ANA MARIA SOARES DE OLIVEIRA

A RELAÇÃO CAPITAL-TRABALHO NA AGROINDÚSTRIA SUCROALCOOLEIRA PAULISTA E A INTENSIFICAÇÃO DO CORTE MECANIZADO : GESTÃO DO TRABALHO E CERTIFICAÇÃO AMBIEN...
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A RELAÇÃO CAPITAL-TRABALHO NA AGROINDÚSTRIA SUCROALCOOLEIRA PAULISTA E A INTENSIFICAÇÃO DO CORTE MECANIZADO : GESTÃO DO TRABALHO E CERTIFICAÇÃO AMBIENTAL

ANA MARIA SOARES DE OLIVEIRA

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INTRODUÇÃO

Estamos vivendo uma era de profundas transformações socioeconômicas, as quais estão associadas às mudanças que se configuram na dinâmica do modo de produção capitalista, refletindo-se diretamente na relação capital-trabalho. Verifica-se nesse contexto, a quebra da rigidez da forma de produção fordista e o desencadeamento de um conjunto de inovações tecnológicas, as quais têm provocado importantes desdobramentos expressos territorialmente de modo diferenciado. Essas inovações tecnológicas abriram caminho para a flexibilização da produção e das relações de trabalho nas empresas, implicando na segmentação da força de trabalho e na divisão social do trabalho interempresas (que assume a forma de subcontratadas). Estes dois movimentos, por sua vez, têm conduzido à redução de trabalhadores permanentes e ao aumento do contingente de trabalhadores temporários. No âmbito da agroindústria canavieira, essas mudanças também se fazem sentir. Verifica-se que com a intensificação do corte mecanizado da cana crua, por exemplo, a segmentação da força de trabalho, assim como a divisão social do trabalho, expressa através das empresas terceirizadas, estão contribuindo para a redução dos trabalhadores “fixos” (contratados diretamente pelas empresas) e para o aumento do contingente de trabalhadores terceirizados, com contratos de safra, na maioria das vezes precários. As novas tecnologias buscam cada vez mais obter o máximo de flexibilidade em relação a processos de produção, pois flexibilizar a produção para o capitalista, é buscar, através da segmentação e diferenciação dos produtos, uma forma de permanecer no mercado cada vez mais saturado e seletivo. Ao discutir a espacialização da reestruturação produtiva do capital, Thomaz Júnior, destaca que: a reorganização espacial do parque fabril, a divisão das instalações industriais em ‘minifábricas’ e os desdobramentos para o que se consumou nos condomínios industriais, consórcio modular, promoveu fantasticamente o processo de produção capitalista, que pari passu capturou a subjetividade operária para dar ordem à flexibilização das funções e à polivalência. (2002b, p. 7).

