Do Mundo Fechado ao Universo Infinito

PET FILOSOFIA – UFPR Data: 19 de novembro de 2014 Aluna: Fernanda Ribeiro de Almeida Parte III de III do fichamento do capítulo XI do livro Do Mundo ...
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PET FILOSOFIA – UFPR Data: 19 de novembro de 2014 Aluna: Fernanda Ribeiro de Almeida

Parte III de III do fichamento do capítulo XI do livro Do Mundo Fechado ao Universo Infinito, de Alexander Koyré, intitulado “O Deus da semana e o Deus do Sabá – Newton e Leibniz” e fichamento do capítulo XII, “Conclusão: o Artífice Divino e o Dieu Fainéant” (pp. 233 – 244).

Leibniz retoma, ainda no quinto ensaio, seus argumentos que negam o espaço absoluto de Newton. O principal deles consiste em apontar que o espaço, tomado como uma coisa real e absoluta, torna-se “eterno, impassível e independente de Deus” (p. 233), dificuldade que Clarke busca evitar ao tornar o espaço uma propriedade divina. Para Leibniz, entretanto, essa não é uma saída válida: ainda que seja possível considerar o Espaço infinito como uma propriedade divina – sua Imensidão -, o problema surge quando o Espaço finito é tomado como uma propriedade – a Extensão ou Mensurabilidade – de alguma coisa finita. Nesse caso, o espaço finito ocupado por um corpo seria a própria extensão do corpo e este corpo, ao mudar de espaço, mudaria também sua extensão. Uma conclusão absurda. Dizer que o espaço e tempo infinitos constituem a Imensidão e a Eternidade de Deus são afirmações que implicam em “expressões estranhas, as quais mostram claramente que o Autor faz uso errôneo dos Termos”, diz Leibniz: expressões que afirmariam que, se algo se encontra no espaço, se encontra também na Imensidão de Deus e, portanto, em sua essência; o mesmo seria supostamente válido para algo situado no tempo. Um uso errôneo dos termos por parte de Clarke na medida em que este não segue as concepções escolásticas tradicionais, nos lembra Koyré. Como todos os newtonianos, Clarke assume a identidade entre Imensidão divina e Extensão infinita, identidade que também vale para a Eternidade de Deus e a

Duração infinita. É essa reinterpretação dos termos que permite aos newtonianos afirmarem que tudo está em Deus, embora nem tudo esteja em sua essência. Leibniz, entretanto, não aceita a relação entre sujeito e propriedade que Clarke vigorosamente defende. Se a Imensidão divina torna Deus presente no espaço, como compreender que a Sua presença seja capaz de restringir o espaço a uma mera propriedade do Criador Para Koyré, os newtonianos facilmente se livrariam dessas dificuldades, pois, quando afirmam que o espaço está em Deus e vice-versa, “a preposição em é obviamente empregada em dois sentidos diferentes”. Também é um equívoco interpretar, como faz Leibniz, a relação entre atributo e substância como uma relação espacial. Por fim, a presença substancial de Deus em toda parte se justifica a partir de sua onipresença e simplicidade, amplamente admitidas e que impedem uma distinção entre a substância e o poder divinos. Na teoria de Newton, tempo e espaço não são determinados pelas coisas nem pelo modo que com elas se relacionam, mas “pertencem a Deus como um quadro no qual as coisas e os acontecimentos ocupam e têm lugar” (p. 234). O filósofo alemão, contudo, não altera sua opinião quanto à natureza do tempo e do espaço: se fossem propriedades de Deus, seriam propriedades coeternas com o Criador e subordinariam a existência dele à existência real desses atributos. Porém, a posição sustentada por Leibniz, que se baseia na concepção do tempo e espaço como entidades imaginárias inerentes ao mundo, também acarreta problemas no que diz respeito à onipresença e imensidão divina: se tempo e espaço não existiam antes da Criação, seria correto supor que esta provocou mudanças em Deus; logo, o Criador seria, em certa medida, dependente das criaturas. Tais problemas desaparecem para Leibniz ao se considerar que “a Imensidão de Deus é independente do Espaço, tal como a Eternidade é independente do Tempo” (p. 235), pois “esses atributos significam apenas que Deus estaria presente e seria coexistente com todas as Coisas que existem”. Argumento que também não é aceito pelos newtonianos, uma vez que estes não admitem que as coisas, tendo sido criadas por Deus, possam determinar

