Revista de Etologia 2000, Vol.2, N°1, 43-55 Esclarecimentos

sobre o Behaviorismo: uma réplica a Japyassú

Esclarecimentos sobre o Behaviorismo: Uma Réplica a Japyassú MARCUS BENTES DE CARVALHO NETO Universidade Estadual Paulista - Bauru

Em artigo anterior (Revista de Etologia, 1999) Japyassú teceu considerações sobre as propostas behavioristas de J. B. Watson (1878-1958) e B. F. Skinner (1904-1990), classificando-as de (1) ambientalistas (ignorariam as variáveis internas biológicas, adotando o modelo de “tabula rasa,” “organismo vazio” e “caixa preta” e defenderiam a aprendizagem como um mecanismo sem limites); (2) reducionistas (reduziriam tudo a esquemas S→R e dariam atenção exclusiva aos eventos externos observáveis) e (3) mecanicistas (os organismos seriam passivos, apenas reagiriam aos estímulos externos e seriam desprovidos de criatividade). O presente trabalho aponta algumas imprecisões históricas e conceituais nessa caracterização a partir de uma consideração e de uma análise de obras originais dos dois autores citados e de outros behavioristas contemporâneos. Sugere-se que um diálogo produtivo entre a etologia e a análise do comportamento só será possível após uma compreensão acurada das propostas originais de cada disciplina. Descritores: Behaviorismo. Watson. Skinner. Etologia. Biologia do comportamento.

Understanding Behaviorism: a reply to Japyassú. In a previous paper (Revista de Etologia, 1999), Japyassú characterized Watson´s (1878-1958) and Skinner´s (1904-1990) behavioristic approaches as (1) environmentalist (ignoring internal biological variables, adopting “tabula rasa”, “empty organism” and “black box” assumptions, and assuming that learning obeys no constraints); (2) reductionistic (all behavior interpreted according to a S→R paradigm and only externally observable events taken as relevant to a behavioral explanation) and 3) “mechanistic” (organisms taken as passive entities, like machines responding to external stimuli, without creativity). The present article, based on an analysis of original works of Watson and Skinner and of contemporay behaviorists, discusses some historical and conceptual misrepresentations about behaviorism. It is concluded that a productive dialog between ethology and behavior analysis depends on a more accurate understanding of the original proposals of each scientific discipline. Index terms: Behaviorism. Watson. Skinner. Ethology. Behavioral biology.

aos problemas existentes na caracterização destes dois autores behavioristas e que ela não coloca em dúvida o mérito do texto de Japyassú como um todo. Acredito que um diálogo produtivo entre as diversas áreas da pesquisa do comportamento, e em particular entre a Análise do Comportamento (tendo por ciência a Análise Experimental do Comportamento, AEC, e o Behaviorismo Skinneriano ou Radical por fi-

Em artigo publicado em 1999, Japyassú se propõe descrever algumas das bases históricas da Psicologia e da Biologia que, de alguma forma, acabaram afetando a constituição da Etologia. Alguns impasses contemporâneos no estudo do comportamento animal teriam, segundo ele, suas raízes nestas bases. Ao longo de seu artigo, tece algumas considerações acerca do Behaviorismo de J. B. Watson (1878-1958) e B. F. Skinner (1904-1990) que merecem reparos. Nota-se que a presente análise diz respeito

Estou em dívida com os professores Amauri Gouveia Jr, Tony Nelson, Angélica Capelari, Lourenço Barba, Jair Lopes Jr., Maria de Lourdes Passos e Emmanuel Zagury Tourinho, pela leitura atenta, sugestões e críticas enriquecedoras ao manuscrito inicial. Agradecimentos especiais à Carol Vieira, pela paciência e carinho durante a elaboração desse artigo.

Marcus Bentes de Carvalho Neto, Departamento de Psicologia, UNESP-Bauru, Rua Campos Salles, 4-28 Vl. Falcão Bauru-SP 17050-000 E-mail: [email protected] ou [email protected]

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funcionamento do mundo. Há um tratamento sim para a “subjetividade” ou “vida interna” no Behaviorismo de Skinner e os eventos “privados” podem ser analisados pela ciência (Machado, 1997; Malerbi & Matos, 1992; Matos, 1997a, 1997b; Moore, 1995; Skinner, 1945, 1953/1965,1 1957, 1969, 1974/1976, 1989, 1990; Tourinho, 1995, 1999; Zuriff, 1979). O assunto será retomado com maiores detalhes mais adiante.

losofia dessa ciência) e a Etologia, estaria prejudicada se não houvesse uma compreensão maior da história, pressupostos filosóficos, objetivos, objeto de estudo, variáveis causais, métodos de investigação, principais conceitos e implicações práticas e teóricas de cada campo de conhecimento constituído. Os esclarecimentos a seguir têm por objetivo desfazer alguns equívocos históricos e conceituais sobre o Behaviorismo e fornecer alguns elementos para o entendimento entre a Etologia e a Análise do Comportamento.

