Dissertação de Mestrado

Discurso, Cognição e Cultura: uma proposta de compreensão da linguagem

Denise de Paula Resende

Novembro 2007

Discurso, Cognição e Cultura: uma proposta de compreensão da linguagem

Denise de Paula Resende

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Letras da Universidade Federal de São João del-Rei, como requisito final para obtenção do título de Mestre em Letras. Área de Concentração: Teoria Literária e Crítica da Cultura Linha de Pesquisa: Discurso e Representação Social Orientador: Prof. Dr. Antônio Luiz Assunção

São João del-Rei Novembro - 2007

-1-

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Universidade Federal de São João del-Rei Programa de Mestrado em Letras Área de Concentração Teoria Literária e Crítica da Cultura Linha de Pesquisa Discurso e Representação Social Título da Dissertação Discurso, Cognição e Cultura: uma proposta de compreensão da linguagem Professor Orientador Prof. Dr. Antônio Luiz Assunção

Banca Examinadora Prof. Dr. Antônio Luiz Assunção (UFSJ) Prof. Dr. Milton do Nascimento (PUC – MG) Prof. Dr. Cláudio Márcio do Carmo (UFSJ) Prof. Dr. Guilherme Jorge de Rezende (UFSJ / suplente)

Coordenadora do Programa de Mestrado em Letras Profa. Dra. Magda Velloso Fernandes de Tolentino

São João del-Rei 2007

-2-

Denise de Paula Resende

Discurso, Cognição e Cultura: uma proposta de compreensão da linguagem BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Prof. Dr. Antônio Luiz Assunção - UFSJ Orientador __________________________________________________ Prof. Dr. Milton do Nascimento - PUC / MG __________________________________________________ Prof. Dr. Cláudio Márcio do Carmo – UFSJ

_________________________________________________ Profa. Dra. Magda Velloso Fernandes de Tolentino Coordenadora do Programa de Mestrado em Letras Universidade Federal de São João del-Rei

Novembro 2007

-3-

Dedico, na força de todo o carinho, ao Márcio, à minha família, ao Davi e à Maria Eduarda.

-4-

AGRADECIMENTOS

Lembro pessoas. Todas trazem alguma presença para reconhecer. Chamo nomes para dar nome ao afeto e à gratidão. Agradeço... À família que acompanha e encaminha: Lucas, Bruno, Maria do Carmo e Ari. Aos meus avós, de quem carrego traços: Terezinha(s) e Geraldo(s). Aos tios de todos os nomes e à madrinha de nome Maria Helena. Ao namorado-amigo-companheiro: Márcio de nome composto! Ao orientador, Prof. Dr. Antônio Luiz Assunção. Ao professor e amigo, Toninho: nome de uma extensa trajetória de participações. Aos professores: figuras pelas quais guardo extrema admiração. Levo com orgulho pessoas de nome Suely, Guilherme, Dylia, Magda ... Aos colegas (do Programa de Mestrado em Letras) com os quais compartilhei momentos e momentos. E à Carla: pela amizade de sempre. À Filó: o nome da amabilidade, da presteza e do zelo. Aos Professores Milton do Nascimento e Cláudio Márcio do Carmo, pelas distintas e importantes contribuições. À Universidade Federal de São João del-Rei: nome marcado em minha formação. À CAPES: agradeço pelo financiamento com que me beneficiei durante dois anos. Enfim: agradeço aos nomes todos de pessoas que ficam ao redor. Pessoas de nome que registram lembranças e abandonam rastros em meu nome.

-5-

RESUMO

O objetivo principal dessa pesquisa foi desenvolver uma discussão teórica acerca das relações basilares entre os conceitos de discurso, de cognição e de cultura. Em face disso, com a finalidade de delimitar esses conceitos como inteiramente relacionados à linguagem e como intimamente conectados, lançamonos a uma hipótese de aproximação entre os fundamentos da Análise Crítica do Discurso (Fairclough, 2001, 2003; Van Dijk, 1995, 1997, 1999; Wodak, 1999; Chilton, 2005) e os da Teoria das Mesclagens Conceituais (Fauconnier, 1994, 1997; Fauconnier & Turner, 2002). Em virtude da idéia de que é possível considerar conjuntamente os pressupostos das duas teorias, formulamos uma metodologia de análise que contemplou, na compreensão da linguagem em uso, a tríade discurso, cognição e cultura. A Análise Crítica do Discurso propõe como metodologia a análise de textos, localizando o uso da análise lingüística como importante recurso para descrever

e

interpretar

as

relações

sociais.

Através

dos

referenciais

fundamentados nessa abordagem, buscamos encontrar meios de descrever como os valores sociais estão intrincados no modo de dizer. Já com os pressupostos da Teoria das Mesclagens Conceituais, podemos ter acesso ao funcionamento integrador da cognição e, por conseqüência, ao uso da linguagem em suas variadas dimensões. Vale dizer que os textos, para essa teoria, são formas concretas da cognição social e contêm pistas lingüísticas dos processamentos cognitivos. Na articulação entre essas duas teorias, tínhamos como finalidade observar os aspectos convergidos na tríade discurso, cognição e cultura, avaliando a maneira pela qual a compreensão de representações mentais pode se conciliar ao entendimento de práticas sociais e discursivas de representação. Para refletir sobre essa condição teórica do trabalho, lançamos mão de um corpus específico, a partir do qual desenvolvemos uma prática de análise. Esse

-6-

corpus foi organizado tendo em vista os processos de identificação social do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva presentes em quatro reportagens publicadas em duas revistas da mídia impressa nacional (a Veja e a IstoÉ), em 2003 e 2005, em face de suas participações, nesses anos, em dois eventos rivais correspondentes ao Fórum Econômico Mundial e ao Fórum Social Mundial. Tomando-se como base os textos das reportagens, para descrevê-los e interpretá-los, conduzimos análises lingüísticas, discursivas, cognitivas e culturais motivadas na metodologia proposta diante da juntura das duas teorias escolhidas para o encaminhamento da pesquisa. Frente à trajetória de discussões e à prática de análise desenvolvida, tornou-se possível visualizar como o processo de integração conceitual, no discurso, funciona na construção de identidades sociais, que, por sua vez, se articulam a partir de determinadas crenças e conhecimentos de mundo partilhados, presentes na cultura. Os espaços mentais integrados (os espaços mesclas) são organizados no processo de produção de sentido, de forma a conduzir uma leitura acionada por e em determinados valores sociais. Sob essa perspectiva, notamos também o modo como se re-estabelecem e se re-articulam domínios

cognitivos

para

a

compreensão

de

objetos

ideologicamente

representados, dando ênfase tanto à constituição social da dimensão cognitiva na organização do discurso quanto às relações sociais e culturais envolvidas nas práticas discursivas.

-7-

ABSTRACT

This main objective of this research is developing a theoric discussion about the based relations between concepts of discourse, cognition and culture. Facing it, with the objective of delimit it in this conceptions as entirely related to the language and absolutely connected, we launch a hypothesis related to the approach between the bases of the Critical Discourse Analysis (Fairclough, 2001, 2003; van Dijk, 1995, 1997, 1999; Wodak, 1999; Chilton, 2005) and of the Blendings Theory (Fauconnier, 1994, 1997; Fauconnier & Turner, 2002). Because of this idea in which is possible to consider the two theories together, we propose to make a formulation of a method of analysis that gives an special attention, in the use of the language, to these three concepts - discourse, cognition and culture. The Critical Discourse Analysis makes a proposal as an analysis of texts, placing the use of the linguistic analysis as an important recourse to describe and comprehend the intricate social relations. Through the references used in the approach, we look for ways to describe as the social ideals are connected to the way of speaking. Using the Blendings Theory, we can access the some of the mental organizing mechanisms and the integration cognitive working. As we articulate these two theories, we see as a objective to observe the aspects converged of the triple discourse, cognition and culture involved in the way that mental representation can be connected to comprehension of social practice e discursive representations. To reflect about this theoric condition of the work, were delimited specific corpus, about we were conduced a analysis practical. These corpus corresponds to the identification social process of the President Luiz Inácio Lula da Silva, presented in four articles published in two magazines of national press media (Veja and IstoÉ) in 2003 and 2005, due his participations in these years, in two

-8-

rival meetings correspondent to the World Economic Forum and to the World Social Forum. Becoming the basis of the articles, to describe and comprehend them, we propose linguistic, discourse, cognitive and cultural analysis, in the proposed methodology face the two chosen theories of this research together. On application of the trajectory of the discussions and the developed analysis practical, it is possible to evaluate as a process of conceptual integration, in discourse, working in the social identity construction, and can be articulated from determinate beliefs and world knowledge, we can see in the culture. Blendings are organized in the process of productions of meanings, leading and guiding a lecture heading by social ideas. Under this aspect, we can note the way the mental dominions and comprehension of ideologically represented are established, emphasizing the social constitution of the cognitive dimension in the discourse organization and in the social and cultural relations involved in the discourse practical.

-9-

SUMÁRIO Resumo ............................................................................................................... 6 Abstract ............................................................................................................... 8 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 12 CAPÍTULO I ........................................................................................................ 16 Análise Crítica do Discurso e Teoria das Mesclagens Conceituais: fundamentos e pressupostos 1. Considerações iniciais ................................................................................... 17 2. Análise Crítica do Discurso ............................................................................ 19 2.1. A Análise Crítica do Discurso como uma postura de pesquisa .......... 21 2.2. Discurso, representação social e ideologia ........................................ 22 2.3. Identidades sociais e discurso ............................................................ 24 2.4. A análise lingüística e o texto ............................................................. 26 2.5. Cognição e discurso ............................................................................ 28 2.6. Cultura e discurso ............................................................................... 29 3. Teoria das Mesclagens Conceituais ............................................................... 31 3.1. Teoria dos Espaços Mentais .............................................................. 34 3.2. Construtores de espaços mentais (space buliders) ............................ 37 3.3. Mesclagens e Integração Conceitual................................................... 39 3.4. O lingüístico e o texto na Teoria das Mesclagens Conceituais ........... 41 3.5. Cognição e social ................................................................................ 42 3.6. Cognição e cultura .............................................................................. 43 3.7. Cognição e discurso ............................................................................ 44 4. Considerações finais ...................................................................................... 46 CAPÍTULO II ....................................................................................................... 47 Discurso, Cognição e Cultura: uma proposta de aproximação teórica 1. Considerações iniciais ................................................................................... 48 2. Linguagem: discurso, cognição e cultura ...................................................... 49

- 10 -

3. O discurso para a Análise Crítica Discurso ................................................. 53 4. Lingüística Cognitiva: linguagem, cognição e cultura .................................. 56 5. A proposta de aproximação teórica ............................................................. 60 6. Metodologia ................................................................................................. 62 6.1. A metodologia na Análise Crítica do Discurso ................................. 63 6.2. A metodologia na Teoria das Mesclagens Conceituais ................... 66 6.3. A construção de uma metodologia .................................................. 72 7. Considerações finais ................................................................................... 77 CAPÍTULO III ................................................................................................... 78 O Presidente Lula e o embate ‘Fórum Econômico Mundial x Fórum Social Mundial’: uma análise a partir das relações entre discurso, cognição e cultura 1. Considerações iniciais ................................................................................ 79 2. Fórum Econômico Mundial e Fórum Social Mundial .................................. 81 3. Luiz Inácio Lula da Silva: um cristão novo .................................................. 84 4. A mídia e o potencial cultural de produção de textos ................................. 85 5. O trabalho da Geopolítica da Cultura e/ou da Geopolítica da Mídia .......... 88 6. Revistas semanais de circulação nacional: Veja e IstoÉ ............................ 90 7. Análise do corpus ....................................................................................... 94 7.1.

Revista Veja ................................................................................ 95

7.1.1. Reportagem O elo entre dois mundos ................................... 95 7.1.2. Reportagem Elo entre dois mundos ...................................... 105 7.2.

Revista IstoÉ ............................................................................... 108

7.2.1. Reportagem Lula lá e cá ........................................................ 108 7.2.2. Reportagem Vitrine Brasil ...................................................... 112 8. Considerações finais ................................................................................... 116 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 120 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 123 ANEXOS ........................................................................................................... 127

- 11 -

INTRODUÇÃO

Pensar a linguagem é refletir sobre a própria natureza das relações humanas, o que faz com que as fronteiras de um conceito como o de linguagem se estendam sobre redes de compreensão tão variadas quanto são as possibilidades de sua manifestação – um desígnio a que faz jus não somente a Lingüística. Em virtude da condição de um objeto abrangente em suas dimensões e também abrangido por uma série de outros objetos, qualquer trabalho que se propõe pensar a linguagem deve considerá-la, antes de tudo, como heterogênea em sua constituição e como dinâmica em sua natureza. Nessa dissertação, mesmo diante da necessidade de recortes, de escolhas e de delimitações, temos o objetivo primeiro de defender justamente uma concepção de linguagem que seja integrada e integradora e que conserve certa variedade de perspectivas em sua conceitualização. Para atender a esse fim, propomos uma trajetória de discussões calcada na hipótese de que é possível fazer convergir, na apreensão da linguagem, suas dimensões lingüísticas, cognitivas, sociais e culturais. Como essa é uma postura de integração, acreditamos que a interface entre teorias seja uma maneira de desempenhar essa postura e dar algumas respostas sobre suas conseqüências. Para organizar esse objetivo, conduziremos uma reflexão acerca de três conceitos a partir dos quais formulamos a hipótese de que se estabelecem, entre eles, relações que atravessam e conceituam a linguagem – trata-se dos conceitos

- 12 -

de discurso, cognição e cultura. À medida que adotamos essa diretriz, surge a necessidade de estabelecer escolhas teóricas que organizem uma discussão e orientem seus fundamentos. Essa dissertação, portanto, corresponde apenas a uma possibilidade de conduzir tais reflexões e a um recorte dentro da amplitude de propostas dessa natureza. Sendo assim, por motivos que serão explicitados oportunamente, sugerimos, para pormenorizar as relações entre os conceitos de discurso, cognição e cultura, a aproximação entre algumas diretrizes do projeto da Análise Crítica do Discurso (Fairclough, 2001, 2003; van Dijk, 1995, 1997, 1999; Wodak, 1999; Chilton, 2005) e certos pressupostos da Teoria das Mesclagens Conceituais (Fauconnier, 1994, 1997; Fauconnier & Turner, 2002) 1. A partir da hipótese de que seja possível considerar concomitantemente os fundamentos de uma e de outra teoria, a procura de um terceiro lugar teórico integrado resultante de uma aproximação, objetivamos também, com a junção de instrumentos metodológicos, formular uma metodologia de análise que operacionalize o diálogo proposto. No primeiro capítulo, desde já sustentado no propósito de fazer trabalhar conjuntamente os conceitos de discurso, cognição e cultura, organizaremos uma breve abordagem sobre os fundamentos e os pressupostos dos dois construtos teóricos utilizados, diante dos quais recolheremos instrumentos tanto para pensar a linguagem sob uma perspectiva integrada quanto para pôr em funcionamento a hipótese de aproximá-los na construção de uma metodologia. Desse modo, descreveremos as principais perspectivas compreendidas na Análise Crítica do Discurso e a relação que estabelecem com os conceitos de discurso, de cognição e de cultura; e, da mesma maneira, apresentaremos a Teoria das Mesclagens Conceituais, ponderando igualmente o modo como ela se posiciona frente a esses conceitos. Dando continuidade à nossa proposta, o segundo capítulo, ao aproximar as duas teorias apresentadas no capítulo anterior, irá convocar pressupostos de uma análise do discurso crítica para funcionar de forma conjunta com as implicações

Para chegar à Teoria das Mesclagens Conceituais, exploraremos os pressupostos da Teoria dos Espaços Mentais, avaliando o que nessa teoria foi deixado à parte na Teoria das Mesclagens Conceituais e o que ainda é importante não desconsiderar. Por esse motivo, é que acrescentamos, no referencial bibliográfico, as obras iniciais de Gilles Fauconnier. 1

- 13 -

desenvolvidas por uma teoria lingüístico-cognitiva e vive-versa. Como desfecho desse capítulo e como etapa fundamental da pesquisa, as hipóteses teóricas sustentadas até então devem conduzir, como já dissemos, à proposição de uma metodologia que possa viabilizar a aplicação do diálogo proposto, criando métodos para potencializar análises que se queiram discursivas, cognitivas e culturais. O encaminhamento metodológico irá buscar, portanto, instrumentos para visualizar a maneira como processos de integração conceitual funcionam na/para a compreensão de objetos ideologicamente representados, dando ênfase tanto à constituição social da dimensão cognitiva na organização do discurso quanto às relações sociais envolvidas e negociadas nas e pelas práticas discursivas, culturalmente localizadas. A metodologia proposta será contemplada, já em última etapa, no levantamento e na descrição de um corpus específico, sobre o qual recairão as análises. Quanto a esse objeto, ele corresponde aos processos discursivos de identificação de Luiz Inácio Lula da Silva em algumas reportagens da mídia brasileira que fizeram referência à sua participação simultânea em dois eventos rivais - o Fórum Econômico Mundial e o Fórum Social Mundial. Foram delimitadas, para esse trabalho, na mídia impressa, duas revistas semanais de grande circulação nacional: Veja e IstoÉ. O corpus é composto de quatro reportagens, publicadas nessas revistas e veiculadas nos anos de 2003 e 2005, que tematizaram o embate entre os fóruns mundiais e que, na representação desse embate, articularam um processo de construção da identidade social do Presidente. Na convergência de conceitos altamente definidores da cultura - como globalização, relações geopolíticas, mídia -, será conduzido, para a análise desse objeto, em sua dimensão de prática social e discursiva, um mapeamento cognitivo a respeito de como o Presidente é representado nas suas relações com o mundo. Ressalta-se, nesse sentido, o papel determinante da mídia, como instituição de poder, em seu potencial organizador das representações e crenças, ao apresentar roteiros para a nossa compreensão de mundo.

- 14 -

O uso da linguagem relacionado à construção de conhecimento sobre processos, identidades e objetos sociais, negociados culturalmente, só pode ser considerado porque ele acontece na mente dos indivíduos em interação. É devido a essa condição da própria linguagem que a inserção de uma teoria lingüísticocognitiva em uma análise do discurso (assim como de uma análise do discurso em uma teoria lingüístico-cognitiva) – como nos proporemos nessa dissertação pode ser enriquecedora, ao permitir explorar novos caminhos para a compreensão de manifestações da cultura e de suas práticas discursivas de representação.

- 15 -

CAPÍTULO I

Análise Crítica do Discurso e Teoria das Mesclagens Conceituais: fundamentos e pressupostos

- 16 -

1. Considerações iniciais

O uso da linguagem é, primordialmente, uma atividade conjunta e integrada, em que se relacionam aspectos sócio-históricos, culturais e cognitivos. Trata-se de uma postura não só de compreensão da linguagem como também de percepção da nossa própria relação com o mundo mediada pela linguagem – isto é, de uma postura que também está sujeita a diferentes formas de direcionamento, frente à quantidade e à diversidade de discursos que podem, oportunamente, tomá-la como diretriz. Discursos da própria Lingüística, na sua variedade de perspectivas, e também discursos de outras disciplinas que, mesmo não determinando a linguagem como seu objeto de estudo, se preocupam com as relações essenciais que ela estabelece com seus objetos específicos, como a história, a cultura, a comunicação, a mídia, por exemplo. O eixo central dessa dissertação corresponde, como já dissemos, a um projeto de aproximação entre os conceitos de discurso, cognição e cultura. No entanto, definitivamente, não temos o objetivo de assumi-lo no seu todo, considerada a sua complexidade e a sua abrangência. Aproximar esses conceitos é uma proposta extensa e de amplas conseqüências. O quanto mais discursos – das lingüísticas, dos estudos de discurso, dos estudos da cultura, dos estudos da cognição, da filosofia, dos estudos da comunicação, entre outros - fossem recolhidos e catalisados para sustentar essa aproximação, de maior peso seriam as implicações desse processo para a compreensão da linguagem e para a revisão na agenda de muitos estudos que definem a linguagem como seu objeto. Ao levantarmos uma proposta de estudo que, considerando a linguagem por uma perspectiva integrada, experimentasse essa aproximação fundamental entre discurso, cognição e cultura, sabíamos que, antes de tudo, tratava-se de uma aproximação entre conceitos. E, como é característico de todo conceito, a acepção de cada um está atrelada ao lugar (teórico) que o formula. É nesse sentido que uma discussão que aproxima conceitos estará também diretamente relacionada aos nichos escolhidos para movimentá-la, ou seja, aos discursos legitimados para conduzir essa aproximação.

- 17 -

As áreas teóricas nas quais buscaremos sustentação, dentro dos estudos da linguagem, e pelas quais legitimaremos a discussão a que nos propomos, são, como já explicitado, a Análise Crítica do Discurso e a Teoria das Mesclagens Conceituais. A primeira área se define como uma análise do discurso que leva em consideração os traços sócio-culturais e ideológicos das manifestações discursivas. A segunda se apresenta como uma teoria da Lingüística Cognitiva que descreve o funcionamento integrador da cognição, em que a linguagem lhe é parte constituinte - resultante desse funcionamento, há processos de integração e mesclagens conceituais definidores das próprias atividades de produção de sentidos. Partimos da idéia de que princípios dessas duas teorias possam se complementar em prol de uma compreensão conjunta e integrada do uso da linguagem, potencializando conceitos e práticas de análise. Nesse capítulo, portanto, a partir das diretrizes gerais a que nos submetemos e para começar o caminho de discussão previsto, encaminharemos uma breve exposição dessas teorias, descrevendo seus pressupostos mais importantes e ponderando seus posicionamentos no que se refere aos conceitos de discurso, cognição e cultura. Nesse momento inicial, não serão abertas explicitamente as possibilidades de aproximação entre as duas teorias, mas a própria forma de descrevê-las já será conduzida de modo a organizar uma posterior discussão que as aproxime.

- 18 -

2. Análise Crítica do Discurso A Análise Crítica do Discurso (ACD) considera a linguagem em sua dimensão discursiva, não apenas ao posicioná-la como prática social (ou como parte de práticas sociais), mas principalmente ao propô-la como instituída em relação dialética com outros elementos da sociedade. Em outros termos, a linguagem é parte constituinte e constitutiva da vida social, sendo tanto determinada socialmente quanto determinante da compreensão e da constituição das estruturas sociais. O escopo dessa análise do discurso é justamente buscar compreender a linguagem diante de seus aspectos históricos e culturais, enfatizando o seu posicionamento como prática social de representação e de significação, em que estão envolvidas identidades e relações sociais e sistemas de conhecimentos e crenças. O termo discurso, que visa justamente a marcar essa determinação social da linguagem, está fundado em contato direto com as relações de poder, no sentido de Foucault (1998). A linguagem assume, portanto, um papel essencial para a produção, manutenção e promoção de mudanças nas relações sociais de poder,

sendo-lhes

constitutiva

(cf.

FAIRCLOUGH,

2001).

Sob

esses

pressupostos, a ACD vem fundamentar justamente pesquisas sobre mudança social, discurso e poder, considerando as relações entre linguagem e ideologia. Fairclough (2001), dentro da ACD, propõe um quadro analítico para a análise dos eventos discursivos, elaborando uma teoria social do discurso. Para ele, qualquer evento discursivo é considerado como simultaneamente um texto, um exemplo de prática discursiva e um exemplo de prática social (FAIRCLOUGH, 2001, p.22). Nesse sentido, a análise das propriedades textuais deve estar integrada tanto à análise das relações sociais e das relações opacas de poder quanto à idéia de que as práticas discursivas são reguladoras de identidades sociais e são espaços emergentes de valores, ideologias e crenças. Este seria um dos princípios nos quais estão fundamentados os modelos de análise sugeridos por esse teórico, que propõe justamente uma teoria do discurso adequada para dar conta da linguagem enquanto prática social e enquanto prática discursiva ideologicamente marcada.

- 19 -

Primeiramente, Fairclough elabora um quadro teórico que propõe um modelo tridimensional de análise (2001)2. Mais tarde, ele reelabora esse modelo (juntamente com Chouliaraki), denominando-o de enquadre (1999) e, ainda, em uma obra posterior, ele reaplica esse enquadre em uma proposta de análise textual para pesquisas sociais (2003). Na concepção tridimensional do discurso, Fairclough propõe que uma análise do discurso passe por três dimensões constitutivas: a prática social, a prática discursiva e o texto. Essas três dimensões não estão em um mesmo nível, mas se compreendem, como ilustra o quadro abaixo:

texto prática discursiva prática social

Modelo tridimensional de análise (FAIRCLOUGH, 2001, p.101)

O evento discursivo abrange desde a dimensão da prática social ao texto. Já a prática discursiva corresponde justamente a processos de produção, de consumo e de distribuição de textos, a que estão relacionadas questões institucionais, culturais, econômicas e políticas nas quais o discurso se funda. Nessa relação, a prática discursiva manifesta-se em formas lingüísticas, na forma dos textos e a prática social (política, ideológica, etc.) é uma dimensão do evento discursivo, da mesma forma que o texto (FAIRCLOUGH, 2001, p.99). Por ser um espaço mediador entre o texto e a prática social, a prática discursiva assume, no modelo tridimensional de análise, função estratégica e central nas análises. Uma análise discursiva, no entanto, deve dar peso eqüitativo às três dimensões, já que todas elas são constitutivas do discurso. Essa interdependência faz com que o uso desse modelo para análise exija que o A obra originalmente foi publicada em 1992 e denomina-se Discourse and Social Change. 2001 corresponde ao ano de sua tradução para o português.

2

- 20 -

discurso seja apreendido como um todo e que todas as três dimensões sejam contempladas nas análises. 2.1. A Análise Crítica do Discurso como uma postura de pesquisa A ACD não é exatamente uma disciplina, mas uma postura de análise fundamentada em um projeto transdisciplinar em que convergem diferentes abordagens, com atitudes metodológicas e teóricas diversificadas (cf. DIJK, 1999). A ACD é, portanto, uma designação geral de um construto teórico que inclui investigações diferentes, com preocupações variadas e localizadas em disciplinas distintas. Diante disso, a ACD assume uma postura produtiva no que diz respeito a diálogos teóricos, já que não somente aplica outras teorias como também, por meio de rompimento de fronteiras epistemológicas, operacionaliza e transforma tais teorias em favor da abordagem sócio-discursiva (RESENDE & RAMALHO, 2006, p.14). No entanto, há, entre as diferentes abordagens da ACD, um propósito comum que as faz pertencer a um mesmo projeto. Os princípios gerais da ACD correspondem, dentre outros, aos seguintes pressupostos: a consideração da linguagem como prática social e como meio em que o poder se realiza; o entendimento de textos como produtos culturais e sociais; a consideração dos sentidos como acionados em e por relações sócio-políticas; o engajamento e o potencial político das análises. No interior desses princípios, a ACD assume como tarefa teórica a construção de um aparelho teórico integrado, a partir do qual seja possível desenvolver uma descrição, explicação e interpretação dos modos como os discursos dominantes influenciam, indirectamente, o conhecimento, os saberes, as atitudes, as ideologias, socialmente partilhadas. (...) E, ao mesmo tempo, assegurar que a análise das estruturas discursivas e sociais seja integrada numa teoria social, política ou cultural mais abrangente, das situações, contextos, instituições, grupos e relações de poder. (PEDRO, 1997, p.30).

