Christopher Bollas na SBPdePA

SBPdePA – Queremos perguntar-lhe um pouco sobre a sua vida; sabemos que nasceu na Califórnia e que não viveu lá toda sua vida. Gostaríamos de saber um pouco a respeito de sua particular trajetória: da História na América do Norte à Psicanálise, na Inglaterra.

Christopher Bollas, Ph. D.

Christopher Bollas – Fui um estudante da Universidade da Califórnia nos anos 60, onde fiz análise pessoal na universidade, porque havia um Centro para Estudantes, e eu tive um psicanalista mexicano. Estava estudando História, naquela época, e não me sentia atraído pela Psicanálise, de forma que decidi estudar outra coisa antes. Então, naquela mesma época, eu estava fazendo um trabalho sobre a psicologia de alguns personagens no século XVII. Busquei escritos psicanalíticos para ajudar-me a pensar em

quais eram as dificuldades daquelas pessoas. E então comecei a interessar-me mais e mais pela Psicanálise, até o final de meu curso na Universidade da Califórnia. Após a minha graduação, trabalhei dois anos no East Bay Activity Center, que era um centro clínico do distrito onde tive um treinamento, trabalhando com crianças esquizofrênicas. Tive muito trabalho, pois eram crianças com extrema perturbação. A partir dessas experiências, resolvi aprofundar meus conhecimentos e, assim, descobri a Psicanálise britânica. Li, então, Winnicott, Klein e também muitos novelistas para entender a maneira como eles pensavam e, por outro lado, resultaram profundamente ricos e úteis ao meu entendimento de crianças autistas e esquizofrênicas. Depois, fui à Escola de graduados para estudar Literatura, na Universidade de Búfalo, porque, naquele tempo, eles tinham o melhor departamento de inglês nos Estados Unidos. Muitos novelistas, alguns poetas, grandes professores de literatura e pessoas do estrangeiro concentravam-se nesse grupo. E desta forma eu continuava com o meu interesse pela Psicanálise, porque havia todo um grupo de pessoas com grande interesse psicanalítico. Dei um curso chamado “Loucura e Ficção Temporária” (Madness and Temporary Fiction) e pensei que iria ter ao redor de 40 alunos, no entanto, 250 se inscreveram. Após a primeira aula, 10 a 12 estudantes demonstraram estar muito perturbados, muito, muito doentes. No dia seguinte fui ao departamento de Psiquiatria para discutir isso e para descobrir de que forma eu poderia ajudar esses alunos doentes. Eu disse: sabes, eu gostaria de fazer um treinamento para ser um psicoterapeuta. Person era o encarregado do departamento e sua resposta foi: por que não? Isso ocorreu no final dos anos 60. Assim, trabalhei todos os dias com diferentes psicoterapeutas e outros alunos de Psicoterapia e em três dias dava aulas de literatura inglesa. Assim, decidi solicitar meu ingresso numa Sociedade Psicanalítica. Apresentei-me para a Sociedade Britânica e a resposta foi afirmativa, fui aceito. Em 1973, cruzei o oceano. SBPdePA – Como foi a sua formação analítica? Com quem se analisou e fez as suas supervisões iniciais?