A proposição (2) está relacionada à (3) e à (1) e gera uma ambigüidade ou um paradoxo: como um modelo que promove a “completa desconsideração” da vida interna poderia, ainda assim, não negar a existência de “estados internos e predisposições inatas,” colocando-as apenas em segundo plano? Mesmo que não houvesse um paradoxo, mas apenas uma imprecisão de termos (há diferentes tipos de eventos internos, mentais e genéticos/fisiológicos, por exemplo, e cada um receberia um tratamento diferenciado por parte de Skinner e, consequentemente, por parte de Japyassú), colocá-los indiferenciadamente sob o rótulo de “internos” poderia induzir a generalização. Mesmo após os esclarecimentos sobre possíveis interpretações distintas para distintos tipos de “internalidade,” o assunto “caixa preta” ainda mereceria algumas considerações relacionadas à suposta ênfase ambientalista de Skinner e Watson. A posição de Japyassú ganha contornos mais nítidos no decorrer do seu texto e retomar-se-á a discussão adiante quando a sua crítica for detalhada.

Sobre a “caixa-preta” behaviorista e as unidades de análise de um episódio comportamental No início do seu artigo, Japyassú enuncia quatro proposições sobre o Behaviorismo: tanto Watson quanto Skinner, (1) condenariam a pretensão de ir além do observável, e por isso teriam ignorado completamente a introspecção e a vida interior; (2) teriam aderido à concepção de “caixa preta,” onde variáveis fisiológicas e genéticas seriam ignoradas; (3) não negariam a existência de estados internos e predisposições inatas, só as colocariam em segundo plano, enfatizando a aprendizagem; (4) em seus modelos explicativos, decomporiam o ambiente em “estímulos” (e não mais em “situaçõesproblemas”) e “respostas unitárias” (e não mais em “ações que transformam o ambiente para a solução de problemas”).

Em relação à proposição (4), é interessante notar que o conceito de estímulo é apenas um instrumento de análise para a compreensão do meio, ou seja, no caso da “situação-problema,” há diversas partes de um ambiente restrito que afetariam o responder e que poderiam ser descritas de forma decomposta em “estímulos” (uma luz, um som, uma alavanca, etc.) ou ainda em termos de diferentes “propriedades” desses estímulos (no caso da luz, o comprimento de onda, o brilho, o calor, etc.). A solução de um problema envolveria uma cadeia comportamental que poderia ser entendida de forma mais microscópica como uma seqüência de res-

Em relação ao item (1), no caso específico da posição de Skinner, não se trata de ignorar os fatos da introspecção e da chamada vida interior e sim de questionar a sua interpretação tradicional. Existem eventos que ocorrem debaixo da pele; não é isso que está em jogo, mas sua natureza e seu papel na determinação das ações. A “observação pública” e a “verdade por consenso,” onde um fenômeno passível de investigação deve ser acessível diretamente a pelo menos dois observadores distintos, não são os critérios, no Behaviorismo Radical pelo menos, de validação científica de uma asserção sobre o

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te e que, portanto, está apta a ser moldada em qualquer direção.” (pp. 50-51).

postas e estímulos (puxar a alavanca à porta se abre à andar em direção à porta aberta à sair da caixa à acesso ao alimento). No caso do equipamento de Thorndike, o final da cadeia previa duas conseqüências principais: sair da caixa e acesso ao alimento. O repertório comportamental que produziu tais conseqüências envolve uma série de respostas e outros estímulos (com função reforçadora para a resposta anterior e discriminativa para a próxima). É possível descrever toda a cadeia de forma unitária ou em bloco como “resolver o problema” e chamar o contexto em que isso ocorreu de “situação-problema,” mas poderia haver uma perda na compreensão da seqüência e riscos em apontar um controle ambiental demasiadamente genérico, perdendo-se certas sutilezas na relação organismo-ambiente. Na Análise Experimental do Comportamento, a área denominada controle de estímulos tem se deparado com muitos casos em que um contexto específico, inicialmente tomado como uma coisa só, pode ser entendido como controlando a ação através de diversos estímulos e de diversas propriedades distintas desses estímulos que constituem o “todo” inicial. Há importantes implicações, para o ensino humano, tanto da consideração de cadeias comportamentais complexas quanto do ambiente como um conjunto de estímulos com diferentes propriedades (ver Matos, 1993). Além disso, a adoção das unidades S e R não implica o uso de um paradigma S→R, limitado a descrição de relações “reflexas” ou “respondentes.”

