BOLETIM SBNp. Editorial. Queridos associados da SBNp,

BOLETIM SBNp Gestão 2011-2013 -Edição Abril 2013 Editorial Nesta edição: Queridos associados da SBNp, No nosso texto inicial temos o prazer de cont...
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BOLETIM SBNp Gestão 2011-2013 -Edição Abril 2013

Editorial Nesta edição:

Queridos associados da SBNp,

No nosso texto inicial temos o prazer de contar com a colaboração Texto Inicial Distúrbios de memória no consultório: além dos testes

de Priscila Covre, doutoranda pela UNIFESP. No artigo a pesquisadora aborda temas de extrema relevância para a prática clínica do neuropsicólogo: a abordagem do paciente com queixas de déficit da memória.

Entrevista do mês Maria Joana Mader Joaquim

Temos também como entrevistada do mês a Psicóloga e Neuropsicóloga do Hospital de Clinicas UFPR, Maria Joana Mader Joaquim, uma das mais importantes formadoras de opinião na área. Maria Jo-

Relato de pesquisa Criatividade e suas relações com inteligência em crianças com e sem dislexia

ana, uma das pioneiras na Neuropsicologia brasileira fala de sua trajetória e da formação em neuropsicologia no Brasil.

Ainda contamos com um relato de pesquisa intitulado “Criatividade e suas relações com inteligência em crianças com e sem dislexia”, NEUROrelatos XXXI Congresso Brasileiro de Psiquiatria XIII Congresso Latino Americano de Neuropsicologia

realizado pelo pesquisador Rauni Jandé Roama Alves.

Não percam também em nossa agenda, os eventos relacionados à neuropsicologia que ocorrerão no país e no exterior!

Uma boa leitura a todos! Equipe editorial da SBNp!

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Distúrbios de memória no consultório: além dos testes

E

ra a 15ª sessão com o paci-

ente, no mesmo consultório e nas mesmas condições anteriores. Perguntei: - O senhor se lembra de já ter vindo aqui? - Não, não me lembro. - O senhor me conhece? - Acho que não. - O senhor sabe meu nome? - Não, não te conheço.

seu passado. Esse tipo de amnésia é chamado de anterógrada, onde a formação de novas memórias é acometida, mas a recordação de eventos passados está preservada. O leitor atento poderia indagar: “Não se lembra? Mas ele se lembrou do seu nome!”. Ao que eu questionaria: “Lembrou?”. Há uma diferença entre lembrar e saber (Knowlton & Squire, 1995); eu diria que ele sabe meu nome, mas não se lembra dele. Lembrar envolve recuperar o contexto em

- Meu nome começa com a letra P. - É Priscila? - Sim, é Priscila! O senhor acertou de primeira! Como o senhor sabe que esse é meu nome? - Ah, porque todas que eu vou se chamam Priscila. Esse senhor, de 50 e poucos anos, tinha sofrido uma anoxia cerebral, ocasionada por uma parada cardiorrespiratória em decorrência de um infarto. Anoxia é a redução dos níveis de oxigênio no cérebro levando a mortes neuronais, que podem causar danos cerebrais irreversíveis. Esse senhor, que vivera sua vida normalmente até então, após esse evento passou a apresentar sérios problemas de memória. Foi diagnosticado como amnésico. Fica claro pelo diálogo acima que ele não se lembra das situações pelas quais passa: não se lembrava do consultório, da sessão ou de ter me conhecido. Essa dificuldade era específica para eventos ocorridos após a anoxia; lembrava-se sem dificuldades de

que uma informação foi aprendida, lembrar-se onde, quando e o que aconteceu. Esse tipo de habilidade é chamado de memória episódica. Saber é recuperar informações aprendidas, fatos, sem necessariamente lembrar-se das informações contextuais. Essa habilidade é chamada de memória semântica. O paciente sabia meu nome, mas não sabia que o sabia e nem por que o sabia. Aliás, quando indagado, ele respondeu: “porque todas que eu vou se chamam Priscila”. Apesar de não se lembrar de ter ido ao consultório tantas vezes, parecia saber que ia a algum lugar (“todas que eu vou”). Ele aprendeu, ainda que de forma descontextualizada, novas informações. Essas informações fo-