SBPdePA – O senhor é considerado como um pensador independente e que remarca, em sua trajetória, pensadores como Winnicott, Bion, Lacan e um regresso a Freud. Também defende a idéia de que os movimentos psicanalíticos antagonizam o pensamento e o desenvolvimento da Psicanálise. Poderia falar-nos um pouco mais a respeito? Christopher Bollas – Eu penso que as escolas psicanalíticas de pensamento são muito importantes. Não estou fazendo uma crítica das escolas de pensamento. Penso que existem muitos escritores psicanalistas importantes depois de Freud, tais como: Melanie Klein, Jacques Lacan, Heinz Kohut, Winnicott, Bion e outros. É muito importante as pessoas estudarem sua obra para conhecêlos bem, para saber como interpretá-los e como criar, a partir disto. Assim, foram essas concentrações em cada escola que levaram a uma evolução das mesmas, promovendo, assim, um ensino talentoso e informativo. No entanto, eu faço uma diferenciação bem distinta entre uma escola e sua evolução dentro de um movimento, porque, infelizmente, se nós olharmos para trás, na história da Psicanálise, quando as escolas se tornam movimentos, quase sempre um tipo de fascismo entra em cena. Uma espécie de genocídio intelectual, no qual outros movimentos são desacreditados, distorcidos levando a uma expressão de desprezo. Isso não é novo; verdadeiramente, é típico de quase todos os movimentos intelectuais da história. O que é importante a este respeito, para a Psicanálise, é que nós supostamente deveríamos ser analisados para estar atentos a nossos próprios processos destrutivos e, por isso, o efeito da Psicanálise mesmo deveria ser tal, que nós não quereríamos tomar parte de tal “denegrição” e genocídio contra outras escolas intelectuais. É de grande valor ter aquisições de diferentes escolas, mas os movimen-

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Christopher Bollas – Meu primeiro analista foi Masud Khan e minha primeira supervisora foi Paula Heiman. Minha segunda supervisora foi Marion Milner e então continuei minha análise com Khan; houve um interrupção de, creio, aproximadamente cinco anos, e mais tarde tive análise com Adam Limetani. Durante minha preparação, para tornar-me Full Member da Sociedade Britânica, tive Clifford York e Farah Brandt como meus consultores.

tos não operam desta forma e, infelizmente, eles são quase organizações paramilitares com generais, tenentes e soldados, que enxergam as outras pessoas como inimigos. E isto pode ser algo muito nefasto, mas especialmente penoso para a Psicanálise, porque invalida o trabalho da análise pessoal. Debilitando, a meu ver, a auto-estima em nível inconsciente. Mas o analista, em tal grau, crê no seu movimento psicanalítico, e deveria ser sua preocupação se isso vai em direção a um caminho destrutivo. Há demasiada destruição nos movimentos psicanalíticos que atacam a auto-estima e, infelizmente, também levam ao silêncio (“silenciamento”) da contestação, sua relativa ausência de protesto contra esta mentalidade de um movimento. Por isso tomei a decisão, há alguns anos, de “abrir”, conforme eles dizem, ainda que eu me tenha beneficiado de forma enorme daquelas escolas de pensamento, especialmente dos Kleinianos e Winnicottianos, inicialmente nos Estados Unidos, Psicologia do Ego e leitura de Lacan. Mesmo sabendo que eu tenha me beneficiado imensamente dessas escolas de pensamento, eu, evidententemente, me oponho a esses movimentos. E eu estimulo os analistas a abandonarem os movimentos Kleiniano, Lacaniano, Winnicottiano, Kohutiano, porque é antitético para psicanalistas serem membros de um desses exércitos. É algo que deveria nos envergonhar, que desacredita a Psicanálise, mas devo dizer que tenho tido sorte, tenho sido afortunado em ser bem considerado até o momento e espero sobreviver a esse uso político de meu nome, porque eu creio profundamente que essa situação está causando dano à Psicanálise, e desta forma estou preparado para falar claro. Nem todo mundo, que está aqui, sente-se na posição de fazer isso, porque se opor a esse tipo de dimensão dentro de uma sociedade talvez seja um fator de muita força na sociedade que poderia conduzir a uma marginalidade; um isolamento seria muito decepcionante e lamentável para o indivíduo. Mas eu tenho a sorte de ser independente dessa dependência. E desta forma penso que vou seguir fazendo estas declarações. SBPdePA – Neste momento, existem muitos congressos de cada escola e dentro de cada Sociedade Psicanalítica existem departamentos como o de Lacan, departamento de Klein, etc. Eu creio que se aproxima muito desse

