivências em grupos: Entendemos o conhecimento cotidiano como aquele que os educadores e educandos, crianças, jovens e adultos, constroem a partir de suas vivências na família, no trabalho, na cidade, nas relações sociais. Cada educador e educando constrói suas hipóteses, seus valores, suas representações seus valores sobre a realidade que vivenciam. A atividade humana, as vivências culturais são fonte de conhecimento e socialização e são elementos constituintes do indivíduo (BELO HORIZONTE, P. 17).

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Isso significa que o saber derivado do cotidiano está no campo das relações sociais. O saber cotidiano emana das vivências, das interações que o ser humano estabelece com o mundo. Um exemplo que pode expressar o saber a partir dessa interação é a descrição que um educando faz das suas atividades socioculturais: Na agricultura, olhe, para trabalhar com a mandioca a primeira coisa é fazer o roçado e passar o fogo para arar a terra. Quando a pessoa tem condição de botar maquinário é outra coisa, mas não tendo tem que meter fogo. Roça o mato, mete o fogo e começa o plantil de milho, jerimum, o feijão, arroz, a mandioca, a maniva. Mas antes de fazer eu alinho a roça com a vara. Eu tô trabalhando com cupuaçu, laranja, tangerina, graviola, coco, limão, açaí. Isso só nas condições próprias, sem empréstimos. No ano passado eu plantei 20 pés de cupuaçu, 40 de laranja, 200 de murucí [...] (Educ. 03).

Essa descrição revela toda a dinâmica de quem trabalha na agricultura. Desde o processo de preparo da terra para receber o plantio ao processo de colheita da mandioca e sua preparação para fazer a farinha, bem como os instrumentos utilizados para a feitura da farinha. Portanto, essa descrição revela sabedoria, conhecimentos que só possui quem vive e trabalha na e com a terra. Esses saberes afloram dessa vivência cotidiana que os sujeitos estabelecem na e com a terra. Mas, como definir esse cotidiano que possui múltiplos saberes? O cotidiano para Pais (2003, p.31) é “como uma rota de conhecimentos”. Isso quer dizer que o cotidiano não pode ser uma parcela isolável do social, mas o próprio social, que se revela por meio do cotidiano: O quotidiano – costuma dizer-se- é o que se passa todos os dias: no quotidiano nada se passa que fuja à ordem da rotina da monotonia. Então o quotidiano seria o que no dia a dia se passa quando nada parece passar... O que se passa no quotidiano é “rotina”, costuma dizer-se. A idéia de rotina é próxima da de quotidianeidade e expressa o hábito de fazer as coisas sempre da mesma maneira, por recurso a práticas constantemente adversas à inovação ( PAIS, 2003, p.31).

O cotidiano precisa ser reconhecido como uma categoria importante para o processo de construção do conhecimento. É no cotidiano que se manifestam os

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saberes, as crenças, os valores, as regras, as relações culturais, sociais, políticas e econômicas. No cotidiano, se ensina e se aprende. A partir do exposto, pode-se inferir que o cotidiano, com base na regularidade, normatividade e repetitividade, manifesta-se como um espaço de ritualidades, no qual é possível identificar os múltiplos saberes que o permeia e relacioná-los com os saberes formalmente definidos (ALVES, 2002). A interação entre os saberes escolares e os saberes do cotidiano foram tratados nesta seção porque as professoras deram ênfase a eles quando falaram das práticas educativas que desenvolvem com os educandos jovens e adultos e que, segundo elas, é reflexo da formação continuada, pois a mesma, a pesar das críticas, faz referência aos saberes escolares e aos saberes cotidianos dos professores, sendo que esses últimos são mais evidenciados, conforme, está expresso na seção II desta dissertação. 4.2.2. A interdisciplinaridade A interdisciplinaridade, denominada como a inter-relação entre os saberes, os sujeitos, as idéias está bastante evidente na fala das professoras na forma de explicação prática. Diante da dificuldade de expressar um conceito que dê conta de como elas entendem a interdisciplinaridade, solicitei às professoras que mostrassem na prática como trabalham interdisciplinarmente com seus educandos jovens e adultos, então, a professora 4 expressou: “agora a senhora facilitou minha vida” e em seguida explicou:

Na matemática, pego assim: quantos alqueires de farinha, quantos litros de farinha, por quanto eles vão vender essa farinha. No interior é por litro e não por quilo. Extraio de lá o português a matemática, a história por meio da mandioca. Pego o milho, o arroz, a verdura que eles cultivam. Aproveito todos os saberes deles nas aulas.

A P3 também exemplificou a interdisciplinaridade a partir da sua prática educativa: Na história pego as plantas, a origem da mandioca, a terra. O português está em tudo isso. Na arte vamos pegar os elementos que são usado para o trabalho deles. O tipiti, a mão de pilão para socar a mandioca. A mão de

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pilão é feita de pau com um caqueado. A peneira, o rodo para mexer a farinha. Tudo isso é utilizado no trabalho e eu exploro.

As professoras mostram que partem das atividades sociais praticadas cotidianamente pelos seus educandos jovens e adultos para trabalhar os conteúdos referentes às áreas dos conhecimentos: matemática, ciências, língua portuguesa e história. Portanto, se a interdisciplinaridade significa liamear os saberes na tentativa de romper com a fragmentação disciplinar, deslocando o olhar epistemológico da informação intelectual para as relações cotidianas e complexas do processo educativo (OLIVEIRA, 2006, p. 50), entendo assim, que as professoras mostram compreender, por meio dos exemplos citados, que entendem e praticam a interdisciplinaridade na sua ação educativa. Na explicação prática que deram para expressar como compreendem a interdisciplinaridade, demonstram que não compartilham com as idéias de uma pedagogia unilateral que prima pela: Visão positivista do conhecimento serial, disciplinar, cujo, princípio epistemológico pressupõe que as diversas disciplinas realizam determinados olhares sobre a realidade a partir de determinado campo, demarcado como campo legítimo de saber. O seu olhar para a realidade é particular, unilateral e egodisciplinar, porque está centrado em determinado campo de saber isolado e autônomo. O cotidiano e o saber do senso comum são secundarizados, convergindo os campos do saber para o teórico, o abstrato e o lógico. A sua metodologia está alicerçada em modelos científicos e em práticas individuais (OLIVEIRA, 2006, p, 50).

Ao rejeitar tal visão, segundo Oliveira (2006) estão em consonância com uma pedagogia da multilateralidade, que se fundamenta na interação de saberes, sendo, portanto: Interdisciplinar, cujo princípio epistemológico é a interpretação da realidade tendo em vista a multiplicidade de leituras, ou seja, a observação do mesmo fenômeno, através de diferentes olhares, os dos diversos campos do saber. O seu olhar para a realidade é plural e alterdisciplinar, envolvendo a interação e o diálogo entre os campos do saber... valoriza o cotidiano, convergindo os diversos campos do saber para a ação. A sua metodologia está alicerçada em uma liberdade científica, na colaboração e na construção coletiva do conhecimento (OLIVEIRA, 2006, p. 50 e 51).