Sobre o item (5), conceber Skinner como um ambientalista e conceber o ambientalismo como seu ponto alto, é simplificar perigosamente a proposta desse autor. Sua perspectiva se encaixa razoavelmente bem no que Japyassú chama de posição interacionista. Japyassú menciona contudo dois aspectos que poderiam inviabilizar essa interpretação: como Watson, Skinner afirmaria que o organismo não tem uma “estrutura relevante” e que a aprendizagem não tem limites. Japyassú se refere a uma obra de Skinner para chegar a tais conclusões, trata-se justamente de um material que não poderia deixar dúvidas sobre uma concepção multideterminista do fenômeno comportamental: Selection by Consequences. O artigo foi publicado na revista Science em 1981 e depois reimpresso em 1984 (Skinner, 1981/1984a) em The Behavioral and Brain Sciences, onde um intenso debate foi possível com pensadores de várias áreas, inclusive biólogos do comportamento do porte de Dawkins e Maynard Smith. Tal artigo se dedica em grande parte a desqualificar tais críticas (ver especialmente as réplicas de Skinner aos biólogos e psicólogos). Japyassú poderia dizer, contudo, que a crítica não procede, pois ela teria por alvo o “Skinner jovem” e não o “Skinner maduro,” autor do Selection by Consequences. Se assim for, há ainda dois problemas: (a) até a página 56 (o artigo inicia na 47) Japyassú fala de Behaviorismo watsoniano e skinneriano quase indistintamente e descreve as idéias de Skinner de forma monolítica, só vindo a sinalizar a existência de possíveis “matizes” ao longo dos seus trabalhos na página 57; (b) Acertaria se dissesse que Skinner alterou algumas de suas posições ao longo da vida (transição do conceito de “reflexo” para o de “operante” (Iversen, 1992 e Sério, 1990), mas parece errar se acreditasse que ele mudou nesse aspecto particular. Da sua tese de doutorado transformada em livro em 1938 (Skinner, 1938), passando por seus clássicos dos anos 50, Science and Human Behavior (Skinner, 1953/1965) e Verbal Behavior (Skinner, 1957), até trabalhos específicos sobre o assunto

Retomando o tema da “caixa-preta,” Japyassú (1999) aponta para dois aspectos importantes (pp. 50-51): (5) Skinner representa o “clímax” da abordagem ambientalista; (6) Watson teria supostamente demonstra seu desprezo pela base biológica na determinação do comportamento ao afirmar que poderia formar qualquer tipo de profissional ou de personalidade utilizando-se apenas das leis da aprendizagem e do condicionamento (na clássica passagem sobre as doze crianças, “... numa clara indicação de que a aprendizagem é a toda poderosa e de que o organismo é uma tabula rasa, uma entidade despossuída de estrutura relevan-

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condicionamento respondente e operante que seriam as marcas da evolução filogenética em cada espécie.

inato x aprendido nos anos 60, 70 e 80 (Skinner, 1966/1984b, 1969, 1975, 1977, 1984c, 1989), não há elementos inequívocos que justifiquem considerá-lo como adepto da “tabula rasa” ou da “caixa preta.” É verdade que Skinner, ao longo do tempo, passa a tratar mais vezes e mais especificamente do assunto, mas isso ocorre para explicar com maior clareza e detalhes sua posição original do que para revê-la em essência (para uma posição discordante, ver Micheletto, 1997a). Os ingredientes que Japyassú identifica em 1981 como uma amostra da “evolução” do pensamento de Skinner, já estão quase inteiramente presentes em 1966/1984b quando Skinner responde ao livro de Lorenz (1965) do ano anterior que, entre outras coisas, atacava genericamente o Behaviorismo, e o acusava de desprezar as variáveis biológicas e de trabalhar com uma noção irrealista de aprendizagem (em relação ao seu alcance e à sua origem).

Sobre o item (6), segundo o qual Watson teria ignorado as variáveis de ordem biológica e feito seu desafio a respeito das “doze crianças,” alguns esclarecimentos históricos precisam ser dados. A célebre passagem do livro de Watson de 1924 é apresentada muitas vezes, por vários autores, em diferentes épocas, como uma prova cabal de sua posição intransigente diante dos determinantes internos, em particular dos biológicos. É comum classificá-lo como um defensor da “tabula rasa” e dos poderes ilimitados da aprendizagem. Há porém, elementos suficientes no livro citado para colocar sob suspeita afirmações dessa natureza. Se contextualizada apenas a frase mencionada, já se perderia muito do sentido ambientalista extremista que lhe atribuem injustamente. Há pelo menos três razões para isso: (a) uma delas foi ressaltada por Skinner, já em 1969:

O modelo de seleção pelas conseqüências, anunciado formalmente nos anos 80, parece estar presente em suas linhas mestras desde pelo menos os anos 50 (Skinner, 1953/1965). Em trabalho anterior (Carvalho Neto & Tourinho, 1999), tratou-se exatamente através de um levantamento dos escritos do autor entre 1938 e 1990, de tentar desfazer os equívocos da crítica que tenta anunciar Skinner como um adepto do modelo do “organismo vazio” e da “tabula rasa.” As principais conclusões do artigo são: (a) o conceito interacionista (organismo/ambiente) de comportamento é avesso ao mero ambientalismo; tal expressão, em Skinner, não possui sentido lógico nem empírico; (b) o modelo de seleção pelas conseqüências concebe que a filogênese, a ontogênese, as práticas culturais e a fisiologia atuam em bloco na determinação do comportamento; (c) o conceito de comportamento/condicionamento operante é indissociável da filogênese (tanto a “primeira resposta” quanto a sensibilidade a determinadas conseqüências seriam “inatas”); e (d) há uma negação explícita tanto da equipotencialidade dos estímulos na aprendizagem quanto da inexistência de limites biológicos nos processos de condicionamento. Há restrições biológicas no

