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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE ESTUDOS COSTEIROS – IECOS CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE BRAGANÇA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA AMBIENTAL CURSO DE DOUTORADO EM BIOLOGIA DE ORGANISMOS DA ZONA COSTEIRA AMAZÔNICA

FRANCISCO PEREIRA DE OLIVEIRA

ANÁLISE DA PERCEPÇÃO DOS EXTRATIVISTAS ESTUARINO-COSTEIROS SOBRE O ZONEAMENTO DA EXTRAÇÃO DO CARANGUEJO-UÇÁ (Ucides cordatus) E DA MADEIRA NOS MANGUEZAIS DA RESEX-Marinha CAETÉTAPERAÇU, PARÁ, COSTA AMAZÔNICA BRASILEIRA

BRAGANÇA – PARÁ OUTUBRO – 2015

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FRANCISCO PEREIRA DE OLIVEIRA

ANÁLISE DA PERCEPÇÃO DOS EXTRATIVISTAS ESTUARINO-COSTEIROS SOBRE O ZONEAMENTO DA EXTRAÇÃO DO CARANGUEJO-UÇÁ (Ucides cordatus) E DA MADEIRA NOS MANGUEZAIS DA RESEX-Marinha CAETÉTAPERAÇU, PARÁ, COSTA AMAZÔNICA BRASILEIRA

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Biologia Ambiental, Curso de Doutorado em Biologia de Organismos da Zona Costeira Amazônica, do Instituto de Estudos

Costeiros,

Campus

Universitário

de

Bragança,

Universidade Federal do Pará, como quesito parcial para obtenção do título de Doutor em Biologia Ambiental.

Orientador: Prof. Dr. Marcus Emmanuel B. Fernandes Co-Orientadora: Profa. Dra. Maria Cristina A. Maneschy

BRAGANÇA – PARÁ OUTUBRO – 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE ESTUDOS COSTEIROS – IECOS CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE BRAGANÇA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA AMBIENTAL CURSO DE DOUTORADO EM BIOLOGIA DE ORGANISMOS DA ZONA COSTEIRA AMAZÔNICA

FRANCISCO PEREIRA DE OLIVEIRA

ANÁLISE DA PERCEPÇÃO DOS EXTRATIVISTAS ESTUARINO-COSTEIROS SOBRE O ZONEAMENTO DA EXTRAÇÃO DO CARANGUEJO-UÇÁ (Ucides cordatus) E DA MADEIRA NOS MANGUEZAIS DA RESEX-Marinha CAETÉTAPERAÇU, PARÁ, COSTA AMAZÔNICA BRASILEIRA Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Biologia Ambiental, Curso de Doutorado em Biologia de Organismos da Zona Costeira Amazônica, do Instituto de Estudos Costeiros, Campus Universitário de Bragança, Universidade Federal do Pará, como quesito parcial para obtenção do título de Doutor em Biologia Ambiental. Orientador:

Prof. Dr. Marcus Emmanuel B. Fernandes Instituto de Estudos Costeiros – IECOS – UFPA

Co-Orientadora:

Profa. Dra. Maria Cristina A. Maneschy Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCH – UFPA

Examinadores:

Profa. Dra. Cláudia Nunes Santos IECOS – UFPA

Profa. Dra. Moirah Paula Machado de Menezes IECOS – UFPA

Profa. Dra. Bianca Bentes da Silva IECOS – UFPA

Profa. Dra. Ida Lenir Maria Pena Gonçalves IFCH – UFPA

Suplentes: Profa. Dra. Victória Judith Isaac Nahum ICB – UFPA Prof. Dr. Fernando Araújo Abrunhosa IECOS – UFPA

Prof. Dr. Darlan de Jesus de Brito Simith IECOS – UFPA

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O que existe nessa estrada? Que força é essa que nos empurra para longe do conforto daquilo que é familiar, e nos faz enfrentar desafios, mesmo sabendo que a glória do mundo é transitória? Creio que esse impulso se chama: a busca da vida. Por muitos anos procurei nos livros, na arte, na ciência, nos perigosos ou confortáveis caminhos

que

percorri

uma

resposta

definitiva

para

esse

pergunta.

Encontrei muitas, algumas que me convenceram por anos, outras que não resistiram

a

um



dia

de

análise;

entretanto,

nenhuma

dela

foi

suficientemente forte para que agora eu pudesse dizer: o sentido da vida é este. Hoje estou convencido que tal resposta jamais nos será confiada nesta existência, embora, no final, no momento em que estivermos de novo diante do Criador, compreenderemos cada oportunidade que nos foi oferecida – e então aceita ou rejeitada. Paulo Coelho (Discurso de posse na Academia Brasileira de Letras) (...) Os ignorantes olham para baixo e acham que o mundo é do tamanho dos seus passos, os sábios olham para cima e vêem o mundo sem dimensão. Os ignorantes olham para sua tese, a sua cultura, as suas verdades, e acham que são superiores aos outros, os sábios olham por cima do horizonte do seu conhecimento e percebem que sabem tão pouco. Augusto Cury, 2007 Médico psiquiatra, psicoterapeuta e escritor

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Dedico: Aos meus pais, Frederico Pereira de Oliveira e Maria do Carmo Oliveira (in

memoriam), que por uma vida de dedicação, amor e trabalho sempre possibilitaram a seus filhos a oportunidade de realizar sonhos e conquistas; Aos meus irmãos, Marinês Pereira de Oliveira, Nei Pereira de Oliveira e Nelza Oliveira, exemplos de pessoas, dignidade, bondade e caráter; Ao meu filhote do coração, José Filipe Monteiro Silva, pelos momentos de bondade, felicidade, harmonia e paz; Aos meus cunhados, Gilvana Monteiro e Evandro Silva, pessoas que alegram nosso dia e que possuem bondade para com todos; Aos meus tios, Sebastiana Pereira, Raimundo Oliveira, Alcilene Pereira, José Domingos Oliveira, em especial, Maria Trindade Oliveira Silva.

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AGRADECIMENTOS Hoje sou agradecido por muitos momentos bons e ruins. Bons, porque tenho um DEUS que me socorre e me carrega nos braços. Tenho uma FAMÍLIA solidária. Tenho AMIGOS e AMIGAS incomparáveis. Ruins, porque meu DEUS se faz presente e me ajuda a ultrapassar as dificuldades e me eleva à vitória. Por isso sou AGRADECIDO: Ao meu Orientador, Prof. Dr. Marcus Emanuel Barroncas Fernandes, pela simplicidade, porém de uma expressão sábia nas recomendações e singeleza no tratamento ao próximo. À minha Co-Orientadora, Profa. Dra. Maria Cristina Alves Maneschy, pela paciência e sabedoria dispensadas ao meu trabalho. À minha Ex-Orientadora, Profa. Dra. Victória Isaac Nahum, pelo encaminhamento e oportunidade oferecida no mundo da ciência, pois foi quem me colocou no caminho da pesquisa. À minha amiga eterna, Valmira do Socorro Silva, pela contribuição nas fórmulas matemáticas e pelos momentos compartilhados na construção deste trabalho. À minha colega de Laboratório, Sanae Hayashi, pela enorme contribuição na elaboração dos mapas para as zonas de extração na península de Ajuruteua. Ao meu colega de Laboratório, Diego Novaes Carneiro da Silva, pela contribuição na formatação de parte dos dados estatísticos. Ao corretor, Prof. Dr. Jair Cecim, pela dedicação e correção da gramática em meu trabalho. Ao Ex-Prefeito de Bragança, Edson Luiz de Oliveira, pela compreensão nos momentos de ausência em função da pesquisa e pela confiança depositada para o cargo ao qual atribuiu a mim. À Ex-Secretária de Educação de Bragança, Profa. Eulina Rabelo, pela amizade e apoio incondicional dado a mim em todos os aspectos de minha vida. Ao meu Irmão e Prefeito de Irituia, José de Anchieta Lima de Oliveira, pelo companheirismo e por acreditar no meu trabalho. À Minha Tia, Maria Trindade Oliveira Silva (Noilta), por ter zelo, paciência e dedicação a mim do nascimento até os dias de hoje.

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À Minha Mãe de Coração e Conselheira do Tribunal de Contas do Estado do Pará, Maria de Lourdes Lima de Oliveira, pela dedicação e por ter sido a pessoa que me apoiou desde sempre. Aos meus amigos-irmãos, Valdeir Salomão, Marco Antonio Oliveira, Jaime Pantoja, Jerffeson Galvão, Wagner Tadeu Vieira Carneiro, José Carlos Oliveira, Ivancleison Lima, José de Moraes Souza, Klayton Campelo, Luís Augusto Santa Brígida, Andreilton Pinheiro, Gilmarques Silva, Antônio José, Marcos Alexandre Monteiro e Gilberto Oliveira, por terem demonstrado honradez e companheirismo nos momentos difíceis. Às minhas amigas-irmãs, Leila Rotterdan Ollêto, Sara Silva, Elisângela Silva, Zenaide Silva, Terezinha Elias, Ivete Garcia, Roseane Guimarães, Edna Brito, Carla Sabrina Nascimento Silva, Ana Maria Mendonça, Ivana Corrêa, Nádia Rocha, Deusa Castro, Natália Rodilha, Ivanete Reis, Ana Maria Tavares, Estela Bastos e Neide Lobão por terem suportado minha companhia nos momentos de angústia. Ás professoras e técnicas da Secretaria de Educação de Irituia, Edna Leite, Rosângela Santos, Irlaine Caldeira, Iraides Ferreira, Maria Aparecida e Jousi Polón, por serem simplesmente companheiras e competentes. Aos companheiros de campo, Valdir Silva e Roberto Silva, pela paciência, pelos momentos de risos no manguezal, pelos momentos compartilhados de trabalho, sem medirem dificuldades. Aos Extrativistas Estuarino-Costeiros por permitirem e ajudarem na realização da pesquisa de pesquisa. Sei o quão é valioso os vossos trabalhos nessa empreitada da vida nos manguezais da Península de Ajuruteua, Bragança, Pará, Brasil. Por tudo e por todas, deixo a reflexão de Frejat: "Eu te desejo muitos amigos Mas que em um você possa confiar E que tenha até inimigos Pra você não deixar de duvidar Quando você ficar triste Que seja por um dia, e não o ano inteiro E que você descubra que rir é bom, mas que rir de tudo é desespero Desejo que você tenha quem amar E quando estiver bem cansado Ainda, exista amor pra recomeçar Pra recomeçar"

Só posso dizer apenas: MUITO OBRIGADO!!!

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APOIO FINANCEIRO E LOGÍSTICO

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada Pelo Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação Universidade Federal do Pará Campus Universitário de Bragança Oliveira, Francisco Pereira de Código XX Análise do extrativismo do caranguejo-uçá (Ucides cordatus) e da madeira dos manguezais, com ênfase na sua intensificação e políticas públicas: o caso da Península de Ajuruteua, Bragança, Pará, Brasil. / Francisco Pereira de Oliveira. – Bragança, Pará, Brasil, 2015. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Pará, Instituto de Estudos Costeiro, Programa de Pós-Graduação em Biologia Ambiental - Curso de Doutorado em Biologia de Organismos da Zona Costeira Amazônica. Orientador: Prof. Dr. Marcus Emanuel Barroncas Fernandes Co-Orientadora: Profa. Dra. Maria Cristina Alves Maneschy 1. Xxx. 2. Xxx. 3. Xxx. 4. CDD: xxx

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SUMÁRIO RESUMO GERAL........................................................................................................

13

ABSTRACT...................................................................................................................

14

ESCOPO DA TESE.......................................................................................................

20

CAPÍTULO 1..................................................................................................................

22

1. INTRODUÇÃO GERAL........................................................................................

23

1.1. Os recursos naturais e as práticas produtivas: elementos iniciais de entendimento socioambiental do ecossistema de manguezal...................................................................

23

1.2. A área de estudo: o ambiente estuarino-costeiro e povos da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira...................................

31

1.3. O problema e os objetivos: elemento de busca no campo da pesquisa..........................

34

1.4. Hipóteses.........................................................................................................................

35

2. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................

37

CAPÍTULO 2..................................................................................................................

43

A PERCEPÇÃO DOS EXTRATIVISTAS ESTUARINO-COSTEIROS SOBRE Ucides cordatus E MADEIRA DE MANGUE NOS MANGUEZAIS DA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA CAETÉ-TAPERAÇU, PARÁ, COSTA AMAZÔNICA BRASILEIRA......................................................................................

44

RESUMO........................................................................................................................

44

ABSTRACT...................................................................................................................

45

1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................

45

2. PROCEDIMENTO METODOLOGICO..............................................................

48

2.1. Área de Estudo.............................................................................................................

48

2.2. Procedimento de Campo...............................................................................................

50

2.3. Coleta de Dados............................................................................................................

50

2.4. A Amostragem..............................................................................................................

52

2.5. Análise de Dados..........................................................................................................

52

3. RESULTADOS DA PESQUISA..............................................................................

53

3.1. Os extrativistas estuarino-costeiros e suas práticas produtivas no ecossistema de manguezal: um pouco de seu perfil.................................................................................

53

3.2. Percepções dos extrativistas estuarino-costeiros com relação aos recursos ambientais do sistema manguezal.....................................................................................................

60

4. DISCUSSÃO.............................................................................................................

63

5. CONCLUSÃO...........................................................................................................

72

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................

75

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CAPÍTULO 3..................................................................................................................

82

DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DAS ZONAS DE EXTRATIVISMO DO CARANGUEJO-UÇÁ, Ucides cordatus, NA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA CAETÉ-TAPERAÇU, COSTA AMAZÔNICA BRASILEIRA............

83

RESUMO........................................................................................................................

83

ABSTRACT...................................................................................................................

84

1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................

88

2. PROCEDIMENTO METODOLOGICO...............................................................

87

2.1. Área de Estudo.............................................................................................................

87

2.2. Procedimento................................................................................................................

90

2.3. Perfil socioeconômico e percepção ambiental dos extrativistas estuarino-costeiros

91

2.4. Desenho experimental para o estudo do caranguejo-uçá.............................................

91

2.5. Análise dos Dados........................................................................................................

93

3. RESULTADOS..........................................................................................................

96

3.1. Acessibilidade às zonas de extração.............................................................................

96

3.2. Técnicas e instrumentos usados na extração do caranguejo-uçá..................................

98

3.3. Amostragem populacional e biometria do caranguejo-uçá..........................................

100

4. DISCUSSÃO.............................................................................................................

103

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................

107

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................

109

CAPÍTULO 4..................................................................................................................

115

DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DAS ZONAS DE EXPLORAÇÃO MADEIREIRA NOS MANGUEZAIS DA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA CAETÉ-TAPERAÇU, BRAGANÇA, PARÁ.........................................

116

RESUMO........................................................................................................................

116

ABSTRACT...................................................................................................................

117

1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................

117

2. PROCEDIMENTO METODOLOGICO...............................................................

120

2.1. Área de Estudo.............................................................................................................

120

2.2. Coleta de Dados............................................................................................................

122

2.3. Tratamento dos Dados..................................................................................................

124

2.4. Análise dos Dados........................................................................................................

125

3. RESULTADOS..........................................................................................................

126

3.1. Apropriação das espécies arbóreas de mangue.............................................................

126

3.2. Usos das espécies arbóreas de mangue........................................................................

126

12

3.3. Zonas de intensificação do corte da madeira de mangue.............................................

134

3.3.1. Atributos estruturais zonas de corte da madeira de mangue..............................

136

3.3.2. Impacto do corte da madeira de mangue...........................................................

140

4. DISCUSSÃO.............................................................................................................

145

5. CONCLUSÃO...........................................................................................................

149

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................

150

CAPÍTULO 5..................................................................................................................

158

CONCLUSÃO GERAL................................................................................................

159

13

RESUMO GERAL A pesquisa “Análise da percepção dos extrativistas estuarino-costeiros sobre o zoneamento da extração do caranguejo-uçá (Ucides cordatus) e da madeira nos manguezais da RESEX-Marinha CaetéTaperaçu, Pará, costa amazônica brasileira” ocorreu no período de março de 2012 a março de 2015. O objetivo foi compreender as formas de apropriação e uso desses dois recursos dos manguezais da referida costa, assim como zonear suas principais áreas intensificadas pela exploração. A coleta foi realizada a partir da percepção dos extrativistas estuarino-costeiros (n=80), com idade acima de 18 anos. A partir de então, foram realizadas entrevistas por meio do instrumento questionário, com perguntas (semi)estruturadas para traçar o perfil de apropriação e uso desses recursos como atividades produtivas. Pôde-se identificar que existem cerca de 700 pessoas que praticam a pesca do caranguejouçá como a principal atividade produtiva nos manguezais da RESEX-Mar. Identificou-se também que os extrativistas estuarino-costeiros são especializados em mais de uma atividade produtiva. A escolaridade desses atores sociais foi considerada baixa e suas atividades produtivas ligadas ao ecossistema de manguezal ocorrem o ano todo, com exceção no período do defeso do caranguejo-uçá, e, parte da produção é destinada à comercialização. Os mesmos percebem alguns impactos negativos com relação ao extrativismo nos manguezais da referida RESEX-Mar. Todavia, inferem indicativos de recuperação como replantio das áreas degradadas e coleta sistemática dos resíduos sólidos. Porém, fatores como a falta de oportunidades formais de emprego e a baixa escolaridade, fazem com que percebam como a única alternativa de renda, a prática do extrativismo nos manguezais. Importante achado foi o zoneamento de 32 áreas de pesca intensiva do caranguejo-uçá e, 20 áreas de corte da madeira de mangue nos manguezais da RESEX-Mar. As zonas de exploração do caranguejo-uçá (n=32) foram georreferenciadas e plotadas no Programa ArcGis e gerados mapas, assim como a caracterização das áreas por meio dos fatores fácil e difícil acesso. Nessas áreas, abria-se uma parcela de 100m x 25m, depois a dividia em quatro parcelas (25 x 25m) e realiza-se a contagem das galerias. Em seguida, os espécimes pescados para a comercialização eram medidos (largura da carapaça), num total de 150 indivíduos por área, o que totalizaram 4.800 indivíduos. Os resultados apresentaram que as áreas de fácil acesso (FA) são as que possuem o menor caranguejo-uçá (> 6,0 cm e < 7,3 cm), e, portanto as mais intensificadas na exploração, enquanto que as áreas de difícil acesso (DA) possuem o maior caranguejo-uçá (≥7,3 cm). Analisado esse resultado pela Regressão Logística, demonstrou-se ser bastante significativo, onde existe a probabilidade de aproximadamente 92% de ocorrer o caranguejo-uçá grande nas zonas de DA e 25% nas zonas de FA. No geral, o tamanho médio do caranguejo-uçá na península é de 7,3 cm de largura da carapaça. Os extrativistas estuarino-costeiros identificaram as 20 principais zonas de corte da madeira de mangue, o que foi possível georreferenciálas, a considerar as três principais espécies de mangue da península de Ajuruteua Rhizophora mangle, Avicennia germinans e Laguncularia racemosa. Em cada zona de corte, abria-se uma parcela de 10m x 10m, para retirar as medidas dos atributos estruturais dos bosques de mangue, tanto das árvores vivas quanto dos troncos cortados. A partir de então, foi possível determinar a intensidade de corte para cada uma das três espécies de mangue, assim como gerar um índice de corte (Ic) para os manguezais da RESEX-Mar de Bragança, com a identificação do grau de impacto (baixo, médio e alto) desse corte. Nesse sentido, a espécie arbórea com maior audiência de corte foi a Laguncularia racemosa, seguida pela Avicennia germinans e a Rhizophora mangle, justificada o uso como as espécies preferidas para a confecção de currais de pesca. O Ic revelou que os manguezais da RESEXMar Caeté-Taperaçu está submetido ao médio impacto, com predição ao alto se continuar o corte com a mesma audiência encontrada por este estudo. Por fim, os resultados e discussão permitiram a inferência de que alguns indicadores de conservação e manejo capazes de minimizar a pressão que ora passa esses manguezais dessa RESEX-Mar. Esses indicadores versam para a oferta de oportunidades de alternativa de renda, reconhecimento e regulamentação por parte dos órgãos governamentais da categoria pescador do caranguejo-uçá para acesso aos direitos previdenciários, à saúde, à aposentadoria e à escolarização específica para os extrativistas estuarino-costeiros, a considerar o ciclo sazonal de suas atividades produtivas. PALAVRAS-CHAVE: Percepção; Manguezal; Caranguejo-uçá; Madeira; Biologia da Conservação

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LISTA DE FUGURAS E TABELAS CAPÍTULO 1 Figura 1. Localização da Costa Pará; Zona Costeira do nordeste paraense e limites da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu com as comunidades dentro e no seu entorno, costa amazônica brasileira.......................................................

32

CAPÍTULO 2 Figura 1. Localização da Costa Pará; Zona Costeira do nordeste paraense e limites da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu com as comunidades dentro e no seu entorno, costa amazônica brasileira.....................................................

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Tabela 1. Caracterização das classes etárias e estado civil dos extrativista-costeiros (n=80) de caranguejo-uçá e madeira nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, costa amazônica brasileira, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes....................................

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Tabela 2. Caracterização da escolaridade e da atividade econômica complementar dos extrativistas estuarino-costeiros (n=80) de caranguejo-uçá e madeira nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes....................................

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Tabela 3. Descrição das atividades praticadas dos extrativista-costeiros (n=80) de caranguejo-uçá e madeira nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes..........................................................................................

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Tabela 4. Períodos, dentro do ciclo anual, em que são realizadas as atividades produtivas dos extrativistas estuarino-costeiros de caranguejo-uçá e madeira nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes..............................

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Tabela 5. Recursos extraídos pelos extrativistas estuarino-costeiros (n=80) de caranguejo-uçá e madeira nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes.........................................................................................

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Tabela 6. Destino da produção de caranguejo-uçá e madeira extraída pelos extrativistas estuarino-costeiros (n=80) de madeira nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes..............................................................

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Tabela 7. Fatores que afetam as atividades de produção dos recursos extraídos pelos extrativistas estuarino-costeiros (n=80) de caranguejo-uçá e madeira nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes............................

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Tabela 8. Fatores que levaram a profissionalização dos extrativistas estuarinocosteiros (n=80) de caranguejo-uçá e madeira nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes.......................................................................

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Tabela 9. Percepção dos extrativistas estuarino-costeiros sobre o ecossistema manguezal da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa

61

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amazônica brasileira. n=número de respondentes............................................ Tabela 10. Percepção dos extrativistas estuarino-costeiros sobre os problemas ambientais dos manguezais na Reserva Extrativista Marinha CaetéTaperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes..........................................................................................

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Tabela 11. Percepção ambiental dos extrativistas estuarino-costeiros sobre possíveis medidas de recuperação e responsabilidades pela conservação no manguezal da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes.......................................................

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CAPÍTULO 3 Figura 1. Localização geográfica da região de Integração do rio Caeté e da cidade de Bragança na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, Estado do Pará, costa amazônica brasileira...........................................

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Figura 2. Mapa de localização da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu na península de Ajuruteua no litoral do nordeste paraense, Bragança, Estado do Pará, costa amazônica brasileira......................................................

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Figura 3. Representação esquemática do desenho experimental utilizado para realizar a amostragem populacional de Ucides cordatus na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira.............................................................................................

