Caderno Virtual de Turismo ISSN: 1677-6976

Vol. 8, N° 3 (2008)

Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil* Christianne Luce Gomes** Tatiana Roberta de Souza*** Leonardo Lincoln Leite de Lacerda**** Ricardo Teixeira Veiga*****

Resumo Esta pesquisa exploratória de caráter descritivo foi desenvolvida por meio de um estudo bibliográfico-documental de quatro cursos de mestrados em Turismo/Hospitalidade no Brasil e contou com três objetivos: a) identificar o enfoque predominante na pós-graduação stricto sensu em Turismo e Hospitalidade; b) verificar se os conhecimentos produzidos no âmbito de quatro cursos de mestrado em Turismo e Hospitalidade contemplam aspectos referentes ao lazer e c) discutir a importância de se relacionar o lazer e o turismo. O campo de estudos sobre o lazer – fundamentado principalmente nas Ciências Humanas e Sociais – pode contribuir sobremaneira com as reflexões sobre o turismo enquanto um fenômeno que, além de econômico, é também sociocultural.

Palavras-chave: Turismo; lazer; pós-graduação; Brasil.

Abstract This exploratory research of descriptive type was carried out by means of a bibliographic-documental study of four master courses on Tourism/Hospitality in Brazil and had three objectives: a) to identify the main focus in strictu-sensu post-graduation in Tourism/ Hospitality linked to the Business field; b) to assess the whether knowledge produced in the courses are concerned with leisure and c) to discuss the importance of linking leisure and tourism. The field of studies about leisure – mainly based on Humanities and Social Sciences – can expressively contribute to the thinking on tourism as a social-cultural phenomenon, not only economic.

Keywords: Tourism; leisure; pos-graduation; Brazil.

54

Caderno Virtual de Turismo ISSN: 1677-6976

Vol. 8, N° 3 (2008)

Introdução

tos para esta pesquisa foi necessário, em um

No Brasil, a pós-graduação lato e stricto sensu apresenta uma interessante possibilidade de formação de profissionais para atuar no âmbito do lazer e turismo, tendo em vista a qualificação de docentes para atuar em diferentes níveis e de pesquisadores interessa-

primeiro momento, efetuar um levantamento dos estudos sobre o tema para, em seguida, fazer uma espécie de sondagem a respeito do tema/problema, estando os resultados expostos de forma mais descritiva (Gomes, Amaral, 2005).

dos em aprofundar conhecimentos sobre as

Complementando o método da pesquisa,

temáticas. No entanto, ainda é pequeno o nú-

procurou-se discutir o tema por meio de um

mero de cursos de pós-graduação lato e stricto

estudo bibliográfico, que foi complementado

sensu oferecidos regularmente se comparado

com informações contidas nos sites dos cur-

à quantidade de profissionais interessados

sos de mestrado em Turismo/Hospitalidade,

em aprofundar conhecimentos nesse campo

dados que foram tratados a partir da análise

(Gomes et al., 2007).

documental.2

No que se refere à pós-graduação stricto

existiam quatro cursos de mestrado acadêmico

Ao discutir o modelo brasileiro de pós-

reconhecidos pela Coordenação de Aperfeiço-

graduação, Santos (2003) destaca o caráter

amento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).1

dependente dos cursos de mestrado no to-

Considerando a realidade desses cursos, qual(is)

cante à produção científica e a forte influência

aspecto(s) é(são) enfatizado(s) na formação

estrangeira na implementação/consolidação

Este artigo foi elaborado a partir da pesquisa de recém-doutora de Christianne L. Gomes, concluída em novembro de 2007. Apoio: Pró-reitoria de Pesquisa da UFMG/ Fundo Fundep.

acadêmica nesse nível? Os conhecimentos pro-

de nossa experiência neste âmbito. Mesmo

duzidos no contexto da pós-graduação stricto

seguindo referências européias, o modelo

sensu relacionada ao turismo contemplam as-

norte-americano foi o que mais influenciou a

** Docente da UFMG e Coordenadora do Mestrado em Lazer. Doutora em Educação. E-mail: [email protected]

pectos referentes ao lazer? Qual a importância

pós-graduação brasileira.

*

*** Acadêmica do curso de Graduação em Turismo/UFMG. Bolsista PIBIC/CNPq. E-mail: [email protected] **** Bacharel em Turismo/UNP. Especialista e Mestrando em Lazer pela UFMG. E-mail: [email protected] ***** Pesquisador do CNPq. Docente da UFMG e Subcoordenador do Mestrado em Lazer. Doutor em Administração. E-mail: [email protected] 1. No que se refere à criação de cursos novos, a última avaliação da CAPES (divulgada em 27/07/2007) aprovou mais um curso de Mestrado acadêmico em Turismo, a ser desenvolvido pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) a partir de 2008. Conforme será abordado posteriormente, a UESC/UFBA oferece o Mestrado em Cultura & Turismo, mas, como este curso não está inserido na área da Administração, também não foi considerado nesta pesquisa. 2. Neste estudo optou-se por preservar o anonimato dos programas analisados, que foram aleatoriamente designados como cursos “A”, “B”, “C” e “D”. Inicialmente, previa-se a realização de entrevistas com os coordenadores dos cursos e análise documental, mas não foi possível obter a anuência de todas as instituições para que a metodologia englobasse essas possibilidades. Por esta razão, a fonte de dados foi constituída pelas informações contidas nos respectivos sites.

de se relacionar o lazer e o turismo?