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Considero que as professoras expressaram o entendimento que possuem sobre interdisciplinaridade, apesar de lhes faltar uma compreensão teórica, fundamentada sobre o que caracteriza o termo, que é imprescindível a qualquer prática educativa. O interessante, nessa prática interdisciplinar, é que mesmo com todas as dificuldades, que não são, somente, teóricas, mas estruturais, salariais, sociais, as professoras tentam desenvolver um trabalho a partir do lugar dos educandos, das suas marcas culturais, dos espaços socioculturais dos educandos, conforme expressa a professora: “Todo o espaço aqui é explorado para as aulas, até porque é aqui que eles trabalham, moram, então aproveito” (P1). Assim, o cotidiano dos educandos, trabalhadores da roça, artesãos, donas de casa, se insere na prática educativa escolar. A partir do momento que a professora traz para a sala de aula o trabalho da roça e procura discutir com seus educandos as atividades desenvolvidas ali, a importância dessas para a vida deles e para a sociedade em geral, bem como os cuidados que procuram tomar tanto com eles, quanto com a natureza, ela propõe a reflexão crítica dos educandos sobre seu trabalho e ainda aproveita para trabalhar os saberes escolares, conforme ela mesma exemplificou anteriormente. Ela parte de temas ligados à vida dos educandos e trabalha os conteúdos. A compreensão da professora a respeito da interdisciplinaridade condiz com que Fazenda afirma: O pensar interdisciplinar parte do princípio de que nenhuma forma de conhecimento é em si mesma racional. Tenta, pois, o diálogo com outras formas de conhecimentos, deixando-se interpenetrar por ela. Assim, por exemplo, aceita o conhecimento do senso comum como válido, pois é através do cotidiano que damos sentido as nossas vidas (2005, p. 17).

Entretanto, a referida autora destaca que a atitude interdisciplinar está relacionada à pesquisa que para ela significa: [...] a busca da construção coletiva de um novo conhecimento, onde este não é, em nenhuma hipótese, privilégio de alguns (FAZENDA, 18). [...], ou seja, é necessário que o professor passe de uma prática individualista para uma construção na coletividade, reconhecendo a existência de outras formas de saber, outras práticas, outros modos de ser, viver e pensar. Durante as observações in loco, presenciei a tentativa da P4 de desenvolver um trabalho interdisciplinar. Com dificuldade, procurava explorar os conhecimentos dos educandos sobre a agricultura desenvolvida por eles. O Edu.3,

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ao perceber a dificuldade da professora, mostrando-se humilde, pediu para falar sobre o assunto, pois o mesmo é agricultor e conhecedor da atividade. O processo de colher a mandioca é com um ano e sete meses. Arranco, boto na água. Fica de 4 a 5 dias na água e tira pra ralar. Quando tem motor a gente serra, quando não tem a gente rala, é manual. Nesse processo a gente tira tapioca, tucupi e a massa dura e mole que sobra a gente aproveita para fazer a farinha. Quando tem a prensa usa a prensa, quando não tem usa o tipiti. O tipiti é aquele comprido assim, (mostro o tamanho usando as mãos). Ele é feito de guarumã. Ele é um braço que as pessoas tiram as talas e tece o tipiti. Ele é difícil de fazer, eu não sei. Não é qualquer pessoa que sabe fazer. Depois que a massa é exprimida vai pra peneira para ser peneirada e vai para torrar e ensaca e leva pro comércio.

A explicação sobre a prática de cultivo da mandioca permitiu que outras educandas se posicionassem sobre o assunto, dessa forma: Faço farinha, também desde os sete anos, meus pais que me ensinaram. Também já ensinei minhas filhas a fazer farinha. Para fazer a farinha temos que arrancar a mandioca e destalar encher o saco e levar para o igarapé com 6 dias tira do igarapé e expreme no tipiti, côa na peneira grossa. A peneira eu também sei fazer. Leva a massa para o forno e vai mexendo pra lá e pra cá com o rodo até ela ficar no ponto certo. De vez em quando coloca um caroço na boca para saber se tá bom (Edu.02). Pra plantar a mandioca a gente roça, queima ai planta. Depois de um ano tira a mandioca. Só que durante o ano fazemos duas capinada para limpar. Tiramos à mandioca e descascamos, colocamos de molho por quatro dias. Agora descasquei a minha e ta lá na tábua pra gente amassar amanhã, depois vou colocar no tipiti e depois eu tiro pra peneirar ela. Depois disso coloco no forno pra fazer a farinha. Faço tudo isso, farinha, tapioca, beiju (Edu. 01).

Com essa participação, a professora reconheceu a sabedoria dos educandos e parabenizou-os. Em seguida, escreveu na lousa algumas palavras que apareceram na fala do educando, referente à prática da agricultura, como, por exemplo: mandioca, tipiti, farinha, mão de pilão, peneira e solicitou que os educandos fizessem a leitura coletiva das palavras. Em seguida, a professora perguntou aos educandos quantas sacas de farinha eles produzem por mês, onde eles vendem a farinha e por quanto vendem. Ao mesmo tempo em que eles iam falando, ela ia registrando na lousa os valores e aproveitou, com a ajuda dos educandos, para trabalhar as operações de adição, multiplicação e divisão, ou seja, os conhecimentos do cotidiano dos educandos são

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trazidos para a sala de aula e imbricados com os conteúdos escolares, rompendo com a fragmentação do saber e inter-relacionando os saberes.

4.3. Metodologia Tentar desenvolver uma prática educativa diferenciada, respeitando os saberes cotidianos dos educandos, liameando-os com os saberes escolares, creio que não é suficiente para afirmar que as professoras desenvolvem experiências educativas inovadoras, mas, usando as palavras da P1, “é uma prática que está querendo ser inovadora”. É uma prática que apresenta tanto traços de uma pedagogia tradicional quanto de uma pedagogia que está procurando inovar. Ao mesmo tempo em que as professoras pouco dialogam com seus educandos, apesar de o formador 1 ter destacado o diálogo freireano como base do desenvolvimento das formações, elas estabelecem com os educandos uma relação respeitosa e amorosa, além de procurar ensinar os conteúdos a partir do que eles conhecem e respeitar a sabedoria popular, conforme já evidenciei anteriormente, nesta seção. Ao mesmo tempo em que as professoras assumem uma metodologia que pouco prima pela pedagogia da pergunta, para incentivar a curiosidade dos educandos, elas respeitam as especificidades dos mesmos e os percebem como pessoas importantes e plenas de conhecimentos, apesar da formação continuada não ter tratado das especificidades desses sujeitos. Adotam uma metodologia flexível. Mesmo levando a aula pronta, procuram ser flexíveis de acordo com as situações que emergem na sala de aula. Modificam o horário de aula para permitir que todos participem. Apesar de a sala possuir uma organização que se aproxima do modelo tradicional (as carteiras enfileiradas, a professora à frente da turma), as professoras possibilitam aos seus alunos socializar seus conhecimentos, falando de suas atividades diárias. Uma professora constitui exceção, pois mantém a organização do espaço em roda, passeia por entre os educandos, olhando o caderno e orientando-os na tarefa, o que possibilita aos mesmos uma visão mais ampla de todos os sujeitos e facilita enxergar melhor o conteúdo no quadro de giz, visto que a maioria tem problemas de visão.