Essa tarefa de construir um aparato teórico que fundamente análises pressupõe que, na ACD, não haja um quadro teórico único e que, sendo assim, nesse grande projeto, haja uma abertura para o uso de teorias diversas –

- 21 -

conforme dissemos no início dessa seção. No entanto, é preciso ressaltar que essa abertura se legitima desde que, através da teoria adotada, seja possível esclarecer o modo como determinadas estruturas de discurso viabilizam e determinam processos de formação de representações sociais. Em outros termos, a abertura para uso de outras teorias só se legitima se se obedecer a uma lógica de pertencimento à tarefa teórica assumida pela Análise Crítica do Discurso, como uma condição mesma para considerar uma análise como filiada a essa tarefa. 2.2. Discurso, representação social e ideologia Para a Análise Crítica do Discurso, a prática discursiva é também uma prática ideológica, justamente porque constitui, naturaliza, mantém e transforma os significados do mundo de posições diversas nas relações de poder (FAIRCLOUGH, 2001, p.94). Discurso, ideologia e poder são temas transversais nessa análise do discurso, já que, mesmo que em perspectivas diferentes, todos os teóricos que se apresentam como engajados ao projeto da ACD organizam esses temas nas teorias que descrevem e nas práticas de análises que desenvolvem. As ideologias, nas práticas institucionais, correspondem a processo de reprodução e manutenção de ações, significações e organizações sociais que constituem as práticas discursivas e são por elas constituídas. Além disso, a ideologia produz efeitos de interpelação, no jogo do poder, posicionando sujeitos no e pelo discurso. As ideologias são ainda compreendidas como edificação de práticas, ações habituadas da sociedade e das instituições sociais, em que convergem perspectivas particulares que suprimem até antagonismos em prol de interesses e projetos de dominação (cf. CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999, p.26). Para Fairclough (2001), as ideologias são significações/construções da realidade (mundo físico, as relações sociais, as identidades sociais) que são construídas em várias dimensões das formas/sentidos das práticas discursivas e que contribuem para a produção, a reprodução ou a transformação das relações de dominação. (...). As ideologias embutidas nas práticas discursivas são muito eficazes quando se

- 22 -

tornam naturalizadas e atingem o status de ‘senso comum’ (FAIRCLOUGH, 2001, p.117)

De acordo com essa concepção, a ideologia está não só presente na linguagem, mas principalmente se realiza através dela. É possível falar, portanto, em um investimento ideológico na/da linguagem, em que o social se manifesta na interpelação ideológica que exerce sobre sujeitos, ao posicioná-los e ao orientar o modo de significar e construir a realidade. Na convergência dos processos ideológicos do discurso, estão em jogo, justamente, essas maneiras de atribuir sentido às coisas do mundo, significandoas – em outros termos, estão em jogo as representações sociais, como as diversas maneiras e perspectivas pelas quais se constituem o mundo de referência e a sua legitimidade, assim como a de seus agentes. Para Fairclough (2003), a representação é uma questão essencialmente discursiva, já que podemos distinguir discursos diferentes para representar mesmos espaços do mundo e mesmos agentes sociais de posições e de perspectivas diversificadas (cf. FAIRCLOUGH, 2003, p.25). A ACD entende representação social exatamente como versões da realidade, sujeitas ao jogo de interesses e às estratégias dos grupos ideológicos que enunciam essa realidade. As formas como os textos apresentam, dentre outros aspectos, os eventos, as situações, as relações e as pessoas recaem sobre

práticas

de

representação,

motivadas

socialmente,

marcadas

ideologicamente e projetadas dentro de relações de poder. O próprio funcionamento da ideologia se dá na manutenção de representações sociais acerca do mundo e de seus sujeitos e, da mesma forma, em uma compreensão dialética, as representações sociais se dão pelo funcionamento ideológico do discurso. As questões associadas à ideologia e à representação social são tratadas diferentemente por diversos autores na Análise Crítica do Discurso. Para van Dijk (1997),

por

exemplo,

diferentemente

de

Fairclough,

as

ideologias

e

representações sociais não têm domínios apenas sociais (por serem partilhadas por membros de grupos ou instituições e por estarem relacionadas aos interesses econômicos e políticos desses grupos), mas também são cognitivas, já que

- 23 -

envolvem princípios básicos de conhecimento social, de apreciações, de percepções e de compreensão do mundo e da realidade. A concepção de ideologia defendida por van Dijk determina, portanto, que As ideologias são modelos conceptuais básicos da cognição social, partilhados por membros de grupos sociais, constituídos por seleções relevantes de valores socioculturais e organizados segundo um esquema ideológico representativo da auto-definição de um grupo. Para além da função social que desempenham ao defender os interesses dos grupos, as ideologias têm a função cognitiva de organizar as representações sociais (atitudes, conhecimentos) do grupo, orientando, assim, indirectamente, as práticas sociais relativas ao grupo e, conseqüentemente, também as produções escritas de seus membros. (VAN DIJK, 1997, pp. 111 e 112).

A relação entre ideologia e as estruturas do discurso, para esse autor, se explicita justamente na idéia de que as práticas discursivas são práticas sociais e de que, como práticas sociais, são determinadas pelas ideologias e pelas representações sociais desencadeadas por grupos ideológicos. Tal raciocínio permite considerar tanto que as estruturas semânticas do discurso são orientadas por ideologias subjacentes quanto que as ideologias se articulam no plano do significado do discurso. Nessa relação entre discurso e ideologia, estão envolvidos

processos

cognitivos,

sociais

e

pessoais,

relacionados

a

conhecimentos, atitudes, modelos e sistemas de crenças. A divergência entre os conceitos de ideologia dentro da própria ACD não será tematizada nessa dissertação. No entanto, é preciso dizer, dados os propósitos gerais desse trabalho, que nos interessa um conceito que leve em consideração os domínios discursivos e cognitivos da ideologia. Para nós, van Dijk (1997) é quem mais se aproxima desse propósito, ao considerar ideologia em suas dimensões multidisciplinares, sócio-cognitivas e discursivas. 2.3. Identidades sociais e discurso Todas as dimensões da estrutura social são constituídas discursivamente, na medida em que o discurso é a forma pela qual significamos o social e pela qual o social nos significa. O processo discursivo é, assim, constitutivo dos fatos do mundo, das relações sociais, das instituições e das identidades, que não só lhe

- 24 -

são subjacentes como o integram. Para a Análise Crítica do Discurso, dessa maneira, o discurso participa da construção de identidades sociais, da construção das relações sociais entre as pessoas e da construção de sistemas de conhecimento e crença: O discurso contribui para constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e convenções, como também relações, identidades e instituições que lhe são subjacentes (FAIRCLOUGH, 2001, p.91).

Fairclough (2001), ao considerar especificamente a função identitária da linguagem, demarca que os processos de identificação social são entendidos junto ao próprio uso da linguagem. Além disso, a ACD defende que a categorização e a constituição das identidades se relacionam com o funcionamento das próprias relações estabelecidas nas práticas sociais. Desse modo, é possível reafirmar não só que o discurso constitui identidades, mas que ele reelabora incessantemente processos de identificação, em que indivíduos são interpelados como sujeitos e chamados a responder pela posição que são levados a ocupar naquele sistema de crenças estabelecido para representá-lo. Se a construção de identidades acontece discursivamente, ela está sujeita às regras formais pelas quais a linguagem significa e à interdependência constitutiva entre o lingüístico e o social. Identidades são construídas, justamente, por meio de categorizações mantidas no discurso e textualmente marcadas. Nesse sentido, determinadas estratégias lingüísticas e textuais podem ser empregadas para agir no processo de construção de identidades ou, em outros termos, nos processos de identificação de sujeitos e de atores sociais. Wodak (1999), ao investigar como as identidades nacionais são construídas no discurso, descreve e demonstra determinadas estratégias discursivas e lingüísticas empregadas para erigir uma idéia de nação baseada em representações de singularidades e de semelhanças, por um lado, e de diferenças, por outro lado, frente a outras nações e outros grupos. Ela trabalha com um método de descrição e de análise dos processos de identificação do nacional, destacando tanto a sua constituição discursiva quanto o acontecimento lingüístico desse processo, já que ele pressupõe marcas textuais.

- 25 -

Além disso, as identidades sociais são transformadas e também subvertidas através de práticas comunicativas que as constroem, expõem e agenciam. Como os processos de identificação acontecem no e pelo discurso, eles assumem a propriedade discursiva de ser, antes de tudo, um processo dinâmico de produção de sentidos, em que se estabelecem negociações que permitem referenciar o mundo, significando-o, e agir sobre esse mundo, modificando-o. É também preciso destacar, por fim, a demanda política atribuída à identidade, como construída a partir do discurso do outro. As práticas identitárias são ações peculiares de agentes sociais que se definem enquanto participantes de um grupo determinado. Sob essa perspectiva, as identidades são (re)instituídas de acordo com similaridades e diferenças frente a outros grupos sociais, o que se dá através de um processo de identificação que demarca os limites entre esses agrupamentos, criando condições de pertencimento. Identidade é também um processo de localização de sujeitos, em que estão envolvidas relações de poder – é o poder que localiza e posiciona o outro. Daí ser a identidade social uma questão política, definida pela discursividade que a constitui e pela alteridade que a orienta. 2.4. A análise lingüística e o texto Na ACD, as análises devem ter um alcance que compreenda desde contextos específicos e situacionais até contextos culturais e históricos. Para o desenvolvimento dessas análises, a ACD apóia-se em rigorosos métodos e descrições da materialidade lingüística. Considerando a dimensão das estruturas lingüísticas nas práticas discursivas, os analistas críticos do discurso pretendem mostrar o modo como as práticas lingüístico-discursivas estão imbricadas com as estruturas sociopolíticas, mais abrangentes, de poder e dominação (KRESS apud PEDRO, 1997, p.22). A Análise Crítica do Discurso é, portanto, orientada tanto lingüística quanto socialmente, já que trata de um modelo teórico e metodológico capaz de mapear relações entre os recursos lingüísticos utilizados por atores sociais e grupos de atores sociais e aspectos da rede de práticas em que a interação discursiva se

- 26 -

insere (RESENDE & RAMALHO, 2006, pp. 11-12). Isso implica na idéia de que os sistemas lingüísticos, a partir de uma perspectiva funcionalista de compreensão da linguagem, fazem funcionar e estruturam as relações sociais e as representações de eventos sociais. Ou seja, as estruturas lingüísticas são usadas como modo de ação sobre o mundo e sobre as pessoas (RESENDE & RAMALHO, 2006, p.18). Além

do

pressuposto

de

uma

análise

do

discurso

orientada

lingüisticamente, a ACD estabelece um papel igualmente importante para o texto. A ACD defende que as práticas discursivas manifestam-se através de textos e são discursivas porque se constituem através da linguagem. Sob esse viés, de um lado, tem-se o comprometimento social do acontecimento discursivo - ações relacionadas ao lugar da ideologia, do político, do poder - e, de outro lado, tem-se a dimensão do texto, como uso da linguagem. Os textos, dado esse lugar que ocupam nas práticas discursivas, são considerados, na ACD, como espaço em que as identidades e as relações sociais são negociadas e estabelecidas e, por isso, como espaço em que se atualiza uma ação social - já que eles atuam sobre a sociedade em que se inserem. Diante dessa perspectiva, os textos são vistos como vestígios deixados pela prática discursiva e como pistas imprescindíveis ao ato de leitura da natureza da prática social e da sua relação com as estruturas sociais, sob as quais se produz o discurso. Todas as abordagens da ACD se interessam pelo texto como elemento social e culturalmente situado. Uma de suas principais preocupações é dar conta do texto em sua estrutura interna e em sua organização global, com dimensões críticas de análise. Os analistas críticos do discurso têm o objetivo fundamental de questionar as formas dos textos, os processos de produção desses textos e os processos de leitura, juntamente com as estruturas de poder que deram azo a esse texto (KRESS apud PEDRO, 1997, p.24). A Análise Crítica do Discurso prevê, assim, como metodologia de trabalho, a descrição e a interpretação dos textos, compreendendo-os como práticas discursivas e, por conseguinte, como práticas sociais - o que deve explicitar o caráter e o trabalho ideológico da linguagem e, conseqüentemente, o seu uso

- 27 -

político e social. A análise do discurso a que se propõe deve, portanto, evidenciar a análise de textos como um método para estudar as questões e as mudanças sociais. Tal postura baseia-se na Lingüística Sistêmica Funcional, que busca justamente sistematizar as relações da estrutura interna da linguagem no seu uso de ação social e no seu contexto histórico, correlacionando as ocorrências lingüísticas a uma prática discursiva e social.

Para a ACD, que busca na

Lingüística Sistêmica as categorias para uma análise lingüístico-textual, os processos lingüísticos resultam de posições sociais que incorporam crenças e valores; e os eventos estruturados no texto se constituem e são constituídos por fatores sociais, políticos, culturais e ideológicos de seus enunciadores (cf. PEDRO, 1997). A ACD vê, então, a prática lingüística e o texto não como um conjunto isolado de significados, mas como o principal meio de acordo com o qual os processos sociais operam. 2.5. Cognição e discurso Demarcamos, como um princípio fundamental para esse trabalho, que o foco no social não exclui outros aspectos da linguagem, como os componentes cognitivos, também articuladores do processamento discursivo. Para nós, o elemento cognitivo é tão importante quanto é o elemento social em um conceito de discurso. É preciso considerar que os membros de comunidades discursivas têm acesso a certos recursos e conhecimentos que podem se internalizar e fazer parte das estratégias prévias de interpretação de textos e de produção de sentidos – estratégias cognitivas que se organizaram socialmente e que correspondem, dentre outros, ao próprio saber lingüístico, às crenças, aos valores e às representações de mundo. Van Dijk (1997), por exemplo, é um dos teóricos da ACD que articula, em sua teoria, a dimensão cognitiva do discurso. Para esse teórico, que defende uma concepção

computacional

do

processamento

discursivo

e

cognitivo,

diferentemente de Fairclough, existem representações que organizam a mente dos atores sociais. Van Dijk (1997) aponta para o papel que a cognição exerce no controle e na reprodução de determinadas representações sociais acerca do

- 28 -

mundo, sustentando estruturas de poder e de dominação. Ele entende que, ao se controlar o modo de produção dessas representações, pode-se manipular o acesso ao conhecimento e o processo de apreensão do mundo pelos grupos sociais – o que atua na reprodução do controle social. Chilton (2005) é outro teórico da ACD que avalia o lugar da cognição no discurso. Para ele, o uso da linguagem relacionado à construção de conhecimento sobre processos, identidades e objetos sociais só pode ser considerado porque ele acontece também na mente dos indivíduos em interação. É por essa condição da própria linguagem que a presença de uma teoria cognitiva em uma análise do discurso pode ser enriquecedora, ao permitir explorar novos caminhos para as questões de ação social e de construção social, com que normalmente se preocupam as análises do discurso. 2.6. Cultura e discurso A Análise Crítica do Discurso buscou, em seu projeto de fundação e em momentos posteriores do desenvolvimento de suas pesquisas, sustentar-se, dentre outros campos, na crítica social sobre o que se denomina modernidade tardia (e/ou capitalismo tardio), fundamentando investigações sobre o discurso nas práticas sociais dessa época.

A ACD adota o pressuposto de que a

linguagem e a cultura tornam-se a própria lógica de funcionamento dessa fase de desenvolvimento da modernidade3, argumentando que a economia baseada em informação e conhecimento implica uma economia baseada no discurso: o conhecimento é produzido, circula e é consumido em forma de discursos (RESENDE & RAMALHO, 2006, p.24). Para Chouliaraki & Fairclough (1999), a linguagem ocupa um lugar ainda mais proeminente nessa ordem mundial do capitalismo multinacional. Esses autores contextualizam a noção de discurso na idéia de modernidade tardia, em que as implicações dos discursos nas mudanças sociais se promovem em tendências à mercadologização e à tecnologização. Como base dos novos modos de coordenação cultural, dessa cultura de mercantilização e de consumo, em que a linguagem assume uma força basilar, a idéia de discurso é compreendida por 3

Como propôs Fredric Jameson em A lógica cultural do capitalismo tardio (1997).

- 29 -

uma dimensão direcionada em função e pela função das próprias mudanças na ordem do novo capitalismo global. Essas mudanças acontecem bem próximas à linguagem e através dela. Kress (1997) defende justamente que as mudanças sociais (e, logo, culturais) provocam efeito na linguagem. Segundo ele, a indústria da mídia e da publicidade são áreas florescentes da produção cultural, sendo-lhe a linguagem e o discurso constitutivos. Nesse processo, o próprio funcionamento lingüístico passa a atender e a articular essas mudanças culturais. O desenvolvimento e aprimoramento das tecnologias, a condição de dominância cultural da sociedade capitalista tardia e a posição central da mídia nessa condição da cultura produzem efeitos no uso da linguagem, ao mesmo tempo em que funcionam através de mudanças nesse uso: A mudança nas economias ocidentais, com predominância para o setor terciário, teve um profundo efeito na linguagem. A linguagem tornou-se um recurso tecnológico importante, quer no controlo, quer na gestão, ou, ainda, nas áreas florescentes da produção cultural, tal como a superabundância da indústria dos media, da publicidade, das relações públicas, etc. (KRESS, 1997, p.49)

Uma outra questão é que a Análise Crítica do Discurso considera os textos como objetos empíricos culturalmente situados, que são produzidos, distribuídos e consumidos como mercadorias – obedecendo a lógica da Indústria Cultural. Além disso, os textos são produtos e agentes de transformações culturais, econômicas, tecnológicas, assumindo um importante papel na dinâmica do sistema social. Nos trabalhos da ACD, os termos informação, conhecimento e discurso aparecem, muito freqüentemente, associados a um outro elemento de extrema importância na constituição da modernidade: a Mídia. Como uma instância produtora de textos, a Mídia exerce tanto o trabalho potencial da cultura quanto um trabalho ideológico, ao propor categorias e conceitos para a realidade e ao posicionar sujeitos sociais. Fairclough (2001) enfatiza que a Mídia tem um importante papel no controle social ao considerar, por exemplo, que os eventos dignos de se tornarem notícia se originam de limitado grupo de pessoas que têm acesso privilegiado à mídia, que são

- 30 -

tratadas pelos jornalistas como fontes confiáveis, e cujas vozes são aquelas que são mais largamente representas no discurso da mídia. (...) Pode-se considerar que a mídia de notícias efetiva o trabalho ideológico de transmitir as vozes do poder em uma forma disfarçada e oculta. (FAIRCLOUGH, 2001, p.144)

É importante dizer, por fim, que a Mídia e os textos produzidos por ela correspondem a grande parte dos objetos priorizados nos estudos da Análise Crítica do Discurso e, mais do que isso, fundamentaram a própria formação da ACD, que procurou, dentre outros escopos, associar a linguagem a sua instância e a sua condição cultural.

3. Teoria das Mesclagens Conceituais No quadro teórico da Lingüística Cognitiva, elaborado entre as décadas de setenta e oitenta, foram rediscutidas várias questões centrais que fundamentavam os pressupostos de abordagens anteriores. Questionaram-se, por exemplo, dentre outras posturas, a associação direta entre palavras e referentes e entre mundo e palavra, as condições de verdade, as análises orientadas somente por implicações sintáticas e/ou semânticas, o foco de observação apenas em palavras ou em sentenças isoladas. Essas abordagens, tanto as que são consideradas

semânticas

correspondentistas

(externalistas)

quanto

as

denominadas internalistas, excluíam o sujeito, na sua atividade mental e comunicativa. A crítica a algumas correntes da Lingüística, o que fundamentou o aparecimento de estudos e de teorias que consideram o sujeito e localizam o sentido sob perspectivas discursivas e interacionais, foi, na verdade, uma volta ao que o próprio Saussure já considerava nos primeiros momentos de consolidação da Lingüística: A linguagem é um fenômeno; é o exercício de uma faculdade que existe no homem. (...). A conquista desses últimos anos é ter, enfim, colocado não apenas o que é linguagem e a língua em seu verdadeiro nicho, exclusivamente no sujeito falante, seja como ser humano, seja como ser social. (SAUSSURE, 2002, pp.115116).

- 31 -

O que aconteceu no quadro da Lingüística Cognitiva, portanto, foi muito mais uma volta aos princípios fundadores da Lingüística do que exatamente uma evolução de seus princípios teóricos. É preciso considerar, quando se estuda a linguagem, o que já era possível ler em Saussure, justamente que ela é um fenômeno e que ela está existe no homem, como sujeito cognitivo e como sujeito social, em que estão envolvidas, de forma integrada, dimensões físicas, mentais e sócio-culturais. Lakoff (1987) defende que a mente humana, na sua relação com a própria linguagem, se caracteriza por suas propriedades criativas, experimentalistas e ecológicas. Criativas, porque a mente humana tem a capacidade imaginativa de criar e recriar complexas redes de domínios, em uma rica dinâmica de expansão dentro de modelos cognitivos, que caracterizam a composição do pensamento. Experimentalistas, porque nossos sistemas conceituais são extremamente dependentes de experiências físicas e culturais. E, por fim, ecológicas, porque se trata de um esquema com diversos níveis estruturais de organização (mental, social, físico), cujas relações e efeitos não podem ser localizados isoladamente, já que um elemento, como parte do sistema, interfere em todos os outros elementos desse sistema, em uma rede de interligações (cf. LAKOFF, 1987, pp.112-113). É importante destacar que, na base dessas formulações, a cognição é considerada um conjunto de capacidades relacionadas a extensos processos de construção

mental

(de

percepção,

memória,

raciocínio,

aprendizagem,

compreensão e ação) que permite à mente acionar insumos, (re)produzir sentidos e determinar ações – atividades que posicionam a mente humana como infinitamente mais complexa e rica do que processamentos de máquinas. Em outros termos, a mente é mais do que um mero espelho da natureza ou um mero processador de símbolos, não é casual para a mente que nós tenhamos corpo, o que faz com que a capacidade do pensamento para o entendimento e para a produção de sentido vá além do que uma máquina pode fazer (LAKOFF, 1987, p.xvii)4.

Tradução nossa da passagem “the mind is more than a mere mirror of nature or a processor of symbols, that it is not incidental to the mind that we have bodies, and that the capacity for understanding and meaningful thought goes beyond what any machine can do”. 4

- 32 -

A Lingüística Cognitiva, diante desse conceito de mente e de cognição, objetiva, de forma geral, sistematizar os elementos básicos da relação entre pensamento e linguagem, formulando hipóteses sobre as estruturas mentais que levam os indivíduos a organizar seus conhecimentos. Nesses estudos, a linguagem passa a ser concebida não como um módulo da mente, mas como um traço (e parte integrante) da cognição humana. A cognição na Lingüística Cognitiva, da maneira como já pontuamos, é concebida também de forma a não desconsiderar a cena comunicativa e as condições sócio-culturais de produção de sentido, organizando modos de compreensão do processamento cognitivo humano e delimitando construtos teóricos capazes de mapear a organização cognitiva no seu mais alto nível. Gilles Fauconnier, ao contra-argumentar os postulados clássicos sobre linguagem, que consideravam conteúdos, idéias e o próprio sentido como codificados nas palavras, defende justamente que a a linguagem não está ligada diretamente com o mundo real ou metafísico; no meio ocorre um extenso processo de construção mental, que não reproduz nem as situações-alvo do mundo real nem as expressões lingüísticas responsáveis por organizá-lo. Esse nível intermediário pode ser chamado cognitivo; ele é distinto do conteúdo objetivo e da estrutura lingüística. A construção se faz quando a língua é usada e é determinada por formas lingüísticas que constroem um discurso, e por uma série de pistas extra-lingüísticas que incluem informações dadas, esquema acessível, manifestações pragmáticas, expectativas, etc. (FAUCONNIER apud GEDES, 1999, p.32).5

Fauconnier elabora, como se vê, uma concepção de linguagem que considera primordialmente a sua constituição cognitiva e que não exclui as dimensões interacionais, sociais e culturais. Essa concepção de linguagem fundamentou, por um tempo, um conceito bastante importante a essas teorias e que recebe o nome de espaços mentais domínios articulados como a base do discurso, que acontecem nos bastidores da cognição e que estão envolvidos nas manifestações mesmas da linguagem:

5

Citação da obra: FAUCONNIER, G. Quantification, Roles and Domains. In: ECO, U. et alii. Meaning and Mental Representations. Bloomington: Indiana University Press, 1988, pp.61-80.

- 33 -

essencial para o entendimento da construção cognitiva é a categorização de domínios em cima dos quais as projeções acontecem. Espaços mentais são domínios que o discurso constrói para prover uma base cognitiva para argumentar e se conectar com o mundo.” (FAUCONNIER, 1997, p.34)6

Em face a esse raciocínio, o sentido depende de construções mentais complexas, organizadas através da e na linguagem, e que se denominam espaços mentais. A constituição de espaços mentais, determinados por índices tanto gramaticais quanto pragmáticos, depende dos papéis e das relações de elementos externos e internos que constituem, caracterizam e singularizam cada espaço. Essa teoria corresponde a um modelo que descreve, portanto, as evidências de funções gramaticais na construção das configurações discursivas, em busca, principalmente, da natureza cognitiva dessa construção (cf. FAUCONNIER, 1994, p.xxxi). Dentro do que se passou a denominar, então, Modelo dos Espaços Mentais ou Teoria dos Espaços Mentais, Fauconnier (1994, 1997) postula uma perspectiva de cognição em que se relacionam intimamente a linguagem e a estrutura cognitiva. Nesse trabalho, descreveremos brevemente a Teoria dos Espaços Mentais (que antecede a Teoria das Mesclagens Conceituais), mas com a ressalva de que, para a nossa proposta, interessa mais os pressuposto dessa segunda teoria, devido à sua perspectiva integradora e à sua pertinência para o estudo da tríade discurso, cognição e cultura. 3.1. Teoria dos Espaços Mentais Espaços mentais são estruturas cognitivas parciais que compreendem um tipo de descrição de alto nível, em que estão envolvidos domínios interconectados através dos quais pensamos, interagimos e produzimos sentido; e através dos quais, também, podemos formular hipóteses sobre a linguagem e próprio pensamento. Gilles Fauconnier, em entrevista a Cala Coscarelli (2003), considerando a dificuldade de se definir o que é um espaço mental, já que não se 6

Tradução nossa da passagem “essential to the understanding of cognitive construction is the characterization of the domains over which projection takes place. Mental spaces are the domains that discourse builds up to provide a cognitive substrate for reasoning and for interfacing with the world”.

- 34 -

pode ver o que está e o que acontece exatamente no cérebro, descreve espaços mentais, primeiramente, como pequenos conjuntos de memória de trabalho que construímos enquanto pensamos e falamos, processo em que nós os conectamos entre si e também os relacionamos a conhecimentos mais estáveis. Os espaços se delineiam por processos de contrafactualidade entre elementos constituintes, propriedade da mente sem a qual nenhum espaço se sustenta. Existem, então, elementos (de espaços-fontes – domínios de origem) que, através de determinados mecanismos construtores de espaços mentais, se organizam e se relacionam, criando espaços. Esses espaços, por sua vez, se misturam com outros elementos, em integração conceitual, fazendo surgir ainda novos espaços, em conexão pragmática com os primeiros – fenômeno denominado posteriormente mesclagem conceitual e ao qual nos dedicamos mais pontualmente nesse trabalho. Os princípios que administram essas operações são decididos por processos de identificação e de contraposição entre elementos, em um esquema de contrafactualidades, processo que, na Teoria dos Espaços Mentais, são sustentados pela própria hipótese de que produção lingüística, gramática e estruturas cognitivas se relacionam intimamente. É por esse motivo que, para Fauconnier (1994), os dados da língua servem para expor aspectos de elaboradas representações mentais. De forma geral, o funcionamento do modelo corresponde a domínios locais que são introduzidos por expressões lingüísticas que suscitam os espaços mentais. Além de os espaços mentais, ou domínios locais, serem estruturados por conectores motivados por marcas lingüísticas, eles também são constituídos por domínios estáveis, não locais. Esses domínios estáveis são caracterizados não só por sua estabilidade como domínios cognitivos passíveis de serem identificados e evocados, mas também pela organização, definida internamente, das informações que constituem esses domínios e, além disso, pela mobilidade de seu acontecimento, de acordo com as necessidades locais manifestadas. É essa permanência, essa organização interna e a flexibilidade de sua instanciação que permitem a esses domínios serem identificáveis e apreensíveis.