Seguindo este modelo, a pós-graduação

Essas questões nortearam esta pesquisa ex-

stricto sensu no Brasil é constituída por dois níveis

ploratória de caráter descritivo, que teve como

independentes (mestrado e doutorado) e, em-

objetivos identificar o enfoque predominante

bora o ingresso no segundo nível geralmente

na pós-graduação stricto sensu em Turismo;

seja decorrente da conclusão do primeiro, não

verificar se os conhecimentos produzidos neste

há uma relação de pré-requisito. Os currículos

contexto contemplam aspectos referentes ao

desses cursos também sofreram influência do

lazer e discutir a importância de se relacionar

exemplo norte-americano, que determina a

o lazer e o turismo.

sua composição a partir de uma área de con-

A escolha pela pesquisa exploratória deriva

centração (o major) e de matérias conexas (o

da necessidade de proporcionar aos pesqui-

minor). A primeira parte dos cursos é destinada

sadores maior familiaridade com o problema

ao cumprimento de uma determinada carga

estudado, ou uma nova forma de considerá-lo.

horária (desenvolvida na forma de disciplinas)

Esse tipo de estudo tem um planejamento fle-

e a segunda etapa, por sua vez, é destinada à

xível, de modo a considerar aspectos variados

confecção do trabalho científico de conclusão

do problema e consiste em buscar elemen-

(dissertação, no caso do mestrado, ou tese de

tos que visam uma compreensão geral das

doutorado).

características apresentadas pelo objeto de

Muitos autores criticam a importação de

pesquisa. Para alcançar os objetivos propos-

modelos de ensino de outras realidades, 55

Christianne Luce Gomes, Tatiana Roberta de Souza, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Ricardo Teixeira Veiga

da à área da Administração, até junho de 2007

Contextualizando a pósgraduação stricto sensu no Brasil

Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil

sensu relacionada ao Turismo, que está vincula-

Caderno Virtual de Turismo ISSN: 1677-6976

Vol. 8, N° 3 (2008)

principalmente no que se refere à pós-gradua-

excelência que pode ser alcançado por um

ção. No artigo em que elogia a adoção do

programa. Para funcionar com a chancela

modelo norte-americano de pós-graduação,

da CAPES, um curso deverá obter no mínimo

Góes ressalta, contudo, que as diferenças

o conceito 3. No Brasil, esses conceitos são

existentes entre as estruturas universitárias do

atribuídos a cada três anos e a maioria dos

Brasil e dos Estados Unidos precisam ser con-

cursos em funcionamento têm o conceito 4.

sideradas. Para o autor, “é difícil precisar em

Parte expressiva dos cursos concentra-se nas

que medida a organização e os procedimen-

regiões Sul e Sudeste.

tos administrativos norte-americanos podem ser adotados integralmente em nosso meio” (1972, p.226).

Conforme dados contidos no Plano Nacional de Pós-graduação (PNPG 2005-2010), o sistema brasileiro cresceu nos seus vários

Criada no início da década de 1950 (pelo

aspectos: número de cursos, número de alunos

Decreto nº 29.741, de 11 de julho de 1951) e

matriculados e titulados; mas ainda é pequeno

vinculada ao Ministério da Educação (MEC),

em comparação com outros países. O cresci-

a CAPES desempenha papel fundamental na expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu em todos os estados da Federação. Suas atividades podem ser agrupadas em quatro grandes linhas de ação: (a) avaliação

mento da pós-graduação brasileira pode ser verificado em todas as regiões do país e em todas as grandes áreas do conhecimento, observando-se, porém, a permanência de desequilíbrios regionais.

vestimentos na formação de recursos de alto nível no país e exterior; e (d) promoção da cooperação científica internacional. Segundo a instituição, o seu sistema de avaliação serve de instrumento para a comunidade universitária, tendo em vista a necessidade de buscar um padrão de excelência acadêmica para os mestrados e doutorados nacionais. Os resultados da avaliação servem de base para a formulação de políticas para a área

3. Outras informações poderão ser obtidas no site: www.capes.gov.br/sobre/historia. html 4. O PNPG (2005-2010) pode ser consultado no site: www.capes.gov.br/servicos/pnpg.html

O Plano também esclarece que a avaliação

Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil

e divulgação da produção científica; (c) in-

do sistema deve ser baseada na qualidade e excelência dos resultados alcançados, na especificidade das áreas de conhecimento e no impacto desses resultados na comunidade acadêmica e empresarial, assim como na sociedade. O PNPG apresenta, igualmente, dados relativos ao destino de egressos. Uma informação interessante, que faz referência ao ano de 2000, mostra que, enquanto os doutores foram preponderantemente absorvidos pelas

de pós-graduação, bem como para o dimen-

universidades, os mestres atuam em diversos

sionamento das ações de fomento (bolsas de

ramos de atividade (sendo um terço deles em

estudo, auxílios, apoios).3

universidades)4.

Para que os diplomas expedidos pelos

Pelo exposto, a pós-graduação no Brasil

mestrados/doutorados de instituições cre-

vem adquirindo maior importância nos últimos

denciadas e habilitadas para desenvolvê-los

anos, apresentando expressivo crescimento

tenham validade nacional, esses cursos de-

a partir da década de 1990 – contexto que

verão ser reconhecidos pela CAPES, que é o

coincide com a criação dos quatro cursos de

órgão responsável pela verificação dos níveis

Mestrado em questão, ou seja, relacionados

de “qualidade e excelência” dos mesmos. O

à área de Turismo e Hospitalidade. Oportuni-

sistema de avaliação fundamenta-se na aná-

dade que provavelmente foi assimilada pelas

lise por pares e, a partir de 1998, os cursos são

instituições de ensino superior particulares para

avaliados através de uma escala que varia

aproveitar um mercado que estava emergindo

de 1 a 7, sendo este último o maior índice de

na época. 56

Christianne Luce Gomes, Tatiana Roberta de Souza, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Ricardo Teixeira Veiga

da pós-graduação stricto sensu; (b) acesso

Caderno Virtual de Turismo ISSN: 1677-6976

várias perspectivas. Dessa maneira, constituído conforme as peculiaridades do contexto históri-

Antes de adentrar na discussão sobre os

co e sociocultural no qual se desenvolve, o lazer

dados coletados, mostra-se pertinente dar

implica “produção” de cultura – no sentido da

uma direção indicando que lazer está sendo

reprodução, construção e transformação de

entendido aqui. Para tanto, iniciando do que

diversos conteúdos culturais usufruídos por par-

é normalmente compreendido, as idéias que

te de pessoas, grupos e instituições (Werneck,

giram em torno dessa palavra remetem à diver-

2000; Gomes, 2004). Essas ações são construídas

são, prazer e liberdade. Elementos que levam a

em um tempo/espaço de produção humana;

pensar, na atualidade, em duas vertentes: uma

dialogam e sofrem interferências das demais

considerando o lazer como um extremo oposto

esferas da vida em sociedade e nos permitem

do universo do trabalho, e outra que o envolve

ressignificar, simbólica e continuamente, a cul-

com um emaranhado de características da

tura. Ou, como delineado por Gomes: “uma dimensão da cultura constituída

Confrontando o primeiro ponto, é importan-

pela vivência lúdica de manifestações

te perceber que, apesar de trabalho e lazer

culturais no tempo/espaço conquistado

se configurarem por características diferentes,

pelo sujeito ou grupo social, estabelecendo relações dialéticas com as ne-

ambos fazem parte da mesma dinâmica social,

cessidades, os deveres e as obrigações

estabelecendo relações dialéticas. Desta for-

– especialmente com o trabalho produ-

ma, lazer e trabalho representam faces distintas

tivo” (2004, p.125).