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4.3.1. Relação Professor-Aluno A fala dos sujeitos e as observações apontam para a existência de um elo entre os educandos e as professoras que os aproxima na relação pedagógica, são os vínculos afetivos: Ela faz tudo com a gente. Ela organiza uma coleta pra gente comprar merenda, porque na escola não tem, então ela vai comprar pra gente (Edu. 2). Às vezes a gente pode dizer que ela nem é professora...a senhora assistiu lá e viu. Estamos sempre fazendo uma brincadeira, uma piada e ela ta no meio, ela não chama nossa atenção e não repreende ninguém. (Educ. 3).

Em se tratando de educandos jovens e adultos, penso que a relação professor-aluno é uma questão fundamental e assume uma importância imensurável na vida deles. A situação pedagógica precisa se coadunar à realidade social, educacional, econômica, cultural em que estão inseridos. Os educandos jovens e adultos, na maioria, são pessoas que trazem uma diversidade de carências, necessidades de todos os tipos e ainda precisam encontrar ânimo para estudar. Nesse sentido, a atuação pedagógica do professor assume grande relevância, pois é ele que irá oferecer as condições didáticas para que esses educandos não se afastem da escola. A relação que as professoras e os educandos estabelecem entre si constitui um diferencial na sala de aula e, certamente, contribui para a aprendizagem dos mesmos, pois sempre os encontrei com a auto-estima elevada, bem humorados, receptivos e participando das atividades propostas pelas professoras. A relação professor-aluno que existe entre os sujeitos, identifiquei que passa pela questão do respeito e da amorosidade. Sem as quais a relação não se desenvolve. A amorosidade é essencial para a criação, manutenção e fortalecimento das relações entre os sujeitos e indispensável ao professor no processo de ensino, “sem a qual seu trabalho perde o significado. [...] amorosidade não apenas aos alunos, mas ao próprio processo de ensinar” (FREIRE, 1997, p.38). Vale ressaltar que a amorosidade de que fala Freire, é aquela que conduz o professor a luta, a denuncia e ao anúncio. “Tem que ser um amor amardo” (1997, p.38) capaz de fazer o professor enfrentar as diversas formas de injustiças a que é submetido, ao descaso do poder público, expresso nas péssimas condições de

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trabalho, aos desafios que a prática lhe coloca diariamente, entre outras negatividades. Da parte dos educandos em relação às professoras, o respeito relacionase ao conhecimento que eles atribuem a elas. O Educ. 3 define a professora: É pessoa de grande sabedoria, que estudou muito para ensinar. E quando lhe perguntei se gostaria de sugerir alguma coisa em relação à prática da professora, ressaltou: Olhe fica difícil de responder essa pergunta, pelo que eu sei e pelo que ela sabe. Ela sabe 300 vezes mais do que eu. Ela se formou e eu venho lá embaixo, ainda. Se tivesse no meu alcance eu daria, mas até agora não foi preciso isso.

Ou seja, é um respeito em função do status da professora. O referido registro demonstra que o educando se inferioriza em relação à professora, a quem ele atribui o saber. Ela é quem possui o saber e repassa para os que não sabem. Ele coloca o saber dela como superior ao seu, ou seja, predomina uma relação de respeito pautada na questão do saber que confere à professora status perante aos educandos. Da parte das professoras, o respeito está relacionado ao saber e à idade dos educandos. Ao saber, porque as professoras reconhecem que eles são sujeitos que possuem muitos conhecimentos, elas respeitam esses conhecimentos e aprendem com eles: “Às vezes eles falam às coisas que eu não sei. Eu falo que nós aprendemos juntos. São conhecimentos que eles têm do mundo, como... Você viu lá eles ensinando sobre agricultura, pesca” (p1). Além do saber, a idade dos educandos é para as professoras motivo de respeito: “Meus alunos são de 20, 30, 40 e 60 anos, então respeito o que eles sabem” (p4). Segundo dois educandos, a professora procura cativar os educandos jovens e adultos. Segundo o Educ. 3, a P4 é uma pessoa que cativa muito: Ela cativa muito a gente. Isso é um motivo que nos faz gostar muito dela. Tem pessoas que não tem meio de chegar com os alunos, é carrasco. Ela não, se a gente procurar ela, atende da melhor forma possível.

Com as observações, identifiquei que de fato essa tentativa de cativar os educandos existe e contribui para a permanência desses na escola, assim a

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professora 4 ressalta: “se não tiver essa relação de entendimento, de conversa, paciência eles se afastam da escola”. O Edu.1 diz que acha interessante a paciência da professora com os educandos diante das dificuldades que eles têm: Outra coisa interessante é a paciência. Às vezes ela enche a lousa e quando ela senta um pouquinho a gente começa a chamar e ela vai com todo mundo. Quando começa a escurecer, a gente tem dificuldade de enxergar e aí a gente começa a chamar professora, professora venha cá.

Essa relação, a qual precisa ser criada e cultivada cotidianamente entre professores e educandos é importante para o desenvolvimento de uma prática educativa melhor, que permita aos sujeitos dessa relação sentirem-se valorizados e motivados a freqüentar a escola. Portanto, é uma responsabilidade dos professores e educandos se cativarem, criarem laços e tornarem o ato educativo o mais agradável e humano. 4.3.2. Recursos didáticos e técnicas de ensino Trabalhar com jovens e adultos exige que o professor traga para a sala de aula uma variedade de recursos metodológicos que o ajude no processo de aprendizagem, como, por exemplo: revistas, jornais, livros, lápis de cor, vários tipos de papéis (cartolina, papel A4, papel 40k, entre outros.), materiais alternativos feitos de lixo reciclável e várias possibilidades de uso desses materiais, com vistas a incentivar a criatividade dos educandos. Segundo os formadores e professoras, a formação desenvolvida pela Secretaria de Educação de Colares, para os professores da EJA, utiliza para a realização da mesma uma diversidade de recursos materiais metodológicos que vão desde a produção de cartazes à realização de dramatizações, entretanto, o mesmo não ocorre na prática educativa das professoras de jovens e adultos trabalhadores da agricultura e donas de casa, com algumas exceções. No que tange aos recursos metodológicos utilizados pelas professoras para ensinar jovens e adultos, de acordo com o que os sujeitos afirmaram, sobressaem como recursos metodológicos o quadro, o giz e a exposição, conforme é possível perceber nas falas a seguir:

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Ela escreve na lousa, pra gente. Aí ela vai fazendo lá e a gente vai copiando. Eu gosto e aprendo(Educ. 01). É, ela vai no quadro e explica para a gente. É só na sala, mesmo, no quadro (Educ. 02).

Segundo as professoras, há uma carência de recursos materiais para se trabalhar com a EJA:

Recurso à escola não oferece a secretaria, não oferece. O que eles distribuem é um livro para os alunos e canetinha (P3). Não há nenhum tipo de recurso. Inclusive estamos no centro comunitário (P4).

