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Boletim Academia Paulista de Psicologia ISSN: 1415-711X [email protected] Academia Paulista de Psicologia Brasil

Sampaio Melo, Ana Edina; Oliveira Barros de, Vera M. Avaliação neuropsicológica pelo WISC III em crianças com Distrofia Muscular de Duchenne Boletim Academia Paulista de Psicologia, vol. XXIV, núm. 3, setembro-dezembro, 2004, pp. 37-46 Academia Paulista de Psicologia São Paulo, Brasil

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Boletim Academia Paulista de Psicologia - Ano XXIV, nº 3/04: 37-46

IV. RELATOS DE PESQUISAS E TEORIAS

• Avaliação neuropsicológica pelo WISC III em crianças com Distrofia Muscular de Duchenne1 Ana Edina Melo Sampaio2 Universidade Metodista de São Paulo

Vera M. Barros de Oliveira (C.30)3 Universidade Metodista de São Paulo Resumo: Investiga funções cognitivas sob leitura neuropsicológica, de crianças com Distrofia Muscular de Duchenne (DMD). Constituem grupo de estudo, 10 participantes do sexo masculino, assim diagnosticados, com idade entre sete e onze anos. Utiliza-se da Escala de Inteligência de Wechsler para Crianças, WISC III, em interpretação quantitativa e qualitativa, para fins de diagnóstico neuropsicológico. Além dos critérios próprios da avaliação da prova, empregam-se os fatores de análise, segundo Figueiredo e o Diagrama de McFie. Os resultados quantitativos indicam Q.I. muito diversificado entre os participantes, além das variações detectadas nas duas sub-escalas do teste: na verbal, os dados apresentam amplitude nos QI, de 53 a 97 e na de execução, de 57 a 88. Os resultados localizam o grupo nas faixas de Q.I. usualmente utilizadas, na denominada Leve (55 a 69) e normal (80 a 110). Na sub-escala verbal, os sub-testes que implicam memória são mais prejudicados; na de execução, maiores prejuízos em Códigos e Símbolos, sob a pressão do tempo. A análise qualitativa, segundo Figueiredo indica maior rebaixamento no Fator III, Resistência à Distração, seguido do fator IV, Velocidade no Processamento Mental. A análise qualitativa individual também registra grande dificuldade na atenção, memória e agilidade mental, comprovando estudos anteriores. Comprometimento geral do cérebro é identificado pelo Diagrama de McFie, com grandes variações individuais. Não foram observadas nas crianças com resultados mais baixos disfunções, diferenças significativas entre as sub-escalas. O estudo evidencia associação entre funções cognitivas e comprometimento psiconeurológico nessas crianças. Sugere também diagnóstico precoce dos DMD, com orientação aos pais e à escola, principalmente no sentido de estimulação cognitiva e psicomotora. Palavras-chaves: WISC III, Distrofia Muscular de Duchenne, Diagnóstico neuropsicológico

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Relato derivado da dissertação “Diagnóstico Neuropsicológico pelo WISC III em crianças com distrofia Muscular de Duchenne”, defendida na UMESP, pela primeira autora, sob a orientação da segunda. 2 Psicóloga Clínica, Especialista em Psicologia Hospitalar, Mestre em Psicologia da Saúde pela UMESP. Endereço para correspondência: Rua Lelmo Marinho, 976, Bloco 18, apto.34. CEP 13236-030. E-mail: [email protected] 3 Professora Titular do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Saúde e Livre –Docente pelo Instituto de Psicologia da USP. Endereço para correspondência: Rua Haddock Lobo, 281, apto. 102, CEP 01414-001. E-mail: [email protected]

