Caderno Virtual de Turismo ISSN: 1677-6976
Vol. 8, N° 3 (2008)
Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil* Christianne Luce Gomes** Tatiana Roberta de Souza*** Leonardo Lincoln Leite de Lacerda**** Ricardo Teixeira Veiga*****
Resumo Esta pesquisa exploratória de caráter descritivo foi desenvolvida por meio de um estudo bibliográfico-documental de quatro cursos de mestrados em Turismo/Hospitalidade no Brasil e contou com três objetivos: a) identificar o enfoque predominante na pós-graduação stricto sensu em Turismo e Hospitalidade; b) verificar se os conhecimentos produzidos no âmbito de quatro cursos de mestrado em Turismo e Hospitalidade contemplam aspectos referentes ao lazer e c) discutir a importância de se relacionar o lazer e o turismo. O campo de estudos sobre o lazer – fundamentado principalmente nas Ciências Humanas e Sociais – pode contribuir sobremaneira com as reflexões sobre o turismo enquanto um fenômeno que, além de econômico, é também sociocultural.
Palavras-chave: Turismo; lazer; pós-graduação; Brasil.
Abstract This exploratory research of descriptive type was carried out by means of a bibliographic-documental study of four master courses on Tourism/Hospitality in Brazil and had three objectives: a) to identify the main focus in strictu-sensu post-graduation in Tourism/ Hospitality linked to the Business field; b) to assess the whether knowledge produced in the courses are concerned with leisure and c) to discuss the importance of linking leisure and tourism. The field of studies about leisure – mainly based on Humanities and Social Sciences – can expressively contribute to the thinking on tourism as a social-cultural phenomenon, not only economic.
Keywords: Tourism; leisure; pos-graduation; Brazil.
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Caderno Virtual de Turismo ISSN: 1677-6976
Vol. 8, N° 3 (2008)
Introdução
tos para esta pesquisa foi necessário, em um
No Brasil, a pós-graduação lato e stricto sensu apresenta uma interessante possibilidade de formação de profissionais para atuar no âmbito do lazer e turismo, tendo em vista a qualificação de docentes para atuar em diferentes níveis e de pesquisadores interessa-
primeiro momento, efetuar um levantamento dos estudos sobre o tema para, em seguida, fazer uma espécie de sondagem a respeito do tema/problema, estando os resultados expostos de forma mais descritiva (Gomes, Amaral, 2005).
dos em aprofundar conhecimentos sobre as
Complementando o método da pesquisa,
temáticas. No entanto, ainda é pequeno o nú-
procurou-se discutir o tema por meio de um
mero de cursos de pós-graduação lato e stricto
estudo bibliográfico, que foi complementado
sensu oferecidos regularmente se comparado
com informações contidas nos sites dos cur-
à quantidade de profissionais interessados
sos de mestrado em Turismo/Hospitalidade,
em aprofundar conhecimentos nesse campo
dados que foram tratados a partir da análise
(Gomes et al., 2007).
documental.2
No que se refere à pós-graduação stricto
existiam quatro cursos de mestrado acadêmico
Ao discutir o modelo brasileiro de pós-
reconhecidos pela Coordenação de Aperfeiço-
graduação, Santos (2003) destaca o caráter
amento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).1
dependente dos cursos de mestrado no to-
Considerando a realidade desses cursos, qual(is)
cante à produção científica e a forte influência
aspecto(s) é(são) enfatizado(s) na formação
estrangeira na implementação/consolidação
Este artigo foi elaborado a partir da pesquisa de recém-doutora de Christianne L. Gomes, concluída em novembro de 2007. Apoio: Pró-reitoria de Pesquisa da UFMG/ Fundo Fundep.
acadêmica nesse nível? Os conhecimentos pro-
de nossa experiência neste âmbito. Mesmo
duzidos no contexto da pós-graduação stricto
seguindo referências européias, o modelo
sensu relacionada ao turismo contemplam as-
norte-americano foi o que mais influenciou a
** Docente da UFMG e Coordenadora do Mestrado em Lazer. Doutora em Educação. E-mail:
[email protected]
pectos referentes ao lazer? Qual a importância
pós-graduação brasileira.
*
*** Acadêmica do curso de Graduação em Turismo/UFMG. Bolsista PIBIC/CNPq. E-mail:
[email protected] **** Bacharel em Turismo/UNP. Especialista e Mestrando em Lazer pela UFMG. E-mail:
[email protected] ***** Pesquisador do CNPq. Docente da UFMG e Subcoordenador do Mestrado em Lazer. Doutor em Administração. E-mail:
[email protected] 1. No que se refere à criação de cursos novos, a última avaliação da CAPES (divulgada em 27/07/2007) aprovou mais um curso de Mestrado acadêmico em Turismo, a ser desenvolvido pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) a partir de 2008. Conforme será abordado posteriormente, a UESC/UFBA oferece o Mestrado em Cultura & Turismo, mas, como este curso não está inserido na área da Administração, também não foi considerado nesta pesquisa. 2. Neste estudo optou-se por preservar o anonimato dos programas analisados, que foram aleatoriamente designados como cursos “A”, “B”, “C” e “D”. Inicialmente, previa-se a realização de entrevistas com os coordenadores dos cursos e análise documental, mas não foi possível obter a anuência de todas as instituições para que a metodologia englobasse essas possibilidades. Por esta razão, a fonte de dados foi constituída pelas informações contidas nos respectivos sites.
de se relacionar o lazer e o turismo?