A falta de recursos materiais na escola para trabalhar com a EJA revolta as professoras. Elas alegam que a EJA, aos olhos das autoridades, parece não ter importância, ao contrário da educação infantil, que disponibiliza de vários recursos didáticos. Penso que não deixam de ter razão. Esse descaso pela educação de jovens e adultos é histórica e não está relacionada somente ao material didático, mas a uma série de fatores que vão desde questões sociais a pedagógicas. Reconheço que houve avanços significativos em relação a essa questão, como por exemplo, a consolidação de espaços de discussões, a ampliação do número de pesquisas, a consciência de que a Educação de Jovens e Adultos é um campo de direito e de responsabilidade pública (está se constituindo), a preocupação com a formação do professor, entre outras questões. Todavia, esse campo em seu processo de consolidação ainda carrega as marcas do descaso e é quase sempre secundarizado e inferiorizado. Voltando a questão da prática, observei que prima pela aula restrita ao espaço da sala de aula com o uso da lousa e do giz, uma aula que se caracteriza na maioria das vezes como tradicional. Essa prática incomodou o edu.3 que sugeriu a P4 que trabalhasse mais a escrita por meio do ditado. Segundo o educando, a prática de escrever na lousa e os educandos copiarem acostuma. O ditado ajuda a trabalhar a escuta e a escrita.

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Puxar assim na leitura, em fazer contas, ditado, ditar pra gente ir escrevendo. Se a pessoa ficar só passando na lousa, a pessoa fica acostumado com aquilo e ela ditando para escrever fica melhor. A gente ouve e escreve. (Educ. 3)

Embora os educandos não tenham mencionado, observei que as professoras uma vez ou outra utilizam cartazes, com uma música, um desenho ou um texto para leitura coletiva. O F1 destaca que a contribuição da formação continuada também está no trabalho metodológico do professor: Está contribuindo sim. Com certeza. Acredito que na questão metodológica, está. No desenvolvimento do trabalho do professor, está. Eu acho que contribui... com a questão da leitura, da escrita, do desenvolvimento das atividades, a relação do professor e do aluno.

Se realmente a formação focou as questões metodológicas de leitura, de escrita e a relação professor-aluno, ela trabalhou algumas das questões que são cruciais na EJA, pois, na maioria das vezes, elas são problematizadas pelos próprios professores que encontram dificuldades para desenvolver o trabalho com essa modalidade de ensino. Como desenvolver as atividades educativas com a EJA sem estrutura e recursos didáticos? Que metodologia é adequada para essas pessoas? Como trabalhar a leitura e a escrita com pessoas adultas? Como a relação professor-aluno pode ajudar na aprendizagem dos jovens e adultos? Essas problematizações são colocadas pela maioria dos professores que se vêem diante de um grupo específico e entendem que a prática educativa necessita de metodologias diferenciadas. Entendem que ensinar jovens e adultos não é como ensinar crianças e se assim o fazem é porque, talvez, não conheçam outras metodologias, porque a sua formação, certamente, não trabalhou metodologias para a educação de jovens e adultos.

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4.3.3. Planejamento O planejamento constitui uma atividade inerente ao ser humano, somente esse consegue planejar, organizar, esquematizar suas ações, assim repete quase todos os escritos que tratam do assunto. O planejamento faz parte do dia-a-dia do ser humano, tudo que faz, por mais simples que seja, exige realizar um planejamento, uma organização prévia do caminho que irá percorrer para atingir determinados resultados. O planejamento é: Atividade intrínseca á educação por suas características básicas de evitar o improviso, prever o futuro, de estabelecer caminhos que podem nortear mais apropriadamente a execução da ação educativa (PADILHA, 2008, p. 45).

Na educação, o planejamento é mais que uma exigência institucional, é uma necessidade, é um compromisso do professor com o seu fazer pedagógico: Planejar e organizar a ação educativa é oferecer um clima que favoreça o processo de construção do conhecimento, tendo em vista os objetivos, os recursos e as etapas a serem percorridas (CALHÁU, 1999, p. 53).

No caso da educação de jovens e adultos, o planejamento precisa estar relacionado ao contexto sociocultural, no qual os sujeitos estão inseridos, às características de cada grupo, às necessidades, projetos e aspirações (CALHÁU, 1999). O planejamento tem que ser construído pensando nos sujeitos do ato educativo, nas suas experiências de vida, nas práticas, nas vozes, narrativas, nas relações sociais, identidades, linguagens. Assim o planejamento constitui-se em uma política cultural evidenciando uma pedagogia contra-hegemônica (CORAZZA, 2004). A referida autora afirma que o planejamento como política cultural serve para: Intencionalmente, antagonizar com o currículo oficial e com o discurso único aprovado. Para que a multiplicidade de culturas implicadas em nossas identidades e nas de nossos alunos, bem como as diversas formas de expressão popular possam se tornar materiais curriculares, codificados em temas de estudo, problematização e questionamento (p. 122).

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No entanto, pensar o planejamento dessa maneira não é uma tarefa fácil. Exige do professor criticidade, formação política, sensibilidade para perceber as diversas formas de expressão cultural que se manifestam no território escolar. Exige que o professor veja o planejamento como uma arma de combate contra os que renegam a pedagogia da libertação e da inclusão e a favor das vozes silenciadas e oprimidas, das culturas e experiências negadas. Esse tipo de planejamento não faz parte da prática das professoras de EJA que foram sujeitos desse estudo. Para elas, o ato de planejar, tem sido uma grande dificuldade. Fica tudo na cabeça, mas na hora de colocar no papel surge a dificuldade, afirma a professora 1: Tenho dificuldade em fazer plano de aula, tudo fica na minha cabeça e não consigo colocar no papel. Planejamento, plano, tenho dificuldade em fazer plano de aula.

Somente essa professora assumiu a dificuldade que tem para planejar. Porém, observei que esse é um problema enfrentado pelas outras professoras também, mas que procuram mesmo com as dificuldades fazer o planejamento das aulas:

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Foto 13: Planejamento da P.1 para a turma da 2ª etapa . Plano de aula: conteúdo: leitura, interpretação, alfabeto, ortografia, encontro vocálico, ditongo, tritongo e hiato. Objetivos: desenvolver, paulatinamente a leitura e a escrita de palavras simples e

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Essa imagem mostra como a P1 realiza o planejamento das atividades dos seus educandos. É um plano de aula com os elementos básicos que compõem um planejamento: conteúdo, objetivos, recursos, metodologia e avaliação. Ao analisar esses elementos e o que a professora atribuiu a cada um deles, faço algumas reflexões: onde está a relação com o contexto sociocultural dos educandos, uma vez que as formações evidenciaram que dão ênfase para essa questão? De onde a professora vai partir para trabalhar os conteúdos (encontro vocálico, ditongos, tritongos, hiato) que apresenta no plano? A metodologia apresentada pela professora é suficiente para atingir os objetivos propostos? Os recursos que a professora apresenta são suficientes para auxiliar na aprendizagem dos conteúdos? Dos educandos que foram ouvidos quanto ao planejamento da professora, dois não souberam dizer se a professora planeja as aulas e dois afirmaram que a professora planeja. Um diz que percebe o planejamento pela explicação da professora: “Planeja. Eu percebo porque ela explica pra gente o que ela traz” (Educ.2). Fica subentendido que se ela não planejasse não saberia explicar. O outro percebe que há planejamento porque a professora não planeja na sala: “Eu percebo que sim. Porque quando ela vem passar pra gente a aula, ela já vem planejada. Ela não planeja aqui”. (Educ.1). Então, o que me ocorre diante dessas falas e desse modelo de planejamento é que, se por um lado, a professora tem dificuldade para fazer um planejamento para a EJA de forma mais articulado ao contexto sociocultural, se o plano dela pouco condiz com o que, anteriormente, disse fazer em sala de aula, respeitando e explorando os saberes cotidiano dos educandos, ensinando a partir deles, por outro lado,

ela consegue, ao menos, fazer um planejamento básico,

traçando os conteúdos que vai trabalhar com os educandos, registrando os recursos que vai usar, como vai desenvolver, ainda que seja um plano que reflete muito mais um fazer tradicional.

contextualizadas; identificar os encontros vocálicos nas palavras e textos. Desenvolvimento: produção e produção de frases. Recursos: quadro negro, giz, papel, caneta e caderno. Metodologia: trabalho individual, trabalho coletivo, correção de exercícios e apresentação das produções dos alunos. Avaliação: através de freqüência, pontualidade, participação, motivação e domínio do conteúdo.