da mesma moeda, sendo difícil estabelecer

Ainda segundo a autora, essa compreen-

fronteiras absolutas na vida cotidiana entre

são de lazer apresenta quatro elementos

essas esferas, tampouco entre outras, como

inter-relacionados, que refletem as condições

as obrigações profissionais, familiares, sociais,

que caracterizam a vida em sociedade: (a)

políticas (Gomes, 2008).

o “tempo”, concernente ao usufruto do mo-

Por sua vez, a segunda vertente remete a um

mento presente, não se limitando aos períodos

pensamento que envolve algo a ser usufruído

institucionalizados para o lazer (férias, feriados

em espaços privados, nitidamente onde se tem

e finais de semana); (b) o “espaço/lugar”, no

de pagar para ter acesso ao lazer. Uma visão

sentido de um “local” do qual os sujeitos se

que enfatiza o conformismo e o rápido consumo

apropriam no intuito de transformá-lo em pon-

e negligencia a produção e a transformação

to de encontro para o convívio social; (c) as

das manifestações e atividades de uma dada

“manifestações culturais”, que dizem respeito

comunidade, de um dado sujeito. Entretanto, o

às práticas vivenciadas como fruição da cul-

lazer, como fenômeno que não é estanque nem

tura e, por isso, detêm significados singulares

isolado, pode tanto auxiliar no processo de mas-

para quem as vivencia, e (d) a “atitude”, fun-

caramento e no apaziguamento dos conflitos

damentada na ludicidade – observada aqui

sociais, como representar uma possibilidade de

como expressão humana de significados da/na

reflexão e transgressão à ordem social injusta e

cultura referenciada no brincar consigo, com o

excludente que predomina em nosso meio.

outro e com a realidade (Gomes, 2004).

Por meio dessas complexas relações que, nos dias atuais, vem crescendo entre os autores do campo o entendimento de lazer como “uma das dimensões da cultura” (Marcellino, 1987;

Os cursos de mestrado em Turismo/Hospitalidade analisados: discussão dos dados

Melo, 2006), sendo esta concebida como um

Os quatro cursos de mestrado analisados

campo privilegiado de produção humana em

foram criados entre 1997 e 2002. Todos são 57

Christianne Luce Gomes, Tatiana Roberta de Souza, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Ricardo Teixeira Veiga

indústria do entretenimento.

Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil

Bases para a compreensão do lazer

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suas implicações econômicas e socioculturais;

da rede particular, situadas nas regiões Sul e

com a formação e qualificação de recursos

Sudeste (dois em cada uma delas). Prevêem

humanos para atuar nas áreas do turismo

um período máximo de integralização do cur-

sustentável, planejamento, gestão, pesquisa

so de 24 meses e, na avaliação da CAPES do

e docência nos setores público e privado; e

último triênio (2004-2006), três cursos permane-

também com o desenvolvimento de com-

ceram com o conceito 3 e apenas um obteve

petências científicas, técnico-profissionais e

o conceito 4. O corpo docente desses cursos

didático-pedagógicas dos profissionais do tu-

é constituído, em sua maioria, por professores

rismo, com vistas ao desenvolvimento de novas

graduados em diversas áreas do conhecimen-

metodologias e à aplicação de tecnologias

to, evidenciando a multidisciplinaridade que

inovadoras.

caracteriza o campo e que é fundamental

O curso possui duas linhas de pesquisa: uma

para o avanço de saberes sobre o turismo,

direcionada para a organização e gestão de

como destaca Moesch (2002).

turismo e hotelaria, outra para o turismo em suas

Entretanto, é importante destacar que os

interfaces com o meio ambiente, a cultura e

cursos de graduação e os programas de pós-

a sociedade. Essa segunda linha de pesquisa,

graduação em Turismo e Hospitalidade no Brasil

pela sua abrangência, proporciona maiores

avaliados nesta pesquisa encontram-se inseri-

possibilidades para a discussão do turismo

dos na área da Administração. Por um lado,

relacionado ao lazer, embora este não esteja

este encaminhamento pode ser interessante

necessariamente excluído das abordagens

para o desenvolvimento do fenômeno turístico

mais voltadas para o planejamento e a gestão

do ponto de vista do planejamento e da ges-

do fenômeno turístico.

tão. Por outro lado, este direcionamento pode

A partir dessas linhas de pesquisa, o currí-

restringir a essência multidisciplinar do turismo,

culo conta com três disciplinas obrigatórias e

que se constrói a partir das contribuições de

doze optativas (seis disciplinas para cada linha

várias disciplinas e áreas do conhecimento.5

de pesquisa), que tratam de temas diversos:

A implantação do curso de Mestrado A pro-

aspectos teóricos e conceituais do turismo;

curou atender a uma demanda por formação

planejamento e gestão; política e legislação

profissional qualificada na área do turismo,

ambiental; contribuições da psicologia social

considerando os seus mais variados segmen-

e das ciências econômicas; cultura, lazer e

tos que movimentam um mercado em franca

ludicidade; indústria cultural; formação pro-

expansão. A área de concentração do curso

fissional de nível superior; metodologia da

está voltada para o desenvolvimento regional

pesquisa e produção científica brasileira. Os

do turismo, tendo em vista atender as neces-

aspectos enfatizados no contexto deste curso

sidades de planejamento, gestão e formação

são diversificados, permitindo assim a pesquisa

científica nessa área. É com essa preocupação

sobre o fenômeno turístico a partir de múltiplos

que o curso procura investir na produção de

enfoques.