Christopher Bollas – Eu penso que está bem, para diferentes escolas, terem seus próprios congressos. Eu acho que é uma boa idéia para os grupos de estudos Kleinianos, para os Lacanianos, para os Kohutianos e outros realizarem seus congressos, uma vez ao ano, e convidar pessoas para que apresentem estudos especiais sobre essas concentrações. Penso, também, que é importante ter especialistas, o que requer preparar o texto a ser estudado. Mas eu também penso que é importante entender que, quando alguém imerge numa escola de pensamento, há uma evidente canalização de propósitos, uma perda de espectro; o que se ganha na intensidade se perde em perspectiva. Mas cada pessoa pode recuperar isso, movendo-se continuamente ou criando um mesmo fenômeno em diferentes perspectivas. Ver um mesmo fenômeno a partir de uma perspectiva Lacaniana, de uma perspectiva Kohutiana, de uma perspectiva da Psicologia do Ego e assim por diante. Em meus escritos, eu argumento que cada uma dessas perspectivas está mostrando um ponto importante. Nenhuma delas é um sistema total de conceitualização. Assim, portanto, no crescimento da Psicanálise há um desenvolvimento intelectual que está aumentando. Diferentes pensadores surgem, conceitualizam coisas de diversas formas, proporcionando-nos uma nova perspectiva que pode ser útil. Assim penso o desenvolvimento do psicanalista: acredito especialmente que as pessoas deveriam começar a estudar Psicanálise na Universidade, durante sua formação, quando elas são jovens. Assim, podem iniciar com Freud na juventude e não na meia idade, no tempo em que elas estão estudando Klein, Lacan, Kohut e outros. Eles são uma parte de múltiplas perspectivas: do self, da natureza, da vida psíquica e sua complexidade, porque a realidade psíquica é extremamente complexa e é melhor, para nós, vê-la em múltiplas perspectivas. Por isso, qualquer escola, ao tornar-se totalística, está eliminando outras perspectivas. E esta é uma forma indesejável de destruição, e não está a favor, a meu ver, do acolhimento de um paciente, em termos de recebimento da transferência, em toda a sua complexidade. Eu sei que alguns analistas se referem ao que deveria ser pluralismo, como

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movimento essa idéia que o senhor comentou, que isola, que fragmenta a Psicanálise no mundo.

terapias diferentes. Eu não penso que isto poderia tornar-se um problema, isto é, alguém poderia ter uma relação superficial em relação a cada uma destas escolas. Desta forma eu reconheço, aprecio e penso que é preciso que um pensador se aprofunde, ele mesmo, numa escola específica. Mas então sair disso e ir para outro tipo de concentração. Eu não acho que estas imersões devam durar 5, 8 ou 10 anos, eu penso que um estudante de Psicanálise pode ter bom proveito com um supervisor, em um ano. E assim, se alguém faz seminários e supervisões poderia estar comprometido com um estudo valoroso e muito intenso: o movimento Kleiniano, Lacaniano ou Kohutiano, de aproximadamente três anos cada. Assim, dentro de um prazo de 10, 12 ou 13 anos, incluindo especialmente o período de formação universitária, pode-se, num tempo razoável, estar informado sobre estas três, quatro ou cinco perspectivas majoritárias, incluindo, certamente, Freud. Dessa forma, eu penso que isto seja possível. A única coisa que se opõe a isso são os movimentos que pregam que os membros devem ser verdadeiramente leais. E ser leal significa que, quando se chega à leitura ou citações, se deve citar, especialmente, os membros de seu próprio partido. E tudo o que se deve fazer para ver o efeito desafortunado dessa dimensão particular dos movimentos psicanalíticos é ir a qualquer destes movimentos, ler os trabalhos e ver as referências. Eles somente fazem referência aos membros de seu próprio exército. E isto é algo que é profundamente desafortunado e vai contra o que a Psicanálise representa. Assim, a esse respeito, o movimento segue se opondo ao significado da Psicanálise. Isto é preocupante. Muito preocupante. Nós temos que parar com isto. Temos que insistir para que isto pare. SBPdePA – Nós sabemos que seus vínculos com a América Latina são antigos, que sua família paterna viveu na Argentina, por alguns anos. Nós o ouvimos falar que a América Latina desempenhou um papel importante para o desenvolvimento da Psicanálise mundial. Numa certa oposição aos movimentos recém mencionados. Poderíamos dizer que a América Latina teve a função de um terceiro elemento ou de um terceiro objeto, nessa mudança?