Seguindo este modelo, a pós-graduação
Essas questões nortearam esta pesquisa ex-
stricto sensu no Brasil é constituída por dois níveis
ploratória de caráter descritivo, que teve como
independentes (mestrado e doutorado) e, em-
objetivos identificar o enfoque predominante
bora o ingresso no segundo nível geralmente
na pós-graduação stricto sensu em Turismo;
seja decorrente da conclusão do primeiro, não
verificar se os conhecimentos produzidos neste
há uma relação de pré-requisito. Os currículos
contexto contemplam aspectos referentes ao
desses cursos também sofreram influência do
lazer e discutir a importância de se relacionar
exemplo norte-americano, que determina a
o lazer e o turismo.
sua composição a partir de uma área de con-
A escolha pela pesquisa exploratória deriva
centração (o major) e de matérias conexas (o
da necessidade de proporcionar aos pesqui-
minor). A primeira parte dos cursos é destinada
sadores maior familiaridade com o problema
ao cumprimento de uma determinada carga
estudado, ou uma nova forma de considerá-lo.
horária (desenvolvida na forma de disciplinas)
Esse tipo de estudo tem um planejamento fle-
e a segunda etapa, por sua vez, é destinada à
xível, de modo a considerar aspectos variados
confecção do trabalho científico de conclusão
do problema e consiste em buscar elemen-
(dissertação, no caso do mestrado, ou tese de
tos que visam uma compreensão geral das
doutorado).
características apresentadas pelo objeto de
Muitos autores criticam a importação de
pesquisa. Para alcançar os objetivos propos-
modelos de ensino de outras realidades, 55
Christianne Luce Gomes, Tatiana Roberta de Souza, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Ricardo Teixeira Veiga
da à área da Administração, até junho de 2007
Contextualizando a pósgraduação stricto sensu no Brasil
Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil
sensu relacionada ao Turismo, que está vincula-
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principalmente no que se refere à pós-gradua-
excelência que pode ser alcançado por um
ção. No artigo em que elogia a adoção do
programa. Para funcionar com a chancela
modelo norte-americano de pós-graduação,
da CAPES, um curso deverá obter no mínimo
Góes ressalta, contudo, que as diferenças
o conceito 3. No Brasil, esses conceitos são
existentes entre as estruturas universitárias do
atribuídos a cada três anos e a maioria dos
Brasil e dos Estados Unidos precisam ser con-
cursos em funcionamento têm o conceito 4.
sideradas. Para o autor, “é difícil precisar em
Parte expressiva dos cursos concentra-se nas
que medida a organização e os procedimen-
regiões Sul e Sudeste.
tos administrativos norte-americanos podem ser adotados integralmente em nosso meio” (1972, p.226).
Conforme dados contidos no Plano Nacional de Pós-graduação (PNPG 2005-2010), o sistema brasileiro cresceu nos seus vários
Criada no início da década de 1950 (pelo
aspectos: número de cursos, número de alunos
Decreto nº 29.741, de 11 de julho de 1951) e
matriculados e titulados; mas ainda é pequeno
vinculada ao Ministério da Educação (MEC),
em comparação com outros países. O cresci-
a CAPES desempenha papel fundamental na expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu em todos os estados da Federação. Suas atividades podem ser agrupadas em quatro grandes linhas de ação: (a) avaliação
mento da pós-graduação brasileira pode ser verificado em todas as regiões do país e em todas as grandes áreas do conhecimento, observando-se, porém, a permanência de desequilíbrios regionais.
vestimentos na formação de recursos de alto nível no país e exterior; e (d) promoção da cooperação científica internacional. Segundo a instituição, o seu sistema de avaliação serve de instrumento para a comunidade universitária, tendo em vista a necessidade de buscar um padrão de excelência acadêmica para os mestrados e doutorados nacionais. Os resultados da avaliação servem de base para a formulação de políticas para a área
3. Outras informações poderão ser obtidas no site: www.capes.gov.br/sobre/historia. html 4. O PNPG (2005-2010) pode ser consultado no site: www.capes.gov.br/servicos/pnpg.html
O Plano também esclarece que a avaliação
Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil
e divulgação da produção científica; (c) in-
do sistema deve ser baseada na qualidade e excelência dos resultados alcançados, na especificidade das áreas de conhecimento e no impacto desses resultados na comunidade acadêmica e empresarial, assim como na sociedade. O PNPG apresenta, igualmente, dados relativos ao destino de egressos. Uma informação interessante, que faz referência ao ano de 2000, mostra que, enquanto os doutores foram preponderantemente absorvidos pelas
de pós-graduação, bem como para o dimen-
universidades, os mestres atuam em diversos
sionamento das ações de fomento (bolsas de
ramos de atividade (sendo um terço deles em
estudo, auxílios, apoios).3
universidades)4.
Para que os diplomas expedidos pelos
Pelo exposto, a pós-graduação no Brasil
mestrados/doutorados de instituições cre-
vem adquirindo maior importância nos últimos
denciadas e habilitadas para desenvolvê-los
anos, apresentando expressivo crescimento
tenham validade nacional, esses cursos de-
a partir da década de 1990 – contexto que
verão ser reconhecidos pela CAPES, que é o
coincide com a criação dos quatro cursos de
órgão responsável pela verificação dos níveis
Mestrado em questão, ou seja, relacionados
de “qualidade e excelência” dos mesmos. O
à área de Turismo e Hospitalidade. Oportuni-
sistema de avaliação fundamenta-se na aná-
dade que provavelmente foi assimilada pelas
lise por pares e, a partir de 1998, os cursos são
instituições de ensino superior particulares para
avaliados através de uma escala que varia
aproveitar um mercado que estava emergindo
de 1 a 7, sendo este último o maior índice de
na época. 56
Christianne Luce Gomes, Tatiana Roberta de Souza, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Ricardo Teixeira Veiga
da pós-graduação stricto sensu; (b) acesso
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várias perspectivas. Dessa maneira, constituído conforme as peculiaridades do contexto históri-
Antes de adentrar na discussão sobre os
co e sociocultural no qual se desenvolve, o lazer
dados coletados, mostra-se pertinente dar
implica “produção” de cultura – no sentido da
uma direção indicando que lazer está sendo
reprodução, construção e transformação de
entendido aqui. Para tanto, iniciando do que
diversos conteúdos culturais usufruídos por par-
é normalmente compreendido, as idéias que
te de pessoas, grupos e instituições (Werneck,
giram em torno dessa palavra remetem à diver-
2000; Gomes, 2004). Essas ações são construídas
são, prazer e liberdade. Elementos que levam a
em um tempo/espaço de produção humana;
pensar, na atualidade, em duas vertentes: uma
dialogam e sofrem interferências das demais
considerando o lazer como um extremo oposto
esferas da vida em sociedade e nos permitem
do universo do trabalho, e outra que o envolve
ressignificar, simbólica e continuamente, a cul-
com um emaranhado de características da
tura. Ou, como delineado por Gomes: “uma dimensão da cultura constituída
Confrontando o primeiro ponto, é importan-
pela vivência lúdica de manifestações
te perceber que, apesar de trabalho e lazer
culturais no tempo/espaço conquistado
se configurarem por características diferentes,
pelo sujeito ou grupo social, estabelecendo relações dialéticas com as ne-
ambos fazem parte da mesma dinâmica social,
cessidades, os deveres e as obrigações
estabelecendo relações dialéticas. Desta for-
– especialmente com o trabalho produ-
ma, lazer e trabalho representam faces distintas
tivo” (2004, p.125).
