Celena Soares Rocha (1) e Miguel Aloysio Sattler (2)

APLICAÇÃO DE PADRÕES SOCIOESPACIAIS NO PROJETO DE GEOMETRIA ESPACIAL DE RUAS E PRAÇAS E SUAS IMPLICAÇÕES NA SUSTENTABILIDADE DA CIDADE DE ALAGOA GRAND...
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APLICAÇÃO DE PADRÕES SOCIOESPACIAIS NO PROJETO DE GEOMETRIA ESPACIAL DE RUAS E PRAÇAS E SUAS IMPLICAÇÕES NA SUSTENTABILIDADE DA CIDADE DE ALAGOA GRANDE - PB. Celena Soares Rocha (1) e Miguel Aloysio Sattler (2) (1) Coordenação de Edificação, IFPB, Brasil. E-mail: [email protected] (2) NORIE, UFRGS, Brasil. E-mail: [email protected] Resumo: Alguns pesquisadores estudaram a geometria espacial de áreas urbanas e constataram a interação de fatores morfológicos e socioculturais na geometria espacial do tecido urbano que conferem animação urbana e outras consequências positivas, tais como percepção de segurança, diversidade social e econômica (ALEXANDER, 1965; JANE JACOBS, 1961). Segundo Alexander (1977), esses fatores podem ser consequência de padrões morfológicos socioespaciais, que determinam como o usuário interage com o ambiente construído e o natural. O objetivo deste trabalho é buscar evidências de como esses atributos geométricos espaciais de interfaces urbanas de ruas e praças estão relacionados à morfologia, à densidade e à diversidade de usos e como podem ser aplicáveis a um desenho urbano mais sustentável. Utilizaram-se mapas temáticos para a seleção e a hierarquização de ruas e praças que, morfologicamente, atuariam como integradores de fluxos e de movimento de pessoas, mapas de localização de convergências e permanências de usuários e mapas de uso e ocupação. Através da observação “in loco”, esses mapas foram comparados utilizando-se o método de sobreposição de McHarg (1961) com aplicação do software ArcGis 3.0, tendo como base o Plano Diretor da cidade de Alagoa Grande – PB. Observou-se que a concepção geométrica espacial e a diversidade de usos na área consolidada da cidade apresentam importantes interconexões e complexidades determinantes da qualidade do ambiente construído. O tecido urbano da área de expansão recente apresentou inúmeros requisitos de ordem estética e segregadora que limitaram a complexidade dos fatores socioambientais, comportamentos sociais e outros aspectos culturais que promovem a animação urbana, quando comparados com a área consolidada da cidade. Considera-se que o resgate de padrões socioespaciais e uma adequação geométrica espacial de índices urbanos em áreas recentes podem contribuir para a solução de problemas ambientais e socioculturais. Palavras-chave: Padrões Socioespaciais, Morfologia Urbana, Sustentabilidade Ambiental. Abstract: Some researchers studied the spatial geometry of urban areas verifying the interaction of

morphological and sociocultural causes in the spatial geometry of urban fabric that checks urban animation and others positives consequences, such as, security perception, social and economic diversity (ALEXANDER, 1965; JANE JACOBS, 1961). According to Alexander (1977), these causes may be a consequence of socio-spatial morphological patterns deciding how the user interacts with the natural or building environment. The aim of this paper is to search for evidences of how these spatial geometrical attributes of urban interfaces of streets and squares are related to the morphology, density and diversity of the uses and how they can be applied in a more sustainable urban design. For a selection and a street and square hierarchy that morphologically operates as an integrator flow and people movement it were used thematic maps, location maps of users convergence and permanence and use and occupation maps. Through the “in loco” observation, these maps were compared using the superimposition method by McHarg (1961), applied in a ArcGis 3.0 software, based on a main plan of the city of Alagoa GrandePB. It was observed that the geometric spatial conception and the use diversity on the consolidate area of the city presents important interconnections and complexities determinants of quality in the building environment. The urban fabric of the recent expansion area presents uncountable requirements of aesthetical and dividing order that limited the complexity of environmental factors, social comportment and others cultural aspects that promotes an urban animation, when compared with consolidates areas of the city. It is believed that the rescue of spatial social patterns and a spatial geometric adequacy of urban rates in recent areas, may contribute to solve environmental and sociocultural problems. Key-words: Socio-spatial patterns, urban morphology, environmental sustainability. VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011