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Desse modo, a flexibilidade da força de trabalho coloca-se no centro da questão, visto que tem atingido em cheio a centralidade do trabalho, reduzindo o poder de reivindicação e de luta da classe trabalhadora. A flexibilidade da força de trabalho continua sendo estratégica para a acumulação do capital. “É a flexibilidade relativa à legislação e regulamentação social e sindical”, na qual se insere a discussão acerca da flexibilidade nos contratos de trabalho, ou seja, a variabilidade do emprego, dos salários, dos horários e locais de trabalho no interior e fora da empresa. Essa flexibilidade da força de trabalho expressa a necessidade que o capital tem de subsumir o trabalho assalariado à sua lógica de valorização, através da sublevação da produção de mercadorias. Por isso a acumulação flexível se sustenta na flexibilidade dos processos de trabalho. Sendo assim, a flexibilidade da força de trabalho pode ser compreendida como a capacidade plena adquirida pelo capital para domar e submeter a força de trabalho, caracterizando o “momento predominante” da reestruturação produtiva (ALVES 2000, p. 24-25). Estas mudanças em curso têm dificultado a aglutinação de forças, pois a existência de vários segmentos (trabalhador parcial, temporário, terceirizado, informal, etc.), muitos deles sem qualquer representação sindical, torna cada vez mais distante a consolidação de uma “consciência de classe” dos trabalhadores. Com a introdução da automação microeletrônica para o controle de processos, tanto associada aos equipamentos tradicionais como às mudanças organizacionais, tem havido novas exigências quanto a qualificação, habilidades e desempenho dos trabalhadores. Desse modo, o processo de (re)qualificação dos operários não tem se efetuado apenas no nível da fixação em postos de trabalho, mas também no nível das funções. Neste sentido, Eid & Neves (1998), afirmam que a gestão da força de trabalho está cada vez mais associada não somente à mobilização e à alocação em postos de trabalho, mas também às funções. Neste cenário, ocorre uma cisão entre o núcleo produtivo da classe trabalhadora, composta pelos operários polivalentes e os demais operários industriais, os subproletários, que são incorporados à periferia do processo de produção. Desse modo, segundo Alves, a tendência à constituição de um mercado de trabalho “dual” pode induzir o conteúdo do trabalho industrial no interior da classe operária, a perder “sua materialidade, a desmaterializar-se e a intelectualizar-se” (2000, p. 71).

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Na agroindústria sucroalcooleira, de modo particular, a introdução de novas tecnologias de base microeletrônica, tem exigido também dos operários, uma certa qualificação no que se refere a instrumentação eletrônico-digital. Além disso, o efeito da utilização da automação microeletrônica para controle de processos, tem mudado substancialmente o conteúdo do trabalho dos operadores, ou seja, hoje um mesmo operador pode exercer pelo menos três atividades ao mesmo tempo: o operador pode supervisionar o controle dos equipamentos, substituir

a

operação

automática

pela

manual

quando

houver

necessidade,

bem

como

supervisionar e tomar decisões dentro de sua seção quando alguma área apresentar problemas1 . Desse modo, o bom desempenho do operário é fundamental para garantir a eficiência do processo de produção na agroindústria canavieira. Verifica-se, então, que a adoção deste sistema exige um maior envolvimento dos operários no processo produtivo e um maior entrosamento entre eles, ou seja, os operários da produção devem estar em perfeita sintonia com as atividades relacionadas à manutenção, prevenção e correção, tanto durante a safra como na entressafra. Cabe destacar ainda que o setor sucroalcooleiro, desde 1975, quando foi implantado o Proálcool - Programa Nacional do Álcool, tem expandido significativamente suas áreas de cultivo de cana-de-açúcar e ocupado uma dimensão territorial muito expressiva no Estado de São Paulo, porém tem apresentado uma dinâmica territorial diferenciada. Fato que se deve, em parte, as ações implementadas pelo Estado (financiamentos subsidiados, facilidades creditícias, por exemplo) que foram capitalizadas diferencialmente pelas empresas, de acordo com sua estrutura econômica e financeira. Os recursos foram internalizados tendo como referência o sistema de máquinas e insumos químicos na garantia de preços para os produtos a partir dos subsídios, vinculando o aumento da produção à possibilidade de expandir as áreas de cultivo e não mais à fertilidade do solo2 (THOMAZ JÚNIOR, 1996). O Estado, quando concedeu esses privilégios e usou de certo protecionismo com relação a este setor produtivo, contribuiu para a “configuração desigual” das empresas e da produção no Estado de São Paulo. O Proálcool deu prioridade e, desse modo, beneficiou as

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Cf. EID & NEVES, 1998. O que Thomaz Júnior (1996), denomina de “horizontalização da área cultivada”.