da mesma moeda, sendo difícil estabelecer
Ainda segundo a autora, essa compreen-
fronteiras absolutas na vida cotidiana entre
são de lazer apresenta quatro elementos
essas esferas, tampouco entre outras, como
inter-relacionados, que refletem as condições
as obrigações profissionais, familiares, sociais,
que caracterizam a vida em sociedade: (a)
políticas (Gomes, 2008).
o “tempo”, concernente ao usufruto do mo-
Por sua vez, a segunda vertente remete a um
mento presente, não se limitando aos períodos
pensamento que envolve algo a ser usufruído
institucionalizados para o lazer (férias, feriados
em espaços privados, nitidamente onde se tem
e finais de semana); (b) o “espaço/lugar”, no
de pagar para ter acesso ao lazer. Uma visão
sentido de um “local” do qual os sujeitos se
que enfatiza o conformismo e o rápido consumo
apropriam no intuito de transformá-lo em pon-
e negligencia a produção e a transformação
to de encontro para o convívio social; (c) as
das manifestações e atividades de uma dada
“manifestações culturais”, que dizem respeito
comunidade, de um dado sujeito. Entretanto, o
às práticas vivenciadas como fruição da cul-
lazer, como fenômeno que não é estanque nem
tura e, por isso, detêm significados singulares
isolado, pode tanto auxiliar no processo de mas-
para quem as vivencia, e (d) a “atitude”, fun-
caramento e no apaziguamento dos conflitos
damentada na ludicidade – observada aqui
sociais, como representar uma possibilidade de
como expressão humana de significados da/na
reflexão e transgressão à ordem social injusta e
cultura referenciada no brincar consigo, com o
excludente que predomina em nosso meio.
outro e com a realidade (Gomes, 2004).
Por meio dessas complexas relações que, nos dias atuais, vem crescendo entre os autores do campo o entendimento de lazer como “uma das dimensões da cultura” (Marcellino, 1987;
Os cursos de mestrado em Turismo/Hospitalidade analisados: discussão dos dados
Melo, 2006), sendo esta concebida como um
Os quatro cursos de mestrado analisados
campo privilegiado de produção humana em
foram criados entre 1997 e 2002. Todos são 57
Christianne Luce Gomes, Tatiana Roberta de Souza, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Ricardo Teixeira Veiga
indústria do entretenimento.
Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil
Bases para a compreensão do lazer
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suas implicações econômicas e socioculturais;
da rede particular, situadas nas regiões Sul e
com a formação e qualificação de recursos
Sudeste (dois em cada uma delas). Prevêem
humanos para atuar nas áreas do turismo
um período máximo de integralização do cur-
sustentável, planejamento, gestão, pesquisa
so de 24 meses e, na avaliação da CAPES do
e docência nos setores público e privado; e
último triênio (2004-2006), três cursos permane-
também com o desenvolvimento de com-
ceram com o conceito 3 e apenas um obteve
petências científicas, técnico-profissionais e
o conceito 4. O corpo docente desses cursos
didático-pedagógicas dos profissionais do tu-
é constituído, em sua maioria, por professores
rismo, com vistas ao desenvolvimento de novas
graduados em diversas áreas do conhecimen-
metodologias e à aplicação de tecnologias
to, evidenciando a multidisciplinaridade que
inovadoras.
caracteriza o campo e que é fundamental
O curso possui duas linhas de pesquisa: uma
para o avanço de saberes sobre o turismo,
direcionada para a organização e gestão de
como destaca Moesch (2002).
turismo e hotelaria, outra para o turismo em suas
Entretanto, é importante destacar que os
interfaces com o meio ambiente, a cultura e
cursos de graduação e os programas de pós-
a sociedade. Essa segunda linha de pesquisa,
graduação em Turismo e Hospitalidade no Brasil
pela sua abrangência, proporciona maiores
avaliados nesta pesquisa encontram-se inseri-
possibilidades para a discussão do turismo
dos na área da Administração. Por um lado,
relacionado ao lazer, embora este não esteja
este encaminhamento pode ser interessante
necessariamente excluído das abordagens
para o desenvolvimento do fenômeno turístico
mais voltadas para o planejamento e a gestão
do ponto de vista do planejamento e da ges-
do fenômeno turístico.
tão. Por outro lado, este direcionamento pode
A partir dessas linhas de pesquisa, o currí-
restringir a essência multidisciplinar do turismo,
culo conta com três disciplinas obrigatórias e
que se constrói a partir das contribuições de
doze optativas (seis disciplinas para cada linha
várias disciplinas e áreas do conhecimento.5
de pesquisa), que tratam de temas diversos:
A implantação do curso de Mestrado A pro-
aspectos teóricos e conceituais do turismo;
curou atender a uma demanda por formação
planejamento e gestão; política e legislação
profissional qualificada na área do turismo,
ambiental; contribuições da psicologia social
considerando os seus mais variados segmen-
e das ciências econômicas; cultura, lazer e
tos que movimentam um mercado em franca
ludicidade; indústria cultural; formação pro-
expansão. A área de concentração do curso
fissional de nível superior; metodologia da
está voltada para o desenvolvimento regional
pesquisa e produção científica brasileira. Os
do turismo, tendo em vista atender as neces-
aspectos enfatizados no contexto deste curso
sidades de planejamento, gestão e formação
são diversificados, permitindo assim a pesquisa
científica nessa área. É com essa preocupação
sobre o fenômeno turístico a partir de múltiplos
que o curso procura investir na produção de
enfoques.