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Figura 4. Representação das diferentes categorias de galeria para a realização do método de amostragem via Captura de Indivíduos (CI). FEC= Fechada (1), AAB=Aberta com Atividade Biogênica (2), ADA=Aberta com Dupla Abertura (3) e ABA=Abandonada (4)...................................................

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Figura 5. Identificação do sexo e instrumentos utilizados para medir da largura da carapaça (LC) do caranguejo-uçá, Ucides cordatus, nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. A – abdômen da fêmea, B - abdômen do macho, C - medida da largura da carapaça (LC), D - paquímetro e E - Global Positioning System (GPS).................................................................................................

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Figura 6. Mapa mostrando o gradiente de intensidade do tamanho do caranguejouçá, Ucides cordatus, extraído para comercialização (> 6,0 cm) nas 32 zonas de extração, ressaltando os parâmetros Fácil Acesso e Difícil Acesso, ao longo da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira..........................................................

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Figura 7. Uso do braceamento (A e B), gancho (uso: C e D / confecção (E e F) e uso do pé (G e H) para a extração de Ucides cordatus na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira...................

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Figura 8. Instrumentos confeccionados (A=luva, B=sapato e C=repelente) para proteção do corpo na extração de Ucides cordatus na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira..................

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Figura 9. Média de tamanho da largura da carapaça (LC; cm) de Ucides cordatus nas zonas de Difícil Acesso (DA; n=12) na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira...............................

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Figura 10. Média de tamanho da largura da carapaça (LC; cm) de Ucides cordatus nas zonas de Fácil Acesso (FA; n=20) na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira..................................

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Tabela 1. Amostragem populacional por contagem de galerias (CG), apresentando a média, desvio padrão (DP), mínimo (Min) e máximo (Máx) de galerias de Ucides cordatus nas zonas de Fácil Acesso (FA) e Difícil Acesso (DA), na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira.............................................................................................

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Tabela 2. Probabilidade de variação no tamanho (TAM) do Ucides cordatus em função do fator acesso (FA e DA) nos sítios estudados na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, Pará. TAM=Tamanho (m); p=probabilidade de ocorrência..............................................................

103

CAPÍTULO 4 Figura 1. Mapa de localização da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu no litoral do Estado do Pará, costa amazônica brasileira..................................

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Figura 2. Fotografia de um ponto amostral onde houve corte de madeira de mangue na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira............................................................................

124

Figura 3. Curral (A) e Fuzarca (B) encontrados no rio Caeté, Bragança, costa amazônica brasileira.............................................................................

127

Figura 4. Curral para criação de suíno, com destaque para o uso de duas das espécies da madeira de mangue, comunidade de Caratateua, Bragança, costa amazônica brasileira............................................................................

128

Figura 5. Atividade de fabricação de farinha, destacando a casa e a atividade de torrar no forno aquecido pela madeira de mangue, comunidade de Taperaçu-Campo, Bragança, costa amazônica brasileira........................

129

Figura 6. Atividade de fabricação do carvão vegetal com uso da madeira de mangue, Bragança, costa amazônica brasileira...................................................

130

Figura 7. Atividade de corte da casca da árvore de Rhizophora mangue para retirada do tanino e posterior tingimento de redes de pesca, Bragança, costa amazônica brasileira............................................................................

130

Figura 8. Zona de corte, como madeira empilhada (A) e, troncos de árvores da espécie Rhizophora mangle (B) na Reserva Extrativista Marinha CaetéTaperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira..........................................

132

Figura 9. Mapa mostrando o gradiente de intensidade do corte para as três espécies arbóreas de mangue juntas nas 20 principais zonas de corte, ao longo da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira...........................................................................

136

Figura 10. Impacto, com base no Índice de Corte (ic), sobre Rhizophora mangle, Avicennia germinans e Laguncularia racemosa na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira.................

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Figura 11. Mapa mostrando o gradiente de intensidade do corte para Laguncularia racemosa nas 20 principais zonas de corte, ao longo da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica

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brasileira ....................................................................................... Figura 12. Mapa mostrando o gradiente de intensidade do corte para Rhizophora mangle nas 20 principais zonas de corte, ao longo da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira.................

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Figura 13. Mapa mostrando o gradiente de intensidade do corte para Avicennia germinans nas 20 principais zonas de corte, ao longo da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira...........................................................................................

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Figura 14. Fotografia que registra madeira cortada de origem de mangue (A) e uso do solo para cultivo de arroz de várzea (B) na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira............

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Tabela 1. Espécie e uso da madeira pelos extrativistas estuarino-costeiros na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira...........................................................................................

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Tabela 2. Zonas de corte com valores médios dos atributos estruturais das espécies arbóreas (Rh=R. mangle, Av=A. germinans, Lg=L. racemosa) dos bosques de mangue da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, costa amazônica brasileira. DAP=Diâmetro Altura Peitoral; Alt/m=Altura em metro; F=Frequência; FR=Frequência Relativa; De=Densidade; DeR=Densidade Relativa; Do=Dominância; DoR=Dominância Relativa; VI=Valor de Importância............................

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Tabela 3. Zonas de corte com valores médios dos atributos estruturais das espécies arbóreas (Rh=R. mangle, Av=A. germinans, Lg=L. racemosa) dos bosques de mangue da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, costa amazônica brasileira. DAP=Diâmetro Altura Peitoral; F=Frequência; FR=Frequência Relativa; De=Densidade; DeR=Densidade Relativa; Do=Dominância; DoR=Dominância Relativa; VI=Valor de Importância......................................................................................

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ESCOPO DA TESE

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O presente trabalho está dividido em cinco capítulos: Capítulo 1 – Introdução Geral: são apresentados argumentos sobre a importância de se estudar o ecossistema de manguezal e sua relação com os usuários, numa interação baseada na disponibilidade dos recursos desse ecossistema na península de Ajuruteua, em Bragança, Pará. Traz ainda o direcionamento maior da pesquisa através de sua hipótese e seu objetivo geral, sendo os métodos explicitados de acordo com a abordagem particular de cada capítulo. Capítulo 2 – Os Extrativistas Estuarino-Costeiros de Caranguejo-Uçá, Ucides cordatus, e Madeira dos Manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Pará, Costa Amazônica Brasileira: enfoca as formas de extrativismo praticadas nos manguezais da península de Ajuruteua, Bragança (PA), com recorte a dois principais recursos: Ucides cordatus e a madeira de mangue, numa perspectiva de percepção dos extrativistas estuarino-costeiros. A temática procura traçar o perfil, as práticas produtivas, os principais produtos e o exercício laboral desses usuários na península. Esses elementos permitiram acessar e correlacionar às percepções (saberes) locais às formas extrativas praticadas no manguezal, com ênfase na linha socioambiental. Para tanto, foram levantados os questionamentos: 1) Quais são as percepções dos agentes sociais (extrativistas estuarino-costeiros) sobre as formas e as condições de extrativismo praticadas nos manguezais da península de Ajuruteua, relacionadas ao Ucides cordatus e à madeira de mangue? Os mecanismos para a caracterização das formas de extrativismo se concentraram nas percepções desses usuários, denominados, nesta pesquisa, como usuários e/ou extrativista estuarino-costeiros, que são agentes sociais residentes ou não nas comunidades costeiroestuarinas da península de Ajuruteua. Adicionalmente, as memórias1 desses usuários foram acessadas para descreverem, nas suas linguagens, a percepção sobre os principais recursos e atividades produtivas na apropriação e uso do recurso caranguejo-uçá e madeira de mangue no manguezal da referida Península. Nesse sentido, o presente capítulo traz resultados sobre a categorização dos extrativistas estuarino-costeiros; questões socioeconômicas (classe etária, estado civil, 1

Os indivíduos são apenas testemunhas de suas recordações, recordações que necessitam de socialização para serem recontadas. Percebe-se que cada indivíduo apreendeu o compasso social do tempo, o “seu tempo”, de forma peculiar. Cada narrador descreveu um ponto de vista sobre acontecimentos coletivizados ou que perpassaram as suas gerações. As lembranças da família se desenrolaram a ponto de grupos externos, como os vizinhos, também serem associados a esse berço. A casa, objetos, locais de sociabilidade, sons; todos esses elementos são apontados como espaços de lembrança por esses narradores vitais. As lembranças políticas não deixaram de ter seu espaço (BOSI, 1994).

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escolaridade, atividade ou renda complementar); principais atividades produtivas (pesca, marisco, agricultura e etc.); exercício laboral e os usos dos recursos ambientais noutras atividades produtivas, por ex. currais de pesca e fabricação de carvão. Importante ressaltar que foram realizadas perguntas e as respostas transcritas parcial ou totalmente, respeitando o vocabulário nativo. O Capítulo 3 – Distribuição espacial das zonas de exploração do Ucides cordatus nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Pará, Costa Amazônica Brasileira: fez uma leitura do cenário ambiental (manguezal) com relação à pesca do caranguejo-uçá (Ucides cordatus), que objetivou determinar as principais zonas intensificadas e exploradas nessa pesca. Para tanto, as zonas foram identificadas por meio da percepção e indicação dos extrativistas estuarino-costeiros, que conduziam o pesquisador às principais áreas de exploração para georreferenciá-las e mensurá-las com a contagem das galerias e biometria do U. cordatus pescado naquela zona. Assim, foi possível determinar as principais zonas de extração do caranguejo-uçá, com a discussão que permite aferir a biometria e densidade do estoque. Adicionalmente, são apresentadas as zonas mais exploradas, correlacionadas ao fator fácil e difícil acesso na península, por meio de hotspot criado a partir da percepção dos extrativistas estuarino-costeiros. No Capítulo 4 - Distribuição espacial das zonas de exploração madeireira nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Pará, Costa Amazônica Brasileira: são trazidos elementos concernentes ao corte da madeira de mangue, com a identificação das principais zonas, as quais são submetidas à análise dos atributos estruturais da vegetação. As referidas zonas foram identificadas a partir da percepção dos usuários, em que foi possível, também, identificar os diferentes processos empregados na extração. Assim como os usos da madeira cortada e sua relação com as práticas produtivas dos extrativistas estuarino-costeiros por meio de suas impressões ambientais. Por fim, apresenta-se o Capítulo 5 - Conclusão Geral com elementos indicadores do cenário da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, no que concerne à exploração dos recursos U. cordatus e da madeira de mangue, com abrangência aos usuários da área estuarina e costeira. Esses indicadores estão dispostos na ideia de conservação e co-manejo, com recomendações às instituições gerenciadoras do ambiente manguezal, como por ex., ao comitê da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, ICMBio, Secretarias Estadual e Municipal de Meio Ambiente e às Cooperativas e Associações.

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Capítulo 1

INTRODUÇÃO GERAL

Seguidas as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) 2011, disponíveis para consulta gratuitamente no endereço eletrônico: http://www.ufpa.br/bc/site/index.php?option=com_content&view=article&id=94:disponibiliz acao-de-normas-da-abnt&catid=4:paginas-dinamicas&Itemid=24

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CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO GERAL

O presente capítulo traz considerações iniciais sobre as questões ambientais e sociais ligadas ao ecossistema de manguezal, com recorte no recurso caranguejo-uçá (Ucides cordatus) e na madeira de mangue, por meio de referenciais teóricos pertinentes à temática. São teóricos com resultados de pesquisa em diferentes cenários ambientais do Brasil, assim como literatura originada no ambiente de pesquisa. Adicionalmente, apresenta-se uma justificativa do por quê e qual a importância do presente trabalho intitulado “Análise da percepção dos extrativistas estuarino-costeiros sobre o zoneamento da extração do caranguejo-uçá (Ucides cordatus) e da madeira nos manguezais da RESEX-Marinha CaetéTaperaçu, Pará, costa amazônica brasileira”. Nessa justificativa são realizadas descrições dos objetivos e das hipóteses que, originalmente, constituem os indicadores da pesquisa aqui apresentada.

1.1. Os recursos naturais e as práticas produtivas: elementos iniciais de entendimento socioambiental do ecossistema de manguezal

Dentre as inúmeras razões para se estudar a economia de épocas passadas, está à busca do conhecimento de práticas produtivas, tecnológicas e saberes outrora empregados na produção de matérias-primas e de alimentos, bens extraídos diretamente do meio natural. Diante da crise ambiental de nosso tempo, esse interesse adquire caráter de urgência. Assim, conforme Maia (2003, p. 64), “... o passado é para o economista um laboratório de experiências bem e malsucedidas. Seu estudo permitirá não repetirmos os erros já cometidos”. Segundo Barre (1956, p. 2), “... a atividade econômica chega a confundir-se com a história da existência humana”, no sentido de produção dos meios necessários para a vida material e social. O que entendemos hoje por atividade econômica, ligada com a idéia de crescimento e expansão, é relativamente recente, mais precisamente desde a Revolução Industrial, ou desde a grande associação filosófica e política, entre crescimento econômico e progresso social. Noutro olhar mais aguçado, com relação à idéia de progresso, destaca-se uma analogia elaborada séculos atrás por Francis Bacon, no livro Novum organum (1620). Segundo Bacon (1620), seria razoável imaginar que um homem idoso tivesse mais

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conhecimentos que um homem jovem e, por comparação, seria igualmente razoável supor que a era presente – a então nascente Era Moderna, considerada avançada no tempo e, portanto, mais “idosa” – também detivesse acúmulos maiores de conhecimentos em relação à Era Antiga. Historicamente, com o advento do capitalismo moderno, o Estado tem assumido papel de participante ativo na promoção do processo de desenvolvimento das sociedades, sendo o definidor dos impostos a serem pagos, da legislação do trabalho e dos regimes aduaneiros (BARRE, 1956, p. 132). Todavia, as principais teses ou implicações da noção de progresso, de acordo com Abbagnano (1999), eram as seguintes: “(i) o curso dos eventos naturais e históricos constitui uma série unilinear; (ii) cada termo da série é necessário, no sentido de não poder ser diferente do que é; (iii) cada termo da série realiza um incremento de valor em relação ao precedente; e (iv) qualquer regressão é apenas aparente e constitui condição de um progresso maior”. Quando se considera a argumentação acima, evidencia-se uma análise histórica quando permite dizer que o Estado, ao longo do tempo, tem assumido duas diferentes formas de atuação, no que diz respeito à sua interação com a sociedade: Estado protecionista 2 e Estado liberal/neoliberal3. Nessa abordagem, e no contexto da realidade brasileira, cabe refletir sobre como são desenvolvidas as políticas públicas4, principalmente as locais, e que relação estabelecem com a condição de vida dos cidadãos. Acredita-se que as ações e os serviços precisam ser planejados e programados concomitantemente com as necessidades da população e de acordo com as condições de vida da realidade local na qual estão sendo

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Para Maia (2003, p. 109), o protecionismo caracteriza-se pela intervenção do Estado nas definições econômicas do país, tais como política comercial externa e interna e controle das importações e exportações.

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De acordo com Stewart Jr. (1995, p. 69), liberalismo é uma doutrina política cujo pressuposto é o de que a maioria das pessoas prefere a abundância à pobreza, sendo que ela está voltada à melhoria das condições de vida da população, por meio da liberdade que garante a inexistência de coerção de indivíduos sobre indivíduos. Os primeiros pensadores acerca do ideário liberal foram Davi Hume, Adam Smith, Jeremy Bentham e David Ricardo, os quais não foram suficientemente entendidos, o que ocasionou os seus pensamentos “embrionários” do pensamento liberal moderno, quando se assumiu o termo “neoliberalismo” em lugar de liberalismo.

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Entre os estudiosos, o termo política encerra várias acepções claramente diferenciáveis e retratadas em distintas obras de referência, como Dicionário de política, de Norberto Bobbio (1986), ou no livro Understandiing public policy, de Thomas R. Dye (2005), entre tantas outras. Ainda, neste trabalho, a visão histórica empregada permite dizer que política pública é desdobrar esta noção geral em suas partes constitutivas, pois o cientista político C. O. Jones (1977, p. 4), por exemplo, propõe que se considere a distinção entre as várias propostas de políticas “meios especificados para atingir as metas”, os programas “meios autorizados para atingir as metas”, as decisões “ações especificas assumidas para implementar as metas” e os efeitos “os impactos mensuráveis dos programas”. O Estado é responsável pelo bem-estar da população, e o governo por gerenciar o alcance desses objetivos por meio da elaboração de políticas públicas ou macroeconômicas. Para isso, ele planeja, pesquisa, identifica, formula e reformula políticas, programas e projetos. Entretanto, todos são responsáveis pela condição de desenvolvimento, e, partindo-se disso, justifica-se também a participação do setor privado na contribuição para a formulação de políticas que tenham finalidade igual (SIMÃO, SILVA, et al., 2010).

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desenvolvidas. A perspectiva desta abordagem propicia contribuir para um planejamento e uma execução de políticas públicas locais que utilizam os recursos naturais existentes sem prejudicar o ambiente de vida, criando condições de saúde e evitando problemas ecológicos, muitas vezes, irreversíveis. Esta pesquisa traz o enfoque socioambiental, sem desprezar a história (passado), essencial à reflexão do processo extrativista no ecossistema de manguezal [caranguejo e madeira de mangue] na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu (RESEXMar)5 que, a princípio, é alvo de políticas públicas de (co)manejo para a sustentabilidade. Todavia, a priori não é proposta deste trabalho mergulhar na discussão dessa política, mas tratar o estudo sem perder de vista a importância e a interferência político-organizacional, socioambiental e bioecológica do ecossistema em que se encontra entre os limites estabelecidos pelo Decreto-Lei6 da RESEX-Mar. Neste ponto, cabe definir previamente o sentido de manejo e co-manejo, que norteia as ações de política pública a partir da RESEX-Mar. Entende-se, no presente trabalho, que manejo implica em elaborar e compreender o conjunto de ações necessárias para a gestão e uso sustentável dos recursos naturais em qualquer atividade no interior e em áreas do entorno de uma reserva ou de uma unidade de conservação. De modo a conciliar, de maneira adequada e em espaços apropriados, os diferentes tipos de usos com a conservação da biodiversidade (BENATTI; McGRATH; OLIVEIRA, 2003). Co-manejo se caracteriza por ser uma forma colaborativa e participativa de tomada de decisões relacionadas a recursos naturais de uso comum. Significa que as instâncias governamentais (municipais, estaduais, nacionais e internacionais), organizações não-governamentais, órgãos de pesquisas e outros, juntamente com a comunidade local, são envolvidos com a regulação da exploração de um determinado 5

Criada pelo Decreto de 20 de maio de 2005. Dispõe sobre a criação da Reserva Extrativista Marinha de Caeté-Taperaçu, no Município de Bragança, no Estado do Pará, e dá outras providências.

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Parágrafo único. Ficam excluídas do polígono descrito no caput deste artigo: I - uma área de aproximadamente duzentos e sessenta e dois hectares e setecentos e oitenta centiares, com o seguinte memorial descritivo: partindo do Ponto A1, de coordenadas geográficas aproximadas 46°37’19,05" WGr e 0°49’13,64" S, localizado na margem direita do Furo da Estiva, segue a montante pelo Furo da Estiva, por uma distância aproximada de 3.151 metros, até o Ponto A2, de coordenadas geográficas aproximadas 46º36’41.50" WGr e 0º50’16.95" S, na confluência do Furo da Estiva com o Furo do Maguari; deste, segue pela margem esquerda do Furo Maguari, no sentido jusante, por uma distancia aproximada de 1.991 metros, até a sua foz no Oceano Atlântico, Ponto A3, de coordenadas geográficas aproximadas 46º35’58.51" WGr e 0º50’25.69" S; deste, segue pelo limite da preamar máxima, por uma distância aproximada de 3.575 metros, ao longo da costa da localidade Ajuruteua, até o Ponto A4, de coordenadas geográficas aproximadas 46º36’53.33" WGr, 0º48’46.21" S; deste, segue a montante, pela margem direita do Furo do Chavascal, por uma distancia aproximada de 1.574 metros, até o Ponto A1, início desta descritiva, perfazendo um perímetro de aproximadamente dez mil, duzentos e noventa metros e setenta e cinco centímetros; e II - a Rodovia PA 458, que interliga a sede do Município de Bragança à localidade Ajuruteua, no Estado do Pará. Art. 2O A Reserva Extrativista ora criada tem por objetivo proteger os meios de vida e garantir a utilização e a conservação dos recursos naturais renováveis, tradicionalmente utilizados pela população extrativista residente na área de sua abrangência (BRASIL, 2005).

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recurso, criam mecanismos de exploração sustentável com regras determinadas e acordadas com a participação de todos os atores envolvidos. A partir do momento em que o co-manejo é estabelecido, ele vai sendo adaptado à medida do surgimento de novas necessidades legais e da população local, daí ele ser uma gestão adaptativa. Para Ostrom et al. (1994), os recursos naturais comuns são aqueles que podem ser utilizados ao longo do tempo, e isso leva à ideia de exclusão daqueles grupos de pessoas que não poderão fazer uso desse recurso natural e também de custo, importante para fiscalizar e garantir que essa exclusão seja alcançada de maneira satisfatória e que a exploração aconteça de forma sustentável. A sustentabilidade é um meio de vida ou uma forma de viver que, devido à sua complexidade, não permite uma descrição por completo. Trata-se de um modo de pensar e de agir para as pessoas, sociedades e comunidades do presente e do futuro. Ela pressupõe também uma série de considerações acerca do pensamento – que é complexo – e pode estar presente nos indicadores e nas políticas públicas (SIMÃO, SILVA, et al., 2010). Complementarmente, Capra (2005) argumenta que o conceito de sustentabilidade surgiu no início da década de 1980, com Lester Brown, fundador do Wordwatch Institute, que definiu a sociedade sustentável como aquela capaz de satisfazer sem comprometer as chances de sobrevivência das gerações futuras. Obviamente, a sustentabilidade é um campo que necessariamente careceria maior discussão, todavia, o presente trabalho não tem a pretensão de adentrar na história ou mesmo nas amplas e importantes teorias apresentadas em diversas áreas do conhecimento. Evidentemente a crise ambiental deve ser situada e analisada como oriunda de um modelo de civilização e de progresso. Mas quem, ou o que, deverá ser sustentável? E ainda, se qualifica como uma crise na regulação das relações sociais de toda a humanidade, exigindo, para sua superação, que um novo contrato social seja construído, e desse modo a sociedade humana possa continuar a se reproduzir como tal (SOSA, 1996). Ou seja, sem a pretensão de emitir fórmulas ou mesmo estabelecer resposta, salienta-se que deve ser sustentável o comportamento das pessoas e das organizações, ensino, atividade econômica, cultura, política, democracia, uso do meio ambiente e do espaço e as diversas outras variáveis, além de todas as relações e integrações. A crise de sustentabilidade no uso dos recursos naturais quer em escala nacional, quer no plano mundial, não se encontra isolada. Na realidade, é parte constituinte da crise ambiental que se exacerbou, principalmente, a partir de meados do século passado (SACHS, 2000). Por outro lado, pode-se inferir que os esforços despendidos em busca do uso

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sustentável pressupõem o acompanhamento e a mensuração para que as políticas e as ações sejam estabelecidas e adequadas de acordo com os objetivos identificados e para que as reformulações e os novos objetivos-meio sejam propostos. O uso de indicadores permite definir qual é à distância, ou o quanto se caminhou, para a sustentabilidade, além de apontar se alguém está agindo ou não de modo denominado de “sustentável” (SIMÃO; SILVA; et al., 2010). Os recursos naturais são visualizados do ponto de vista geral como conjunto de bens que não são produzíveis pelo ser humano. São recursos, habitualmente, tidos a partir de uma dupla decomposição: aqueles recursos esgotáveis, os quais o estoque se encontra em terra (ex. o carvão, o petróleo, a platina), e em recursos renováveis, considerados aqueles capazes de se regenerar sobre um horizonte economicamente significativo dada à sua condição biofísica (deles fazem parte as florestas ou os recursos pesqueiros). Logo, essa regeneração ocorre independentemente de qualquer intervenção humana. E, por outro lado, em recursos mercantis (aqueles que servem de processo produtivo ou mercadológico) e em recursos livres (este é o caso do ar ou, ainda, do solo sob a forma de receptáculo de desperdícios). Estes são recursos gratuitos que se utiliza sem procurar saber se são raros ou não do ponto de vista ecológico (FAUCHEUX & NOËL, 1995). Teoricamente, Portugal (1992) descreve que “... a palavra recurso significa algo a que se possa recorrer para a obtenção de alguma coisa”. Para esse autor, o ser humano recorre aos recursos naturais, isto é, aqueles que estão na Natureza, para satisfazer suas necessidades. Para Art (1998) recurso pode ser: a) componente do ambiente (relacionado com freqüência à energia) que é utilizado por um organismo e b) qualquer coisa obtida do ambiente vivo e não-vivo para preencher as necessidades e desejos humanos. Pensando localmente o uso dos recursos, as ideias aqui enfocadas estão sintonizadas num conjunto que abrange as dimensões da recuperação, conservação e gestão ambiental. Entende-se que a restauração envolve um conjunto de concepções e conceitos em diversas áreas do conhecimento, em especial, quando há o emprego de termos como sinônimos, por ex., recuperação, reabilitação e restauração. A recuperação pode ser entendida como aquele ou aquilo capaz de possuir condições mínimas no estabelecimento de um novo equilíbrio dinâmico, com a possibilidade de desenvolver um novo solo e uma nova paisagem (Decreto Federal Nº 97.632/89). Paradoxalmente, a reabilitação tem o significado de retornar a um estado biológico apropriado de uma dada área degradada, porém haverá restrições no uso dessa área para fins exploratórios rentáveis monetariamente, mesmo em longo prazo.