- 35 -

No que diz respeito ainda aos domínios estáveis que sustentam os espaços mentais, eles correspondem a modelos culturais, a scripts e a esquemas conceituais – são os conjuntos de conhecimentos socialmente produzidos, previamente estruturados, e que compõem os espaços mentais. Eles são subdivididos em Modelos Cognitivos Idealizados, também denominados de esquemas conceptuais - esses esquemas estão disponibilizados na cultura e correspondem

a

conhecimentos

produzidos

socialmente;

em

Molduras

Comunicativas, os frames, que dizem respeito aos elementos estabelecidos na e pela interação (o evento comunicativo, as negociações, os papéis sociais, as identidades); e, por fim, em Esquemas Genéricos, que são esquemas conceituais mais abstratos. Dentro da semântica cognitiva, as estruturas referenciais são indicadas por espaços mentais (ou seja, os espaços mentais são domínios separados relativo a estruturas referenciais)7, ao passo que as estruturas conceituais são identificadas pelos Modelos Cognitivos Idealizados e frames, que estruturam os espaços mentais. As entidades dos espaços mentais são, por um lado, definidas por regras relacionadas a esses Modelos Cognitivos Idealizados e a esses frames e, por outro lado, pelos valores estabelecidos para as funções constituintes de espaços. É importante destacar que os Modelos Cognitivos Idealizados não são, por si próprios, entidades dos espaços mentais, mas, sim, provedores de estruturas relacionais, marcando as regras que são incorporadas a esses espaços. (cf. LAKOFF & SWEETSER in FAUCONNIER, 1994, pp. x-xi. Prefácio). A Teoria dos Espaços Mentais é elaborada, portanto, como uma teoria dos modelos cognitivos que envolve tanto domínios locais correspondentes a espaços mentais quanto modelos conceituais mais amplos que estruturam esses espaços. Ao se referir à teoria de Fauconnier, Lakoff se refere a essas principais propriedades do modelo dos espaços mentais destacando a multiplicidade e a dinamicidade dos processos que envolvem o seu funcionamento: Os espaços podem conter entidades mentais; os espaços podem ser estruturados através de modelos cognitivos; os espaços podem 7

A teoria dos espaços mentais localiza-se no contexto das abordagens processuais da referência, na contrapartida de abordagens como o correspondentismo, a teoria causal da referência, as semânticas internalistas, etc. (cf. SALOMÃO, 2005, p. 155)

- 36 -

estar relacionados a outros espaços pelo que Fauconnier chama de "conectores"; uma entidade em um espaço pode estar relacionada a entidades em outros espaços através de conectores; os espaços são prolongáveis nessas entidades adicionais e os MCIs [Modelos Cognitivos Idealizados] podem ser acrescentados aos espaços no curso do processo cognitivo; os MCIs podem introduzir espaços. (LAKOFF, 1987, pp. 281-282). 8

Já no que diz respeito às análises desenvolvidas para descrever essas relações nos e entre espaços mentais, Fauconnier (1994, 1997) estabelece algumas categorias teórico-metodológicas de descrição de sentenças e de casos específicos. No seu trabalho, essas análises envolvem descrição, através de representações por diagramas, dos processos desencadeados por introdutores de espaços mentais, normalmente assimilados a marcadores de passado, presente e futuro; a expressões lingüísticas indicadoras de situações hipotéticas e/ou de situações ficcionais; a situações pragmáticas que sustentam domínios abstratos, como domínio da matemática, domínio da política, etc. Na seção a seguir, explicitaremos justamente uma das principais categorias utilizadas por Fauconnier em suas descrições, a qual ele nomeia como space builders – os construtores de espaços mentais. 3.2. Construtores de espaços mentais (space builders) Os construtores dos espaços mentais consistem em marcas lingüísticas e contextuais que estruturam os espaços mentais, direcionando as projeções entre elementos desses espaços e estabelecendo conexões entre eles: As expressões lingüísticas irão tipicamente estabelecer espaços novos, elementos dentro desses espaços e relações organizadas entre os elementos. Eu chamarei de construtores de espaços mentais essas expressões que podem estabelecer um novo espaço ou que podem recorrer a um espaço já introduzido antes no discurso. (FAUCONNIER, 1994, p.17). 9 8

Tradução nossa da passagem “Spaces may contain mental entities; Spaces may be structured by cognitive models; Spaces may be related to other spaces by what Fauconnier calls “connectors”; An entity in one space may be related to entities in other spaces by connectors; Spaces are extendable, in that additional entities and ICMs [Idealized Cognitive Models] may be added to them in the course of cognitive processing; Os ICMs may introduce spaces.” 9 Tradução nossa da passagem “Linguistic expressions will typically establish new spaces, elements within them, and relations holding between the elements. A shall call space-builders expressions that may establish a new space or refer back to one already introduced in the discourse.”

- 37 -

Várias construções gramaticais podem ser designadas como definidoras dessas relações e desses espaços – construções como marcas temporais, modos verbais, conectivos, sintagmas adverbiais e preposicionais, sentenças nominais e outros. Além dos índices gramaticais, os construtores de espaços mentais podem operar através de informações pragmáticas ou de espaços hipotéticos, que correspondem a espaços de domínio de atividades. Isso quer dizer que os espaços mentais não são explicitados apenas por construtores de caracterização gramatical, mas também por significações gramaticais implícitas e indiretas e por fatores não-lingüísticos, como aspectos pragmáticos. Sobre os construtores de espaços mentais (space-builders), o próprio Fauconnier já sinalizava, em suas primeiras obras, que eles não seriam suficientes, por si próprios, para dar conta do alto nível de complexidade e abstração dos espaços mentais, da maneira como ele mesmo pontuou na passagem a seguir: A forma lingüística irá restringir a construção dinâmica dos espaços, mas essa construção por si mesma é altamente dependente de construções prévias já executadas anteriormente no discurso: os mapeamentos disponíveis de espaços e de ligações entre espaços; os frames e modelos cognitivos disponíveis; as características locais de molduras sociais em que acontecem as construções; e, claro, as propriedades reais do mundo ao redor. (FAUCONNIER, 1994, p. xxxix). 10

Em outros termos, não há uma estruturação de um campo de espaços mentais que seja completo para sustentar sua constituição discursiva, ou seja, a formulação dos espaços mentais ultrapassa a sua estrutura (cf. FAUCONNIER, 1994, p.xxxiv). Dessa forma, uma descrição que objetive descrever o funcionamento cognitivo de base, em toda sua complexa atividade, não pode restringir a sua construção a um número limitado e pré-definido de categorias lingüísticas operadoras desse processo, aplicáveis apenas a sentenças isoladas. 10

Tradução nossa da passagem “the linguistic form will constrain the dynamic construction of the spaces, but that construction itself is highly dependent on previous construction already effected at that point in discourse: available cross-spaces mappings; available frames and cognitive models; local features of the social framing in which the construction takes place; and, of course, real properties of surrounding world”.

- 38 -

Essa é inclusive uma das revisões que a Teoria das Mesclagens Conceituais realizou no corpo da teoria que a antecedeu. 3.3. Mesclagens e Integração Conceitual A Teoria das Mesclagens Conceituais (que pode ser considerada uma evolução de alguns pressupostos da Teoria dos Espaços Mentais) apresenta a idéia de mesclagem e integração conceitual como mecanismo básico da mente e como uma operação cognitiva fundamental. Essa teoria começou a se desenvolver, ainda na Teoria dos Espaços Mentais, quando se afirmava que as projeções entre os espaços mentais usadas para criar redes são, na realidade, muito ricas e podem ser de diferentes tipos (FAUCONNIER em entrevista a COSCARELLI, 2003).

Mesclagem conceitual corresponde, portanto, a um processamento cognitivo de alto nível e a uma importante capacidade da cognição de agrupar espaços mentais, que não são estabilizados e nem encerrados em seus próprios redutos. Os elementos de domínios diferentes, quando combinados e justapostos, resultando em espaços com estruturas emergentes, produzem dados ilimitados, em um jogo conceitual, de criatividade e de dinamicidade. Nos trabalhos sobre mesclagens conceituais, enfatizam-se justamente a natureza e o potencial imaginativo e criativo da mente humana, considerando que todas as formas de pensamento são criativas no sentido de que produzem novos vínculos, novas configurações e, correspondentemente, novos significados e novas conceitualizações (FAUCONNIER, 1997, p.149)11. São essas propriedades de manejar informações entre espaços, produzindo novos elos, correspondências, configurações

e

conceitualizacões,

incomparavelmente mais

complexa

que e

fazem

vasta

do

a

mente

que

os

humana

ser

processos

de

funcionamento programados para/em um computador. Por conceito, mesclagem conceitual é uma operação cognitiva que envolve projeção entre elementos relacionados, no mínimo, a dois espaços de entrada, resultando em uma integração conceitual, com um espaço emergente e integrado, denominado ‘espaço mescla’: as mesclagens operam em dois espaços mentais 11

Tradução nossa da passagem “all forms of thought are creative in the sense that they produce new links, new configurations, and correspondingly, new meaning and novel conceptualization”.

- 39 -

de entrada para prover um terceiro espaço, o espaço mescla. Esse espaço mescla herda a estrutura parcial dos espaços de entrada, adquirindo uma estrutura emergente própria (FAUCONNIER, 1997, p.149)12. Isso quer dizer que cada espaço, conectado analogicamente em uma combinação dinâmica de modelos cognitivos, pode gerar novos espaços em composição de mesclagem, por um processo de integração conceitual. Ao avaliar de forma integrada os processos cognitivos, as implicações pragmáticas e as estruturações lingüísticas e gramaticais, torna-se possível explicitar os intercruzamentos que constituem os espaços mesclas e descrever as dimensões cognitivas, lingüísticas, culturais e sociais envolvidas na construção do discurso. Fauconnier & Turner (2002) mostram, sobretudo, que a mesclagem conceitual está na raiz do funcionamento cognitivo da mente do homem moderno, na prática cotidiana dos indivíduos e no desenvolver de sua cultura, (re)definindo os modos de viver e de pensar e, principalmente, constituindo a maneira pela qual as pessoas produzem sentidos. Fauconnier & Turner (2002), em seu trabalho, mostram também como as mesclagens operam e como elas são atravessadas por questões como linguagem, identidade, cultura – as quais, por sua vez, são questões apreendidas na lógica desses mesmos processos de mesclagem. Essa postura se justifica no fato de que a teoria da mesclagem se fundamenta no princípio da integração conceitual, que é considerada a forma pela qual a cognição opera. Tal pressuposto é tanto objeto dessa teoria, que o articula na maneira de enxergar a cognição, quanto uma postura dessa teoria, ao abrir espaço para integrar os seus domínios a outros campos, como a psicologia, a computação, as ciências sociais. A teoria das mesclagens, ou da integração conceitual, assume, portanto, como sinaliza Coulson e Oakley (2005), uma postura de pesquisa interdisciplinar, o que atribui amplitude e profundidade às suas análises.

12

Tradução nossa da passagem “Blending (...) operates in two Input mental spaces to yield a third space, the blend. The blend inherits partial structure from the input spaces and has emergent structure of its own.”

- 40 -

3.4. O lingüístico e o texto na Teoria das Mesclagens Conceituais A linguagem tanto se baseia na cognição quanto faz uso dos mecanismos gerais da cognição, por isso, é possível utilizar as evidências lingüísticas para estudar os aparatos cognitivos. Sob essa compreensão, torna-se perfeitamente possível afirmar que as estruturas da linguagem empregam os mesmos dispositivos usados para organizar modelos cognitivos (cf. LAKOFF, 1987, p.67 e p.291). A língua, portanto, oferece pistas a respeito das construções no nível cognitivo e, nesse processo, as expressões lingüísticas possuem significado potencial. Além de oferecer pistas do que acontece no nível cognitivo, as estruturas lingüísticas têm uma outra importante atribuição - ser determinada por e determinar estruturas sociais e modelos culturais. Para Fauconnier (1997), algumas palavras e construções gramaticais trazem com elas um conjunto de conhecimentos que estão por detrás das cenas, como frames, modelos cognitivos, acepções ausentes, informações enciclopédicas (FAUCONNIER, 1997, p.70)13. Já no que diz respeito ao conceito de texto dessa teoria, pode-se dizer justamente que eles são considerados artefatos materiais que carregam as pistas lingüísticas dos processamentos cognitivos. A estrutura dos textos é repleta de orientações que acenam para os processos cognitivos de seu produtor orientações essas que conduzem e ativam esquemas que possibilitarão atribuir sentido ao pensamento ordenado em forma de texto. O produtor do texto e, posteriormente, também o leitor irão realizar amplos e complexos processo de integração e mesclagens conceituais na organização e na busca de sentidos para esse texto. A Teoria das Mesclagens Conceituais, portanto, considera os textos no seu potencial discursivo e requer, para isso, que o tratamento dos dados considere os aspectos integradores da cognição.

13

Tradução nossa da passagem “some words and grammatical constructions being with them an array of background knowledge, including frames, cognitive models, default assumptions, encyclopedic information”

- 41 -

3.5. Cognição e social Fauconnier (1994), ao discutir o elemento social em sua teoria, aponta, dentre outros aspectos, para o uso da noção de frame. Nesse momento, ele explicita uma conexão possível entre a noção de espaço, no sentido lingüísticocognitivo, e a noção de frame, no sentido sociológico. Para Goffmam (cf. GOFFMAN apud FAUCONNIER, 1994), a interação comunicativa é inserida em um frame, considerado uma moldura comunicativa e um jogo em que estão envolvidos rituais e valores instituídos e negociados socialmente. Na Teoria das Mesclagens Conceituais, a cognição não aparece desvinculada da dimensão social. E mais, a cognição tem um caráter eminentemente social. E é essa natureza social da cognição que faz necessário considerar que há âncoras materiais que sustentam os processamentos das integrações conceituais, para que assim seja possível ir além da compreensão da experiência subjetiva e da internalidade (cf. SALOMÃO, 2005, p.159). O próprio ato de fazer sentido e de interpretar, para o qual precisamos dessas âncoras materiais, é uma operação social. Para Hutchins (2005), o quadro teórico das mesclagens conceituais é extremamente oportuno para pensar as relações entre estrutura mental e estrutura material. Na busca dessa compreensão, ele defende, discute e exemplifica a ancoragem material das mesclagens conceituais, dizendo que os modelos culturais, determinados socialmente, não são idéias que residem dentro da mente. Ao contrário, para esse autor, esses modelos também e principalmente precisam estar incorporados a algum artefato material, fazendo com que se estabilizem as representações conceituais. Em outros termos, os modelos cognitivos são modelos sociais, presentes em (e constituinte de) elementos (materiais) estabelecidos na e pela sociedade (como os próprios textos, por exemplo). O uso do termo social nas semânticas cognitivas, além de atualizar a emergência, nas ciências cognitivas, da tendência de se pensar no domínio do social, convoca também as ciências sociais a pensarem no domínio do cognitivo. A idéia implicada nesse raciocínio é de que a ciência cognitiva se estenda nas direções mais diversas, não só se integrando a campos como a psicologia, a

- 42 -

lingüística, os estudos sobre inteligência artificial, mas também chegando principalmente ao alcance das ciências sociais – já que todas essas áreas se debruçam sobre objetos cujo estatuto inevitavelmente passa pela cognição humana. Trabalhos como esses mostram os benefícios significativos que emergem da integração de princípios dos estudos cognitivos na prática das ciências sociais e vice-versa. A linguagem, em sua perspectiva integrada e integradora, não pode ser compreendida em nenhuma perspectiva isoladamente. Desse modo, o estudo da linguagem deve ser tanto um estudo cognitivo quanto social. A cognição deve ser entendida, por esse motivo, em uma perspectiva integradora, na qual são fundamentais aspectos sócio-históricos e culturais, definidos por (e definidores de) temas como política, economia, leis, sociedade, dentre outros. Nesse sentido, a aproximação entre estudos da linguagem que priorizem a cognição sem desconsiderar o social e de estudos da linguagem, na sua dimensão discursiva, que priorizem o social, sem, contudo, desconsiderar o cognitivo é uma postura que pode trazer, além de resultados produtivos, implicações teóricas relevantes. 3.6. Cognição e cultura Ao se aproximar os termos cognição e cultura, torna-se necessário, antes de

tudo,

reafirmar

que

as

operações

cognitivas

estão

relacionadas

inevitavelmente com a apropriação do conhecimento cultural. Segundo Lakoff (1987), nós organizamos nosso conhecimento por meio de Modelos Cognitivos Idealizados, que têm um status cognitivo correspondente a complexas estruturas categóricas com efeitos e capacidades prototípicas. Modelos Cognitivos Idealizados são usados tanto para entender o mundo quanto para criar teorias sobre ele, o que é uma importante hipótese sobre o significado em sua rica diversidade. Como o próprio nome indica, esses modelos cognitivos são “idealizados”, ou seja, são fundamentados em ideais. Lakoff considera justamente que os ideais adquirem valores, com efeitos prototípicos, em agrupamentos culturalmente significados e que muitos conhecimentos culturais são organizados em termos de

- 43 -

ideais (LAKOFF, 1987, p.87)14. Como se vê, no conceito de Modelo Cognitivo Idealizado, o termo ‘cultura’ aparece como fundamental, já que esses modelos são disponibilizados e naturalizados nas culturas. Na Teoria das Mesclagens Conceituais, o processo de integração e de mesclagem é parte importante do que está por detrás das cenas, no dia-a-dia do uso da linguagem, nas formações dos consensos, na cultura. No processo de mesclagem, como foi descrito mais acima, a integração de redes conceituais articula justamente modelos culturais que, por vezes, são profundamente naturalizados.

Trata-se de um processamento em que cognição e cultura se

constituem, construindo condições de pertencimento (e de pertinência) a determinados agrupamentos com condições históricas específicas, que conduzem os modos de produção de sentido e que, por sua vez, correspondem a nossa maneira de pensar e de agir, ou seja, correspondem aos nossos hábitos e práticas culturais. 3.7. Cognição e discurso Na entrevista que concedeu a Carla Coscarelli, ao ser interrogado sobre a relação entre Espaços Mentais e Enunciação, Fauconnier diz: Eu não tenho nada específico a dizer, exceto por um embasamento comum que é o fato de não ver a linguagem como formas sintáticas estáticas que são logicamente interpretadas em sistemas semânticos, mas que vê como de extrema importância a dinâmica completa de situação comunicacional, assim como vê como importante o dado de que, nas situações enunciativas nós nos adaptamos à medida em que o discurso dinamicamente se desdobra. Nesse sentido, uma das coisas que podemos dizer é que os espaços mentais incorporam as situações encunciativas do falante, do ouvinte, do narrador e assim por diante (FAUCONNIER em entrevista a COSCARELLII, 2003).

Como se vê, Fauconnier utiliza, no desenvolvimento de seus pressupostos teóricos, princípios tanto semânticos quanto pragmáticos, de forma a considerar a linguagem em seu uso. É sob essa perspectiva que se pode entrever a presença de uma acepção de discurso nesse construto teórico. É possível dizer que discurso, para essa teoria, corresponde à linguagem para além de suas estruturas 14

Tradução nossa da passagem “a lot of cultural knowledge is organized in terms of ideals”.

- 44 -

e à linguagem em uso, em que os elementos cognitivos, sociais, culturais interagem entre si. Além disso, podemos dizer que a dimensão discursiva, na Teoria das Mesclagens Conceituais, está também no fato de que ela considera, na formulação de sua teoria, as regras contextuais e situacionais, o sujeito e o aspecto interativo e interacional da linguagem. Essa teoria, mesmo localizando o social e o cultural como dados fundamentais para a cognição e para as estratégias cognitivas de interpretação e de produção de sentido, não é considerada, em sua natureza, uma teoria do discurso. Há uma diferença teórica relevante entre essa teoria e aquelas explicitamente nomeadas como teorias do discurso, como bem observa Salomão: Enquanto os estudos discursivos mais se guiam pelos aspectos sociais da gênese do sentido (a microfísica da interação, os gêneros textuais, as ordens ideológicas subjacentes), os estudos cognitivos têm preferido focalizar os processos mentais de categorização e esquematização, as projeções entre domínios epistêmicos, as transferências figurativas da estrutura conceptual, o gerenciamento do fluxo discursivo. (SALOMÃO, 2005, pp. 157158).

A Teoria das Mesclagens Conceituais localiza-se dentro dos estudos cognitivos e, por isso, privilegia o foco nos processos mentais. No entanto, é preciso considerar que existem tanto processos cognitivos quanto processos discursivos (e os dois se interconstituem), o que justifica levar mais a fundo as conseqüências da dimensão social da linguagem, expandindo a compreensão das implicações da natureza cultural e material da mente humana. Em uma perspectiva discursiva, torna-se necessário considerar que o discurso vai muito além do funcionamento cognitivo por si próprio e que regras, convenções, relações, identidades e representações sociais são negociadas e construídas nesse e através desse discurso (cf. SINHA, 2005, p. 1537), estando nele envolvidas questões de ideologia, por exemplo. É com base nessa possibilidade de articulação entre estudos discursivos e estudos cognitivos que assumimos a proposta de fazer dialogar uma análise do discurso com a Teoria das Mesclagens Conceituais, potencializando o seu alcance.

- 45 -

4. Considerações finais

A exposição dos princípios gerais da Análise Crítica do Discurso e da Teoria das Mesclagens Conceituais assumiu apenas um caráter introdutório, tendo sido pontuadas questões fundamentais para a etapa seguinte de nosso trabalho. Tal exposição, por esse motivo, esteve, a princípio, descomprometida da hipótese de trabalhar com pressupostos de uma análise do discurso e de uma teoria lingüístico-cognitiva conjuntamente. No entanto, a própria forma como foram explorados os elementos de cada arcabouço teórico pretendeu introduzir o trabalho posterior de aproximação teórica. O desenvolvimento desse capítulo objetivou, portanto, apenas apresentar os principais fundamentos das teorias que irão dar suporte à aproximação entre os conceitos de discurso, cognição e cultura. Como foi possível perceber, a exposição dessas teorias se concentrou, por um lado, na apresentação breve de seus pressupostos gerais e, por outro lado, na descrição da forma como cada uma se relaciona com a tríade de conceitos que elegemos como objeto dessa dissertação. De que modo a aproximação entre as duas teorias pode conduzir, então, uma discussão a respeito da interdependência entre esses conceitos? Como essa aproximação fundamentaria uma concepção de linguagem em uma perspectiva integrada e integradora? Como conciliar duas teorias com propósitos bastante diferentes e de que maneira essas teorias podem se complementar? Quais as orientações metodológicas de uma e de outra teoria e qual a possibilidade de integração entre elas? Como construir uma prática de análise que leve em consideração a latência, na linguagem, dos domínios discursivos, cognitivos e culturais? Diante desses questionamentos, buscando respostas para eles, propomo-nos ao desenvolvimento do objetivo central dessa dissertação, a que nos dedicaremos no capítulo seguinte.

- 46 -

CAPÍTULO II

Discurso, Cognição e Cultura: uma proposta de aproximação teórica

- 47 -

1. Considerações iniciais

Após descrever, em linhas gerais, a que vem cada um dos dois lugares teóricos que delimitam essa pesquisa, objetivamos discutir as motivações que orientam a proposta de aproximar esses construtos em um projeto não só de compreensão da linguagem como de construção de um aparelho metodológico de análise motivado por essa compreensão. Falamos aqui do que, dentro dos domínios de nossa hipótese, nos possibilitaria operá-la. Nesse capítulo, portanto, serão explicitadas as vias de construção desse objeto com que temos trabalhado - um objeto teórico - para posteriormente, no capítulo seguinte, desempenhar uma prática de análise, a partir da delimitação de um corpus específico. Na primeira etapa desse segundo capítulo, será organizada uma discussão que descreva a tríade discurso, cognição e cultura em prol de uma concepção de linguagem integrada e integradora. Já em uma segunda etapa, ponderando o potencial da Análise Crítica do Discurso e da Teoria das Mesclagens Conceituais frente ao conceito de linguagem organizado na etapa anterior, essas teorias serão aproximadas naquilo que elas podem se complementar, criando um terceiro espaço emergente resultante do diálogo entre elas. E, por fim, como um dos objetivos específicos dessa pesquisa, será elaborada uma metodologia que contemple o projeto teórico defendido e ofereça instrumentos para funcionalizar e potencializar análises.

- 48 -

2. Linguagem: discurso, cognição e cultura Na dispersão dos discursos que procuram apreender a linguagem e descrever suas propriedades, tarefa a que se dedica a Lingüística, há de se encontrar, como um recurso de sistematização, as regularidades que tornam possível

elaborar

conceitos

e

identificar

traços

que

demarquem

uma

compreensão de linguagem. A diversidade de tais compreensões gera as diferenças entre as várias lingüísticas que conhecemos. Nessa pesquisa, optamos por avistar a linguagem de três vias que consideramos fundamentais para o seu entendimento: o social, o cognitivo e o cultural. Para isso, criamos a hipótese de um diálogo teórico diante do qual iniciaremos a discussão sobre as relações fundadoras entre discurso, cognição e cultura. A cognição humana pode ser apreendida como o domínio de inteligência e de inteligibilidade do Homem, em que estão envolvidos tanto o exercício intelectual frente a conhecimentos e a interações mediadas por esses conhecimentos na articulação de estruturas quanto os processos relacionados às atividades do pensar e do agir. O domínio social, que nasce da interação do homem com o mundo, corresponde, grosso modo, ao próprio ato de habitar os espaços desse mundo e de construir relações entre os elementos constituintes desses espaços, entre seus atores e entre os artefatos materiais por eles apropriados ou criados. No entremeio entre a cognição e o social, a cultura é justamente as diferentes maneiras de habitar o social e de conduzir as suas práticas na experiência cognitiva dos seres e das coisas que esses seres criam e significam. Diante dessa perspectiva, cognição, social e cultura são conceitos que, de maneira ou de outra, fazem participar nos seus domínios o papel fundamental e constitutivo da linguagem. E, além disso, cognição, social e cultura são conceitos que, como é possível depreender, também estabelecem entre si relações fundamentais. É na integração entre esses conceitos (e entre cada um desses conceitos e a linguagem) que motivamos a tríade discurso, cognição e cultura. Como delimitamos, para as nossas discussões, duas áreas específicas de estudo da linguagem, a Análise Crítica do Discurso e a Teoria das Mesclagens

- 49 -

Conceituais, voltemo-nos para o que pensam, dentro dessas relações, especificamente os estudiosos dessas duas áreas. Van Dijk (1999), ao falar do uso da linguagem, explicita as dimensões que a constituem e ressalta a necessidade de uma postura multidisciplinar para o estudo da linguagem e do discurso: O uso da linguagem, os discursos e as comunicações entre pessoas reais possuem dimensões intrinsecamente cognitivas, emocionais, sociais, políticas, culturais e históricas. Por isso mesmo, uma teorização formal necessita estar dentro de contextos teóricos mais amplos desenvolvidos em disciplinas diferentes. A ACD estimula muito especialmente essa multidisciplinariedade. (VAN DIJK, 1999, p.24). 15

Como vemos, van Dijk considera que o discurso possui dimensões não só sociais, políticas, históricas e culturais, mas também dimensões cognitivas e emocionais. Justamente a favor dessa heterogeneidade de dimensões atribuída ao uso da linguagem e ao discurso, esse autor articula uma postura multidisciplinar, ampliando os contextos teóricos de compreensão da linguagem como prática social. Da mesma forma, Chilton (2005), um outro teórico que também sugere articular uma compreensão de discurso sem que se desconsidere a cognição, enfatiza as capacidades individuais, biológicas e mentais envolvidas no entendimento da linguagem em uso: Discurso, que é o mesmo que dizer linguagem em uso, é produzido e interpretado por indivíduos humanos em interação. A linguagem só pode ser produzida e interpretada por mentes humanas (e aparatos vocais, etc). Se a linguagem é produzida e interpretada por mentes humanas, então ela interage com outras capacidades cognitivas (como também com o sistema motor). Em particular, se o uso da linguagem (discurso) é, como se defende nos postulados da ACD, conectada por construções de conhecimento sobre objetos sociais, identidades, processos, etc.,

15

Tradução nossa da passagem “El uso del lenguaje, los discursos y la comunicación entre gentes reales poseen dimensiones intrínsecamente cognitivas, emocionales, sociales, políticas, culturales e históricas. Incluso la teorización formal necesita por tanto insertarse dentro del más vasto contexto teórico de los desarrollos em otras disciplinas. El ACD estimula muy especialmente dicha multidisciplinariedad.”