1. INTRODUÇÃO A linguagem de padrões (ALEXANDER, 1977) emerge da relação homem-ambiente e se adéquam cientificamente à investigação de solução dos problemas recorrentes, dando ênfase ao processo de concepção na solução de inadaptações potenciais. Assim como as palavras que, embaralhadas, não têm sentido, mas, quando combinadas, criam uma frase lógica, os 253 padrões, geram uma linguagem com infinitas possibilidades, inclusive de se adaptarem às circunstâncias locais, que auxiliam a comunicação entre os usuários e os projetistas. Alexander baseou sua teoria em padrões arquetípicos1, resumindo experiências e práticas individuais e coletivas. Os padrões são lógicos e intuitivos, para exemplificar citamos dois exemplos, o estabelecido no padrão 60 - Vegetação Acessível - orientando a localização de áreas verdes de forma a se ter um acesso fácil a pé, e, o padrão 14 - Vizinhança Identificável - que se refere à necessidade de as pessoas pertencerem a uma comunidade, salientando a importância de protegêlas de um trânsito mais intenso. A intenção dos padrões é reduzir a complexidade de construir. Se restringíssemos as opções eliminando as possíveis inadaptações, restariam soluções que se conectam aos seres humanos, visual, emocional e funcionalmente, facilitando as interações e as atividades. Para Alexander, é bem mais fácil enumerar um conjunto de possíveis falhas futuras do projeto, por ser o menor número de elementos e por serem as falhas mais visíveis aos olhos, até mesmo para pessoas leigas Entretanto, alguns projetistas relutam, em não aceitar a opinião de leigos (SALINGAROS, 2003; QUEIROZ, 2004). Entendendo a cidade natural ou espontânea como uma criação coletiva, e não planejada por poucos, elas apresentam um conjunto de padrões espaciais, que se sobrepõem e interagem entre si, construídos pelos cidadãos. Esta forma de construir promoveu cidades vivas e animadas, longe de seguir cálculos cartesianos. Portanto, percebemos a necessidade de novas formas de desenvolvimento urbano e de mudanças para padrões mais condizentes com os processos naturais. Neste trabalho enfatizamos as diferentes aplicações de padrões socioespaciais morfológicos na área de expansão e na área consolidada da cidade de Alagoa Grande - PB.

2. GEOMETRIA FRACTAL E METABOLISMOS URBANOS Considerando que as edificações são o habitat dos seres humanos, e que as relações sociourbanas mostram interações complexas, essa semelhança reforça o pensamento de Lynch (1961), que concebe a cidade como um organismo vivo. Essa conceituação é fruto do pensamento sistêmico que vem sendo aplicado em várias disciplinas, devido aos ecossistemas terem propriedades e princípios de organização comuns. Embora, aparentemente, a cidade pareça estática, a apropriação dos espaços pela sociedade exerce uma dinâmica que vai lentamente alterando toda a sua configuração física (Figura 1).

Figura 1 – Transformação do tecido urbano romano e sua fragmentação ao longo do tempo após ocupação islâmica. Fonte: Sobreira (2004).

Segundo Sobreira (2004), as formas definidas por essa expansão urbana natural obedecem a leis semelhantes às da evolução de sistemas orgânicos, pensamento coerente com as leis naturais promulgadas por Mandelbrot (2003).

1

Também chamados de "imagens primordiais", têm origem na constante repetição de uma mesma experiência, durante muitas gerações. Segundo Jung, funcionam como centros autônomos, que tendem a produzir, em cada geração, a repetição e a elaboração dessas mesmas experiências. In: http//:Wikipédia.com.br VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011

