Estudos Sociais e Ambientais

Estudos Sociais e Ambientais Material teórico O Processo de Urbanização no Brasil Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Marcello Alves Revisão Text...
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Estudos Sociais e Ambientais

Material teórico O Processo de Urbanização no Brasil

Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Marcello Alves Revisão Textual: Profa. Dr. Patricia Silvestre Leite Di Iorio

O Processo de Urbanização no Brasil

No material teórico, você encontrará um texto, publicado na Revita Le Monde Diplomatique Brasil, (http://diplomatique.uol.com.br/) escrito por Raquel Rolnik em 2008, denominado “A lógica de desordem”. Esse texto explica alguns elementos do modelo de exclusão territorial que predomina nas cidades brasileiras. Esse modelo funciona como uma “espécie de engrenagem da máquina de crescimento que, ao produzir as cidades, reproduz as desigualdades” (Raquel Rolnik).

Atenção Para um bom aproveitamento do curso, leia o material teórico atentamente antes de realizar as atividades. É importante também respeitar os prazos estabelecidos no cronograma.

Contextualização

Você sabia que o modelo de urbanização das cidades brasileiras,

onde vivem

atualmente 80% da população, segue um padrão insustentável do ponto de vista ambiental e econômico? Procure nos textos como isso ocorre e avalie como um modo de vida considerando os aspectos sociais, econômicos e ambientais é complexo no mundo atual. Você sabia que as cidades ao crescerem reproduzem modelos de desigualdade social e urbanística? Determine também alguns fatores históricos presentes no processo de construção do espaço que contribuíram com a materialização deste cenário. Como o arquiteto, o planejador urbano, os economistas, e administradores se inserem nessa problemática? Como planejar, organizar e compreender o território a partir das desigualdades encontradas atualmente? Essas e outras questões refletiremos a partir dos estudos do conteúdo teórico e do material complementar indicados nessa unidade.

Material Teórico O processo de urbanização no Brasil, tal como o conhecemos hoje, remonta ao séc. XIX e à transferência da Coroa Portuguesa ao Brasil, em 1808. Tal fato marcou o início de um processo que culminaria com a Independência do Brasil, em 1822, e nos primeiros esboços — ainda que tímidos — de uma identidade nacional brasileira. Em 1850, a Lei de Terras abriu as portas para a formação de latifúndios e para o surgimento de uma elite agrária, fatores que marcariam fortemente a ordem econômica e social do país até os dias de hoje. Ao longo do séc. XIX, o que se vê é a expansão de atividades econômicas ligadas à produção agrícola, em particular o café. Na segunda metade desse século, a cidade de São Paulo expande-se fortemente e consolida-se como capital econômica do Brasil, não apenas por ser via de escoamento da produção cafeeira para o porto de Santos, mas também pelos primeiros sinais de industrialização (mormente ligados às atividades agrícolas) e pela criação de serviços direta ou indiretamente ligados à efervescência econômica da época (como bancos, comércio etc.). Em 1888, com a abolição da escravidão, e em 1889, com a Proclamação da República, aumenta a disponibilidade de mão de obra livre, intensificando ainda mais o processo de expansão de muitas cidades brasileiras (em especial as capitais) e os problemas urbanos relacionados à falta de ordenação do espaço territorial. Na virada do século, mesmo com uma população predominantemente agrícola (apenas 10% da população brasileira era urbana), várias cidades brasileiras já experimentavam problemas urbanos importantes relacionados ao aumento da população e à desordem urbana. A falta de saneamento, os problemas de circulação e a necessidade de suprir atividades internas básicas (comércio, serviços etc.) tornaram urgentes as ações do poder público no sentido de ordenar as cidades — então, a única força capaz de estabelecer essa ordenação. Entre o final do séc. XIX e o início do séc. XX várias cidades brasileiras receberam intervenções importantes. Muitas destas obras tinham caráter saneador e embelezador, como as reformas urbanas realizadas no Rio de Janeiro e a maciça reforma proposta para a cidade de Santos, um dos exemplos mais significativos dessa época. Na virada do século, Santos era atingida por epidemias sucessivas de febre amarela e a população sofria com as condições precárias de vida e a ausência de sistemas de saneamento

básico. Saturnino de Brito, engenheiro sanitarista, propôs então um plano de construção de um sistema de canais para o escoamento de águas pluviais. O sistema de canais tornou-se também a base para a reconstrução do sistema viário santista. Passados mais de cem anos desde sua construção, o sistema proposto por Saturnino de Brito continua funcionando e reduzindo o impacto dos alagamentos na planície santista, outrora um manguezal de condições precárias para o escoamento das águas das chuvas.