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Todavia, esse retorno traz benefícios extraordinários com o papel na restauração ecológica como fonte de sementes e organismos para colonizar as áreas restauradas, contribuindo na ampliação da biodiversidade regional e, consequentemente, para a viabilidade biológica nessas áreas (CHAZDON, 2008; REY BENAYAS et al., 2009). O termo restauração se refere, obrigatoriamente, o retorno ao estado original da área, antes da degradação, ou seja, é preservada a mesma característica de topografia, vegetação, fauna, solo, etc.. Por assim compreender, a restauração ecológica tende ser muito mais do que a aplicação de um simples pacote de técnicas silviculturais, acreditando-se que a diversidade biológica e os processos ecológicos serão restabelecidos por si só, em situações que já ultrapassaram o nível crítico da resiliência. Nesse contexto, a restauração ecológica deve assumir a difícil responsabilidade de restabelecer os processos ecológicos e as espécies que auxiliam no estabelecimento de florestas biologicamente viáveis, que favoreçam a persistência da biodiversidade mesmo em paisagens antrópicas tropicais (RODRIGUES et al., 2009; TABARELLI et al., 2010). Complementarmente, diz-se que as políticas públicas ambientais, tomadas em sentido macro, implicam no conjunto de regras sociais que governam a apropriação e os usos que diferentes atores sociais fazem da base de recursos naturais e do ambiente em contextos históricos específicos (FAUCHEUX & NOËL, 1995; HEIDEMAN & SALM, 2009). O que, após definições e tomando por base as políticas ambientais, o presente trabalho adotará o termo recuperação de áreas. Nesta perspectiva, as políticas públicas devem ser entendidas como parâmetros para análises das formas pelas quais o ser humano age no seu grupo social e nas suas atividades laborais e econômicas. Por isso, as políticas públicas devem ser consideradas interdisciplinares devido à sua diversidade e aos seus objetivos variados, que podem ou não estar em dimensões diferentes do desenvolvimento sustentável. Ao compreender o agir e o pensar dessas políticas, deve-se entender que os indicadores precisam refletir seus objetivos, para saber se estes estão sendo alcançados ou não, como o amadurecimento ou a condição de desenvolvimento, tanto dos agentes e das relações políticas quanto das dimensões da sustentabilidade. Contudo, devem-se utilizar indicadores para medir o estado de amadurecimento sustentável: os impactos positivos e negativos desta ou daquela zona, sistema, recurso e ambiente. Com base nessas argumentações é que se constrói a temática “Análise da percepção

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dos extrativistas estuarino-costeiros sobre o zoneamento da extração do caranguejo-uçá (Ucides cordatus) e da madeira nos manguezais da RESEX-Mar Caeté-Taperaçu, Pará, costa amazônica brasileira”. Relacionando-o às políticas públicas, à sustentabilidade, à economia local, ao processo de organização social e ambiental e à apropriação e uso dos recursos naturais será levada em consideração o percurso que diferentes agentes sociais7 fizeram ou fazem do uso dos recursos naturais dos manguezais da RESEX-Mar, em Bragança, Pará. O termo zoneamento possui diversas aplicações e diretrizes nas mais distintas áreas do conhecimento e tem adquirido destaque para a formulação, espacialização e implementação de uma série de políticas. Todavia, utilizou-se, no presente trabalho, zoneamento referindo à divisão de certo território em zonas que se distingue pelo uso do sistema manguezal e dos recursos naturais do num determinado território (NITSCH, 1994). Compreende-se território como espaço em que um certo grupo possibilita aos seus membros direitos estáveis de acesso, de uso e controle sobre os recursos e sua disponibilidade no tempo. E, ainda, a territorialidade serve para obtenção de recursos para a sustentabilidade social e econômica dos vários produtores como: pescadores, coletores, agricultores, extratores, pecuaristas, artesãos e outros (CASTRO, 1997). Na análise do extrativismo, toma-se o conceito de sustentabilidade econômica e ambiental/espacial, mediante uma visão sistêmica com a integração dos conhecimentos locais. Assim, pode-se inferir que o pluralismo econômico, a combinação entre distintas fontes de sobrevivência e diferentes agentes sociais, tem geralmente como base um conjunto de saberes sobre os ambientes, saberes estes que contemplam percepções sobre a natureza e as propriedades das diferentes espécies, seus ciclos e interações (HOMMA, 2011). Conceitualmente, extrativismo é entendido no presente trabalho como as ações do extrativista sobre os recursos dos manguezais e as relações sociais em que se baseiam tais ações. As diversas formas de extrativismo serão consideradas segundo a dimensão social, política e econômica. Certamente, fechar um conceito para extrativismo deixá-lo-ia rigidamente definido sem compreendê-lo do ponto de vista holístico. Assim, entende-se, do ponto de vista social, apropriação dos recursos dos manguezais com ênfase em dois principais recursos (definidos 7

Neste sentido, a priori, não se quer atribuir “culpas” deste ou daquele agente social, mas, este trabalho, possui o entendimento expresso por Coase (1960), pois se entende que a questão é comumente posta nos seguintes termos: “A inflige um dano a B e deve decidir-se como restringir as atividades de A. Porém, isto é errôneo. Na realidade, somos confrontados com um problema de natureza recíproca. Evitar lesar B lesará A. A verdadeira questão a colocar é a de saber se deve permitir a A lesar B ou B a lesar A”. Ou seja, tem-se a condição de não atribuir elementos que não sejam de natureza ao agente, mas de entender o processo em que se constituiu ou se constitui historicamente no elemento em estudo (FAUCHEUX & NOEL, 1995, p. 221).

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por sua importância como fonte de alimentos e de renda para os povos das comunidades locais): caranguejo-uçá e madeira. Nesse sentido, o extrativismo é considerado num conjunto de dimensões: 1) Perfil dos usuários dos manguezais, ou seja, quem são essas pessoas que se apropriam e usam os recursos dos manguezais. E, ainda, como esses agentes sociais, trabalhadores que atuam nesse extrativismo, desenvolvem suas relações de trabalho. Em que medida se articulam para o estabelecimento de acordos e regras de uso dos recursos dos manguezais; 2) Processos utilizados para acessar os recursos, ou seja, as técnicas, a tecnologia, desde a captura, o processamento, a conservação, o meio de transporte, os saberes, as práticas, a acessibilidade, as zonas exploradas e a formação de territórios, definidos pelos usuários dos manguezais. Nesse cenário, as zonas dizem respeito aos espaços, distâncias percorridas e tempos; e os territórios já dizem respeito à forma social de apropriação dos espaços implicando em regras, eventualmente conflitos, ritos e formas de respeito; 3) Organização social, ou seja, com quem realizam o extrativismo (desde a ida ao manguezal, equipes de trabalho), o destino dos produtos, a inserção no mercado, os acordos

com

os

comerciantes,

os

compradores/financiadores,

eventualmente,

financiamentos bancários. Ainda, considera-se, nesta dimensão, o sentido de trabalho para gerar renda e como combinam com outras atividades econômicas ou não, ou seja, sua pluriatividade e sua especialização com relação aos recursos. Certamente, elementos considerados da organização política, reguladores e regulamentadores, por ex., a Reserva Extrativista Marinha (RESEX-Mar), as políticas previdenciárias, as organizações dos pescadores (Colônia de Pescadores), o defeso e a profissionalização dos extrativistas. O manguezal é reconhecido como um dos mais importantes ecossistemas da costa brasileira, constituído de recursos como: madeira, componentes da fauna e da flora considerados como remédios, tinturas, peixes, crustáceos e moluscos (CANESTRI & RIUZ, 1973; PANNIER & PANNIER, 1980). Certamente, por possuir abundância em alimento, grupamentos humanos foram atraídos, em especial, os que vivem no entorno e próximo ao litoral. Segundo Simões (1981), os primeiros habitantes do litoral se aproximaram dessas zonas por serem ricas em alimentos, e os recursos mais buscados por esses povos originais eram: ostras, mexilhões, siris, caranguejos, peixes, além de répteis, mamíferos e aves. Sanoja & Vargas (1974, p. 35-41 apud SIMÕES, 1981, p. 19) descrevem que esses povos possuíam

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um modo de produção de coletores marinhos especializados, não excluindo, porém, a possível coleta de frutos, sementes e raízes como suplemento alimentar. Para os povos das comunidades costeiro-estuarinas que vivem no entorno dos manguezais, os caranguejos representam um dos grupos de maior relevância econômica, em especial, o caranguejo-uçá, uma vez que é a espécie mais extraída e de maior peso para a economia doméstica dessas comunidades (DIELE, 2000; VALE, 2003; GLASER, 2005). Paralelamente, o uso da madeira de mangue também revela ser um recurso de extraordinária importância econômica nas atividades produtivas dos povos dessa área costeira, como bem descrita por Glaser, Berger e Macedo (2005). Todavia, há que se reconhecer a inexistência de informações a respeito das zonas principais de extração desses dois recursos na RESEX-Mar Caeté-Taperaçu, e, nesse sentido, é que a se propôs o estudo de acessar a memória, por meio da percepção, dos usuários do ecossistema manguezal para o zoneamento das principais áreas de extração. Assim, a percepção dos extrativistas estuarino-costeiros com relação às zonas de extração contribuirá para o melhor entendimento das práticas produtivas, da apropriação e do uso dos recursos ambientais e dos principais produtos extraídos dos manguezais.

1.2. A área de estudo: o ambiente estuarino-costeiro e povos da península de Ajuruteua, Bragança-PA, costa amazônica brasileira. A área de estudo da presente pesquisa está localizada na península de Bragança, nordeste do Estado do Pará (Fig. 1). A particularidade da área de estudo no âmbito da Zona Costeira Amazônica (ZCA) diz respeito, em primeiro lugar, ao caráter de transição e contato entre dois contextos morfológicos (relevo) e fisiográficos distintos: os tabuleiros, rios e planícies aluviais da Zona Bragantina e as planícies costeiras do litoral do Nordeste Paraense, diretamente influenciadas pelo oceano Atlântico (BARBOSA, RENNÓ, FRANCO, 1974; FRANZINELLI, 1976; AB’SÁBER, 1996). Segundo Souza Filho (2005) a zona costeira Bragantina está inserida na ZCA e é considera a mais bem preservada como ambiente tropical úmido do planeta, principalmente ao longo da costa de manguezais do nordeste do estado do Pará. A Zona Costeira do Estado do Pará (Fig. 1) está dividida, de acordo com sua fisiografia e geomorfologia, em dois grandes compartimentos, separados entre si pela ponta conhecida como Taipu, que se localiza no limite superior direito da desembocadura da baía de

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Marajó. São eles: o Golfão Marajoara, a oeste, que se caracteriza por uma situação estuarina amplamente inclusa área de várzea e igapó ligada à foz dos rios Amazonas, Tocantins e outros. Ao leste daquela ponta, o litoral atlântico do Nordeste Paraense, que forma uma costa bastante irregular, em uma sucessão de reentrâncias (estuários ou baías) com extensas praias e planícies de maré lamosas recobertas por mangue (FRANZINELLI, 1992; SOUZA FILHO et al., 2005a).

Figura 1. Localização da Costa do Pará (A); Zona Costeira do nordeste paraense (B); RESEX-Mar Caeté-Taperaçu e comunidades do entorno (C), costa amazônica brasileira.

Ainda Sousa Filho (2005) descreve que esta costa de manguezal é caracterizada como irregular e recortada, por inúmeras baías e estuários, com cerca de 7.500 Km2. Essa caracterização se acentua em função de um sistema de macromaré semidiurna, com variações médias de 4 a 5m (GUALBERTO & SOUZA FILHO, 2007). Morais et al. (2005) caracteriza os manguezais dessa região como desenvolvidos em um clima equatorial quente e úmido, com estação chuvosa e seca demasiadamente definidas, e, precipitação média anual em torno de 2.550 mm. Sabe-se que os povos das comunidades costeiras, sobretudo os que residem em vilas e povoados no entorno dos manguezais, empreendem atividades diferentes para viver. Por

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exemplo, coletam e beneficiam caranguejos e mexilhões, extraem madeiras, pescam diferentes espécies de peixes e camarões, praticam a agricultura de subsistência e, mais recentemente, praticam a apicultura (ISAAC, et al. 1999; OLIVEIRA, 2000; BLANDTT, 2002;

GLASER

&

KRAUSE,

2003;

MANESCHY,

2005;

OLIVEIRA,

2006).

Adicionalmente, essas comunidades tendem a se especializar em uma ou duas atividades como forma de suprir suas necessidades econômicas e interagir com o mercado local (OLIVEIRA, 2006). O presente trabalho centrou-se em zonas selecionadas ao longo dos limites internos da RESEX-Mar Caeté-Taperaçu, direcionando-se à análise do pluralismo econômico dos povos que utilizam esses dois conjuntos de recursos: i) caranguejo-uçá (Ucides cordatus) e ii) madeira do mangue (principalmente Rhizophora mangle L. – mangue vermelho, Avicennia germinans (L.) L. – mangue preto e Laguncularia racemosa (L.) C. F. Gaertn. – mangue branco, dada a ocorrência de A. schaueriana Stapf & Leechm. ex Moldenke). Será considerado o termo comunidade estuarino-costeira pelas condições geofísicas apresentadas na área de estudo, pois a diversidade de unidades de relevo se apresenta como um dos elementos da transição entre terras e águas marinhas, fluviais e estuarinas que caracteriza as zonas costeiras. Estas últimas são ambientes em que há interações peculiares entre sistemas marinhos e continentais, inclusa as estruturas geológicas, feições de relevo, solos, formações vegetais, forças atmosféricas, condições de drenagem, além, é claro, atividades produtivas e padrões de ocupação humana que se apropriam e usam os atributos físicos, ecológicos e paisagísticos relacionados às zonas costeiras (SILVA, GOBITSCH NETO, 1993; BRASIL, 1997; UNESCO, 1997; MORAES, 1999; SOUZA FILHO et al., 2005a). As comunidades localizadas no entorno dos manguezais da península de Ajuruteua (Fig. 1) abrigam povos que mantém uma ligação estreita e produtiva com o manguezal dessa região (GLASER, 2005). Essa ligação se deve no sentido econômico da apropriação e do uso dos recursos ambientais e/ou na relação direta socioambiental que particulariza a cultura e o seu modo de vida nesse ambiente (GLASER & DIELE, 2004). A escolha da área de estudo se justificou, em princípio, pelo fato ser uma área estuarina costeira pouco estudada no campo socioambiental, com a amplitude e o tratamento metodológico dado como no presente trabalho, ou seja, uma análise gerada a partir das relações estabelecidas entre os povos e os recursos ambientais costeiros. Num segundo

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momento, tornou-se uma contribuição ao estudo de povos e ambientes tipicamente de zonas costeiras e estuarinas. Os povos dessas comunidades, naturalmente, vivem da particularidade ambiental dessa zona costeira, o que os caracterizam como estuarino-costeiros, em especial por possuírem suas práticas produtivas voltadas para o que esse ambiente oferece. Ademais, buscam na costa os recursos disponíveis para sanar suas necessidades econômicas e sociais, entre os principais recursos buscados estão caranguejo-uçá, peixe, mariscos, aves, animais silvestres, mariscos e madeira de mangue (GLASER & GRASSO, 1998; DOMINGUES, 2008; MONTEIRO et al., 2014). Com base nessas características, o presente trabalho, a partir de então, fará um uso dos termos comunidades costeiro-estuarinas, extrativistas costeiros, extrativistas costeiro-estuarinos e usuários. Extrativistas, porque extraem os recursos naturais do ambiente manguezal para suprir suas necessidades, sejam econômicas, sociais e/ou culturais. Costeiros, porque estão inseridos na área costeira do município de Bragança. Esses agentes sociais também são considerados, segundo a literatura, povos tradicionais, em especial, por possuírem características peculiares e reservadas ao “saberfazer” aprendido na transmissão do saber da geração adulta aos mais novos, a partir da técnica experenciada cotidianamente (MORIN, 2011). Esses povos das comunidades tradicionais têm a característica definida a partir do ambiente que os envolvem e por meio de suas práticas produtivas (CORDELL, 1982; GODELIER, 1984; FURTADO, 1994; DIEGUES, 1983; 1988; 2000; PNCT, 2007).

1.3. O problema e os objetivos: elemento de busca no campo da pesquisa Existe um elemento de extrema relevância e que possui influência estreita com o ecossistema de manguezal: o ser humano, que se apropria e usa os recursos ambientais. Em alguns casos, torna-se um benfeitor ou aquele que pratica a ação antrópica com o aceleramento do impacto ambiental8 de modo negativo. Esses agentes sociais comumente são chamados na literatura de tiradores, catadores e coletores de caranguejo-uçá, que constituem a população das comunidades que estão no entorno dos manguezais. Ainda, são tidos como

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A legislação brasileira, através da resolução CONAMA 01/1986, em seu artigo 1º define impacto ambiental como: (...) qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causadas por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I – a saúde, a segurança e o bem-estar da população;/ II – as atividades sociais e econômicas;/ III – a biota;/ IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;/ V – a qualidade dos recursos ambientais (SÁNCHEZ, 2006).

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pessoas que fazem parte de comunidade tradicional, conforme a conceituam diversos autores9 (CORDELL, 1982; DIEGUES, 1983; GODELIER, 1984; DIEGUES, 1988). Nesse sentido, o presente estudo se propôs estudar o ecossistema de manguezal, com um recorte ao recurso caranguejo-uçá e ao uso da madeira de mangue, numa correlação com os agentes sociais envolvidos num processo de extração desses recursos e, também, domiciliados na região costeira da península Bragantina. Neste contexto, o presente trabalho buscou responder às seguintes questões: 1) Quem são os agentes sociais (extrativistas estuarino-costeiros) e quais suas percepções sobre as formas e condições de extrativismo praticadas nos manguezais da península de Ajuruteua, Bragança – Pará? 2) Os extrativistas estuarino-costeiros percebem zonas de intensificação da pesca do caranguejo-uçá na península de Ajuruteua? Em que medida esses agentes sociais conseguem identificar essas zonas e as percebem como produtoras, em potencial ou não, do caranguejo-uçá? 3) Quais são as principais zonas de corte da madeira de mangue na península de Ajuruteua, Bragança-PA, a partir da percepção dos usuários do manguezal? Nesse sentido, o principal objetivo da presente pesquisa foi caracterizar o perfil dos extrativistas estuarino-costeiros e suas atividades produtivas realizadas no ecossistema de manguezal, com ênfase ao extrativismo dos recursos ambiental caranguejo-uçá e madeira de mangue, na RESEX-Mar Caeté-Taperaçu, Bragança, Costa Amazônica Brasileira. Ainda, determinar as principais zonas de intensificação da exploração do caranguejo-uçá e corte da madeira de mangue, a partir da percepção dos usuários desse ecossistema. Esses objetivos foram permeados pelas dimensões socioambientais, de cunho interdisciplinar, devido agregar elementos sociais (povos, relações produtivas e ambientes) e ambientais (questões ecológicas que envolvem o recurso, o ambiente e outros).

1.4. Hipóteses O cenário ambiental pode ser considerado como um mosaico de habitats, desde os menos acessados pela ação humana até aqueles que sofreram uma ação antrópica intensa. 9

São as comunidades caiçaras, os sitiantes e roceiros tradicionais, comunidades quilombolas, comunidades ribeirinhas, os pescadores artesanais, os grupos extrativistas e indígenas. Exemplos empíricos de populações não-tradicionais são os fazendeiros, veranistas, comerciantes, servidores públicos, empresários, empregados, donos de empresas de beneficiamento de palmito ou outros recursos, madeireiros, etc.