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grandes e médias destilarias anexas com maior aporte tecnológico e condições de articulação orgânica entre a parte agrícola e a fabril3 . Nesse contexto, houve um processo de reordenamento territorial e produtivo no setor sucroalcooleiro, resultando no fortalecimento de alguns grupos, dos quais o Grupo Ometto (Usina da Barra, Usina São Martinho, etc.) é um exemplo. A partir do final dos anos 1980 e, sobretudo durante a década de 1990, o setor sofreu um processo de desregulamentação, decorrente

de modificações nas ações implementadas

pelo Estado. Tais ações, marcadas pelos princípios neoliberais, conduziram a um conjunto de mudanças para os setores agrícola e agroindustrial, especialmente no que se refere às políticas de crédito e de subsídios, de preços mínimos aos produtores rurais e de controle das ações desses setores, particularmente do setor sucroalcooleiro4 . Nesse contexto, as instituições que sempre exerceram o papel regulador e interventor do Estado na economia, sofreram um desmonte, a exemplo do IAA - Instituto do Açúcar e do Álcool. As mudanças nas políticas intervencionistas, ou a retirada do Estado da economia, gerou um aumento substantivo do grau de concentração da renda e da propriedade da terra. A intensa movimentação de capitais, decorrente dessas mudanças, acabou criando um movimento de fusões, aquisições, fechamento e/ou falência de unidades produtoras, empresas ou grupos. Soma-se a esse quadro, a intensificação da mecanização da lavoura, a utilização de tecnologias de ponta e a penetração de capitais internacionais que, até então, constituía-se uma exceção no âmbito do setor sucroalcooleiro5 . Têm-se em cena o processo de reestruturação produtiva, permeado pela desregulamentação, por diferentes formas de superexploração do trabalho, por novas formas de gestão e de controle do processo de produção e de trabalho, pela redução de custos e diversificação de produtos, etc., contribuindo para a constituição de um novo reordenamento territorial e produtivo do capital sucroalcooleiro, que se expressa diferencialmente, tanto entre as empresas sucroalcooleiras, como entre as várias frações do território brasileiro e, particularmente de São Paulo. 3

Para mais detalhes, consultar: THOMAZ JÚNIOR, 1996. Segundo Silva (1999, p. 69), a redução gradativa do crédito subsidiado, tanto para os investimentos industriais quanto para o custeio da produção agrícola, bem como o reajuste dos preços do açúcar e do álcool, que não ocorreu de acordo com as expectativas dos produtores, contribuíram para o desencadeamento do processo de competição no setor, tendo como principais instrumentos a diversificação produtiva e a modernização tecnológica. 5 Para mais detalhes, ver: NASCIMENTO, 2001. 4

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A retirada do suporte estatal às agroindústrias sucroalcooleiras não acabou com a esperança dos empresários. Estes esperam contar com o apoio do Estado para manterem o álcool na matriz energética brasileira. O apoio também é esperado no tocante a abertura de novas opções tecnológicas, voltadas tanto para os produtos tradicionais (açúcar e álcool), como para os subprodutos (bagaço, alcoóis finos, açúcar líquido, açúcar orgânico, etc.), na perspectiva de ganhos de novos referenciais de escala e de mercado. Os avanços tecnológicos têm sido expressivos e envolvem pesquisas tanto na área genética como na mecânica, a exemplo dos projetos voltados para a biotecnologia (plásticos biodegradáveis) e melhoramento genético, da automação da planta fabril e da sofisticação dos sistemas de transporte e carregamento, que dão suporte à mecanização do corte na lavoura canavieira. Mediante o cenário de desregulamentação, as questões que emergem encimadas na mecanização do corte, perpassam pela polêmica que envolve a queima da cana-de-açúcar, desencadeando um conjunto de desdobramentos que se manifestam nos âmbitos social, ambiental, político e econômico. Até meados dos anos 1990, o uso da máquina colheitadeira no corte de cana crua se dava, sobretudo, pelas empresas de grande porte e mais capitalizadas, tendo em vista, entre outros fatores, a tecnologia embutida nessas máquinas e o elevado custo para aquisição das mesmas. A partir da segunda metade dessa década, as alegações de que a queima da palha da cana-de-açúcar provoca efeitos maléficos sobre o meio ambiente e a sua regulamentação através do Decreto n° 42.056/97, bem como o “barateamento” das máquinas e maior aperfeiçoamento técnico, fez com que o uso da colheitadeira se ampliasse nas empresas de médio e grande porte e atingisse também as pequenas empresas. Consequentemente, houve a intensificação do corte mecanizado da cana crua. Considerando o cenário em questão, é preciso atentar para as especificidades intrínsecas à organização técnico-produtiva e organizacional do capital e às tendências que sinalizam para redefinições tecnológicas e mercadológicas.