conhecimentos, na qualificação científica,
Considerando o universo de 52 dissertações
técnico-profissional e didático-pedagógica dos
defendidas no período 2002-2006, três delas,
docentes, pesquisadores e profissionais, consi-
mesmo que tenham enfoques diferenciados,
derando as implicações sociais e econômicas
apresentam no título a palavra lazer. Os te-
verificadas na realidade atual.
mas abordados foram: eventos de lazer e de
Seus objetivos relacionam-se com a pesqui-
negócios; expectativa de auto-eficácia para
sa, com a reflexão teórica e o aprofundamento
o turismo de lazer; prática do turismo no tempo
de conhecimentos sobre o fenômeno turístico e
de lazer. Essas dissertações representam 5,7% 58
Christianne Luce Gomes, Tatiana Roberta de Souza, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Ricardo Teixeira Veiga
desenvolvidos por instituições de ensino superior
Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil
5. Sobre este aspecto, esclarecemos que a CAPES conta com uma área denominada “multidisciplinar”, que poderia contemplar os cursos de Turismo. Desde o ano 2000, a Universidade Estadual de Santa Cruz, em parceria com a Universidade Federal da Bahia, desenvolve o mestrado acadêmico em Cultura & Turismo, com abordagem multidisciplinar. Como esta pesquisa teve como recorte os cursos de Mestrado em Turismo/Hospitalidade inseridos na área da Administração, este Curso não foi considerado nas análises aqui empreendidas, mas poderá ser objeto de outros estudos sobre a temática.
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do total – índice que, apesar de importante
mento e a gestão estratégica, mas enfoca o
considerando a atual realidade dos cursos de
lado da hospitalidade e engloba duas linhas
mestrado em turismo no Brasil, é ainda peque-
de pesquisa: uma voltada para as dimensões
no no contexto da produção acadêmica da
conceituais e epistemológicas do turismo e
área, pois, como será tratado posteriormente,
hospitalidade, outra para as políticas e gestão
esse fenômeno possui importantes vínculos
destes campos.
É relevante destacar que o site do referido
estar tão bem associada quanto a interface tu-
curso apresenta a produção científica do cor-
rismo-lazer. No primeiro caso, tal aproximação
po docente no período 2004-2006 e, do total de
parece a princípio se limitar à esfera dos meios
43 publicações, quatro também apresentam
de hospedagem. Entretanto, Camargo (apud
a palavra lazer, evidenciando a preocupa-
Decker, 2007) observa que ser hospitaleiro diz
ção de alguns professores em aprofundar a
respeito ao ato de recepcionar bem alguém,
temática, relacionando-a com o turismo. As-
tanto no quesito acolhimento (hospedagem)
sim, podemos concluir que os conhecimentos
quanto nos de alimentação e entretenimento.
gerados no contexto deste curso contemplam
Assim, essa inter-relação turismo-hospitalidade
aspectos referentes ao lazer, especialmente
se apresenta pertinente para esta pesquisa,
porque uma das linhas de pesquisa amplia
ainda mais que nesse processo estão inseridos
possibilidades para a discussão dessa temática
não apenas os turistas, mas também os autóc-
em suas interfaces com o turismo.
tones, o poder público e a iniciativa privada.
O Mestrado B apresenta as concepções
Ainda no tocante ao mesmo curso, seu
teóricas que o curso adota, contextualizando
currículo é constituído por uma disciplina obri-
assim os conhecimentos que pretende aprofun-
gatória e treze optativas. Nenhuma destas
dar numa perspectiva interdisciplinar. Propõe a
apresenta, em sua denominação, a palavra
busca de propostas inovadoras, adequadas às
lazer. Entretanto, a análise das ementas das
realidades sociais, econômicas e culturais da
disciplinas indica que algumas oferecem apro-
atualidade e aos desafios do novo século. Essa
ximações com o lazer a partir de temáticas
abordagem relaciona diversos campos consi-
afins a este fenômeno, tais como “Cultura,
derados estratégicos para a área de turismo no
cinema e hospitalidade” e “Festa, comunidade
Brasil, tais como hotelaria, lazer, gastronomia e
e hospitalidade”.
infra-estrutura urbana, entre outros.
O conjunto das disciplinas listadas indica
Os objetivos deste mestrado são, em linhas
uma preocupação com a discussão dos se-
gerais, voltados para a formação e aperfeiçoa-
guintes temas: conceito de cultura e patrimônio
mento de profissionais, docentes e/ou pesqui-
cultural; articulação entre festa, comunidade e
sadores no sentido de: ampliar a fundamenta-
hospitalidade; aspectos conceituais e históricos
ção teórica para o planejamento e gestão de
de turismo e hospitalidade; ensino do turismo;
empreendimentos de hospitalidade orientados
perfil profissional da área; pesquisa científica
para o mercado de serviços e produtos em
em ciências sociais; planejamento, adminis-
áreas urbanas e rurais; implementar investiga-
tração e gestão em turismo e hospitalidade
ções no campo da história e no campo social,
(modelos de gestão, marketing, qualidade em
econômico e ambiental; e introduzir uma visão
serviços, comportamento do consumidor, ges-
ampla e interdisciplinar deste campo no nível
tão de pessoal, etc.); planejamento e gestão
de pós-graduação.
ambiental; transportes turísticos.
A área de concentração deste mestrado
Sobre a possibilidade de os conhecimentos
também está relacionada com o planeja-
produzidos no contexto deste curso contempla59
Christianne Luce Gomes, Tatiana Roberta de Souza, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Ricardo Teixeira Veiga
Essa relação turismo-hospitalidade parece
Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil
com o lazer.