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Nesse sentido, como afirma Larrère (1997), a paisagem é uma estrutura espacial que resulta da interação entre os processos naturais e as atividades humanas. Essa relação ser humano e ambiente faz com que aconteça a modelação da natureza e de seus diversos habitats, com a construção de um novo território ambiental. Assim, observa-se que o ambiente possui uma dinâmica própria, trazendo sempre traços do passado e a paisagem modelada, necessariamente, transformada. Este fator ambiental é possível a partir da ação material e simbólica das diversas comunidades humanas ao longo dos séculos. Ecólogos da paisagem consideram que a estrutura da paisagem ambiental é importante para a manutenção dos processos ecológicos e da diversidade biológica, particularmente em áreas onde vivem comunidades tradicionais diretamente dependentes dos usos dos recursos naturais. Neste caso, as comunidades estuarino-costeiras dentro e no entorno da RESEX-Mar Caeté-Taperaçu, o que, certamente, possui uma paisagem como fruto de uma história comum e interligada: a história humana e natural. Tomando como base as noções de coevolução e de ecologia da paisagem, Diegues et al. (2000, p. 8) revelam que tanto as sociedades quanto a natureza se transformam, deixando de existir, nesse sentido, o “bom selvagem” rousseauniano. E que, certamente, esse parâmetro não deve servir como base para alavancar uma política conservacionista recomendada ao ambiente de um modo geral, mas deve ser considerada como indicador capaz de prever a relação entre sociedade e natureza numa combinação de relações. No entanto, essas relações precisam ser compreendidas dentro de um parâmetro sustentável, capazes de prevenir as transformações, no âmbito das sociedades urbano-industriais, que podem ser prejudiciais à conservação, levando à destruição dos habitats (desmatamento, aumento de CO2 na atmosfera, etc.). As comunidades chamadas tradicionais (indígenas, quilombolas, camponesas, de pescadores artesanais, ribeirinhas e costeiras) também se transformam, sob o efeito de dinâmicas tanto internas quanto externas, provocadas pelo incremento tecnológico e pela estrutura capitalista instaurada nessas comunidades. Além disso, sua forte dependência dos recursos naturais, sua estrutura simbólica, os sistemas de manejo desenvolvidos ao longo do tempo e, muitas vezes, seu isolamento, fazem com que elas possam ser parceiras necessárias aos esforços de conservação. Nesse cenário é que se construíram os indicadores dessa pesquisa, gerando pressupostos para a formulação da seguinte hipótese geral: “as diversas formas de extrativismo do caranguejo-uçá e da madeira de mangue utilizadas pelos extrativistas

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estuarino-costeiros locais tem apresentado uma intensificação na exploração em diversas áreas da RESEX-Mar Caeté-Taperaçu, dos pontos de vista social e ambiental, que pode levar a um impacto ambiental considerado negativo ao ambiente manguezal”. Então, noutro lado, compreender “como” os grupos sociais combinam diferentes atividades produtivas, “por quê” e “em que condições” o fazem ou deixam de fazê-lo, com mudanças em dois eixos: i) na intensidade, no ritmo de dedicação, com recuo de algumas atividades e intensificação de outras, enfim, mudanças sociais e ambientais e ii) nos sentidos atribuídos pelos extrativistas estuarino-costeiros locais à atividade complementar para principal e vice-versa. Esses indicadores passaram a ser necessários dentro do campo de pesquisa socioambiental, de modo que a apropriação e o uso dos recursos naturais sejam elementos possíveis de discussão no contexto da RESEX-Mar Caeté-Taperaçu, em Bragança, Pará, costa amazônica brasileira.

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Capítulo 2

OS EXTRATIVISTAS ESTUARINO-COSTEIROS E SUAS PRÁTICAS PRODUTIVAS NOS MANGUEZAIS DA RESEX-MAR CAETÉTAPERAÇU, PARÁ, COSTA AMAZÔNICA BRASILEIRA

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CAPÍTULO 2 OS EXTRATIVISTAS ESTUARINO-COSTEIROS E SUAS PRÁTICAS PRODUTIVAS NOS MANGUEZAIS DA RESEX-MAR CAETÉ-TAPERAÇU, PARÁ, COSTA AMAZÔNICA BRASILEIRA OLIVEIRA, Francisco P. de. [email protected] MANESCHY, Maria C. A. [email protected] FERNANDES, Marcus E. B. [email protected] RESUMO O presente trabalho traz resultados sobre os extrativistas estuarino-costeiros de caranguejo-uçá e madeira de mangue na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu (RESEX-Mar), Pará, costa amazônica brasileira, objetivando caracterizar o perfil socioeconômico e ambiental desses usuários, suas práticas produtivas e produtos extraídos do ecossistema manguezal. Assim como identificar e analisar os aspectos da percepção sobre as práticas produtivas no ecossistema manguezal. O estudo se deu no período de 2012 a 2014, envolvendo os extrativistas estuarino-costeiros das comunidades de dentro (Bonifácio, Castelo e Vila dos Pescadores) e do entorno (Acarajó, Bacuriteua, Caratateua, Tamatateua, Taperaçu-Campo e Treme) da RESEX-Mar de Bragança. Foram alvos do presente trabalho os extrativistas estuarino-costeiros que fazem uso do caranguejo-uçá (Ucides cordatus) e da madeira de mangue como fonte de renda e manutenção familiar. Do total de 80 entrevistados, 40 estavam na faixa etária de 18 a 56 anos e 40 a partir de 57 anos. O procedimento metodológico se pautou na abordagem qualitativa e quantitativa, sendo que naquela, fez-se uso da entrevista, questionário e observações de campo como instrumentos de coleta da pesquisa, ambas com perguntas semiestruturadas; e, a quantitativa por meio de um formulário com perguntas estruturadas de múltiplas escolhas. As observações diretas em campo e registros das falas e dos discursos foram registradas por meio da técnica de gravação. A análise dos dados foi realizada através do Programa SPSS, complementado com a análise de conteúdo que permitiu interpretar e compreender os discursos dos entrevistados, assim como o uso da estatística descritiva. Os resultados revelaram que os extrativistas estuarino-costeiros estão subcategorizados em autônomos, diaristas e empreiteiros. Com relação à escolaridade, analisou que existe extrativista que nunca estudou e a maioria possui apenas o ensino fundamental incompleto. Constatou-se que 82,5% dos extrativistas estuarino-costeiros pratica a pesca do caranguejo-uçá ao longo do ano todo, com exceção do período de defeso, sendo que essa prática produtiva é destinada à comercialização (comércio local e regional). Ainda, constatou-se que cerca de 50% deles extraem a madeira do mangue para diversas atividades, desde o uso para cercados domésticos até a confecção de currais de pesca. Os principais fatores que interferem de forma negativa na pesca do caranguejo-uçá são as formas predatórias, maior número de pessoas usando o manguezal e corte da madeira de mangue. Essas práticas são consequência da escassez de emprego formal, baixa escolaridade para outras profissionalizações e prática herdada dos familiares. Infere-se, portanto, que essas práticas produtivas são típicas da costa amazônica brasileira, em que se utiliza o saber ecológico local para acessar os recursos naturais, assim como possuem o sentimento de pertencimento numa relação direta com o ecossistema manguezal e com os recursos naturais nele disponíveis.

PALAVRAS-CHAVE: Extrativista Estuarino-Costeiro; Práticas Produtivas; Manguezal.

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ABSTRACT The present study investigated the perception of the estuarine-coastal extractivists of the Ajuruteua peninsula in Bragança, on the Brazilian Amazon coast, that depend on the harvesting of the mangrove crab and logging. The objective was to characterize the socio-economic and environmental profile of these individuals, based on the classification of variables (age, education, and economic activity or complementary income), productive activities, and products extracted from the mangrove ecosystem, as well as the profile of each individual in relation to the productive activities and the two specific resources (crabs and lumber), analyzing the perception of productive practices in the mangrove ecosystem. The study was conducted between 2012 and 2014 in the estuarine-coastal extractivist communities of Acarajó, Bacuriteua, Bonifácio, Caratateua, Castelo, Tamatateua, Taperaçu-Campo and Treme, which are located in the area of the mangrove of the Ajuruteua peninsula. The study subjects exploit the mangrove crab (Ucides cordatus) and mangrove lumber for subsistence and as a source of income. A total of 80 interviews were conducted, including 40 individuals with ages of between 18 and 56 years, and 40 more than 57 years old. A qualitative approach was used, based on (semi) structured questionnaires, with the data being processed in spreadsheets for the production of descriptive quantitative statistics. The data were complemented with field observations and recordings of individual statements and group discussions. The quantitative data were analyzed in the SPSS program, and the recordings were interpreted qualitatively. The results indicated that the extractivists are primarily self-employed (56% of those between 37 and 55 years of age), day workers (54% of those between 18 and 36 years) and contractors (69% between 18 and 36 years). Overall, 16.2% of the interviewees never went to school, and 52.5% have an incomplete primary education. Most (82.5%) of the subjects harvest mangrove crab throughout the year, except during the off season, and 70.0% of them supply local and regional markets. The principal factors that have a negative impact on the crab harvest were identified as predatory exploitation (47.5%), increasing numbers of people in the mangrove (45.0%), lumbering (40.0%), and overfishing (30.0%). Many of the interviewees account for their practices due to the scarcity of jobs (45%), lack of professional qualifications (25%), and family tradition (15%), due to the culture of crabbing. These findings indicate that the study population is typical of extractivist communities on the Brazilian Amazon coast, with local ecological knowledge, which is applied in their productive practices, and self-recognition as social actors in a direct relationship with the mangrove ecosystem and the natural resources it provides.

KEY WORDS: Estuarine-Coastal Extractivist; productive practices; mangrove.

1. INTRODUÇÃO

Há séculos a Amazônia é considerada uma região superlativa: a maior floresta tropical, o maior rio, a mega biodiversidade, assim, como também, a região dos grandes projetos desenvolvimentistas. Tudo isso, certamente, suscita discussões e debates entorno das questões ecológicas, ambientais e econômicas, como muito bem se observa nos escritos de Becker (2005; 2008). A ocupação territorial da região remonta há milênios. Distintas racionalidades nortearam as modalidades principais de ocupação e usos sociais de seus recursos (SANTOS, 1980; BECKER, 1997; 2000a). Nesse sentido, há uma constatação de que a Amazônia foi

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mais rentável para fora - à Metrópole no passado e hoje à Federação - do que para si mesma (CARDOSO & MULLER, 1978; BECKER, 1997; 2000a). Há registros na historiografia de que a Amazônia foi “um território rico em estoque de índios” para a servidão aos europeus, nos vocábulos dos cronistas da época; uma das fontes de rendas no período das “drogas do sertão”, em nome de um enriquecimento da Metrópole; e/ou ainda a maior produtora e exportadora de borracha, o que a determinou como uma das regiões mais geradoras de divisas, no final do século XIX e início das primeiras décadas do século XX (CARDOSO & MULLER, 1978; REIS, 1998; BECKER, 2000a). A Amazônia tem sido nas últimas décadas, e isso paradoxalmente, vítima daquilo que ela tem de especial – sua biodiversidade e sua sociodiversidade. Segundo Fernandes (1991), nas décadas de 1970 e 1980, a região amazônica brasileira foi alvo de incentivos para implementação de grandes projetos e infraestrutura levando a uma corrida desenvolvimentista, sendo explorada sob vários aspectos: a) seja como fonte de ouro, por ex., Serra Pelada, para pagamento de parte da dívida nacional; b) seja como geradora e exportadora de energia elétrica para outras regiões do Brasil e para os grandes projetos (BECKER, 2005; SOUSA, 2011), enquanto os moradores/usuários da região pagam um preço bem mais elevado; c) seja como fronteira econômica para a qual levas de brasileiros acorreram nas últimas décadas, em busca de melhores condições de vida, na apropriação dos recursos naturais. E, por conseguinte, essas pressões sobre o ambiente amazônico demandadas por uma sociedade eminentemente capitalista, trazendo reflexos no espaço e no tempo quase que de forma irreversível no que concerne aos seus recursos naturais (GOTTDIENER, 1997; CORRÊA, 2005; SANTOS, 2006). Na Amazônia brasileira, o ecossistema manguezal tem se destacado por sua riqueza em recursos naturais, assim como pela importância ecológica e econômica, além de se constituir como berçário essencial para uma grande variedade de espécies animais. Todavia, dentro dessa disponibilidade de recursos, sobressai-se o caranguejo-uçá (Ucides cordatus Linnaeus, 1763) e a madeira das espécies arbóreas de mangue, consideradas os principais recursos capazes de agregar valores monetários dentro uma cadeia produtiva. Esses dois recursos constituem a base de pesquisa e discussão do presente trabalho (DIELE, 2000; CASTRO, 1997). Ucides cordatus, pertencente à família Ucididae (Decapoda, Brachyura) (NG et al., 2008) é um caranguejo de grande importância econômica para os moradores do litoral

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paraense (MANESCHY, 2005). O extrativismo dos indivíduos adultos ocorre através da coleta manual e sua captura representa importante fonte de subsistência para os povos das comunidades que vivem no entorno do manguezal. Estima-se que mais da metade dos domicílios localizados nas áreas dos municípios paraenses, como Bragança, Colares, São Caetano de Odivelas, Vigia e Viseu dependem desta atividade como principal fonte de renda (GLASER, 2005). Esta espécie possui uma taxa de crescimento lento e atinge mais de 10 anos de idade no estuário do rio Caeté (DIELE, 2000). Ela se reproduz a partir dos 3 ou 4 cm de largura de carapaça (VALE, 2003). Sua principal fonte de alimento são as folhas que caem das árvores de mangue, motivo pelo qual cumpre importante papel na ciclagem de nutrientes no manguezal (KOCH & WOLFF, 2005). Estudos sobre a estrutura das populações e ciclo de vida (DIELE, 2000), alimentação (NORDHAUS et al., 2006), dinâmica e populações (KOCH et al., 2005) e pesca (DIELE et al., 2005) já foram realizados apenas para o estuário do rio Caeté, Bragança-PA. Os estudos, realizados na região de Bragança, indicam que esta espécie, apesar de intensa exploração pesqueira, ainda não estaria sofrendo sobrepesca (GLASER & DIELE, 2005; 2004). Porém, sob o ponto de vista social, os usuários vivem em condições de exploração que revelam claramente a falta de sustentabilidade dessa atividade (GLASER & DIELE, 2004). Em outros estados do Brasil, a exploração de U. cordatus tem levado a níveis inaceitáveis de sustentabilidade, o que faz pensar que se não houver um controle da pesca no Pará, isto também poderá acontecer (GLASER & DIELE, 2004). A atividade extrativa de U. cordatus remonta aos primórdios da ocupação humana na região costeira do Pará. Documentos datados do período colonial atestam sua importância no abastecimento das vilas e povoados ao longo do litoral (DIEGUES, et al. 2000; GEO BRASIL, 2000). A organização social e econômica dessa atividade foi afetada por importantes mudanças, acentuadas nas três últimas décadas do século XX, sobretudo em razão da evolução nos sistemas de transporte e conservação do produto, que permitiu intensificar a comercialização dos caranguejos. Também repercutiram nessa intensificação, as dificuldades de permanência na terra para famílias antes praticantes de uma economia polivalente baseada na agricultura, pesca e coleta no nordeste do Pará (LOUREIRO, 1985; MELLO, 1985; FURTADO, 1987; MANESCHY, 1995).

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A madeira de espécies arbóreas também tem sido alvo de exploração nas áreas dos manguezais, em especial, para a construção de currais de pesca ao longo do litoral da Amazônia brasileira (MANESCHY, 1993). Os extrativistas praticam o corte também para outros fins, dentre os quais construção de ranchos, uso doméstico, cercados, estivas. Na RESEX-Mar Caeté-Taperaçu, Bragança, Pará, as três principais espécies predominantes são Rhizophora mangle (L.), Avicennia germinans (L.) L. e Laguncularia racemosa (L.) C.F. Gaertn (MENEZES et al., 2003; MATNI et al., 2006; SEIXAS et al., 2006; ABREU et al., 2006). As atividades produtivas devem ser entendidas a partir de sua relação com o ambiente, neste caso, o ecossistema manguezal. Nesse sentido, justifica-se a importância de pesquisas interdisciplinares sobre a temática da exploração do caranguejo-uçá, U. cordatus, e da madeira de mangue no ecossistema de manguezal da península de Ajuruteua, Bragança – Pará. Reconhece-se que as comunidades estuarino-costeiras possuem uma relação estreita com o ambiente produtivo e, não obstante, o uso dos recursos naturais de maneira não sustentável pode provocar o esgotamento ambiental. Diferentes grupos sociais se apropriam e usam os recursos dos manguezais como fonte de subsistência e meio de comercialização. Daí formula-se: Quem são os agentes sociais (extrativistas estuarino-costeiros) e quais suas percepções sobre as formas e condições de extrativismo praticadas nos manguezais da RESEX-Mar, Bragança – Pará? Diante desse cenário, o presente trabalho tem como objetivo: i) caracterizar o perfil socioeconômico e ambiental dos extrativistas ii) identificar o perfil de suas atividades produtivas e relações com os recursos naturais, caranguejo-uçá e madeira de mangue. Tais questões suscitam abordagens interdisciplinares no sentido de perceber não só o ambiente, mas o utente desse ambiente para sua vivência e práticas produtivas.

2. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO 2.1. Área de Estudo A pesquisa foi desenvolvida no ecossistema manguezal da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, município de Bragança-PA (Fig. 1), localizado no nordeste do Estado, especificamente no estuário do rio Caeté (com 40 km de extensão), na Planície

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Costeira Bragantina entre os meridianos de 46º32’ e 46º55’ e o paralelo 00º43’ e 00º04’, conformando uma área de 1.570 km² (BARBOSA & PINTO, 1973).

Figura 1. Localização da Costa do Pará, Zona Costeira do nordeste paraense e limites da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu com as comunidades dentro e no seu entorno, costa amazônica brasileira.

Os locais da pesquisa foram definidos a partir da potencialidade, previamente conhecida na produção da pesca do caranguejo-uçá e no extrativismo da madeira, principalmente no entorno e nas comunidades de Acarajó, Ajuruteua, América, Bacuriteua, Bonifácio, Caratateua, Tamatateua e Treme (BARLETTA-BERGAN & SAINT-PAUL, 1998; GLASER & GRASSO, 1998; BLANDTT, 1999; ISAAC, et al., 1999; CUNHA, 2000; OLIVEIRA, 2000; CABRAL, 2002; DUARTE, 2002; ALVES, 2003; HENRIQUE, 2003).

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2.2. Procedimento de Campo As zonas, como foram denominadas as áreas utilizadas pelos extrativistas estuarinocosteiros na pesca o caranguejo-uçá e na coleta da madeira, situam-se ao longo dos manguezais distribuídos por toda a área da RESEX-Mar Caeté-Taperaçu. Tais zonas foram identificadas a partir das informações prestadas pelos próprios usuários. Com base no critério de concentração de pescadores de caranguejo-uçá e no uso da madeira de mangue pelos povos das comunidades estuarino-costeiras, elegeram-se as três comunidades que ficam dentro (Bonifácio, Castelo e Vila dos Pescadores) e comunidades localizadas no entorno (Acarajó, América, Bacuriteua, Caratateua, Tamatateua, TaperaçuCampo, Taperaçu-Porto e Treme) da RESEX-Mar Caeté-Taperaçu (Fig. 1). O procedimento em campo seguiu as etapas: a) conversa inicial com os extrativistas estuarino-costeiros para captar a informação com relação à pesca do caranguejo-uçá e corte da madeira: local de uso, locomoção e acessibilidade às zonas; b) verificação da possibilidade do pesquisador acompanhá-los até os locais de pesca ou de coleta de madeira; c) dada a aceitação, estreitavam-se as conversas de modo a captar os discursos sobre os recursos por eles utilizados. Vale ressaltar que alguns extrativistas estuarino-costeiros não aceitaram a companhia e nem responderam as perguntas do pesquisador, por motivos não expressos claramente.

2.3. Coleta de Dados Os dados qualitativos10 e quantitativos11 foram acessados por meio dos instrumentos de entrevista, questionário (Apêndice I), formulário (Apêndice II) e observação de campo, ambos com perguntas semiestruturadas12. As entrevistas eram gravadas (mini-gravador de voz) após aceitação dos extrativistas e ocorriam no campo, à medida que se deslocavam para

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Para Minayo (2010, p. 21) a abordagem qualitativa: “(...) trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes (...)”.

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De acordo com Richardson (1989), esta abordagem caracteriza-se pelo emprego da quantificação, tanto nas modalidades de coleta de informações, quanto no tratamento dessas através de técnicas estatísticas, desde as mais simples até as mais complexas.

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Segundo Oliveira (2009, p. 13) a entrevista e o questionário com pergunta [...] semiestruturada permite não somente a realização de perguntas que são necessárias à pesquisa [...], assim como a relativização dessas perguntas, dando liberdade do entrevistado e a possibilidade de surgir novos questionamentos [...] o que poderá ocasionar numa melhor compreensão do objeto em questão.

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as áreas de coleta do caranguejo ou da madeira, o que também ocorreu na aplicação dos questionários. Esses instrumentos permitiram dar voz aos extrativistas estuarino-costeiros, com a impressão de sentimentos, percepções, pensamentos deles com relação à apropriação e uso dos recursos dos manguezais. Importante ressaltar que houve o teste desses instrumentos para validação das perguntas, em que houve a necessidade de supressão de algumas e acréscimos de outras. As observações de campo se davam em todo e qualquer movimento ou fala dos extrativistas, com anotações no diário de campo, como expressões proferidas locais, algumas indagações do mesmo com respeito à pesquisa e registros de áreas e recursos naturais do manguezal por meio de fotografias. O uso desses instrumentos e técnicas possibilitou acessar: a) A origem (comunidade) e os atributos socioeconômicos dos extrativistas estuarinocosteiros nos manguezais, as características de escolarização e de profissionalização, as trajetórias ocupacionais e as condições de trabalho a que estão submetidos. Coleta por survey13 e entrevistas com amostras representativas das categorias de agentes. b) Redes de relações entre os agentes das cadeias produtivas do extrativismo e os tipos de sociabilidades desenvolvidas para se integrarem a esse mercado de trabalho; identificação das hierarquias nas redes, das práticas de colaboração e ajuda mútua e tipos de contratos de trabalho; participação em organizações sociais (sindicato e associação) e eventos. Trata-se de dados relacionais sobre contatos e laços entre pessoas e grupos; pretendeu-se captar as implicações das posições dos indivíduos e grupos nas redes sociais (centrais ou periféricas) em termos de acesso a bens e serviços, poder de decisão e influência (SCOTT, 2004). Coleta via survey, entrevistas e observações. c) Os dados secundários foram obtidos nas agências reguladoras: Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca do Pará (SEAP), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos 13

Renováveis

(IBAMA),

Instituto

Chico

Mendes

de

Conservação

da

Método de pesquisa amplamente utilizado em pesquisas de opinião pública, de mercado e, atualmente, em pesquisas sociais que, objetivamente, visam descrever, explicar e/ou explorar características ou variáveis de uma população por meio de uma amostra estatisticamente extraída desse universo. Semelhante ao Censo, o método Survey distingue-se do primeiro justamente por sua característica amostral, na qual “as conclusões descritivas e explicativas obtidas pela análise são [...] generalizadas para a população da qual a amostra foi selecionada” (BABBIE, 1999, p. 77). O uso sociológico do Survey, segundo esse autor, é creditado a pensadores como Karl Marx e Max Weber, os quais utilizaram o método, respectivamente, para avaliar o grau de exploração de trabalhadores franceses e no estudo da ética protestante.

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Biodiversidade (ICMBio), Ministério da Previdência Social, órgãos de assistência técnica (por ex., Colônia de Pescadores e Pescadoras – Z17), secretarias municipais de agricultura, pesca e meio ambiente e a literatura referente a fatos e dados históricos dessa península. O processo perceptivo incluiu diferentes elementos além dos aspectos físicos do ambiente, como a cognição, o afeto, as preferências, os significados, os valores, a estética ambiental, o contexto político e econômico (KUHEN, 2011). Tais elementos interferem e influenciam no modo que as pessoas experienciam os atributos e características do ambiente em que estão inseridas, bem como suas expectativas, julgamentos e condutas (KUHEN, 2011), por meio do relato de suas percepções e acesso às memórias.