conhecimentos, na qualificação científica,

Considerando o universo de 52 dissertações

técnico-profissional e didático-pedagógica dos

defendidas no período 2002-2006, três delas,

docentes, pesquisadores e profissionais, consi-

mesmo que tenham enfoques diferenciados,

derando as implicações sociais e econômicas

apresentam no título a palavra lazer. Os te-

verificadas na realidade atual.

mas abordados foram: eventos de lazer e de

Seus objetivos relacionam-se com a pesqui-

negócios; expectativa de auto-eficácia para

sa, com a reflexão teórica e o aprofundamento

o turismo de lazer; prática do turismo no tempo

de conhecimentos sobre o fenômeno turístico e

de lazer. Essas dissertações representam 5,7% 58

Christianne Luce Gomes, Tatiana Roberta de Souza, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Ricardo Teixeira Veiga

desenvolvidos por instituições de ensino superior

Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil

5. Sobre este aspecto, esclarecemos que a CAPES conta com uma área denominada “multidisciplinar”, que poderia contemplar os cursos de Turismo. Desde o ano 2000, a Universidade Estadual de Santa Cruz, em parceria com a Universidade Federal da Bahia, desenvolve o mestrado acadêmico em Cultura & Turismo, com abordagem multidisciplinar. Como esta pesquisa teve como recorte os cursos de Mestrado em Turismo/Hospitalidade inseridos na área da Administração, este Curso não foi considerado nas análises aqui empreendidas, mas poderá ser objeto de outros estudos sobre a temática.

Vol. 8, N° 3 (2008)

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do total – índice que, apesar de importante

mento e a gestão estratégica, mas enfoca o

considerando a atual realidade dos cursos de

lado da hospitalidade e engloba duas linhas

mestrado em turismo no Brasil, é ainda peque-

de pesquisa: uma voltada para as dimensões

no no contexto da produção acadêmica da

conceituais e epistemológicas do turismo e

área, pois, como será tratado posteriormente,

hospitalidade, outra para as políticas e gestão

esse fenômeno possui importantes vínculos

destes campos.

É relevante destacar que o site do referido

estar tão bem associada quanto a interface tu-

curso apresenta a produção científica do cor-

rismo-lazer. No primeiro caso, tal aproximação

po docente no período 2004-2006 e, do total de

parece a princípio se limitar à esfera dos meios

43 publicações, quatro também apresentam

de hospedagem. Entretanto, Camargo (apud

a palavra lazer, evidenciando a preocupa-

Decker, 2007) observa que ser hospitaleiro diz

ção de alguns professores em aprofundar a

respeito ao ato de recepcionar bem alguém,

temática, relacionando-a com o turismo. As-

tanto no quesito acolhimento (hospedagem)

sim, podemos concluir que os conhecimentos

quanto nos de alimentação e entretenimento.

gerados no contexto deste curso contemplam

Assim, essa inter-relação turismo-hospitalidade

aspectos referentes ao lazer, especialmente

se apresenta pertinente para esta pesquisa,

porque uma das linhas de pesquisa amplia

ainda mais que nesse processo estão inseridos

possibilidades para a discussão dessa temática

não apenas os turistas, mas também os autóc-

em suas interfaces com o turismo.

tones, o poder público e a iniciativa privada.

O Mestrado B apresenta as concepções

Ainda no tocante ao mesmo curso, seu

teóricas que o curso adota, contextualizando

currículo é constituído por uma disciplina obri-

assim os conhecimentos que pretende aprofun-

gatória e treze optativas. Nenhuma destas

dar numa perspectiva interdisciplinar. Propõe a

apresenta, em sua denominação, a palavra

busca de propostas inovadoras, adequadas às

lazer. Entretanto, a análise das ementas das

realidades sociais, econômicas e culturais da

disciplinas indica que algumas oferecem apro-

atualidade e aos desafios do novo século. Essa

ximações com o lazer a partir de temáticas

abordagem relaciona diversos campos consi-

afins a este fenômeno, tais como “Cultura,

derados estratégicos para a área de turismo no

cinema e hospitalidade” e “Festa, comunidade

Brasil, tais como hotelaria, lazer, gastronomia e

e hospitalidade”.

infra-estrutura urbana, entre outros.

O conjunto das disciplinas listadas indica

Os objetivos deste mestrado são, em linhas

uma preocupação com a discussão dos se-

gerais, voltados para a formação e aperfeiçoa-

guintes temas: conceito de cultura e patrimônio

mento de profissionais, docentes e/ou pesqui-

cultural; articulação entre festa, comunidade e

sadores no sentido de: ampliar a fundamenta-

hospitalidade; aspectos conceituais e históricos

ção teórica para o planejamento e gestão de

de turismo e hospitalidade; ensino do turismo;

empreendimentos de hospitalidade orientados

perfil profissional da área; pesquisa científica

para o mercado de serviços e produtos em

em ciências sociais; planejamento, adminis-

áreas urbanas e rurais; implementar investiga-

tração e gestão em turismo e hospitalidade

ções no campo da história e no campo social,

(modelos de gestão, marketing, qualidade em

econômico e ambiental; e introduzir uma visão

serviços, comportamento do consumidor, ges-

ampla e interdisciplinar deste campo no nível

tão de pessoal, etc.); planejamento e gestão

de pós-graduação.

ambiental; transportes turísticos.

A área de concentração deste mestrado

Sobre a possibilidade de os conhecimentos

também está relacionada com o planeja-

produzidos no contexto deste curso contempla59

Christianne Luce Gomes, Tatiana Roberta de Souza, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Ricardo Teixeira Veiga

Essa relação turismo-hospitalidade parece

Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil

com o lazer.