Fig. 1 — Canal de Santos em sua inauguração, em 1907.

Com a Primeira Grande Guerra, chegaram ao Brasil os primeiros imigrantes europeus, ampliando ainda mais a disponibilidade de mão de obra e acelerando o processo de expansão urbana. Entre as décadas de 1910 e 1920 surgem as primeiras obras de infraestrutura, como a construção de hidrelétricas, ferrovias e a instalação das primeiras indústrias, porém ainda sem impacto significativo na economia nacional. Mesmo com várias cidades em expansão, o predomínio da população agrícola se manteve praticamente sem alterações importantes até a década de 1930. Nessa época o Estado brasileiro começa a investir fortemente na industrialização, o que causa dois fenômenos que até hoje têm influenciado o desenvolvimento de muitas cidades brasileiras: o deslocamento do eixo das atividades econômicas do campo para a cidade e os movimentos migratórios nacionais. A industrialização estabeleceu e intensificou a produção de bens de consumo, o que naturalmente permitiu que o consumo interno se tornasse expressivo. Neste período o automóvel e o rádio começam a fazer parte do cotidiano das cidades, acelerando as atividades econômicas e as comunicações, que passam a serem os fatores mais importantes na

ordenação do espaço urbano. Em cidades como São Paulo, surgem os primeiros sinais da dissolução dos limites entre público e privado, com o Estado atendendo às demandas de uma elite que tinha como objetivo preservar e expandir sua hegemonia econômica. Se, no séc. XIX, havia o que alguns historiadores chamaram de «barões do café», começa a surgir então uma elite industrial, de grande poder de influência sobre a classe política. É desta época o Plano de Avenidas, de Prestes Maia. Engenheiro-arquiteto e depois prefeito da cidade de São Paulo, Prestes Maia foi o responsável pela elaboração e realização de uma grande transformação viária, que por muitas décadas foi o elemento ordenador da expansão urbana da capital paulista. Com efeito, o Plano de Avenidas foi a primeira grande obra de ordenação global da cidade de São Paulo.

Fig. 2 — Esquema geral do Plano de Avenidas, de Prestes Maia, para a cidade de São Paulo.

Além da industrialização, o período que se estende da década de 1930 até a Segunda Guerra Mundial é marcado também pela realização de diversas obras de infraestrutura, decisivas para a consolidação da indústria e para a diversificação das atividades econômicas e

para o desenvolvimento de várias partes do país. Tal transformação não se deu sem efeitos colaterais danosos para parcelas importantes da população. Para muitos historiadores desse período, o estabelecimento de uma elite industrial nas grandes cidades (principalmente em São Paulo) ajudou a perpetuar a desigualdade social que já se observava no Brasil Colônia (que dispunha da mão de obra escrava) e no Brasil Império (época em que se formaram os primeiros latifúndios) e que se repetiu nas primeiras décadas da República, com a migração europeia.

Fig. 3 — Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, RJ, poucos anos após sua inauguração, ocorrida em 1941.

Com a industrialização, aumentam a demanda por mão de obra e os investimentos e as obras públicas nas capitais brasileiras. Criam-se assim polos de desenvolvimento econômico e estas cidades tornam-se especialmente atraentes para moradores de outras regiões, que passam a se deslocar, dando origem a movimentos migratórios importantes. Em escala regional, estes movimentos são do interior dos Estados para suas respectivas capitais, o que inclusive deu origem à formação das regiões metropolitanas (a Grande São Paulo é um exemplo típico). Em escala nacional, o principal movimento migratório é dos Estados do Nordeste para as capitais da região Sudeste, em especial Rio de Janeiro e São Paulo, como resposta ao