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básicas e tipologias da área; planejamento
que das 82 dissertações concluídas entre 2004 e
turístico; administração de empresas e aspec-
2006, cinco delas (o que representa 6% do total)
tos de gestão (marketing, finanças, logística,
estão relacionadas ao lazer, apresentando esta
oferta/demanda, recursos humanos); infra-
palavra no título dos trabalhos. As temáticas
estrutura; urbanização e desenvolvimento
das dissertações abordam, em geral, a questão
regional; patrimônio sociocultural e ambiental;
dos espaços, equipamentos, serviços e eventos
responsabilidade social; educação e cultura,
de lazer no âmbito do turismo.
pesquisa na área do turismo. Em síntese, os
O curso de Mestrado C volta-se para o
componentes curriculares indicam que os
estudo interdisciplinar do fenômeno turístico
aspectos enfatizados neste curso de mestrado
e das organizações e suas teorias e, para isso,
voltam-se especialmente para o planejamen-
dedica-se preferencialmente à formação de
to, a gestão e a pesquisa em turismo.
professores e pesquisadores. Para obter o título
Além disso, é importante destacar que as
de Mestre, o discente deverá envidar esforços
ementas de três disciplinas abordam conteú-
para realizar leituras, participar de pesquisas
dos como lazer, entretenimento e cultura. Das
e envolver-se com a produção científica.
dissertações defendidas neste curso até o
Além disso, professores e estudantes deverão
ano de 2005, seis apresentam no título a pa-
produzir e difundir conhecimento e promover
lavra lazer, evidenciando uma preocupação
a reflexão crítica sobre o turismo, visando o
em aprofundar conhecimentos sobre essa
desenvolvimento social-ambiental-econômi-
temática. Os enfoques das dissertações estão
co-cultural.
relacionados, em geral, com a temática dos
Seus objetivos, em linhas gerais, estão rela-
espaços, equipamentos e serviços de lazer e
cionados com o aprofundamento de estudos
turismo, duas delas voltadas para o contexto
e pesquisas relacionados ao campo do turismo
de resorts. Dessa maneira, pode-se afirmar que
no Brasil; com a análise e avaliação dos aspec-
os conhecimentos produzidos sobre o turismo
tos da atividade turística no país e no exterior;
no contexto deste curso contemplam aspectos
com a produção e disseminação do conheci-
referentes ao lazer. Contudo, considerando o
mento técnico-científico na área do turismo e
universo de 124 dissertações, essas pesquisas
hotelaria e com a melhoria da qualidade do
representam 4,8% do total, indicando que é
ensino do turismo em diversos níveis (técnico,
uma temática ainda pouco explorada no
graduação e pós-graduação).
âmbito deste mestrado acadêmico.6
Este curso conta com uma área de con-
A proposta do curso de Mestrado D é suprir
centração voltada para o planejamento e
a demanda por pesquisa e formação de pro-
gestão do turismo e da hotelaria e duas linhas
fissionais com conhecimentos sólidos no âmbito
de pesquisa: uma delas direcionada para o
do planejamento e gestão do turismo susten-
planejamento e a gestão de espaços turísticos,
tável, envolvendo tanto os empreendimentos
e a outra para o planejamento e a gestão de
quanto os destinos turísticos, através de um
empresas de turismo. Observa-se, assim, uma
modelo de educação flexível e multidisciplinar.
ênfase nos aspectos de planejamento e gestão
Tem como público alvo: graduados, docentes,
do turismo, preocupando-se especialmente em
pesquisadores, executivos e profissionais que
atender as demandas do mercado.
atuam nos âmbitos público, privado e no ter-
Dessa forma, o currículo do curso oferece seis disciplinas obrigatórias e doze optativas
ceiro setor; nas diversas áreas afins ao turismo e ao meio ambiente.
(sem contar com os seminários temáticos op-
A área de concentração deste mestrado
tativos), destinadas à discussão de definições
está relacionada com o turismo e o meio am60
Christianne Luce Gomes, Tatiana Roberta de Souza, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Ricardo Teixeira Veiga
rem aspectos referentes ao lazer, percebe-se
Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil
6. Para critério de análise, foram consideradas apenas as dissertações que apresentavam, no título, a palavra lazer. É possível que existam outros trabalhos que tratem dessa temática, contemplando a discussão do lazer e temas afins no corpo do texto. Mas, neste caso, o lazer não representaria o principal tema de discussão no âmbito do turismo.
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pações em desenvolver a reflexão teórica, a
delas é direcionada para o planejamento e o
pesquisa e o aprofundamento de conheci-
desenvolvimento do turismo sustentável e, a
mentos sobre o turismo, formando profissionais,
outra, para a gestão ambiental.
docentes e pesquisadores para este campo.
O currículo do curso apresenta disciplinas
Planejamento e gestão do fenômeno turístico
comuns às duas linhas de pesquisa, abarcando
são os temas predominantes dos cursos inves-
discussões relacionadas à elaboração e gestão
tigados.
de projetos ambientais e turísticos, planejamen-
Em termos da área de concentração dos
to do turismo, desenvolvimento sustentável,
cursos constata-se que, apesar das particu-
cultura, políticas públicas, cartografia e geo-
laridades que os distinguem, três priorizam o
processamento, além da metodologia de pes-
planejamento e a gestão. Esta mesma cons-
quisa científica. As disciplinas específicas para
tatação pode ser evidenciada nas linhas de
uma das linhas abordam discussões sobre geo-
pesquisa dos cursos que, mesmo apresentando
grafia, patrimônio cultural, gestão (marketing,
especificidades, abordam o planejamento e a
logística, sistemas de informação), educação
gestão como diretrizes para as investigações
superior e formação profissional em turismo.
desenvolvidas nos mestrados, prováveis reflexos
Já as disciplinas específicas para a outra linha
da área que acolhe os cursos analisados, ou
de pesquisa focam a gestão ambiental de
seja, a Administração. Fator que não necessa-
empresas e destinos turísticos, a avaliação de
riamente influencia na escassez de trabalhos
impactos ambientais, o marketing e a econo-
voltados para o estudo do lazer, uma vez que
mia do meio ambiente, o empreendedorismo
as temáticas “negócio de lazer” e “entreteni-
e a responsabilidade sócio-ambiental, entre
mento” têm, nesse sentido, estreita relação.
outros temas.