Watson não estava negando que uma parte substancial do comportamento fosse herdada. O desafio (...) aparece no primeiro dos quatro capítulos em que Watson descreve “como o homem está equipado para se comportar no nascimento.” Como especialista e entusiasta da psicologia da aprendizagem, foi além dos fatos que possuía para enfatizar o que poderia ser feito, apesar das limitações genéticas. Foi, como disse Gray [(1963) The descriptive study of imprinting in birds from 1863 to 1953. Journal of General Psychology, 68, 333-346] “um dos primeiros e um dos mais cuidadosos pesquisadores na área da etologia animal.” Contudo, é ele, provavelmente, o responsável pelo mito persistente do que tem sido chamado de “dogma contrafactual do behaviorismo”(...). E trata-se de um mito. Nenhum estudioso do comportamento animal de boa reputação, jamais defendeu que o animal chega ao laboratório virtualmente como uma tabula rasa, ou que diferenças entre espécies são insignificantes, e que todas as respostas são igualmente condicionáveis a todos os estímulos ....” (p. 172-173, grifos meus).

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“ambientais,” para que um grupo ou raça tivesse desempenhos “menores” que outros em certas escalas ou para que alguém viesse a ser um criminoso. A posição extremista aqui era explicitamente política e sua defesa da aprendizagem era uma defesa intransigente da democracia, contexto onde todos teriam potencialmente as mesmas possibilidades e deveriam ser tratados de forma igualitária. Grandes distorções ou diferenças no repertório de uma pessoa ou de um grupo (como por exemplo, a maior incidência de fracasso escolar entre negros) deveriam ser atribuídas ao ambiente cultural (condições sócio-econômicas) e não aos seus supostos “limites biológicos,” limites que, em última instância, legitimariam práticas como a eugenia.

Watson parecia aceitar a influência limitadora de uma base biológica sobre o comportamento e a expressão “como o homem está equipado para se comportar no nascimento” sugere isso. Seria sobre essa base ou equipamento, construído ao longo da evolução, que a aprendizagem (reflexa e por hábitos), também um fruto da filogênese, edificaria uma parcela significativa do repertório dos organismos. Watson ainda dedicou uma parte razoável do livro às bases fisiológicas do comportamento que intermediariam os efeitos dos estímulos sobre as respostas (Watson, 1924, cap. III, part I e cap. IV, parte II). (b) Outro ponto que mostra o equívoco da crítica está na própria continuação da frase watsoniana, que já seria por si só esclarecedora: “Estou indo além dos fatos que possuo e o admito, mas também o fizeram muitos defensores da posição contrária, e por muitos milhares de anos” (p. 104). Watson estava reagindo a um contexto acadêmico muito particular do início do século XX, de uma forma admitidamente exagerada. Sua luta era contra o uso indiscriminado e carente de base empírica dos conceitos explicativos de “instinto” e de “traços” para explicar padrões de comportamento para os quais ainda não se tinha demonstrado um controle ontogenético (Heidbreder, 1975). Note-se que entre se opor ao conceito de “instinto” como usado na época e partilhar da crença na absoluta inexistência de variáveis biológicas afetando o comportamento, há uma razoável distância: representaria uma mudança radical e improvável no pensamento de um autor que se dedicou inicialmente ao estudo dos comportamentos “típicos da espécie” em pássaros no seu ambiente natural e que é, considerado um dos grandes nomes na história da Psicologia Comparada (Dewsbury, 1978). (c) Um outro aspecto, talvez o mais importante e decisivo, é o contexto político no qual Watson fez sua afirmação. O que estava sendo discutido era o racismo justificado geneticamente, racismo que ele atacou ferozmente, enfatizando o amplo e importante papel das circunstâncias econômicas, sociais, educacionais, ou seja,

Sobre estímulos externos, passividade do organismo que se comporta e Psicologia →R S→ Japyassú (1999) afirma (p. 51) que (7) para Skinner, o sujeito é controlado pelo “ambiente externo” e que (8) nessa abordagem, o sujeito é “... encarado de forma passiva, como sendo moldado pelas forças ambientais: a imagem de sujeito é a de um ser que apenas reage (paradigma estímuloàresposta), destituído de espontaneidade e de direção” (p. 51). A respeito da proposição (7): em 1953/ 1965 Skinner define ambiente como qualquer aspecto do universo que se mostre capaz de afetar o organismo (p. 257). Portanto, os “estímulos” não teriam um “lugar” rigidamente definido a priori (para uma recente discussão ver Malerbi, 1997; Matos, 1997c, Micheletto, 1997b; Tourinho, 1997). Não são necessariamente “externos” ao organismo. Devem apenas possuir dimensões no espaço e no tempo (eventos físicos) e fazer parte do mundo natural. Há fenômenos específicos, como uma dor de dente, onde eventos internos afetam o responder. No caso de parte do que se convencionou chamar de pensamento, alguns elos da cadeia (físicos e naturais) são verbais e privados e acabam afetando os elos subsequentes “públicos,” verbais