aumento da oferta de trabalho nas respectivas zonas industriais. Porém, como é possível notar quando avaliamos esse período de forte industrialização no Brasil, desde o início os movimentos migratórios tenderam a serem maiores do que a oferta de empregos e a capacidade produtiva dos polos de atração. A maioria dos problemas urbanos começa nesse período de intensa migração, como a periferização e a favelização e os diversos problemas estruturais associados a estes dois fenômenos, como veremos em seguida. Lembrem-se de que nas primeiras décadas do Segundo Pós-Guerra (décadas de 1950 e 1960) ocorre a intensificação da globalização. Este fenômeno foi um dos mais influentes nas transformações urbanas no Brasil. Por exemplo, neste período a industrialização passa da chamada «indústria de base» (como as siderúrgicas, bases de extração e processamento de petróleo etc.; a Petrobrás, por exemplo, é criada em 1953) para a produção de bens de consumo (como automóveis, eletrodomésticos, componentes diversos etc.). Essa passagem não é um fenômeno nacional, mas um fenômeno mundial, movido pela intensificação das trocas comerciais entre os países, pelo aumento da influência da cultura de consumo (o american way of life) sobre países periféricos e pela expansão dos meios de comunicação — estas, as principais características da globalização.

Fig. 4 — Automóveis, arranha-céus, publicidade: já na década de 1950 São Paulo é o retrato da metrópole perfeitamente adaptada à globalização e à sociedade de consumo.

Como já vimos, a globalização já vinha acontecendo no Brasil e em todo o mundo desde o colonialismo. Isto se expressa, por exemplo, nas relações comerciais entre o Brasil Colônia e Portugal, o país colonizador, inicialmente com o pau-brasil, depois com o açúcar e o ouro. Posteriormente, mesmo com a Independência, a economia brasileira segue conectada à economia mundial (isto é, dependente dela) através da exportação de produtos agrícolas, como o açúcar e o café. Como é fácil notar, a industrialização no Brasil não permaneceu alheio a este processo de globalização crescente. Com efeito, a partir da década de 1950, indústrias estrangeiras começam a se estabelecer no Brasil, ao mesmo tempo para atender a demanda por bens de consumo e para ampliar as possibilidades de consumo. Isto, é claro, ampliou a influência do capital internacional sobre o Brasil. É natural que as cidades expressem todas estas transformações. Se antes as cidades eram construídas para beneficiar a atividade industrial, com a intensificação do consumo a cidade passa a agregar funções até então inexistentes. Com o consumismo (a ideologia baseada no consumo), a cidade deixa de ser apenas o local da produção e do consumo básico (alimentação, habitação, circulação etc.) e passa a ser também cenário e vitrine — em outras palavras, o lugar do consumo, espaço de opulência e ostentação e de expressão do status social. Isto explica, por exemplo, o processo de periferização das cidades. Periferização, como o nome indica, é o processo pelo qual parcelas importantes da população são levadas a fixar moradia nas periferias, isto é, fora do perímetro urbanizado das cidades. No Brasil, isto se nota principalmente a partir da década de 1940, como consequência da incapacidade tanto do poder público como da iniciativa privada de oferecer boas condições de vida às pessoas que cada vez mais se deslocavam para as cidades atraídas pela crescente oferta de emprego.

Outro fator que dá origem à periferização é a desigualdade de investimentos públicos e privados em infraestrutura urbana, valorizando os imóveis em determinados bairros e condicionando o acesso a estes bairros à condição socioeconômica. Com isso, cada vez mais as diferenças sociais decorrentes do estabelecimento de uma elite industrial e da chegada de

migrantes às grandes cidades (antes os europeus, desta vez, brasileiros de outras regiões do país) eram convertidas em diferenças espaciais. À elite era possível habitar os centros das cidades e seus arredores imediatos; aos migrantes e demais trabalhadores braçais restava habitar os bairros periféricos, mais afastados do centro.

Fig. 5 — Vista parcial da Avenida Paulista no início do séc. XX. Região onde se concentrava a maioria das casas da elite paulistana da época.

Fig. 6 — Casario no bairro do Bixiga em 1920, bairro ocupado majoritariamente por operários. O nome do bairro está relacionado às epidemias de varíola, doença que era conhecida popularmente de «bexiga».