- 50 -

ela só pode ser considerada porque acontece na mente dos indivíduos em interação. (CHILTON, 2005). 16

Um conceito de discurso que se preocupe em localizar a linguagem como prática social necessariamente pressupõe a interação entre sujeitos. Como vemos, Chilton (2005) demarca essa interação entre indivíduos (que, no discurso, ocupam lugares sociais e, por isso, são sujeitos) como um argumento para defender que o uso social da linguagem só se completa porque ele também acontece na mente desses indivíduos em interação. Em outros termos, para esse teórico, não é apenas a determinação social da linguagem que conceitualiza o discurso, mas há outros elementos importantes na interação humana tão determinantes quanto o é o social. Voltamo-nos, agora, para a outra extremidade do diálogo teórico que propomos (extremidades frente às quais nos equilibramos na proposta de uni-las nessa dissertação). Fauconnier (1997) diz, mesmo não denominando como discurso o uso da linguagem, que o mais surpreendente aspecto da organização da linguagem e do pensamento é a unidade fundamental das operações cognitivas que servem para construir os sentidos comuns do dia-a-dia, as razões do senso comum de nossa existência diária, os mais elaborados argumentos e discussões em que nos engajamos, e as mais elaboradas teorias científicas e produções literárias e artísticas que estão nas culturas, presentes acima do curso do tempo. (FAUCONNIER, 1997, p.187).

Ao considerar os processamentos cognitivos como unidade fundamental organizadora da linguagem e do pensamento, Fauconnier (1997) pontua a imediação entre cognição e linguagem. Tal postura se justifica pelo próprio lugar em que ele se posiciona: seus estudos se enquadram, como sabemos, em uma Lingüística Cognitiva, que cunha em seu próprio nome a importância da cognição (assim como uma Análise Crítica do Discurso marca o discurso em sua 16

Tradução nossa da passagem “Discourse, that is to say language in use, is produced and interpreted by human individuals interacting with one another. Language can only be produced and interpreted by human brains (and vocal apparatus, etc). If language is produced and interpreted in human brains, then it interacts on any account of language with other cognitive capacities (as well as motor systems). in particular, if language use ( discourse) is, as the tenets of CDA asset, connected to the ‘construction’ of knowledge about social objects, identities, processes, etc., then that construction can only be taking place in the mind of (interacting) individuals.”

- 51 -

terminologia, conduzindo a importância da determinação social da linguagem nos objetos que estuda). De volta à postura de Fauconnier na citação anterior, em que ele explicita a cognição como unidade fundamental da linguagem, há de se dizer que ele o faz de forma a localizá-la nos sentidos comuns produzidos no dia-a-dia e nas diversas manifestações da linguagem presentes na cultura e na história. Em sua definição de linguagem, portanto, como se vê, estão presentes os domínios sócio-culturais e o uso da linguagem. Guardadas as diferenças teóricas entre van Dijk (1999) e Chilton (2005), de um lado, e Fauconnier (1997), de outro, todos eles manipulam o cognitivo e o social (ou o sócio-cultural) conjuntamente para identificar a linguagem. A abordagem desses três teóricos, cada um a sua maneira, nos são, por isso, produtivas para estudar o uso da linguagem, antes de tudo, como uma atividade conjunta. É pelo que defende os teóricos que invocamos acima que assumimos ser pertinente e oportuno compreender a linguagem de nenhuma perspectiva isoladamente. O discurso corresponde à linguagem em uso, a linguagem como prática social, em que estão envolvidas relações ideológicas; a cognição aparece importante na mesma proporção, já que esse uso da linguagem, mesmo que socialmente determinado, acontece na mente de indivíduos em interação – ou seja, a produção e a compreensão de textos é também uma atividade de processamento cognitivo. Não é interessante enfocar o social ou o cognitivo na linguagem como dimensões que se excluem. Se existem comunidades discursivas, seus membros só podem ter acesso a elas se estiverem a seu alcance recursos e conhecimentos internalizados, como as estratégias cognitivas prévias (que são organizadas socialmente) correspondentes desde o saber lingüístico às representações de mundo e às crenças e valores. A partir do que articulamos acima, é importante dizer que o uso da linguagem e as atividades cognitivas desse uso são constituídos na e pela cultura e, ao mesmo tempo, constituem a cultura, estabelecendo com ela uma relação de mútua determinação. Se entendermos cultura como as diferentes maneiras de habitar as práticas sociais e, se as práticas sociais são constituídas na e através da linguagem, é indispensável aproximar, para definir linguagem, discurso e

- 52 -

cognição de cultura. Para Langacker (cf. LANGACKER apud SILVA, 2004), a linguagem e a cultura são sub-faces imbricadas da cognição, já que sem a linguagem, um certo nível de conhecimento/desenvolvimento cultural não poderia ocorrer e, inversamente, um alto nível de desenvolvimento lingüístico só se obtém através da interacção sócio-cultural (SILVA, 2004). Não há como entender a cognição humana fora do tempo, da história e da sociedade em que o homem vive. Da mesma forma, seria impertinente olhar para a sociedade e para a história e desconsiderar o indivíduo (e sua cognição). A linguagem, nesse raciocínio, assume uma posição estratégica, já que ela está para cognição assim como está para a sociedade. E linguagem, pela postura que assumimos nessa pesquisa, não pode ser compreendida fora do seu uso, ou seja, fora de um conceito de discurso. Estão aí as principais motivações para unir discurso, cognição e cultura na tarefa de compreensão da linguagem - esse objeto tão vasto e heterogêneo em si. 3. O discurso para a Análise Crítica do Discurso A Análise Crítica do Discurso é, como um domínio do saber, uma análise de discurso que toma contornos de análise lingüística, de análise sócioideológica, de análise cultural. Um dos objetivos da ACD é fazer funcionar conjuntamente essas dimensões para identificar e descrever o papel da linguagem na estruturação das relações de poder na sociedade, em que estão envolvidas práticas ideológicas. Especificamente a análise lingüística, em uma perspectiva funcional, tem um papel importante na ACD, já que ela é utilizada como um método para descrever o funcionamento social das ideologias – postura que se justifica na própria idéia de que linguagem e sociedade estabelecem entre si uma relação de recíproca determinação. A ACD considera, por conseqüência, que a sociedade se constitui discursivamente e que práticas sociais e práticas discursivas sejam processos que se definem um pelo outro. Para Fairclough (2001), o discurso (denominação que recebe, como já dissemos, a interação entre práticas sociais e discursivas e as estruturas lingüísticas manifestadas em textos) tem, portanto, um potencial

- 53 -

político, por sua propriedade de estabelecer, localizar e transformar as relações de poder e os sujeitos sócio-históricos; e um potencial ideológico, por manter, reproduzir e naturalizar os significados e representações de mundo, investindo nas crenças e no conhecimento de indivíduos socialmente interpelados. Na base desse conceito de discurso defendido pela ACD, aparece uma noção de ‘contexto’ que inclui desde elementos sociais, políticos e ideológicos, como foi pontuado acima, a elementos psicológicos (cf. FAIRCLOUGH, 2003). A caracterização de ‘linguagem/discurso’, nos próprios desdobramentos dessa definição de contexto, identifica um objeto de proporções amplas - socialmente definido, mas que deixa entrever os domínios culturais e cognitivos. Nessa amplitude, as relações entre linguagem e prática social, que determinam o conceito de discurso, pressupõem as relações entre linguagem e cognição e linguagem e cultura. No que diz respeito às relações entre linguagem e cognição, consideramos que as práticas sociais e discursivas abrangem processos mentais, individuais e psicológicos envolvidos na produção e interpretação de textos, como o conhecimento e as convenções culturais internalizados que formam, inclusive, estruturas prévias de interpretação. Na Análise Crítica do Discurso, no entanto, os estudos sobre cognição são escassos e pouco abrangentes, dada a própria postura de considerar a linguagem como prioritariamente prática social. Os autores que dedicam espaço ao problema da cognição em suas teorias, na ACD, organizam discussões sobre seu papel e sua natureza frente aos domínios discursivos da linguagem, mas não levam tão a fundo as suas conseqüências no discurso. Dentre esses autores, citam-se van Dijk (1997), Chilton (2005), Wodak (2006). O primeiro articula mais extensamente conceitos como ‘modelos mentais’ em sua teoria, já os outros dois dão lugar à dimensão cognitiva do discurso em um ou outro trabalho que desenvolvem. Os trabalhos de van Dijk têm como traço peculiar a orientação cognitiva presente em suas discussões sobre discurso, ideologia e poder. Para esse autor, existem modelos mentais que representam relações sociais internalizadas, em que se podem acessar os processo de compreensão de mundo e, por sua vez, os processos de representação. Van Dijk vê, dessa maneira, o funcionamento da

- 54 -

ideologia como cognitivo, além de social, já que, para esse teórico, a manutenção de determinadas representações de mundo se dá pela estruturação e manipulação de modelos mentais envolvidos na produção de sentido e no processamento discursivo. Wodak (2006) considera a relevância das pesquisas sobre cognição e linguagem, destacando a possibilidade de contribuições que as ciências cognitivas têm a oferecer para a ACD. A cognição assume, para essa autora, um lugar estratégico na compreensão do discurso e está altamente implicada na mediação entre o discurso e a sociedade. Ao encadear as diferentes dimensões envolvidas na produção e compreensão de textos, ela discute a participação das experiências e dos conhecimentos adquiridos na descrição e interpretação dos sentidos, trazendo para suas reflexões conceitos como frames, esquemas, scripts (conceitos recorrentes, como sabemos, nos estudos sobre cognição e linguagem). Já para Chilton (2005), que critica as restrições que as análises do discurso impõem ao elemento cognição, é necessário considerar, nas questões de representação social, o papel desempenhado pela mente humana. A ACD apresenta extensos trabalhos sobre as relações entre os domínios sócio-políticos e os domínios lingüísticos, mas a compreensão dessas relações, na maior parte desses trabalhos, exclui ou não focaliza o funcionamento da mente humana e o papel que ela assume no discurso. Chilton (2005) avança, se posiciondo contra essas restrições, ao considerar a importância da dimensão cognitiva no discurso, apontando para a possibilidade de recorrer à série de pesquisas sobre cognição que circula atualmente e que tem potencial para responder problemáticas de análises do discurso em contextos sociais e políticos. Já no que se refere à maneira como a ACD articula as relações entre linguagem e cultura, além do que já foi pontuado na seção 2.6 do capítulo anterior, ressaltamos aqui as ligações entre a ACD e os estudos e teorias culturais. O cunho ‘crítico’ da ACD se justifica na convergência de teorias críticas no seu projeto de fundação - como as teorias de Foucault, por exemplo. É esse grupo de teorias conhecidas, dentre outras denominações, como Teorias Críticas da Cultura que alimentou também a formação de trabalhos dentro de um outro campo - de fronteiras amplas - conhecido como Estudos Culturais. A ligação entre

- 55 -

a ACD e os Estudos Culturais parte, dentre outros motivos, dessa semelhança de origens teóricas e epistemológicas. ACD e Estudos Culturais, no entanto, são dois campos distintos, mas que podem contribuir entre si em seus projetos. Cardiff (2003) fala, por exemplo, da importância de uma ACD nos domínios dos estudos da cultura: A ACD é apresentada como uma teoria que oferece meios de dizer que ‘as formas lingüísticas são dotadas de um potencial sistemático e repetível capaz de desvendar práticas sociais’ (…). Por outro lado, os Estudos Culturais, sem a ACD, podem ser 'incapazes de mostrar precisamente como a construção discursiva de formas culturais é alcançada no dia a dia de nossas vidas’. (CARDIFF, 2003).17

Ao propor o uso da ACD nos domínios dos Estudos Culturais, esse autor não considera uma relação unilateral entre esses dois campos. Os Estudos Culturais podem também oferecer instrumentos para a compreensão da linguagem como atividade cultural, além disso os estudos de cultura têm instrumentos para fortificar a própria compreensão das práticas sociais e discursivas. Maior parte dos objetos e domínios do saber que a ACD elege em seus trabalhos tem fortes implicações culturais e são amplamente discutidas nos Estudos Culturais - como mídia, gênero, raça, política18. A referência a esses estudos aparece como uma contribuição possível dos Estudos Culturais dentro da ACD, visto que a descrição cultural de um objeto de análise e dos dados lingüísticos desse objeto emerge nas próprias diretrizes gerais da ACD.

4. Lingüística Cognitiva: linguagem, cognição e cultura No quadro da Lingüística Cognitiva, consolidaram-se algumas perspectivas teórico-metodológicas importantes para a organização de sua agenda. Uma delas, por exemplo, refere-se à busca de orientação em posturas defendidas pelo 17

Tradução nossa da passagem “CDA is presented as a theory offering the ‘potential for a systematic/repeatable insight into the linguistic form capable of unraveling social practice’ (…). On the other hand cultural studies, without CDA, has been ‘unable to show precisely how the discursive construction of cultural forms is achieved in everyday life.” 18 Exceto aquelas vertentes dos Estudos Culturais afiliadas à psicanálise, cujo referencial teórico desencontra-se dos referenciais defendidos nos domínios da ACD.

- 56 -

funcionalismo lingüístico, que se opôs fortemente ao formalismo de algumas lingüísticas tradicionais. Nesses pressupostos funcionalistas, articula-se a idéia fundamental de que a linguagem, entendida no seu uso e nas estratégias contextuais de seu acontecimento, se identifica por e em processos cognitivos, sócio-culturais e interacionais. Dessa maneira, o estudo da linguagem deve se preocupar tanto com os processamentos mentais quanto com a interação e a experiência social e cultural que determinam o uso da linguagem. Sob essas diretrizes, na Lingüística Cognitiva, uma das preocupações emergentes e que permeiam grande parte de seus trabalhos é a relação entre linguagem, cognição e cultura. Ao tomar a linguagem sem desconsiderar o sujeito, avaliando a relação deste com os objetos do mundo, essa lingüística se interessa pela forma como a linguagem contribui para a construção de conhecimentos sobre o mundo e sobre os próprios sujeitos, considerando desde fatores físicos, biológicos e psicológicos até fatores situacionais, sociais, históricos e culturais. É muito importante ressaltar que o enfoque na cognição, dentro da Lingüística Cognitiva, não implica em considerar a mente como uma entidade descontextualizada. Por exemplo, considerar os processamentos cognitivos de base não significa desconsiderar os outros fatores sócio-histórico-culturais, que são, inclusive, demarcados como entidades que interagem de forma essencial com a cognição. Tal postura é defendida na medida em que se acredita que as mentes individuais não são entidades autónomas, mas corporizadas-encarnadas e altamente interactivas com o seu meio; e é através desta interacção e acomodação mútua que a cognição e a linguagem surgem, se desenvolvem e se estruturam. Não existe, pois, propriamente linguagem humana independentemente do contexto sócio-cultural. Mas não é menos verdade que a linguagem reside primariamente nas mentes individuais, sem as quais a interacção linguística não poderia ocorrer. (...) A Linguística Cognitiva reconhece explicitamente, não só que a capacidade para a linguagem se fundamenta em capacidades cognitivas gerais, como também que todas estas capacidades são culturalmente situadas e definidas. (SILVA, 2004).

Considerar a mente como individual, mas não autônoma e demarcar sua corporeidade e sua interatividade com o meio é, como podemos ver, uma postura

- 57 -

que justifica o pressuposto da Lingüística Cognitiva de definir linguagem não só como integrada à e integradora da mente, mas também como intricada nas relações e nos contextos sócio-culturais. Langacker diz justamente, no que concerne às lingüísticas cognitivas, que apesar de seu foco ser o aspecto mental, lingüísticas cognitivas podem ser descritas também como lingüísticas social, cultural e contextual” (1997:240) ou “o advento da lingüística cognitiva também pode ser anunciado como um retorno às lingüísticas culturais (1994: 31) (LANGACKER apud SILVA, 2004)19. Para esse quadro da Lingüística Cognitiva, as mesclagens conceituais, como importante capacidade cognitiva, posiciona a cultura como parte e motivo de um processo integrador da cognição e, também, como resultado dessas integrações. Por essa posição da cultura como constituinte dos processos cognitivos, podemos visualizar os processos mentais na própria forma como se organizam (ou na forma como foram organizados) os produtos da cultura e a história que os define. Dessa forma, é possível dizer que a cultura oferece setas e traz material suficiente para descrever as capacidades mentais e a complexidade das operações cognitivas. Se por um lado, temos acesso, na cultura, a um mapeamento dos processamentos mentais de mais alto e profundo nível, por outro lado, temos acesso à cognição pelo estudo de dados da cultura. As interconexões que atrelam estruturas e elementos de domínios diferentes e os fazem formar novos espaços, em uma integração conceitual, são não apenas parte, mas constituem o que se encontra nas cenas do nosso dia-a-dia e nos bastidores de todo uso da linguagem – ou seja, mente e cultura podem ser consideradas faces de um mesmo processo. Os mecanismos de mesclagem conceitual (cf. FAUCONNIER & TURNER, 2002), em que espaços mentais se interceptam, criando estruturas emergentes, e sob os quais funciona um amplo processo de criação e de criatividade, podem ser considerados uma das próprias características observáveis nas manifestações da

19

Tradução nossa da passagem “despite its mental focus, cognitive linguistics can also be described as social, cultural, and contextual linguistics” (1997: 240) ou “the advent of cognitive linguistics can also be heralded as a return to cultural linguistics” (1994: 31)”.

- 58 -

cultura (e nos produtos dessas manifestações) de que o homem é agente. A linguagem funciona como o próprio princípio organizador desse processo. Construímos mesclagens conceituais a partir de estruturas conceituais amplas, que envolvem esquemas de experiência, cenários estabelecidos ou resgatados no uso da linguagem, papéis atribuídos aos participantes das interações, modelos culturais de compreensão de mundo. Voltamos a repetir, nesse momento, em referência novamente a Fauconnier & Turner (2002), que o princípio das mesclagens é o próprio princípio pelo qual aprendemos, pensamos e vivemos, já que, segundo esses autores, é por esse mecanismo basilar que (re)organizamos incessantemente os nossos pensamentos e as nossas ações. Para Fauconnier & Turner (2002, p.xiv), no que diz respeito às integrações conceituais e aos produtos da mente resultantes dessas integrações, há sistemáticos mapeamentos e esquemas e sistemáticos meios de combiná-los que sublinham

ostensivamente

diferentes

concepções

e

expressões20,

tais

concepções e expressões estão atravessadas no comportamento, nos atos, nas produções do homem e na própria forma como o homem habita o mundo. Quando produzimos sentido e quando pensamos ou agimos (processos sócio-cognitivos), o fazemos correspondentemente aos nossos hábitos e práticas culturais. Cognição e cultura encontram-se, dessa maneira, fortemente intricadas e comprometidas entre si. A produção de sentido, sob essa perspectiva, não é um atributo apenas mental, mas passam pelo sentido desde as emoções e os comportamentos do ser até a história e a cultura em que esse ser-sujeito se insere e é significado. Dessa forma, é possível dizer que o mundo e o indivíduo não são entidades separadas, mas interagem entre si, de forma a se acoplarem. O sentido e a forma como significamos o mundo (e a nós mesmos, como parte do mundo) partem desse princípio integrador, do qual emerge uma perspectiva interacional e cultural diante da cognição e da linguagem – perspectiva que identifica a Lingüística Cognitiva. As relações entre linguagem e cultura devem considerar ainda que o desenvolvimento cognitivo tem uma natureza cíclica, na medida em que se define 20

Tradução nossa da passagem “there are systematic mappings schemes, and systematics ways of combining them, that underlie ostensibly different conceptions and expressions”

- 59 -

entre capacidades psicológicas inatas e experienciações prévias especificamente culturais. Essas capacidades e experiências não são extremidades de um mesmo processo, mas se interconstituem – o que não significa dizer que não há um domínio do cognitivo e um domínio do social, mas sim que esses domínios são marcados essencialmente pela presença de um no outro. A Lingüística Cognitiva se dedica a essas relações, esquematizando-as e sistematizando-as através de análises lingüísticas, já que a língua oferece não só pistas, mas se determina diante dessas relações que fazem relacionar linguagem, cognição e cultura.

5. A proposta de aproximação teórica O que motiva a hipótese da aproximação teórica que temos defendido é a concretização de um conceito de linguagem sustentado na tríade discurso, cognição e cultura. Aproximar a Análise Crítica do Discurso e a Teoria das Mesclagens Conceituais não tem como objetivo dizer o que essas teorias apresentam em comum ou o que não poderia permitir essa aproximação. A nossa proposta não é ver as congruências e não congruências entre elas, até porque sabemos que são teorias com domínios e métodos diferentes e com prioridades distintas. A hipótese que sustentamos se funda na idéia de que, nos instrumentos de compreensão de linguagem organizados por essas duas teorias, há pontos que podem se complementar. Tanto uma quanto outra teoria, como já vimos, oferecem caminhos para entender a linguagem nas suas dimensões discursivas, cognitivas e culturais. No entanto, cada uma prioriza um conceito específico e, por isso, não se dedica extensivamente ao outro conceito. O termo discurso aparece muito timidamente na Teoria das Mesclagens Conceituais e a ACD oferece recursos para potencializar esse conceito de discurso, buscando maiores conseqüências da dimensão discursiva no domínio cognitivo. O termo cognição aparece na ACD, mas ocupa um espaço restrito. A Teoria das Mesclagens Conceituais, em nosso caso, pode aprofundar esse conceito de cognição, trazendo projeções de análises sobre o processamento cognitivo e as representações mentais. Já o termo cultura aparece nas duas teorias, mas tem, em cada uma, desdobramentos diferentes – é

- 60 -

justamente na aproximação entre discurso e cognição que esses desdobramentos podem se conciliar. Na dinâmica dessa aproximação teórica, um dos pontos centrais sobre o qual

procuramos

respostas

é

como

relacionar

processos

mentais

de

representação e de categorização a processos sócio-culturais de representação e compreensão do mundo. Se, por um lado, entendemos a mesclagem conceitual como um processamento cognitivo; por outro lado, no processo de interpretação dos textos e da linguagem em uso, a mesclagem conceitual funciona discursivamente. Dessa maneira, só temos acesso ao processamento cognitivo via discurso; e, no mesmo processo, o discurso só se cumpre via processamento cognitivo. Partimos do pressuposto de que os espaços delimitados no texto, dentro dos quais é possível produzir determinados sentidos (ou as misturas entre espaços, que permitem novas conceitualizações, em um jogo de sentidos) são representações do que acontece em níveis mais abstratos da cognição, nas construções mentais que precedem à formação do texto e permeiam posteriormente o processo de produção de sentido. As mesclagens e as integrações entre domínios conduzem e determinam tanto a dinâmica de troca entre interlocutores quanto a experiência individual e sócio-cultural de cada participante dessa dinâmica. Dessa forma, na linguagem em uso estão envolvidas desde a cognição (em que a linguagem lhe é parte, não um módulo separado), às dimensões sócioculturais, que orientam toda a produção de sentido. Não é possível considerar, frente às diretrizes que assumimos nessa pesquisa, esses itens (cognitivos e sócio-culturais) como instâncias separadas, independentes e auto-suficientes. A linguagem, para nós, como já assumimos por diversas vezes, é uma atividade conjunta e integrada – não existe lugar no social que esteja fora do cognitivo, da mesma forma que não existe lugar no cognitivo que esteja fora do social. Além disso, é preciso considerar que os espaços mentais e os processos de integração entre eles, representados no texto, orientam uma leitura acionada em/por valores sociais, ideologicamente demarcados. É possível dizer que as mesclagens conceituais trabalham, assim, na construção de representações

- 61 -

sociais, que, por sua vez, são organizadas a partir de determinadas crenças e conhecimentos partilhados, em que agem as ideologias. O que sugerimos, perante essa hipótese, é procurar fazer funcionar conjuntamente pressupostos das duas teorias, articulando uma análise lingüístico-cognitiva a uma análise discursiva crítica. É através da construção de uma metodologia, que sistematize uma forma de concretizar a discussão teórica, que poderemos visualizar o alcance

dessa

hipótese.

Esse

é

precisamente

o

nosso

objetivo

no

desenvolvimento da seção seguinte.

6. Metodologia Todo o caminho de reflexões percorrido até aqui, como já demarcamos em diversos momentos, tem por finalidade defender um conceito de linguagem que contemple os conceitos de discurso, de cognição e de cultura. Tal propósito se configura na própria hipótese de aproximação, o que desde o início nos propomos defender, entre a Análise Crítica do Discurso e a Teoria das Mesclagens Conceituais. Desenvolvemos, no primeiro capítulo, uma apresentação dos principais fundamentos de uma e de outra teoria; posteriormente, já no percurso desse segundo capítulo, apostando na possibilidade de complementação entre as teorias, discutimos o potencial que ambas carregam para o trabalho com a linguagem nos termos da tríade discurso, cognição e cultura, experimentando uma aproximação entre seus pressupostos. O que nos acomete, agora, é como essa discussão pode extrapolar seu alcance para práticas de análise. Em outros termos, a questão que emerge, nesse momento da pesquisa, é como a juntura teórica proposta pode encontrar respaldos metodológicos que a sustentem. Se nos colocamos diante de duas teorias a princípio diferentes, com aberturas metodológicas distintas; se nos permitimos deslocar uma análise de discurso e uma teoria lingüístico-cognitiva para um movimento convergente, é porque, de certa forma, postulamos a possibilidade de que essas duas teorias pudessem trabalhar juntas para a construção de procedimentos de análise que articulassem e pusessem em

- 62 -

funcionamento uma concepção de linguagem em suas dimensões discursivas, cognitivas e culturais. Cabe-nos, explicitando primeiramente – e de forma separada - a metodologia da Análise Crítica do Discurso e da Teoria das Mesclagens Conceituais, propor uma terceira metodologia que ocupe posição mediadora entre as duas teorias. Só assim poderemos desenvolver um exemplo de prática de análise a partir de um corpus específico, que será para nós não só o lugar de aplicação da metodologia elaborada, mas principalmente o espaço prático que justificará o uso da linguagem nos termos que temos defendido em nosso trabalho. 6.1. A metodologia na Análise Crítica do Discurso A Análise Crítica do Discurso, no vasto e heterogêneo campo que a identifica, recebe atribuições que a localizam ora como uma teoria, ora como uma proposta metodológica e ora como um projeto de estudo crítico da linguagem que reúne algumas perspectivas teóricas. Uma das suas características centrais é a sua interdisciplinaridade, o que faz com que ela aceite, nos seus domínios, metodologias das mais diversas. Emilia Ribeiro Pedro (1997), ao descrever os aspectos metodológicos da ACD, considera justamente que a ACD trabalha com um leque amplo de categorias descritivas e metodológicas. Como refere Kress (1990), nas práticas da ACD cada investigador tem o seu lugar e usa metodologias de análise num modelo teórico particular, sem que se percam de vista os objectivos e as finalidades que fazem de todos os investigadores membros de um projecto comum. (PEDRO, 1997, p.33)

As características teórico-metodológicas basilares da ACD, portanto, não oferecem (e nem têm como proposta oferecer), para aqueles que buscam fundamentos na ACD ou que a ela se filiam, um método único e com fronteiras bem delimitadas que direcionem suas análises. Os pesquisadores que se voltam a esse ‘projeto’ encontram, sim, determinados enfoques que podem adquirir consistência em planos diversificados. Diante de uma seleção do que nos propósitos gerais da ACD mais interessa ao analista, o corpo metodológico tomará formas diferentes, fazendo com que se construam, por conseguinte,

- 63 -

caminhos de investigação peculiares a cada pesquisa. Apesar dessa dispersão que caracteriza a metodologia da ACD, procuraremos levantar alguns instrumentos e posturas mais ou menos regulares que a identificam. A Análise Crítica do Discurso, mesmo reunindo diferenças metodológicas dentro de seu corpo, busca a construção de um aparelho teórico que atenda ao estudo do discurso, numa perspectiva crítica, frente às relações ideológicas e ao jogo do poder estabelecidos na e pela linguagem. Como uma teoria do discurso, a ACD busca sistematizar o fenômeno social da linguagem, localizando sua origem, sua estrutura e sua formação diante de elementos constituintes desse social, como a história, a ideologia, o poder. Já a ACD, como uma teoria lingüística funcional ou como uma teoria do discurso fundamentada lingüisticamente, trata de explicar o sistema da linguagem no seu uso, ou seja, nos seus processos comunicativos e funcionais. Há ainda que se considerar a ACD como uma teoria social, da forma como o próprio Fairclough (2001) sugere. Nessa condição, a ACD busca também as relações sócio-histórico-culturais envolvidas nos processos de representação e identificação sociais, que atravessam os diversos campos da sociedade, como a economia, a política, a mídia. E, por fim, como defendem mais pontualmente algumas vertentes da ACD (citamos como exemplo van Dijk, Chilton, Wodak), buscam-se também as condições psicológicas, cognitivas e mentais na/da constituição ideológica da linguagem e do discurso. Por ser uma teoria social do discurso, não é objeto da ACD o estudo de elementos lingüísticos específicos, mas sim as problematizações da relação entre linguagem e sociedade. No entanto, por ser também uma teoria lingüística do discurso, a ACD considera fundamental a potencialidade de análises lingüísticas assim como a potencialidade lingüística das análises. Dessa maneira, a ACD busca instrumentos metodológicos nas teorias sociais e culturais e também nas teorias lingüístico-funcionais, procurando conciliá-las para a compreensão dos problemas considerados objetos dessa teoria. Trata-se de uma postura extremamente fértil para diálogos e aproximações teóricas, já que a ACD apresenta como sugestão metodológica a própria investigação de interfaces entre teorias, o que deve contribuir com a extensão de seu projeto.