2.4. A Amostragem A amostra, de um lado, foi constituída de 40 entrevistas com extrativistas estuarinocosteiros na faixa etária de 18 a 56 anos de idade considerados produtores ativos no mercado de trabalho, numa categoria variável não excludente, ou seja, muitos sujeitos são pescadores de caranguejo-uçá e extrativistas de madeira do mangue ao mesmo tempo. Noutro lado, a amostra se constituiu de 40 entrevistas com extrativistas estuarino-costeiros na faixa etária acima de 57 anos, ou seja, pessoas que, dentre seus direitos beneficiários são aposentadas ou não possuem a mesma produção de mercado. O que perfaz o universo amostral de 80 entrevistas.

2.5. Análise de Dados Coleta por entrevistas e observações alcançou e levou em consideração as percepções por meio do discurso dos extrativistas estuarino-costeiros. A análise do discurso14 empreendida foi utilizada para dar conta de relações históricas, de práticas muito concretas, que estão vivas nos discursos desses extrativistas. Ou seja, (...) não mais tratar os discursos como conjunto de signos (elementos significantes que remetem a conteúdos ou representações), mas como práticas que forma sistematicamente os objetos de que falam (FOUCAULT, 1986, p. 56). Ou seja, os discursos foram tratados de modo a compreender, do ponto de vista do extrativista, as suas percepções, os sentidos dados a cada elemento

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“Chamaremos de discurso um conjunto de enunciados que se apóie na mesma formação discursiva” (FOUCAULT, 1986, p.135). Essa é uma das inúmeras definições de discurso, presentes na obra “A Arqueologia do saber” e, como todas as demais, não pode ser compreendida isoladamente.

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empreendido no seu cotidiano com os recursos do manguezal, com a interpretação e transcrição parcial ou total de seus discursos, inclusive respeitando o seu léxico local e ambiental empregado para definir os objetos de sua relação. A coleta por questionário com perguntas semiestruturadas recebeu o tratamento da análise do conteúdo15 se utilizou o método proposto por Bauer & Graskell (2002, p. 190), que declara “os textos, do mesmo modo que as falas referem-se aos pensamentos, sentimentos, memórias, planos e discussões das pessoas, e algumas vezes nos dizem mais do que seus autores imaginam”. No presente trabalho, a análise de texto fez uma ponte entre um formalismo estatístico e a análise qualitativa dos materiais (dados, informações). Assim, no divisor quantidade/qualidade das ciências sociais, análise de conteúdo “é uma técnica híbrida que pode mediar esta improdutiva discussão sobre virtudes e métodos” (BAUER & GRASKELL, 2002, p. 192). Os dados coletados por survey e formulário com perguntas estruturadas recebeu o tratamento estatístico através do programa SPSS (MAROCO, 2005), de modo a explorar as correlações de variáveis que se supõem importantes. Sobretudo, aquelas que podem estar relacionadas ao grau de dependência dos usuários aos recursos do manguezal e, por consequência, a maior ou menor preocupação com a preservação e mobilização por direitos de acesso. Trata-se das variáveis: origem, trajetória ocupacional, fase do ciclo de vida familiar, idade e posse de meios de trabalho. Os dados de atributos são também instrumentais para as análises qualitativas de percepção, práticas e de redes sociais. Essa consonância de métodos desenvolve um processo criativo e inovador em termos metodológicos para responder as demandas de compreensão e ação do ser humano e sua interação com eles próprios e com o ambiente.

3. RESULTADOS 3.1. Os extrativistas estuarino-costeiros e suas práticas produtivas no ecossistema de manguezal: um pouco de seu perfil Os extrativistas estuarino-costeiros ou usuários, como serão denominados ulteriormente no presente trabalho, também nominados na literatura como caranguejeiros, coletores, tiradores e catadores, estão estimados aproximadamente em 700 pessoas que só 15

A análise de conteúdo é apenas um dos método de análise de texto desenvolvido dentro das ciências sociais empíricas.

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praticam a pesca do caranguejo-uçá, ao longo da RESEX-Mar Caeté-Taperaçu. São pessoas residentes nas comunidades costeiro-estuarinas e no entorno dos manguezais e tem a extração do caranguejo-uçá e o corte da madeira de mangue como principais atividades. O número de pessoas que mora na residência dos respondentes variou entre duas e quatorze pessoas, com uma média de 5 pessoas por domicílio. As que contribuem com a renda familiar variaram entre uma e sete pessoas. No entanto, destaca-se que 35 dos respondentes apresentam renda familiar acima de R$724,00 e que 12 possuem renda familiar entre R$401,00 e R$724,00, ou seja, mais de 50% dos respondentes possui renda familiar acima de R$400,00. A renda familiar mensal média variou desde os sem renda fixa até os que ganham acima de R$724,00 que é o salário mínimo fixado no País em 2014. A partir das questões inventariadas junto aos extrativistas estuarino-costeiros sobre suas condições de trabalho foi possível identificar que esses pescadores se diferenciam socialmente em subcategorias como: autônomos (n=38); diaristas (n=23); empreiteiros (n=19), os quais representam 84%, 52% e 42%, respectivamente, dos pescadores associados à Colônia de Pescadores (Z-17/Bragança-PA) (Tab. 1). Vale ressaltar que das 80 pessoas entrevistadas, 70 são masculinas e 10 femininas, sendo que o sexo feminino está representado somente na categoria autônomos. Consideram-se autônomos aqueles que pescam o caranguejo com seu próprio esforço e comercializam seu próprio produto. E, ainda, pescam para o seu próprio consumo e da sua família, não dependem dos atravessadores e dos patrões de embarcações e são inscritos na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu (RESEX-Mar)16. Fazem parte de grupos que pescam em famílias (filhos, cunhados, sobrinhos e etc.) e participam dos acordos de pesca realizados na comunidade a que pertencem. A média de idade está na faixa etária entre os 48 a 56 anos, o que representa 52% de todo o grupo. Os que estão na faixa etária acima de 57 anos representam 32%, enquanto os jovens com idades entre 18 a 25 anos são minoria representando apenas 16% (Tab. 1). Os diaristas são os extrativistas estuarino-costeiros que vendem sua mão de obra para terceiros. Os diaristas, em geral, recebem a diária fixada antes da pesca, tenham ou não alcançado a produção desejada pelo comerciante e terão o seu pagamento no final do dia de trabalho. Estes, na maioria, são pais de famílias desempregados, com residência na sede do

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Criada pelo Decreto de 20 de maio de 2005. Dispõe sobre a criação da Reserva Extrativista Marinha de CaetéTaperaçu, no Município de Bragança, no Estado do Pará, e dá outras providências (BRASIL, 2005).

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município de Bragança, mas que outrora foram moradores das comunidades que ficam no entorno do manguezal. Outro fator importante a ser considerado é a média da idade, cuja maioria encontra-se no intervalo de 25 as 32 anos (54%). Os demais estão entre jovens de 16 a 24 anos (18%) e na faixa de 33 anos em diante, o que percentualmente representa 28% dos pescadores diaristas, formando, assim, uma categoria mais jovem que os autônomos (Tab. 1). Os empreiteiros são aqueles que vendem sua mão de obra pela produção e são acompanhados por um agente social que exerce a função de responsável, motorista (de embarcação ou mesmo de automóvel) ou simplesmente o encarregado pela produção, que muitas vezes são os próprios comerciantes/atravessadores. Geralmente, são os moradores das comunidades que ficam no entorno dos manguezais (83%). Na maioria, são jovens entre 18 e 28 anos de idade (69%); outros na faixa de 29 a 36 anos (22%), e o menor percentual acima de 37 anos, o que corresponde a 9% dessa categoria (Tab. 1). Adicionalmente, foi possível constatar que na categoria autônomo, 93% são casados e 7% viúvos. Na categoria diaristas, 70% se declararam casados, 26% solteiros e 4% viúvos. Enquanto que na categoria empreiteiros, 53% se consideram casados, 37% solteiros e 10% divorciados ou viúvos (Tab. 1). A análise infere que os pescadores de caranguejo autônomos são, na maioria, agentes sociais na faixa etária entre os 37 a 55 anos de idade. Os pescadores diaristas e empreiteiros são melhores representados na faixa etária entre 18 e 36 anos de idade, respectivamente. Com relação à escolaridade e à atividade econômica complementar, na Tab. 2 verifica-se que o índice de analfabetos é consideravelmente grande na categoria autônomo e diarista e, observa-se também a concentração de extrativistas estuarino-costeiros com apenas o ensino fundamental incompleto. Enquanto que na categoria empreiteiros a maior concentração está no ensino médio incompleto (Tab. 2).

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Tabela 1. Caracterização das classes etária e estada civil dos extrativistas estuarino-costeiros (n=80) de caranguejo-uçá e madeira dos manguezais da Reserva Extrativista Marinha CaetéTaperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes. Categorias

Autônomos (n=38)

Diaristas (n=23)

Empreiteiros (n=19)

Classe Etária

n (%)

18 ┤36

Estado Civil Casado

Solteiro

Viúvo

6 (16%)

6 (16%)

-

-

37 ┤55

20 (52%)

20 (52%)

-

-

+ 56

12 (32%)

9 (24%)

-

3 (8%)

18 ┤36

12 (54%)

8 (35%)

4 (17%)

-

37 ┤55

7 (28%)

5 (22%)

2 (9%)

-

+ 56

4 (16%)

3 (13%)

-

1 (4%)

18 ┤36

13 (69%)

7 (37%)

6 (32%)

-

37 ┤55

4 (22%)

3 (16%)

1 (5%)

-

+ 56

2 (9%)

-

-

2 (10%)

A atividade econômica como renda complementar, constatou-se que os benefícios sociais disponibilizados pelo poder público possuem maior audiência nas três categorias, assim como a prática da agricultura, sendo que entre os autônomos essa audiência se sobressai (84%) (Tab. 2). Na Tab. 3 são observadas as principais atividades realizadas pelos extrativistas estuarino-costeiros da península de Ajuruteua, Bragança (PA), categorizadas da seguinte maneira: pesca (peixe, caranguejo e marisco), agricultura e corte de madeira do mangue. Assim, numa análise dos dados, pode-se enunciar que a prática da pesca, o extrativismo vegetal e a agricultura sobrepõem-se às demais atividades: extração de argila, recreação e lazer. O que confirma que os pescadores vivem do extrativismo pesqueiro (95,0%), o que também foi observado por Isaac (1999), Glaser & Krause (2003) e Domingues (2008).

57

Tabela 2. Caracterização da escolaridade e da atividade econômica complementar dos extrativistas estuarino-costeiros (n=80) de caranguejo-uçá e madeira dos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes. Categorias

Autônomos (n=38)

Diaristas (n=23)

Escolaridade

n

(%)

Atividades

n

Nunca estudou

7 (18%)

Agricultura

32 (84%)

Assina apenas o nome

5 (13%)

Artesanato

8 (21%)

Fundamental incompleto

18 (47%)

Serviço Público

2 (5%)

Fundamental completo

5 (13%)

Benefício

35 (92%)

Médio incompleto

2 (5%)

Outros

5 (13%)

Médio completo

1 (3%)

-

-

Nunca estudou

4 (17%)

Agricultura

13 (56%)

Assina apenas o nome

3 (13%)

Artesanato

2 (9%)

Fundamental incompleto

12 (52%)

Serviço Público

4 (17%)

Fundamental completo

2 (9%)

Benefício

18 (78%)

Médio incompleto

1 (4%)

Outros

8 (34%)

Médio completo

1 (4%)

-

-

Nunca estudou

1 (5%)

Agricultura

9 (47%)

Assina apenas o nome

3 (16%)

Artesanato

3 (16%)

5 (26%)

Serviço Público

5 (26%)

6 (32%)

Benefício

15 (78%)

Médio incompleto

2 (11%)

Outros

12 (63%)

Médio completo

2 (11%)

Fundamental incompleto Empreiteiros/Capitanead os (n=19) Fundamental completo

Tabela 3. Descrição das atividades praticadas pelos extrativistas estuarino-costeiros (n=80) de caranguejouçá e madeira nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes. Variáveis n (%) Pesca no estuário 38 (47,5) Coleta de caranguejo

36 (45,0)

Coleta de mariscos

36 (45,0)

Agricultura

26 (32,5)

Coleta de lenha para fogo

15 (18,8)

Coleta de plantas medicinais

12 (15,0)

Coleta de madeira para construção

09 (11,3)

Coleta de lenha para comércio

05 (06,3)

Extração de argila

04 (05,0)

Turismo

03 (03,8)

Recreação e lazer

02 (02,5)

(%)

58

Outro elemento de destaque é que 66 (82,5%) respondentes informaram que praticam o extrativismo o ano todo, enquanto 14 (17,5%) somente durante uma estação do ano, ou no período chuvoso ou no período seco (Tab. 4). Todavia, afirmam respeitar o período do defeso determinado pelos órgãos de gerenciamento ambiental. Tabela 4. Períodos, dentro do ciclo anual, em que são realizadas as atividades produtivas dos extrativistas estuarino-costeiros de caranguejo-uçá e madeira nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha CaetéTaperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes. Período n (%) Período chuvoso (dezembro a maio)

06 (07,5)

Período seco (junho a novembro)

08 (10,0)

Durante todo o ano (janeiro a dezembro)

66 (82,5)

Total

80 (100)

Nesse cenário, os resultados da Tab. 5 mostram também que as atividades exercidas pelos pescadores de caranguejo-uçá combinam com outras atividades produtivas, pois: i) pescam caranguejo e peixe (95%), ii) pescam caranguejo e outros mariscos (85%) e iii) pescam caranguejo e extraem madeira do mangue (55%). Tabela 5. Recursos extraídos pelos extrativistas estuarino-costeiros (n=80) de caranguejouçá e madeira dos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes. Recursos n (%) Caranguejo-uçá e Peixe

76 (95,0)

Caranguejo-uçá e Marisco (Siri, Sururu, Turu, Ostra, Aratu, Mexilhão, etc.)

68 (85,0)

Caranguejo-uçá e Madeira de Mangue

44 (55,0)

Caranguejo-uçá e Camarão

12 (15,0)

Caranguejo-uçá e Outros

04 (05,0)

Em paralelo às informações de produção de todos os recursos extraídos, buscou-se o destino dado aos produtos. A maioria dos pescadores (56; 70,0%) afirmou o uso para a venda, enquanto o restante (24; 30,0%) disseram que utilizam para consumo próprio e ambos (consumo e venda) (Tab. 6). Não foi possível dimensionar o fluxo dos produtos.

59

Tabela 6. Destino da produção de caranguejouçá e madeira extraída pelos extrativistas estuarino-costeiros (n=80) de madeira nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes. Destino da produção n (%) Venda

56 (70,0)

Consumo próprio

13 (16,3)

Ambos (consumo e venda)

11 (13,7)

Total

80 (100)

Relacionando a produção e o destino dado aos diferentes recursos extraídos dos manguezais (Tab. 5), buscou-se também obter informação junto aos usuários, segundo suas percepções, acerca dos principais fatores que afetam as suas atividades de produção no manguezal e, consequentemente, daqueles que incidem negativamente na disponibilidade desses recursos nos manguezais. A Tab. 7 apresenta esses resultados de acordo com a escala de importância de cada fator relatado: i) emprego de formas predatórias, ii) aumento do número de pessoas no uso do manguezal, iii) corte do mangue, iv) pesca excessiva e v) coleta excessiva de produtos do manguezal. Tabela 7. Fatores que afetam as atividades de produção dos recursos extraídos pelos extrativistas estuarino-costeiros (n=80) de caranguejouçá e madeira nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha CaetéTaperaçu, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes. Fator n (%) Emprego de formas predatórias de produção

38 (47,5)

Aumento do número de pessoas usando o manguezal

36 (45,0)

Corte do mangue

32 (40,0)

Coleta excessiva de produtos do manguezal

30 (37,5)

Pesca excessiva

24 (30,0)

Elevação da maré

12 (15,0)

Poluição

12 (15,0)

Agricultura

05 (06,3)

Avanço das dunas

05 (06,3)

Derramamento de óleo pelas embarcações

04 (05,0)

Poucos respondentes (5%) disseram estar satisfeitos com a profissionalização de pescadores na classe etária de 15 a 55 anos, enquanto a partir dos 56 anos de idade o número de respondentes satisfeitos foi três vezes maior (20%) (Tab. 8). Dos fatores que levaram a essa profissionalização, a classe de 18 a 55 anos aponta como principal fator (45%) a “falta de

60

oportunidade de trabalho formal”, enquanto os mais velhos dizem ter herdado a profissão de seus familiares (35%). A “baixa escolaridade” também aparece como um fator relevante para a classe dos mais novos (25%), enquanto o grupo acima de 56 anos de idade “não sabe ou não pensa fazer outra atividade (25%) (Tab. 9). Tabela 8. Fatores que levaram a profissionalização dos extrativistas estuarino-costeiros (n=80) de caranguejo-uçá e madeira nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes. Classe Etária Fatores n (%)

18 a 55 anos

56 anos em diante

Falta de oportunidade de trabalho formal

18 (45%)

Baixa escolaridade

10 (25%)

Herdou de seus familiares a profissão

6 (15%)

Não sabe ou não pensa fazer outra atividade

4 (10%)

Satisfeito com a profissão

2 (5%)

Herdou de seus familiares a profissão Não sabe ou não pensa fazer outra atividade Satisfeito com a profissão Baixa escolaridade Falta de oportunidade de trabalho formal

14 (35%) 10 (25%) 8 (20%) 6 (15%) 2 (5%)

Certamente, são muitos os fatores que condicionam os usuários do manguezal da península de Ajuruteua a exercerem suas atividades produtivas, todavia, existem fatores que são considerados determinantes, em especial, quando se participa de uma sociedade capitalista como a que estão submetidos.

3.2. Percepções dos extrativistas estuarino-costeiros sobre os recursos do ecossistema manguezal. O interesse do presente trabalho foi focalizado sobre as mudanças ecossistêmicas pelas quais vêm passando os manguezais situados na península de Ajuruteua, bem como a cultura dos povos e comunidades que deles dependem economicamente, numa ecorregião17, a qual se denomina de “comunidades pesqueiras” (FURTADO, 1994; DIEGUES et al., 2000; MANESCHY, 2005) ou porque fazem parte ou estão no entorno dos manguezais. Os resultados a seguir estão numa combinação do ponto de vista da antropologia econômica, com o viés à historicidade. A percepção dos extrativistas estuarino-costeiros demonstra possuir saberes relacionados aos recursos oriundos do ecossistema de manguezal. Por ex., referiam-se possuir 17

É uma área definida ecológica e geograficamente, menor do que uma ecozona, mas maior do que um ecossistema (BRUNCKHORST, 2000).

61

conhecimentos a respeito da importância social dos manguezais, como fonte de pescado (93%) e potencial como meio de vida (72%). A principal função ecológica apontada foi a de servir como berçário para espécies de animais (48%) e, em segundo lugar, a função de prover recursos naturais (49%). Com relação ao que é uma RESEX-Mar, 39% afirmaram compreender o funcionamento e 42%, mencionam que os manguezais compunham a RESEXMar. Quantitativamente, constatou-se que os extrativistas estuarino-costeiros extraem algum tipo de marisco do manguezal (98%) e 88% revelam conhecer todo o território dos manguezais ao longo da RESEX-Mar Caeté-Taperaçu. Quanto aos recursos ambientais usados, identificou-se que o consumo de caranguejos, captura de animais; extração da madeira de mangue e atividade de lazer foi captada a partir da argumentação dos respondentes. Tabela 9. Percepção dos extrativistas estuarino-costeiros sobre o ecossistema manguezal da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes. Classe Etária (%) Práticas Produtivas 18 ┤36 37 ┤55 + 56 Total n=29 n=11 n=40 n =80 Capturam animais: crustáceos, peixes, moluscos, etc. 29 (100%) 11 (100%) 40 (100%) 80 (100%) Usam o manguezal da península de Ajuruteua

27 (93%)

11 (100%)

40 (100%)

78 (98%)

Conhecem todo o território da península de Ajuruteua

22 (77%)

10 (92)%

38 (96%)

70 (88%)

Retiram madeira do manguezal

18 (63%)

4 (35%)

30 (74%)

52 (57%)

1 (2%)

1 (12%)

10 (26%)

12 (13%)

Utilizam o manguezal para lazer

Em geral, todas as classes etárias (59%) reconhecem que há problemas ambientais com relação ao manguezal e, em sua maioria, são identificados principalmente pelos usuários mais velhos (Tab. 10). A qualidade ambiental do manguezal na percepção dos usuários é identificada como problema relacionado primeiramente ao corte de madeira (54%), enquanto a pesca do caranguejo, a poluição, os aterros e a construção de casas figuram em segundo plano (Tab. 10). A mesma tabela mostra que aqueles respondentes que não sabem a situação atual do manguezal e desconhecem os problemas ambientais pertencem às classes dos usuários mais jovens.

62

Tabela 10. Percepção dos extrativistas estuarino-costeiros sobre os problemas ambientais nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes. Classe Etária (%) Variáveis 18 ┤36 37 ┤55 + 56 Total n=29 n=11 n=40 n=80 O manguezal apresenta problemas 7 (23%) 7 (66%) 35 (87%) 49 (59%) O corte de madeira é o principal problema 9 (31%) 7 (59%) 28 (71%) 44 (54%) A poluição é o principal problema 7 (25%) 2 (19%) 32 (79%) 41 (41%) A pesca de caranguejos é o principal problema 11 (38%) 5 (41%) 16 (40%) 32 (40%) Os aterros são os principais problemas 4 (12%) 3 (26%) 27 (67%) 34 (35%) Não sabem a situação atual do manguezal 22 (76%) 2 (14%) 3 (8%) 27 (33%) Desconhecem os problemas ambientais 11 (37%) 5 (42%) 5 (12%) 21 (30%) A construção de casas é o principal problema 3 (9%) 2 (18%) 15 (38%) 20 (22%)

A Tab. 11 traz as percepções dos usuários acerca das medidas de recuperação e responsabilidades sobre conservação do manguezal. Ações como o “replantio de mudas” e a “retirada de lixo” foram às principais medidas sugeridas pelos usuários de todas as classes etárias, com 82% e 72% de frequência, respectivamente. Complementarmente, os usuários percebem que o governo municipal (73%) e a sociedade como um todo (70%), possuem o maior grau de responsabilidade na conservação do manguezal. Tabela 11. Percepção ambiental dos extrativistas estuarino-costeiros sobre possíveis medidas de recuperação e responsabilidades pela conservação do manguezal da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. n=número de respondentes. Classe Etária (%) Variáveis 18 ┤36 37 ┤55 + 56 Total n=29 n=11 n=40 n=80 Replantio de mudas 24 (82%) 10 (92%) 29 (73%) 63 (82%) Medidas de Recuperação

Responsabilidade pela Conservação

Retirada de lixo

19 (64%)

8 (71%)

33 (82%)

60 (72%)

Fiscalização

9 (32%)

3 (23%)

16 (41%)

28 (32%)

Criação de novas leis

8 (26%)

1 (08%)

6 (14%)

15 (16%)

Manejo do manguezal: governo municipal

16 (56%)

9 (78%)

34 (85%)

59 (73%)

Manejo do manguezal: próprios cidadãos

16 (54%)

8 (69%)

35 (87%)

59 (70%)

Manejo do manguezal: governo estadual

13 (45%)

6 (53%)

9 (23%)

28 (40%)

Manejo do manguezal: governo federal

4 (15%)

4 (35%)

10 (26%)

18 (25%)

Manejo do manguezal: ONGs

1 (03%)

1 (05%)

6 (14%)

8 (07%)

A complexidade das questões socioambientais, as quais foram apresentadas no presente estudo, exige uma análise interdisciplinar que promova não somente a sistematização de conhecimentos técnico-científicos, como, por exemplo, ações de manejo e conservação ambiental. Mas também revelem dimensões históricas, culturais, políticas e institucionais, capazes de contemplar a pluralidade dos problemas socioambientais existentes (DIEGUES et. al, 2000; LEFF, 2001, 2006; SILVA & SOUZA-LIMA, 2010). Todavia, os resultados expostos

63

para a RESEX-Mar Caeté-Taperaçu, são capazes de promover reflexão de políticas públicas ambientais destinadas aos usuários dessa área costeira.