Hillier (2009) cita que padrões funcionais e espaciais já nascem com as cidades e, ao crescer, tornam-se complexas, porém de forma desordenada, ou seja, numa ordem complexa. Esse pensamento também era compartilhado por Alexander (1965) e por Jacobs (1961), que defendiam a configuração da cidade natural como uma ordenação complexa que favorecia a animação urbana, a vigilância natural, os lugares mais seguros, a diversidade econômica, entre outros fatores, e criticavam o planejamento moderno por reduzir essas relações socioespaciais nas cidades. Embora, acreditássemos que os maiores problemas das cidades se reduziriam ao zoneamento rígido, à segregação de funções, a ruas hierarquizadas, repetições geométricas regulares, entre outras, essas “descrições ingênuas” (ALEXANDER, 1965 apud HILLIER, 2009), não abordavam satisfatoriamente a profundidade dos problemas de concepção das cidades. Uma grande contribuição de Christopher Alexandre foi descrever como as interações das cidades naturais se dão em forma de semirretículas, e não em “árvore”. O fato de os projetistas conceberem cidades como “árvores”, segundo Alexander (1965), é uma pré-disposição da mente humana, fruto de nossa cultura ocidentalizada baseada nos princípios cartesianos que dificultam a visão sistêmica de concepção das cidades. A Teoria da Totalidade (ALEXANDER, 1979) ou a Visão Sistêmica (CAPRA, 2006) de organismo complexo, como são as cidades, é, provavelmente, a únicas formas de resolvermos os seus problemas. Alexander (1965) afirma que, quando projetamos, em termos de “árvores”, reduzimos a riqueza das relações e a complexidade da cidade viva por certa simplicidade e rigidez conceitual que só beneficia ou facilita os cálculos cartesianos de engenharia. A Figura 2 mostra como uma geometria regular e relações em termos de “árvore” tendem, naturalmente, a reaproximar-se da geometria fractal das cidades tradicionais, determinando outras regras de crescimento e de relações mais complexas.

Figura 2. Cidade fictícia concebida inicialmente em árvore (1) se diversificando à medida que as relações tornam-se mais complexas (6). Fonte: Queiroz (2004: 20 -21).

As formas orgânicas e fractais são padrões impressos em nossa mente (SALINGAROS, 2003), e como a cidade natural é fruto da apropriação social, inconscientemente, reproduzirá formas que respondem a esses processos cognitivos subjacentes. A configuração espacial da cidade natural sugere uma fragmentação espacial. Essa visão é fundamental nas obras de Alexander. O traçado das ruas, em forma de trama geométrica regular existe desde tempos remotos, porém, dificilmente, este traçado permanecerá ao longo dos anos. Na maioria das cidades planejadas, a separação de funções é mantida à custa de uma rígida fiscalização. De acordo com Salingaro (1999), a cidade do futuro deverá recuperar seu traçado natural e reaprender a utilizar as soluções geométricas com base em padrões seculares, semelhantes ao das cidades tradicionais ou naturais. Entretanto, o planejamento das cidades, em geral, carece de profissionais com capacidade de síntese e de uma visão sistêmica.

3. PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS Numa primeira etapa, fizemos um estudo macro, visualizando o modelado do terreno através das curvas de nível e da sobreposição de mapas georreferenciados pelo software ArcGis. Em seguida, procedemos a um levantamento “in loco”, fotografando alguns aspectos que justifiquem locais de movimento ou de permanência em ruas e praças que apresentam semelhança respaldada nos padrões estabelecidos VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011

por Alexander (1977). Buscamos identificar padrões de forma aleatória, para que eles reforçassem soluções que servissem de base para identificar erros e acertos, tais como, aspectos morfológicos baseados no comportamento dos usuários, respeito aos aspectos fisiográficos, densidades e outras que possam servir de referências a novas intervenções urbano-arquitetônicas. 3.1. Localização da área de estudo A cidade de Alagoa Grande, localizada no Nordeste do Brasil, está entre as cidades mais desenvolvidas do interior do Estado da Paraíba e situa-se na zona fisiográfica Piemonte da Borborema, entre a Caatinga e o Brejo. Tem, aproximadamente, 27 mil habitantes e foi fundada no período colonial, a partir de um aglomerado, por volta de 1625 (FREIRE, 2000). A Figura 3 ilustra a localização da cidade e a área urbana dessa cidade.

FIGURA 3 – Localização da área de estudo. Fonte: wikipedia.org. À direita: mapa da área urbana da cidade, indicando a localização do núcleo histórico, e ao sul, a expansão recente. Fonte: Plano diretor da cidade de Alagoa Grande – PB.