Pelo conjunto de disciplinas que compõem
Neste sentido, considerando o currículo des-
três dos quatro cursos, observa-se que, em
te curso, observa-se que a gestão ambiental e
geral, além do planejamento e da gestão,
o desenvolvimento sustentável do turismo são
são enfatizadas a pesquisa e as abordagens
os aspectos mais enfatizados nesta proposta
teóricas e conceituais do turismo. Os aspectos
de formação acadêmica. Nenhuma das dis-
que se destacam no âmbito dos cursos relacio-
ciplinas apresenta em suas denominações o
nados ao turismo e hospitalidade são distintos,
termo lazer, tampouco indica conteúdos mais
apesar da predominância do planejamento e
próximos dessa temática. Como as ementas
da gestão. Um dos cursos analisados, contudo,
das disciplinas não estão disponíveis no site do
apresenta, a nosso ver, uma maior diversifica-
curso, a análise das mesmas fica limitada ao
ção de possibilidades para a pesquisa sobre
título das disciplinas que integram o currículo.
o fenômeno turístico, não se restringindo à
As dissertações defendidas, assim como a
abordagem administrativa dos conhecimentos
produção científica dos docentes do curso
produzidos neste programa.
também não estão disponibilizadas, dificul-
A partir da análise dos dados, observa-
tando a verificação dos conhecimentos rela-
se que três dos quatro cursos pesquisados
cionados ao turismo produzidos no contexto
contemplam discussões sobre o lazer. Essa
deste mestrado.
identificação, no entanto, situa-se na faixa de 5% das dissertações defendidas, que, em
Resultados
geral, têm como temas mais recorrentes a
No que se refere aos objetivos dos quatro
questão dos espaços, equipamentos, eventos
cursos de mestrado considerados, de alguma
e serviços de lazer e turismo. Este índice de 5%
forma todas as propostas indicam preocu-
é ainda modesto, mas pode crescer a partir 61
Christianne Luce Gomes, Tatiana Roberta de Souza, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Ricardo Teixeira Veiga
biente, e possui duas linhas de pesquisa: uma
Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil
Vol. 8, N° 3 (2008)
Caderno Virtual de Turismo ISSN: 1677-6976
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do momento em que a temática do lazer
entorno habitual e as motivações dos turistas.
constituir uma preocupação dos programas de
Todavia, o mesmo órgão insere um elemento
turismo/hospitalidade, permitindo assim novos
novo: a determinação de certo período para
aprofundamentos e outras abordagens que
a ocorrência do turismo, o que instiga algumas
façam articulações mais consistentes entre o
reflexões. Percebe-se que o turismo detém cer-
lazer e o turismo.
to limite de tempo para sua vivência, mas seria
E quanto à predominância dos cursos estarem vinculados a instituições de ensino
possível conformá-lo dentro de um período consecutivo e limitado a um ano?
particulares, devido a proposta dessa pesquisa
Em parte, essa visão parece caminhar a
ter sido de caráter descritivo, essa questão não
favor da extrema preocupação da OMT em
foi abordada, mostrando-se uma oportunidade
quantificar os dados que envolvem o turismo,
de pesquisas ulteriores.
atrelando-o ao fator econômico e reforçando aspectos de planejamento e gestão, conforme
impeliu encaminhar o Turismo a se incorporar à área da Administração, a qual detém conhe-
Nos dias atuais, um dos conceitos de turis-
cimentos específicos para pesquisar, analisar
mo mais difundidos no mundo foi elaborado
e apresentar informes quantitativos do setor7.
pela Organização Mundial de Turismo (OMT),
Assim, torna-se possível levantar dados esta-
um órgão intergovernamental – reconhecido
tísticos, por exemplo, sobre os turistas que um
pela Organização das Nações Unidas (ONU)
determinado país ou região recebem. No en-
– que conta com quase 200 Estados membros.
tanto, essa concepção exclui as pessoas que
Conforme Pereira (2000), além deste expressivo
podem aproveitar períodos de férias conse-
contingente, há 350 componentes afiliados à
cutivas, ultrapassando o período de 12 meses,
OMT, vinculados aos setores público e privado.
como é o caso daqueles que velejam os mares
Para a OMT, o turismo compreende as ativida-
com suas famílias, assim como os aposentados
des realizadas pelas pessoas “[...] durante suas
que também viajam constantemente, mas não
viagens e estadas em lugares diferentes do seu
consecutivamente.
entorno habitual, por um período consecutivo
A abordagem econômica do turismo,
inferior a um ano, com finalidade de lazer, ne-
embora importante, não consegue, por si só,
gócios ou outras” (Sancho, 2001, p.38).
fornecer os elementos imprescindíveis para a
De forma geral, Beni (apud ANSARAH, 2001)
caracterização deste fenômeno. Os conceitos
relata que existem elementos comuns nas de-
de turismo vigentes, hoje, seguem essa pers-
finições sobre turismo: a) a viagem ou o deslo-
pectiva, daí a importância das categorias em
camento de pessoas; b) a permanência fora
foco como, por exemplo, a definição mínima
do domicílio; e c) a temporalidade. O autor
de 24 horas em um determinado destino. É
revela ainda que reduzir turismo unicamente à
necessário, assim, superar as abordagens
esfera da viagem pode gerar problemas, uma
funcionalistas do turismo, buscando novas
vez que a viagem também pode ser realizada
propostas para tentar caracterizar a essência
por aqueles que se transferem para outro local
deste fenômeno e reconhecer a importância
com intenção de fixar residência, dando-se aí
das representações sociais e dos significados
a atividade de migração.
que pode gerar.