- 64 -

Um outro aspecto metodológico dentro da ACD pode ser resumido no que descreve Fairclough (2001), a partir da proposta de um quadro tridimensional de compreensão do discurso, em relação aos três momentos necessários para uma análise crítica do discurso: a análise textual, a análise discursiva e a análise social. Essas três dimensões se sobrepõem na descrição e interpretação de uma prática discursiva. Meyer (MEYER apud PEDROSA, 2007) considera, diante disso, a possibilidade, dentro da ACD, de se iniciar uma análise pelos aspectos textuais, pela prática discursiva ou pelas práticas socioculturais, não havendo um consenso quanto à seqüência desses níveis de análise: Não há um consenso sobre onde iniciar a análise de um texto, se ao nível dos componentes lingüísticos, isto é, o texto em si, e das práticas discursivas envolvidas, ou se ao nível das práticas socioculturais associadas ao uso do texto, sendo possível iniciar com qualquer um desses níveis. (MEYER apud PEDROSA, 2007).

Independente da postura que tome um analista em relação ao seu objeto e à sua pesquisa, se o seu trabalho se filia à ACD, suas análises provavelmente irão contemplar desde o texto e as estruturas lingüísticas ao domínio sociocultural – de forma a não entender essas dimensões separadamente, mas como momentos constituintes da prática discursiva. Um dos princípios que rege essa postura estabelece a análise do texto e da estrutura lingüística como um método para estudar as relações sociais, já que, nesse construto teórico, no que diz respeito à própria concepção de discurso, como prática social ou como um momento das práticas sociais, não se desconsidera a dimensão lingüística do discurso. A forma como a ACD trata os dados lingüísticos recebe forte influência metodológica dos estudos funcionais da gramática, mais especificamente da Lingüística Sistêmica Funcional. Vários estudos da ACD recorrem, para fundamentar suas análises textuais, às categorias descritas pela Gramática Funcional, dentre elas as que se referem ao vocabulário (como a significação, as nominalizações, as metáforas), as que dizem respeito aos elementos de coesão (como os conectivos e a argumentação lingüística) e as que propõem análise dos elementos de gramática (como tema, transitividade, modalidade). Apesar de

- 65 -

receber maior influência da Gramática Funcional, para a análise de textos, encontramos na ACD, dentre outros casos, análises que recorrem à pragmática (com análises de implicaturas, pressuposições, atos de fala) e estudos que buscam teorias que descrevem estruturas cognitivas, como a própria concepção de metáfora. O uso da análise lingüística e da análise textual como um momento fundamental de uma análise do discurso é, portanto, uma das posturas mais recorrentes da ACD e é, para nós, um traço não só fundador das análises de dados a que nos proporemos no capítulo seguinte, mas uma motivação singular para orientar a própria hipótese de aproximação teórica com uma teoria lingüística. Procuraremos, fincados no projeto da ACD, buscar recursos metodológicos de uma teoria da Lingüística Cognitiva, assim como, fincados da Teoria das Mesclagens Conceituais, buscar recursos metodológicos de uma análise do discurso.

6.2. A metodologia na Teoria das Mesclagens Conceituais Na Lingüística Cognitiva, quadro dentro do qual se definem tanto a Teoria dos Espaços Mentais quanto a Teoria das Mesclagens Conceituais, não há ainda um comportamento metodológico muito bem definido. Em cada conjetura decidida dentro da Lingüística Cognitiva, é possível observar métodos diferentes, mas que sustentam uma mesma regularidade de preocupações, como: a análise de dados autênticos, ou ainda o recorte de dados baseados no seu uso; o tratamento das informações lingüísticas como integradas a outros processos mentais e como pistas dos mecanismos cognitivos; a interatividade da construção do sentido, em que estão envolvidas questões mais amplas, numa perspectiva cultural e histórica; dentre outras posturas (cf. AZEVEDO, 2006, p.23). Para essa pesquisa, interessa o que especificamente a Teoria das Mesclagens Conceituais propõe como metodologia de análise. A concepção de espaços mentais, como se sabe, precede ao conceito de mesclagens, que como uma evolução daquela teoria herda alguns de seus procedimentos metodológicos. Tanto espaços mentais como mesclagens são reconhecidos dentro de uma

- 66 -

Semântica Cognitiva, que por sua vez busca instrumentos nos métodos da Gramática Cognitiva para sustentar alguns de seus procedimentos. A Gramática Cognitiva defende primordialmente a gramática da língua como processamento cognitivo, coordenando uma visão não-reducionista da estrutura lingüística. Esse modelo postula determinadas diretrizes para uma orientação metodológica, dentre os quais se destacam as considerações de que a análise lingüística e a teorização devem se apoiar nos dados de uso, de que a compreensão e a produção são integradas, só separáveis para propósitos metodológicos, de que o sistema lingüístico está interconectado com outros sistemas cognitivos e de que as representações lingüísticas são emergentes e não vistas como entidades fixas (AZEVEDO, 2006, p.29).

Já a Semântica Cognitiva, além de recorrer a essas postulações pontuadas acima, defende ainda – e primordialmente – que, no uso da linguagem, estão envolvidos aspectos contextuais e relações mais amplas que estão além do que defendiam concepções reducionistas que se preocupavam apenas com aspectos relacionados à estrutura lingüística. Fauconnier, por exemplo, observando os preceitos mais caros à Lingüística Cognitiva, define método da seguinte maneira: Os métodos devem compreender tanto os aspectos contextuais do uso da linguagem até a cognição não-lingüística. Isso denota o estudo do discurso em sua totalidade, da linguagem em seu contexto, das inferências de fato feitas por participantes em uma interação, de frames aplicáveis, de pressupostos implícitos e construal21, dentre outros (FAUCONNIER, 2003, p.2).22

Fauconnier, mesmo que não determine como objeto de suas reflexões a dimensão discursiva da linguagem, defende, como se pode ver, uma análise que não silencia a história que atravessa e constitui os dados lingüísticos, já que é preciso considerar, antes de tudo, que esses dados foram retirados de uma situação de uso da linguagem comprometida com uma série de fatores sócioculturais. Há de se considerar, no entanto, que os respaldos metodológicos da 21

Construal refere-se à nossa capacidade de conceptualizar uma mesma situação objetiva de formas variadas, possibilidades alternativas de apresentação de uma mesma situação (AZEVEDO, 2006, p.26). 22 Tradução nossa da passagem “Methods must extend to contextual aspects of language use and to non-linguistic cognition. This means studying full discourse, language in context, inferences actually drawn by participants in an exchange, applicable frames, implicit assumptions and construal, to name just a few.”

- 67 -

Teoria dos Espaços Mentais, como veremos a seguir, apresentam muita sistematicidade para lidar com os traços lingüístico-cognitivos dos dados e pouca sistematicidade para avaliar os elementos contextuais e sócio-culturais desses dados, ou seja, os elementos discursivos. Na Teoria dos Espaços Mentais, a observação da gramática e da estrutura lingüística proporciona explicações de como os dados da língua servem para revelar aspectos de uma elaborada representação mental. As expressões lingüísticas (e a gramática da língua) desempenham um importante papel ao mediarem a dinamicidade da construção e da estruturação dos espaços assim como da interconexão estabelecida entre eles. As marcas lingüísticas, pragmáticas e contextuais que introduzem espaços mentais são denominadas, como já explicitamos no primeiro capítulo, ‘construtores de espaços mentais’. É sistematizando o funcionamento desses construtores que essa teoria faz da gramática e da estrutura lingüística um método de análise do processamento cognitivo. As sentenças, no que diz respeito às formas lingüísticas que as constituem, são

estágios

das

construções

discursivas

que

podem

conter

diversas

informações, através de variados planos gramaticais. Há informações ou expressões que desempenham papel fundamental na formação de espaços e contribuem na sua construção. Os tempos e modos verbais, as descrições que introduzem novos elementos nos espaços, os processo de referenciação que identificam esses elementos (nomes, anáforas, descrições), as construções sintáticas, a composição lexical, as marcações preposicionais, os encadeamentos de pressuposições são exemplos do que Fauconnier (1994) identifica como ‘construtores de espaços mentais’. Ao declarar o trabalho com sentenças, Fauconnier (1994, p. xxvii e p.xlv) justifica que considera as sentenças, ao contrário da perspectiva formalista, não como auto-suficientes e como contenedoras dos significados, mas como um passo dentro do extenso processo de construção de significados. Ele considera ainda, no trabalho com sentenças, as suas condições de uso - como as configurações prévias em que elas aparecem, o contexto e os conhecimentos

- 68 -

implicados, as funções pragmáticas, os frames, os esquemas, as conexões e integrações conceituais (cf. FAUCONNIER, 1994, p.xxvii). No entanto, mesmo que se considere uma análise não descontextualizada e não descolada de sua situação sócio-comunicativa, o grande problema da Teoria dos Espaços Mentais é justamente concentrar-se em análises de sentenças e em categorias limitadas correspondentes aos próprios construtores de espaços mentais. Para o nosso trabalho (e também para a Teoria das Mesclagens Conceituais), essas posturas não se fazem interessantes, até porque estamos dentro de um projeto que visa a estudar a linguagem em uso, fundamentada na tríade discurso, cognição e cultura. A Teoria dos Espaços Mentais e a Teoria das Mesclagens Conceituais, fazendo referência a uma importante noção dentro da Lingüística Cognitiva, recorrem ao princípio do mapeamento para representar as relações mentais que descreve. Esse princípio é emprestado da própria noção matemática de conjuntos, em que elementos criam, migram ou se interceptam em conjuntos. Fauconnier (1997) entende que produzimos e interpretamos significados através de uma rede de mapeamentos sob os quais a nossa mente funciona. Na Lingüística Cognitiva, mapeamentos são operações mentais complexas entre domínios. Os domínios incluem, na sua estruturação, frames prévios e os espaços mentais, introduzidos localmente. Os mapeamentos são parciais, assimétricos e móveis. Todo esse processamento é subjacente à gramática cotidiana. (AZEVEDO, 2006, p.34).

Esse lugar teórico aponta, como podemos ver, para a idéia de que utilizamos a linguagem, pensamos e interagimos através de extensas redes possíveis de serem mapeadas. Tal compreensão frente aos processamentos cognitivos é que motiva representar em diagramas esses processamentos, como um método mesmo para descrever a complexa rede de relações mentais. Nessas teorias, recorre-se, portanto, com bastante freqüência ao recurso gráfico de representação, tomando emprestado, como já se disse, a linguagem da matemática. A representação de espaços mentais e espaço mesclas em diagramas se dá justamente a partir da administração de diversos elementos gráficos que

- 69 -

representam estágios desse processamento: os espaços são representados em círculos/grupos; esses grupos são compostos internamente por elementos representados por pontos e/ou por letras; os arranjos e as disposições de elementos (que são arranjos parciais e localizados) se definem através dos espaços, no jogo dinâmico estabelecido entre eles - essas relações são representadas por linhas (ou setas) cheias ou pontilhadas, dentre outros artifícios. (cf. Fauconnier, 1994, p.16). Em um desenho gráfico que exemplifique essa representação, teremos esquemas como o disposto a seguir, que foi elaborado, de forma hipotética, apenas para ilustração:

frames, scripts espaço A

. .

b’

b

c’

a

espaço A

frames, scripts espaço B

a’

.. .

espaço AB = espaço C frames, scripts espaço C

c

espaço B

Um outro princípio que organiza o funcionamento dos espaços mentais e de sua estruturação (assim como das interconexões estabelecidas entre elementos que compõem os espaços) refere-se à natureza de relações estabelecidas entre espaços de origem (ou espaços fontes) e espaços alvos, dentro dos quais se projetam elementos oriundos dos espaços fontes – como foi possível observar no diagrama disposto acima. As expressões lingüísticas construtoras de espaços mentais é que cumprem o papel de estabilizar novos

- 70 -

espaços, elementos dentro desses espaços e relações estabelecidas entre esses elementos. O processamento cognitivo no entendimento da Teoria dos Espaços Mentais passa a receber configurações ainda mais complexas com o desenvolvimento do conceito de mesclagem que, utilizando os mesmos recursos gráficos para representar espaços mentais, acrescenta novas complexidades, a partir da idéia de integração conceitual, ao processamento cognitivo resgatado pela/na linguagem. É o que se pode observar no quadro abaixo, elaborado por Fauconnier para representar o processo de constituição de espaços mesclas:

Generic Space (Espaço Genérico)

input I 1

input I 2

Blend (Mescla) (FAUCONNIER, 1997, p.151) A disposição dos diagramas utilizados na compreensão dos processos de construção, estruturação e interconexão de espaços mentais e de espaços

- 71 -

mesclas provém de uma percepção imagética pela qual funcionam a cognição humana e a linguagem. A relação dessas imagens com o mundo não é direta, mas o mundo e essas imagens se interceptam. A cultura mantém influência sobre essa imagética ao mesmo tempo em que dela recebe comandos. Por esse motivo, por não ser simples representar em diagrama a própria relação entre cognição e cultura e a própria complexidade dos processamentos cognitivos, que o uso desses diagramas pode ser limitador e, até, inviável. Outro recurso metodológico importante dentro desse construto teórico é o uso de conceitos como Modelos Cognitivos Idealizados, modelos culturais, scripts e frames – esse último tendo um alcance maior, na medida em que pode ser usado para se referir aos demais. Para nós, que pretendemos considerar a dimensão discursiva e cultural da linguagem, essas noções trazem subsídios importantes que irão instrumentalizar as análises que pretendemos desenvolver no capítulo seguinte. Trata-se da forma como nossas experiências, culturalmente demarcadas, organizam a mesclagem de espaços mentais; os esquemas disponíveis para a produção de sentido; os papéis previamente estruturados e que determinam a comunicação; e os modelos cognitivos e culturais que amparam a integração e a interligação entre espaços. Diante dessas diretrizes metodológicas, assumiremos a postura de utilizar muito mais os seus pressupostos do que propriamente os seus procedimentos. Essa teoria assume, para nós, o importante papel de oferecer instrumentos para mapear a organização cognitiva no processo de produção de sentido e no discurso, mas ela mesma não organiza procedimentos metodológicos suficientes para tal. O que nos interessa de forma central é o próprio princípio das mesclagens conceituais como processamento cognitivo de base e como importante capacidade da mente de (re)produzir sentidos e (re)ordená-los, conforme os eventos comunicativos demandam; e, ainda, o que nos interessa é a própria postura integradora que essa teoria descreve e estimula. 6.3. A construção de uma metodologia Após descrevermos os principais fundamentos e diretrizes metodológicas da Análise Crítica do Discurso e da Teoria das Mesclagens Conceituais, lançamo-

- 72 -

nos agora ao objetivo de fazer convergir pressupostos desses dois construtos teóricos para a elaboração de uma metodologia. É muito importante observar que tanto a ACD quanto a Teoria das Mesclagens Conceituais não sugerem uma metodologia rígida – ambas permitem e incentivam uma postura interdisciplinar. Dessa maneira, encontramos abertura dos dois lados para elaborar um conjunto de procedimentos metodológicos que invista na hipótese da aproximação teórica que vimos trazendo até aqui. É preciso esclarecer, primeiramente, o grau de comprometimento com cada uma das duas teorias. A estratégia adotada – prevista na própria seqüência de apresentação – consiste em um posicionamento que permita que, de dentro da ACD, seja possível convocar a Teoria das Mesclagens Conceituais para um diálogo. Tal postura não faz da ACD a principal âncora da aproximação, mas simplesmente a define como o ponto de partida. É essa posição intermediária que não permite ao nosso trabalho se filiar a nenhum ponto especificamente – o que objetivamos é buscar recursos que conciliem esses pontos em um único corpo de análise, criando um espaço metodológico integrado. Recorremos, portanto, para iniciar uma descrição metodológica, à postura da ACD de sugerir três níveis (interdependentes) de análise: a análise textual, a análise social e a análise discursiva. Adotaremos esse procedimento como um carro-chefe para os demais. A seqüência para esses três momentos de análise seguirá a seguinte lógica: descrever alguns dados sociais para fundamentar a análise de textos e analisar os textos para desencadear as análises discursivas. O encadeamento ‘análise da prática social, análise textual e análise da prática discursiva’, mesmo que didaticamente se subdivida, pode, em momentos oportunos, confundir suas partes ou buscar respostas de uma parte na outra. A cognição, como defendemos fortemente, é um elemento que perpassa todas essas três etapas de análise. E a cultura, por sua vez, por não se dissociar da cognição e por estar diretamente vinculada com o social, com o texto e com o discurso, deverá ser também um elemento constante em cada uma das etapas. Na análise social, a cultura aparece como uma condição da própria existência social do objeto e de suas implicações históricas e a cognição aparece como um elemento do social (assim como o social é também um elemento da cognição). Na

- 73 -

análise textual, a cultura está nas instâncias de circulação e consumo dos textos, já a cognição está presente nos elementos mentais constituintes dos processos de produção e interpretação. Na análise da prática discursiva, para qual convergem todas as outras análises, cognição e cultura se unem ao discurso por todos os motivos pelos quais sustentamos a tríade basilar dessa dissertação. Para uma análise da prática social, acreditamos que o objeto e o corpus devam ser alvos de uma descrição que atente para as relações sociais, para os dados culturais e para os aspectos cognitivos implicados no discurso. Isso significa contextualizar o objeto na história e na sociedade em que ele se insere e não tratar nenhum dado fora dessa contextualização. Além disso, no que se refere à cognição, isso também significa descrever os matizes comunicativos acionados para aquele uso de linguagem especificamente, quais esquemas e papéis internalizados são postos em jogo no evento comunicativo, a que modelos culturais recorre esse evento, quais são as expectativas dos participantes da comunicação frente a uma rede de acontecimentos que a integram, entre outros aspectos a mais que se resumem nos conceitos de script, frames, modelos culturais, esquemas genéricos, Modelos Cognitivos Idealizados. Em uma primeira etapa, os objetivos da análise que propomos nessa metodologia são, deste modo, contextualizar o corpus/objeto, ressaltar as suas práticas sociais e discursivas de representação, apresentar as temáticas que o envolvem e sua implicação cultural, buscar os dados sociais, políticos e culturais que fundamentem as análises das estruturas discursivas, descrever qual o universo cultural que emerge nos textos e qual a sua moldura comunicativa e buscar apontar quais conhecimentos operam no tipo de evento, permitindo a identificação dos elementos da interação (identidades e papéis sociais, por exemplo). Após descrever essa rede de configurações, deve-se buscar uma outra fase de análises, agora mais centrada no texto. Em uma análise textual, é a análise lingüística que aparece como fundamental – o que é um traço comum entre as duas teorias. Na ACD, a análise lingüística é um método para estudar as relações sociais, já que as estruturas lingüísticas fornecem pistas do que acontece na sociedade. Na Teoria das Mesclagens Conceituais, atribui-se à análise lingüística a função de permitir

- 74 -

acesso ao processamento cognitivo. No lingüístico convergem, portanto, a sociedade e a cognição. Para uma análise lingüística (lingüístico-textual), deve-se considerar os dados lingüístico-textuais sob uma perspectiva funcional. Essa é uma postura que tanto a ACD quanto a Teoria das Mesclagens Conceituais assumem e articulam em seus pressupostos. Especificamente na hipótese de aproximação teórica que propomos, essa análise lingüística passa pelos procedimentos de análise da Teoria das Mesclagens Conceituais, mas assume conseqüências maiores com as implicações atribuídas pela ACD à análise lingüística. A proposta é compreender como os processos integradores das mesclagens, manifestados nos textos, agem no processo de representação social e de construção discursiva de identidades. Desse modo, temos aqui que abandonar as análises de sentenças, como aparece na maior parte da literatura sobre espaços mentais, para analisar textos. A Teoria das Mesclagens Conceituais, nos seus pressupostos mesmos, desconstruiu a postura da Teoria dos Espaços Mentais de prender suas descrições a sentenças. Não interessa a nós somente o que uma sentença disponibiliza na construção de espaços, mas como esses espaços locais estão posicionados diante de espaços mais amplos e globais projetados no texto – uma perspectiva que é, inclusive, integradora. Já o uso de diagramas, como faz a Teoria das Mesclagens Conceituais, para a descrição e o mapeamento dos processamentos cognitivos de formação de espaços mesclas será, para nós, relativamente possível. Representar em diagramas toda a malha de espaços mesclas, com toda a representação simbólica de relações e interceptações, seria de extrema complexidade, já que estaríamos de frente a uma proposta descabida de representar o próprio discurso em diagramas. Essa postura, no entanto, não condena exatamente o uso desse recurso metodológico para mapear algum processo de mesclagem, e sim o seu uso como indispensável, reconhecendo a extrema complexidade de representar em gráficos todas as relações semânticas, pragmáticas e discursivas envolvidas na produção de sentidos. Até porque os textos são semanticamente heterogêneos e podem conter uma variedade de informações simultâneas relativas aos diferenciados

- 75 -

aspectos de construção discursiva e à inserção contextual dos processos de construção do sentido. Todas as duas etapas referidas até então (a análise da prática social e a análise textual) já configuram dados para uma análise da prática discursiva, completando os três momentos de análise propostos na ACD. Especificamente a análise da prática discursiva, aplicada aos pressupostos do diálogo teórico que propomos, deve ser capaz de aliar as análises dos processamentos cognitivos às análises das práticas sociais e discursivas de representação. É a análise da prática discursiva que vai dizer que as mesclagens conceituais têm propriedades discursivas, além de cognitivas e, por isso, estão para o social tanto quanto estão para a cognição. O que essa metodologia encaminha não é nem uma análise cognitiva, nem uma análise lingüística, nem uma análise discursiva e nem uma análise cultural – o que queremos é uma convergência dessas análises em um objeto. Diante de uma concepção de linguagem que faça funcionar conjuntamente os elementos da tríade discurso, cognição e cultura, não poderia haver uma metodologia que desarticulasse esses elementos. Apesar de que, por efeito de organização metodológica, por ora, esses elementos apareçam separados, é muito importante não perder de vista a sua integração, que deve chegar ao momento de análise com todo vigor de sua pertinência, aliado à hipótese de ver funcionando, em uma mesma prática de análise, duas teorias distintas, integradas em um espaço emergente resultante de sua aproximação.

- 76 -

7. Considerações finais Conduzido pelos pressupostos da Análise Crítica do Discurso, que descreve, conforme os escopos que defende, o conceito de discurso, buscamos no intuito de considerar, além dos domínios sociais, os domínios cognitivos da linguagem - a Teoria das Mesclagens Conceituais, que enxerga a cognição por uma perspectiva integrada. Essa busca, por sua vez, faz aparecer um traço em comum nessas duas teorias: uma e outra organizam, nas suas discussões, de alguma maneira, um conceito de cultura, posicionando-a como constitutiva das manifestações da linguagem. Mostram-se aqui os pilares que sustentam, em nossa pesquisa especificamente, a combinação entre os conceitos de discurso, cognição e cultura. Toda essa trajetória articulada no decorrer do primeiro e do segundo capítulo constituiu uma discussão teórica que reclama agora um exemplo de prática de análise. O capítulo seguinte tem justamente a proposta de ver funcionar essa discussão e de avaliar as suas conseqüências. O objetivo de agora é menos teórico e consiste em, no emprego da metodologia proposta, buscar a sua operacionalização em um corpus específico, tornando mais concreto o projeto teórico-metodológico defendido.

- 77 -

CAPÍTULO III

O Presidente Lula e o embate ‘Fórum Econômico Mundial x Fórum Social Mundial’: uma análise a partir das relações entre discurso, cognição e cultura

- 78 -

1. Considerações iniciais Como eixo central dessa dissertação, organizamos um objeto estritamente teórico, descrevendo as razões de sustentação da tríade discurso, cognição e cultura e estabelecendo uma aproximação entre teorias, justificada nessa tríade. Agora a pesquisa assume um outro status, que se fundamenta na finalidade teórica dos capítulos anteriores, mas que busca complementar aquelas discussões com uma prática de análise. Por esse motivo, nesse capítulo, o nosso estudo torna-se mais descritivo, na medida em que pretende esquematizar e mapear as características de um corpus, na descrição e interpretação de sua ocorrência. O objeto com que trabalharemos na prática de análise corresponde às representações que circularam na mídia acerca do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003 e 2005, quando ele assumiu a postura de participar simultaneamente de dois eventos projetados, na esfera pública mundial, como inconciliáveis em suas propostas: o Fórum Social Mundial, encontro com que o próprio Lula colaborou para a fundação e continuidade; e o Fórum Econômico Mundial, Fórum a que ele se opunha fortemente até pouco tempo antes da eleição histórica que o levou à Presidência. Para formar um corpus, foram delimitadas, dentro da mídia impressa nacional, duas revistas semanais de grande circulação, a Veja e a IstoÉ. Dentre o que foi encontrado nessas revistas, nos anos de 2003 e 2005, referente à participação do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos Fórum Econômico Mundial e Fórum Social Mundial, selecionamos as reportagens O elo entre dois mundos (Veja, 29 de janeiro de 2003 – edição 1787), Elo entre dois mundos (Veja, 02 de fevereiro de 2005 – edição 1890), Lula lá e cá (IstoÉ, 29 de janeiro de 2003 – edição 1739) e Vitrine Brasil (IstoÉ, 02 de fevereiro de 2005 – edição 1842).23 Em uma primeira etapa, contextualizaremos esse corpus em suas determinações sociais, históricas e culturais. Posteriormente, tomando os textos das reportagens, conduziremos análises a partir das diretrizes metodológicas 23

Todas as reportagens que compõem o corpus seguem em anexo, ao final do corpo da dissertação.

- 79 -

propostas no capítulo anterior, desenvolvendo um trabalho de análise discursiva, lingüístico-cognitiva e cultural. Nesse percurso, a ênfase recairá tanto no processamento cognitivo quanto no processamento discursivo, levando em conta as implicações culturais. É dessa forma, portanto, que será conduzida uma análise da maneira como se constrói a identificação do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, especificamente nas reportagens selecionadas, diante da representação de embate entre os dois fóruns rivais, demarcando a ação da mídia na circulação de representações acerca de agentes sociais.