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básicas e tipologias da área; planejamento

que das 82 dissertações concluídas entre 2004 e

turístico; administração de empresas e aspec-

2006, cinco delas (o que representa 6% do total)

tos de gestão (marketing, finanças, logística,

estão relacionadas ao lazer, apresentando esta

oferta/demanda, recursos humanos); infra-

palavra no título dos trabalhos. As temáticas

estrutura; urbanização e desenvolvimento

das dissertações abordam, em geral, a questão

regional; patrimônio sociocultural e ambiental;

dos espaços, equipamentos, serviços e eventos

responsabilidade social; educação e cultura,

de lazer no âmbito do turismo.

pesquisa na área do turismo. Em síntese, os

O curso de Mestrado C volta-se para o

componentes curriculares indicam que os

estudo interdisciplinar do fenômeno turístico

aspectos enfatizados neste curso de mestrado

e das organizações e suas teorias e, para isso,

voltam-se especialmente para o planejamen-

dedica-se preferencialmente à formação de

to, a gestão e a pesquisa em turismo.

professores e pesquisadores. Para obter o título

Além disso, é importante destacar que as

de Mestre, o discente deverá envidar esforços

ementas de três disciplinas abordam conteú-

para realizar leituras, participar de pesquisas

dos como lazer, entretenimento e cultura. Das

e envolver-se com a produção científica.

dissertações defendidas neste curso até o

Além disso, professores e estudantes deverão

ano de 2005, seis apresentam no título a pa-

produzir e difundir conhecimento e promover

lavra lazer, evidenciando uma preocupação

a reflexão crítica sobre o turismo, visando o

em aprofundar conhecimentos sobre essa

desenvolvimento social-ambiental-econômi-

temática. Os enfoques das dissertações estão

co-cultural.

relacionados, em geral, com a temática dos

Seus objetivos, em linhas gerais, estão rela-

espaços, equipamentos e serviços de lazer e

cionados com o aprofundamento de estudos

turismo, duas delas voltadas para o contexto

e pesquisas relacionados ao campo do turismo

de resorts. Dessa maneira, pode-se afirmar que

no Brasil; com a análise e avaliação dos aspec-

os conhecimentos produzidos sobre o turismo

tos da atividade turística no país e no exterior;

no contexto deste curso contemplam aspectos

com a produção e disseminação do conheci-

referentes ao lazer. Contudo, considerando o

mento técnico-científico na área do turismo e

universo de 124 dissertações, essas pesquisas

hotelaria e com a melhoria da qualidade do

representam 4,8% do total, indicando que é

ensino do turismo em diversos níveis (técnico,

uma temática ainda pouco explorada no

graduação e pós-graduação).

âmbito deste mestrado acadêmico.6

Este curso conta com uma área de con-

A proposta do curso de Mestrado D é suprir

centração voltada para o planejamento e

a demanda por pesquisa e formação de pro-

gestão do turismo e da hotelaria e duas linhas

fissionais com conhecimentos sólidos no âmbito

de pesquisa: uma delas direcionada para o

do planejamento e gestão do turismo susten-

planejamento e a gestão de espaços turísticos,

tável, envolvendo tanto os empreendimentos

e a outra para o planejamento e a gestão de

quanto os destinos turísticos, através de um

empresas de turismo. Observa-se, assim, uma

modelo de educação flexível e multidisciplinar.

ênfase nos aspectos de planejamento e gestão

Tem como público alvo: graduados, docentes,

do turismo, preocupando-se especialmente em

pesquisadores, executivos e profissionais que

atender as demandas do mercado.

atuam nos âmbitos público, privado e no ter-

Dessa forma, o currículo do curso oferece seis disciplinas obrigatórias e doze optativas

ceiro setor; nas diversas áreas afins ao turismo e ao meio ambiente.

(sem contar com os seminários temáticos op-

A área de concentração deste mestrado

tativos), destinadas à discussão de definições

está relacionada com o turismo e o meio am60

Christianne Luce Gomes, Tatiana Roberta de Souza, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Ricardo Teixeira Veiga

rem aspectos referentes ao lazer, percebe-se

Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil

6. Para critério de análise, foram consideradas apenas as dissertações que apresentavam, no título, a palavra lazer. É possível que existam outros trabalhos que tratem dessa temática, contemplando a discussão do lazer e temas afins no corpo do texto. Mas, neste caso, o lazer não representaria o principal tema de discussão no âmbito do turismo.

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pações em desenvolver a reflexão teórica, a

delas é direcionada para o planejamento e o

pesquisa e o aprofundamento de conheci-

desenvolvimento do turismo sustentável e, a

mentos sobre o turismo, formando profissionais,

outra, para a gestão ambiental.

docentes e pesquisadores para este campo.

O currículo do curso apresenta disciplinas

Planejamento e gestão do fenômeno turístico

comuns às duas linhas de pesquisa, abarcando

são os temas predominantes dos cursos inves-

discussões relacionadas à elaboração e gestão

tigados.

de projetos ambientais e turísticos, planejamen-

Em termos da área de concentração dos

to do turismo, desenvolvimento sustentável,

cursos constata-se que, apesar das particu-

cultura, políticas públicas, cartografia e geo-

laridades que os distinguem, três priorizam o

processamento, além da metodologia de pes-

planejamento e a gestão. Esta mesma cons-

quisa científica. As disciplinas específicas para

tatação pode ser evidenciada nas linhas de

uma das linhas abordam discussões sobre geo-

pesquisa dos cursos que, mesmo apresentando

grafia, patrimônio cultural, gestão (marketing,

especificidades, abordam o planejamento e a

logística, sistemas de informação), educação

gestão como diretrizes para as investigações

superior e formação profissional em turismo.

desenvolvidas nos mestrados, prováveis reflexos

Já as disciplinas específicas para a outra linha

da área que acolhe os cursos analisados, ou

de pesquisa focam a gestão ambiental de

seja, a Administração. Fator que não necessa-

empresas e destinos turísticos, a avaliação de

riamente influencia na escassez de trabalhos

impactos ambientais, o marketing e a econo-

voltados para o estudo do lazer, uma vez que

mia do meio ambiente, o empreendedorismo

as temáticas “negócio de lazer” e “entreteni-

e a responsabilidade sócio-ambiental, entre

mento” têm, nesse sentido, estreita relação.

outros temas.