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A avaliação que faço não é, somente, a partir do plano, mas, principalmente, a partir do que observei. Uma aula mais interativa, que tenta trazer os conhecimentos dos educandos para sala de aula e trabalhar a partir deles. Mas não posso, também, deixar de reconhecer que parece predominar entre as professoras uma idéia simplista de planejamento. Muito embora as próprias professoras tenham dito que o planejamento foi um assunto trabalhado na formação continuada do Município, as falas e as observações revelam que as mesmas possuem dificuldades para construir um planejamento. Calháu (1999, p. 54) diz que o planejamento é importante para o professor de jovens e adultos porque permite:

Criar uma memória que contribua não só para a sua prática em particular, mas para possibilidade de troca de experiências com outros parceiros que também se encontram em sala de aula.

Ao planejar, registrar e sistematizar as informações e situações que ocorrem na sala de aula, o professor de jovens e adultos construirá um acervo com informações que poderá mais tarde socializar com outros profissionais da área, além de contribuir para a legitimidade do trabalho na EJA. 4.3.4. Avaliação A avaliação constitui-se em um tema paradoxal, haja vista, a diversidade de conceitos que está relacionado a ela e a maneira como, geralmente, é realizada pelos professores. Para alguns a avaliação é um processo classificatório, de julgamento por meio da atribuição de símbolos que acontece em momentos estanques; para outros é definida como um processo contínuo que ocorre durante todo o processo educativo em um intenso trabalho de ação-reflexão-ação, como também:

Um tipo de investigação e é, também, um processo de conscientização sobre a cultura primeira do educando, com suas potencialidades, seus limites, seus traços e seus ritmos específicos (ROMÃO, 2005, p. 101).

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Segundo Hadji (1994, p.178) é um ato “através do qual nos pronunciamos sobre dada realidade, ao articularmos certa idéia ou representação daquilo que deveria ser e um conjunto de dados factuais respeitantes a esta realidade.” Em face dessas definições que levariam para uma avaliação mais humanizadora e direcionada para a transformação social, no geral, a avaliação se limita as formas classificatórias e excludentes. Classificar, hierarquizar faz parte de nossa cultura e prática social e inclusive de nossa prática profissional, afirma Arroyo (2004, p. 352), a qual está enraizada em nós. Na prática educativa das professoras, identifiquei, por meio das entrevistas com os educandos, das observações e conversas informais com as professoras, que a avaliação segue o modelo que é chamada, por muitos autores, como Romão (2005), Hadji (1994), Rabelo (1998) de classificatória, logo tradicional: Dando nota nos caderno pra gente. Nota 9, 8,10. Essa forma é boa, pra mim. Quando eu era criança nunca tirei uma nota dessas, agora eu tiro (Edu.1). Ela avalia passando prova dando nota. Eu gosto dessa forma de avaliar. (Educ. 3)

Para os educandos, essa forma de avaliar é boa e eles gostam. Esse tipo de avaliação faz a edu1 lembrar que durante sua vida escolar, enquanto criança, nunca tirou uma nota boa, agora se mostra orgulhosa com os resultados. Entretanto, esse tipo de avaliação é considerada pontual, porque se efetiva em um momento determinado, após a realização da ação, portanto é: somativa, terminal e tem como função verificar e certificar, além de estar centrada nos produtos (HADJI 1994, p.63). Porém, o planejamento da P1 (foto 12) mostra que ela avalia a partir de outros elementos e não somente atribuindo nota, como por exemplo, a pontualidade do educando, a participação, a freqüência e a motivação. A P1 e a P2, observei, que fazem o acompanhamento das atividades que os educandos realizaram no caderno, para verificar se está correto. Caso não esteja, elas os orientam para refazer. Esse acompanhamento é uma maneira de avaliar a aprendizagem dos educandos, identificar onde está o erro, o acerto e as maiores dificuldades deles. Esse procedimento - de estar junto no desenvolvimento das

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atividades – é na educação de jovens e adultos uma maneira interessante de avaliar a aprendizagem a partir de um processo investigativo. Se de fato esse tipo de avaliação ocorre, creio que se pode falar de uma avaliação progressiva, formativa com a função de regular e facilitar a aprendizagem e centrada nas atividades de produção (Hadji, 1998, p. 63). Penso que não há uma fórmula para indicar aos professores como avaliar seus educandos. Cada professor, apoiado em uma concepção de educação, cria a sua maneira de avaliar. Se será uma avaliação quantitativa, qualitativa ou as duas, depende da concepção de educação do professor. Se esse se apóia em uma concepção de educação bancária, certamente, a avaliação será o reflexo daquela. Para Romão (2005, p. 88), a educação bancária: Desemboca, fatalmente, numa concepção de avaliação que vai se preocupar com a verificação dos “acontecimentos depositados” pelo professor no aluno, desconhecendo os procedimentos, instrumentos e estratégias utilizados pelo educando para a absorção ou rejeição desses “conhecimentos”.

Dessa maneira, a avaliação “se torna um mero ato de cobrança, e não uma atividade cognoscitiva, na qual educador e educando discutem e refazem o conhecimento” (ROMÃO, 2005, p. 88). Por outro lado, se a prática do professor traduz as idéias de uma educação libertadora, a avaliação refletirá essa idéia também. Nessa perspectiva, “conhecimento não é uma estrutura gnosiológica estática, mas um processo de descoberta coletiva, mediatizada pelo diálogo entre educador e educando” (ROMÂO, 2005, p. 88). Assim, a avaliação será vista como um processo de aprendizagem tanto para os educandos quanto para os professores, já que, nesse entendimento, ambos são sujeitos do conhecimento e aprendem juntos em um processo que é dinâmico. Ao longo desta seção, apresentei a prática educativa das professoras à luz da formação continuada desenvolvida pela Secretaria de Educação Municipal e evidenciei nelas o desejo de avançar em uma educação que de fato seja coerente com as realidades dos sujeitos, que parta do lugar de onde estão inseridos e, principalmente, que os reconheça como sujeitos do conhecimento.