Em São Paulo estas diferenças eram visíveis desde as primeiras décadas do séc. XX, em bairros operários, como Mooca, Bexiga, Brás e Lapa, e em bairros especialmente planejados para as elites, como o Pacaembu, o entorno do Parque Trianon e das avenidas Paulista e Higienópolis. Décadas mais tarde, esta hierarquia na ordenação do espaço levou ao surgimento de favelas e de outras formas importantes de ocupação urbana. Outro aspecto importante das transformações pelas quais as cidades brasileiras têm passado desde a industrialização nas primeiras décadas do século XX é o descuido ao lidar com questões ambientais. Como já vimos, a ideia do ambiente natural como palco das ações antrópicas remonta a uma época anterior aos primeiros passos da industrialização no mundo. A Revolução Industrial cristaliza esta ideia e a transforma em base conceitual de praticamente todas as ações humanas realizadas até hoje. Podemos contar, portanto, pelo menos um século e meio de intensas transformações do ambiente natural e produção industrial crescente sem qualquer tipo de discussão a respeito das consequências dessas ações, tanto para o homem como para o meio ambiente como um todo. As exceções são bastante raras e apenas confirmam o predomínio da regra desenvolvimentista pelo menos até a década de 1970. É útil recorrermos mais uma vez ao exemplo da capital paulista, mais especificamente do rio Tietê. Até a década de 1930, o Tietê era um rio limpo e utilizado inclusive com fins recreativos. Com a industrialização e com o crescimento da cidade, as margens do rio começaram a ser ocupadas — sempre de forma desordenada — e então o rio tornou-se completamente poluído, sem vida. A destruição do rio Tietê foi o resultado da articulação de diversos personagens e de omissões e ações históricas do poder público e da iniciativa privada. A tensa relação entre a cidade de São Paulo e seus rios começa nas primeiras décadas do século XX, quando foram instaladas olarias em algumas várzeas da capital — áreas onde era possível obter água e matéria-prima em abundância. O crescimento da população e o aumento das construções fez crescer a demanda por tijolos e pelos demais produtos das fábricas instaladas nas margens dos rios paulistanos. Não demorou até que a poluição gerada por essas fábricas se tornasse um problema tão importante quanto a intensa exploração dos recursos naturais.

Fig. 7 — Atividades esportivas no Clube de Regatas Tietê no início do séc. XX. Rio de águas limpas, adequadamente integrado à vida da cidade, com freqüência utilizado com área de lazer e recreação.

Fig. 8 — Rio Tietê em imagem recente. Rio poluído, cercado de avenidas e construções, desprovido de vida.

Conforme a população continuou crescendo, os limites urbanos logo ultrapassaram (e, portanto, abarcaram) os rios paulistanos. Em pouco tempo as reestruturações viárias e a ignorância em relação ao real valor do patrimônio natural de São Paulo levaram à canalização dos rios e à construção de avenidas marginais. No caso específico do rio Tietê, isto implicou também a alteração de seu curso natural, à maneira proposta por Saturnino de Brito já na década de 1920. Com a densificação de praticamente todos os bairros da cidade, aumentou

também a área impermeabilizada, o que, para completar o cenário de extrema penúria ambiental, trouxe o problema das enchentes.

Fig. 9 — Plano de Saturnino de Brito para retificação do Rio Tietê, 1924-1925. Diferentemente do que foi feito em Santos, onde foram criados canais artificiais para facilitar o escoamento de águas pluviais e para organizar o sistema viário, em São Paulo Saturnino propõe usar o rio existente com esse mesmo objetivo. Embora não tenha sido executada, a proposta de Saturnino de Brito inspirou as intervenções posteriores realizadas nos principais rios que cortam a cidade de São Paulo.