- 80 -

2. Fórum Econômico Mundial e Fórum Social Mundial O Fórum Econômico Mundial (FEM) surge em 1971, convocado pelo suíço Klaus Schwab, professor de negócios e empresário. A princípio, tratava-se de uma reunião informal entre líderes políticos da Europa, nas montanhas da Suíça, em Davos. Posteriormente, essa reunião passa a acontecer de ano em ano e ganha novos membros, formalizando-se no Fórum Econômico. Com o propósito de colaborar na melhoria da situação do mundo, esse fórum diz incentivar o engajamento e a parceria entre líderes e a discussão sobre interesses globais e locais em uma sociedade globalizada. Reúnem-se executivos-chefes de corporações, líderes políticos nacionais, intelectuais e jornalistas de vários países, com o objetivo de discutir o desenvolvimento, em suas demandas econômicas, decidindo e elaborando uma agenda para a economia mundial. Em contraposição ao Fórum Econômico Mundial e em reposta aos sentidos que circulam sobre esse Fórum (sentidos como o de imperialismo, o de elitismo, o de neoliberalismo e o de hegemonia), vários eventos dispersos pelo mundo aconteceram com o objetivo de afrontar a globalização econômica representada em Davos. Esses movimentos constituídos como contra-poder ao capitalismo liberal e à hegemonia têm ganhado, principalmente após a Guerra Fria, uma força crescente como expressão pública organizada (STEINBERGER, 2005, p.34). Um evento especificamente, nestes últimos anos, tornou-se o maior representante dessa esquerda mundial, justamente por corresponder a convergências de variados e específicos movimentos sociais. Trata-se do Fórum Social Mundial (FSM). Janeiro de 2001: organiza-se a sua primeira edição na cidade brasileira de Porto Alegre. Em sua proposta fundadora, estava o desígnio de concentrar forças e de se posicionar como contraponto ao tradicional evento de Davos. Essa proposta de contraposição está presente na semelhança proposital dos nomes: um movimento social que se formaliza como ‘fórum’ e que propõe alcance ‘mundial’. Segundo os idealizadores do Fórum, essa troca de adjetivos teria o potencial de dizer, de forma concisa, a serviço de que nascia o FSM. Outra semelhança fundamental foi a escolha por datas idênticas ao acontecimento do

- 81 -

FEM, o que deixava claro: ou Davos ou Porto Alegre. A caracterização do Fórum Social Mundial como opositor ao Fórum Econômico Mundial foi realmente, como se vê, uma proposta fundadora. Segundo um dos idealizadores do Fórum Social, Bernard Cassen, jornalista e diretor-geral do Le Monde Diplomatique, o objetivo era organizar um movimento anti-Davos, que, inclusive, já vinha acontecendo em variadas manifestações e encontros, mesmo que ainda tivessem alcance limitado (cf. CASSEN, 2001, p.15). O FSM reuniu múltiplas identidades (nacionais, culturais e políticas), em um internacionalismo alternativo, para discutir o mundo em suas questões sociais. O Fórum adquiriu uma importância planetária, refletida na própria presença da mídia durante seu acontecimento, que, mesmo considerando o FSM como um carnaval da ideologia dos contras, deu suficiente visibilidade a ele, reafirmando a sua importância histórica (cf. CATTANI, 2001, p.9). É preciso ressaltar ainda que falar sobre Fórum Social Mundial é falar de Brasil. Porto Alegre virou símbolo, em uma remissão metonímica, da criação e continuidade desse Fórum. Deonísio da Silva, que escreve semanalmente no espaço Último Segundo na página eletrônica do Observatório da Imprensa, em seu artigo Porto Alegre e Davos – o trem está atrasado ou já passou, publicado no período posterior à participação do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva tanto no Fórum Econômico Mundial quanto no Fórum Social (em 2003), inicia suas ponderações nas palavras: Você vê, ouve e lê. Impossível evitar o noticiário. Porto Alegre tomou conta do Brasil com a força do Fórum Social Mundial24. Outras cidades, em outros países, também foram sedes, até então, de algumas edições do Fórum – Mumbai (Índia, 2004), Caracas (Venezuela, 2006), por exemplo. No entanto, é o nome ‘Porto Alegre’ que, com mais recorrência na mídia, é identificado como referência ao FSM. As diferenças entre FEM e FSM parecem evidentes. Mas, decerto, é preciso avaliar com mais cuidado o que se apresenta e se desdobra sob essa obviedade. Tratando-se de um embate discursivo, de uma luta que acontece no interior dos fóruns e que também está presente na repercussão dos fóruns no 24

Artigo retirado do site [http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/fd290120031.htm] em 06 de maio de 2006.

- 82 -

mundo, uma série de questões se abre e indica a complexidade das relações que atravessam esses eventos e sua relevância (geo)política. Uma análise dos discursos da mídia sobre o Fórum Social Mundial e o Fórum Econômico Mundial é também uma análise dos discursos geopolíticos da mídia. Os procedimentos de uma análise discursiva permitiriam abordar de modo sistemático as condições de produção desses discursos e, por conseguinte, desautomatizar não só a apreensão que se tem dos acontecimentos, assim como também a compreensão das práticas sociais envolvidas. É muito importante, dentro das perspectivas de nosso trabalho, pensarmos na forma como os domínios ‘Fórum Econômico Mundial’ e ‘Fórum Social Mundial’ se estruturam (ou são levados a se estruturarem) na mente dos indivíduossujeitos no momento de leitura das reportagens. Primeiramente, é preciso considerar que grande parte das pessoas conhece os objetos ‘FEM’ e ‘FSM’ através do que a mídia divulga sobre eles e através da maneira como a mídia os apresenta – seja na televisão, seja nos diversos jornais e revistas, seja nos sites de cada um dos Fóruns. A mídia cria, na demanda de apresentar o mundo ao seu público-audiência, a necessidade de trabalhar sobre espaços que identifiquem esses Fóruns ou que, numa rede de outros espaços previamente estruturados na memória pessoal ou social, façam emergir, em um integração conceitual, uma estrutura que possa produzir um efeito do ‘novo’ que inaugura um domínio de compreensão. Em nossa apreensão de mundo, os domínios ‘FEM’ e ‘FSM’ são inaugurados, mas não estréiam nenhum espaço inédito. No momento de apresentar os Fóruns, os meios da mídia se utilizam de estruturas prévias já internalizadas no conhecimento de mundo dos indivíduos - por exemplo, as oposições ‘esquerda x direita’, ‘capitalismo x socialismo’ -, fazendo com que esses supostos novos domínios sejam catalogados em um arquétipo ou em modelos já organizado culturalmente e sob os quais a mídia trabalha, até mesmo para reproduzir ideologias e agir sobre sua manutenção. Dessa maneira, é no jogo com a cognição de seus leitores/ouvintes (ou no jogo das cognições envolvidas na comunicação), que aqueles que falam sobre os Fóruns, na própria

- 83 -

concepção que elaboram para o público, constroem e determinam o aparecimento desses Fóruns na mídia. 3. Luiz Inácio Lula da Silva: um cristão novo A eleição presidencial de 2002, que finalmente levou Lula a ocupar o posto de Presidente da República, foi decidida dentro uma conjuntura inédita. Aquele candidato das eleições anteriores, representado pela aspereza, intolerância e até agressividade, adota a partir de então uma imagem um tanto quanto diferente do início de sua vida pública. O Lula Light ou o Lulinha paz e amor toma corpo e é apontado como a versão de Lula que o levou à Presidência. Desde os meses anteriores ao momento histórico que caracterizou a chegada de Lula ao poder, jornais e revistas o anunciavam nos parâmetros de uma conversão aos preceitos capitalistas, ora assimilada a um marketing político ou a uma maquiagem eleitoral (e, por isso, Lula era identificado ainda como quem oferecia ameaça), ora assimilado a um processo de amadurecimento (o que categorizava Lula como um político preparado para o cargo de Presidente da República). Dentro desse contexto, uma das denominações veiculadas pela revista Veja cunhava justamente o termo ‘cristão novo do capitalismo’ para se referir às mudanças de Lula. Desde então, a identidade atribuída a Lula passa a oscilar entre o que o caracterizava no início de sua vida política (a esquerda, a militância, etc) e o que passa também a caracterizá-lo das eleições de 2002 em diante (posturas de aceitabilidade às atividades do capitalismo). Ao representar essa mudança de Lula, fez-se necessária uma nova ordem de sentido que re-significasse a sua identidade. No entanto, essa nova ordem mantém necessariamente relações com a estrutura precedente, exatamente aquela sobre a qual se pretendia projetar um rompimento. No novo Lula, há lembrança da velha imagem que o identificava. É nesse sentido que sua identidade, construída sob o olhar das mais variadas formações discursivas, em um processo de integração conceitual, passa a apresentar uma natureza híbrida e oscilante. No contexto dos primeiros meses de governo, marcado por um ineditismo histórico, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu-se participar dos dois

- 84 -

Fóruns Mundiais considerados como eventos opostos e inconciliáveis de discussão do mundo na contemporaneidade. Tal postura veio alimentar ainda mais a representação híbrida da identidade política de Lula. Participar do Fórum Social Mundial, logo após a uma vitória da esquerda, que chega ao cargo político máximo do país, era uma atitude previsível; mas se propor a ir a Davos e participar simultaneamente do Fórum Econômico Mundial foi, dentre suas ações iniciais, a mais inesperada. A presença de Lula nos dois fóruns colocou em pauta, na mídia de todo mundo, a representação dos dois eventos e a relação de Lula com cada um deles. Em 2003, esse acontecimento repercutiu extensamente e carregava as implicações da recente chegada de Lula à Presidência. No ano seguinte, Lula não foi nem ao Fórum Social, que não aconteceu no Brasil, e nem ao Fórum Econômico. Mas em 2005, o Presidente, retomando a mesma postura de dois anos atrás, vai a Davos e a Porto Alegre. Não tão conclamado como em 2003 e já distanciado de um ineditismo, Lula é vaiado no Fórum Social e não é recebido como uma estrela no Fórum Econômico. No entanto, a sua presença nos dois encontros ainda repercute e é significada de maneira muito semelhante a de 2003. A mídia cumpriu justamente o papel de acompanhar e significar a presença simultânea do Presidente nesses dois eventos, fazendo circular uma rede de representações tanto sobre o Presidente Lula quanto sobre os fóruns.

4. A mídia e o potencial cultural de produção de textos A potencialidade social de espaços do mundo é veiculado a uma prática social e cultural que o legitime. A mídia, como uma prática social e cultural característica de um período pós-moderno-midiático, tem justamente esse poder de legitimar e de instaurar compreensões de mundo, já que nela se reconstroem e se reproduzem valores sociais e já que ela tem o poder organizador de discursos. Por esse motivo, Steinberger (2005) considera que os jornais e revistas são capazes de desenhar mapas do mundo e são eles próprios mapas pós-modernos que propõem roteiros de compreensão do mundo, podendo indicar em que lugar estamos e quem somos (STEINBERGER, 2005, p.30).

- 85 -

A mídia tem instrumentos fortes (e ela mesma é um forte instrumento de poder) para controlar os meios de produção de sentido, construindo e articulando sistemas de referências. Como uma instituição que produz incessantemente textos e que realiza, por isso, o trabalho da cultura, as ações da mídia passam pela apropriação, pela manutenção e pelos legados dos sistemas de cultura que se abrem e que podem ser lidos nesses textos, como objetos culturais. O trabalho com o texto e com a textualidade, portanto, é uma forma de organizar o processo investigativo de circulação de discursos na mídia - como uma prática cultural determinada e como instância produtora de cultura - e, por conseqüência, na sociedade, como espaço condutor da mídia e como espaço re-elaborado e legitimado por essa mídia. Fredric Jameson (1997), em A lógica cultural do capitalismo tardio, nas suas considerações sobre textualidade e escritura, defende justamente que a cultura passa, na lógica do capitalismo multinacional, a se apresentar na forma de textos, que se articulam e são atravessados por seu contexto sócio-histórico. Ao defender que a cultura seja a lógica do capitalismo tardio, a esfera da organização social passa a ser entendida, segundo esse teórico, como um arranjo em dominância do cultural. É possível, sob essa perspectiva, dizer que o texto e a textualidade, como o formato da cultura que se apresenta, organizam a própria lógica da esfera pública inaugurada nesse estágio tardio do capitalismo. A sociedade característica desse estágio – do capitalismo multinacional – é conhecida, dentre outras denominações, como sociedade das mídias, sociedade da informação, sociedade eletrônica e sociedade do consumo. Nesse cenário, não se fala somente de mudanças culturais, mas de mudança do lugar da cultura na estrutura dessa sociedade. A ascensão das mídias e de sua projeção funcionalizam as tecnologias de produção e reprodução do simulacro. Falamos de uma cultura como simulacro25 para dizer desse mundo transformado na imagem de si próprio – o que não é somente um traço da sociedade pós-moderna, mas um efeito de sua própria lógica. 25

Trata-se de um termo utilizado por Eduardo Subirats (1989), a partir do qual ele descreve um mundo que vive a imagem de si próprio. Para esse autor, nós vivemos a reprodução do mundo, ou seja, o seu simulacro técnico-científico. Subirats relaciona a cultura como simulacro principalmente à mídia.

- 86 -

Fredric Jameson (1997), diante dessas condições do pós-moderno, propõe justamente que um trabalho crítico sobre a cultura tenha o papel de encontrar artifícios para a tarefa de análise dos textos de cultura, para que, diante deles, seja possível compreender o funcionamento ideológico dessa sociedade. Para cumprir essa tarefa, uma das propostas declaradas por Fredric Jameson corresponde à organização e à sistematização de um mapeamento cognitivo da cultura engajadas a uma intervenção política das análises - o que deve acontecer através da análise de textos. Se considerarmos que, na dimensão cognitiva da nova ordem, a mídia é o mapa que articula nossa compreensão do mundo (STEINBERGER, 2005, p.25), analisar os textos da mídia é ter acesso (indireto) a como funciona a cognição de nossa época e dos indivíduos-sujeitos que a compõem. Por essa postura defendida por Fredric Jameson (1997) e pelos posicionamentos que Steinberger (2005) assume em relação à mídia e aos discursos

regulamentados

por

essa

mídia,

acreditamos

que

o

quadro

metodológico que propomos no capítulo anterior seja dotado de um potencial especialmente relevante para o estudo e análise de textos em suas implicações culturais. No momento em que essa metodologia se sustentou na tríade discurso, cognição e cultura, propusemos justamente o mapeamento cognitivo dos discursos,

a

partir

do

material

lingüístico-textual

disponível

para

esse

mapeamento, considerando os seus aspectos ideológicos e sugerindo um engajamento das análises. Pretendemos, então, ler os textos das reportagens que compõem o nosso corpus, como objetos culturalmente situados, mapeando os processamentos cognitivos que deram azo a esses textos, juntamente com as relações entre as práticas discursivas e sociais que os constituem. Consideramos importante demarcar ainda a relação entre mídia e cognição. Que a mídia tem o poder de configurar mentalidades e que ela abre mapas de compreensão de mundo já nos referimos pontualmente acima, mas há, além disso, uma outra relação fundamental. A mídia, nos seus diversos formatos, oferece uma infinidade de enquadramentos determinantes para a nossa forma de ver o mundo. É possível dizer hoje que essa mídia (especialmente a televisiva) é

- 87 -

capaz de ditar até a maneira como deve funcionar a nossa cognição26. Essa observação se justifica no próprio entrelaçamento entre cultura e cognição, que defendemos como essencial no entendimento de linguagem e, por conseqüência, na apreensão das práticas discursivas. A problematização do nosso corpus corresponde à identificação do Presidente Lula diante da representação de embate entre o FSM e FEM, mas a forma como delimitamos esse objeto privilegia um enquadramento específico, que diz respeito primeiramente à mídia, posteriormente à mídia impressa e, por fim, à revista de circulação semanal. Entender as especificidades desse tipo de enquadramento e descrevê-las é indispensável para levantar as condições de leitura dessas reportagens e as portas de entrada da cognição diante delas. Como recebemos essas revistas em nossas mãos, para quem ela são feitas, quais os papéis articulados para os participantes desse tipo específico de comunicação e que recursos são acionados para legitimar esses papéis? Essas são questões que se apresentam como emergenciais e que tocam em domínios culturais, cognitivos e discursivos – e são, por isso, constitutivas das análises que estamos a desenvolver nesse capítulo. 5. O trabalho da Geopolítica da Cultura e/ou da Geopolítica da Mídia Steinberger (2005) propõe a Geopolítica da Cultura e/ou a Geopolítica da Mídia ao redor de questões definidoras da cultura contemporânea – a sua constituição midiática, a globalização, as redes mundiais. O seu objetivo é fundamentar um quadro de reflexões para sistematizar e entender a nova ordem global e a formação de crenças sobre as relações geopolíticas diante dessa ordem, em que a mídia desempenha um papel central. Uma das propostas dessa autora é a análise do que se inclui ou do que se exclui, do que é parte ou do que não é parte nesses lugares geopolíticos que se re-definem constantemente no trânsito de uma produção de espaços institucionalizados através dos discursos. O conceito de globalização retoma um fenômeno que não se restringe apenas à contemporaneidade, mas que ganha, nessa condição, especificidades 26

Se a televisão tem o poder de influenciar os comportamentos, os modos de pensar e de agir, a maneira de interferir no mundo e de organizá-lo através de processos mentais, ela tem o poder de ordenar nossa cognição e de organizar a sua própria forma de funcionamento.

- 88 -

determinantes. No bojo desse conceito, se articula um conjunto de compreensões culturais, econômicas e políticas. Para Steinberger, a intensificação da globalização e as novas tecnologias informacionais desencadearam um sentimento de desterritorialização e provocaram a necessidade de uma nova ordem de compreensão geopolítica dos sentidos, assim como das identidades que circulam no espaço mundial hoje (STEINBERGER, 2005, p. 96).

Não seria possível considerar, então, os dois Fóruns como uma nova ordem de compreensão geopolítica? Nessa ordem de compreensão, como se assimilam as identidades? A proposta da Geopolítica da Cultura e/ou da Geopolítica da Mídia nasce diante de uma postura investigativa frente a esses processos de instituição da imagem do mundo geopolítico no âmbito pós-moderno-midiático. O potencial social de tais imagens de mundo está vinculado ao potencial de inserção dessas imagens numa prática social. Nesse processo, a mídia assume um papel determinante, pois é ela que, como demarcamos acima, disponibiliza, na compreensão cognitiva da nova ordem, os nossos mapas de compreensão de mundo. A geopolítica da cultura sugere um tratamento cultural das questões geopolíticas, ocupando-se, então, do estudo das condições de produção dos discursos geopolíticos. Como a nova ordem internacional é midiática, tendo a mídia o poder de configurar mentalidades e sendo a mídia o campo preferencial na batalha das ideologias geopolíticas, a Geopolítica da Cultura é também uma Geopolítica da Mídia. Nesses dois blocos de formação e de discussão geopolítica inaugurados pelos Fóruns, como a nossa mídia articula e dissemina a sua compreensão geopolítica? Como se constroem sistemas de referências sobre os dois Fóruns? Nesses sistemas de referências, quais são os traços que identificam os seus participantes? Como o nosso país é posicionado dentro dessa compreensão, especialmente no momento da participação simultânea do Presidente Lula nos dois Fóruns? Levar esses questionamentos a uma análise permite um mapeamento de como as questões da geopolítica se veiculam na e através da

- 89 -

mídia (em nosso caso, especificamente através da mídia impressa) em nosso país e de como o Presidente Lula é representado nessa conjuntura. Na análise sistemática de nosso corpus, os direcionamentos metodológicos da pesquisa podem fundamentar um mapeamento cognitivo e discursivo, fazendo um trabalho crítico, em um tratamento cultural das questões sugeridas. Essa é justamente uma das propostas da Geopolítica da Cultura e/ou da Geopolítica da Mídia e, devido a sua pertinência dentro da perspectiva de nosso trabalho, consideramos importante citá-la, tirando proveito de seus pressupostos. 6. Revistas semanais de circulação nacional: Veja e IstoÉ O nosso corpus é composto de reportagens impressas publicadas em revistas semanais. Desse modo, os textos que correspondem a essas reportagens (nos seus objetivos e no seu formato) atendem a um jogo específico de interação determinado pelo gênero ‘reportagem da mídia impressa’ e pelo suporte comunicativo ‘revistas semanais’. Os conhecimentos acionados na produção e leitura desses textos, assim como os esquemas envolvidos nesses eventos especificamente, respondem por essa condição. Além disso, esses textos atendem também à linha editorial específica da revista em que são produzidos, já que eles precisam estar em harmonia frente ao todo da revista e frente à concepção informativa e formativa assumida por ela. Por esses motivos, o estudo dos textos que compõem o nosso corpus deve levar em consideração essas variantes, observando as suas implicações cognitivas (o que está em movimento na interação, quais são as negociações necessárias nas relações interpessoais estabelecidas nesses eventos, que esquemas sustentam a comunicação nessas reportagens e com quais expectativas o jogo entre os interactantes se organiza), as suas implicações culturais (de que maneira essas revistas estão inseridas culturalmente e como ela seleciona o seu público-alvo) e as suas implicações discursivas (quais estratégias essas revistas utilizam para produzir efeitos de sentido específicos, quais os direcionamentos ideológicos dessas revistas e de quais instrumentos elas se servem para controlar as suas representações de mundo).

- 90 -

Primeiramente, gostaríamos de descrever qual o funcionamento e quais as características específicos de uma revista impressa de circulação semanal. Diferentemente de outros suportes (como a televisão, o jornal, o rádio), as revistas semanais de informação carregam o potencial de oferecer ao seu leitor uma contextualização mais elaborada dos fatos e uma maior organização e acuidade dos dados, já que gozam de um tempo relativamente maior do que os outros meios. Quem compra uma revista não está em busca de notícias exatamente (até porque as notícias já foram anunciadas pela televisão e pelos jornais diários impressos), mas sim está em busca de organização, elaboração, contextualização, análise e aprofundamento dos fatos que foram notícia. O tempo maior de elaboração permite que haja maiores condições para aprofundar as reflexões sobre os temas antes de serem publicados: Em uma matéria de revista, há espaço, em geral, para dar a informação – que é sempre o objetivo principal – mas também para comentar, dar opinião, tentar articular as questões com o contexto em que se vive (TOJAL & ALTMAN, 1989, p.127).

É característica da linguagem de revista, portanto, a melhor elaboração de seus textos, dado o tempo maior para reflexão, para desdobramentos e para análises críticas, assim como também o tempo maior para checar as informações e para criar estratégias de arredondá-las a interesses específicos. Alguns jornais principalmente os de grande circulação -, no entanto, assumem essa linguagem das revistas, o que faz preciso justificar que as revistas acumulam características não-específicas, mas que lhe são mais intensas: elas entretêm, trazem análise, reflexão, concentração e experiência de leitura (SCALZO, 2003, p.13). A revista tem, ainda, mais do que os jornais, um potencial quase didático de elaborar suas informações, organizando e esquematizando os acontecimentos, nomeando fatos e classificando-os. É, por isso, que a imprensa semanal tem a vantagem e a responsabilidade de funcionar como guia, pelo fato de organizarem a semana (TOJAL & ALTMAN, 1989, p.130). As revistas carregam, assim, a representação de funcionarem como manuais para a compreensão de mundo - e trabalham incessantemente na manutenção desse atributo, como recurso mesmo de sua sustentabilidade. Essa característica, comumente assimilada às revistas, é

- 91 -

ela própria um instrumento de poder que faz legitimar o seu lugar na sociedade e o seu papel de formadora de opiniões. Já no que diz respeito à formatação dessas revistas, os seus textos recebem um aspecto mais atrativo e requintado e o seu material é melhor em relação ao de um jornal e tem maior durabilidade – o papel, a cor, a abertura das fotos, a qualidade da impressão. A propriedade de seu material e de seu suporte lhe dá o estatuto de ser menos efêmera do que folhas de jornais (ou do que uma notícia televisiva). Além disso, em relação aos jornais diários impressos, a revista pode ser guardada e arquivada com muito mais facilidade, o que lhe atribui um valor mais documental, já que o seu formato é mais apropriado e adequado para uma busca em um futuro acesso a edições antigas27. Há ainda uma outra característica muito importante das revistas: elas se destinam a públicos bem mais restritos e segmentados do que os de jornais, por exemplo. Existem revistas de informações genéricas, revistas femininas, revistas de economia, revistas científicas, revistas religiosas, revistas de culinária, revistas para adolescentes, dentre várias outras. Por esse motivo, as revistas têm a capacidade de reafirmar a identidade de grupos de interesses específicos, funcionando muitas vezes como uma espécie de carteirinha de acesso a eles (SCALZO, 2003, p.50). Os leitores de uma determinada revista são levados a ocupar um lugar marcado para identificá-lo como sujeito participante do jogo coordenado pelos editores e por uma linha editorial. No entanto, as diferenças de recepção, de condições de produção de sentido, de contextualizações de leitura e dos próprios indivíduos que recebem a revista não permitem dizer que essa seja uma regularidade estável. Mesmo que as revistas trabalhem para um público-alvo específico, nem todos os seus leitores obrigatoriamente irão fazer parte do segmento da sociedade frente ao qual ela se legitima como representante. É importante, no entanto, considerar, na instância de produção de seus textos, para quem e para que cada revista trabalha e quais são as simetrias do público que ela elege como sendo seu alvo. A linha editorial é justamente essa política que reúne as principais diretrizes e perspectivas e o conjunto de valores e 27

Referimo-nos a arquivos não-eletrônicos e não-digitalizados.

- 92 -

de paradigmas assumidos pela empresa jornalística. Os textos que compõem a revista, em favor de um coerência interna, devem obeder a esssa linha editorial tanto naquilo que dizem e tanto no que pretendem produzir como efeito de sentido. A linha editorial de Veja e da IstoÉ e os traços que as identificam dentro da mídia impressa nacional se diferenciam, mas não se opõem: mesmo que em graus diferentes, são revista que tendem a posicionamento típicos dos grupos dominantes. Tanto a Veja (Editora Abril) quanto a IstoÉ (Editora Três) são classificadas como

revistas

de

informação

geral,

por

apresentarem

conteúdos

predominantemente jornalísticos e por lidarem com uma variedade de assuntos tratados de forma genérica. Em ambas, encontramos desde espaços dedicados ao cotidiano, à política e à economia (nacional e internacional) até colunas que abordam temas como comportamento, saúde, tecnologia, cinema, literatura, ecologia, dentre outros. A periodicidade das duas é semanal e tanto uma quanto outra tem sua circulação correspondente às maiores entre as revistas publicadas na mídia impressa brasileira. Para uma análise que se quer discursiva, considerar o suporte e o gênero do texto e a natureza do aparelho midiático que o veicula torna-se importante, na medida em que essas são informações que constituem a prática social e a prática discursiva envolvidas na circulação dos textos das reportagens. Já para uma análise que não se quer desprendida das implicações culturais do objeto, descrever as revistas em que o corpus se forma é não desconsiderar os textos das reportagens como objetos culturais feitos para serem vendidos e consumidos e que, como produto, jogam com e para as leis de mercado. E, ainda, para uma análise que também se quer cognitiva, definir o texto da reportagem no interior da revista que o publica é oferecer dados sobre a moldura comunicativa desse texto, elencando, assim, os conhecimentos operativos que configuram o evento de comunicação e as ordens cognitivas evocadas, como as identidades, os papéis sociais, os cenários e os alinhamentos envolvidos no evento comunicativo.