4.

DISCUSSÃO O perfil do extrativista estuarino-costeiro nos manguezais da RESEX-Mar Caeté-

Taperaçu é recorrente noutros estudos (MANESCHY, 1995; GLASER & GRASSO, 1998; BLANDTT, 1999; DUARTE, 2002; GLASER & DIELE, 2005; GLASER, 2005; DOMINGUES, 2008). Todavia, o elemento percepção fez com que os resultados desse perfil trouxessem indicadores extraídos da memória dos próprios extrativistas, o que foi possível identificar o uso, a extração e o para quê dos recursos dos manguezais. Assim como suas identidades nas práticas produtivas, como emprego de formas predatórias, corte mangue, poluição, dentre outras. Outro indicador evidente é a profissionalização dos extrativistas, atribuída à carência de oferta do trabalho formal, baixa escolaridade e a herança dos seus familiares (sentimento de pertencimento). Esses elementos se tornam definidores na continuidade do extrativista na atividade produtiva nos manguezais. Certamente, a baixa escolaridade interfere, condicionalmente, na profissionalização em outros ramos, uma vez que hoje o mercado formal esta cada vez mais exigente com a qualificação na operacionalização das atividades sejam comerciais, institucionais e serviços operacionais. Todavia, não se quer provocar estereótipos em dizer que o extrativista-costeiro não pode ou não deve possuir uma escolarização em nível mais avançado (ensino fundamental, médio e superior). Importante achado se deve a forma como estão organizados os extrativistas estuarino-costeiros do manguezal na RESEX-Mar, nas três categorias: autônomos, diaristas e empreiteiros. Esse dado ainda não foi apresentado por nenhum estudo anterior, o que, configura-se um novo dado. O manguezal é visto como uma possibilidade mais próxima de constituir um “ganho” para se auto-sustentar e manter suas famílias. Talvez, essa possibilidade percebida ocorre pelo motivo do manguezal ser fonte de vários recursos naturais (DIEGUES, et al., 2000). Percebe-se, ainda, que os autônomos são adultos de idade mais avançada cuja produção é oriunda da sua própria mão de obra, enquanto os diaristas e empreiteiros são jovens que obtém sua produção da venda da sua mão de obra (Tab. 1). Por outro olhar, observam-se na categoria autônomos trabalhadores mais experientes. Essas características os

64

levam, talvez, a serem mais cautelosos no manejo dos recursos, garantindo, dessa forma, a própria subsistência bem como a reprodução e a conservação do meio ambiente. Quanto aos trabalhadores diaristas, percebe-se pelos dados que a idade dos mesmos corresponde à faixa etária jovem considerada pelo IBGE (2012), como o maior contingente de desempregados do país. Essa faixa etária, embora desenvolvendo as mesmas atividades, no mesmo espaço geográfico, não está ligada às tradições ambientais, como ocorre com as gerações de mais idade. Suas preocupações, a maioria entre os jovens, está associada ao consumo imediato (ganhar o dinheiro da diária) e, supostamente, demonstrando pouca preocupação aparente com o manejo que garanta a preservação do meio ambiente. Com relação à categoria empreiteira, constatou-se que 69% estão na faixa de idade entre 18 a 36 anos (Tab. 1). Esta relação econômica é cada vez mais intensa e praticada na pesca do caranguejo-uçá. Ela, de certo modo, escamoteia a exploração a que o trabalhador é submetido. Exploração entendida aqui como sujeição ao controle de outrem sobre o trabalho e seu produto. Primeiramente, é importante considerar que se cria a falsa idéia da liberdade, à medida que o trabalhador se sente descompromissado com a obrigação de entregar o produto no final de cada dia; segundo, há no seu imaginário a concepção de que o fracasso e/ou o sucesso da empreitada depende apenas da vontade da disposição do trabalhador. No que corresponde à atividade produtiva, Marx (apud SCHERER, 1989) defende que o trabalho constitui-se como categoria básica da práxis social, pois é a partir do trabalho produtivo que o homem se reproduz, transforma a si mesmo, suas relações sociais e a natureza. Esse processo ocorre porque o homem, ao produzir, constrói vínculos e relações sociais que se operam por meio da sua ação com a natureza. Devido aos baixos níveis de renda e escolaridade, os benefícios oriundos do poder público são importantes para complementar a renda da família, embora os respondentes manifestem em suas percepções que o benefício recebido não é para complementar a renda, mas sim, por exemplo, para arcar com despesas do estudo dos filhos. A pesca aparece como uma fonte importante de recursos complementares, haja vista que quase metade dos entrevistados indicou a pesca de estuário, merecendo destaque também à coleta de mariscos. A agricultura é praticada por quase 1/3 dos respondentes. Certamente, esse resultado vai ao encontro do que Homma (2011, p. 44) observou na sua pesquisa “Amazônia: transformando a segunda natureza degradada para uma terceira natureza sustentável”. Esse autor ressalta que “a Amazônia não é homogênea”, pois “ela é divida em

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nove Estados, cada qual como se fosse um país, apresenta diferentes tipos de atividade econômica, formação histórica, social e política, no qual exige tratamento diferenciado”. Segundo, ainda, Homma (2011), a pesca e a pecuária estão a suplantar a agricultura, o que também foi verificado neste estudo, com relação à pesca. Numa releitura do cenário encontrado no presente estudo, pode-se inferir que a atividade produtiva não se restringe somente à dimensão econômica, mas também por meio da mesma são construídas as relações sociais. Segundo Castro (1997), nas comunidades tradicionais a atividade produtiva abrange múltiplas dimensões – econômica, sociopolítica, cultural e ambiental. Vale destacar, com base na discussão apresentada por essa autora, que as atividades produtivas desenvolvidas nas comunidades tradicionais estão articuladas à natureza, assim como repercutem no processo de acumulação de conhecimento através das gerações. Deste modo, os grupos sociais são nomeados pelas principais atividades exercidas, embora fazendo parte de um campesinato polivalente – agricultores, agroextrativistas, seringueiros, pescadores, dentre outros. Na escala local, são maneiras diversas de perceber, de representar e de agir sobre o território, concepções que subjazem as relações sociais. Deste modo, articulam-se elementos simbólicos e materiais. Castro (1997) ainda ressalta que há uma inter-relação entre a vida econômica e social do grupo, em que a produção faz parte da cadeia de sociabilidade e a ela é indissociavelmente ligada, facilitando encontros interfamiliares, realização de festas e outras modalidades de trocas não econômicas. Deste modo, a organização das atividades de trabalho não está separada dos elementos simbólicos e culturais (ex. rituais e festividades) e outras manifestações da vida e da sociabilidade grupal, as relações familiares e de parentesco. No entanto, foi percebido no presente estudo, dada ênfase na questão econômica, conforme dados da Tab. 4, que o extrativismo na RESEX-Mar Caeté-Taperaçu é intenso, o que levou autores a apontar o comprometimento da existência dos recursos naturais (caranguejo-uçá) nesse litoral, tais como Diele (2000), Vale (2003) e Glaser (2005), dentre outros. Visto que 82,5% utilizam a área costeira o ano todo, com reservas, somente, ao período de defeso. Talvez, essa dada pressão estabelecida na área costeira, possa ser explicada pelas combinações de atividades exercidas pelos extrativista-costeiros, como foi apresentada na Tab. 5. Esse resultado constitui um importante achado da presente pesquisa, pois a maioria dos trabalhos disponíveis na literatura tem acentuado uma especialização crescente dos

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pescadores de caranguejos, que passam a se dedicar quase que exclusivamente a essa atividade (GLASER, 2005; MANESCHY, 1995). Compreende-se, assim, que essa atuação tem de ser mais bem investigada. Certamente, a exploração dos recursos existentes no manguezal é regida pelas necessidades dos pescadores por consequência de mercado. Esses resultados são próprios de comunidades tradicionais. Diegues (2004) quando define comunidade tradicional, ressalta que é um espaço sociopolítico e dinâmico sociocultural, mas destaca a organização econômica como um dos elementos centrais. A organização econômica baseia-se no uso de recursos naturais renováveis com padrões de consumo que combinam várias atividades dependentes dos ciclos da natureza, bem como sua cultura está fundada em simbologias, mitos e rituais associados às atividades de produção como a caça, pesca e as atividades extrativistas, dentre outras. Em geral, os recursos vegetais são extraídos para atender as demandas de construções (ex. currais e cercas), bem como para a venda (ex. olarias e padarias). No presente trabalho, dentre os recursos de origem vegetal, destacou-se a extração de madeira de mangue para construção e reparo de residências, muito embora esta seja uma prática proibida (Lei, Nº 12.651/12)18. O mesmo foi verificado por Vasques et al. (2011) no estudo intitulado “Utilização das áreas de manguezais em Taipus de dentro (Maraú, Sul da Bahia)” onde o caranguejo-uçá e a madeira de mangue são os recursos naturais mais explorados. Os dados apresentados na Tab. 6 revelam que 70% dos recursos extraídos dos manguezais são para comercialização e esse dado unificado aos que vendem e comem (13,7%), ganha amplitude destinando mais de 80% desse recurso para o comércio. Com base nessas informações, tem-se a concepção que os recursos naturais do manguezal da península de Ajuruteua estão na dinâmica comercial e, por consequência, cresce a pressão em direção à prática predatória de intensificação na exploração dos recursos, sem considerarmos, no momento, os impactos negativos advindos dessa atividade. Todavia, quando buscada, via percepção dos usuários, dentre os principais fatores que afetam as atividades de produção dos extrativistas de caranguejo-uçá e madeira de mangue, está o “emprego de formas predatórias de produção” que está diretamente relacionado ao uso do gancho para a captura do caranguejo-uçá quando as tocas estão profundas e o braço já não o alcança. O gancho consiste em um vergalhão com ponta curvada 18

Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis n os 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Publicada no D.O.U. em: 28.5.2012.

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ou uma haste de madeira com uma alça de vergalhão amarrada na ponta. Os pescadores introduzem verticalmente o gancho na galeria até tocar no caranguejo para depois removê-lo. A outra forma é com o emprego de redes que não selecionam os indivíduos machos de fêmeas e grandes de pequenos. Consistem em armadilhas produzidas com fios de náilon e amarradas, com o auxílio de pedaços de raízes (rizóforos) de mangue vermelho (R. mangle) sobre as aberturas das galerias (Botelho et al., 2000). Outro fator é o “aumento de pessoas usando o manguezal”, principalmente nas épocas em que se aproximam as férias escolares (janeiro, fevereiro e julho), quando este recurso (caranguejo-uçá) é notadamente mais consumido nos bares, praias e restaurantes da cidade de Bragança, assim como a demanda noutros municípios também aumenta. Das atividades produtivas desenvolvidas na península, também se identificou que o “corte de mangue”, ou seja, o corte da madeira de mangue também é um fator muito importante para os respondentes. Isto é resultante do uso da madeira para a confecção de currais de pesca, cerca de quintais domésticos, estivas, portos de embarque e desembarque de pescados, ranchos que servem de abrigo para os pescadores e venda para olarias e padarias. Esse resultado revela que os extrativista-costeiros são sabedores, ou melhor, possuem “consciência” dos fatores que afetam diretamente sua produção, através da nominação de práticas reconhecidamente predatórias (ver Tab. 7). Por outro lado, esses mesmos respondentes não apontam indicadores de sustentabilidade ambiental. Assim, tal “consciência”, certamente não parece estar relacionada a um sentido ou significado preservacionista, mas sim à diminuição da produção dos recursos ambientais disponíveis nos manguezais. Essa abordagem também foi discutida por Simão, Silva, et al (2010), no estudo intitulado “Os desencontros dos diversos agentes sociais na gestão dos recursos naturais: um campo de mediação a ser construído”, realizado na zona bragantina. Da mesma forma, Oliveira (2006) também trouxe elementos que se aproximam dos resultados expressos no presente trabalho, quando realizou estudo sobre os impactos ambientais no litoral bragantino. Capra (1996), por sua vez, considera que “a natureza é vista como uma teia interconexa de relações, na qual a identificação de padrões específicos como sendo ‘objetos’, depende do observador humano e do processo do conhecimento”. Dessa forma, de um lado, o conhecimento que os usuários do recurso acumularam e tem da própria espécie e interrelações da mesma, pode ser considerado e denominado de meio ambiente humano. Por outro lado, os usuários do manguezal de Bragança desenvolveram habilidades e competências de

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sobrevivência que procuram a todo custo defender seu meio de vida, mas suas particularidades “somadas” transformam num conjunto, e, devem ser consideradas separadamente e de modo holístico, ou seja, a soma das partes, nesse caso, não é necessariamente igual ao todo. As particularidades, na sua maioria, estão conectadas a vários elementos como, por exemplo, a profissionalização. Para os extrativista-costeiros de caranguejo-uçá e madeira de mangue da RESEX-Mar Caeté-Taperaçu, a profissionalização não foi uma escolha, mas: falta de oportunidades, baixa escolaridade, herança de família e não sabe ou não aprendeu fazer outra atividade (de 18 a 55 anos de idade), como foi representado na Tab. 8. De fato, o presente resultado sobre os fatores que levaram os respondentes a essa profissionalização na área de manguezal está relacionada, para aquelas classes de 18 a 55 anos de idade, à falta de oportunidade do trabalho formal e baixa escolaridade. Trata-se da faixa etária na qual se encontram os respondentes que mais provavelmente buscaram outra oportunidade, ou pensaram sobre essa possibilidade, vivenciando uma sociedade mais diferenciada, com maior acesso aos meios de comunicação. Assim, no exame dos fatores que estiveram na origem de sua inserção na atividade, consideram a realidade desta região (nordeste paraense) caracterizada pela carência de indústrias e empresas na garantia de empregos formais. Na faixa etária de 56 anos em diante, os respondentes ressaltaram a continuidade da cultura da família e da comunidade, a partir do aprendido junto aos familiares e por terem, assim, se especializado na atividade pesqueira. Certamente, esse dado reflete a realidade majoritária das comunidades costeiro-estuarinas, como bem se observa em estudos de Furtado (1994; 1987), Furtado, Leitão & Melo (1993), Maneschy (1995), Diegues (2002; 1995; 1994b) e Castro (2000). Os resultados apresentados até o presente momento traçam o perfil dos pescadores/extrativistas encontrados na RESEX-Mar Caeté-Taperaçu e sua relação direta para com o ecossistema manguezal. De um lado, observam-se as práticas produtivas dos pescadores voltadas para as atividades de pesca (caranguejo-uçá, peixe e marisco), corte de madeira de mangue e a agricultura. Por outro lado, a atividade extrativista é empreendida ao longo de todo o ciclo anual, sem reservas quanto ao período, se chuvoso ou seco. Ainda, a percepção dos usuários para com os problemas ambientais encontrados no manguezal da península de Ajuruteua, provavelmente, a evidência maior para o extrativismo

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(Tab. 10), deve-se por perceberem essa prática de forma constante e cotidiana, assim como os próprios usuários fazem o uso da mesma para suas atividades produtivas. Noutro ponto, a poluição está presente, praticamente, em todo o território da península, tanto nas vilas do entorno quanto nas bordas dos manguezais (observação pessoal). Essa variável é composta por sacos plásticos, garrafas pet, restos de isopor (ex. caixas térmicas usadas para o armazenamento de gelo e pescado nas embarcações, dentre outros), derramamento de óleo e gasolina (dos barcos e canoas motorizadas). O fato de os entrevistados apontarem a existência de problemas ambientais de origem antrópica no manguezal demonstra que percebem suas ameaças à qualidade ambiental do mesmo. O problema mais freqüente apontado como importante (grave) foi a poluição. A variável poluição tem um sentido amplo e genérico, que pode ser decomposto em vários tipos de impactos e, no caso do manguezal, pode ainda estar associado à idéia de poluição dos rios, transferida para o mangue em função da proximidade entre estes dois ecossistemas. Kury et al. (2009) observaram em seu estudo de percepção ambiental que a população do baixo Paraíba do Sul apresentava-se insatisfeita com a situação da qualidade da água deste rio, apontando as atividades industriais e o despejo de esgoto doméstico como os principais problemas ambientais deste ecossistema. No trabalho de Mattos et al. (2012) a maioria dos entrevistados percebeu o manguezal de estudo como preservado, enquanto que recebe a principal “pressão” do ecossistema apontado pela comunidade foi a natureza (34%), ou seja, os fenômenos naturais. Entretanto, retirada de madeira e outros tipos de poluição (óleo de barcos, lixo etc.) também foram citados. Já no estudo de Silva (2005), os principais tensores do mangue de Palhoça foram poluição (resíduos sólidos e esgotos domésticos), aterros e construções irregulares. Todavia no presente estudo, identificaram-se na percepção dos usuários (Tab. 11) alguns indicadores para minimização dos problemas enumerados na Tab. 10. Supõe-se que o replantio de mudas (82%) esteja associado ao Projeto de Restauração de Áreas Degradadas nos Manguezais de Bragança19, desenvolvido nas comunidades costeiras. O referido projeto envolveu inúmeras atividades com os povos costeiros, em especial, com a população infantojuvenil, onde atividades de educação ambiental e replantio de mudas de mangue eram realizados nas áreas degradadas dos manguezais da península Bragantina. Certamente, os resultados foram percebidos pelos extrativista-costeiros, pois as áreas replantadas atualmente 19

Este projeto foi desenvolvido por meio de uma parceria estabelecida entre o Governo Japonês, via a Agência de Cooperação Internacional Japonesa (JICA) e a Universidade Federal do Pará, através do Laboratório de Ecologia de Manguezal (LAMA), no período de 2006 a 2010.

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apresentam bosques recuperados, inclusive com a reprodução de espécimes próprias dos manguezais. No presente estudo, os resultados demonstram um raciocínio dos entrevistados em que primeiramente se opta pelas ações que efetivamente podem modificar o cenário percebido, limpando e replantando o manguezal para o reflorestamento e recuperação das áreas degradadas. A partir daí, para a manutenção dos resultados alcançados, a fiscalização seria a medida mais apropriada, e por fim, a criação de leis, que sozinha não é percebida como capaz de reverter à situação ambiental do manguezal, mas reforçaria os resultados positivos e, provavelmente, teriam sido obtidos com as medidas anteriores. De fato, os manguezais estão protegidos por uma vasta legislação ambiental, consistindo em áreas de proteção permanente desde 1965 (Código Florestal, Lei Federal nº 4.771/65 revogado pela Lei Federal nº 12.651/12), não sendo admitida ocupação e edificação (SILVA, 2005; BERNINI, 2008). Como colocado por Silva (2005) e Bernini (2008), a Constituição de 1988 considera os manguezais patrimônios da União, e outros dispositivos legais, como a Lei de Crimes Ambientais, Lei Federal nº 9.605/98, e, Lei da Mata Atlântica, Lei Federal nº 11.428/06, consolidam a proteção desse ecossistema e fornecem meios punitivos para infratores. Entretanto, toda essa proteção legal não parece surtir efeito, enquanto a degradação do ambiente pelas atividades humanas continua sendo uma ameaça ao ecossistema. Assim, fica evidente que a problemática ambiental não envolve a falta de uma legislação reguladora e regulamentadora, mas um meio que permita a aplicação efetiva da lei, tal qual a fiscalização. Em relação a qual segmento deveria ser responsável pela conservação ou preservação, observa-se que essa questão dividiu as opiniões. O governo municipal foi preferido entre as esferas estadual e federal, possivelmente porque as pessoas acreditam que o município estaria mais próximo do ecossistema. Além disso, o fato de outra grande parcela das respostas apontarem a sociedade como responsável pela conservação do manguezal, demonstra que parte dos respondentes se sente co-responsáveis pelo ecossistema. Ademais, a preferência demonstrada pelas pessoas quanto ao município ser o responsável pelas questões ambientais locais está, também, em acordo com a tendência iniciada na década de 1990 de descentralização das políticas ambientais, das esferas federais e estaduais para a municipal. Se por um lado essa municipalização das questões pode trazer benefícios, como o maior conhecimento do cenário e problemas específicos da localidade e

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inclusive um maior envolvimento da população, por outro lado, o sucesso do processo depende da superação de problemas como a falta de estrutura física, de recursos humanos e de orçamento dos municípios, que são geralmente os principais entraves para a municipalização das políticas ambientais (CARLO, 2006; MARCONI et al., 2012). Sabe-se que as formas empregadas no extrativismo trazem preocupações com relação à sustentabilidade ambiental (LEFF, 2001; SILVA, 2008; SILVA & SOUZA-LIMA, 2010; ) e no manguezal não é diferente. Embora os resultados do presente trabalho apontem para o fato de que existe conhecimento ou “consciência” dos próprios usuários com relação ao impacto de suas atividades nos recursos utilizados do manguezal, suas práticas não são minimizadas. Certamente, esses achados revelam a preocupação disposta na literatura por Simão, Silva, et al. (2010), quando chamam a atenção para a crise de sustentabilidade com relação aos recursos naturais de uma maneira mais ampla. Tal preocupação justifica-se porque o ambiente de manguezal é o principal berçário de várias espécies de peixes e mariscos, principalmente de diversas espécies comerciais de caranguejos (ODUM & HEALD, 1972; DAY Jr. et al., 1987; ALONGI, 2002). No entanto, a ação antrópica tem sido considerada um importante agente na redução da produção do ecossistema como um todo, mas principalmente dos recursos pesqueiros associados ao manguezal e aos sistemas aquáticos adjacentes. As áreas dos manguezais são, portanto, de extrema importância para as comunidades que vivem às margens dos estuários e ao longo da zona costeira, uma vez que delas provém boa parte das proteínas de origem animal, tão essenciais para a sua subsistência. No entanto, este ecossistema apresenta um frágil equilíbrio, conferindo-lhe uma baixa resistência sendo, por isso, fortemente modificado pelas práticas predatórias (DAHDOUHGUEBAS et al., 2004; HERNÁNDEZ-CORNEJO et al., 2005). Embora existam indicadores de que as áreas de manguezal na costa da Amazônia brasileira estão aumentando e seja considerado o mais bem preservado ambiente tropical úmido do planeta, o que se deve a uma movimentação própria desse ambiente, no qual ora predomina a erosão, ora a sedimentação (SOUZA FILHO, 2005). Esse processo deve-se ao fato de atender aos interesses tanto da comunidade que vive na zona costeira em busca de seu sustento quanto dos interesses de comerciantes locais. Assim,

procurar

democratização

uma de

maior

compatibilidade

oportunidades

e

proteção

entre

desenvolvimento

ambiental,

econômico,

recusando-se

soluções

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uniformizantes, centralizadas e inapropriadas para a multiplicidade de situações existentes é o desafio a ser enfrentado. De modo geral, pode-se inferir que o manguezal da Península de Ajuruteua é percebido pela população no entorno como um ambiente sob pressão, passando por um processo de degradação. Os resultados demonstram que povos extrativista-costeiros entendem que há uma situação de redução da qualidade ambiental deste ecossistema e, consequentemente, do fluxo dos serviços ambientais prestados pelo manguezal para a sociedade, ou seja, do impacto negativo que tal redução pode causar no bem-estar da população em geral. Por fim, as percepções dos extrativista-costeiros sobre os recursos caranguejo-uçá e madeira de mangue, não diferiram consideravelmente entre as classes etárias. Ainda, os níveis de escolaridade maiores não garantiriam aos usuários conhecimentos mais profundos sobre as questões ambientais, nem uma maior conscientização do seu papel na conservação dos recursos ambientais dos manguezais. Mas garantiria a oportunidade de especializarem noutras atividades, até formais, para que a pressão sobre os manguezais desta RESEX-Mar diminuíssem.