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1. Introdução O presente trabalho tem por finalidade prática oferecer subsídios para a realização do difícil diagnóstico das funções cognitivas em crianças comprometidas neuropsicologicamente. Para tanto seleciona-se um grupo de crianças com Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) às quais se aplica a Escala de Inteligência de Wechsler para Crianças, na edição WISC III. Da avaliação dessas funções nessa clientela se agrega a abordagem psiconeurológica, a fim de se conhecer suas reais capacidades cognitivas que são dificultadas pela intensa complexidade desse quadro clínico, identificada não só pela literatura quanto pela prática clínica. A Distrofia Muscular de Duchenne pertence ao grupo de doenças de origem genética que afeta a musculatura do esqueleto, com degeneração progressiva. Entre as patologias que englobam este transtorno, é considerada a mais freqüente e grave. Afeta crianças apenas do sexo masculino, numa proporção de um para 3000 nascimentos. Inicia nos primeiros anos de vida e vai se agravando progressivamente, chegando à imobilidade quase total. O diagnóstico tardio, com falta de estimulação precoce e orientação adequada aos familiares e à escola, compromete ainda mais a evolução desses casos. A escolha do WISC III é devido a várias razões. Em primeiro lugar, por tratar-se de uma das edições mais atualizadas e adaptadas ao nosso meio, e ajustando-se à faixa etária indicada para o grupo dos integrantes da pesquisa; em segundo por constituir uma Bateria, incluindo sub-escalas, verbal e de execução, que a compõem, uma variedade de sub-testes para avaliação de natureza quantitativa e qualitativa das várias funções cognitivas. Agregam-se a essa análise os Índices Fatoriais de Figueiredo e os Diagramas de Mc Fie, estes últimos para a leitura neuropsicológica. Ademais, comprova-se a aplicabilidade do WISC ao grupo de crianças em estudo, por trabalhos existentes na literatura. 2. Contribuições Bibliográficas Geralmente o quadro de Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) se manifesta por volta de três a cinco anos de idade, e vai, gradualmente, se acentuando, chegando à limitação total da locomoção ao redor da adolescência. Os problemas posturais ocasionam normalmente cifoescoliose e deformidades na flexão dos membros superiores e inferiores. Quando há rotações das vértebras

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na coluna, constata-se uma deformidade na caixa toráxica, que leva a complicações respiratórias e comprometimento cardíaco, sendo as causas mais freqüentes do óbito do paciente, em torno da idade de vinte anos (Bear , Connors e Paradiso., 2001). Quanto ao funcionamento cerebral e padrão de inteligência, os estudos demonstram pontos contraditórios. As dificuldades cognitivas, algumas vezes severas, classificadas como deficiência intelectual, foram notadas pelo descobridor desta doença, Duchenne , em 1869. Recentemente, pesquisadores como Blake & Kroger (2000), Bresolin et al.,(1994) ; Hinton, (2001), Meher (2000) e Sollee et al., (1985) avaliaram, principalmente, os resultados do Q.I. nesses portadores, na tentativa de compara-los com os obtidos em crianças com padrões normais. Discutiram se as pontuações rebaixadas estariam relacionadas à doença e/ou a outros fatores, como a privação educacional, problemas emocionais oriundos do fato de ser uma doença degenerativa, refletindo diretamente na família e no ambiente. Praticamente, esses estudos reportamse à Escala de Inteligência de Stanford-Binet ou à de Wechsler para Crianças. Resultados controversos foram encontrados, alguns dentro da faixa da normalidade (QI=80, médio inferior), e uma porcentagem significativa de QI´s, nas faixas da deficiência intelectual (30%). Apesar das evidências, alguns autores ainda sustentam a hipótese de que esses dados refletem a angústia da criança frente à doença e a restrição à escola por incapacidade física (Wahl, 1997). Em um estudo comparativo dos DMDs com crianças com Atrofia Muscular Espinhal (AME), verificou-se que as crianças com AME tinham QI´s normais e os DMDs, Q.I.’s na faixa média inferior, apesar de terem um grau semelhante de inaptidão física. Suspeita-se de uma determinada alteração do gene estar associada à DMD (Anderson et al., 2002). Segundo Mehler (2000), os DMDs manifestam déficits leves e, muitas vezes, complexos na cognição e no comportamento, comprometendo e gerando dificuldades de aprendizagem. As disfunções parecem estar associadas às anormalidades da distrofina que é manifestada tanto no músculo do esqueleto quanto no cérebro destas crianças, com diversidade de casos. O autor observa também que em pacientes considerados normais ocorre uma incidência alta de comunicação e interação deficitárias, o que ele atribui a falhas no modo de captar, integrar e armazenar informações no cérebro. Crê que vários meninos com DMD manifestam QI significativamente rebaixado não por falta de inteligência, mas pela dificuldade na atenção, memória imediata e linguagem, interferindo no desempenho Problemas de interação emocional também são observados.