- 93 -

7. Análise do corpus Na metodologia proposta no capítulo anterior, adotamos a postura fundamentada na Análise Crítica do Discurso de encaminhar três níveis de análise interdependentes: uma análise social, uma análise discursiva e uma análise textual. Consideramos também, na natureza desses três níveis de análise, a importância de localizar, na descrição e interpretação do discurso, a presença constitutiva da cognição e da cultura. As etapas já desenvolvidas nesse terceiro capítulo buscaram justamente atender a essa demanda de contextualizar o objeto nas suas dimensões discursivas, em que estão envolvidos os seus domínios sociais, históricos e políticos; nas suas dimensões culturais, em que se destacam a lógica da contemporaneidade, sob que se sustenta o corpus, e o papel que a mídia desempenha dentro dessa lógica, por exemplo; e nas suas dimensões cognitivas, em que se organizam molduras comunicativas que reúnem conhecimentos invocados na interação, como o tipo de texto e o lugar em que o texto aparece, as informações e os dados culturais presentes no saber internalizado de que se valem os interactantes no processo de produção de sentidos. A partir de então, sustentados nessa primeira etapa de descrição do objeto, partiremos para uma análise mais textualmente orientada, que levará em conta, como previsto na metodologia, os processos de integração e de mesclagens entre/de espaços mentais. Consideramos a mesclagem conceitual como um processamento cognitivo - essa forma de processamento da mente, por um lado, é projetada na própria composição textual e, por outro lado, é utilizada como recurso mesmo de controle de produção de sentido. Sob essa perspectiva, os dados lingüísticos serão avaliados como escolhas feitas pelo produtor do texto no objetivo de controlar determinadas representações e como pistas para identificar as crenças e as ideologias imbricadas no modo de pensar e de dizer o que se pensa. Durante a descrição dos dados, caminharemos entre o conceito de mesclagem e a forma como, no texto e no uso social da linguagem, o processamento cognitivo e o discurso funcionam conjuntamente. Para isso, defendemos a idéia central de que as representações mentais agem

- 94 -

sobre a manutenção de representações sociais e de que a determinação social das representações coordena os processos mentais de representação. Para sistematizar o tratamento do corpus e organizar as análises, descreveremos cada reportagem separadamente, considerando, diante da demanda dos textos, os aspectos lingüístico-discursivos e lingüístico-cognitivos. Posteriormente, já em um momento final, os resultados de análise irão convergir tanto no que as reportagens respondem conjuntamente quanto nas diferenças de abordagem entre elas. A ênfase no ponto de vista textual não excluirá a análise sócio-discursiva, assim como a nossa postura diante dos textos refletirá as diretrizes de orientações discutidas nos capítulos anteriores e que sustentam a nossa proposta, na busca de considerar, no processo de produção de sentido, o imbricamento das dimensões discursivas, cognitivas e culturais. 7.1. Revista Veja 7.1.1. Reportagem O elo entre dois mundos A reportagem O elo entro dois mundos foi publicada na seção Brasil e a palavra-chave ou o termo remissivo que a identificou foi Globalização. Tais informações fornecidas sempre no índice da revista e no topo da página da reportagem assumem um importante papel ao funcionarem como dados de enquadramento da leitura. Elas desencadeiam um funcionamento cognitivo determinante no processo de produção de sentido, já que trabalham para ativar determinadas estruturas de conhecimento consideradas centrais para o ajuste das interpretações. Isso porque, ao situar a reportagem e seu tema nos espaços Brasil e Globalização, a revista cria expectativas sobre os objetos, os cenários e os eventos que irão compor o texto e que estarão nele representados. Esse jogo coloca em cena conhecimentos prévios, socialmente produzidos e culturalmente disponíveis, correspondentes a domínios estáveis que irão sustentar os próprios processos de integração entre espaços mentais, presentes na composição textual. Alem disso, esses dados comportam uma grande significação ao apontarem justamente para o que a revista entende como as portas de entrada da

- 95 -

reportagem e para as práticas sociais envolvidas na produção do texto. Na escolha da seção Brasil e da grande temática Globalização, a revista antecipa um processo discursivo de identificação do país, situado historicamente no momento de publicação da reportagem e dentro de suas relações com a lógica global da contemporaneidade. O termo Brasil, em 2003, evoca a própria chegada do Lula à Presidência da República e toda a rede de representações veiculadas, principalmente pela mídia, frente às ações do Presidente nos seus primeiros meses de governo. Dentre essas ações, está a primeira viagem internacional, que inclui a participação de Luiz Inácio Lula da Silva no Fórum Econômico Mundial – justifica-se aí o próprio uso de Globalização como tema-chave. Pensemos agora no título O elo entre dois mundos, que se encarrega de já trazer o mapa do que acontece em toda reportagem – essa seria justamente a função principal de um título. Há três principais espaços sob os quais os sentidos se constroem nesse título e que permanecem por todo texto como uma estrutura central de compreensão – há um mundo de um lado e, em posição oposta, um outro mundo; entre eles, transgredindo uma oposição ideologicamente marcada, há um terceiro espaço que representa o elo. Especificamente no enunciado O elo entre dois mundos, por sua própria estrutura temática, é o espaço-elo que desencadeia, posteriormente, os outros dois espaços que ele une. Forma-se, em uma representação imagética, um mapa como o seguinte:

O

ELO

entre

DOIS MUNDOS

- 96 -

Durante todo o texto, observamos essa mesma estrutura inaugurada no título. Ora a reportagem se incube de desenhar a configuração de um espaçomundo, ora de outro e, no seu principal desígnio, vai compondo, em uma integração conceitual, o espaço-mescla que faz representar o elo entre os dois mundos. E não é só o espaço que representa o Elo que pode ser considerado um espaço-mescla, mas os outros dois espaços – os dos dois mundos – também o são. No decorrer do texto, como veremos, essa composição-mescla aparece e contribui inclusive para localizar quais conhecimentos de mundo e crenças compartilhadas estruturam internamente os domínios locais configurados nesses espaços. Logo no subtítulo, o locutor explicita os referentes que nomeiam os espaços sob os quais os sentidos se agendam adiante: (1) Ao unir as mensagem de Porto Alegre e Davos, Lula desponta como o construtor da terceira via real.

De um lado, Porto Alegre, em uma remissão metonímica ao Fórum Social Mundial; de outro lado, Davos, através do mesmo recurso metonímico, indicando o Fórum Econômico Mundial; e, como um elo que propõe unir esses dois mundos, aparece a figura de Lula nomeada de construtor da terceira via real. Os espaços representados no título começam a ganhar qualificações: os dois mundos são Porto Alegre e Davos, respectivamente, e o espaço elo recebe outros nomes como Lula e terceira via real:

- 97 -

.a .b

. . a

b

FEM

.c .d

. . c

O elo Presidente Lula Terceira via real

d

FSM

a - Davos b - econômico (capitalismo) c- Porto Alegre d – social (socialismo)

Na legenda de uma das fotos e no início do primeiro parágrafo do texto, o locutor amplia os dizeres do subtítulo com os seguintes enunciados: (2) Lula pode ser a síntese entre Davos e a Porto Alegre de João Pedro Stedile, líder do MST, e José Bové, o ativista antiglobalização francês. (3) Como primeiro chefe de Estado a participar dos dois fóruns rivais, o de Davos e o de Porto Alegre, Luiz Inácio Lula da Silva pode ser a ponte entre as duas correntes de pensamento antagônicas que competem pelo coração e mente da opinião pública mundial. O Fórum Econômico Mundial, em Davos, se reúne anualmente na cidade suíça e reflete as opiniões de líderes dos países ricos e de grandes empresários multinacionais. O Fórum Social Mundial, também realizado anualmente, em Porto Alegre, como uma resposta esquerdista ao encontro dos Alpes, dedica-se a encontrar alternativas ao capitalismo. Os participantes dos dois fóruns nunca conseguiram encontrar alguma coisa em comum. Agora, existe um elo. Lula participará dos dois encontros. Com essa atitude do presidente brasileiro, abre-se uma brecha no maniqueísmo.

Como se vê, o trabalho de representação dos dois Fóruns Mundiais como movimentos antagônicos caminha, contrariamente à projeção dos Fóruns como inconciliáveis, a favor da construção de um espaço em que esses dois mundos se encontram convergidos. Essa tramitação, provocada pela participação de Lula nos dois Fóruns, quebra o maniqueísmo com o qual funcionava a presença do

- 98 -

FSM e do FEM no mundo e, por conseqüência, na mídia. A presença do Presidente nos dois encontros fez emergir a necessidade de uma identificação que respondesse por tal postura - processo que trouxe para discussão os propósitos de cada Fórum e a sua relação com o Presidente do Brasil. Em (3), no trecho Agora existe um elo, o marcador lingüístico agora produz justamente o efeito de um antes e de um depois da participação do Lula. Se o que identificava a relação entre FSM e FEM era a lógica do maniqueísmo, o elo representado por Lula re-significa essa lógica, já que passa a existir uma motivação comum entre os movimentos. Os espaços identificadores dos Fóruns, principalmente frente à relação estabelecida pela presença de Lula em Porto Alegre e em Davos, são mesclas que emergem de dois outros grandes domínios presentes na narrativa da reportagem e na memória social: o capitalismo e o socialismo. O FEM pode carregar a marca do econômico em seu nome, mas vem incluindo o social em sua agenda. O FSM carrega a marca do social, mas tem em um de seus maiores símbolos (o próprio Lula) posturas que não desconsideram o econômico. No texto da reportagem, essa identidade mesclada dos Fóruns aparece em trechos como: (4) Desde que assumiu, o presidente brasileiro tem se mostrado um adepto inflexível da estabilidade monetária, da austeridade fiscal e do respeito às leis de mercado. O Fórum de Porto Alegre nunca gostou dessas bandeiras capitalistas, mas vê-se obrigado a engoli-las quando o homem que as incorpora em sua prática de governo se chama Luiz Inácio Lula da Silva. (5) Para surpresa de muitos participantes, o discurso inflamado e radical de Mahathir Mohamad, primeiro-ministro da Malásia, foi recebido com aplausos de pé em Davos (...) num discurso de contornos perfeitos para a platéia antiamericana de Porto Alegre. (6) Para Lula, ser considerado um dos expoentes do Fórum Econômico Mundial é uma vitória antecipada.

Claramente, é o social que identifica o FSM e é o econômico que marca o FEM, mas suas fronteiras se vêem esmaecidas frente à participação de Lula nos dois Fóruns. Os espaços que se formam (ou que se re-formulam) para identificar tanto os Fóruns quanto o Lula tomam contornos específicos diante da conjuntura histórica que os fundamenta. O trabalho sob essas identificações parece ser um

- 99 -

dos objetivos principais da reportagem e, na estrutura global do texto, acontece da forma como mapeamos a seguir:

- 100 -

Esse quadro, longe de esgotar a complexidade de organização do texto e as ativações na memória que ele provoca e que foram provocadas para que ele existisse, sistematiza um mapeamento dos principais grupos de formação de sentido e das relações entre eles.

Espaços integrados de compreensão, as

mesclagens, são representados no texto e trabalham para determinadas compreensões motivadas por efeitos de sentido provocados pela própria forma como se estruturam e se organizam as informações. Uma análise de um ponto de vista textual, como prevê a Análise Crítica do Discurso, tem justamente a função de descrever e interpretar como o texto e as estruturas lingüísticas trabalham para o controle dos sentidos e, por conseqüência, para a manutenção ideológica das representações sociais de eventos e agentes dessa sociedade. O que faz localizarmos grupos correspondentes ao FEM e ao FSM e grupos que sustentam a formação da idéia que identifica esses mundos; o que faz com que, na convergência da representação atribuída a cada um dos Fóruns, seja elaborado um espaço que identifique o presidente Lula é o próprio modo de funcionamento da mente e a capacidade cognitiva de se processar por/através de espaços mentais e de mesclas entre eles. E esse princípio pode ser usado como instrumento mesmo para manejar determinadas representações de mundo na mente dos leitores acerca dos Fóruns e acerca do agente social localizado no Presidente. É possível entender, então, o processo de representações das identidades como espaços articulados para construí-las. A construção discursiva de identidades e de representações sociais pode ser desempenhada, portanto, através da articulação de/entre espaços construídos ao longo desse discurso, em processos de identificação. Temos na reportagem O elo entre dois mundos, na percepção global do texto, uma rede de categorizações que foi representada no quadro da página anterior. Caminharemos sobre cada conjunto, analisando a sua constituição. A oposição ‘Fórum Econômico Mundial x Fórum Social Mundial’ é construída, na reportagem, sob as estruturas de um modelo cristalizado na história mundial, em que o econômico e o social travam batalhas ideológicas que, inclusive, outrora dividiu o mundo entre capitalistas e socialistas. É possível dizer,

- 101 -

portanto, que essa oposição representada em ‘FEM x FSM’, mesmo que significada em uma outra conjuntura histórica, se arma sob um esquema conceitual já disponível na cultura e que corresponde às oposições ‘econômico x social’ e ‘capitalismo x socialismo’. Esse processo se encontra marcado textualmente através de pistas deixadas na própria forma de construir espaços de identificação desses Fóruns. O FEM é nomeado, logo no início da reportagem, como o encontro dos Alpes. A ambigüidade dessa expressão se dá no trânsito entre dois espaços mentais, um que identifica o lugar geográfico do Fórum (Davos, nos Alpes Suíços) e um outro que metaforicamente representa o lugar geopolítico desse Fórum (encontro dos grandes e dos poderosos do mundo, aqueles que ocupam os lugares mais altos na escala percentual de divisão de riquezas monetárias). A expressão encontro dos Alpes pode ser entendida, então, como um espaço mescla emergente que une, no interior da identificação do FEM na reportagem, o lugar geográfico e o lugar geopolítico desse encontro:

(Espaço Genérico)

input I 1

FEM Alpes Suícos

input I 2

dimensão geopolítica Encontro dos ricos e poderosos do mundo

dimensão geográfica Os Alpes

Encontro dos Alpes

(Mescla)

- 102 -

O uso da expressão Encontro dos Alpes, sobre o qual recai o processo de mesclagem descrito no diagrama anterior, produz um efeito de sentido que demarca determinadas relações sociais pautadas na presença do FEM no mundo. Além disso, termos como líderes dos países ricos, grandes empresários multinacionais, capitalismo, estabilidade monetária, austeridade fiscal e respeito às leis de mercado aparecem como referência direta ou indireta ao FEM e são elementos que compõem o espaço que o identifica. Esses elementos, por sua vez, inscrevem a representação desse Fórum como grupo dominante, hegemônico e voltado principalmente para a economia e para as leis de mercado. No entanto, essa é apenas uma das faces que caracteriza o espaço ‘FEM’ no texto, já que existem interceptações de outros elementos estranhos ao grupo ideológico que orienta a identificação desse Fórum. Esses elementos estranhos correspondem, dentre outros, a própria participação e presença, no Fórum, do Presidente Lula, um líder de esquerda, e ainda a inclusão de temas sociais, como a fome, na agenda do encontro. Elementos considerados tão estrangeiros ao objetivo do FEM que causaram tamanha repercussão na mídia. Já no que diz respeito à forma como a revista conduziu uma identificação do FSM, o que vemos é uma maior demora para apresentá-lo. Durante o texto da reportagem, há mais recorrência de uso de adjetivos e de atributos para se referir ao FSM do que ao FEM, o que se justifica na própria idéia de que o FSM está apenas em sua terceira edição e ainda reclama sentidos que o identifique. Ao contrário, o FEM existe há mais trinta anos e o seu nome já circula na mídia há um bom tempo. Porto Alegre é o outro nome do FSM e aparece como referência ao encontro daqueles que se opõem e não pertencem ao encontro dos Alpes. No molde

de

oposição

pré-estabelecida

historicamente

entre

capitalismo

e

socialismo, o FSM vem ocupar os espaços de representação dessa segunda alcunha, que não aparece explicitamente no texto da reportagem, mas que toma corpo em outras denominações. Para criar um porto de ancoragem frente a esse nome tão recente no cenário mundial, aparecem qualificações como resposta esquerdista ao encontro dos Alpes; Porto Alegre de João Pedro Stedile, líder do MST, e José Bové, o ativista antiglobalização francês; alegres militantes de Porto Alegre; platéia

- 103 -

antiamericana; dentre outras. O FSM aparece como o ‘outro Fórum’ e recebe contornos do dissenso que o representa: o MST e os ativistas antiglobalização. Esses são grupos invocados para que os leitores (re)conheçam o FSM e o classifique dentro de uma aliança ideológica específica. O MST e os ativistas antiglobalização compreendem espaços mentais que oferecem elementos para a constituição de um espaço que identifique o Fórum de Porto Alegre e lhe dê contornos – uma identidade que, no mesmo instante em que se constrói, se vê ameaçada pela participação de Lula (Presidente do País em que se insere Porto Alegre e um dos maiores representantes do FSM) no fórum rival. A representação discursiva presente na expressão elo entre dois mundos vem acompanhada dessa trajetória de identificação social e ideológica que apresenta os dois Fóruns. Dentro da rivalidade que os identifica, passa-se a encontrar uma brecha com o nome Luiz Inácio Lula da Silva. É na convergência entre elementos do espaço ‘FEM’ e do espaço ‘FSM’ que emerge um terceiro espaço que trabalha para a identificação discursiva do agente social localizado em Lula. Se ora Lula é assimilado a uma estrela da esquerda mundial que carrega a bandeira do Fórum de Porto Alegre, ora ele responde como expoente do Fórum Econômico Mundial e como dono de posturas que não ofendem as leis de mercado – posturas que, na representação que se quer de Lula, não se excluem, mas sim, estrategicamente, se complementam a favor da função de elo entre dois mundos nele depositada. Ao mapeamos tais processos de mesclagens, foi possível visualizar a representação discursiva dos grupos FEM e FSM e a forma como essas representações recaem sobre a construção (também discursiva) da identidade social

do

Presidente

Lula.

Foi

possível

visualizar

também

como

um

processamento cognitivo (as integrações conceituais) passa a ser, em projeção, um princípio de composição textual, o que faz possível descrevê-lo através da análise do texto. Além disso, identificar as mesclagens projetadas no texto funcionou como um método para descrever a forma como os grupos e agentes são representados – nesse processo, os espaços mesclas são, sobretudo, espaços do discurso articuladores de relações sociais e articulados sob elas.

- 104 -

7.1.2. Reportagem Elo entre dois mundos Da reportagem publicada em 2003 para a que foi publicada em 2005 - e que tinham como tema a participação do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos Fóruns Econômico e Social -, os títulos permanecem quase idênticos, com uma diferença apenas e que, apesar de mínima, é potencialmente significativa. Tratase da supressão do artigo “o” no título da reportagem de 2005 e que corresponde a uma escolha lingüística justificada pelo próprio momento histórico em que as reportagens foram publicadas. Em 2003, Lula era considerado O Elo; em 2005, esse atributo (como tantos outros) não desaparecem, mas perdem a sua força – Lula passa a ser apenas um elo. Há, como se vê representado na própria supressão do artigo, no que diz respeito à figura do Lula, uma perda de ineditismo entre 2003 e 2005. Mesmo diante desse “desencantamento”, a representação de Lula como participante dos Fóruns continua obedecendo a uma mesma estrutura discursiva de identificação. Nas reportagens de 2003 e de 2005 publicadas na Veja, não é somente o título das reportagens que conserva uma semelhança, a própria rede de espaços que organiza o texto se equivale em grande parte, como é possível perceber no quadro a seguir, correspondente à organização da reportagem Elo entro dois mundos:

- 105 -

Porto Alegre Fórum Social Mundial - militantes vaiaram o Lula - mundo dos pobres / Sul - pobres não confiam 100% no Lula - Alguns participantes do FSM condenam as posturas de Lula

Davos

Alpes Suíços

Fórum Econômico Mundial - mundos dos ricos / Norte - ricos não confiam 100% no Lula - Lula é recebido com cuidado em Davos - FEM organiza uma frente de luta contra a miséria nos países africanos. - A guerra contra pobreza aparece agora ostensivamente na agenda de Davos.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva - Lula espalha a utopia de um mundo sem miséria e sem fome. - Lula recebe cada vez apoio mais amplo. - Lula é vaiado no FSM. - O Presidente fez bem mais do que discurso para platéias distintas. - Em sua presença tanto em um quanto em outro Fórum, Lula mostrou que encarna melhor do que qualquer outro Chefe de Estado o papel de elo entre pólos tão opostos. - Lula é a esperança de que os dois mundos – o rico e o pobre, o norte e o sul – possam criar um ambiente que favoreça o diálogo e a troca solidária. - Lula é um interlocutor dos pobres juntos aos ricos e destes juntos aos pobres. - Lula serve de ponte entre os dois mundos e tem o que os ricos admiram e o que os pobres precisam. - Lula é uma figura híbrida e pendular. - Lula encarna o papel de elo entre a realidade e a utopia. - A defesa de lula em aumentar o montante de ajuda à pobreza vem conseguindo maior ressonância. - Lula não foi o primeiro a levantar esse assunto num fórum internacional, embora a repercussão que o tema tem alcançado deva ser parcialmente atribuída a sua teimosa militância pessoal.

A maneira de designar os Fóruns e de agregar elementos de um e de outro espaço de identificação (relativos a esses Fóruns) para se referir ao Presidente Lula se assemelha, como é possível perceber, àqueles processos descritos na análise sobre o texto da reportagem publicada em 2003. Há, como não poderia

- 106 -

deixar de ser, alguns acréscimos e ênfases que diferenciam uma reportagem da outra e que, inclusive, estão presentes em algumas escolhas lingüísticas - como acontece na própria supressão do artigo no título da reportagem de 2005. Dadas essas semelhanças, cabe a nós apenas discorrer sobre o que não está presente na reportagem anterior ou sobre o que dela se diferencia. No subtítulo, que também apresenta uma estrutura muito semelhante ao da reportagem de 2003, aparecem os dizeres (7) De Porto Alegre a Davos, Lula espalha a utopia de um mundo sem miséria e sem fome - e começa a receber apoio cada vez mais amplo.

Na expressão De Porto Alegre a Davos, o uso das preposições de e a, que comportam idéia de movimento e direção, faz representar o ponto de partida e o alvo das ações de Lula. É possível dizer que se trata de uma escolha que demarca a origem do Lula no Fórum Social Mundial, não apagando a sua história, e que representa, além disso, a idéia de que ações de Lula não recaem apenas sobre esse Fórum, mas que elas vão em direção aos desígnios do Fórum Econômico também. Associar a origem de Lula ao Fórum Social reforça as regularidades de identificação entre esse Fórum e o Lula. A projeção de elementos do espaço que identifica o FSM no espaço que organiza a representação de Lula como elo entre dois mundos acontece justamente através dos domínios em comum entre esses espaços e que, no texto da reportagem, recebem nomes como esquerda, militância, utopia. Como se vê, a representação do ator social Luiz Inácio Lula da Silva como uma figura híbrida e pendular se dá através da projeção de elementos entre domínios que estruturam internamente os espaços identificadores dos fóruns. Na relação com Porto Alegre, tanto o Lula é um elemento que compõe o espaço que identifica o FSM, quanto o FSM é um traço que marca a origem de Lula no espaço que o representa. Já na relação com Davos, o Presidente re-afirma uma identidade que ele construiu sobre si e que a mídia cumpriu o papel de divulgar – a de um Lula que não condena as leis de mercado, que respeita a austeridade fiscal e que não tem o capitalismo como seu arquiinimigo. É por convergir em si posturas compreendidas em domínios diferentes (e até divergentes), o que tomou corpo na própria participação simultânea nos fóruns, que adjetivos como híbrido e

- 107 -

pendular respondem por uma integração conceitual que caracteriza esse espaço de identificação do Lula nessas reportagens que tomamos em nosso corpus. É importante dizer ainda que, na oposição entre os Fóruns representada nessa reportagem de 2005, há a sobreposição de dois outros espaços de oposição: ricos x pobres e Norte x Sul. Trata-se de modelos já disponibilizados (como o são a dicotomia ‘capitalismo x socialismo’, ‘econômico x social’) e que sustentam internamente a estruturação dos espaços mentais que opõem FEM e FSM – espaços que, na própria natureza mesclada de sua composição, desconstroem (mesmo que em parte) a oposição representada nos modelos que os estruturam internamente. De um lado o FSM é o Fórum dos pobres e do Sul e de outro lado o FEM é o fórum dos ricos e do Norte, mas pobres e ricos e Norte e Sul têm na figura de Lula, como é articulado no texto da reportagem, uma mostra de que suas fronteiras podem se dissimular, deixando coincidirem elementos entre si. 7.2. Revista IstoÉ 7.2.1. Reportagem Lula lá e cá Desde as primeiras eleições presidenciais para as quais o Lula se candidatou, a expressão Lula lá aparecia quase como um lugar comum nas campanhas do PT. O título da reportagem que agora analisaremos estrutura-se justamente na memória dessa expressão historicamente marcada na trajetória de Lula até a Presidência. Ao examinarmos essa manifestação pelo processamento das mesclagens conceituais, a expressão Lula lá e cá, além de dividir o mundo em dois espaços, o que aparece fortemente marcado pelos advérbios lá e cá, remete a um outro espaço relacionado à história política de Lula e sua trajetória à Presidência. Esse título produz um efeito de sentido que une aquele Lula das campanhas Lula lá ao Lula recém chegado ao poder e que, na sua primeira viagem internacional, vai ao Fórum de lá, o Fórum Econômico Mundial. Esse jogo lingüístico demarca a presença de dois domínios, responsáveis, desde então, por uma identificação híbrida de Lula: o Lula candidato de esquerda das campanhas

- 108 -

presidenciais (o Lula lá) e o Lula Presidente que sai de seu país para participar de um Fórum fortemente rejeitado pelas esquerdas do mundo (O Lula lá):

(Espaço Genérico) Lula lá

input I 1

input I 2

Lula lá Presença de Lula no fórum de lá – O Fórum Econômico Mundial

Lula lá slogan de campanhas eleitorais. (Lula da esquerda)

Lula como uma figura híbrida.

(Mescla)

Além disso, aqueles dois espaços marcados pelo lá e pelo cá, o primeiro relacionado ao FEM e o segundo ao FSM, localiza a voz daquele que fala na reportagem: o locutor se posiciona próximo ao FSM, o Fórum de cá, o Fórum do Brasil, o fórum dos pobres; ao mesmo tempo em que representa o Fórum Econômico Mundial como distante de nosso país, o que aparece na reportagem tanto nos moldes de uma distância geográfica como nos moldes de uma distância geopolítica. A representação discursiva da identidade de Lula, assim como nas demais reportagens analisadas, se orienta na convergência dos espaços de oposição relacionados aos fóruns, como se pode observar também logo no subtítulo da reportagem: (8) Presidente vai a Porto Alegre e a Davos e faz ponte entre ricos e pobres nos dois fóruns rivais.

- 109 -

Enquanto a revista Veja nomeou como elo a relação que Lula estabelece entre os Fóruns rivais, a revista IstoÉ elege o termo ponte para denominar essa relação. Nas duas situações, deposita-se em Lula a personificação de um possível diálogo entre os Fóruns. É a Lula, figura construída em um espaço mescla que representa sua identidade como híbrida, que se atribui o perfil de quem pode operacionalizar esse diálogo. Nessa reportagem especificamente, conservando aquela mesma orientação presente nas reportagens da Veja, tais relações entre os Fóruns e o Lula aparecem na composição textual da maneira como projetamos no quadro seguinte:

Cá - Porto Alegre Verdadeiro Enclave Petista. Chovia em Porto Alegre.

Fórum Social Mundial - Pobres. - O Fórum Social Mundial é despojado, crítico e irreverente. - No FSM, reúnem-se milhares de ativistas de ONGs, integrantes de partidos de esquerda, artistas e pensadores críticos ao chamado status quo. - Movimento anti-globalização. - Lema do FSM: um outro mundo é possível.

Lá - Davos A bela estação de esqui encravada nos Alpes Suíços / Nevava em Davos.

Fórum Econômico Mundial - Ricos e endinheirados do mundo. - É um Fórum suntuoso. O Fórum reúne poderosos empresários, banqueiros, políticos e intelectuais, na maioria representantes do Primeiro Mundo. - Tema do FEM: construindo a confiança. - O Fórum Econômico Mundial recebe a presença de um governante de um partido de esquerda.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva - Lula faz ponte entre ricos e pobres nos dois fóruns rivais. - Lula está alçado à condição de um verdadeiro pop star da política. - Lula quer globalizar a bandeira do pacto social. - Lula almeja conquistar o papel de líder mundial e de porta-voz dos países em desenvolvimento. - O presidente investiu-se de uma espinhosa missão diplomática ao prometer servir de ponte entre ricos e pobres. - Lula é primeiro chefe de estado a ir ao FSM. - A relação de Lula com o Fórum Social Mundial é estreita. - Lula causou frisson na gélida estação de esqui suíça. - Chefes de estado, presidentes de multinacionais e representantes de ONGs que participaram do FEM lotaram a embaixada do Brasil de pedidos de encontro com Lula. - Se Lula tem laços umbilicais com o Fórum Social Mundial, também tem em sua comitiva um tradicional participante do encontro de Davos, que antes ia na condição de empresário e que dessa vez aparece como ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. - O terreno é fértil para a pregação de Lula em busca de uma nova ordem mundial.