Pelo conjunto de disciplinas que compõem

Neste sentido, considerando o currículo des-

três dos quatro cursos, observa-se que, em

te curso, observa-se que a gestão ambiental e

geral, além do planejamento e da gestão,

o desenvolvimento sustentável do turismo são

são enfatizadas a pesquisa e as abordagens

os aspectos mais enfatizados nesta proposta

teóricas e conceituais do turismo. Os aspectos

de formação acadêmica. Nenhuma das dis-

que se destacam no âmbito dos cursos relacio-

ciplinas apresenta em suas denominações o

nados ao turismo e hospitalidade são distintos,

termo lazer, tampouco indica conteúdos mais

apesar da predominância do planejamento e

próximos dessa temática. Como as ementas

da gestão. Um dos cursos analisados, contudo,

das disciplinas não estão disponíveis no site do

apresenta, a nosso ver, uma maior diversifica-

curso, a análise das mesmas fica limitada ao

ção de possibilidades para a pesquisa sobre

título das disciplinas que integram o currículo.

o fenômeno turístico, não se restringindo à

As dissertações defendidas, assim como a

abordagem administrativa dos conhecimentos

produção científica dos docentes do curso

produzidos neste programa.

também não estão disponibilizadas, dificul-

A partir da análise dos dados, observa-

tando a verificação dos conhecimentos rela-

se que três dos quatro cursos pesquisados

cionados ao turismo produzidos no contexto

contemplam discussões sobre o lazer. Essa

deste mestrado.

identificação, no entanto, situa-se na faixa de 5% das dissertações defendidas, que, em

Resultados

geral, têm como temas mais recorrentes a

No que se refere aos objetivos dos quatro

questão dos espaços, equipamentos, eventos

cursos de mestrado considerados, de alguma

e serviços de lazer e turismo. Este índice de 5%

forma todas as propostas indicam preocu-

é ainda modesto, mas pode crescer a partir 61

Christianne Luce Gomes, Tatiana Roberta de Souza, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Ricardo Teixeira Veiga

biente, e possui duas linhas de pesquisa: uma

Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil

Vol. 8, N° 3 (2008)

Caderno Virtual de Turismo ISSN: 1677-6976

Vol. 8, N° 3 (2008)

do momento em que a temática do lazer

entorno habitual e as motivações dos turistas.

constituir uma preocupação dos programas de

Todavia, o mesmo órgão insere um elemento

turismo/hospitalidade, permitindo assim novos

novo: a determinação de certo período para

aprofundamentos e outras abordagens que

a ocorrência do turismo, o que instiga algumas

façam articulações mais consistentes entre o

reflexões. Percebe-se que o turismo detém cer-

lazer e o turismo.

to limite de tempo para sua vivência, mas seria

E quanto à predominância dos cursos estarem vinculados a instituições de ensino

possível conformá-lo dentro de um período consecutivo e limitado a um ano?

particulares, devido a proposta dessa pesquisa

Em parte, essa visão parece caminhar a

ter sido de caráter descritivo, essa questão não

favor da extrema preocupação da OMT em

foi abordada, mostrando-se uma oportunidade

quantificar os dados que envolvem o turismo,

de pesquisas ulteriores.

atrelando-o ao fator econômico e reforçando aspectos de planejamento e gestão, conforme

impeliu encaminhar o Turismo a se incorporar à área da Administração, a qual detém conhe-

Nos dias atuais, um dos conceitos de turis-

cimentos específicos para pesquisar, analisar

mo mais difundidos no mundo foi elaborado

e apresentar informes quantitativos do setor7.

pela Organização Mundial de Turismo (OMT),

Assim, torna-se possível levantar dados esta-

um órgão intergovernamental – reconhecido

tísticos, por exemplo, sobre os turistas que um

pela Organização das Nações Unidas (ONU)

determinado país ou região recebem. No en-

– que conta com quase 200 Estados membros.

tanto, essa concepção exclui as pessoas que

Conforme Pereira (2000), além deste expressivo

podem aproveitar períodos de férias conse-

contingente, há 350 componentes afiliados à

cutivas, ultrapassando o período de 12 meses,

OMT, vinculados aos setores público e privado.

como é o caso daqueles que velejam os mares

Para a OMT, o turismo compreende as ativida-

com suas famílias, assim como os aposentados

des realizadas pelas pessoas “[...] durante suas

que também viajam constantemente, mas não

viagens e estadas em lugares diferentes do seu

consecutivamente.

entorno habitual, por um período consecutivo

A abordagem econômica do turismo,

inferior a um ano, com finalidade de lazer, ne-

embora importante, não consegue, por si só,

gócios ou outras” (Sancho, 2001, p.38).

fornecer os elementos imprescindíveis para a

De forma geral, Beni (apud ANSARAH, 2001)

caracterização deste fenômeno. Os conceitos

relata que existem elementos comuns nas de-

de turismo vigentes, hoje, seguem essa pers-

finições sobre turismo: a) a viagem ou o deslo-

pectiva, daí a importância das categorias em

camento de pessoas; b) a permanência fora

foco como, por exemplo, a definição mínima

do domicílio; e c) a temporalidade. O autor

de 24 horas em um determinado destino. É

revela ainda que reduzir turismo unicamente à

necessário, assim, superar as abordagens

esfera da viagem pode gerar problemas, uma

funcionalistas do turismo, buscando novas

vez que a viagem também pode ser realizada

propostas para tentar caracterizar a essência

por aqueles que se transferem para outro local

deste fenômeno e reconhecer a importância

com intenção de fixar residência, dando-se aí

das representações sociais e dos significados

a atividade de migração.

que pode gerar.

Voltando á concepção da OMT, podemos

Quanto às relações associadas ao turismo,

observar a permanência de outros pontos

sabe-se que essa experiência se concretiza

presentes em distintas definições, como o

pelo afastamento do ambiente ordinário, do 62

Christianne Luce Gomes, Tatiana Roberta de Souza, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Ricardo Teixeira Veiga

7. Interessante atentar que a relação entre a Administração e o Turismo está presente também na Constituição Federativa do Brasil de 1988, onde o último aparece uma única vez e logo no Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira), no Capítulo I (Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica), no Artigo 180, da seguinte forma: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico” (1988 p.123). Mesmo aparecendo o termo “social”, observa-se uma prevalência da questão econômica (Lacerda, 2007a).

verificado na pesquisa. O que provavelmente

Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil

Considerações finais: importância de relacionar lazer e turismo

Caderno Virtual de Turismo

cotidiano. Ao observar uma paisagem, ca-

turístico nos coloca mais propensos a interagir

racterizada aqui como espaço contemplado

com mais acuidade com o ambiente e as

durante o deslocamento da viagem, é possível

pessoas que nos cercam, tornando-nos mais

estabelecer diferentes relações e de diferentes

abertos a perscrutar ao redor as estranhezas.