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Christopher Bollas – Sim. Eu estive ministrando um seminário nos últimos sete anos, chamado “A Visão Européia da Psicanálise”, algo que eu não creio ter podido ensinar há dez anos atrás. Eu não tinha claro qual era a visão européia. Agora eu penso que tem algo surgindo: uma sensibilidade especial, uma relação especial com a teoria, a multiplicidade de teorias de diferentes terapeutas que me agradam, a posição de teorias, do que eu gosto, porque eu não creio na integração delas. Não é possível integrar teorias. Elas sempre estão justapostas. Cada uma é um ponto diferente de perspectiva. Eu penso que o elemento que tem sido mais importante no desenvolvimento da visão européia da Psicanálise é o espelho latino-americano, porque a sociedade latino-americana já está no movimento há bastante tempo, convidando psicanalistas europeus pelos quais tem especial interesse. Muitas vezes, eram convidados membros de um movimento em particular, pela necessidade de aprender, pelo desejo de saber, a curiosidade. O desejo de estar familiarizado com idéias que interessam aos grupos latino-americanos conduziu a uma espécie de (“roofliness”/“open mind”) “abertura”/“despertar” intelectual, que não caiu em associações políticas. A sociedade latino-americana tem convidado pessoas pelas quais se interessa e têm trazido pessoas das sociedades européias, como da França, GrãBretanha e outras partes, para as sociedades latino-americanas. Fazendo isto, os visitantes também recebiam perguntas sobre outros analistas europeus, sobre suas orientações teóricas. E quando isto acontecia, implicava que os analistas dos grupos europeus deveriam estar familiarizados com as principais idéias de seus vizinhos, que estavam sendo discutidas, e assim eles eram forçados a entrar em contato com esses pensamentos. Agora, poder-se-ia dizer, que isto foi no passado e foi uma evolução de geração. Eu penso que podemos ver, agora, a emergência de um novo psicanalista, que é estrangeiro, mas que tem verdadeiro apreço e compreensão por Klein, Winnicott, Bion, Lacan e isso é alguém, penso eu, que encontrou, na diversidade, a riqueza de perspectiva. Do meu ponto de vista, veria essas evoluções como certas elaborações de perspectivas particulares sugeridas por Freud, que foram prioridade nessa epoca marcada por movimentos totalísticos, mas que agora estão sendo pontos de perspectiva de retorno e assim, penso eu, isto é encorajante. Por exemplo, o

psicanalista da América Latina, além de conhecer Freud, também tem passado pela apreciação dos trabalhos de Klein, e o psicanalista Kleiniano também tem feito uma imersão nos trabalhos de Lacan e Winnicott, naturalmente por Bion, e isso tem levado, penso eu, a uma diversidade de perspectivas para os psicanalistas latino-americanos. Na realidade, se olharmos para Bion, a meu ver, ele emergiu como um pensador majoritário na Psicanálise, muito estimado, primordialmente, pela maneira como foi celebrado na América Latina, nas suas entrevistas que foram publicadas. Isto foi o que estimulou, impeliu, efetivamente, o que forçou a revisão do estudo de Bion em Londres. É importante ver que os psicanalistas sul-americanos não fazem exclusão do trabalho de outras pessoas. SBPdePA – O senhor se referiu, hoje, que a teoria do sonho de Freud é mais complexa que a de Bion... Christopher Bollas – Mas a pergunta hoje foi, acho eu, sobre a teoria de alfa e beta de Bion no desenvolvimento da teoria da compreensão do sonho e eu disse que pensava que esse período de alfa e beta nos ajudava a entender uma importante dimensão da realização do sonho, mas que eu não a via tão rica e complexa como formulação teórica do sonho, como é a teoria do trabalho do sonho de Freud. Assim, a este respeito, eu não penso que Bion, de forma nenhuma e ninguém mais, nos tenha dado um entendimento mais sofisticado do sonho do que o que Freud nos tem dado. SBPdePA – A pergunta se refere exatamente a isto: se isso não seria algo natural, já que Bion não formulou a teoria do sonho, no sentido de que Freud formulou. Assim como todos os desenvolvimentos, complementos posteriores à teoria freudiana são incomparáveis com a teoria freudiana, como eixo central. Christopher Bollas – Sempre existe o risco, nos escritos de alguém, incluindo os meus próprios; eu, por exemplo, refiro-me ao trabalho do sonho sem discutir as diferentes dimensões, cada vez mais além do universo do trabalho