Mas é necessário atentar também

para os desafios que se apresentam para os trabalhadores e entidades sindicais, especialmente quando nos deparamos com um quadro de concepções político-ideológicas divergentes, tanto nas entidades sindicais de base, como nas instâncias sindicais superiores (federações); com a fragmentação corporativa e territorial, que dificulta o entendimento do trabalho enquanto classe e

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com

jogo de disputas políticas e territorias intra e intersindical, que se materializa nas dissensões

e nas novas formas de organização política dos trabalhadores (a exemplo da FERAESP e da FERCANA, criadas a partir de divergências políticas internas à FETAESP). Os enfrentamentos políticos e as disputas territoriais travadas entre os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e os Sindicatos dos Empregados Rurais, se expressa na duplicidade de representação dos trabalhadores ligados ao corte de cana que, por sua vez, se assenta na dúplice territorialidade dos sindicatos nos municípios-sede. Portanto, para alavancar um projeto estratégico de luta para além do capital e construir

uma conscientização quanto ao

pertencimento de classe, é preciso extrapolar os limites da estrutura e organização sindical oficializada pelo Estado, é necessário superar as divergências que contribuem para piorar o quadro de fracionamento corporativo. O estranhamento a que estão submetidos os trabalhadores e suas instâncias de representação, fragiliza os mesmos de modo crescente, “tendo em vista a fragmentação corporativa que segue os parâmetros da intensificação da especialização e da divisão técnica e territorial do trabalho”, impedindo que a subjetividade do trabalho se povoe de capilaridades e adquira forças para extrapolar os limites corporativos e, finalmente se compreender enquanto classe (THOMAZ JÚNIOR, 2003, p. 04). Nesse contexto em que vislumbramos as dificuldades dos trabalhadores e do movimento sindical em construir contrapartidas para as investidas do capital, a intensificação do uso da máquina, o aumento do desemprego rural por conta dessa mecanização, e, ao mesmo tempo verificamos o surgimento de normas de controle e ações mitigadoras, as quais apontam para a conservação/preservação dos recursos naturais e melhoria da qualidade de vida de trabalhadores e comunidades envolvidas no processo produtivo, nos sentimos estimulados a refletir acerca do papel do modo de produção capitalista no processo de apropriação da natureza e de exploração da classe trabalhadora. Nesse particular, Bihr nos aponta que,

(...)no quadro do capitalismo, o desenvolvimento das forças produtivas torna-se desenvolvimento das forças destrutivas da natureza e dos homens.(...), a potência conquistada pela sociedade sobre a natureza transforma-se em impotência crescente dessa mesma sociedade diante do

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desenvolvimento autonomizado da técnica e dos poderes que a controlam e pretendem controlá-la”. O mesmo sintetiza essas afirmações dizendo: “a crise ecológica não é senão um dos aspectos desse ‘mundo às avessas’ que a alienação mercantil e capitalista do ato social de trabalho institui. (1999, p.129).