5.

CONCLUSÃO O ecossistema de manguezal promove uma gama de bens e serviços ambientais que

geram benefícios diretos e indiretos para a sociedade. Ainda, pode-se dizer que a exploração da fauna do manguezal, sobretudo do caranguejo-uçá e do corte das árvores de mangue para atender a uma demanda cada vez maior de uma economia de mercado, de maneira exagerada também empobrece o manguezal. Embora os recursos extraídos não tenham mercados que possam revelar seu valor, a sociedade atribui valor a esses bens por contribuir significativamente para seu nível de bemestar. O manguezal também entra nos meios de comunicação por outra porta: a das campanhas de proteção. Nos últimos trinta anos, a comunidade científica vem mostrando que esse ecossistema, ao contrário de constituir ambiente insalubre, pútrido e fétido, aprese grande valor ecológico. A partir de então, os meios de comunicação começaram a veicular campanha em sua defesa. A questão-problema levantada “Quem são os agentes sociais (extrativista estuarinocosteiros) e quais suas percepções sobre as formas e condições de extrativismo praticadas nos

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manguezais da RESEX-Mar Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira?”, tem-se a resposta sob os seguintes aspectos: a) São pessoas que residem nas comunidades costeiro-estuarinas e se apropriam e usam os recursos ambientais para o seu sustento econômico, social e cultural, com crenças e ritos relacionados aos ecossistemas que os cercam: manguezais, várzeas (campos naturais com áreas alagadas), terra firme e pequenas ilhas e rios; b) São pessoas em condições socioeconômicas vulneráveis, em que seus ganhos financeiros com o extrativismo variam entre R$ 400,00 a 724,00, e, estão organizados por meio das categorias: autônomos, diaristas e empreiteiros; c) São pessoas que apresentam baixa escolaridade, com concentração no Ensino Fundamental incompleto, mas com alto índice de analfabetos, ou seja, suas condições de leitura e escrita são poucas quando se tem uma sociedade eminentemente capitalista, massificada pelo paradigma da globalização no mundo das tecnologias com acirrada competitividade no mercado de trabalho; d) São pessoas que procuram se especializar em diversas atividades na área costeira por meio dos recursos ambientais, todavia, percebe-se entre a predominância destas atividades, desde o estabelecimento desses povos no litoral, a prática da agricultura (cultivo da mandioca, tabaco, milho, arroz, etc.). Todavia, nos dias atuais, os “benefícios” disponibilizados pelo governo (aposentadoria, bolsa família, bolsa verde, seguro defeso, etc.) aparecem como o principal recurso a complementar a renda desses extrativistacosteiros. Certamente, percebem esses benefícios em decorrência de suas condições vulneráveis a se encontram e, por conseguinte atendem aos critérios e princípios desses programas, ou seja, concentram-se no rol de pessoas “abaixo da linha de pobreza” (financeira); e) São pessoas com média de idade, aproximadamente, entre 25 a 30 anos, portanto, consideradas adultas e ativas para o mercado de trabalho; f) São pessoas que praticas atividades, para além da extração do caranguejo-uçá e madeira, com base nos recursos ambientais, como: pesca no estuário, coleta de marisco, coleta de plantas medicinais, extração da argila, coleta de lenha, dentre outras; g) Concentram suas atividades no manguezal durante o ano todo, com menor uso no período do defeso e, os principais recursos extraídos são: siri, sururu, ostra, mexilhão, camarão, peixe, madeira, combinados com o caranguejo-uçá;

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h) Essas atividades se devem somente à prática da comercialização (70%), ao próprio consumo (16%) e ao consumo e venda (14%). Ou seja, são pessoas que fazem o uso dos recursos ambientais para a manutenção de suas necessidades socioeconômicas; i) São pessoas que se tornaram profissionais no extrativismo em decorrência de alguns fatores, onde para os mais jovens (18 a 55 anos): 1) ausência de emprego formal, 2) baixa escolaridade e 3) herança familiar, no entanto para os idosos (56 anos em diante) a profissionalização se deve a: 1) herança familiar, 2) não recordam ou falta de opção e 3) baixa escolaridade. Todavia, entre os mais jovens, somente 5% se dizem satisfeitos e entre os idosos 20% são satisfeitos com a profissionalização de extrativista; j) São pessoas que percebem problemas ambientais nos manguezais da península de Ajuruteua, entre os principais, destacam-se: intensificação na pesca do caranguejo-uçá, apesar de acreditarem na inesgotabilidade desse recurso; corte da madeira de mangue; poluição; e, construção de casas nas áreas do manguezal; k) São pessoas capazes de fazerem indicativos de ações para a conservação dos manguezais, entre as quais destacam: replantio de mudas de mangue, retirada de lixo e fiscalização efetiva dos órgãos públicos reguladores e pela própria população usuária. Finalmente, pode-se deduzir que a relação econômica representada pelos extrativistas estuarino-costeiros, assemelha-se quanto ao querer “produzir não só um valor de uso, mas uma mercadoria, não só valor de uso e não só valor, mas também mais-valia” (ANTUNES, 2004, p. 49), o que, certamente, não se encerra na análise conjuntural, mas permite um olhar socioambiental. A Amazônia é uma região rica em recursos ambientais, com leis regulamentadoras e reguladoras próprias, mas com insuficientes alternativas de renda para a população que vive nesses ambientes. Ademais, há necessidade de investimentos em educação dentro da realidade dos povos, alternativas de renda sustentáveis dentro dos ambientes desse povo costeiro, maior envolvimentos dos setores e órgãos de emprego e renda com propósito viável e sustentável ambientalmente. Compreende-se que os recursos ambientais (caranguejo-uçá e madeira de mangue) merecem maior atenção das agências de fomento no sentido de alargar as possibilidades de renda aos usuários da RESEX-Mar Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira, considerando sua ligação histórica e cultural com esses recursos e seus conhecimentos associados.

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Capítulo 3

DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DAS ZONAS DE EXTRATIVISMO DO CARANGUEJO-UÇÁ, Ucides cordatus, NA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA CAETÉ-TAPERAÇU, PARÁ, COSTA AMAZÔNICA BRASILEIRA

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CAPÍTULO 3 DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DAS ZONAS DE EXTRATIVISMO DO CARANGUEJOUÇÁ, Ucides cordatus, NA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA CAETÉ-TAPERAÇU, PARÁ, COSTA AMAZÔNICA BRASILEIRA OLIVEIRA, Francisco P.*; MANESCHY, Maria C.A.**; FERNANDES, Marcus E. B.*** *[email protected]; **[email protected]; ***[email protected] RESUMO O recurso caranguejo-uçá, Ucides cordatus, é tido para o manguezal como o mais utilizado entre os povos que dependem diretamente desse ecossistema. Dentro da temática do presente estudo, objetivou-se determinar as principais zonas de extração desse recurso por meio da percepção dos extrativistas estuarino-costeiros, que são os usuários. O estudo foi desenvolvido no período de 2012 a 2014 na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança – Pará. Entre os elementos perceptíveis, pautaram-se observações sobre a apropriação e uso desse recurso na RESEX-Mar em questão. A amostragem foi constituída de 80 extrativistas a partir dos 18 anos de idade. Os instrumentos de coleta de dados qualitativos utilizados foi o questionário com perguntas semiestruturadas e a entrevista a partir de um roteiro previamente elaborado. O tratamento desses dados ocorreu por meio da análise de discurso e de conteúdo que permitiu interpretar e compreender as percepções dos entrevistados, com transcrição parcial ou total dos discursos, com destaque para a audiência de alguns termos em comum observados nos discursos desses usuários. Os dados quantitativos foram acessados por meio de um formulário para captar dados sobre o georreferenciamento das zonas identificadas pelos extrativistas estuarino-costeiros, a biometria do caranguejo-uçá (medidas do comprimento da largura da carapaça – LC) e contagem das galerias. Os procedimentos seguiram: a) identificação das principais zonas de extração (n=32), a partir dos fatores fácil acesso (FA, n=20) e difícil acesso (DA, n=12); b) georreferenciamento dessas zonas; c) abertura de uma de parcela de 100m X 25m; d) subdivisão dessa parcela em 4 parcelas de 25m X 25m; e) contagem das galerias inseridas nessas parcelas; f) medidas do comprimento da largura da carapaça (LC) de 150 indivíduos pescados para consumo em cada zona (n=150 ind.m-2). Esses dados foram tabulados na planilha do software Excel (2007) e em seguida receberam o tratamento estatístico com análise da ANOVA – um fator e submetidos aos testes Kruskal-Wallis, Dunn e Tukey, utilizados no Programa BioStat 5.0, para determinar a significância dos dados coletados, assim como o uso da Regressão Logística (Logit) para verificar a probabilidade de ocorrência do maior ou menor caranguejo-uçá em zonas de FA e DA. Os resultados apontaram que os extrativistas estuarino-costeiros se apropriam do caranguejo-uçá sob dois condicionantes: zonas FA e zonas de DA, o que também determinou a identificação das principais zonas. Nas zonas de FA ficou evidente que o esforço físico e o investimento são “menores” na pesca do recurso, porém os mesmos reconhecem que o caranguejouçá possui o tamanho menor (≥6,0cm e ≤7,3) para a comercialização. Enquanto nas zonas de DA tanto o esforço físico e o investimento são “maiores”, todavia, os extrativistas percebem que o tamanho do caranguejo-uçá para a comercialização é maior (≤7,4). Essa percepção corroborou com os dados de tamanho quando submetidos à Regressão Logística e aos testes da Razão de Verossimilhança e de Wald, onde a possibilidade do caranguejo-uçá grande (≤7,4) ocorrer nas zonas de DA é de 33 vezes e, o inverso poder ocorrer para zonas de FA. O tamanho médio dos indivíduos mensurados foi de 7,3 cm para a península de Ajuruteua. Por conseguinte, concluiu-se que há necessidade de ações para a: i) sensibilização dos povos e comunidades para manejo das zonas de extração intensificadas por meio de acordos; ii) criação de cooperativas dos pescadores do caranguejo-uçá na região bragantina; iii) reconhecimento da profissionalização dos extrativistas estuarino-costeiros por órgãos governamentais.

PALAVRAS-CHAVE: Manguezal; Caranguejo-uçá; Extrativistas Estuarino-Costeiros.

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DISTRIBUTION OF CRABBING ZONES FOR THE HARVESTING OF THE MANGROVE CRAB, Ucides cordatus, ON THE RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA CAETÉ TAPERAÇU, PARÁ, BRAZILIAN AMAZON COAST ABSATRACT The mangrove crab, Ucides cordatus, is considered to be an essential resource by the populations that depend on the mangrove ecosystem for their subsistence. The present study aimed to define the principal crabbing zones on the Ajuruteua peninsula through the perception of local estuarine-coastal extractivists. The study focused on the local communities adjacent to the mangroves between 2012 and 2014. Qualitative and quantitative research procedures were used to evaluate the perception of the estuarine-coastal extractivists with regard to the principal zones used for the harvesting of mangrove crab. The study focused primarily on observations of the appropriation and use of this resource on the Ajuruteua peninsula. The study subjects included 80 extractivists of over 18 years of age. Qualitative data were collected using questionnaires with semi-structured questions and an interview based on a standardized format. The data were analyzed through the interpretation of the content of the statements and dialogs of the interviewees, with the dialogs being partially or totally transcribed, with specific, commonly-used terms being identified. Quantitative data were processed in spreadsheets, with the areas identified by the subjects being georeferenced, biometric data being collected on the mangrove crabs (carapace width – CW), and crab tunnels being counted (open, plugged, bifurcated, abandoned and active). The procedures were as follows: (a) identification of the principal crabbing zones (n = 32), classified as easy access (EA, n=20) or difficult access (DA, n=12); (b) georeferencing of the zones; (c) establishment of a 100 m x 25 m plot; (d) subdivision of the plot into 4 subplots of 25 m x 25 m; (e) tunnel counts within the plots; f) collection of biometric data (CW) on 150 crabs harvested in each zone (n = 150 ind.m-2). These data were processed in Excel (2007) spreadsheets and were then analyzed using a one-factor ANOVA, followed by the Kruskal-Wallis, Dunn and Tukey tests, run in the BioStat 5.0 program to determine the significance of the data collected. A logistic regression (Logit) was also used to determine the probability of occurrence of the largest or smallest crabs in EA and DA zones. The results showed that the local extractivist appropriate crabs in both zones (EA and DA). The physical effort and investment required for the harvesting of the crabs were much “lower” in the EA zones, although the crabbers acknowledged that the crabs were smaller (CW ≥ 6.0 cm and ≤ 7.3 cm). In the DA zones, physical effort and investment were “higher”, although the crabbers perceived that the crabs were larger (CW ≤7.4 cm), and more adequate for sale. This perception coincided with the size data when analyzed by logistic regression, and using the odds ratio and Wald tests, which showed that the probability of capturing a large crab (CW ≤7.4 cm) was 33 times higher in the DA zones in comparison with the EA zones. In general, the mean carapace width recorded on the Ajuruteua peninsula was 7.3 cm. The findings of this study reinforce the need for (i) the establishment of informed agreements with the local communities for the management of the crabbing zones, (ii) the creation of crabbing cooperatives dos in the Bragança region; and (iii) the recognition of crabbing as a profession by the government.

KEY WORDS: mangrove; mangrove crab; Estuarine-Coastal Extractivists.

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1. INTRODUÇÃO

O manguezal é um ecossistema de vital importância para inúmeras espécies de animais marinhos e terrestres (HOGARTH, 1999), reunindo uma biota que é bastante apropriada e usada no contexto social extrativista. É de senso comum que desde há muito a prática extrativista é importante, e ainda é até os dias de hoje, para a grande maioria dos povos e comunidades tradicionais (PASSOS & DI BENEDITTO, 2005; RODRIGUES et al., 2003). Existem registros que identificam os manguezais como uma unidade ecológica, da qual pelo menos dois terços da população pesqueira mundial dependem diretamente deste ecossistema (SPALDING et al., 2010). Esses registros trazem outros indicadores, entre os quais se salienta a importância nutricional de diversos animais a partir dos manguezais (PANNIER & PANNIER, 1980). Consequentemente, essa importância desencadeia um processo de valoração econômica dos recursos ambientais incorporados nesse ecossistema. Nesse cenário, faz-se um recorte para a espécie de crustáceo Ucides cordatus, pertencente à família Ucididae (Decapoda, Brachyura) (NG et al., 2008) e popularmente conhecido como caranguejo-uçá no norte do Brasil. Esse crustáceo é fonte de alimento e de trocas desde os primórdios da humanidade. No entanto, os primeiros registros escritos sobre U. cordatus foram publicados a partir da metade do século XVI e as primeiras referências sobre a distribuição geográfica da espécie no Brasil foram feitas no início do século XIX (COSTA, 1972; 1979). Em um panorama ecológico, U. cordatus é uma espécie-chave na ciclagem de nutrientes nos manguezais, sendo responsável, por exemplo, pelo consumo e degradação de mais da metade das folhas senescentes deste ambiente (SCHORIES et al., 2003). Da mesma forma como representa cerca de 80% da biomassa da epifauna dos manguezais, servindo como recurso alimentar para muitos grupos de animais que habitam ou visitam regularmente este ecossistema (KOCH & WOLFF, 2002). No aspecto social, o caranguejo-uçá representa uma importante fonte de renda comercial para os povos que dele dependem, assim como regula suas atividades produtivas. Esses povos são constituídos de saberes ecológicos locais que advém de gerações passadas permanecendo até os dias atuais, o que para a literatura constituem os povos tradicionais 20 20

São as comunidades caiçaras, os sitiantes e roceiros tradicionais, comunidades quilombolas, comunidades ribeirinhas, os pescadores artesanais, os grupos extrativistas e indígenas.

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(DIEGUES, 1988; GODELIER, 1984; DIEGUES, 1983; CORDELL, 1982). Todavia, os povos que ocupam a região de estuário e a zona costeira possuem peculiaridades próprias, com identidade social e ambiental reservadas a esses espaços e onde também praticam suas atividades produtivas, o que, no presente trabalho, serão nominados de extrativistas estuarinocosteiros21. No Brasil, nota-se a existência de muitas capitais litorâneas, sendo que a maior parte da população brasileira está distribuída numa estreita faixa próxima ao litoral (IBGE, 2007). Além do mais, os ecossistemas localizados nessa faixa litorânea acabam tornando-se alvo da pressão exercida pela ação antrópica22, muito decorrente de uma intensa e desordenada ocupação (ROSSI & MATTOS, 2002). Os habitantes das áreas de costa usam e exploram diversos ecossistemas. No caso da região amazônica brasileira, os campos naturais, os rios e os igarapés, as praias e os manguezais são alvo dessa exploração, sendo que este último sobressai

por

possuir

significados

econômicos,

culturais,

sociais

e

ambientais.

Adicionalmente, os manguezais, em muitos casos, tornam-se a principal fonte de renda e alimentação por representar a principal fonte de obtenção de recursos (MANESCHY, 1993; 1995). Os extrativistas estuarino-costeiros possuem saberes ecológicos locais que lhes permitem a apropriação e o uso desses recursos existentes na costa, como o caranguejo-uçá, o que por outro lado, a sua exploração contínua acaba por amplificar o impacto nessas áreas de uso específicas para esse fim. Assim, através desse saber, é possível identificar áreas onde pode estar ocorrendo uma intensificação do uso desse recurso. Além do mais, é importante ressaltar que ainda não há estudos pontuais e indicativos de zonas de intensificação do extrativismo do caranguejo-uçá para a costa amazônica brasileira. Portanto, a combinação do enfoque ambiental, ecológico e social apresenta-se como de alta relevância social e

21

Termo aqui utilizado para nominar os trabalhadores que desenvolvem atividades produtivas relacionadas à extração do caranguejo-uçá. Extrativistas porque se apropriam e fazem o uso dos recursos naturais disponíveis nos manguezais. Estuarino-costeiros porque são pessoas que residem nas comunidades localizadas no estuário no entorno das zonas costeiras, os quais construíram suas culturas, religiosidades, formas econômicas e organizacionais a partir de suas relações com o ecossistema de manguezal. Esse termo parte de discussões atinentes ao termo “população tradicional” que designa povos como: indígenas, quilombolas, caiçaras, campesinos, povos das florestas, ribeirinhos, costeiros, dentre outros (FURTADO, 1994; DIEGUES, 2000; PNCT, 2007).

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Entende-se, no presente trabalho, por ação antrópica qualquer atividade humana que, de alguma forma, interfira nos mecanismos naturais de funcionamento de uma unidade ecológica ou ecossistema. A ação antrópica, portanto, é uma atividade que causa algum tipo de impacto no ambiente ou num ecossistema, interferindo em seu funcionamento natural (MELLANBY, 1982). Além da ação humana direta sobre o meio natural, existe a presença dos chamados elementos antrópicos, como construções e objetos humanos, que atuam como agentes de degradação e modificação do meio (CETESB, 1985).

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econômica para os povos e comunidades de extrativistas estuarino-costeiros que dependem desse recurso, em particular, para sua sobrevivência. O norteamento do presente trabalho decorreu dos seguintes questionamentos: i) os extrativistas estuarino-costeiros percebem as zonas de intensificação da pesca do caranguejouçá ao longo da península de Ajuruteua, em Bragança? Em que medida os extrativistas estuarino-costeiros consegue identificar essas zonas e as percebem como produtoras, em potencial ou não, do caranguejo-uçá? A partir desta argumentação que surgiu a temática do presente trabalho, com o objetivo de determinar a distribuição espacial das zonas intensificadas na pesca do caranguejo-uçá, a partir da percepção dos extrativistas estuarino-costeiros. Especificamente, objetivou-se identificar as principais zonas de extração23 de U. cordatus, assim como caracterizar sua biometria e o esforço de pesca sobre esse recurso nessas zonas, mapeando-as ao longo da península de Ajuruteua, no município de Bragança.

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 2.1. Área de Estudo A área de estudo é parte da região de Integração do Rio Caeté24 (PARÁ, 2008), no Estado do Pará, no litoral amazônico brasileiro, que se estende desde a foz do Oiapoque, no Estado do Amapá, até a parte oriental do Estado do Maranhão, especificamente a Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu. Esta se localiza na planície costeira bragantina, que se estende desde a Ponta do Maiaú até a foz do rio Caeté, apresentando uma linha de costa de cerca de 40 km (WOLFF, et al. 1999) (Fig. 1). Inserido nesta planície está o município de Bragança, localizado entre as latitudes 46o50' e 46o30’W e longitudes 0o45’ e 1o07’S, totalizando uma área de 1.570 km2 (Fig. 2). A área em questão caracteriza-se por sua geografia particular, similar a todo o nordeste paraense

23

Entende-se por zona como espaço, área que se delimita, natural ou artificialmente, sobre uma superfície maior (FERREIRA, 1986), e, extração como ato ou efeito de extrair (FERREIRA, 1986). Portanto, no presente trabalho, a composição dos dois termos acima, será utilizada como “zona de extração”. Defini-se, portanto, como todas as áreas produtoras e de pesca do recurso caranguejo-uçá, identificadas e percebidas pelos extrativistas estuarino-costeiros da península de Ajuruteua, costa amazônica brasileira.

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Área geográfica definida pelo Decreto Nº 1.066, de 19 de junho de 2008, em que no Art. 1° a regionalização do Estado do Pará tem como objetivo definir regiões que possam representar espaços com semelhanças de ocupação, de nível social e de dinamismo econômico. E cujos municípios mantenham integração entre si, quer física quer econômica, com a finalidade de definir espaços que possam integrar-se de forma a serem partícipes do processo de diminuição das desigualdades regionais (PARÁ, 2008).

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(SOUZA FILHO, 2005). Seu contorno apresenta-se recortado, mostrando grande quantidade de reentrâncias ou rias, onde se encontram extensas áreas de estuários, rios, praias e manguezais.

Figura 1. Localização geográfica da região de Integração do Rio Caeté e da cidade de Bragança Estado do Pará, costa amazônica brasileira. Fonte: Pará (2008).