3.2. Configurações urbanas espaciais A visão sistêmica permite observar algumas práticas que se refletem em vários padrões, e em diversas escalas e épocas, é importante ressaltar como essa relação espaço-temporal implicará na sustentabilidade. Na parte histórica da cidade, os edifícios públicos e o comércio, ficam próximo às áreas residenciais, o que favorece uma maior permanência de usuários e estrutura as ruas e as praças do entorno. A expansão urbana recente se espalha na planície (Figura 4).

FIGURA 4 – Modelado do entorno da área urbana (traço rosa) indicando a localização da área consolidada e foto do acesso ao Morro do Cruzeiro. Fonte: Trabalho da disciplina Edificações e Comunidades Sustentáveis. PPGEC_UFRGS. Digitalizado no LEPAN-UFPB. Foto dos autores.

As principais construções, como a Igreja da matriz e o prédio do teatro, destacam-se por serem estrategicamente localizadas em níveis elevados do sítio, assim como o Morro do Cruzeiro, que funciona como um mirante natural e marco de orientação visto por quase todos os pontos da cidade. Os padrões 2 e 6 explicam a relação entre a distribuição das cidades, a fim de não sobrecarregar a estrutura ambiental, e a dificuldade de manter seus usuários diante dos atrativos dos grandes centros VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011

urbanos. Alexander (1977) explica que a permanência de comércios e indústrias nas pequenas cidades sustenta a vida da cidade, no padrão 48, que recomenda a localização de casas entre áreas comerciais de pequeno porte, pequenas indústrias, oficinas, escritórios, escolas, etc. Essas áreas são utilizadas em certo período e ficam reforçadas pela vitalidade, trazidas pela heterogeneidade de atividades, dos seus moradores. Cabe, aqui, fazer referência ao padrão 26 – ciclo vital. Dessa forma, reforça o conceito de que a diversidade de uso do espaço promove um entorno mais animado e, provavelmente, sem essa diversificação de usos, estariam esses espaços naturalmente abandonados. 3.3. Espacialização da diversidade urbana O mapa de uso da Figura 5 mostra a diversificação dos edifícios e espaços geradores de movimento, encontro, articulação e integração dos espaços da cidade. Observa-se que, na parte histórica, ficam os espaços que favorecem o encontro e integram os diversos pontos da cidade. Ou seja, os percursos e as praças e estruturam a malha urbana.

FIGURA 5 – Mapa de diversidade de uso a partir da ampliação do mapa da área urbana com a localização de lugares e edifícios atratores de movimento.

Os esboços de Alexander (1977) e sua percepção de lugar sugerem que os percursos sejam valorizados pelas sensações olfativas de atividades desenvolvidas por pequenos comerciantes em postos de comida – padrão 93 – com carrinhos de pipocas, pequenos quiosques ou barracas de cachorro-quente, com a intenção de tornar as ruas agradáveis e mais animadas. Quando estes se localizam em pequenas praças públicas – padrão 61 – podem viabilizar bolsões de atividades – padrão 124 – que são pequenos comércios, explica o autor, onde encontramos comida de qualidade. Muitas cidades brasileiras são reconhecidas pelas barracas de tapioca (Olinda), acarajé (Salvador), pão de queijo (Minas Gerais), que também reforçam a cultura local. Assim, os padrões identificados por Alexander podem contribuir para fortalecer as cidades, em termos socioeconômicos e culturais, quando incentivados ou construídos pela comunidade, como, por exemplo, Olinda, Salvador, Lima, Londres, entre outras, cujas ruas e praças são transformadas em lugares de acontecimentos. Os acontecimentos socioculturais dos padrões de Alexander permitem distinguir os diferentes lugares, conferindo suas identidades próprias. 3.4. Padrões geométricos socioespaciais e sustentabilidade Na arquitetura, é prática usual ver-se o espaço como mero pano de fundo ou como o vazio entre os edifícios, pois se considera a configuração urbana da cidade e seus elementos (casa, edifícios, ruas, praças, etc.), ou seja, a parte física, e se desconsidera o espaço como gerador dos lugares e suporte das atividades sociais. Muitos profissionais se dedicam às obras físicas e palpáveis e relegam o espaço como o principal articulador. Tais pensamentos podem ser a origem de problemas insustentáveis nas cidades. VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011