em que medida ele estará nelas presente: elas apenas coexistem com o Criador. Encerrado o debate sobre o tempo e o espaço, Leibniz retoma o problema da atração e reforça sua objeção ao caráter natural que os adeptos de Newton dão a essa força: se a gravidade não resulta da interação de forças naturais e nelas não encontramos sua explicação, a atração entre dois corpos deve ser compreendida como um milagre perpétuo. Leibniz desconsidera completamente a posição de Clarke no que diz respeito à natureza “espiritual” da atração: ela representa, para o filósofo alemão, uma troca da ciência pela magia, um retrocesso “aos tempos anteriores a Descartes” (p. 236), como afirma Koyré. À afirmação de Clarke sobre a existência de um meio nãomaterial que atua como intermediário da ação à distância, Leibniz responde que, além de invisível, intangível e não-mecânico, esse meio de comunicação “é inexplicável, ininteligível, precário, infundado e sem exemplo” (p. 236). Na resposta de Clarke aos ataques de Leibniz, o teólogo novamente acusa o filósofo alemão de determinismo ao condicionar a ação divina a uma regra – mesmo que esta seja o princípio da razão suficiente. Clarke mantém, de resto, sua discordância dos conceitos leibnizianos de tempo, espaço e movimento. Não é possível ao movimento, concebido por Leibniz como uma mudança na relação entre os corpos e não como um estado, acontecer somente quando existe a “mudança relativa de situação em um corpo com relação aos outros corpos” (p. 237), diz Clarke. Se assim fosse, um corpo dependeria da existência de outro para se mover. Leibniz afirma que a matéria é infinita devido à inexistência de razões que limitem a ação divina. Clarke se vale dessa ausência de razões para dizer que, se “Deus nem Pode nem jamais Poderia estabelecer limites à Matéria” (p. 238),

o

universo

material,

além

de

ilimitado,

é

eterno

e

existe

independentemente de Deus – uma provocação a Leibniz, que já havia negado a ideia de coexistência de coisas eternas e independentes de Deus de modo veemente. Clarke não altera nenhuma de suas afirmações sobre o espaço: além de ser diferente da extensão, o espaço existe de modo fracionado – em partes –

somente na imaginação. Quando finito, o espaço não é uma propriedade de uma substância limitada, mas apenas uma parte do espaço infinito, no qual se situam substâncias limitadas. O espaço é, principalmente, a Imensidão de Deus, e

A Imensidão, assim como a Eternidade, é essencial a Deus. As Partes da Imensidão (que são de um Gênero inteiramente diferente do das Partes corpóreas, divisíveis, separáveis e móveis, que são o domínio da Corruptibilidade) não obstam a Imensidão de ser essencialmente Una mais do que as Partes da Duração

não

obstam

a

Eternidade

de

ser

essencialmente Una. Deus não está sujeito a qualquer mudança pela diversidade e pela mudança das coisas que existem nele, e que nele têm vida, movimento e ser. (Clarke, pp. 238-237)

Sobre a atração, Clarke se limita a dizer que um milagre perpétuo é uma contradição em termos; se não for, é a Harmonia Preestabelecida de Leibniz um milagre maior. A atração, explica Clarke, é um fenômeno, um fato geral e uma expressão matemática que apenas busca “designar o Efeito ou o próprio Fenômeno” (p. 240) da causa dos corpos tenderem uns para os outros, segundo “as Leis ou Proporções daquela Tendência, descobertas pela Experiência” (p. 240). Mais que uma relutância em aceitar o método newtoniano e o ponto de vista “matemático” da filosofia natural, o que Leibniz pretende de fato demonstrar, segundo Koyré, é autossuficiência mecânica do mundo. Por isso, sua lei de conservação de energia do movimento, ao contrário do movimento newtoniano, não necessita da intervenção divina no seu funcionamento. A disputa entre Leibniz e Clarke vai além da discussão sobre a natureza da

matéria, do tempo e do espaço e se torna, afinal, uma disputa sobre o papel de Deus no mundo. Para Clarke, essa disputa é, sobretudo, uma defesa da soberania e da presença de Deus. Por isso, o capítulo termina com a seguinte pergunta de Clarke a Leibniz: por que o filósofo alemão demonstra tanto empenho em “banir o Governo real de Deus do Mundo” (p. 240), limitando a providência divina de tal maneira que a ela caiba somente dar início a um concurso mecânico das coisas?