Nesse cenário de redefinições tecnológicas e de novas formas de gestão e de controle do processo de produção e de trabalho que impõem rearranjos, tanto para o capital como para o trabalho, no âmbito da agroindústria sucroalcooleira, o nosso desafio é desvendar suas formatações, enraizamentos específicos e territorialidades. É possível que nesse contexto, tanto o ritmo do processamento industrial como o mercado consumidor, possam definir o patamar tecnológico e os novos referenciais buscados pelo capital sucroalcooleiro. Verifica-se, por um lado, que a adoção de novas tecnologias, envolvendo parcial ou totalmente o processo produtivo, seja através da incrementação da parte operacional ou da substituição de equipamentos e máquinas, ou mesmo da incorporação de controles automatizados, os quais provocam rearranjos na organização e controle do processo de trabalho, determina a estrutura, o funcionamento e também a diferencialidade tecnológica da planta fabril6 . Por outro lado, a mudança no comportamento do mercado consumidor tem gerado movimentos7 , os quais tem contribuído para o surgimento de padrões ambientais atribuídos a produtos e processos produtivos, bem como de normas de certificação ambiental. Desse modo, “novos” referencias ambientais e tecnológicos são incorporados ao processo produtivo sucroalcooleiro, gerando diferenciais entre as empresas do setor. Os padrões, aos quais nos referimos acima, atuam como normas de comércio internacional, sob a alegação de que visam a equalização da concorrência e dispõem de instrumentos que funcionam como barreiras comerciais. Uma dessas barreiras, os selos, obtidos através da certificação está associada ao produto em si e aos efeitos de seu consumo e atua no sentido de impedir a importação ou venda de um determinado produto que se encontre fora dos 6

Cf. THOMAZ JÚNIOR, 2002c. Tais movimentos são originários de países europeus, principalmente, onde as principais iniciativas de certificação surgiram e se desenvolveram, tendo em vista a existência de um setor agrícola forte e de grupos sociais organizados. 7

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padrões ambientais pré-definidos. Enquanto a ISO 9000, está mais associada ao controle de qualidade dos produtos e serviços que as empresas oferecem. Um outro exemplo de barreira é a série ISO 14000, que está fundamentada no estabelecimento de normas e procedimentos de produção e gerência. Esta série foi criada com a finalidade de padronizar a implementação do Sistema de Gerenciamento Ambiental, o qual é coordenado juntamente com outros sistemas gerenciais 8 . Acreditamos que no âmbito da agroindústria canavieira, a busca desses “novos” referenciais, especialmente os ambientais, possui embricamento com as possíveis restrições impostas por mercados e consumidores mais exigentes,

bem como com as mudanças

desencadeadas a partir da regulamentação das queimadas da cana-de-açúcar. Mas também não deixa de ser uma estratégia do próprio capital sucroalcooleiro, que ao buscar melhoras em sua performance ambiental, consegue diferenciar os produtos e conquistar novos mercados. Ao abordar esta questão dos “novos” referenciais tecnológicos (a exemplo da mecanização) e ambientais (ISO 9000/14000 e certificação orgânica), nos questionamos se estes são de fato novos, ou seja, será que estes referenciais não se constituem apenas um refinamento em termos de organização da produção e do trabalho? Uma maquiagem nos velhos paradigmas, uma vez que o capital se veste de diferentes roupagens para manter sua hegemonia? Tendo em vista que os princípios tayloristas-fordistas não mudaram, que as conseqüências para o mundo do trabalho são cada vez mais danosas e que a busca da produtividade e do lucro continua sendo prioridade para o capital, em detrimento do homem e da natureza, procuramos no decorrer deste trabalho refletir acerca desta hipótese. É importante salientar ainda que o espectro diferencial em que está assentada a agroindústria sucroalcooleira paulista, tem por base tanto a atuação como o envolvimento do capital, do Estado e do trabalho, que se manifestam através do reordenamento político-econômico do capital, dos regramentos e das referências instituídas pelo Estado e seus desdobramentos para o trabalho. A busca do entendimento das especificidades e ações políticas que envolvem os trabalhadores e suas instâncias de representação, do desvendamento da expressão territorial da relação capital-trabalho e do entendimento acerca das táticas e estratégias adotadas pelo capital, 8

No Brasil, as empresas pioneiras no processo de certificação, tem sido as de médio e grande porte, ligadas aos setores químico/petroquímico, florestal, papel & celulose, automobilístico, siderurgia e serviços.