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Se os determinantes internos fossem realmente os responsáveis últimos e essenciais pelo comportamento, especialmente do ser humano, sejam “mentais,” genéticos ou fisiológicos, o modelo skinneriano perderia muito do sentido e do valor, pois há uma razão pragmática para o seu “externalismo:” Skinner estava interessado na resolução dos problemas da humanidade (da falência do sistema educacional à superpopulação e à desigualdade social) e via na Psicologia (em uma ciência do comportamento, pois os problemas eram, para ele, em larga medida, comportamentais) o instrumento para identificar as fontes desses problemas e para gerar uma tecnologia comportamental capaz de solucionálos. Se a causa é interna por exemplo, uma causa “mental,” ou seja, imaterial e não afetada por variáveis externas materiais, como modificar o comportamento? Se os eventos psicológicos forem insensíveis ao universo descrito pela física e pela biologia, nada se pode fazer.

ou não (Santos, 1998; Verplanck, 1992). Há experimentos, na área de controle de estímulos, mostrando como estímulos “internos” ou “interoceptivos” podem passar a controlar a ação (ver, por exemplo, Lubinski & Thompson, 1987; Slucki, Adam & Porter, 1965). Skinner de fato sugere que a fonte última de controle estaria “fora do organismo,” nas contingências originais filogenéticas, ontogenéticas e culturais “externas:” Um entrevistador perguntou-me: Poderia chamar os sentimentos e os estados mentais de epifenômenos? Eu disse não. Webster´s Third New International define como epifenômeno “um fenômeno secundário acompanhado por outro (...) e pensado como causado por ele.” Para muitas pessoas, isso poderia fazer do comportamento um epifenômeno. Eu poderia sugerir que sentimentos são epifenômenos quando os chamo de “produtos secundários” do comportamento. Uma expressão melhor é “produtos colaterais.” Os sentimentos e o comportamento são ambos causados pelas histórias genéticas e ambientais juntamente com a situação presente. (p. 25, grifos meus)

É, contudo, possível uma interpretação alternativa e passível de teste, onde, na ação completa, existe uma cadeia causal com três elos: um público “ambiental,” um “privado” ou “subjetivo” (físico e natural como os demais), e um público “comportamental.” Assim, um assalto é anunciado dentro do banco em que, por coincidência, estamos (elo ambiental público), minha pulsação dispara e pensamentos sobre fugir dali tornam-se mais freqüentes (eventos comportamentais internos respondentes e operantes, respectivamente) e corro então para fora (evento comportamental público) e, milagrosamente, escapo ileso. O que explica o meu correr, último elo da cadeia aqui sugerida? Minha pulsação alterada e outras respostas fisiológicas eliciadas que posso chamar de “medo” (elo intermediário)? Meus pensamentos obsessivos de fuga que “impulsionaram” o correr (elo intermediário)? Ambos? Se a aventura tivesse custado minha vida e você quisesse impedir mortes banais como essa, o que deveria ser mudado? Os “sentimentos” de medo? Os “pensamentos” com molas? Ou o mundo onde eventos como assaltos e “assassinatos por 10 reais” são tão freqüentes quanto, quase, incontroláveis? Há cer-

Dizer apenas que alguém faz determinada coisa por possuir um instinto, personalidade ou traço de caráter não deveria parar a pesquisa ou saciar a curiosidade. Nesse caso, o único indício do “instinto,” da “personalidade” e do “traço de caráter” seria o próprio comportamento que se deveria explicar desde o início. Mais que rebatizar um fenômeno com outro nome, dever-se-ia descrever que variáveis estão relacionadas com sua origem e seu funcionamento. Pode-se pensar que o termo instinto seja uma abreviação de “um padrão comportamental estável modelado através da seleção natural com, no passado ao menos, algum valor de sobrevivência,”2 mas restaria explicar como aquele instinto particular foi construído e que eventos o controlam. As explicações parecem estar em parte, pois há indiscutivelmente variáveis internas genéticas e fisiológicas envolvidas, fora do organismo que se comporta, na sua história filogenética, ontogenética e nas variáveis imediatas que o regulam.

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o “interno,” e, consequentemente, o comportamento público, mudando-se o ambiente público. Há cadeias comportamentais onde isso parece ocorrer (como na “resolução de problemas,” onde certos eventos privados tornam mais provável a ocorrência de respostas públicas capazes de produzirem os reforçadores finais, ver Santos, 1998; Verplanck, 1992); mas há uma outra parte significativa, onde os eventos privados e comportamentais públicos parecem ser ambos gerados quase simultaneamente pela interação com o ambiente público e não estão relacionados de forma seqüencial, dependente ou causal, como os “sentimentos” descritos anteriormente por Skinner (1980) (ver Tourinho, 1997, 1999). Mas se for imprescindível mudar o ambiente público para mudar os eventos privados e o comportamento público, qual a importância do elo intermediário na determinação última da ação pública e privada? Poder-se-ia mudar o comportamento público sem que se recorresse aos eventos privados, apenas programando-se alterações no ambiente público. Não seria um externalismo “de princípio,” mas um externalismo “de resultados” que parece guiar o posicionamento de Skinner sobre que variáveis sua disciplina deveria investigar. Sua preocupação com as questões humanas não podem ser ignoradas quando se pretende entender sua ciência do comportamento. Ela é toda permeada por um humanismo que acaba norteando os objetivos e os limites dessa proposta (Andery, 1990).