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CONSIDERAÇÕES Nessas palavras finais, procuro sintetizar algumas questões referentes à formação continuada e à prática educativa dos professores da EJA do Município de Colares-Pa, que foram desenvolvidas ao longo desta dissertação, sem, contudo reduzir o estudo a elas. Primeiro, gostaria que esses escritos sobre a formação continuada e a prática educativa dos professores da EJA do Município de Colares fossem, sobretudo, olhados como uma contribuição para o campo e que os posicionamentos assumidos não sejam compreendidos como julgamentos, mas reflexões aos professores, formadores e pesquisadores que estão engajados nessa área. A partir da fala dos sujeitos pesquisados sobre a formação continuada, considero a existência de um processo que se desenvolve ainda com fragilidades, pois o mesmo traz alguns problemas estruturais, teóricos e metodológicos, que o impedem de melhor articular os embasamentos epistemológicos, para propiciar a efetivação de uma prática educativa mais próxima das realidades dos educandos. Com base nos relatos dos sujeitos, entendo que a concepção de educação que orienta a formação continuada do professor mostra-se inconsistente, com poucos fundamentos teórico-metodológicos. Percebi que predomina, por parte dos formadores e professores, o uso de termos descontextualizados, como, por exemplo, diálogo, tema gerador, criticidade, respeito, para dizer que comungam da educação libertadora. Porém, não basta citar essas categorias para se considerar uma prática libertadora. Tais categorias estão relacionadas aos usos que delas se faz. Se as usarmos para conscientizar e libertar o sujeito da condição de oprimido, estaremos educando para a libertação, porém se tais categorias não são usadas para conscientizar os sujeitos e promover a libertação, não poderemos falar de uma pedagogia para a libertação. Entretanto, vislumbro nesse processo formativo que ocorre um destaque para a cultura local dos professores, dando ênfase para os saberes que os envolvem no cotidiano local, como os saberes relacionados ao cultivo da terra, das lendas e das águas. É uma formação que procura enfatizar a diversidade cultural do município e incentivar os professores a considerá-la no trabalho educativo com os educandos como uma possibilidade de que os sujeitos educativos possam aprender melhor.

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No que tange às temáticas trabalhadas nas formações, as professoras destacaram que geralmente são: avaliação, planejamento, plano, habilidades, competências, currículo, organização do trabalho docente, que são escolhidas pelos formadores. Quanto ao tempo destinado para a realização das formações, foi, com unanimidade, considerado pelas professoras e formadores como insuficiente. Os sujeitos consideram que as formações deveriam acontecer uma vez por mês ou de 15 em 15 dias. Constatei que as professoras não descartam a contribuição dos temas trabalhados para a prática educativa, mas afirmam que não contemplam de forma substantiva suas necessidades formativas, as quais não estão limitadas a questões metodológicas, mas relacionam-se também às áreas específicas do conhecimento (matemática, história, língua portuguesa, ciências e geografia) e aos conhecimentos específicos para EJA. Essa foi uma das questões mais apontada pelas professoras como uma necessidade, por considerá-la fundamental para desenvolver uma prática melhor com esses sujeitos, visto que são pessoas diferenciadas e que precisam de uma educação direcionada para suas especificidades. Quanto à concepção de formação continuada, identifiquei que ora predomina um tipo de formação clássica, aquela apoiada em cursos, palestras, oficinas, mesas-redondas, ora parece uma formação tipo formação em serviço, uma vez que se desenvolve no espaço sócio-educativo, a escola, porém, em face dos relatos dos sujeitos, da concepção de educação que demonstram ter, pude identificar que os formadores, professores, na realidade, compreendem a formação continuada como um encontro de vivências, visto que muitas vezes se reúnem para relatar suas vivências em sala de aula e comentá-las pedagogicamente o que por si não é suficiente para oferecer uma educação de qualidade social. A influência da formação continuada na prática educativa das professoras da EJA se deu, sobretudo, no aspecto vivencial de orientação para um trabalho pedagógico apoiado na cultura local dos educandos. Com base nas orientações, nos relatos de vivências pedagógicas, as professoras desenvolveram uma prática educativa apoiada no reconhecimento e valorização dos saberes dos educandos. Apesar das dificuldades estruturais, teóricas e salariais que enfrentam, elas tentam trabalhar os saberes escolares a partir dos saberes que emanam das vivências sociais que os educandos têm com a terra, com o rio, com as ervas e com as lendas, evidenciando assim a existência de um currículo que não é só escolar,

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mas também um currículo que emerge do cotidiano dos sujeitos jovens e adultos. Considero, portanto, que as professoras, com exceção de uma, buscam desenvolver uma prática interdisciplinar, na medida em que fazem os saberes dialogar. Vale destacar que as professoras primam por uma prática em que as relações sejam harmoniosas, pautadas no respeito mútuo e na amorosidade, pois acreditam que a relação professor-aluno favorece a aprendizagem dos mesmos e sua permanência na escola. No geral, a formação continuada influenciou para uma prática educativa mais próxima dos educandos jovens e adultos, das suas realidades sociais e culturais na medida em que proporcionou às professoras a reflexão sobre seus fazeres pedagógicos. Identifiquei, também, que as professoras da EJA trabalham isoladas uma das outras e que não são incentivadas pela Secretaria de Educação a construir um trabalho em conjunto, realizar encontros, construir uma agenda de trabalho coletivo, planejar em conjunto. Se assim fizessem, numa perspectiva de trabalho coletivo, penso que as professoras conseguiriam fazer muito mais do que dizem fazer em sala de aula com seus educandos. Gostaria de registrar também a influência da formação realizada pelo NEP na prática educativa das professoras, ainda que não seja o foco deste estudo, mas é válido evidenciá-lo, visto que os próprios sujeitos lembraram em seus relatos das contribuições que o NEP deixou, tanto no campo teórico como prático. Com uma proposta de trabalho apoiada nos fundamentos teóricometodológicos freireanos, o Núcleo procurou desenvolver junto aos professores um processo formativo baseado em reflexões sobre a prática, a partir de uma base teórica consistente, constituindo assim uma referência para as formações seguintes desenvolvidas pela Secretaria de Educação, além de uma oportunidade de aquisição de mais conhecimentos a partir do trabalho coletivo e individual. Com base nas inferências sobre a prática educativa, apresentadas na seção III deste estudo, considero que sobressaem traços de uma pedagogia tradicional, na medida em que as professoras ainda não conseguem avançar em uma prática dialógica, crítica, libertadora, no sentido de que nos fala Freire (2005), assim como apresenta elementos de uma prática que busca “ser mais”, ao respeitar os conhecimentos dos educandos, trabalhar de forma menos fragmentada, reconhecer os jovens e adultos como sujeitos que apresentam diferenças, que têm

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várias especificidades e, por isso, necessitam de um atendimento diferenciado e cuidadoso. A trajetória que percorri para concluir a dissertação, inicialmente, foi tranqüila. A Secretaria de Educação local mostrou-se interessada na realização da pesquisa, disposta a ajudar nas informações que fossem necessárias para o estudo, no entanto, no momento em que comecei a solicitar algumas informações sobre o projeto pedagógico da EJA, o projeto de formação continuada da Secretaria, o diálogo mudou e passei, então a ter dificuldades para acessar as informações que precisava. As informações foram sendo negadas e os projetos nunca apareciam. Em face disso, conclui que os projetos não existem. Espero, contudo, que os achados da pesquisa apresentados nesta dissertação sejam instrumentos de reflexões para as professoras, formadores, pesquisadores e que percebam que o interesse em realizá-la reflete o compromisso da pesquisadora com a questão e a esperança de que podemos fazer educação para a transformação social.