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especialmente no âmbito do setor sucroalcooleiro, no seu processo de reestruturação produtiva, cujos reflexos se fazem sentir na subjetividade do trabalho e na relação metabólica do homem com a natureza, bem como do entendimento da heterogeneidade com que estes fenômenos se manifestam nas diversas frações do território paulista, constituiu-se uma das metas principais deste trabalho. Para tanto, procuramos nos pautar na metodologia proposta desde o princípio, ou seja, o embasamento teórico, que teve como subsídio um vasto levantamento bibliográfico de fontes primárias e secundárias, a pesquisa de campo e a realização de entrevistas. Com base em critérios pré-estabelecidos, (as diferencialidades em termos de produção, de área plantada, nível de mecanização, incorporação de aporte tecnológico, etc.), realizamos as investigações efetuando um movimento escalar que levou em consideração o local, o regional (principais regiões canavieiras) e o estadual. Apesar de buscarmos informações sobre um conjunto de empresas espalhadas pelo estado de São Paulo e considerá-las nas discussões, procuramos priorizar em nosso trabalho o estudo de caso, o qual foi efetuado junto a algumas empresas (uma ou duas por região), levando-se em consideração os critérios apontados acima. Por haver diferenças metodológicas em termos de delimitação da área de estudo do fenômeno em apresso, presente nas referências bibliográficas e demais fontes consultadas (divisão administrativa de governo, antigas DIRA’s, EDR’s, etc.), nos deparamos com divergências de dados no âmbito de uma mesma empresa ou região canavieira. Para tentar sanar isso, achamos por bem considerar, sobretudo para efeito de análise e mapeamento dos dados e informações coletadas, o zoneamento por EDR’s (Escritórios de Desenvolvimento Rural do estado de São Paulo)9 . O número de empresas visitadas não foi maior também por conta de alguns entraves que surgiram no decorrer das investigação, ou seja, a pesquisadora é professora da Rede Pública Estadual de Ensino e se deparou com o fator tempo para conseguir conduzir a contento a pesquisa e seu trabalho em sala de aula. Além disso, entre as empresas que elencamos para efetuar as visitas, algumas delas não se disponibilizaram a nos receber. Sobre essas empresas, as quais não obtivemos o acesso a visita, buscamos dados e informações através de sites especializados e outras fontes secundárias. Quanto

aos

sindicatos

(STRs/SERs),

procuramos

adotar

o

seguinte

procedimento: visitamos somente aqueles situados na mesma base territorial das empresas 9

Conferir os municípios integrantes de cada EDR na nota da página 18, cap. I e Mapa referente ao Anexo 1.

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visitadas (um por município). Tendo em vista que nossa proposta de investigação pautava-se, principalmente na compreensão da relação capital x trabalho, sob o viés da mecanização do corte da cana-de-açúcar, a qual repercute diretamente sobre a mão-de-obra utilizada na lavoura canavieira,