tamente as técnicas de autocontrole que, de forma geral, criam repertórios comportamentais para afetar outros (Ferster, Nurnberger & Levitt, 1973; Kerbauy, 1991; Lowe, 1995; Skinner, 1953/1965, cap. 15, 1982, 1989, cap. 3; SonugaBarke, Lea & Webley, 1989). Então, durante o assalto “penso” em todos os números primos ou nas capitais dos países europeus por ordem alfabética (comportamento concorrente ao “correr”) ou nas estatísticas que indicam que as vítimas fatais geralmente fazem movimentos bruscos (descrição de possíveis conseqüências aversivas que entram no controle da ação pública) e respiro calma e profundamente como aprendi na yoga (comportamento incompatível com as respostas emocionais e reforçado negativamente), mas são todos paliativos. O que gerou tanto o “medo” quanto os “pensamentos obsessivos” e o fatídico “correr” foi o assalto e é ele que deve ser eliminado para um controle efetivo nesse contexto.3 Pense-se agora, em escala mais ampla, na violência quase descontrolada que se tem que enfrentar todos os dias nas grandes e, agora também nas pequenas cidades. O que a gera? O que controla o comportamento daqueles que se utilizam da agressão e da ameaça de agressão com tal freqüência e em tal escala? Qual a gênese desse comportamento? Quais as variáveis responsáveis? O que se deve fazer, ou melhor, que variáveis devem e podem ser modificadas para mudar tais padrões? Se elas estiverem dentro dos organismos e forem, por isso, difíceis ou mesmo refratárias às manipulações externas, como as tais “tendências agressivas inatas,” mencionadas nos telejornais crédulos e que “explicariam” os crimes cometidos por psicopatas, então nosso futuro no planeta não parece ser lá muito promissor. Ficar-se-ia a mercê de uma espécie de fatalismo internalista que nos deixaria impotentes ou pouco eficazes no combate às mazelas modernas e ancestrais que nos visitam insistentemente. Por outro lado, se o comportamento público for “causado,” em uma cadeia, por eventos internos, que por sua vez são afetados sim por variáveis públicas, então poder-se-ia mudar

Em relação ao item (8), que sugere haver, no modelo de Skinner, uma suposta “passividade” para o sujeito, no também suposto esquema “S→R,” passividade esta que privaria o organismo de “espontaneidade” e “direção,” há pelo menos três problemas: (a) Skinner adotou o comportamento operante como seu objeto privilegiado de investigação/intervenção (SD...R→Sr) e não o respondente ou reflexo (S→R) e isso faz uma enorme diferença; (b) nesse comportamento (operante) o papel do ambiente é seletivo e não eliciador, a causalidade não é mecanicista e sim selecionista (Catania, 1992; Chiesa, 1992; Moxley, 1992). O organismo se

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simplesmente de mudar de uma contingência predominantemente coercitiva para outra onde vigorem os reforçadores positivos que produzem, além do aumento de certas classes de respostas, a “sensação de liberdade” (ver Andery, 1990; Sidman, 1995; Skinner, 1971).

comporta e produz certas alterações ao seu redor. Tais alterações irão afetar a probabilidade de essa classe de respostas, ocorrer novamente nesse contexto. Um organismo alterado (caberia à fisiologia dizer “o quê” foi mudado dentro do organismo) entrará em contato com um mundo alterado. A via é de mão dupla. Mudamos o mundo e ele nos modifica. Quando tais conseqüências aumentam a probabilidade do responder, diz-se que a conseqüência foi reforçadora. Quando a probabilidade é reduzida, chama-se a conseqüência de punitiva. Agora, o organismo age antes de as conseqüências afetarem seu responder. A resposta não é produzida de forma automática por um evento ambiental antecedente que a elicia. A resposta ocorre e afeta o ambiente e é então é afetada por ele (de forma seletiva). Há outro aspecto importante: a variabilidade é uma característica das respostas. Não há duas respostas iguais. A chave para a “criatividade” estaria em parte aqui e descobriu-se recentemente (Machado, 1989; Neuringer, 1993; Page & Neuringer, 1985) que a variabilidade é uma dimensão reforçável do responder, ou seja, que é possível aumentar a probabilidade de comportamentos que diferem dos anteriores ou de comportamentos “originais” a partir do reforçamento, o que é uma revolução para aqueles que viam nele uma fábrica de estereotipia.

A luta por uma sociedade justa, onde todos vivam com dignidade passa por aqui, o que não significa dizer que o comportamento deixaria de ter causas quando este estado fosse atingido. Diferentes conseqüências, diferentes comportamentos, públicos e privados. (para uma discussão mais aprofundada, ver Micheletto & Sério, 1993).