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do sonho. Mas nós podemos desenvolver uma tentativa de um único trabalho vir a ser significativo para toda uma teoria, a qual usamos freqüentemente, e então se torna a substituição para a complexidade da teoria de Freud. E eu vi isto como um problema. E assim penso, ao olhar para trás, para a interpretação dos sonhos de Freud, que fiz anteriormente, eu me movia sendo o personagem, ao mesmo tempo em que eu estava lendo os diários sobre pintores, escritores e compositores musicais, lendo sobre a teoria da pintura e da composição musical; eu me dei conta de que havia falhado em ver como a teoria da interpretação dos sonhos de Freud é incrível e sofisticada. Freud encontra a rota da intensidade psíquica, durante o dia, para sua coleta e demanda, para representação à noite, seguida pela associação livre que destroi os aspectos manifestos para entender os pensamentos latentes. Eu penso que só tomando aquele modelo por si mesmo, poderia se passar anos pensando e fazendo reflexões, discutindo as implicações. Devo dizer que depois de haver lido aquele livro, a distinção de Winnicott sobre verdadeiro e falso self, inclusive a posição paranóide e depressiva de Klein se tornam tão importantes como são, e é importante ver que elas são significativas. No entanto, são termos binários simplistas; a teoria de Freud sobre o sonho é uma teoria de funções múltiplas que descreve, penso eu, o caminho em que o inconsciente trabalha, e em mais escritos muito mais sofisticados do que modelos Kleinianos, Lacanianos ou Winnicotianos, entre outros descobrimentos. A esse respeito, eu não penso que possamos celebrar em demasia que a Psicanálise tenha chegado mais além de Freud, ou que tenha melhorado depois de Freud porque, de alguma forma, nós realmente sabemos, ou talvez não, que declinamos a modelos mais simplistas. E o livro dos sonhos de Freud ainda levanta grandes questões para nós, as quais temos que voltar a discutir. Em sua linguagem, na linguagem de Freud, não na nossa. Não é, não vai dar em nada, regressar aos escritos de Freud a partir de Klein, de Winnicott ou de Kohut; não é bom regressar à interpretação dos sonhos, entendo-a através da posição esquizo-paranóide ou depressiva, ou simbólico imaginária, ou do conceito de falso ou verdadeiro self. Este não é o modo de ler Freud, no meu ponto de vista. É o modo errado de apreciá-lo e de aprender dele e de aprender de seus textos. Mas, lamentavelmente, parte do problema realmente tem tomado