É claro que o alto custo social e ambiental do desenvolvimento industrial e urbano não se limitou à cidade São Paulo. Embora vários indicadores socioeconômicos tenham apresentado melhoras significativas entre as décadas 1940 e 1980, estas mudanças sempre trouxeram prejuízos socioambientais notáveis. Mesmo com o PIB crescendo à ordem de mais de 7% ao ano (compare este número com os 2,7% de crescimento do PIB em 2011), o crescimento econômico não foi distribuído de forma homogênea, tampouco privilegiou regiões mais carentes. Repetindo a tendência que já se observava desde o início do séc. XX, os investimentos públicos concentravam-se quase exclusivamente nos pólos produtores. Um dos marcos deste período é a construção de Brasília (1960), sob o governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961). Brasília é considerada até hoje uma das joias da arquitetura modernista. Projetada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, foi um dos emblemas do desenvolvimentismo, uma das marcas do governo de JK. Em 1956, JK havia estabelecido o Plano de Metas, que abriu a economia brasileira ao capital estrangeiro.

No entanto, sabemos que a construção de Brasília exigiu investimentos maiores do que o governo brasileiro poderia arcar e criou um fluxo migratório comparável apenas aos vistos em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os «candangos», como ficaram conhecidos os operários que trabalharam na construção de Brasília, foram os primeiros habitantes das cidades-satélite. Poucos anos depois da inauguração da capital federal, as cidades-satélite já se configuravam como a periferia de Brasília, estabelecendo no Distrito Federal a hierarquia socioeconômica já consolidada nas principais cidades brasileiras.

Fig. 10 — O bairro dos «candangos»: Cidade Livre em 1958, hoje conhecida como Núcleo Bandeirante. O fenômeno da periferização no Distrito Federal começou antes mesmo da inauguração de Brasília.

Taguatinga, a primeira cidade-satélite do Distrito Federal, foi construída às pressas pelo Governo Federal, em 1958, para receber a enorme massa de migrantes que se deslocou para a construção de Brasília. Até então, a maioria dos trabalhadores se alojava nos canteiros de obras e em favelas. A desigualdade, a desordem e o improviso de outrora não são diferentes do que vemos hoje no DF.

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Fig. 10 — Brasília e seu entorno: hoje o rigoroso Plano Piloto perde-se em meio ao tecido intrincado das cidades-satélite. Ceilândia (1), Taguatinga (2), Núcleo Bandeirante (3), Candangolândia (4), Plano Piloto (5).

Os governos militares, a partir de 1964, dão sequência ao desenvolvimentismo observado nos anos anteriores, ampliando ainda mais os investimentos em infraestrutura básica. Nesse ano é criado o Sistema Financeiro de Habitação e o Banco Nacional de Habitação (BNH). É o início do período de intensa verticalização das cidades brasileiras, dado que a política habitacional do Governo Federal privilegiava o edifício de apartamentos, tipologia que foi cada vez mais vista como solução das carências por habitações unifamiliares. Embora a política nacional de habitação de fato tenha obtido resultados positivos, a opção pela verticalização trouxe uma série de problemas: 1) Aumento da densidade demográfica, o que abre campo para a desordem social; 2) Aumento da pressão sobre a infraestrutura existente (em particular do sistema viário), que rapidamente se torna obsoleta, 3) Aumento da demanda por obras de infraestrutura; 4) Aumento do consumo de recursos naturais; 5) Aumento da poluição; 6) Alterações bruscas na paisagem; 7) Surgimento da especulação imobiliária em algumas cidades e intensificação deste fenômeno em outras; 8) Impermeabilização intensa do solo;

9) Formação de ilhas de calor. Além destes fatores, há um aspecto social importante: desde o início da implementação das políticas habitacionais na década de 1960, o modelo do condomínio habitacional verticalizado só foi acessível às classes média e alta, o que, mais uma vez, foi um fator de intensificação das desigualdades sociais e urbanas. Nas cidades litorâneas isto se expressa claramente na supervalorização da «vista para o mar», em contraste com a decadência urbana e social das áreas mais afastadas da orla — processo que pode ser percebido até hoje.

Fig. 11 — Panorama geral da cidade de Santos na década de 1950. Poucos edifícios na orla.

Fig. 12 — Panorama geral da cidade de Santos em 2005.

Além de alterarem brutalmente a paisagem natural, os grandes edifícios que cercam a orla impedem que a brisa marítima chegue ao restante da cidade.