Sobre o interacionismo, os limites da Análise do Comportamento e as possibilidades de entendimento com a Etologia A forma como Japyassú (1999) descreve a posição de Morgan (p. 55) não é incompatível com as descrições do Behaviorismo Radical. Antes de prosseguir, há entretanto uma diferenciação necessária a ser feita a respeito da posição de Skinner sobre o papel das variáveis biológicas em seu modelo explicativo do comportamento. Reconhecer as bases biológicas da ação não o força a adotar uma outra linha de pesquisa sobre os seus constituintes genéticos, evolutivos ou fisiológicos (Carvalho Neto & Tourinho, 1999). Trabalha-se em Análise Experimental do Comportamento com um organismo (construído evolutivamente de uma dada maneira e capaz de interagir com o seu mundo de certas formas específicas) inserido em seu ambiente (histórico e imediato). A ontogênese, ou melhor, certos aspectos dela, são o alvo da ciência do comportamento skinneriana. Isso não significa que se ignore a existência de outras fontes causais ou que se acredite que seriam os ontogenéticos os seus principais motores. Dada as especificidades de sua história dentro da psicologia (Andery & Sério, 1988; Day, 1980), de seu instrumental metodológico (Sidman, 1976; Skinner, 1984d) e seus objetivos pragmáticos reformistas (Andery, 1990; Baum, 1999, cap. 13-

Os organismos são tão “passivos,” e a causalidade é tão “mecanicista,” no modelo operante de Skinner quanto o é na seleção natural de Darwin (Baum, 1999, cap. 4; Micheletto, 1997a). Como no darwinismo, as “intenções” ou “direções” são explicadas por uma história de variação e seleção e não por qualquer faculdade teleológica dos organismos. (c) Isto não significa que não exista a possibilidade de “planejamento.” No comportamento humano o controle verbal permite que se descrevam as fontes de controle existentes e que se criem estratégias de contracontrole eficazes. Não significa eliminar ou abolir o controle em si, já que o comportamento ainda estaria ocorrendo por alguma razão, em função, ou sob controle, de alguma coisa, do passado e no presente, mas

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14), esse aspecto do universo passou a controlar a maioria das investigações por parte dos analistas do comportamento, o que não parece ser pouco. Mas talvez esse posicionamento possa não ser suficiente para poupá-lo das críticas, como não o foram para um outro etólogo, Konrad Lorenz:

matizes diferenciados, os quais permitem uma sobrevivência da dicotomia clássica instintoaprendizagem. (Japyassú, 1999, p. 57, grifos meus)

A Análise do Comportamento não pretende ser a única disciplina a dar conta de um fenômeno tão amplo em causalidade quanto o comportamento. Skinner (1981/1984a, 1990) chega até mesmo a segmentar as fontes de determinação de comportamento e a sugerir que disciplinas específicas deveriam cuidar de cada parte para viabilizar as pesquisas no esclarecimento do fenômeno. Pode-se discutir se todas as variáveis foram contempladas na descrição de Skinner ou se as disciplinas deveriam se limitar aos aspectos apontados por ele: a forma como ele descreve a Etologia não parece, de fato, refletir os objetivos e o alcance dessa ciência (Skinner 1966/1984b, 1981/1984a, 1990). Mas daí a se sugerir que se inclua sistematicamente, como “Vis” e não apenas como pressupostos e cuidados especiais, os determinantes genéticos, fisiológicos e evolutivos nas pesquisas de analistas comportamentais, para uma abordagem não comprometida com a dicotomia “inato/aprendido,” é desconsiderar os pressupostos e objetivos sobre os quais essa disciplina científica foi edificada ao longo de quase 70 anos. Diferentemente da Etologia (Alcock, 1989) que teria quatro amplas perguntas sobre as causas (históricas e imediatas) do comportamento animal e que abarcaria todo o universo de determinação deste, as pretensões skinnerianas são bem mais modestas. Mesmo quando Skinner (1966/1984b, 1981/1984a, 1984c, 1990) fala de um modelo amplo de causalidade, não está em jogo a criação, ao menos imediata, de uma superciência do comportamento, mas apenas o reconhecimento dos vários tipos de determinação e dos limites da Análise do Comportamento dentro desse emaranhado causal.

A aprendizagem por reforçamento desempenha uma função altamente importante na vida dos animais superiores e dos homens, e por esta razão a escola behaviorista tem realmente conseguido grandes descobertas científicas. Isto é necessário enfatizar aqui porque os etólogos são injustamente acusados de ignorar o mérito que deveria ser atribuído à pesquisa behaviorista. O que nós reprovamos nos behavioristas certamente não é o que eles fazem; [pois] eles fazem o que eles fazem da mais excelente maneira. Nossa crítica se refere somente a sua crença de que não há mais nada além disso no comportamento para investigar. Muitos behavioristas evitam investigar alguma coisa que não esteja diretamente conectada com a aprendizagem por reforçamento. (Lorenz, 1978/1981, p. 70, grifos meus) Não rejeito nada do que os skinnerianos fazem, mas os reprovo pelo número de coisas que eles não fazem- por exemplo, a observação simples da adaptação de um animal ao seu meio natural. Não acho que muitos behavioristas tenham estudado um rato selvagem na floresta, só para ver o que ele faz. E poderiam obter algumas informações valiosas quanto aos reforçadores efetivos, se o fizessem. (Lorenz, 1974/1979. p 35)