Voltando á concepção da OMT, podemos
Quanto às relações associadas ao turismo,
observar a permanência de outros pontos
sabe-se que essa experiência se concretiza
presentes em distintas definições, como o
pelo afastamento do ambiente ordinário, do 62
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7. Interessante atentar que a relação entre a Administração e o Turismo está presente também na Constituição Federativa do Brasil de 1988, onde o último aparece uma única vez e logo no Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira), no Capítulo I (Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica), no Artigo 180, da seguinte forma: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico” (1988 p.123). Mesmo aparecendo o termo “social”, observa-se uma prevalência da questão econômica (Lacerda, 2007a).
verificado na pesquisa. O que provavelmente
Inserção do lazer no contexto da pós-graduação stricto sensu em turismo/hospitalidade no Brasil
Considerações finais: importância de relacionar lazer e turismo
Caderno Virtual de Turismo
cotidiano. Ao observar uma paisagem, ca-
turístico nos coloca mais propensos a interagir
racterizada aqui como espaço contemplado
com mais acuidade com o ambiente e as
durante o deslocamento da viagem, é possível
pessoas que nos cercam, tornando-nos mais
estabelecer diferentes relações e de diferentes
abertos a perscrutar ao redor as estranhezas.
intensidades com o espaço. Para Tuan, o es-
Além disso, é importante ressaltar que o
paço não pode ser definido separadamente
turista observador, em geral, estabelece suas
do conceito de lugar e complementa ao dizer
primeiras relações com o espaço visto pela
que “o espaço é dado pela capacidade
dimensão estética. Trata-se das primeiras
de mover-se [...], por isso o espaço pode ser
sensações e emoções sentidas através do
experienciado de várias maneiras: como a
contato com os signos da paisagem que che-
localização relativa de objetos e lugares, e
gam à vista do observador, através de seu
– mais abstratamente – como a área definida
campo seletivo de imagens. Uma paisagem
por uma rede de lugares” (1983, p.14).
pode despertar um interesse de aproximação
De acordo com o autor, o espaço se trans-
e vínculo ou um distanciamento e repulsão.
forma em lugar à medida que adquire defi-
Quando as sensações são interpretadas pelo
nição e significado. O local vivido, o local de
campo do pensamento, o indivíduo penetra-se
pertencimento do indivíduo, onde o mesmo se
na dimensão cultural da paisagem, através da
reconhece e é reconhecido. Onde as relações
atribuição de um valor simbólico aos objetos
são próximas e intimistas. Onde se sente seguro
vistos. Assim, tem-se a identificação e a atribui-
e não ameaçado pelo desconhecido, pelo
ção de significados aos novos atrativos.
novo. Assim, torna-se importante o estudo das
Trata-se da prática humana de reconheci-
representações sociais da viagem turística, pois
mento e apropriação do espaço. Apesar de ser
não se trata de um deslocamento pré-deter-
uma questão polêmica entre os estudiosos do
minado por distâncias físicas e limites objetivos
turismo, do nosso ponto de vista ao se deparar
e quantificáveis. Trata-se de uma experiência
com o “novo”, com o “outro” e com o “desco-
humana e social, de uma viagem em busca de
nhecido”, o próprio cidadão pode vivenciar o
reconhecimentos, de si mesmo e do outro, até
turismo na sua cidade, que se torna um “lugar”
então desconhecido e distante. Desse modo,
com o qual podem ser estabelecidos novos
temos o nosso lugar, onde nos reconhecemos
vínculos, significados e relações simbólicas. E
e somos reconhecidos, mas através da viagem,
esse encontro com o inusitado, segundo La-
do deslocamento no espaço, criamos novos
cerda (2007b), é possível de acontecer devido
lugares, pois, como destaca o autor acima, os
principalmente a dois motivos: um ancorado
lugares são núcleos de valor.
na extensão territorial das cidades (principal-
É possível se atribuir valor simbólico diferen-
mente as grandes metrópoles), impossibilitando
te aos elementos vistos na paisagem diante
o seu total conhecimento por parte de seus
de nossas expectativas imaginárias. Vemos
residentes; o outro relacionado à rotina e à
e reconhecemos o novo de acordo com as
azáfama em que os moradores se encontram,
experiências pessoais anteriormente construí-
influenciando os mesmos a percorrerem sem
das. “A experiência é um termo que abrange
muita sensibilidade os lugares de costume. Por
as diferentes maneiras através das quais uma
isso a importância de uma nova visão sobre o
pessoa conhece e constrói a realidade” (Tuan,
turismo, uma que permita ao sujeito vivenciar
1983, p.9). Assim, pode-se contemplar e admirar
uma reflexão sobre seus próprios costumes e
certas paisagens – pois se cria uma expectativa
hábitos, ajudando-o a ser mais consciente e
para a vivência imaginada (antes da viagem).
crítico em sua vida e para consigo mesmo. Por
De qualquer forma, o ato do deslocamento
tudo isso, a categoria viagem não pode ser a 63
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ISSN: 1677-6976
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imaginário são algumas categorias que podem
significativa a idéia de “deslocamento”.
ser consideradas.
De maneira semelhante, a categoria lu-
É inegável a capacidade do turismo de
gar é preferível a “entorno habitual”. Com
aproximar as nações, globalizar a economia,
isso, pode-se considerar o fazer turismo em
acelerar o crescimento, gerar divisas e produzir
sua própria cidade, já que é inegável o fato
novos empregos, sendo notório o seu impac-
de que a desconhecemos como um todo.
to na esfera econômica mundial (Werneck,
Nesse âmbito, tentamos reinventar a vivên-
Stoppa, Isayama, 2001). Contudo, é preciso
cia turística, pois começamos a obter maior
considerar com muita cautela os números que
sensibilidade para o reconhecimento afetivo
envolvem o setor. Os aspectos econômicos do
de onde moramos.
turismo são relevantes e explicam, em parte, a
A partir dessas reflexões, acredita-se que
rápida e vulnerável expansão dos cursos nessa
o turismo esteja ligado ao conhecimento e
área, cujos currículos de cursos de graduação
reconhecimento (busca do vínculo, da afeti-
– e também de mestrado – geralmente enfati-
vidade, da autenticidade) de um local extra-
zam aspectos técnicos e operacionais, questão
ordinário (espaço), no qual são estabelecidas
também discutida na pesquisa de Bernardino
as mais variadas relações (sociais, econômicas,
e Isayama (2006).