Neste trabalho abordamos fatores de ordem social, econômica e cultural que permeiam o paradigma atual da sustentabilidade, associando-os aos padrões de Alexander selecionados, como suporte à comparação e interação com a realidade local. De acordo com esse autor, o traçado geométrico das cidades deveria ser concebido de forma compatível com o comportamento humano. Isso explica, parcialmente, o porquê do traçado irregular das cidades naturais e dos assentamentos espontâneos, embora alguns arquitetos considerem que esse traçado seja o percurso de animais irracionais (CORBUSIER, 1998 apud HILLIER, 1996). O ato de caminhar atende sutilmente a uma geometria de percurso que descreve uma linha reta, podendo formar ângulos com a horizontal ou vertical em direção a outro ponto de interesse na paisagem, como na Figura 6, a seguir:

FIGURA 6 - A trajetória do caminhar humano não segue em linha reta. Para tornar o caminho mais agradável, percorremos metas intermediárias, sendo recomendada a cada 100 metros uma pequena praça. Fonte: Alexander, 1977.

O padrão 120 – caminhos e metas – sugere que essa linha reta tenha um comprimento de 100 metros entre esses pontos de interesse. A partir dessa distância mudamos a direção para outro ponto de interesse intermediário na paisagem descrevendo uma trajetória sutilmente angulosa e levemente curva, olhando coisas agradáveis, conversando ou refletindo, sem a necessidade de, a cada instante, imaginar o quanto ainda temos a percorrer e seguimos até a nossa meta. Nesses casos, caminhar em linha reta, embora reduza o percurso, a trajetória é, emocionalmente, mais longa e mais desgastante. A concepção da área histórica é baseada no planejamento colonial português, estabelecida pelo confronto da estrutura física do território. Observa-se, na Figura 7, como o traçado espontâneo das ruas contorna as curvas de nível.

FIGURA 7 – Ampliação do mapa urbano da cidade, que ilustra o traçado dos percursos segundo o planejamento da época. Na foto ao lado, uma pequena praça atende a padrões que favorecem a animação urbana. Foto dos autores.

A área histórica, em que predominam padrões socioespaciais, favorece a permanência dos usuários, a diversidade de usos e uma vigilância natural. As ruas e as praças, com as fachadas das casas no limite das calçadas separadas por “becos” laterais, permitem a leitura contínua em relação à rua, às janelas e às portas voltadas para a rua, padrões que se repetem até hoje e dão a identidade do lugar. Os espaços criados na área de expansão não apresentam a mesma articulação e homogeneidade da cidade, rompendo com os padrões observados na parte antiga da cidade, como visto anteriormente, e isso causa problemas de uma malha segregada, anti-humana e antieconômica. A separação de funções nas áreas de expansão urbana planejada resulta em ruas sem vida até mesmo durante o dia. A Figura 8 mostra detalhes da área de planejada da cidade, ilustrando a falta de integração e de diversidade, que são responsáveis,

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também, pela destruição de importantes relações socioespaciais, quando comparada com a área do espaço histórico.

FIGURA 8 - Traçado regular da expansão urbana onde predomina áreas residenciais implicando em pouca diversidade de uso e longos trajetos às demais funções da cidade.

Alguns estudos apontam para a necessidade de as pessoas, espontaneamente, procurarem os locais onde há concentrações (JAN GEHL, 1968 apud ALEXANDER, 1977, p.165), como explica o padrão 30 – nós de atividades. Essas atividades devem ser pensadas para que haja uma sustentação recíproca e uma relação simbiótica, evitando-se espaços sem animação e vida. Alexander (1979, p. 240) explica que em muitas partes do entorno de uma praça são áridas, porque não recebem um caráter pessoal, pela simples razão de que, em verdade, nada vive ali. Os zoneamentos rígidos baseados nos pressupostos modernos, enrijecem a possibilidade dessas trocas microeconômicas e inviabilizam a emergência de uma intensa rede de trocas por um aumento das distâncias entre as atividades diversas que se complementam, o que resulta em perdas socioeconômicas e ambientais para as cidades e torna desertos os lugares onde o comércio não pode sobreviver. É importante ressaltar que as atividades se localizam onde as pessoas transitam (HILLIER & HANSON, 1984), ou seja, as edificações existem naquele local porque ali há um movimento natural. Na área histórica, muitos espaços apresentam os padrões vistos anteriormente. No entanto, os percursos (ruas e calçadas), as praças e os lugares abertos da área de expansão, muitas vezes, não atendem às necessidades dos seus usuários, conforme observado na Figura 9, embora, sejam planejados gerar animação, interação e acessibilidade.