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Para Mehler (2000) e Rae et al. (1998) as disfunções cognitivas mais acentuadas correspondem aproximadamente aos achados da influência da proteína distrofina no cérebro; hipocampo e cerebelo. Estudos realizados por Kim et al (1995) e Mehler (2000) destacaram vários relatos de meninos com DMD indicando um comprometimento significativo do Sistema Nervoso Central (SNC), acompanhado da patologia muscular, característica desta doença. Estes autores consideram que a distrofina está presente em muitas células do organismo, inclusive nos neurônios do SNC, e que portanto, sua ausência ou mutação resulta em um bloqueio significativo da função neuronal e cerebral. A distrofina forma, juntamente com outras proteínas do cérebro, um complexo de proteínas estruturais, no sentido de manter estabilizados os receptores auxiliadores na manutenção da dinâmica cerebral (Rae et al, 1998). Vários autores, como Anderson et al. (2002), falam de sua importância na organização das funções cognitivas e de como sua inibição ou mau funcionamento pode culminar em prejuízo expressivo das funções neuronais no cérebro. Até o momento atual, contudo, não foi encontrada ainda, segundo essas pesquisas, uma clara associação entre os diferentes níveis de desempenho cognitivo dos meninos com DMD e as diferentes mutações do gene da distrofina nessas crianças. Nos últimos meses, o Centro de Estudos do Genoma Humano da USP (genoma.ib.usp.br/esd_distrofia_muscular.php) vem implantando novos métodos de estudo para a detecção das mutações no gene da distrofina; métodos estes que, além de agilizar o diagnóstico de DMD, podem ser utilizados para identificar precocemente alterações no DNA. Mehler (2000) recomenda que os pais devem receber orientações desde o momento do diagnóstico (o qual deve ser o mais precoce possível), acerca de como proceder com as dificuldades apresentadas, inclusive as cognitivas, sobre procedimentos de intervenções mais adequados a cada caso, sejam no âmbito educacional e/ou no emocional, aconselhando reabilitação orientada, se possível, por neuropsicólogo. 3. Objetivos





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Avaliar as funções cognitivas de crianças com Distrofia Muscular de Duchenne (DMD), realizando o diagnóstico das funções cognitivas preservadas e/ou das prejudicadas. Verificar nas crianças, com DMD, aspectos da avaliação das funções neuropsicológicas, a fim de oferecer subsídios para maiores intervenções clínicas.

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4. Metodologia Esta pesquisa desenvolve-se na UNIFESP, não somente com sua anuência, mas pelo interesse manifestado pelo corpo clínico da unidade respectiva, preocupado com a melhor compreensão da dinâmica psíquica dessas crianças e a subsequente precisão no seu atendimento. Os integrantes da pesquisa são selecionados pelo diagnóstico de DMD e pela faixa etária (7 a 11 anos), como também por acederem à investigação junto com suas famílias. Inicialmente é realizada uma entrevista com os pais para estabelecimento de rapport e coleta de anaminese, para posteriormente, realizarse a aplicação do WISC III, nos seus filhos acometidos pela doença e selecionados para a investigação. Independentemente dos registros das pontuações, são anotadas as observações do comportamento da criança durante a prova, colaborando dessa forma com a avaliação qualitativa. Os dados têm tratamento quantitativo individual e grupal e qualitativo complementar, segundo análise de Figueiredo (2001), que agrega sub-testes correlatos ao WISC segundo quatro fatores: I- Compreensão Verbal CV ; IIOrganização Preceptiva, OP ; III- Resistência à Distração, RD e IV- Velocidade de Processamento, VP . Além disso, afim de facilitar a clara visualização do perfil da dinâmica cerebral de cada criança, uma representação gráfica dos dados é realizada através do diagrama de McFie (1975). 5. Resultados e discussão Os resultados se apresentam em grupo e individualmente, tanto na modalidade quantitativa como na qualitativa, conforme coleta e interpretação dos dados efetuados por Sampaio (2004). Em termos globais e quantitativos tem-se o quociente total de inteligência e os das sub-escalas do WISC. O primeiro se mostra em uma amplitude de 55,0 a 92,0 alcançando um valor médio de 71,4. Enquanto que os das sub-escalas, verbal e de execução, os quocientes obtidos alcançam maior variabilidade, com amplitude de 53 a 97 (M:77,4) e 57,0 a 88,0 (M:71), respectivamente. Tais índices localizam os participantes na faixa chamada leve e de normalidade quanto às variações da inteligência, com maior variabilidade na sub-escala verbal, tanto no limite inferior quanto no superior. Da mesma forma são avaliados qualitativamente utilizando-se dos fatores de análise de Figueiredo. 41