direcionamentos realmente catastróficos no grupo clássico, o qual presumíamos ser o dos guardiões da teoria de Freud. Isto é uma falha catastrófica de ensino. O grupo Kleiniano tem grandes professores, assim como o grupo Lacaniano, com ensinamentos criativos desses trabalhos e, desta forma, eles têm estado aptos a trazer isto aos grupos que não estão familiarizados com estes trabalhos, de forma bem leve, trabalhos muito interessantes. O grupo clássico de Psicanálise não transmite Freud, de forma que tem havido um interesse, de algum modo, pelos grupos clássicos, estando eles na França ou na América do Norte, que na realidade têm se inclinado em adotar o mais mecânico da Psicanálise de Freud, especialmente na América do Norte, onde há uma deserção, inclusive, por pessoas do movimento Freudiano. Há um interesse em um grupo chamado de “Psicanálise Relacional”, que é um grupo que está vazio de Freud (não tem nada de Freud). SBPdePA – O modelo do capitão Ahab, em Moby Dick, não seria o oposto ao modelo de Keats da capacidade negativa? O primeiro, Ahab, poderia estar vinculado à dimensão de um segredo que deve ser esclarecido? Ver para crer. Enquanto o segundo poderia vincular-se a uma dimensão do mistério, do tipo: crer para ver, onde o inconsciente, verdade, jamais seria conhecido como coisa em si mesma, somente através de seus derivados? Christopher Bollas – O livro Moby Dick é muito complicado. Em outras palavras, dos livros mais complicados que tenho lido. Bem no principio do livro, quando Melville está escrevendo sobre Ismael e Ismael está fugindo de sua casa para ir ao oceano por causa dos conflitos..., enquanto ele está dentro, em um quarto, e vê uma pintura e ele não pode dizer o que a pintura representa, ele está pensando consigo mesmo, parecem insetos incomodando, mutantes; inclusive suas palavras estão sendo usadas, mais como caricaturas poéticas, onde a palavra é quase uma coisa em si. Depois de algum tempo, ele diz: “Ah, é uma fotografia de uma baleia!”, impulsionando a si própria num barco. Melville fornece, através do personagem de Ismael, a transição do encontro com a coisa em si mesma a uma linguagem que vai transportá-la para a repre-

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sentação e perspectiva. Ahab entra, então, num domínio autista, sempre abaixo de Dick, então ele sobrevém. Antes da jornada, está a questão: Como te aproximas do objeto? É necessário que te encontres com o objeto? Ou como acharia o escritor: tomas a ausência do objeto em si? Isso cria a possibilidade da criação do objeto em sua ausência, o que leva a uma liberdade de representação, sendo esta uma liberdade particularmente humana e é o que gera o significado. Ahab insiste em encontrar a coisa em si mesma, os outros membros da tripulação estão de diferente maneira tentando sobreviver a tal demanda. Por outro lado, é interessante, porque eu pensei que se Ahab não encontrou sua baleia, se ele, explorando o mundo, nunca encontrou a sua Moby Dick, ele seria uma pessoa muito inferior? Há um momento abençoado em seu encontro com o real, que o leva à morte porque ele e a baleia estão envolvidos um no outro. Eu penso, naturalmente, que isto é a fusão de Ahab com o real. Em um sentido psicanalítico, nós poderíamos dizer que existe alguma memória, em todos os seres humanos, de viver dentro da mãe, que é profundamente como uma memória que patrocina o desejo de regressar ao real, sim ou não. Mas não o podemos fazer. Nós podemos representar o desejo de fazê-lo. E Melville mostra isto várias vezes; na novela, por exemplo, ele ilustra as baleias fêmeas dando leite a seus bebês, amamentando-os com seu leite, sempre de novo, as baleias... o leite e Melville diz, bem, isto é um oceano de leite. De forma que ele, logicamente, sabia isso. Foi consciente, estava jogando com o significado, com as diferentes possibilidades da vida e, ao mesmo tempo, usando ficção, como meio através do qual trabalhar grandes diferenças psicológicas. Depois de ter escrito Moby Dick, Melville tinha que romper com isso. E ele estava escrevendo sua novela Pier, a que começou imediatamente após terminar Moby Dick. Uma novela sobre sua mãe, seu filho e irmã ilegítima e o pai ausente numa pequena cidade da Nova Inglaterra, onde há intensa concentração de vida doméstica; não há mar, não há oceano, não há baleias, isto é, vida em família. E ele trabalha, à sua maneira, o intenso conflito da existência do ego. Depois de Pier, escreve uma confidência, para celebrar a capacidade do viajante, eu creio que do escritor, para total encobrimento do self, se assim