Conclusão Koyré inicia o capítulo retomando a pergunta de Clarke a Leibniz e ensaia uma possível resposta do filósofo alemão: mesmo que opere sob certas regras, o Deus do sistema leibniziano não pode ser responsabilizado pela ordem ou pela desordem do mundo, pois a ele não cabe agir de modo diferente do que age e nem mesmo deve fazê-lo. Criar um mundo livre de males seria criar um mundo perfeitamente bom – o que não era possível nem mesmo a Deus, uma vez que este mundo é apenas o melhor mundo possível. A resposta é dada por Koyré porque Leibniz não chegou a ler as últimas objeções de Clarke. Mas o resultado da disputa não teria sido diferente: neste “embate titânico”, ambos os lados mantiveram suas posições até o fim. Contudo, já no final do século, um desses lados despontava como vencedor: a ciência e a filosofia de Newton resistiram aos ataques dos leibnizianos e cartesianos, e o “Deus newtoniano reinava, supremo, no vazio infinito do espaço absoluto, no qual a força da atração universal interligava os corpos estruturados atomicamente” (p. 242), corpos que se moviam segundo leis matemáticas em um universo incomensurável. Uma vitória pela qual Newton pagou um alto preço: a força de atração, expressão da ação de Deus no mundo, passou a ser cada vez mais compreendida como uma força natural e uma propriedade da matéria, reforçando o mecanismo que Clarke tanto havia criticado. Não havia razões, afinal, para que a força de atração não fosse

pensada como própria da matéria, já que a natureza da matéria também não era plenamente compreendida. Entretanto, um aspecto da filosofia de Leibniz prevaleceu sobre a teoria newtoniana: os princípios da razão suficiente e da plenitude, que não limitam a ação criadora divina, foram amplamente assimilados no modo de se conceber a natureza da matéria e do tempo. Assim, o universo material, mesmo que limitado a uma pequena parte do vazio infinito, tornou-se também infinito. Do mesmo modo, a ação divina não podia ser limitada a um lapso reduzido de tempo. “O mundo criado tornou-se infinito tanto no Espaço como no Tempo” (p. 243), diz Koyré, um mundo que, em última instância, não necessita ser criado e deve sua existência somente à própria infinitude. A dissolução da ontologia tradicional colocou em xeque a validade da inferência do atributo à distância, contribuindo para que o espaço cada vez menos fosse pensado como um atributo ou propriedade de Deus e passasse a ser “o vazio dos átomos, nem substância nem acidente, o nada infinito, incriado, o quadro de ausência de todo ser” (p. 243), ausência inclusive da presença divina. Ganha força, assim, a ideia de universo-relógio de Leibniz através da própria ciência newtoniana, que confirma a não-dissipação de energia no movimento. Tornou-se cada vez mais restrito o espaço para o Artífice Divino no mundo e o Deus Newtoniano é relegado ao papel de “uma força conservadora, uma intelligentia supramundana, um “Dieu fainéant”” (p. 243). Koyré termina o livro lembrando que Laplace, questionado por Napoleão sobre o papel de Deus em seu Sistema de Mundo, respondeu ao imperador que Deus não era uma hipótese necessária para sua explicação. Porém, era o próprio mundo, e não o Sistema do matemático francês, que não mais necessitava de Deus como hipótese. Por fim,

O universo infinito da Nova Cosmologia, infinito em Duração tanto quanto em Extensão, no qual a matéria eterna, de acordo com leis eternas e necessárias, move-se sem fim e sem desígnio no espaço eterno, herdou todos os atributos ontológicos

da Divindade. Entretanto, apenas estes; os demais, Deus, ao abandonar o mundo, levou consigo. (Koyré, p. 244)

BIBLIOGRAFIA KOYRÉ, A. Do Mundo Fechado ao Universo Infinito. Trad. Donaldson M. Garschagen, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.