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Os dados referentes a cada criança são transpostos para o diagrama de McFie, a fim de possibilitar uma leitura neuropsicológica. Os resultados nessas análises são tratados em conjunto com os referentes à história das dez crianças, buscando-se realizar uma avaliação cognitiva mais efetiva, levando em conta fatores de risco ambientais. As informações colhidas junto aos pais das dez crianças, quanto à anamnese, referem-se, sem exceção, a diagnóstico tardio da DMD, com relato de desorientação e angústia vivenciada frente à indefinição do quadro e seu progressivo agravamento, comprometendo o dia-a-dia da criança e da família. Na sub-escala verbal, os sub-testes que apresentaram desempenhos cognitivos mais preservados foram : Vocabulário, Compreensão e Dígitos e, os mais comprometidos, Informação, Semelhanças e Aritmética. Na sub-escala de Execução, notou-se grande prejuízo em Códigos e Procurar Símbolos, sub-testes realizados sob pressão de tempo. Também no de Completar Figuras, sub-teste que investiga, segundo Cunha (2000), habilidades de reconhecimento, memória visual, percepção e organização partes-todo, assim como discriminação de aspectos essenciais. Neste sub-teste os resultados foram muito rebaixados. Segundo Rae et al. (1998),o cerebelo age como um preditor-corretor da função viso-motora, e o mau desempenho neste sub-teste está relacionado a falta da distrofina no cerebelo, onde, normalmente, está presente em grande escala. No sub-teste Armar Objetos, todos os meninos tiveram resultados abaixo da média , evidenciando grande dificuldade em reconhecer e integrar configurações visuais, funções estas também diretamente ligadas ao cerebelo, segundo estes autores. De maneira geral os resultados rebaixados não mostraram diferenças significativas entre o desempenho nas sub-escalas. A análise dos dados qualitativos conforme os fatores elaborados por Figueiredo (2002) levantou índices de maior rebaixamento do Fator III, Resistência à Distração, seguido por um comprometimento menor no Fator IV, Velocidade de processamento, e um menor ainda no fator II, organização Perceptiva e, finalmente, um comprometimento mais leve no Fator I, relativo à Compreensão Verbal. A análise qualitativa comprova ligeira melhora na área verbal, verificada também na análise quantitativa, dados já verificados por estudos anteriores. Comprova também grande dificuldade em resistência à distração e em agilidade no processamento mental; inferências relevantes dos resultados obtidos

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quantitativamente. Comparando-se os dados da análise quantitativa com os da qualitativa, verifica-se que a análise fatorial qualitativa de Figueiredo apresenta também prejuízos acentuados em relação à organização perceptiva (Fator OP), como os verificados na investigação quantitativa, que indicou resultados muito rebaixados em sub-testes que envolvem esta função perceptiva, como o do Armar Objetos Em ambas as análises, dificuldades relacionadas à velocidade do processamento mental foram verificadas, associadas a déficits de memória e de atenção focal, comprovando dados obtidos nos estudos Mehler (2000). Além da análise fatorial dos dados, no registro dos protocolos de aplicação o WISC nesses meninos, foram registradas grandes dificuldades de atenção e concentração, interferindo na dinâmica da avaliação. Nesta ocasião foi observado e anotado por Sampaio (2003) também um grande e progressivo cansaço físico das crianças, comprometendo os resultados, dado que deve ser levado em consideração em estudos posteriores, pois que, nesta pesquisa, a escala foi aplicada em um só dia, para evitar problemas de locomoção, situação esta que pode ter interferido nos resultados. A análise comparativa dos dados quantitativos e qualitativos contudo, revela grandes diferenças individuais, o que inviabiliza o traçado mais acurado do perfil grupal das crianças avaliadas, dificuldade esta também já experimentada por estudos anteriores. De forma a possibilitar a visualização de perfil individual da dinâmica cerebral, complementou-se a leitura neuropsicológica com a análise do nível de comprometimento das áreas cerebrais por intermédio de representação gráfica em Diagrama de McFie (1975). Este diagrama foi utilizado para tal finalidade e como suporte para a análise qualitativa dos resultados encontrados, apesar das contradições existentes sobre sua aplicabilidade, sugerindo maiores pesquisas com este instrumento. A representação gráfica dos dados, com sua transposição para uma leitura neuropsicológica, também evidenciou grandes diferenças individuais no funcionamento cerebral. Recomenda-se que o diagrama de McFie seja melhor investigado como instrumento de pesquisa dentro da avaliação neuropsicológica, para melhor entendimento da dinâmica cerebral acoplado a neuroimagens. A adaptação de uma bateria de testes neuropsicológicos aos pacientes com DMD também é recomendada, conforme citado acima.