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GLOSSÁRIO Andiroba: Espécie de grande valor pela abundância e teor oleaginoso de suas sementes e largo uso de sua madeira. Possui quase sempre tronco ereto, cilíndrico sem defeito. Excelente para saboaria e iluminação, usado ainda na medicina indígena, associado ao "urucu" como preventivo às picadas de insetos e penetração do "bicho-de-pé". A casca, como as folhas, depois de cozidas são utilizadas como febrífugo e anti-helmínticas ou para lavagem das úlceras, contra impetigo e outros doenças. Utilizada também na marcenaria, construção civil e naval, compensados, móveis, caibros, caixaria fina, canoas, esquadrias, obras internas, coronha de armas, mastros, falcames e bancos de embarcações. Beiju: espécie de bolo ou biscoito feito com a massa de mandioca ralada e peneirada.

É

o

pão

dos

nativos,

alimento

indispensável

na

mesa

dos

amazônicos(PINTO, 2004). Caqueado: um detalhe, um jeito de fazer algo diferente. Curral: Espécie de armadilha feita de esteira ou vara para pegar peixe. Guarumã: É um Cipó muito utilizado pelos amazônidas para construir os objetos que usam nas atividades produtivas, como por exemplo: cesto, peneira, tipiti, vasos. Mandioca: É um tubérculo comestível, do qual se extrai a farinha da mandioca, a, a tapioca, o tucupi e a folha para fazer a maniçoba (OLIVEIRA et al, 2007) . Maria vivó: Refere-se a uma lenda da região amazônica, na qual uma mulher engravidou de uma cobra e quando o filhote de cobra nasceu foi jogado nas águas do rio Tupinambá e chamado de Maria vivo. Matinta Perera: Diz-se de uma velha acompanhada de um pássaro, que emite um assobio agudo a noite perturbando o sono das pessoas. A velha, uma pessoa idosa do lugar carregaria a sina de virar Matinta, ou seja, em um ser indescritível que mete medo e assombra as pessoas (MONTEIRO, 1997). Muzuá: Armadilha feita com isca de peixe estragado.

135

Paneiro: Cesto feito com talas de guarumã e muito utilizado pelos povos amazônicos durante as atividades produtivas. Pila: Refere-se ao ato de pisar, esmagar no pilão. Pixé: cheiro típico de peixe. Pitiú. Rodo: Objeto utilizado para mexer a massa de mandioca, no processo de feitura de farinha. Sacaca: Planta de folha amargosa que serve para dor de estomago e fígado. Tipiti: é um cesto cilíndrico feito de talas de guarumã e serve para colocar massa de mandioca para ser espremida. Tucumã: palmeira que chega a alcançar 10m de altura. Essa palmeira produz cachos com numerosos frutos de formato ovóide, casca amarelo-esverdeada e polpa fibrosa, amarela, característica, que reveste o caroço. Tucupi: Líquido extraído da mandioca e usado em alguns prátos típicos da Amazônia, como por exemplo, o pato no tucupi, o tacacá e o molho de pimenta.

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APÊNDICES ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA Aos professores (as): I - IDENTIFICAÇÃO 1.1.Nome:________________________________________________________ 1.2. Idade:____ 1.3. Sexo:F( ) M( ) 1.4. Formação: ( ) Superior completo ( ) Superior incompleto ( ) Ensino médio completo ( )Ensino médio incompleto ( ) Ensino fundamental completo ( ) Ensino fundamental incompleto ( ) Habilitação magistério ( ) Ensino médio Normal ( )Outra formação. especificar:____________________________________________ 1.5. Tempo de formado:____________ Tempo de experiência____________________ 1.6. Etapa que trabalha na EJA: ( ) 1ª etapa ( ) 2ª etapa ( ) 3ª etapa ( ) 4ª etapa. Escola que Trabalha: ____________________________________________________ Tempo de trabalho na escola:__________Endereço da escola:_____________________ II - SOBRE A FORMAÇÃO CONTINUADA. 2.1.1. A formação continuada, que a Secretaria de Educação proporciona aos professores de EJA, está contribuindo para a formação teórico-metodológica? ( ) Sim. ( ) Não. Comente. _________________________________________________________ 2.1.2. Essas formações têm contribuído para a prática educativa dos professores? (

) Sim ( ) Não. De que forma contribui? _________________________________________

2.1.3. A formação continuada fundamenta-se em que concepção de educação? Comente. ______________________________________________________________ 2.1.4. A formação continuada é desenvolvida a partir dos saberes culturais da vivencia

cotidiana

dos(as)

professores(as)

envolvidos

no

“formativo”? ( ) Sim ( ) Não. Comente. _____________________________________________________

processo

137

2.1.5. Quais são os saberes que estão presentes na formação continuada? Você os considera presentes na prática educativa com os educandos jovens e adultos?( ) Sim ( ) Não. Comente. ______________________________________________ 2.1.6. Como esses saberes são trabalhados na prática educativa com jovens e adultos? Comente_______________________________________________ 2.1.7. Como são definidas as temáticas das formações continuadas? Quem as escolhem?_____________________________________________________ 2.1.8. Quais são essas temáticas?________________________________________ 2.1.9. As temáticas partem das necessidades teóricas e metodológicas dos professores da EJA? ( ) Sim ( ) Não. Comente. 2.1.10. Além da formação realizada pela Secretaria de educação do Município de Colares vocês participaram de outro processo de formação continuada? Sim (

) Não. Se sim, qual?

( )

Realizado por que Instituição e Programa?

______________________________________________________________ 2.1.11. Você identificou alguma diferença na formação continuada realizada por esse programa e a formação realizada pela Secretária de Educação de Colares? ______________________________________________________________ 2.1.12. Para o desenvolvimento da prática educativa com Jovens e Adultos, a escola dispõe de que espaços e recursos didáticos? (

) Biblioteca (

)

Laboratório de informática ( ) Sala de estudo ( ) tv escola ( ) Livro didático ( ) outros: quais? ________________________________________________ 2.1.13. Há autonomia no desenvolvimento da prática educativa com jovens e adultos em relação : ( ) conteúdo ( ) Metodologias de ensino( ) Projetos 2.1.14. Você sabe qual o valor que o MEC destina para as formações continuadas dos professores da EJA? ( ) Sim ( ) Não Comente.____________________ 2.1.15. As formações continuadas acontecem regularmente?( quanto em quanto tempo? Esse tempo é suficiente? (

) Sim ( ) Não. De ) Sim (

) Não.

Comente. _____________________________________________________ 2.1.16.

Como você avalia a formação continuada oferecida pela Secretaria de

Educação aos professores(as) de EJA?______________________________ 2.1.17.

Que sugestões você daria para melhorar as formações dos professores

da EJA?_______________________________________________________

138

2.1.18.