ram extensiva e consistentemente repetidas, caso contrário ele não as teria aprendido. Ainda assim, a recordação é pouco consistente, é necessário um tipo específico de pergunta que facilite sua recuperação. O que ocorreu com esse paciente não é inédito, outros pesquisadores já demonstraram que pacientes amnésicos podem aprender fatos novos, sob algumas condições (ver Squire & Zola, 1998). Aliás, o que aconteceu com esse paciente é razoavelmente comum entre os pacientes amnésicos que já atendi e é um fator que gera muita confusão para as famílias e profissionais que trabalham com esses pacientes. É pouco óbvio para o leigo (nesse caso, indivíduo sem conhecimentos dos conceitos de Neuropsicologia) que a memória é composta de vários sistemas (que vão além dos sistemas de memória semântica e episódica apresentados aqui). É pouco óbvio para o próprio paciente o que está acontecendo com ele. É bastante comum, portanto, que situações como essa sejam interpretadas como uma inabilidade (“Ah, foi apenas um chute, ele não aprende nada”) ou como um ato voluntário, carregado de vontades obscuras (“Como pode se lembrar de algumas coisas e de outras não? Ele só se lembra do que quer” ou “Quando eu pergunto, ele não se lembra, quando o psicólogo pergunta, ele sabe responder. Deve ser algo comigo”). Ambas as interpretações ignoram as potencialidades desse fato para o tratamento e para a melhora do convívio com o paciente.

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Boletim SBNp—Abril—2013

Por: Priscila Covre

Ao chegar ao consultório de um Neuropsicólogo, em geral, o indivíduo com amnésia tem suas memórias avaliadas por testes e sai de lá com um diagnóstico razoavelmente preciso sobre suas funções preservadas e prejudicadas. Contudo, os distúrbios de memória vão além dos problemas apresentados em testes cognitivos, a amnésia tem impacto severo em diversos âmbitos da vida de um indivíduo. Não basta ao Neuropsicólogo clínico conhecer as teorias sobre os processos de memória e ser capaz de avaliar esses processos; ele deve refletir sobre o impacto dos distúrbios de memória no dia a dia de seu paciente.

inúmeras vezes no dia a dia do paciente e poderão continuar sendo mal interpretadas. A meu ver, é papel do Neuropsicólogo clínico, mesmo aquele que só avalia, compartilhar seus conhecimentos de forma clara e simples com os pacientes e seus familiares. Desta forma, poderá orientá-los, prevenindo possíveis mal-entendidos e possibilitando mudanças importantes no cotidiano do paciente e no seu convívio em sociedade.

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As formas de ajudar esses indivíduos também são contra intuitivas para os leigos. A repetição extensiva e consistente de informações é benéfica para o indivíduo com amnésia, mas quantas vezes já ouvi: “Não vou repetir, porque ele tem que treinar a memória dele”. É como se, ao auxiliar o paciente, o familiar estivesse prestando um desserviço. Perguntas do tipo “você se lembra daquela festa?”, tão comuns numa conversa com amnésicos, são pouco úteis e, quando não irritam ou frustram o paciente, levam a respostas do tipo “não lembro”. É mais válido iniciar a conversa falando da festa e ver se ele se familiariza com o que está sendo dito; é possível que ele complete a informação com um chute, mas assim há maior chance dele recuperar alguma informação e sentir-se participando da conversa.

Referências Knowlton, BJ, Squire, LR (1995). Remembering and knowing: Two different expressions of declarative memory. J Exp Psychol Learn, 21(3): 699-710.

Squire, LR, Zola, SM. (1998) Episodic Memory, Semantic Memory, and Amnesia. Hippocampus, 8: 205–211.

Priscila Covre Professora Assistente I da Faculdade de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Graduada em Psicologia pela UPM e mestre em Ciências pelo departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Atualmente é doutoranda no mesmo departamento. Atuou como Psicóloga visitante no centro de reabilitação Oliver Zangwill (UK) pelo período de três meses e realizou estágio de doutorado na University of York (UK) sob supervisão dos professores Alan Baddeley e Graham Hitch.