intensidades com o espaço. Para Tuan, o es-

Além disso, é importante ressaltar que o

paço não pode ser definido separadamente

turista observador, em geral, estabelece suas

do conceito de lugar e complementa ao dizer

primeiras relações com o espaço visto pela

que “o espaço é dado pela capacidade

dimensão estética. Trata-se das primeiras

de mover-se [...], por isso o espaço pode ser

sensações e emoções sentidas através do

experienciado de várias maneiras: como a

contato com os signos da paisagem que che-

localização relativa de objetos e lugares, e

gam à vista do observador, através de seu

– mais abstratamente – como a área definida

campo seletivo de imagens. Uma paisagem

por uma rede de lugares” (1983, p.14).

pode despertar um interesse de aproximação

De acordo com o autor, o espaço se trans-

e vínculo ou um distanciamento e repulsão.

forma em lugar à medida que adquire defi-

Quando as sensações são interpretadas pelo

nição e significado. O local vivido, o local de

campo do pensamento, o indivíduo penetra-se

pertencimento do indivíduo, onde o mesmo se

na dimensão cultural da paisagem, através da

reconhece e é reconhecido. Onde as relações

atribuição de um valor simbólico aos objetos

são próximas e intimistas. Onde se sente seguro

vistos. Assim, tem-se a identificação e a atribui-

e não ameaçado pelo desconhecido, pelo

ção de significados aos novos atrativos.

novo. Assim, torna-se importante o estudo das

Trata-se da prática humana de reconheci-

representações sociais da viagem turística, pois

mento e apropriação do espaço. Apesar de ser

não se trata de um deslocamento pré-deter-

uma questão polêmica entre os estudiosos do

minado por distâncias físicas e limites objetivos

turismo, do nosso ponto de vista ao se deparar

e quantificáveis. Trata-se de uma experiência

com o “novo”, com o “outro” e com o “desco-

humana e social, de uma viagem em busca de

nhecido”, o próprio cidadão pode vivenciar o

reconhecimentos, de si mesmo e do outro, até

turismo na sua cidade, que se torna um “lugar”

então desconhecido e distante. Desse modo,

com o qual podem ser estabelecidos novos

temos o nosso lugar, onde nos reconhecemos

vínculos, significados e relações simbólicas. E

e somos reconhecidos, mas através da viagem,

esse encontro com o inusitado, segundo La-

do deslocamento no espaço, criamos novos

cerda (2007b), é possível de acontecer devido

lugares, pois, como destaca o autor acima, os

principalmente a dois motivos: um ancorado

lugares são núcleos de valor.

na extensão territorial das cidades (principal-

É possível se atribuir valor simbólico diferen-

mente as grandes metrópoles), impossibilitando

te aos elementos vistos na paisagem diante

o seu total conhecimento por parte de seus

de nossas expectativas imaginárias. Vemos

residentes; o outro relacionado à rotina e à

e reconhecemos o novo de acordo com as

azáfama em que os moradores se encontram,

experiências pessoais anteriormente construí-

influenciando os mesmos a percorrerem sem

das. “A experiência é um termo que abrange

muita sensibilidade os lugares de costume. Por

as diferentes maneiras através das quais uma

isso a importância de uma nova visão sobre o

pessoa conhece e constrói a realidade” (Tuan,

turismo, uma que permita ao sujeito vivenciar

1983, p.9). Assim, pode-se contemplar e admirar

uma reflexão sobre seus próprios costumes e

certas paisagens – pois se cria uma expectativa

hábitos, ajudando-o a ser mais consciente e

para a vivência imaginada (antes da viagem).

crítico em sua vida e para consigo mesmo. Por

De qualquer forma, o ato do deslocamento

tudo isso, a categoria viagem não pode ser a 63

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ISSN: 1677-6976

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imaginário são algumas categorias que podem

significativa a idéia de “deslocamento”.

ser consideradas.

De maneira semelhante, a categoria lu-

É inegável a capacidade do turismo de

gar é preferível a “entorno habitual”. Com

aproximar as nações, globalizar a economia,

isso, pode-se considerar o fazer turismo em

acelerar o crescimento, gerar divisas e produzir

sua própria cidade, já que é inegável o fato

novos empregos, sendo notório o seu impac-

de que a desconhecemos como um todo.

to na esfera econômica mundial (Werneck,

Nesse âmbito, tentamos reinventar a vivên-

Stoppa, Isayama, 2001). Contudo, é preciso

cia turística, pois começamos a obter maior

considerar com muita cautela os números que

sensibilidade para o reconhecimento afetivo

envolvem o setor. Os aspectos econômicos do

de onde moramos.

turismo são relevantes e explicam, em parte, a

A partir dessas reflexões, acredita-se que

rápida e vulnerável expansão dos cursos nessa

o turismo esteja ligado ao conhecimento e

área, cujos currículos de cursos de graduação

reconhecimento (busca do vínculo, da afeti-

– e também de mestrado – geralmente enfati-

vidade, da autenticidade) de um local extra-

zam aspectos técnicos e operacionais, questão

ordinário (espaço), no qual são estabelecidas

também discutida na pesquisa de Bernardino

as mais variadas relações (sociais, econômicas,

e Isayama (2006).

políticas, trocas culturais...) num determinado

Apesar de ser um campo com possibilidades

tempo através de inúmeras experiências (sen-

de ampliar sua característica multi/interdisci-

sações e emoções).

plinar, as referências atuais ainda apontam

Os resultados obtidos nesta pesquisa eviden-

para uma ênfase econômica e técnica. Por

ciaram a importância de ampliar o entendi-

isso é fundamental considerar outros elemen-

mento do turismo para além dos aspectos que

tos que vão além dessas esferas, priorizando

vêm sendo estudados nos cursos analisados.

a percepção do homem dentro do processo

Dessa maneira, o turismo pode ser compreendi-

histórico, político e social inerente a este fe-

do como um fenômeno sociocultural que pres-

nômeno. Neste âmbito, o campo de estudos

supõe o deslocamento concreto ou simbólico

sobre o lazer – fundamentado principalmente

de pessoas em tempos e espaços distintos do

nas Ciências Humanas e Sociais – pode con-

cotidiano habitual, o que possibilita a vivência

tribuir sobremaneira com as reflexões sobre o

de práticas e comportamentos diferentes e em

turismo enquanto um fenômeno que, além de

outros ritmos e lógicas, como sugerem Gastal

econômico, é também sociocultural.

e Moesch (2007). Na maioria das vezes ocorre

Esse outro olhar para o turismo indica que os

uma relação de estranhamento, podendo os

referenciais geralmente enfatizados precisam

sujeitos se defrontarem com o novo, com o di-

ser repensados, pois não atendem integral-

ferente e com o inesperado, mas também com

mente as necessidades de análise multi/inter-

o familiar e o similar, evocando assim novas e

disciplinar do turismo em uma perspectiva mais

antigas experiências dotadas de significativo

ampliada, que também contemple aspectos

valor simbólico.

referentes ao lazer.