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Para as crianças avaliadas na pesquisa, o WISC III mostrou-se sensível às investigações de funções neuropsicológicas e possibilitou leitura de resultados, de forma a poder oferecer subsídios para o diagnóstico com intervenções clínicas e reabilitação cognitiva. Foi possível, por exemplo, detectar disfunções na organização percepto-visomotora, linguagem corporal e memória de curto prazo, entre outras. Uma das dificuldades, encontradas foi a limitação do WISC III para esta faixa etária e também para crianças com problemas cognitivos agravados, fato que não chegou a invalidar sua aplicação. Os resultados contudo, obtidos através do WIC III quando visualizados dentro do processo de desenvolvimento das crianças e tomados em conjunto com os dados da anamnese, podem estar evidenciando também uma grande lacuna de estimulação ambiental, familiar e escolar, que certamente estariam contribuindo para os baixos resultados obtidos pelos meninos com DMD. O diagnóstico tardio, relatado pelos pais, e angústia vivida por não ter uma orientação mais efetiva de como proceder gera, segundo depoimentos colhidos e na grande maioria dos casos, exclusão da escola e da participação na vida social em geral, causada pela grande dificuldade de locomoção. 6. Conclusão A presente pesquisa forneceu subsídios para melhor entendimento do desempenho cognitivo de crianças com a Distrofia Muscular de Duchenne que foram avaliadas com uso da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças – WISC III, adaptada e padronizada para as condições brasileiras, havendo atingido, desta forma, seu objetivo. Foi possível identificar quais funções cognitivas das dez crianças avaliadas encontravam-se mais preservadas e quais estavam prejudicadas, fazendo-se uma leitura individual. Contudo, devido às grandes diferenças individuais não foi possível traçar-se o perfil neuropsicológico da criança com DMD, dificuldade esta já assinalada por pesquisas realizadas antes desta. Verificou-se que, de modo geral, a maioria das crianças apresentaram defasagens cognitivas significativas, mas sob vários aspectos, a área verbal mostrou-se ligeiramente mais preservada que a de execução, apesar de ambas apresentarem-se, em muitos casos, prejudicadas. Os resultados encontrados comprovam, portanto, os de vários estudos realizados sobre o assunto, apesar de a literatura atual existente ainda não ser

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conclusiva em vários aspectos, apresentando inclusive pontos contraditórios. Inferência que indica a necessidade de dar continuidade a estudo no gênero. O questionamento levantado por esta pesquisa sobre a incidência da variável relativa à falta de estimulação ambiental devida a diagnóstico tardio e exclusão escolar e social também já fôra registrado anteriormente, mas a presente investigação reitera a observação. A hipótese existente na literatura de que a disfunção da distrofina no cerebelo e as alterações de ordem genética nos portadores de DMD interferem no desempenho cognitivo parece ser significativa, considerando-se os resultados heterogêneos dos testes aplicados encontrados na literatura e também nesta pesquisa. Mas, qualquer conclusão nesta direção, carece de pesquisas específicas com uso de instrumentos como as neuroimagens, baterias neuropsicológicas avaliando funções cognitivas específicas, abrangendo uma população maior e envolvendo crianças abaixo da faixa escolar. A Distrofia Muscular de Duchenne é uma patologia grave levando a criança por volta dos dez anos de idade ao uso da cadeira de rodas e, em vários casos, ao óbito, por volta dos vinte anos. O diagnóstico precoce portanto é decisivo para minimizar as seqüelas, assim como postergar a evolução natural da doença, através de uma prática terapêutica esclarecida e eficiente. O apoio psicológico à criança e aos familiares a partir do diagnóstico, acompanhando toda a evolução do caso, torna-se fundamental para o seu desenvolvimento cognitivo e afetivoemocional. Da mesma forma, a orientação psicológica à escola, torna-se imprescindível, criando condições de manutenção do contato quotidiano com outras crianças e com situações de ensino-aprendizagem e lazer. Esta pesquisa evidencia os benefícios de um diálogo maior entre a Psicologia e a Medicina, já que é fruto de um questionamento comum, que necessita de ambas, como leituras complementares. Mostra também a importância de pesquisas psicológicas em ambientes hospitalares, favorecendo a avaliação e o atendimento inter-disciplinar. Através da análise neuropsicológica dos resultados colhidos, favorece a melhor compreensão do processo evolutivo desta distrofia, fornecendo subsídios para as áreas da Saúde , em seus aspectos acadêmicos e profissionais. Aponta também para a necessidade de que haja educação, informação e apoio da população, possibilitando ao portador da DMD e sua família, melhor qualidade de vida.

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7. Referências Bibliográficas • • •



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