Situações como a apresentada no diálogo acima ocorrerão

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Maria Joana Mader Joaquim

SBNp: Olá Maria Joana! Para começarmos nossa entrevista, gostaria que você contasse para nossos leitores inicialmente, como foi a sua formação na neuropsicologia. Maria Joana: : “Graduei em Psicologia pela Universidade Católica do Paraná, em 1984. Trabalhei na Escola Terapêutica de Curitiba, uma escola especial, com crianças com comprometimento neurológico, e na Clínica da PUC-PR como supervisora de Psicomotricidade. Na ocasião já me interessava pelos aspectos neurológicos que estudava através do livro “Neuropsychologie” de Barbizet e Duizabo com alguns colegas. Em 1996 comecei a acompanhar o trabalho das psicólogas Maribel Doro e Mônica Bigarella sobre funções cognitivas e epilepsia no Hospital Nossa Senhora das Graças, junto com a equipe do Dr. Paulo Bittencourt, neurologista. Este grupo permitiu o contato com a Dra. Pamela Thompson, do Chalfont Centre for Epilepsy, em Buckinhamshire, Inglaterra, que me aceitou como “trainee”. Nesta época havia poucos cursos formais e sem uma bolsa de estudos era impossível fazer um curso de mestrado. Mesmo assim deixei a segurança de um emprego e viajei em janeiro de 1988 para trabalhar e morar neste hospital nos arredores de Londres. O Chalfont Centre era um hospital residência para pacientes com epilepsia. Naquela época havia cerca de 350 pessoas portadoras de epilepsias morando lá e outras 40 passavam períodos de internamento para

avaliação e reabilitação. Vários funcionários moravam em quartos ou flats dentro do grande complexo, além de pessoas de vários locais da Inglaterra e, até mesmo, de outros países. Este hospital, inicialmente uma comunidade para epilépticos é hoje um centro de pesquisa, fica a 1 hora de Londres, ao lado de uma pequena vila, Chalfont St. Peter. Cheguei em um sábado frio mas ensolarado. Logo na segunda-feira fui conhecer o local de trabalho e staff do hospital. À tarde fui convidada a participar de uma reunião onde seriam discutidos os casos em avaliação. Após breves apresentações, iniciou-se a reunião, sob o comando da enfermeira chefe da unidade, uma irlandesa que falava rápido demais e eu não entendi nada (apesar dos anos de cursos de inglês). Claro, bateu o pânico inicial, mas foi justamente esta reunião das segundas-feiras que serviu de parâmetro para mim. Se assistir a uma reunião era difícil, imagine então aplicar testes em inglês. Primeiro, a minha pronúncia; depois, compreender a resposta do paciente e, por fim, avaliar se estava correta. Os pacientes de Chalfont vinham de diferentes locais na Inglaterra, cada um com um accent diferente. Resultado: durante os dois primeiros meses eu gravava as respostas dos pacientes e depois as corrigia com a Dra. Pamela. Meu vocabulário em inglês teve grandes contribui-

ções do Boston Naming Test e WAIS-R e outros testes. ..Um ano no exterior é uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional. Fazer tudo isto sem bolsa de estudos é um desafio. Eu morava num quarto do Hospital e trabalhava como garçonete em um restaurante nos fins de semana. Nesta época não havia cartões de créditos internacionais, envio de dólares e outras facilidades de hoje, mas tudo é possível desde que haja muita disposição e desejo. Aprendi muito neste ano na Inglaterra, acompanhei o trabalho da Dra. Pamela Thompson em Chalfont. Tive a oportunidade de assistir Prof. Elizabeth Warrington em discussões de casos no Queen Square e participei de eventos sobre Neuropsicologia e Epilepsia. De volta ao Brasil, ao Nossa Senhora das Graças, continuei trabalhando junto com as equipes da Unidade de Neurologia e da recém criada Unidade de Psicologia. Em conjunto com estas equipes desenvolvemos várias pesquisas, inclusive com um trabalho premiado com Young Investigators Award da International League Against Epilepsy em 1991. “Ainda na Inglaterra, me correspondi com alguns pesquisadores e descobri que haveria um congresso latino americano em Buenos Aires, em julho de 1989. Quando cheguei, resolvi ir para este evento, assim Maribel e eu fomos para Buenos Aires... de ônibus...eu nunca vou me esquecer desta viagem de 33 horas, de ida e de volta.