Moesch (2002) ressalta a necessidade de

O lazer, por sua vez, compreende a vivência

refletirmos sobre o turismo a partir de outras

de inúmeras manifestações da cultura, tais

categorias, indo além dos habituais elementos

como o jogo, a brincadeira, a festa, o passeio,

que, geralmente, são considerados (tempo,

o esporte, as formas da arte, a viagem, entre

espaço e volume). Neste sentido, as novas

várias outras possibilidades. E apesar de ainda

tecnologias, os sujeitos, as diversões, a ideo-

não estar bem definida nem no cotidiano das

logia, a emoção, o risco, a comunicação e o

pessoas, nos seus respectivos ambientes de tra64

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principal referência para o turismo, sendo mais

Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil

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Caderno Virtual de Turismo ISSN: 1677-6976

A partir dessas reflexões, pode-se afirmar

entre turismo e lazer é real e presente em vários

que o turismo é, em sua essência, um fenômeno

meios, seja de comunicação, seja em revistas

sociocultural e uma possibilidade de lazer (Urry,

científicas ou no boca-a-boca.

2001), caracterizado pelo (re)conhecimento

O lazer, como uma das motivações dos

de um lugar extraordinário, no qual são esta-

turistas, não necessariamente estaria desvin-

belecidas as mais variadas relações (sociais,

culado de uma experiência pedagógica,

econômicas, históricas, políticas, culturais,

da gastronomia, do meio urbano, rural ou

afetivas etc.) em determinado tempo e espa-

natural. Percepção que segue na contramão

ço. Esta compreensão coloca em evidência

da tendência de se segmentar o turismo, fruto

a necessidade de construir outros referenciais

de uma intervenção direta da administração

para o turismo, e o campo de estudos sobre o

e do marketing numa tentativa de auxiliar na

lazer pode trazer importantes contribuições.

assimilação das diversidades que envolvem o

Concluindo, há muito que realizar no âm-

fenômeno. Proposta válida, mas que carrega

bito da formação acadêmica em turismo nos

o problema de geralmente não vir acompa-

níveis de graduação e de pós-graduação. No

nhada de uma contextualização que mostre

entanto, é preciso fornecer elementos para a

a dinamicidade dos diversos interesses aí en-

consolidação de profissionais, docentes e pes-

volvidos, os quais não permanecem estanques

quisadores críticos, criativos, questionadores,

às influências uns dos outros.

reflexivos, articuladores, que saibam praticar

Freqüentemente observado como uma

efetivamente as “teorias” que propõem a

vivência estreitamente ligada às férias, ao fim

grupos com os quais vão atuar. Para isso, é

de semana e aos feriados, ou seja, tempos

necessário incentivar a formação acadêmica

ainda observados como institucionalizados

em uma perspectiva continuada, sendo cons-

para o lazer, a relação discutida aqui (turismo

tantemente alimentada pela participação em

e lazer) se mostra mais concreta. E que, se mais

cursos de diferentes naturezas (atualização,

aprofundada, como acontece entre turismo e

aperfeiçoamento, especialização, mestrado,

economia ou turismo e administração, pode

doutorado), em eventos técnico-científicos,

oportunizar novas sensações e pensamentos

em listas de discussões, dentre outras ações

que complementem a experiência turística.

que devem fazer parte do cotidiano dos pro-

Nesse sentido, ao vivenciarmos o turismo

fissionais que desejam atuar nos campos do

– afastando-nos ou não do ordinário e do

turismo e do lazer. Fica, assim, um convite a

cotidiano habitual – estamos propensos a in-

novas pesquisas sobre essas temáticas.

teragir com mais acuidade com o ambiente, com as pessoas que nos cercam e até mesmo

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conosco. Estamos mais abertos a perscrutar, ao

ANSARAH, M.G.R. (org.). Turismo: como apren-

redor, tudo aquilo que nos parece diferente

der, como ensinar. 2.ed. São Paulo: Editora

ou parecido, desconhecido ou familiar. Esses

SENAC São Paulo, 2001.

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BERNARDINO, C.R.; ISAYAMA, H.F. Lazer e turis-

revelando-nos assim que o turismo é um fenô-

mo: Análise de currículos de cursos de gra-

meno relacional. Ao contemplar e admirar as

duação em turismo de Minas Gerais. Licere.

paisagens, criamos uma expectativa para a

Belo Horizonte, v.9, n.2, p.8-23, 2006.

vivência imaginada antes da realização da

DECKER, K. Comunidades hospitaleiras. In: Semi-

viagem, bem como tentamos identificar os no-

nário da Associação Nacional de Pesquisa

vos e já conhecidos atrativos, que se constroem

e Pós-Graduação em Turismo, v.4, 2007, São

através dos signos que lhe conferimos.

Paulo. Anais... São Paulo: Aleph, 2007. 65

Christianne Luce Gomes, Tatiana Roberta de Souza, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Ricardo Teixeira Veiga

balho e nos espaços acadêmicos, essa relação

Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil

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residentes: Uma possibilidade? In: SILVA,

Recebimento do artigo: 25-jan-2008 Envio aos pareceristas: 13-mai-2008 Recebimento dos pareceres: 23-ago-2008 Envio para a revisão do autor: 25-ago-2008 Recebimento do artigo revisado: 2-set-2008 Aceite: 2-set-2008

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