consideramos

nas

investigações

e

análise

somente

os

sindicatos

dos

trabalhadores/empregados rurais. Para

compreender

melhor

como

ocorre

o

processo

de

certificação

socioambiental e orgânica visitamos duas agências certificadoras. Já com relação a certificação pautada nas normas da série ISO 14000, obtivemos informações diretamente com a empresa certificada, via e-mail. Mantivemos contatos também com uma empresa que presta assessoria de imprensa a várias empresas sucroalcooleiras da região de Ribeirão Preto, através da qual obtivemos uma série de dados e informações sobre as mesmas. Além disso fizemos visitas aos sites da UNICA, da COPERSUCAR, do JORNAL CANA, entre outros. Os dados e informações obtidos durante a pesquisa de campo e as reflexões propiciadas pela revisão bibliográfica, colóquio com o orientador e reuniões do Grupo de Estudo CEGeT – Centro de Estudos de Geografia do Trabalho, do qual fazemos parte, bem como as discussões efetuadas durante as interlocuções com os atores sociais envolvidos direta ou indiretamente no processo produtivo, possibilitaram a sistematização das reflexões contidas nos quatro capítulos que ora apresentamos. Nossa pretensão no primeiro capítulo, foi efetuar uma reflexão acerca do processo de reestruturação produtiva do capital. Não somente descrevendo a distribuição da agroindústria sucroalcooleira no território paulista, mas também identificando as mediações que têm conduzido ao patamar de desenvolvimento tecnológico e produtivo em que esta se encontra. Buscamos ainda, compreender a materialidade fenomênica do empreendimento sucroalcooleiro expressa territorialmente de modo diferenciado, através da área plantada e da produção. Procuramos também discutir o processo de desregulamentação, as medidas institucionais e a gestão da nova política para o setor sucroalcooleiro, bem como o reordenamento econômico e territorial do capital (o processo de concentração via fusões e aquisições). No segundo capítulo, procuramos discutir, mesmo que de forma suscinta, a relação homem-natureza no contexto do modo capitalista de produção, que fragmenta e atomiza o trabalhador, “coisificando” o homem e suas relações e impedindo que a interação deste com a

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natureza ocorra adequadamente. Discutimos ainda a relação capital-trabalho sob o viés da modernização da agricultura, especialmente da agroindústria sucroalcooleira; da automação microeletrônica e da mecanização do corte de cana-de-açúcar. Procuramos nesse capítulo mostrar, sobretudo, o desencadeamento do processo de reestruturação produtiva, especificamente para o capital sucroalcooleiro, dando ênfase a mecanização do corte mecanizado da cana-de-açúcar e seus desdobramentos para o capital e para o trabalho. Efetuamos também uma discussão acerca das novas formas de gestão e de controle do processo produtivo e os desdobramentos para a relação capital-trabalho; a visualização da dinâmica territorial expressa pela relação capital-trabalho na atividade canavieira paulista e os desdobramentos para os trabalhadores e para os sindicatos,

fragilizados pelo

enraizamento da velha estrutura de caráter fragmentário e corporativista, que os faz parecer cada vez mais distantes de um projeto autônomo que resgate a luta de classe e reaja às investidas do capital. No

terceiro

capítulo,

efetuamos

uma

reflexão

teórica

acerca

dos

desdobramentos socioambientais decorrentes do processo produtivo, da concorrência e da busca de competitividade pelo capital, que traz conseqüências desastrosas para o trabalho e para o meio ambiente, as quais se expressam na precarização da força de trabalho e na degradação ambiental, afetando diretamente a relação metabólica entre o homem e a natureza. Partindo desse pressuposto efetuamos a discussão acerca dos “novos” referenciais (especialmente a certificação socioambiental e orgânica) que se apresentam para o capital com dimensão ecológica e mercadológica e o rebatimento disso para o trabalho. O

quarto

capítulo,

foi

constituído

tendo

como

objetivo

efetuar

alguns

apontamentos sobre as tendências que se apresentam para o setor sucroalcooleiro, em termos de pesquisa científica, inovações tecnológicas e referenciais de escala e de mercado, com destaque para a co-geração de energia a partir da biomassa; para o desenvolvimento da indústria alcoolquímica, através da pesquisa tecnológica e da utilização dos sub-produtos da cana-deaçúcar; para o Projeto Genoma-Cana que busca avançar no estudo genético da cana-de-açúcar e para os projetos voltados para o seqüestro de carbono, bem como para as pesquisas biotecnológicas que envolvem a produção de plástico biodegradável a partir de uma bactéria.