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Boletim SBNp—Abril—2013

Por: Cristina Yumi N. Sediyama

Em maio de 1992, saí do HNSG e fui fazer um estágio voluntário no Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas UFPR. Em 1993 fui contratada para integrar o Serviço de Psicologia. A oportunidade de acompanhar os pacientes internados na Neurologia do HC permitiu-me desenvolver técnicas de avaliação neuropsicológica apropriadas para avaliação e análise neuropsicológica em diferentes doenças, mas acabei enfocando mais em epilepsias e demências. Em 1994, iniciou-se a organização do Programa de Atendimento Integral as Epilepsias, sob a coordenação do Prof. Dr. Carlos Silvado e ativa participação do Dr. Luciano de Paola, recém chegado dos EUA. Em outubro de 1995, viajei para novo desafio, desta vez no gelado outono de Minnesota (EUA). Durante dois meses tive a oportunidade de acompanhar o trabalho das Dra. Gail Risse e Dra. Ann Hempel, ambas neuropsicólogas da equipe do Minnesota Epilepsy Group, especializada em Cirurgia de Epilepsia do United Childrens Hospital em St. Paul. O objetivo era aprender sobre o Teste de Wada, mas pude observar melhor

a abordagem americana da neuropsicologia, que difere da inglesa em alguns aspectos. Desde então participei de alguns congressos da INS onde enfocava principalmente os cursos ministrados por grandes especialistas. Durante todos estes anos mantive consultório, direcionei para avaliação neuropsicológica com adultos e idosos principalmente, ministrei aulas em cursos de especialização e acompanhei o

A Neuropsicologia não é uma ciência nova e, embora muitos psicólogos acreditem que é um novo campo de trabalho, na verdade já é bem antigo, mas pouco divulgado entre os estudantes de Psicologia. crescimento da Neuropsicologia no Brasil. No início eram poucos os psicólogos, mas havia uma intensa e respeitosa troca de informações entre médicos, fonoaudiólogos e psicólogos. Pouco a pouco os psicólogos de outras linhas começaram a demonstrar interesse pelas neurociências e ampliaram-se os cursos pais afora formando profissionais. Em 1997 a Dra. Belkiss Romano me aceitou como sua orientanda e fiz mestrado e doutorado na Faculdade de Medicina da USP, os dois projetos sobre o Teste de Wada com dados coletados através do trabalho realizado no HC UFPR. A visão acadêmica se desenvolve muito durante a construção de dissertações e teses, cheguei neste ponto após um longo tempo de prática clínica assim meu foco sempre foi fazer um trabalho que pudesse de fato interferir na pratica do

neuropsicólogo. Contei então com a inestimável orientação da Dra. Belkiss que não me deixou esmorecer em nenhum momento durante os anos de estrada entre Curitiba e São Paulo. Preciso mencionar que cheguei ao contato com a minha querida orientadora através das sugestões preciosas da Cândida Camargo. Todo este trabalho de produção acadêmica foi extremamente incentivado pela equipe do Programa de Atendimento Integral as Epilepsias do HC UFPR, onde dedico ainda hoje a maior parte das minhas atividades dentro do HC. Esta é uma equipe muito bem integrada, bem humorada, onde vários estagiários de psicologia e psicólogos voluntários já colaboraram e, espero, tenham aprendido um pouco. Depois desta etapa mais acadêmica surgiram as dificuldades mais relacionadas a formalização da especialidade de neuropsicologia no Brasil. Com o apoio do CRP 08 reuní um grupo de psicólogos/neuropsicólogos paranaenses para formar um GT sobre a delicada questão dos testes psicológicos e neuropsicológicos. Em 2010 apresentamos este trabalho na plenária e o documento hoje já está sendo discutido em outros grupos. Resumindo, posso dizer que minha formação foi baseada em treinamentos sob a orientação de profissionais que se dispuseram a me receber em seus locais de trabalho. Nunca fiz um curso de especialização, mas participei de muitos eventos, nacionais e internacionais, e já li um bocado. Tenho um interesse particular em pesquisar sobre a história da Neuropsicologia, busco textos de diferentes autores para compreender como estes pioneiros desenvolveram suas idéias, na “era pré Ressonância Magnética”.