A partir da década de 1950 começaram a surgir os primeiros instrumentos de regulação urbana. Na Europa, o planejamento regional e territorial consolidava-se como item obrigatório na ordenação espacial, como resposta à necessidade de reconstrução urbana decorrente da Segunda Guerra Mundial. No Brasil, apenas no final da década de 1960 tais instrumentos entraram na pauta do poder público. Como sabemos, em 1964 iniciou-se o período dos governos militares no Brasil, que só se encerraria em 1985. Entre 1968 e 1978 vigorou o AI-5, que institui o período de maior centralização do poder político e de maior repressão. Neste período, mais especificamente em 1971, é aprovado o primeiro Plano Diretor da cidade de São Paulo. Tratava-se, porém, de um documento desligado das necessidades reais da população daquela cidade, visto que durante os governos militares — em especial durante o período do AI-5 — os Governos Estaduais e as Prefeituras tornaram-se meros repetidores das determinações do Governo Federal. Assim, instrumentos que poderiam auxiliar a ordenação espacial e a preservação ambiental, eram propostos com o objetivo de perpetuar o modelo desenvolvimentista que vigorava desde a década de 1950. Com efeito, o período dos governos militares trouxe também um aumento brutal da decadência ambiental na maioria das cidades brasileiras. Um dos símbolos deste período é a cidade de Cubatão, na Baixada Santista. Cubatão nasce como ponto de parada imediatamente anterior à subida da serra, por sua localização estratégica entre o planalto (isto é, a cidade de São Paulo) e o porto de Santos. Essa condição determinou a instalação de um polo industrial nessa região a partir da década de 1950. Em 1953, a Petrobrás estabelece em Cubatão a Refinaria Presidente Bernardes, que inicia suas atividades em 1955. Em 1963, é criada a COSIPA (Companhia Siderúrgia Paulista) e em 1965, já sob governo militar, Cubatão é classificada como área de segurança nacional, dada sua importância como polo industrial.

Fig. 13 — Polo industrial de Cubatão no início dos anos 80. Níveis de poluição altíssimos praticamente inviabilizavam a vida na cidade.

Ao longo da década de 1970, o que se vê é o aumento da atividade industrial em Cubatão. Como este aumento, não foi acompanhado de regulações ambientais e urbanísticas, não demorou para que os primeiros problemas sociais e ambientais começassem a surgir. Isto deve ser somado à condição geográfica de Cubatão: situada na base da Serra do Mar, não possui regime de ventos suficiente para dispersão de gases poluentes. Em resumo, três fatores levaram Cubatão a receber no final da década de 1970 o título de «cidade mais poluída do mundo»: 1) Alta concentração de indústrias altamente poluentes 2) Ausência de regulação ambiental 3) Condições físicas que dificultavam a dispersão de gases poluentes Lembremos ainda que Cubatão não era apenas um polo industrial, mas uma cidade como qualquer outra, onde viviam pessoas. Os altos níveis de poluição trouxeram inúmeros problemas de saúde para essas pessoas, desde problemas respiratórios agudos ou crônicos até câncer e nascimentos de crianças anencéfalas. O principal rio da cidade, o rio Cubatão, era um rio morto. As encostas da Serra do Mar mostravam sinais evidentes do impacto da poluição sobre a vegetação nativa.