FIGURA 9 - Ampliação do mapa urbano da cidade, ilustrando o traçado na área de expansão recente. Ao lado, local projetado para permanência e lazer dos usuários, a falta de animação urbana e a inadequação geométrica espacial. Foto dos autores.

Alguns padrões geométricos espaciais interferem no comportamento sociourbano determinando como o usuário interage com o seu ambiente. Tomando por base o padrão 123 – recomenda-se que, mesmo para áreas maiores, o polígono convexo de uma praça deve variar entre 15 e 30 m² por habitante e que seja reforçado o seu uso por edificações com acessos e janelas, localização de atividades que garantisse seu uso, ou seja, com espaços laterais ou bordas animadas de acordo com o padrão 124 – Locais de Atividade. Para as pequenas praças - o padrão 61 - recomenda-se que a localização seja em uma distância que varie VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011

em torno de 100 metros, visando promover áreas calmas e áreas animadas em horários variados, e que o lado maior não ultrapasse 21 metros. Essas dimensões são importantes para que a praça não pareça deserta e se possa identificar o rosto de uma pessoa, promover a sensação de se estar próximo de alguém, ouvir as conversas. Essas percepções não são provocadas em áreas muito grandes. Portanto, ressaltamos que além da concepção projetual de geometrias, para serem animados, os lugares devem promover uma cooperação entre as atividades com a finalidade de viabilizar os espaços da cidade como um todo, inter-relacionando-as em diferentes horários, para que sejam utilizadas durante o dia e atraiam outro público com atividades noturnas. 3.5. Polígonos convexos e relações socioespaciais Sob o ponto de vista de Alexander (1977), um local onde convergem pessoas e acontecimentos funciona bem quando esses espaços são definidos por polígonos convexos formados pelas fachadas das edificações ou mobiliários urbanos, que servem como por barreiras visuais, que trazem essa informação e comunicam essa finalidade de forma mais agradável. A esse respeito, Salingaros (1999) afirma: “...arquitetura é uma extensão da mente humana ao ambiente. Nós construímos estruturas de modo que possamos nos conectar a ela...”. “...Se, por outro lado, não podemos nos conectar às superfícies circundantes, então nos descobrimos em um ambiente estranho e nossos instintos básicos nos levam a abandoná-lo”. Quando esses polígonos não estão interagindo, a desagregação provoca percepções desagradáveis ou não comunicam, e esses ambientes passam a ser evitados inconscientemente, pois carecem de geometrias espaciais e conexões mais amigáveis, tais como, acessos, portas e janelas, acabamento de superfícies interativas voltados para esses polígonos, conforme ilustra a Figura 10:

FIGURA 10 - Padrão 106 – Espaço Exterior Positivo – recomenda somar pequenos edifícios decompondo o espaço em pequenos fragmentos. Fonte: Alexander (1977).

O padrão 122 – frente de edifícios – sugere que as edificações se alinhem nas calçadas ao longo do percurso sinuoso dos caminhos, vistos, anteriormente, com o intuito de integrar as áreas livres ao espaço público das ruas e das calçadas. O padrão 108 – Edifícios Conectados – tem uma contextualização semelhante para os recuos laterais. Os recuos frontais produzem áreas sem sentido e problemáticas do ponto de vista social. A Figura 11 mostra locais onde se deveriam promover importantes relações socioespaciais aos usuários, na área de expansão, no entanto, os recuos frontais e os muros altos diminuem a vigilância natural, e, desconectam as pessoas de ruas e de praças.

FIGURA 11 - A área de expansão recente mostra as ruas e a praça desertas e pouco utilizadas. Foto dos autores.