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Boletim SBNp—Abril—2013

Neste congresso conheci alguns dos neurocientistas brasileiros pioneiros, Benito Damasceno, Maria Alice Mattos Parente e Jayme Maciel, e participei da fundação da Sociedade Latino Americana de Neuropsicologia. No ano seguinte conheci a Cândida Camargo, em um evento da Liga Brasileira de Epilepsia. Desde então participei de muitos eventos da SLAN e da SBNP e da LBE. Participei de um projeto de pesquisa para novas medicações antiepilépticas que me deu a chance de conhecer melhor os epileptologistas brasileiros.

Maria Joana: “Eu sou mais clínica que acadêmica. Trabalho em consultório desde 1989. Posso dizer que começar um consultório em uma área totalmente nova é um desafio. Naquela época poucos psicólogos sabiam o que era neuropsicologia. Os médicos já liam nas revistas sobre os métodos, mas era preciso informar o que poderia ser efetivamente feito. Visitei vários neurologistas e neurocirurgiões da cidade apresentando meu trabalho. Aos poucos fui convidada para dar algumas palestras sobre temas relacionados a neuropsicologia e o consultório foi lentamente se firmando. Vale ressaltar que estávamos na era pré-internet, précartão de crédito internacional, “pré-tudo”. Quem nunca viu um “Index Medicus” (as publicações em papel acabaram em 2004) não faz a menor ideia das dificuldades para comprar um livro ou conseguir um artigo em outro país. Aproveitei as várias viagens que fiz a São Paulo e Campinas para consultar suas maravilhosas bibliotecas. Após uma longa etapa de negociações através de cartas (e cada carta demorava 15 dias para ir e para voltar..será que alguém sabe o que é isto??) consegui importar alguns testes.” SBNp: Atualmente, qual sua atuação dentro da neuropsicologia? Maria Joana: “Sou psicóloga do HC UFPR e trabalho no Programa de Atendimento Integral as Epilepsias atendendo os pacientes que são candidatos a cirurgia de epilepsia. Trabalho em consultório particular, faço avaliação neuropsicológica de pessoas com suspeita de alterações das funções cognitivas. A

maior demanda é de idosos e adultos. Dentro do HC recebo estagiários dos cursos de Psicologia e alguns psicólogos voluntários, este auxiliam avaliando pacientes e já fizeram alguns projetos de pesquisa.” SBNp: Vamos falar sobre um tema delicado quando falamos de neuropsicologia. Gostaríamos de saber qual sua opinião sobre a neuropsicologia no contexto multidisciplinar e a utilização de testes neuropsicológicos por esses profissionais. Maria Joana: “Eu penso que a temática mais delicada é saber como trabalhar com a divulgação de métodos de avaliação dentro do contexto "internet". Muitos dos métodos consagrados na neuropsicologia ao longo da segunda metade do sec. XX foram publicados em revistas científicas e assim os profissionais tinham acesso livre, mas estes materiais só circulavam em ambientes científicos. Hoje com a divulgação na internet, não há como garantir a estes trabalhos o necessário sigilo para resguardar os métodos apenas dentro do meio científico. Testes de memória, por exemplo, divulgados na internet podem levar a má utilização em casos de simulação. A formação da neuropsicologia deu-se de modo diferente em vários países, nos EUA a posição do psicólogo/ neuropsicólogo é diferente de outros países europeus. No Brasil deve-se reconhecer a importante contribuição de profissionais de diversas áreas, medicina e fonoaudiologia principalmente, para a construção da nossa neuropsicologia. Esta é a nossa história. Temos que estar atentos as implicações relacionadas a formação e legislação de cada profissão no Brasil, e não podemos ser generalistas demais e cair no “todo mundo pode tudo”. Não vejo uma solução muito fácil pela frente. Existem vários aspectos delicados que precisam ser abordados seriamente e discutidos para encontrar uma posição respeitosa e conciliadora.”