A hidrografia da região é marcada pela extrema sazonalidade produzida pelo pulso das chuvas. Estas características, aliadas à quantidade de sedimento depositado na foz do rio Amazonas poderiam responder pelo volume de pescado desembarcado no local (BRITO et al., 2002). Esta peculiaridade conferiu ao município de Bragança em 2002, o segundo lugar no ranking de produção pesqueira do Estado do Pará, respondendo por pouco mais de 16% do total desembarcado no Estado naquele ano (BRITO et al., 2002). As áreas amostrais foram determinadas após a realização de entrevista com os extrativistas estuarino-costeiros de caranguejo-uçá, os quais indicaram as suas principais zonas de uso, aquelas propícias para a atividade de coleta, segundo suas percepções. O estudo sobre a intensificação da exploração deste recurso nos manguezais envolveu a aquisição de informações sobre a formação de territórios e regras de uso. No presente trabalho, território é referido como as zonas classificadas socialmente e sobre as quais incidem formas específicas de uso e de apropriação do recurso U. cordatus, com algum controle e exclusão de uso, como apontaram Cordell (1982) e Begossi (2004).

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Figura 2. Localização geográfica da Reserva Extrativista Marinha CaetéTaperaçu no litoral do nordeste paraense, Bragança, Estado do Pará, costa amazônica brasileira. COLOCAR O MAPAR RESEX

A área estuarina e costeira do município de Bragança possui cerca de 180 km² de manguezal (SOUZA FILHO, 2005), com seus componentes bióticos e abióticos característicos. Com base em pesquisas de campo, constatou-se que a concentração de pescadores de caranguejo-uçá e no uso da madeira de mangue estão assim definidos: três comunidades que ficam dentro (Bonifácio, Castelo e Vila dos Pescadores) e oito comunidades no entorno (Acarajó, América, Bacuriteua, Caratateua, Tamatateua, Taperaçu-Campo, Taperaçu-Porto e Treme) da RESEX-Mar Caeté-Taperaçu (Fig. 2). Glaser (2005) identifica essas áreas geograficamente como áreas de comunidades habitadas por pessoas que se apropriam e usam os recursos naturais (crustáceos, peixes, lenha e outros) oriundos do ecossistema de manguezal. Ressalta-se ainda que alguns usuários da

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RESEX-Mar Caeté-Taperaçu são residentes da cidade de Bragança, todavia não foi possível dimensioná-la dada a complexidade atribuída em sua distribuição espacial. Noutro ponto, a aquisição de dados foi realizada via entrevistas, observações e mapeamento participativo, com georreferenciamento através de Global Positioning System (GPS)25, com auxílio dos calendários de coleta, cenários, sistemas de pesca a partir da percepção dos extrativistas estuarino-costeiros, o que constitui um estudo de caso26, onde permite o uso de conceitos diversos para dar conta da metodologia percepção e dados qualificáveis.

2.2. Procedimento O número amostral (n) foi constituído por 80 extrativistas estuarino-costeiros, os quais têm como sua atividade principal à extração do caranguejo-uçá nos manguezais da RESEXMar Caeté-Taperaçu, além de serem residentes das diferentes comunidades distribuídas ao longo da península de Ajuruteua. Esses foram identificados no presente trabalho com números de 1 a 80, para manter a ética da impessoalidade. O critério para a constituição do n amostral deve-se i) à sua prática produtiva principal de pescar caranguejo-uçá; ii) ao seu conhecimento das principais zonas de extração na península de Ajuruteua, isso percebido na fala; iii) ao acesso às zonas de extração para produção comercial; e, iv) à permissão ao pesquisador de o acompanhar nas suas práticas produtivas (2011-2014). Os saberes implícitos dos usuários foram determinadores na localização das principais zonas de pesca. Com base nesse procedimento, os extrativistas estuarino-costeiros classificavam as zonas por eles indicadas a partir da viabilidade de acesso: i) Fácil Acesso (FA) - consiste na fácil acessibilidade às zonas próximas às comunidades por meio de canais/furos/rios e/ou pela PA-458, ii) Difícil Acesso (DA) - consiste na difícil acessibilidade às zonas mais distantes, implicando em muito mais tempo para ser alcançada, ou mesmo, o uso de embarcação motorizada.

25

É um sistema de navegação por satélite com um aparelho móvel que envia e recebe informações sobre a (sua) posição em qualquer horário ou em qualquer condição climática (http://www.significados.com.br/gps/).

26

Segundo Goode & Hatt (1969), é um meio de organizar dados sociais preservando o caráter unitário do objeto social estudado. De outra forma, Tull (1976) afirma que um estudo de caso refere-se a uma análise intensiva de uma situação particular, e, Bonoma (1985) coloca que o estudo de caso é uma descrição de uma situação gerencial.

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A partir de então, suas atividades passaram a ser acompanhadas no intuito de: a) georreferenciar as zonas de extração, gerando as coordenadas e sendo nominados de acordo com os nomes dados pelos usuários; b) contar as galerias; e, c) medir o comprimento da largura da carapaça (LC) quando capturados pelos extrativistas estuarino-costeiros para a comercialização (n=150).

2.3. Perfil socioeconômico e percepção ambiental dos extrativistas estuarino-costeiros No intuito de traçar o perfil dos extrativistas estuarino-costeiros foi realizada coleta dos dados qualificáveis por meio de entrevista e questionário27 com perguntas semiestruturadas28 sobre seu trabalho, local de pesca, tipo de embarcação usado e quantidade capturada por dia, etc. (Apêndice I). Adicionalmente, fez-se uso da percepção29 ambiental (entrevista, questionário e observação de campo) desses respondentes sobre os recursos ambientais, com enfoque direcionado ao caranguejo-uçá para acessar suas impressões a respeito da pesca desse recurso, desde o planejamento para a captura até o processo de comercialização.

2.4. Desenho experimental para o estudo do caranguejo-uçá A caracterização do U. cordatus foi realizada em 32 zonas de extração georreferenciadas, a partir da percepção dos respondentes. Em cada zona foi aberta uma transecção de 100x25 m (2.500 m2), sendo que essa transecção foi dividida em quatro parcelas de 25x25 m (625 m2) (Fig. 3), onde foi realizada a contagem das galerias (tocas) e a captura dos indivíduos. A amostragem desses indivíduos foi realizada por dois métodos: i) Contagem de Galerias (CG): contagem do número de galerias em cada parcela (galerias .m-2) (PINHEIRO & HATTORI, 2006) e ii) Captura de Indivíduos (CI): número de indivíduos 27

Segundo Severino (2007, p. 125) o questionário e um conjunto de questões, sistematicamente articuladas, que se destinam a levantar informações escritas por parte dos pesquisados, com vistas a conhecer a opinião dos mesmos sobre os assuntos em estudo. As questões devem ser pertinentes ao objeto e claramente formuladas, de modo a serem bem compreendidas pelos sujeitos (respondentes).

28

Segundo Oliveira (2009, p. 13) [...] A entrevista semiestruturada [...] permite não somente a realização de perguntas que são necessárias à pesquisa [...] mas também à relativização dessas perguntas, dando liberdade do entrevistado e a possibilidade de surgir novos questionamentos [...] o que poderá ocasionar numa melhor compreensão do objeto em questão.

29

Num primeiro olhar, pode-se perceber que o conceito de percepção ambiental vai da fisiologia à semiótica, passando pelas representações sociais ou pelo funcionalismo (DEL RIO & OLIVEIRA, 1996; FERNANDES et al., 2004). Para Ferrara (1993), a percepção ambiental é definida como a operação que expõe a lógica da linguagem que organiza os signos expressivos dos usos e hábitos de um lugar. É uma explicitação da imagem de um lugar, veiculada nos signos que uma comunidade constrói em torno de si. Nesta acepção, a percepção ambiental é revelada mediante uma leitura semiótica da produção discursiva, artística, arquitetônica etc. de uma comunidade.

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capturados pelos extrativistas estuarino-costeiros para o consumo/venda em cada zona de extração (ind.m-2). Áreas de Coleta: n=32

Área de Coleta 100x25 m

Transecções: n=32

Parcelas: n=128

Parcela 25x25 m

Parcela 25x25 m

Parcela 25x25 m

Parcela 25x25 m

Figura 3. Representação esquemática do desenho experimental utilizado para realizar a amostragem populacional de Ucides cordatus na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira.

No intuito de minimizar o erro amostral, as galerias de U. cordatus foram identificadas pela posição oblíqua que sua abertura apresenta em relação à superfície do sedimento e formato interno (COSTA, 1972), o que as diferencia daquelas escavadas por outros caranguejos (ex. espécimes do gênero Uca). As galerias foram classificadas em quatro categorias: i) Fechada (FEC) - galeria com abertura oclusa por um “tampão” de sedimento úmido ou com abertura não evidente (localmente chamada de “batumada”); neste caso, a galeria é reconhecida pela elevação e textura diferenciada do sedimento, sendo confirmada por escavação; ii) Aberta com Atividade Biogênica (AAB) - galeria que apresenta na proximidade da abertura lama fluida, fezes e/ou rastros; iii) Aberta com Dupla Abertura (ADA) - galeria confirmada por escavação e considerada como sendo uma única galeria para efeito de análise; e, iv) Abandonada (ABA) - galeria que não possui qualquer atividade biogênica ao seu redor (PINHEIRO & HATTORI, 2006) (Fig. 4).

1 = FEC

2 = AAB

3 = ADA

4 = ABA

Figura 4. Representação das diferentes categorias de galeria para a realização dos métodos de amostragem. FEC= Fechada (1), AAB=Aberta com Atividade Biogênica (2), ADA=Aberta com Dupla Abertura (3) e ABA=Abandonada (4).

93

A amostragem populacional realizada pelo método de Contagem por Galeria (CG; galerias.m-2) foi estimada pela soma do número de todas as categorias de galerias (AAB, FEC, ADA e ABA). Já a amostragem através do método de Contagem por Indivíduo (CI; ind. m-2) foi realizada a partir dos indivíduos retirados das galerias para consumo pelos pescadores somados aos indivíduos não capturados, mas identificados como presentes nas galerias. Esta identificação foi feita através da observação da atividade biogênica existente na galeria ou pelo pescador, isto é, o pescador conseguindo tocar o animal certificando-se da sua presença na galeria, mas sem capturá-lo. Os dados para a caracterização da população de caranguejo-uçá presente nas zonas de extração foram obtidos através de coletas realizadas no decorrer de dois anos (março/2012 a março/2014) na companhia dos pescadores. A identificação do sexo dos caranguejos foi feita com base no dimorfismo sexual externo (PINHEIRO & FISCARELLI, 2001): i) formato do abdômen (macho – em V e fêmea – em U - Fig. 5A e 5B) e ii) tamanho de machos (maiores) e fêmeas (menores). O tamanho dos caranguejos foi acessado através da medida da largura da carapaça (LC; cm), ou seja, de uma extremidade a outra no eixo de maior dimensão (Fig. 5C), com paquímetro com 0,05 mm de precisão (Fig. 5D). As zonas foram georreferenciadas com o uso do GPS (Fig. 5E).

B A

C

B

D

E

Figura 6. Identificação do sexo e instrumentos utilizados para medir da largura da carapaça (LC) do caranguejouçá, Ucides cordatus, nos manguezais da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. A – abdômen da fêmea, B - abdômen do macho, C - medida da largura da carapaça (LC), D - paquímetro e E - Global Positioning System (GPS).

94

2.5. Análise de dados Os dados qualitativos foram interpretados por meio da análise de conteúdo (BAUER & GRASKELL, 2014). Esse processo permitiu o uso da ferramenta estatística descritiva e transcrição total ou parcial das falas dos entrevistados mais relevantes. Um mapa de distribuição das zonas de extração ao longo da RESEX-Mar CaetéTaperaçu foi gerado através da ferramenta Interpolate to Raster do módulo Spatial Analyst (opção Inverse Distance Weighted - IDW) no programa ArcGIS 10 (2013). Este mapa enfatiza a acessibilidade a essas zonas pelos pescadores locais, através dos parâmetros Fácil Acesso (FA) e Difícil Acesso (DA). Da mesma forma, mapas sobre a distribuição da densidade e tamanho do caranguejo-uçá também foram gerados. O primeiro procedimento para destacar a área de coleta de maior ou menor intensificação nesses mapas foi criar uma função matemática. Esta função partiu do seguinte princípio: os dados foram tabulados no Microsoft Office Excel (2007), onde as 32 zonas de coleta foram distribuídas em 31 intervalos, dos quais se obteve a constante k, através da divisão de 100% por 31; logo, k=3,225806452. Os pesos foram atribuídos a cada amostra pela função p=(100 – n*k), sendo 0≤ n 7,3 cm e pequeno=6,0-7,3 cm) a variável dependente (resposta), onde os caranguejos maiores e menores do que o valor estimado da mediana (7,3 cm) do tamanho foi associado às variáveis independentes (preditoras) DA e FA. Os valores médios das variáveis quantitativas, dependente e independente, foram transformados em variáveis binárias tomando como base à mediana. A associação entre essas variáveis foi feita a partir do modelo logístico que é o odds ratio (OR = eβ1), ou seja, é a chance da variável resposta (𝑌) acontecer em relação à variável preditora (𝑥). O modelo calcula a probabilidade de a associação acontecer, com base nos dados amostrais obtidos pelo método da máxima verossimilhança (maximiza a probabilidade de

obter

o

grupo

observado

de

dados),

através

da

seguinte

fórmula:

𝑃(𝑌)=11+𝑒−(𝛼+𝛽1𝑥1+…+𝛽𝑘𝑥𝑘). Onde: α e β representam parâmetros desconhecidos que serão estimados. Os cálculos foram realizados no programa BioEstat 5.0 (AYRES et al. 2007). O peso médio do caranguejo-uçá foi obtido através da equação alométrica =6,111e0,473*LC gerada para a península de Ajuruteua no trabalho de Silva (2014). A produtividade do caranguejo-uçá foi estimada através da biomassa (t.ha-1), multiplicando-se o valor do peso médio dos indivíduos (g) pelo estoque de caranguejos por área (m2), sendo posteriormente realizada a transformação das unidades (FREITAS, 2011).

96

3. RESULTADOS 3.1. Acessibilidade às zonas de extração A partir da percepção dos extrativistas estuarino-costeiros foram identificadas as principais zonas de intensificação do extrativismo do caranguejo-uçá, onde 32 zonas de extração foram identificadas ao longo da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu (Fig. 7). Essas zonas de extração foram classificadas em dois grupos, a partir dos fatores zonas de Fácil Acesso (FA) e de Difícil, tendo como parâmetro classificatório a percepção dos extrativistas estuarino-costeiros, alvos da presente pesquisa (Fig. 6).

9

8 7

5

Difícil Acesso Fácil Acesso

Figura 6. Mapa mostrando o gradiente de intensidade do tamanho do caranguejo-uçá, Ucides cordatus, extraído para comercialização (> 6,0 cm) nas 32 zonas de extração, ressaltando os parâmetros Fácil Acesso e Difícil Acesso, ao longo da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira.

De acordo com os respondentes, as zonas de extração consideradas de Fácil Acesso (FA) são aquelas mais próximas das comunidades, como as de número 1 a 5, as próximas da rodovia estadual (PA-458) de 10 a 16; 20; 26 a 28 e as mais próximas dos canais/furos, as de

97

número 24 e 29. Abaixo estão alguns exemplos de falas que traduzem a fácil acessibilidade a essas zonas de extração. Eu tiro mais caranguejo nessa área (1 a 4) porque o canal fica perto. Aí é só eu encostar a canoa e ir tirar o caranguejo e quando volto jogo na canoa e aí só a força pra remar e chegar no porto (Extrativista estuarino-costeiro 04).

Bem, eu tiro caranguejo nessas área (10 a 15) porque é mais perto da estrada. Facilita mais. Não ando muito, até porque andar nesse mangal mais do que necessário, acaba com a gente. Então, aqui nessa área desço do ônibus ou da moto e quando termino tô bem pertinho (Extrativista estuarino-costeiro 23). Venho para esta banda (áreas 20 e 24) porque não tenho canoa com motor pra ir mais longe. Mas se tivesse condição, também tirava caranguejo lá pra ponta. Acho que lá o caranguejo é melhor e maior (Extrativista estuarino-costeiro 40).

Por outro lado, os respondentes afirmaram que as zonas de extração consideradas de Difícil Acesso (DA) são mais longínquas, como as de número 6 a 9; 17 a 19; 23; 25; 31 e 32. Para se chegar a essas zonas, os extrativistas estuarino-costeiros devem dispor de embarcações motorizadas, uma vez que a canoa a remo é o único meio de transporte e requer esforço físico muito maior. Adicionalmente, as despesas com a pescaria aumentam, pois é necessário combustível, alimentação em maior proporção, além de depender exclusivamente do ciclo das marés (enchente e vazante) próprio dessa região. Essas zonas, por sua vez, são percebidas pelos usuários da seguinte maneira: Lhe digo mesmo: pra essas banda (zonas 17, 18, 23, 25 e 31) só vem mesmo quem tem uma condiçãozinha, porque pra cá, a gente depende da maré e o gasto é maior. Quando acaba, vendemo no mermo preço dos outro que tão lá pertinho. Mas quando a gente tem um patrão que paga melhor por o bicho é grande, aí sim, eu me arrisco (Extrativista estuarino-costeiro 03).

Nessas área mais longe (6 a 9) eu vou, porque sei que minha venda vai ser melhor por causa do melhor bicho. Mas a minha despesa é maior, porque eu gasto com a gasosa, as vez dá um problema no motor: é uma vela que queima, é a gasosa que tem água, afoga o motor, tudo isso é despesa. Mas o bicho é maior (Extrativista estuarino-costeiro 21).

98

Pra esses lados (19 e 32) venho mais quando se reúne 4 ou 5 tirador que é pra compensar o gasto e também é o melhor bicho, porque temo que trazer mais comida, porque as vez a gente fica no rancho de um dia pro outro. Então, sou mais de trazer gente pra tirar o bicho do que pra eu vim mermo, mas lhe garanto aqui tem o bicho maior (Extrativista estuarino-costeiro 49). Quando posso vou pra outra área (17 a 19) mais longe. Mas pra ir pra essas áreas que precisa de canoa de rabeta e barco ou de mais parceiro, as vez, não vale a pena. A gente cansa. É longe e perigoso. E também é o mesmo caranguejo daqui. Só que aqui tá vasqueiro (Extrativista estuarino-costeiro 51).

As falas transcritas acima justificam a razão pela qual alguns pescadores preferem esta ou aquela zona para trabalhar. Numa análise de conteúdo, infere-se que a escolha por determinada zona está condicionada i) à acessibilidade, ii) ao meio de transporte e iii) à localização das zonas de coleta. Assim, revelando os principais motivos que promovem a intensificação na exploração do caranguejo-uçá em determinadas localidades. Essas falas representam os por quês da intensificação nesta ou naquela zona de extração. Os termos “gasto”, “despesa” e “longe” expressam a percepção dos extrativistas estuarino-costeiros. Eles consideram, ainda, que zonas mais distantes representam maior esforço físico, investimento e, consequentemente, o aumento no tempo de permanência na pescaria, o que para eles, também representa despesa ampliada. Por outro lado, os termos “grande”, “maior”, e “melhor” equivalem à satisfação em ter um caranguejo grande, com maior qualidade e de melhor retorno financeiro. Portanto, as zonas de extração de DA são percebidas pelos pescadores como distantes e dispendiosas para o trabalho, ainda que expressem também a percepção de melhor retorno dada a melhor qualidade do produto.

3.2. Técnicas e instrumentos usados na extração do caranguejo-uçá O resultado das entrevistas mostrou que todos os respondentes utilizam a técnica do “braceamento”30 para a captura do caranguejo-uçá (Fig. 7 A, B). A captura também pode ser feita de outras maneiras, como com a ajuda do “gancho” (Fig. 7 C, D). Este instrumento é confeccionado artesanalmente e consiste em um vergalhão com ponta curvada acoplado na ponta de uma haste de madeira. No processo de confecção o pescador utiliza o próprio “pé” 30

Essa técnica consiste na introdução do braço na galeria até encontrar o animal, que é removido após a sua imobilização (NORDI, 1995).

99

como molde para fazer a curva do arco no vergalhão (Fig. 7 E, F). Os extrativistas introduzem verticalmente o gancho na toca, de forma sucessiva, até tocar no caranguejo para depois removê-lo. Utilizam-se também da técnica com o “pé” (Fig. 7 G, H), quando não há o alcance do braço a perna é introduzida na toca até tocar o caranguejo, que então é puxado para a superfície até que possa ser capturado. A

B

C

D

E

F

G

H

Figura 7. Uso do braceamento (A e B), gancho (uso: C e D / confecção (E e F) e uso do pé (G e H) para a extração de Ucides cordatus na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira.

A captura do caranguejo-uçá pelos pescadores segue algumas premissas básicas, como a confecção e o uso de i) luvas para proteção dos braços, ii) sapatos para proteção dos pés e iii) repelente (ex., óleo diesel queimado e resíduos de madeira) para espantar os mosquitos (Fig. 8 A, B e C). C

Figura 8. Instrumentos confeccionados (A=luva, B=sapato e C=repelente) para proteção do corpo na extração de Ucides cordatus na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira.

100

3.3. Amostragem populacional e biometria do caranguejo-uçá Considerando-se as 32 zonas de extração, análises comparativas sobre a distribuição do número de galerias e de caranguejos, bem como do tamanho expresso pela largura da carapaça (cm) e peso (g) desses indivíduos, foram realizadas utilizando-se os parâmetros de acessibilidade, Fácil Acesso (FA) e Difícil Acesso (DA), aos pontos de pesca. A Tab. 1 apresenta os valores do número de galerias distribuídas nas zonas de extração, sendo as zonas de DA com maior número de galerias do que as de FA. Considerando a contagem por galerias (CG), as zonas de FA possuem mais galerias abertas (AB=8807,25±2107,86)

e

menos

galerias

com

dupla

aberturas

ou

bifurcadas

(ADA=441,75±132,16), sendo a diferença entre todos os tipos bastante significativa (H=78,7; gl=4; p=0,0001). O teste de Dunn mostrou que as variáveis AB e ADA foram as mais representativas (p0,05 – n.s.) a diferença entre as zonas FA e DA.

101

Tabela 1. Amostragem populacional por contagem de galerias (CG), apresentando a média±desvio padrão (DP), mínimo (Min) e máximo (Máx) de galerias de Ucides cordatus nas zonas de Fácil Acesso (FA) e Difícil Acesso (DA), na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, Bragança, costa amazônica brasileira. Tipos de Galerias

Nº Galerias FA (n=20)

Nº Galerias DA (n=12)

Média±DP

Média±DP

Mín-Máx

Mín-Máx

p

AB

8807,25±2107,86

5178 - 13964

9351,91±1877,10

6713 – 12439

n.s.

FEC

1141,55±615,34

200 - 2610

1480,00±1176,66

464 – 3676

n.s.

ABA

2286,45±1025,49

490 - 2983

2380,75±1567,88

420 – 3138

n.s.

AAB

1157,70±754,19

268 - 776

1150,08±907,29

305 – 987

n.s.

ADA

441,75±132,16

901 - 4229

526,25±202,57

287 - 4842

n.s.

Média Geral 13834,70 7037 - 24562 14888,99 8189 - 25082