o desejou. O escritor descobriu a liberdade de representação que representaria ou não o self, de acordo com seu desejo. SBPdePA – Mais uma pergunta sobre o sonho: O sonho é uma representação psíquica que indica uma tendência de passagem do imaginário para o simbólico. Conta com uma possibilidade de contatar com o conhecido não pensado, de transformar o trauma em “genera”, de acordo com o livro “Being a Character”. O senhor relacionou este movimento na primeira conferência, com o trabalho do pintor, do escritor. Os filmes estariam incluídos nesta categoria? Um filme pode exercer uma função psicanalítica importante; a projeção de um filme ocorre num container, e o sonho não deixa ter semelhanças com o filme. É feito de imagens faladas e movimento? Christopher Bollas – Eu acho que, em relação à experiência do sonho e à experiência do filme, apesar de serem eventos diferentes, mas no espírito de sua pergunta, pelo fato de o espectador ser um participante e testemunhar uma seqüência de imagens, depois do sonho ou depois do filme, isso pode ser recebido como uma vista visual da linguagem, mas é uma vista visual da seqüência. No entanto, no momento em que um fala a outro, sobre o sonho ou sobre o filme, nossa linguagem nos surpreende, nos leva a outro lugar, nos move das imagens a mudanças, rompe-as, e nós vamos embora, vamos a outro lugar. Eu penso que o método psicanalítico, ao dar importância ao sonho e à sua destruição através da livre associação, como Freud disse, reconhece a necessidade de movimento da imagem através do mundo. Assim, nós temos uma criação, uma experiência do tempo visual, e então tu separas (rompes) de repente, rompendo suficientemente dois tipos de conhecimento, que te levam a algum outro lugar em categoria diferente: fora do imaginário em direção ao simbólico, usando Lacan; transportando a representação de coisa para representação de palavra, usando Freud. Eu mesmo não tenho feito declarações teóricas sobre isto. De tal modo que minha própria teoria do trauma em geral está incompleta. Eu deveria algum dia complementá-la, mas isto realmente não é algo que eu tenha que fazer. Eu diria que o sonho é o trabalho de formar a inteligência do ego, e que a

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forma de livre associação é uma forma de rompimento. Assim eu penso que os modelos de condensação e deslocamento são úteis para diferenças fundamentais. Condensar significa unir (aproximar), é combinar para deslocar estas rupturas e “send ups”. Então, minha teoria é uma teoria de condensação. Seu rompimento é para disseminação. O que fez com que Freud não direcionasse na teoria da interpretação dos sonhos foi o processo de livre associação, que ele diz, libera trens de pensamento. Move ao infinito, a um número infinito de dispersões, porque cada parte da condensação forma o sonho, qualquer objeto de sonho é uma condensação de vários fenômenos, que são destruídos através da livre associação; cada um dos elementos isolados se torna uma condensação de outro fenômeno que por associação se destrói em uma infinita fragmentação da condensação, através da associação livre. Eu penso que este modelo de coletar...... no dia do sonho, antes de que o sonhador o tenha sonhado, ele ou ela está coletando o sonho. Sua coleta é no inconsciente, criando gravidades psíquicas, que é o que eu chamo de “genera”. O sonho é a evidência da “genera”, e, então, o rompimento dessas perspectivas que saem dessa criação. Mas, por outro lado, eu penso que isto é ver os diários dos pintores, escritores e compositores. De diferente maneira eles descrevem o processo criativo em termos muito, muito simbólicos. Todos eles escrevem sobre conhecimento, que é uma forma de trabalho inconsciente tomando lugar, que aproxima as coisas sem saber o que toma o lugar. Então eles encontram o objeto, eles criam, por isso mal e mal é suficiente para eles, e muitos pintores, músicos, compositores e escritores dizem que isto é horrível, porque tu fazes a criação, mas então isso te inspira a ir por outros novos e longos caminhos de pensamento. Então isso se rompe e segue adiante, em direção a novas formas de pensar.