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SBNp: Qual conselho você daria para alguém que está iniciando na neuropsicologia? Maria Joana: “Trabalhe em um hospital!! Sim é o melhor lugar para aprender clínica.” Dentro de um hospital os alunos podem ter prática supervisionada e talvez num futuro próximo seja possível implementar residências de neuropsicologia dentro dos atuais programas de residência multiprofissionais.” SBNp: Quais contribuições você tem buscado no seu grupo de estudo? Maria Joana: “Eu não “tenho” um grupo de pesquisa. Eu posso receber alunos e psicólogos voluntários para participarem das atividades que desenvolvemos no HC e assim eles podem, através da prática, conhecer neuropsicologia e direcionar seus estudos. Eu posso ensinar como aprendi...na prática...paciente...teste...paciente...test e...Tenho o orgulho de dizer que alguns ex-colaboradores (estudantes e voluntários) passaram nas provas para especialistas recentemente. Você vai perguntar se aprenderam comigo! Não...estudaram bastante...eu apenas dei umas orientações e emprestei os livros. Gostaria de ter mais neuropsicólogos contratados no nosso grupo, sim, este seria o ideal.

Maria Joana Mader Joaquim Possui graduação em Psicologia pela Universidade Católica do Paraná (1983), Mestrado em Ciências (2000) e Doutorado em Ciências (Fisiopatologia Experimental) pela Universidade de São Paulo (2004). Psicóloga e Neuropsicóloga do Hospital de Clinicas UFPR (Programa de Atendimento Integral as Epilepsias)

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SBNp: Como a senhora conseguiu conciliar sua vida profissional dialogando entre a prática clínica e acadêmica em neuropsicologia?

Criatividade e suas relações com inteligência em crianças com e sem dislexia

Os transtornos de aprendiza-

do hemisfério direito, principalmente

vestigar 20 crianças de cada grupo,

em relação ao lobo parietal, sendo

com a faixa etária de oito anos a 11

gem se caracterizam como um con-

tal condição responsável pelo talen-

anos e oito meses.

junto de dificuldades relacionadas

to e pelas produções criativas (Kim

com a aquisição de conhecimentos

& Ko, 2007). Chakravarty (2009b)

acadêmicos e que comumente es-

descreve e especula sobre alguns

tão atreladas a um funcionamento

casos de grandes gênios da huma-

não esperado do Sistema Nervoso

nidade, como Leonardo Da Vinci e

Central (Ciasca, 2003). As áreas

Albert Einstein, que provavelmente

que podem estar afetadas são as

eram disléxicos, e que tal diferença

da matemática (discalculia), da es-

anatômica cerebral poderia estar

crita

presente.

(disgrafia)

(dislexia).

e

da

Especificamente

leitura esse

Para o levantamento da criatividade será utilizado o “Teste de Criatividade

Figural

Infantil”

(Nakano,

Wechsler & Primi, 2011) e para inteligência o teste “Matrizes Progressivas Coloridas de Raven” (Angelini, Alves, Custódio,

Duarte

&

Duarte,

1999). Ainda no levantamento do grupo sem dificuldades, será utiliza-

Uma busca na literatura nacional

do um questionário para os pais e

não apontou trabalhos que investi-

uma entrevista semiestruturada para

gassem esse padrão de dupla ex-

os professores a fim de eliminar crité-

cepcionalidade em disléxicos, sendo

rios diagnósticos para dislexia. Será

Estudos internacionais vêm evi-

verificada, então, a necessidade de

utilizado também o “Teste de Desem-

denciando não somente habilidades

estudos que buscassem esclarecer

penho Escolar” (Stein, 1994), com o

cognitivas deficitárias característi-

relações entre os dois quadros.

objetivo de identificar crianças com

cas a esse quadro, mas também

Dessa forma, propôs-se a presente

desempenho em leitura e escrita

habilidades que possam estar mais

pesquisa, que já se encontra em

esperado para a idade e série.