políticas, trocas culturais...) num determinado
Apesar de ser um campo com possibilidades
tempo através de inúmeras experiências (sen-
de ampliar sua característica multi/interdisci-
sações e emoções).
plinar, as referências atuais ainda apontam
Os resultados obtidos nesta pesquisa eviden-
para uma ênfase econômica e técnica. Por
ciaram a importância de ampliar o entendi-
isso é fundamental considerar outros elemen-
mento do turismo para além dos aspectos que
tos que vão além dessas esferas, priorizando
vêm sendo estudados nos cursos analisados.
a percepção do homem dentro do processo
Dessa maneira, o turismo pode ser compreendi-
histórico, político e social inerente a este fe-
do como um fenômeno sociocultural que pres-
nômeno. Neste âmbito, o campo de estudos
supõe o deslocamento concreto ou simbólico
sobre o lazer – fundamentado principalmente
de pessoas em tempos e espaços distintos do
nas Ciências Humanas e Sociais – pode con-
cotidiano habitual, o que possibilita a vivência
tribuir sobremaneira com as reflexões sobre o
de práticas e comportamentos diferentes e em
turismo enquanto um fenômeno que, além de
outros ritmos e lógicas, como sugerem Gastal
econômico, é também sociocultural.
e Moesch (2007). Na maioria das vezes ocorre
Esse outro olhar para o turismo indica que os
uma relação de estranhamento, podendo os
referenciais geralmente enfatizados precisam
sujeitos se defrontarem com o novo, com o di-
ser repensados, pois não atendem integral-
ferente e com o inesperado, mas também com
mente as necessidades de análise multi/inter-
o familiar e o similar, evocando assim novas e
disciplinar do turismo em uma perspectiva mais
antigas experiências dotadas de significativo
ampliada, que também contemple aspectos
valor simbólico.
referentes ao lazer.
Moesch (2002) ressalta a necessidade de
O lazer, por sua vez, compreende a vivência
refletirmos sobre o turismo a partir de outras
de inúmeras manifestações da cultura, tais
categorias, indo além dos habituais elementos
como o jogo, a brincadeira, a festa, o passeio,
que, geralmente, são considerados (tempo,
o esporte, as formas da arte, a viagem, entre
espaço e volume). Neste sentido, as novas
várias outras possibilidades. E apesar de ainda
tecnologias, os sujeitos, as diversões, a ideo-
não estar bem definida nem no cotidiano das
logia, a emoção, o risco, a comunicação e o
pessoas, nos seus respectivos ambientes de tra64
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principal referência para o turismo, sendo mais
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A partir dessas reflexões, pode-se afirmar
entre turismo e lazer é real e presente em vários
que o turismo é, em sua essência, um fenômeno
meios, seja de comunicação, seja em revistas
sociocultural e uma possibilidade de lazer (Urry,
científicas ou no boca-a-boca.
2001), caracterizado pelo (re)conhecimento
O lazer, como uma das motivações dos
de um lugar extraordinário, no qual são esta-
turistas, não necessariamente estaria desvin-
belecidas as mais variadas relações (sociais,
culado de uma experiência pedagógica,
econômicas, históricas, políticas, culturais,
da gastronomia, do meio urbano, rural ou
afetivas etc.) em determinado tempo e espa-
natural. Percepção que segue na contramão
ço. Esta compreensão coloca em evidência
da tendência de se segmentar o turismo, fruto
a necessidade de construir outros referenciais
de uma intervenção direta da administração
para o turismo, e o campo de estudos sobre o
e do marketing numa tentativa de auxiliar na
lazer pode trazer importantes contribuições.
assimilação das diversidades que envolvem o
Concluindo, há muito que realizar no âm-
fenômeno. Proposta válida, mas que carrega
bito da formação acadêmica em turismo nos
o problema de geralmente não vir acompa-
níveis de graduação e de pós-graduação. No
nhada de uma contextualização que mostre
entanto, é preciso fornecer elementos para a
a dinamicidade dos diversos interesses aí en-
consolidação de profissionais, docentes e pes-
volvidos, os quais não permanecem estanques
quisadores críticos, criativos, questionadores,
às influências uns dos outros.
reflexivos, articuladores, que saibam praticar
Freqüentemente observado como uma
efetivamente as “teorias” que propõem a
vivência estreitamente ligada às férias, ao fim
grupos com os quais vão atuar. Para isso, é
de semana e aos feriados, ou seja, tempos
necessário incentivar a formação acadêmica
ainda observados como institucionalizados
em uma perspectiva continuada, sendo cons-
para o lazer, a relação discutida aqui (turismo
tantemente alimentada pela participação em
e lazer) se mostra mais concreta. E que, se mais
cursos de diferentes naturezas (atualização,
aprofundada, como acontece entre turismo e
aperfeiçoamento, especialização, mestrado,
economia ou turismo e administração, pode
doutorado), em eventos técnico-científicos,
oportunizar novas sensações e pensamentos
em listas de discussões, dentre outras ações
que complementem a experiência turística.
que devem fazer parte do cotidiano dos pro-
Nesse sentido, ao vivenciarmos o turismo
fissionais que desejam atuar nos campos do
– afastando-nos ou não do ordinário e do
turismo e do lazer. Fica, assim, um convite a
cotidiano habitual – estamos propensos a in-
novas pesquisas sobre essas temáticas.
teragir com mais acuidade com o ambiente, com as pessoas que nos cercam e até mesmo
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Christianne Luce Gomes, Tatiana Roberta de Souza, Leonardo Lincoln Leite de Lacerda e Ricardo Teixeira Veiga
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Recebimento do artigo: 25-jan-2008 Envio aos pareceristas: 13-mai-2008 Recebimento dos pareceres: 23-ago-2008 Envio para a revisão do autor: 25-ago-2008 Recebimento do artigo revisado: 2-set-2008 Aceite: 2-set-2008
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