Com a poluição em níveis alarmantes e os problemas de saúde pública cada vez mais severos, empresas e poder público uniram-se para reverter este quadro. Em 1983, tiveram início ações de recuperação e regulação ambiental. Em 1992, com a redução de 98% dos níveis de poluição, a cidade recebeu da ONU o título de «cidade-símbolo da recuperação ambiental». Cubatão é um exemplo de como os personagens responsáveis pela decadência urbana e ambiental podem também ser os responsáveis por sua recuperação. Como se pode notar, tudo depende de como estes personagens se articulam e, sobretudo, dos princípios adotados na construção do espaço urbano. Num primeiro momento, a instituição do polo industrial de Cubatão ignorou o majestoso patrimônio natural existente — a Serra do Mar, o rio Cubatão, os mangues etc. —, priorizando o desenvolvimento econômico em detrimento do desenvolvimento social e da preservação ambiental. Os resultados disto foram desastrosos, colocando em risco não apenas o ambiente natural de Cubatão como também a própria manutenção da vida nessa cidade. Em seguida, os mesmos responsáveis pela intensa degradação ambiental uniram-se e conseguiram reverter um quadro que parecia não ter solução. O que tornou isso possível? Para encontrar a resposta é necessário observar o seguinte. A intensificação das atividades industriais, a ampliação do consumo e a consequente degradação ambiental são todos fenômenos associados à globalização. Estes fenômenos ocorrem no Brasil principalmente como reflexo de transformações globais. Assim como no Brasil havia Cubatão, a maioria dos países industrializados estava enfrentando problemas ambientais sérios e neles também havia casos de cidades extremamente poluídas. À medida que estes problemas cresciam, tornava-se cada vez mais urgente incluir a questão ambiental nas discussões públicas. Isto só veio acontecer formalmente através da criação do Clube de Roma em 1968. O Clube de Roma é um grupo de cientistas, políticos, intelectuais, governantes e outras pessoas ilustres que se reuniam com o intuito de discutir questões políticas e ambientais. Em 1972, a reunião do Clube de Roma resultou no relatório de título «Os limites do crescimento», que foi um divisor de águas no trato das questões ambientais e o documento responsável por iniciar as discussões sobre sustentabilidade e desenvolvimento sustentável.

Com a inserção progressiva das questões ambientais em discussões públicas, elas começaram a fazer parte também da agenda do poder público e de empresas privadas, o que mais tarde se reverteria em políticas públicas, legislações ambientais e ações efetivas de recuperação e de preservação ambiental. Em linhas gerais, foi este o processo que permitiu que a recuperação da qualidade ambiental de Cubatão e que fixou definitivamente as questões ambientais como parte de nossa cultura e como critério para o planejamento e para a ordenação das cidades.

Material Complementar Como complemento aos seus estudos, apresento dois textos importantes para fixar os conteúdos desta unidade. O primeiro texto intitula-se «Urbanismo na Periferia do Mundo Globalizado — Metrópoles Brasileiras», de Ermínia Maricato. Este texto lhes dará uma visão histórica da urbanização do Brasil. O texto faz uma análise integrada do papel do Brasil frente aos problemas que a urbanização trouxe e como os tratamos e convivemos com eles através dos tempos. Para tanto, devemos analisar os indicadores políticos, econômicos, sociais e ambientais presentes na construção de grandes metrópoles brasileiras e suas estruturas sobrepostas através dos tempos. A autora, Prof. Dra. Ermínia Maricato, é Coordenadora da Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e ex-Secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Município de São Paulo. O segundo texto chama-se «A lógica da desordem», de Raquel Rolnik. Este texto explica alguns elementos do modelo de exclusão territorial que predomina nas cidades brasileiras. Segundo Rolnik, o modelo funciona como uma «espécie de engrenagem da máquina de crescimento que, ao produzir as cidades, reproduz as desigualdades». Raquel Rolnik é professora e arquiteta e urbanista, foi também Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades entre 2003 e 2007. Atualmente leciona na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. A autora é uma eminente pesquisadora do universo da exclusão social, bem como de suas características econômicas e seus reflexos espaciais. Em «A lógica da desordem», Raquel Rolnik propõe que as cidades brasileiras passaram nas últimas décadas por um rápido processo de urbanização. Em menos de 40 anos, a população brasileira passou de predominantemente rural para majoritariamente urbana. Este cenário refletiu em desigualdades sociais e espaciais e é analisado pela autora segundo as condições de ascensão da população diante da forma de distribuição e ocupação do espaço pelas diversas classes sociais. Para Rolnik, nosso modelo urbanístico é profundamente excludente: a qualidade urbanística dos espaços acumula-se em setores restritos, deixando as «sobras» com valores econômicos precários e carente de políticas urbanas adequadas, pois são consideradas áreas de risco à ocupação (áreas ambientalmente frágeis, fundos de vale, áreas sem infraestrutura ou distantes do lazer e cultura) para a maioria da população nas grandes metrópoles.

Boa leitura a todos.

Acesse aqui os textos recomendados:



Urbanismo na Periferia do Mundo Gobalizado — Metrópoles Brasileiras, de Ermínia Maricato http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392000000400004&script=sci_arttext



A lógica da desordem, de Raquel Rolnik http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=220

Anotações

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