Alexander (1977) ressalta que um dos maiores problemas das comunidades é o desperdício desses espaços públicos. Segundo o autor, essas áreas desperdiçadas provocam a desintegração social e sintomas de uma sociedade enferma. VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011

A Linguagem dos Padrões combate o caráter homogêneo e indiferenciado dos espaços reprodutores de padrões insustentáveis, e, prioriza as relações com outras culturas (padrão 8) preservando a sua sabedoria (padrão 40) e seus lugares sagrados (padrão 24 e 66), como preconizam as recomendações na Agenda 21. A obrigação de recuos laterais e os frontais obedece aos pressupostos da Carta de Atenas (LE CORBUSIER, 1964), com a finalidade de garantir ventilação e iluminação. Entretanto, é possível garantir aeração e luz numa volumetria de até quatro andares. A partir disso, os edifícios muito altos promovem patologias psicossociais – padrão 21. Porém, alguns edifícios altos distribuídos na paisagem são recomendados para servir de pontos de observação, substituindo os mirantes naturais, que são edifícios de uso não residencial, com acesso público e na proporção de 1 para cada 7000 habitantes. Portanto, o adensamento e a verticalização, de acordo com os padrões de Alexander, podem promover uma mudança na legislação urbana, possibilitar novas geometrias, devolver à cidade sua geometria natural, resgatar importantes padrões socio-espaciais, a fim de restabelecer os lugares com animação e vida. A desconsideração de padrões arquetípicos, na arquitetura-urbanismo, explica-se, em parte, pelo fato de que a disseminação dessa linguagem tira um pouco do poder dos arquitetos e incorpora a opinião de não profissionais no planejamento, embora a perspectiva do usuário seja importante e deve-se incentivar sua colaboração desde o planejamento. Portanto, os projetistas devem ter sensibilidade ao definirem o tratamento a ser dado aos espaços “vazios” da cidade, em colaboração com seus usuários, e compreender os acontecimentos que podem ser incentivados nas ruas e nas praças. O resgate de padrões socioespaciais, com novas geometrias de percursos e novas configurações espaciais, integra os espaços aos edifícios, o que pode contribuir para a reestruturação de uma malha urbana mais sustentável. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho foi desenvolvido na disciplina Edificações e Comunidades Sustentáveis, ministrada pelo Prof. Miguel Sattler, no segundo semestre de 2009, visando contribuir com a reflexão de novas formas de conceber a geometria espacial urbana e investigar padrões sócio-espaciais que

respondessem parcialmente, aos questionamentos de técnicos da Prefeitura Municipal da cidade de Alagoa Grande – PB, sobre a “falta de animação da cidade”. Embora quando concebidos não houvesse relações com o termo sustentabilidade, principalmente em relação à geometria espacial, os padrões motivam atividades sustentáveis no espaço edificado. Observa-se que, através de ações locais, para evitar o desperdício dos espaços públicos e buscar a “totalidade”, ou seja, uma integração espacial de toda a malha urbana, esses padrões se complementam e interagem entre si a favor desse paradigma. Um bom início que, certamente, demanda ações em longo e médio prazo, seria por em prática um processo de humanização, regeneração geométrica espacial e física da área de expansão recente, a fim de resgatar, coletivamente, padrões mais adaptados às necessidades locais. Nesse sentido, urge o incentivo de tipologias sustentáveis exitosas no Sul do país, que se adaptem às características do semiárido nordestino, através de diretrizes de experiências práticas já realizadas no Rio Grande do Sul (SATTLER, 2004).

A falta de uma visão sistêmica traz graves consequências para o meio ambiente e a qualidade de vida de seus moradores. O Plano Diretor, nesse sentido, tem grande importância porque pode minimizar relações em que haja atividades que produzam impactos negativos, como por exemplo, industriais, distritos mecânicos e outras atividades de grandes impactos.

A prática e o planejamento projetual, deveriam pensar as funções e as atividades nos lugares, no sentido de projetar em termos mais sustentáveis. O caminho para cidades mais sustentáveis, além de prover as necessidades, das próximas gerações e das atuais, promoverá uma sinergia de esforços em direção ao fechamento de ciclos, com uma geometria que seja geradora de vida e de afetividade pelo lugar.

VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011

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AGRADECIMENTOS Agradecemos à CAPES/SETEC - Edital 001/2008, pelo financiamento deste trabalho.

VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES - BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011