O que mais você gostaria de falar sobre o processo formativo para os

professores da EJA? _____________________________________________ ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA Aos (As) formadores (as) I - IDENTIFICAÇÃO 1.1.Nome:________________________________________________________ 1.2. Idade:____ 1.3. Sexo:F( ) M( ) 1.4. Formação: ( ) Superior completo ( ) Superior incompleto ( ) Ensino médio completo ( )Ensino médio incompleto ( ) Ensino fundamental completo ( ) Ensino fundamental incompleto ( ) Habilitação magistério ( ) Ensino médio Normal ( )Outra formação. especificar:____________________________________________ 1.5. Tempo de formado:____________Tempo de experiência com a EJA__________________________________________________________________ Escola que Trabalha: ___________________________________________________ Tempo de trabalho na escola:_____________________________________________ Endereço da escola:____________________________________________________ II - SOBRE A FORMAÇÃO CONTINUADA. 2.2.1. A formação continuada, que a Secretaria de Educação proporciona aos professores de EJA, está contribuindo para a formação teórico-metodológica? ( ) Sim. ( ) Não. Comente. ____________________________________________ 2.2.2. Essas formações tem contribuído para a prática educativa dos professores? Sim ( ) Não ( ). De que forma contribui? __________________________________ 2.2.3. A formação continuada fundamenta-se em que concepção de educação? A popular? Comente._________________________________________________ 2.2.4. A formação continuada é desenvolvida a partir dos saberes culturais da vivencia cotidiana dos(as) professores(as) envolvidos no processo “formativo”? (

) Sim

( ) Não. Comente__________________________________________________ 2.2.5. Quais são esses saberes que estão presentes na formação continuada? Você os considera presentes na prática educativa com os educandos jovens e adultos?( ) Sim ( ) Não. Comente. ____________________________________________ 2.2.6. Como são definidas as temáticas das formações? Quem as escolhem? 2.2.7. As temáticas partem das necessidades teóricas e metodológicas dos professores da EJA? ( ) Sim ( ) Não. Comente. ____________________________________

139

2.2.8. Além dessa formação realizada pela Secretaria de educação do Município de Colares os professores(as) já participaram de outro processo de formação continuada?( ) Sim ( ) Não. Se sim, Qual ? Realizado por que Instituição e Programa? _______________________________________________________ 2.2.9. Você identificou alguma diferença na formação continuada realizada por esse programa e a formação realizada pela Secretária de Educação de Colares? _________________________________________________________________ 2.2.10.

Quem financia a formação continuada?

2.2.11.

Qual o valor anual para o financiamento?

2.2.12.

Esse valor é suficiente para as formações continuadas? ( ) Sim Não ( ).

Comente._________________________________________________________ 2.2.13.

As formações continuadas acontecem regularmente?( ) Sim ( ) Não. De

quanto em quanto tempo? Esse tempo é suficiente? ( ) Sim ( ) Não. Comente. _________________________________________________________________ 2.2.14.

Como você avalia a formação continuada oferecida pela Secretaria de

Educação aos professores(as) da EJA? 2.2.15.

Que sugestões você daria para melhorar as formações dos professores da

EJA? 2.2.16.

O que mais você gostaria de falar sobre esse processo formativo para os

professores da EJA?

140

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA Aos Educandos (as): I - IDENTIFICAÇÃO 1.1.Nome:___________________________________________________________________ 1.2. Idade:_____ 1.3. Sexo:F( ) M( ) 1.4. Etapa que estuda: ( ) 1ª etapa ( ) 2ª etapa ( ) 3ª etapa ( ) 4ª etapa. Nome da professora: ___________________________________________________________________________ _ Escola que estuda: ___________________________________________________________ Quanto tempo estuda nessa escola?______________________________________________ Endereço da escola:___________________________________________________________ II - SOBRE A PRÁTICA EDUCATIVA DA PROFERSSORA: 2.1.1. Você gosta da prática educativa de sua professora? (

) Sim

(

) Não.

Explique.____________________________________________________________ 2.1.2. A partir das formações continuadas você percebe que houve alguma mudança na prática

educativa

de

sua

professora?

(

)

Sim

(

)

Não.

Explique.

___________________________________________________________________ 2.1.3. A partir desse processo formativo o modo de falar, os gestos e a maneira de ensinar da

professora

sofreu

alguma

mudança?

(

)

Sim

(

)

Não.

Explique.

____________________________________________________________________ 2.1.4. O

que

você

considera

mais

interessante

na

Prática

educativa

de

sua

professora?__________________________________________________________ 2.1.5. Os saberes dos educandos e de sua cultura local estão presentes na prática educativa da professora? ( ) Sim ( ) Não. Explique. ________________________ 2.1.6. Quais são esses saberes? ______________________________________________ 2.1.7. A professora trabalha os saberes culturais locais articulados com os saberes escolares? ( ) Sim ( ) Não. Explique.____________________________________ 2.1.8. A prática educativa da professora contribui para o seu aprendizado? ( ) Sim ( ) Não. Explique.____________________________________________________________ 2.1.9. Como você vê o relacionamento da turma com a professora da EJA? ____________________________________________________________________ 2.1.10. Que dificuldades você encontra no seu aprendizado em relação à prática da professora?__________________________________________________________ 2.1.11. Que disciplinas você encontra dificuldades em aprender? Quais? Por quê? 2.1.12. Que disciplinas você encontra facilidades em aprender? Quais? Por quê? 2.1.13. Que fatores interferem em sua aprendizagem?

141

2.1.14. Você percebe se a professora planeja as aulas? (

) Sim

( ) Não

Explique?____________________________________________________________ 2.1.15. Como você é avaliado pela professora em relação ao seu aproveitamento escolar? ____________________________________________________________________ 2.1.16. Você acha que é uma boa forma de avaliar o aluno? ( ) Sim ( ) Não Explique. 2.1.17. Que sugestões você daria para melhorar a prática educativa da professora da EJA?______________________________________________________________

INSTRUMENTAL PARA OBSERVAÇÃO DA PRÁTICA EDUCATIVA DAS PROFESSORAS(ES) DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DO MUNICÍPIO DE COLARES-PA I - IDENTIFICAÇÃO 1.1.Nome da professora: _______________________________________________________ 1.2. comunidade onde localiza a escola:___________________________________________ 1.3. Qual a etapa?____________________________________________________________

Ao observar a Professora: 1. Observar e registrar em relação à prática educativa da professora: •

O tipo de prática educativa;



A base teórica dessa prática;



A concepção de educação da professora;



O planejamento das aulas



A metodologia de ensino da professora;



Que atividades desenvolve com os jovens e adultos;



Identificar se essas atividades valorizam ou rejeitam os saberes culturais dos jovens e adultos e como eles são trabalhados?



Quais os saberes que predominam na prática educativa: saberes da cultura dominante, saberes da experiência cotidiana ou os dois tipos de saberes são predominantes?



Os saberes culturais que estão presentes na prática educativa das professoras;



A relação educador-educando; educandos-educandos e educador e comunidade escolar.



As falas, os gestos e as ações da professora;

142



As conseqüências da prática da professora na aprendizagem dos educandos, em suas relações interpessoais em sala e na motivação em freqüentar a escola.



A avaliação do aproveitamento escolar dos educandos

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