Seria essa a mesma base da argumentação de Japyassú?: ... Apesar das concessões à estruturação endógena, o Behaviorismo persiste em sua ênfase na estrutura externa (estímulos e conseqüências a eles associadas) como fonte da organização interna, de modo que o agente causal, não está nesta organização, mas sim nas contingências de reforçamento. Tais considerações mostram que, apesar das alterações buscando aproximar tais epistemologias opostas, direcionando-as no sentido de uma síntese interacionista, os interacionismos assim obtidos apresentam

Um aspecto que talvez gere parte da confusão, diz respeito aos diferentes alvos da Psicologia skinneriana e da Etologia. Independentemente do conceito de comportamento que também parece conter diferenças não desprezíveis entre essas duas ciências do comportamen-

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terapeutas do comportamento têm indicado o uso conjunto de remédios que tornariam o organismo novamente sensível às contingências de reforçamento a serem dispostas pelo profissional (Cavalcante, 1997). Os princípios sozinhos se mostraram, por vezes, incapazes de afetar o comportamento do cliente. Restabelecer a sensibilidade desse organismo aos eventos ambientais públicos/manipuláveis (verbais ou não), instrumentos do terapeuta, seria condição essencial para que se pudesse ajudá-lo efetivamente. Nesses casos seria preciso uma ação combinada de farmacólogos ou psiquiatras e terapeutas comportamentais, pois, em contrapartida, o medicamento sozinho não resolveria o problema.

to, qual seria o organismo alvo em cada uma? A Etologia não levantaria restrições quanto à espécie. No caso da linha de Skinner, há um marcante elemento antropocêntrico, ou seja, o comportamento humano é o objeto a ser desvelado. Não por acaso, Skinner manteve-se na Psicologia mesmo quando sua disciplina parecia ter muito mais afinidade (objeto de estudo, natureza das variáveis causais, metodologias empíricas de investigação, o que seria ciência, etc.) com a Biologia do que com a grande maioria das escolas psicológicas não-experimentais. O uso de outros organismos viria subsidiar o estudo do comportamento humano. Constituiria uma estratégia de pesquisa e não um objetivo da disciplina. Etogramas de rato branco, de golfinho ou de pelicano teriam tanto valor no Behaviorismo skinneriano quanto revelassem princípios gerais aplicáveis ao esclarecimento da ação humana.

O que teria isso a ver com a discussão anterior sobre a compartimentação das ciências comportamentais atuais e a busca por uma ciência ampla, completa e auto-suficiente? Devem os terapeutas, nesses casos, retirar-se da cena aplicada e investir em sua formação bioquímica e fisiológica afim de designarem e aplicarem eles mesmos os remédios em seus consultórios? Deve-se acusar, então, os farmacólogos comportamentais e psiquiatras de ignorarem ou desprezarem as variáveis ontogenéticas da ação humana e mandá-los de volta aos seus laboratórios para que possam, finalmente, reconstruir sua ciência de forma mais abrangente e completa? O que fazer? Diluir as várias “ciências” do comportamento e reagrupá-las em uma grande disciplina sintética? Como? Uma clara e vigorosa política de cooperação entre as diversas ciências do comportamento não poderia ser uma saída mais realista?

Mas talvez fosse mais heurístico deslocarse o problema do terreno conceitual para um terreno mais factual: estaria o projeto de ciência do comportamento de Skinner ameaçado pela adoção de uma tática de investigação diferente da recomendada e defendida pela Etologia? Seriam os princípios do comportamento investigados pelos behavioristas radicais (como os apresentados por Catania, 1999) descrições adequadas do funcionamento de parte do mundo? Seria possível prever e controlar os comportamentos de interesse dos behavioristas radicais, no caso os apresentados principalmente por seres humanos, sem incluir na análise todo o leque de determinações biológicas? Haveria dados concretos indicando tal insuficiência? No caso específico da fisiologia, os limites realmente existem em casos especiais, mas não parecem ser suficientes para impor uma reorganização das estruturas de investigação existentes, apenas recomendam uma salutar e precavida visão global das fontes de controle e a cooperação mais ágil e eficiente das disciplinas por elas responsáveis. Por exemplo, quando na área de saúde lida-se com um organismo profundamente alterado, como no caso das depressões crônicas, os behavioristas radicais que atuam como

Disposição para essa cooperação parece existir por parte dos analistas comportamentais, pois fala-se e escreve-se muito, e em geral bem, sobre a biologia do comportamento (principalmente sobre as contribuições da Etologia e das Ciências do Cérebro para uma compreensão integral do comportamento e as possíveis vantagens de uma aproximação com essas áreas). Um indicador mais palpável e confiável pode ser achado na quantidade de artigos relacionados ao tema publicados em periódicos como The Journal of the Experimental Analysis of Behavior,

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Quando duas datas forem apresentadas, a primeira representará o ano da edição original e o segundo o da edição consultada.

1

Não necessariamente uma resposta pronta a certos eventos específicos, mas todo um aparato relativamente modificável, sensível a certos parâmetros do ambiente imediato. Ao que parece, há em diferentes padrões diferentes níveis de sensibilidade ao contexto, com mais ou menos plasticidade. O trabalho de Ades (1986) com aranhas e a construção de suas teias parece referendar essa versão menos “cega” e inalterável do conceito de “instinto”.

2

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3

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