- 110 -

Ao categorizar e caracterizar cada um dos Fóruns, o locutor se aproveita, assim como aconteceu na reportagem Elo entre dois mundos, de uma oposição previamente estruturada que separa pobres de ricos, armando sob esse molde a rivalidade entre FSM e FEM. Nesse processo de elaboração de espaços para identificar os Fóruns, o locutor desse texto, ao contrário das reportagens da Veja, utiliza bastantes adjetivos e metáforas. O Fórum Social Mundial é apontado como despojado, crítico e irreverente, se opondo a suntuosidade do Fórum Econômico Mundial. O clima tropical de Porto Alegre, onde chove e faz calor, versus o clima europeu dos Alpes, onde neva e faz frio, é utilizado como um recurso de integração conceitual para enfatizar a diferença dos fóruns. Nesse caso, a metáfora se realiza no deslocamento entre um espaço que reúne traços geofísicos de Porto Alegre e Davos para um espaço que organiza as diferenças geopolíticas entre os Fóruns. Um outro exemplo de metáfora nessa reportagem aparece no trecho a seguir: (9) Alçado à condição de um verdadeiro pop star da política desde que venceu a eleição, Lula pretende aproveitar seu prestígio em alta para mostrar ao mundo que é possível globalizar a bandeira do pacto social. Durante seis dias dois gigantescos eventos servirão como privilegiados palcos para Lula testar seu desempenho para o papel que almeja conquistar: o de um dos principais líderes mundiais, o porta-voz dos países em desenvolvimento.

O uso de expressões como pop star e palco para se referirem, simultaneamente, ao Lula e aos Fóruns como lugares que recebem Lula trabalha sob os domínios fontes de identificação do famoso e do artista (daquele que se apresenta em palcos) para significar um domínio alvo que deve dizer sobre o papel de Lula, como um Chefe de Estado na participação de Fóruns Mundiais. Essa projeção entre domínios, cria um espaço que, significado pelos elementos do domínio fonte, assinala a representação que se quer do domínio alvo. Lula aqui é representado como um artista famoso que é recebido como pop star e que usa os espaços dos fóruns como palcos que promovem sua visibilidade. Essa representação de Lula como quem quer visibilidade permanece na reportagem publicada em 2005 e, explorada por uma outra metáfora, compõe o título Vitrine Brasil.

- 111 -

7.2.2. Reportagem Vitrine Brasil Antes de descrever propriamente o funcionamento de alguns importantes processamentos metafóricos presentes no texto dessa reportagem, gostaríamos de apresentar, como foi de praxe nas análises anteriores, um mapeamento que organiza a forma como se constroem espaços de identificação no texto:

Davos

Porto Alegre Temperatura quente em Porto Alegre.

Fórum Social Mundial - O Fórum Social Mundial foi criado em 2001 por ONGS e movimentos de esquerda. - Ativistas e radicais participantes do FSM vaiaram Lula. - O encontro dos pobres. - O FSM foi criado para se contrapor ao FEM.

Temperatura gelada em Davos

Fórum Econômico Mundial - Na edição deste ano, o encontro de Davos foi pautado pela discussão sobre a fome, o tema levantado por Lula há dois anos. - O Fórum Econômico Mundial, nascido há 35 anos nos Alpes suíços, reúne a elite financeira e econômica, além de estrelas do mundo cultural. - O FEM discute a guerra contra a fome no mundo – um tema que passou a ser considerado pelos participantes do FEM a tarefa mais importante. - O tema deste ano do Fórum de Davos encaixa-se com perfeição no sambaenredo do presidente Lula: “Assumindo responsabilidades por escolhas difíceis”

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva - Equilibrista: Lula é o único chefe de Estado que discursa nos dois fóruns. Seu tema é a fome. - Lula quer dar visibilidade às ações de seu governo para atrair investimentos estrangeiros e capital privado. Lula assume, com isso, a tarefa de vender o Brasil lá fora. - Lula se tornou estrela do encontro das elites mundiais. - Lula ouviu vaias no FSM. - Lula propôs ao FSM uma união entre os dois Fóruns. - No FEM, Lula sentiu o calor da recepção dos líderes mundiais. - Lula foi convidado a participar da reunião do G8. - O samba enredo do presidente Lula coincide como o tema do FEM: “Assumindo responsabilidades por escolhas difíceis”. - Lula já fez história com suas participações nos eventos: é o único chefe de Estado com ginga suficiente para participar de dois fóruns rivais, em Davos e Porto Alegre. Haja jogo de cintura.

- 112 -

Essa estrutura de identificação do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva perante à representação de rivalidade entre o Fórum Econômico e o Fórum Social acontece nessa reportagem sob a égide de um título como Vitrine Brasil. No corpo do texto, esse título se ancora mais fortemente na participação de Lula no Fórum Econômico Mundial do que no Fórum Social Mundial. Trata-se de uma metáfora que se explicita na idéia, que aparece no decorrer da reportagem, de que Lula quer dar visibilidade às ações de seu governo para atrair investimentos estrangeiros e capital privado, assumindo, com isso, a tarefa de vender o Brasil lá fora. Lula investe nessa tarefa participando do Fórum Econômico, onde convergem as potências do capital privado e os estrangeiros que podem investir no país. A metáfora Vitrine Brasil, assim como as outras metáforas presentes nas reportagens já analisadas, assumem um papel peculiar nas relações cognitivas, culturais e discursivas. Para o modelo cognitivista de compreensão da metáfora, ela é considerada uma operação intelectual e/ou um recurso cognitivo que consiste em pensar um domínio de experiência através da experiência de outro domínio, o que desvela o poder criativo da metáfora ao organizar conceitualmente e re-elaborar domínios de compreensão do mundo. Os sistemas metafóricos estão subjacentes à própria utilização corriqueira da linguagem, ao que Lakoff (1987) denomina metáfora conceitual, enfatizando-a como uma operação cognitiva e como essencialmente cultural. Dessa maneira, a metáfora também pode ser compreendida nos termos da Teoria das Mesclagens Conceituais. Já para a Análise Crítica do Discurso, a metáfora é, além disso, uma forma de identificar e de representar. Para Fairclough (2001, p.241), ao significarmos através de uma metáfora (e não de outra) estamos representando a realidade de uma forma (e não de outra). A metáfora é então uma estratégia de representação e de identificação de aspectos do mundo e corresponde a um tipo de escolha do locutor (consciente ou não), que traz uma pista de seus posicionamentos sociais e ideológicos. Pensemos, por exemplo, na metáfora explorada nos trechos a seguir28, retirados da reportagem Vitrine Brasil:

28

Localizemos, para efeito de análise, apenas a metáfora do carnaval, pois há no trecho (1) ainda mais metáforas introduzidas pelo uso do substantivo duelos e holofotes, por exemplo.

- 113 -

(10) Davos e Porto Alegre abriram alas neste ano para o bloco do Planalto passar. O duelo de idéias, que desde 2001 atrai os holofotes mundiais em dois fóruns antagônicos – o Econômico e o e Social –, se transformou neste ano em gigantescas passarelas para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu governo. Uma semana antes de o Carnaval chegar, representantes de 18 ministérios e outros órgãos da administração federal desfilaram nas avenidas globais durante seis dias, entre a quarta-feira 26 e a segunda-feira 31, quando termina o Fórum Social. (11) O tema deste ano do Fórum de Davos encaixa-se com perfeição ao sambaenredo do presidente Lula: “Assumindo responsabilidades por escolhas difíceis”.

Para significar a participação do Presidente nos dois Fóruns Mundiais, o locutor se valeu da estrutura de um domínio de experiência relacionado ao carnaval, se apropriando de seu campo semântico com o uso de um vocabulário específico (abrir alas, bloco, passarelas, desfilar em avenidas, samba-enredo). A postura do Presidente em participar dos fóruns rivais (um domínio localizado que é alvo da referência ao domínio ‘carnaval’), aparece em um espaço emergente representado

por

um

deslocamento

de

sentidos

característico

de

um

processamento metafórico:

Carnaval - abrir alas - blocos - passarelas - desfilar em avenidas - samba-enredo

Participação do Presidente nos dois Fóruns Mundiais - Lula quer dar visibilidade ao seu governo

Metáfora

“Davos e Porto Alegre abriram alas neste ano para o bloco do Planalto” A participação de Lula nos dois fóruns foi um carnaval

BRASIL país do carnaval

- 114 -

Nesse processo, organizado pela própria natureza da metáfora, estão envolvidos uma série de espaços: desde os domínios fonte e alvo até o espaço emergente de integração desses dois domínios, em que está pressuposto um quarto espaço, que traz para o jogo um modelo de compreensão de nosso país fortemente disseminado. Tal metáfora reconhece, em domínios mais estáveis e nas estruturas da memória pessoal e social, um Modelo Cognitivo Idealizado (ou seja, um conhecimento socialmente produzido e culturalmente disponível) que localiza o Brasil como o país do carnaval, fazendo reproduzir, na identificação que se quer de seu Presidente, uma representação do país fundada no que se considera um de seus símbolos, o carnaval. O uso dessa metáfora, sustentada também

em

recursos

de

ironia,

desencadeia,

portanto,

sentidos

que

carnavalizam, quase literalmente, as posturas do Presidente Lula.

- 115 -

8. Considerações finais Como um traço recorrente nas quatro reportagens que compõem o nosso corpus, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva aparece representado, frente à projeção de embate entre o Fórum Econômico Mundial e o Fórum Social Mundial, como um elo ou como uma ponte entre esses dois mundos. Ao organizamos um mapeamento de como funcionou esse processo de identificação, tomados pelos princípios de um modelo teórico que entende a produção de sentidos como acionada por e através de mesclagens conceituais, preservou-se uma mesma estrutura de composição e que pode ser avaliada no quadro seguinte:

- 116 -

A identificação de Lula como participante dos dois Fóruns acontece através de um espaço mescla que faz convergir elementos originados de espaços de identificação relacionados a um fórum e ao outro. E, no mesmo processo, é a participação de Lula nos dois Fóruns que inaugura uma identificação híbidra de cada um desses encontros – em que o econômico e o social aparecem, mesmo que com pesos diferentes, na representação de ambos. No entanto, essa identidade mesclada dos Fóruns teve significações diferentes na referência a cada um. A presença de Lula no FSM é representada como uma ameaça à ideologia desse Fórum. Já a presença de Lula no FEM representa um investimento positivo para a face desse encontro, que passa a ser divulgado como um encontro que não deixa de lado as questões sociais emergentes. O elo personificado em Lula, da forma como foi constituído nas reportagens das revistas Veja e IstoÉ, beneficia a representação que se quer do FEM e, ao mesmo tempo, posiciona o Presidente como servindo mais aos propósitos desse Fórum e não aos do outro, no qual historicamente a sua imagem se funda. A Teoria das Mesclagens Conceituais, como um modelo teórico para a compreensão

dos

processos

de

representação

mental

envolvidos

nos

mecanismos de produção de sentido, permitiu-nos ver os textos como cognição distribuída, em que o modo de funcionamento da mente é o próprio princípio organizador da composição textual. O uso da análise lingüístico-textual encaminhou, a partir daí, uma maneira de perceber como estruturas cognitivas – especificamente aquelas que desencadeiam a projeção de espaços mesclas no texto – são utilizadas no processo de formação de representações sociais, permitindo observar o funcionamento de aspectos mais abrangentes, como questões políticas e culturais. Diante da localização da prática discursiva, partimos para leitura do texto, buscando sistematizar o seu funcionamento a partir da compreensão das mesclagens conceituais como um processamento cognitivo fundamental na e para a produção e a interpretação textual. Esses espaços que, em um primeiro momento, emanavam dos processos mentais envolvidos na produção do texto e que, no processo de elaboração desse texto, foram articulados lingüisticamente

- 117 -

para conduzir os sentidos desejados pelo locutor, podem ser lidos e re-mapeados nessa leitura. A integração entre espaços mentais, como um mecanismo de compreensão e de interpretação, carrega o potencial de orientar os sentidos ao traçar um mapa de compreensão do mundo ali representado – representações mentais que funcionam socialmente e representações sociais que funcionam mentalmente. É por esse motivo que é possível dizer que os processamentos cognitivos, em sua textualidade, tornam-se processamentos discursivos. Podemos observar justamente que os agrupamentos representados nos diagramas das análises das quatro reportagens trabalham para a identificação de grupos e de agentes sociais e que, por isso, funcionam no discurso como uma forma de agir sobre a representação desses grupos e desses agentes. Ao considerarmos que as representações e as identificações sociais sejam construídas por meio de classificações mantidas no discurso e, conjuntamente, considerarmos que o processo acontece pela combinação de elementos que identificam grupos de sentido, é possível dizer que as classificações mantidas no discurso para construir identidades podem funcionar através de categorizações e delimitações que trabalham pelo princípio mesmo de funcionamento da mente. Em outros termos, a forma de organizar o discurso é conseqüência da forma como se comporta a nossa mente e, na contrapartida, a forma como se comporta a nossa mente pode oferecer instrumentos para a própria organização de nossas representações de mundo. Segundo van Dijk (1997), a construção e a negociação das identidades sociais, na dimensão cognitiva que comporta a própria organização do discurso, se definem por representações que partem de grupos dominantes. Quando se fala de revistas como a Veja e a IstoÉ, por exemplo, fala-se de um lugar ‘de elite’, em termos de um poder simbólico - e é desse lugar que a mídia representa os grupos sociais e se auto-representa. As teorias ideológicas do discurso permitem apontar justamente para a forma específica como os membros de determinados grupos expõem as ideologias próprias a esse grupo, controlando suas representações. Steinberger (2005) diz exatamente, como já citamos em outro momento, que, na dimensão cognitiva da nova ordem, a mídia é o mapa que

- 118 -

articula nossa compreensão do mundo (STEINBERGER, 2005, p.25), enfatizando as relações entre cognição, mídia e o controle das representações no e pelo discurso. Dessa maneira, as regras discursivas da linguagem, imbricadas com a própria forma de funcionamento cognitivo, perpassam as relações de produção e reprodução institucionais, sociais e culturais envolvidas na comunicação – e vale dizer que essas regras estão sempre sujeitas aos efeitos ideológicos. Os códigos que atravessam esse processo são circuitos pelos quais a ideologia e o poder significam os discursos e são por eles significados. Esses códigos permitem abrir mapas de sentido, em que as culturas são categorizadas e em que se está inscrito toda uma série de significados sociais, práticas e usos, poder e interesse (HALL, 2003, p.396). Durante esse capítulo, buscamos justamente, em uma experiência de aplicação da metodologia sustentada na tríade discurso, cognição e cultura, visualizar as relações discursivas, cognitivas e culturais que recaem sobre o corpus que propomos. Na contrapartida, pudemos descrever um objeto culturalmente situado através de um instrumental metodológico elaborado justamente para compreender a cultura nas suas relações com a linguagem e, por sua vez, com o discurso e com a cognição. Trata-se de uma via de apreensão, determinada pelas escolhas teóricas e pelos recortes que fizemos, e que, por assim se apresentar, desvela apenas partes do objeto, impedido pelas leis do próprio discurso de ser apreendido em sua totalidade.

- 119 -

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde o início de nossas reflexões, pontuávamos a importância de considerar a linguagem sob uma perspectiva conjunta, ponderando suas dimensões cognitivas, discursivas e culturais. Tal posicionamento fundamentou e promoveu a aproximação entre duas teorias que, mesmo com objetivos diferentes, foram organizadas para o estudo de um mesmo objeto: a linguagem. A integração entre pressupostos teórico-metodológicos da Análise Crítica do Discurso e da Teoria das Mesclagens Conceituais, além de reunir pontos de vista sobre a linguagem, desempenhando uma compreensão ampla de suas manifestações, permitiu fundamentar uma metodologia que prioriza, nas práticas de análise, a importância e a pertinência de estudar o papel fundamental da linguagem nas relações humanas, atentando para sua implicação cultural, para a sua realização discursiva e para o seu funcionamento cognitivo, de forma integrada e interdisciplinar. Fauconnier e Turner (2002) postulam que a forma pela qual pensamos, aprendemos e vivemos obedece a um princípio motivado no potencial criativo da mente humana de inovar e experimentar novas combinações – princípio denominado integração conceitual, a que repetidamente fizemos referências. A postura que assumimos em nossa pesquisa, não coincidentemente, é uma manifestação mesma desse princípio. Ao defendermos a compreensão da linguagem por uma perspectiva integrada e integradora e ao mesclarmos pressupostos de duas teorias, utilizávamos - ao mesmo tempo em que descrevíamos - o potencial cognitivo de interceptar elementos de diferentes domínios, em busca de uma integração conceitual que privilegiasse a tríade

- 120 -

discurso, cognição e cultura e em busca também de uma metodologia que fizesse executar práticas de análise sustentadas nessa tríade. Um dos pilares dessa metodologia, como consideramos recorrentemente em nossas reflexões, corresponde ao uso do texto e da análise textual como fundamentais na descrição e interpretação do discurso. Se por um lado consideramos o texto como objeto cultural (implicado na lógica de produção, circulação e consumo), por outro lado percebemos o texto tanto como uma forma material de cognição quanto como lugar em que se estabelecem relações sociais, ideologicamente determinadas. A análise textual, ancorada em um embasamento lingüístico, por fazer convergir aqueles três conceitos constituintes da tríade, é um princípio essencial dentro da metodologia que propomos e guarda tanto na Análise Crítica do Discurso quanto na Teoria das Mesclagens Conceituais um papel importante em seus recursos metodológicos. No modelo tridimensional proposto por Fairclough (2001), a que fazemos jus no corpo de nossa metodologia, o ponto de vista textual é parte integrante das práticas discursivas e sociais e deve estar presente em qualquer análise que se queira discursiva.

Já na Teoria das Mesclagens

Conceituais, as estruturas lingüísticas e o texto apresentam pistas do que acontece na mente e nos processos cognitivos mais profundos e podem ser usados como método nas descrições de processamentos mentais. Nas práticas de análise desenvolvidas no terceiro capítulo, utilizamos o conceito de mesclagens conceituais como recurso para uma análise lingüísticotextual e também cognitiva, posicionando o texto e sua estrutura como objeto de investigação. Dessa maneira, as mesclagens conceituais, como um modo de funcionamento da mente e como um pressuposto organizador das informações, dos conhecimentos de mundo e das crenças culturalmente compartilhadas, funcionou como um instrumento teórico capaz de responder não só pelos elementos lingüístico-cognitivos, mas pelas relações fundamentais e fundadoras da tríade discurso, cognição e cultura. Na ponte construída entre uma análise do discurso e uma teoria lingüísticocognitiva, uma das hipóteses que sustentamos foi justamente como se dá a passagem entre representações mentais e representações sociais e, por

- 121 -

conseqüência, entre processamento cognitivo e processamento discursivo. E ainda, como a cultura joga com essas representações funcionando como mantenedora de determinadas crenças e como as representações atravessam a cultura, constituindo-a. Esse trabalho quis, primordialmente, buscar uma possibilidade de entendimento da linguagem tanto como processo quanto como produto social, cultural e cognitivo. O grande desafio de uma proposta dessa natureza é justamente como equilibrar os conceitos de discurso, cognição e cultura tanto na descrição dos pressupostos que definem e conceitualizam linguagem quanto na efetivação de práticas de análises. Estar preso a nichos específicos restringe a integração e dificulta o acesso contrabalanceado a cada elemento da tríade. Apostar em um conceito integrado e integrador para a linguagem exige, inclusive, renúncia de algumas fronteiras fortemente arraigadas em nosso modo de pensar e em nosso próprio modo de fazer uma ciência da linguagem. Acreditamos que é na interface entre teorias e abordagens, buscando força na diversidade de pontos de vista, que se faz possível desenvolver discussões sobre as afinidades necessárias (e emergentes) entre discurso, cognição e cultura na compreensão e apreensão da linguagem, como objeto de estudo e como elemento mais importante (e ordinário) das práticas e das relações humanas.

- 122 -

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, Adriana Maria Tenuta. Estrutura narrativa e espaços mentais. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2006. CARDIFF, Terry Threadgold. Cultural Studies, Critical Theory and Critical Discourse Analysis: Histories, Remembering and Futures. In: Linguistic Online, vol.14, 2003. CASSEN, Bernard. Uma virada política e cultural. In: Fórum Social Mundial: a construção de um mundo melhor. Porto Alegre / Petrópolis: Editora da Universidade / UFRGS / Vozes / Unitrabalho / Corag / Veraz Comunicação, 2001, pp.15-18. CATTANI, Antonio David. O porto do novo internacionalismo. In: Fórum Social Mundial: a construção de um mundo melhor. Porto Alegre / Petrópolis: Editora da Universidade / UFRGS / Vozes / Unitrabalho / Corag / Veraz Comunicação, 2001, pp. 9-14. CHILTON, Paul. Missing Links in Mainstream CDA: Modules, Blends and Critical Instinet. In: WODAK, Ruth. A New Research Agenda in Critical Discourse Analysis: theory and interdisciplinarity, 2005. [Disponível no site: www.uea.ac.uk/~r012. Acesso em 26/07/2005]. CHOULIARAKI, Lilie.; FAIRCLOUGH, Norman. Discourse in Late Modernity: rethink critical discourse analysis. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1999. COULSON, Seana; OAKLEY, Todd. Introduction. In: Conceptual Blending Theory: Journal of Pragmatic, v. 37, Issue 10, October, 2005, pp.1507-1509. [Disponível no site: http://www.sciencedirect.com/science/journal/03782166. Acesso em 14/07/2006]. COSCARELLI, Carla Viana. Entrevista: Uma conversa com Fauconnier. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, 2003. [Disponível no site: www.letras.ufmg.br/rbla/2005_2/entrevista. Acesso em 26 de novembro de 2007] FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança social. Brasília: UnB Editora, 2001. FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: textual analysis for social research. London: Routledge, 2003.

- 123 -

FAUCONNIER, Gilles. Mental Spaces: aspects of meaning constructions in natural language. New York: Cambridge University Press, 1994. FAUCONNIER, Gilles. Mappings in thought and language. New York: Cambridge University Press, 1997. FAUCONNIER, Gilles; TURNER, Mark. The Way We Think: Conceptual Blending and the Mind's Hidden Complexities. New York: Cambridge University Press, 2002. FAUCONNIER, Gilles. Introduction to methods and generalizations. (To appear – methods and generalizations). In: JANSEEN, T. & REDEKER, G. (Org.). Scope and Foudations of Cognitive Lingusitics (Cognitive Linguistics Research Series). The Hague: Mouton de Gruyter, 2003. [Disponível no site: http://cogweb.ucla.edu/abstracts/fauconnier99.html. Acesso em 03/10/2007] FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1998. GUEDES, Mayra Barbosa. Espaços Mentais, leitura e produção de resumos. In: Veredas: Revista de Estudos Lingüísticos. Juiz de Fora: Editora da UFJF, v.3, n.2, jul./dez., 1999, pp.31- 48. HALL, Stuart. Codificação/decodificação. In: HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG / Brasília: UNESCO, 2003, pp. 387-404. HUTCHINS, Edwin. Material anchors for conceptual blends. In: Conceptual Blending Theory: Journal of Pragmatic. v. 37, Issue 10, October, 2005. pp. 15551577. [Disponível no site: http://www.sciencedirect.com/science/ journal/03782166. Acesso em 14/12/2006) JAMESON, Fredric. A lógica cultural do capitalismo tardio. In: JAMESON, Frederic. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1997, pp. 27-79. KRESS, Gunther. Considerações de caráter cultural na descrição lingüística: para uma teoria social da linguagem. In: PEDRO, Emília Ribeiro (Org.). Análise crítica do discurso: uma perspectiva sociopolítica e funcional. Lisboa: Caminho, 1997, pp. 47-76. LAKOFF, George. Women, Fire, and Dangerous Things: what categories reveal about the mind. Chicago and London: The University of Chicago Press, 1987. PEDRO, Emília Ribeiro. Análise crítica do discurso: aspectos teóricos, metodológicos e analíticos. In: PEDRO, Emília Ribeiro (Org.). Análise crítica do discurso: uma perspectiva sociopolítica e funcional. Lisboa: Caminho, 1997, pp. 19-46.

- 124 -

PEDROSA, Cleide Emília Faye. Análise Crítica do Discurso: uma proposta para a análise crítica da linguagem. In: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos. [Disponível no site http://www.filologia.org.br/ixcnlf/3/04.htm. Acesso em 25/01/2007]. RESENDE, Viviane de Melo; RAMALHO, Viviane. Análise do Discurso Crítica. São Paulo: Contexto, 2006. SALOMÃO, Maria Margarida. Razão, realismo e verdade: o que nos ensina o estudo sóciocognitivo da referência. In: KOCH, Ingedore Villaça; MORATO, Edwiges Maria; BENTES, Anna Christina. Referenciação e Discurso. São Paulo: Contexto, 2005, pp.151-168. SAUSSURE, Fernand. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 2002. SCALZO, Marília. Jornalismo em revista. São Paulo: Contexto, 2003. SILVA, Augusto Soares. Linguagem, Cultura e Cognição, ou a Linguística Cognitiva. In: SILVA, Augusto Soares; TORRES, Amadeu; GONÇALVES, Miguel (orgs.). Linguagem, Cultura e Cognição: Estudos de Lingüística Cognitiva. Coimbra: Almedina, vol. I, 2004, pp.1-18. SINHA, Chris. Blending out of the background: play, props and staging in the material world. In: Conceptual Blending Theory: Journal of Pragmatic. v. 37, Issue 10, October, 2005, pp. 1537-1554. [Disponível no site http://www.sciencedirect.com/science/ journal/ 03782166. Acesso em 14/12/2006]. STEINBERGER, Margarethe Born. Discursos geopolíticos da mídia: jornalismo e imaginário social da América Latina. São Paulo: EDUC/FAPESP/Cortez, 2005. SUBIRATS, Eduardo. A cultura como simulacro. In: SUBIRATIS, Eduardo. A cultura como espetáculo. São Paulo: Nobel, 1989. pp. 33-74. TOJAL, Altamir; ALTMAN, Fabio. O Charme das Semanais. In: RITO, Lúcia; ARAÚJO, Maria Eliza de; ALMEIDA, Cândido José Mendes de (orgs.). Imprensa ao vivo. Rio de Janeiro: Rocco, 1989, pp.123-141. VAN DIJK, Teun A. De la gramática del texto al analisis critico del discurso. In: BELIAR (Boletin de Estúdios Lingüísticos Argentinos – Buenos Aires). vol. 2(6), 1995, pp. 20-40 [Disponível no site: http://www.discourse-in-society.org/teun.html]. VAN DJIK, Teun A. Semântica do discurso e ideologia. In: PEDRO, Emília Ribeiro (Org.). Análise crítica do discurso: uma perspectiva sociopolítica e funcional. Lisboa: Caminho, 1997, pp. 105-165.

- 125 -

VAN DIJK, Teun A. El análisis crítico del discurso. In: Revista Anthropos: Semiologia Crítica - Del la historia del sentido al sentido de la história. Barcelona, nº 186, pp.23-36, Setembro/Outubro, 1999. WODAK, Ruth. Mediation between discourse and society: assessing cognitive approaches in CDA. In: Discourse Studies. London / Thousand Oaks / CA / New Delhi: SAGE Publications, Vol 8(1), 2006, pp. 179-190. [Disponível no site: www.sagepublications.com] WODAK, Ruth; CILLIA, Rudolf de; REISIGL, Martin. The discursive construction of national identities. In: Discourse and Society. London / Thousand Oaks / CA / New Delht: SAGE Publication, Vol. 10(2), 1999, pp. 149-173. [Disponível no site: www.sagepublications.com]

- 126 -

[ANEXOS]

Reportagens - corpus -

- 127 -

[Reportagem O elo entre dois mundos]

Revista Veja

29 de janeiro de 2003 Edição 1787 Endereço de acesso:

http://veja.abril.uol.com.br/290103/p_042.html

Data de acesso:

27 de dezembro de 2006

- 128 -

[Reportagem Elo entre dois mundos]

Revista Veja

02 de fevereiro de 2005 Edição 1890

Endereço de acesso:

http://veja.abril.uol.com.br/020205/p_044.html

Data de acesso:

27 de dezembro de 2006

- 129 -

[Reportagem Lula lá e cá]

Revista IstoÉ

29 de janeiro de 2003 Edição 1739 Endereço de acesso:

http://www.terra.com.br/istoe

Data de acesso:

13 de dezembro de 2006

- 130 -

[Reportagem Vitrine Brasil]

Revista IstoÉ

02 de fevereiro de 2005 Edição 1842

Endereço de acesso:

http://www.terra.com.br/istoe

Data de acesso:

13 de dezembro de 2006

- 131 -