desenvolvidas (Sousa, 2009). Esse

andamento pelo programa de mes-

padrão tem sido estudado dentro de

trado em Psicologia da Pontifícia

um quadro denominado “dupla ex-

Universidade Católica de Campinas,

cepcionalidade” (Schultz, 2009), no

e que objetiva comparar o desempe-

qual seria possível notar, por exem-

nho criativo de crianças disléxicas

plo, a existência de um bom desem-

(Grupo Caso - GC) com o de crian-

penho criativo em indivíduos disléxi-

ças sem dificuldades em leitura e

cos. Trabalhos teóricos de estudos

escrita (Grupo Não Caso - GN).

de caso apontam para o fato de

Além disso, será investigado até

que, de modo geral, crianças com

que ponto a inteligência pode influ-

transtornos de aprendizagem po-

enciar o desempenho criativo de

dem apresentar um desempenho

ambos os grupos. O GC será en-

criativo

esperado

contrado no Ambulatório de “Neuro-

Cohn

Dificuldades de aprendizagem” do

& Neumann, 1977). Especificamen-

Hospital de Clínicas da Universida-

te em relação à dislexia, provavel-

de

mente esse padrão seria explicado

(UNICAMP). O GN em escolas que

por condições cerebrais: haveria

atendam a faixa etária que abrange-

um desenvolvimento diferenciado

rá essa pesquisa. Pretende-se in-

último é o que causa maiores dificuldades escolares (Lyon, Shaywitz & Shaywitz, 2003).

acima

(Chakravarty,

do 2009a;

Estadual

de

Campinas

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Espera-se que mesmo que não sejam encontrados resultados indicativos de um melhor desempenho criativo em disléxicos, essa pesquisa venha contribuir para a compreensão da criatividade enquanto uma habilidade que quando reconhecida, ou até mesmo desenvolvida (Wechsler, 1998), fornece uma variedade de possibilidades para que se possa encontrar satisfação pessoal e profissional (Alencar, 1998), especialmente pensando-se no quadro da dislexia,

que

comumente

acompanha

dificuldades tanto em aspectos emocionais

quanto

comportamentais

(Lima, Salgado & Ciasca, 2011).

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Por: Rauni Jandé Roama Alves, Tatiana de Cássia Nakano, Sylvia Maria Ciasca

Editora Vetor.

Alencar, E. M. L. S. (1998). Promovendo um ambiente favorável à criatividade nas organizações. Revista de Administração de Empresas, 38 (2), 18-25. Angelini, A. L., Alves, I. C. B., Custódio, E. M., Duarte, W. F., & Duarte, J. L. M. (1999). Matrizes Progressivas Coloridas de Raven: Escala Especial (manual). São Paulo: CETEPP. Chakravarty, A. (2009a). Artistic talent in dyslexia - a hypothesis. Medical Hypotheses, 73 (4), 569– 571.

Schultz, S. (2009). Twiceexceptional students participating in advanced placement. Saarbrucken, Germany: VDM. Sousa, D. A. (2009). How the gifted brain learns. Califórnia: Thousand Oaks.

Boletim SBNp—Abril—2013

Referências:

Stein, L. M. (1994). Teste de desempenho escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo. Wechsler, S. M. (1998). Criatividade: descobrindo e encorajando. São Paulo: Editora Psy.

Chakravarty, A. (2009b). Taare Zameen Par and dyslexic savants. Annals of Indian Academy of Neurology, 12 (2), 99-103. Ciasca, S. M. (2003). Distúrbios de aprendizagem: proposta de avaliação interdisciplinar. São Paulo: Casa do Psicólogo. Cohn, R., & Neumann, M. A. (1977). Artistic production in dyslectic children. Neurología, neurocirugía, psiquiatria, 18 (2-3), 65-69. Kim, Jin-Young, & Ko, YoungGun (2007). If Gifted/Learning Disabled Students Have Wisdom, They Have All Things! Roeper Review, 29 (4), 249-258. Lima, R. F., Salgado, C. A., & Ciasca, S. M. (2011). Associação da dislexia do desenvolvimento com comorbidade emocional: um estudo de caso. Revista CEFAC, 13 (4), 756-762. Lyon, G. R., Shaywitz, S. E., & Shaywitz, B. A. (2003). A definition of dyslexia. Annals of Dyslexia, 53 (1), 1-14. Nakano, T. C., Wechsler, S. M., & Primi, R. (2011). Teste de Criatividade Figural Infantil. São Paulo:

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Rauni Jandé Roama Alves Graduado em Psicologia (UEL); Mestrando em Psicologia (PUCCampinas); Especialização em Neuropsicologia aplicada à Neurologia Infantil (Unicamp); Aprimoramento em Psicopedagogia aplicada à Neurologia Infantil (Unicamp).

O tradicional congresso brasileiro de psiquiatria, em sua XXXI edição, tem como temática principal as “Contribuições da Psiquiatria para o desenvolvimento da medicina”. A programação do evento conta com grandes palestras, conferências e curso, dados por pesquisadores de peso no Brasil.

O XIII

Congresso Latino

Americano de Neuropsicologia, será realizada na cidade de Assunção, capital da República do Paraguai, de 25 a 28 setembro de 2013. O evento irá reunir profissionais, pesquisadores e estudantes de neurociência e neuropsicologia para difundir os estudos mais recentes

Neste ano, o congresso ocorrerá na cidade de Curitiba, nos dias 23 a 26 de outubro e as inscrições com descontos já estão abertas!!!

Quer saber um pouco mais sobre o evento? Então acesse: http://www.cbpabp.org.br

e significativos sobre neuropsicologia. O tema principal do Congresso, para "Neurociências e Neuropsicologia" e vamos abordar através de conferências, simpósios, debates e exposições. Para maiores informações: acesse: http://www.slan.org/

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SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEUROPSICOLOGIA (SBNp) GESTÃO 2011-2013 Presidente:

Santa Catarina: Rachel Schlindwein-Zanini.

Leandro Fernandes Malloy-Diniz (MG-UFMG)

São Paulo: Juliana Góis

Vice-Presidente: Lúcia Iracema Zanotto Mendonça (SP-PUCSP;USP)

Equipe do Boletim SBNp: Coordenadora: Cristina Yumi N. Sediyama (MG - Coordenadora)

Secretário:

Alexandre Nobre (RS)

Thiago S. Rivero (SP-UNIFESP)

Carina Chaubet D’Alcante (SP)

Tesoureira:

Gabriel Coutinho (RH)

Deborah Azambuja (SP)

Giuliano Ginani (York-UK)

Secretária Geral:

Jessica Fernanda (RO)

Camila Santos Batista (SP)

Jonas Jardim de Paula (MG)

Tesoureira Geral:

Juliana Burges Sbicigo (RS)

Eliane Fazion dos Santos (SP)

Maicon Albuquerque (MG) Marcus Vinicius Costa Alves (SP)

Conselho Deliberativo:

Ricardo Franco de Lima (SP)

Daniel Fuentes (SP-USP)

Sabrina Magalhães (PR)

Jerusa Fumagalli de Salles (RS-UFRGS)

Thiago S. Rivero (SP)

Paulo Mattos (RJ-UFRJ) Vitor Geraldi Haase (MG-UFMG) Conselho Fiscal: Carina Chaubet D’Alcante (SP-USP) Gabriel C. Coutinho

(RJ– Instituto D`OR)

Neander Abreu (BA-UFBA) Representações Regionais: Alagoas: Katiúscia Karine Martins da Silva Bahia: Tuti Cabuçu Ceará: Silviane Pinheiro de Andrade Centro Oeste: Leonardo Caixeta Minas Gerais: Jonas Jardim de Paula Paraíba: Bernardino Calvo Paraná: Amer Cavalheiro Handan Pernambuco: Lara Sá Leitão Piauí: Inda Lages Rio de Janeiro: Flávia Miele Rio Grande do Norte: Katie Almondes Rio Grande do Sul: Rochele Paz Fonseca

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Tel: 0xx(11) 3031-8294 Fax: 0xx(11) 3031-8294 Email: [email protected]