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Procuramos neste capítulo, refletir também acerca das perspectivas que essas tendências tecnológicas e ambientais geram no âmbito do trabalho. Buscamos

nos

referenciais

teóricos,

o

entendimento

da

materialização

fenomênica do capital sucroalcooleiro no lugares, bem como desvendar seu ordenamento territorial e, sobretudo, compreender o movimento que envolve capital e trabalho através de suas contradições. No entanto, devemos ressaltar que ainda são poucos os referenciais teóricos voltados para a discussão da relação capital x trabalho na agroindústria sucroalcooleira, na área de Geografia. Sendo assim, a “leitura” geográfica da espacialidade do fenômeno sucroalcooleiro, revelada através de sua materialização tornou-se para nós um desafio. De todo modo, acreditamos que essa investigação foi efetuada à contento, permitindo-nos desvendar e compreender a territorialidade do confronto entre capital e trabalho na agroindústria sucroalcooleira paulista, sob o viés tecnológico e ambiental.

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CAPÍTULO I O PROCESSO PRODUTIVO DO SETOR CANAVIEIRO E AS DIFERENÇAS EXPRESSAS TERRITORIALMENTE NO ESTADO DE SÃO PAULO

[...]entre as necessidades que estimulam as atividades sociais humanas há uma que é mais geral, forte e impelente que as outras: é o interesse econômico. (MONDOLFO, M.)

Partindo do pressuposto que o processo de reetruturação produtiva do capital, particularmente do capital sucroalcooleiro, tem conduzido a um conjunto de mudanças no mundo do trabalho, as quais se expressam também do ponto de vista territorial, tentaremos neste capítulo, não somente descrever a distribuição fenomênica da agroindústria sucroalcooleira no território paulista, mas também identificar as mediações que têm conduzido ao patamar de desenvolvimento tecnológico e produtivo em que esta se encontra. É importante ressaltarmos que, apesar da singularidade que a agroindústria sucroalcooleira paulista materializa, a mesma deve ser entendida levando-se em consideração seu embricamento com o movimento geral do capital. Mediante a necessidade de reestruturação e de reordenação que lhe é inerente, o capital reafirma sua hegemonia perante o trabalho. Isso não tem sido diferente quando se trata do capital sucroalcooleiro. Enquanto elemento hegemônico da contradição estrutural, o capital busca seu fortalecimento,

investindo em novas tecnologias, que envolvem todo o processo produtivo,

desde a planta fabril à parte agrícola. Esses investimentos em tecnologia têm se expressado ao longo do tempo em aumento da produtividade, em conquista de novos mercados, em novas formas de gestão e controle do processo de trabalho e em redução da força de trabalho, etc., que, por sua vez, resulta na acumulação de capital. Os desdobramentos territoriais do conflito capital – trabalho e do confronto capital – capital, mediante a necessidade do capital de se autoafirmar como hegemônico no processo produtivo, revela uma materialidade heterogênea na configuração geográfica da

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agroindústria sucroalcooleira. Em outras palavras diríamos, que o empreendimento agroindustrial sucroalcooleiro

em

seu

jogo

de

forças

político-manipulatório,

revela

um

misto

de

diferencialidades que se materializam espacialmente. Conforme veremos a seguir.

1.1 – A expressão territorial diferenciada entre as regiões produtoras e as empresas sucroalcooleiras paulistas Analisando o conjunto das empresas, cujas informações tivemos acesso, (fosse através da pesquisa de campo ou de outras fontes), pudemos perceber a diferencialidade que se expressa

territorialmente.

São

diferenças

sucroalcooleiras, como entre as regiões

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perceptíveis

tanto

entre

as

próprias

empresas

produtoras de cana-de-açúcar do estado de São Paulo.

Em termos comparativos nos foi possível perceber que, dentro do universo investigado há aquelas que se destacam pelo aporte tecnológico, pelo grau de mecanização do corte de cana, referenciais de produção e produtividade, postura diante do mercado, projetos desenvolvidos, etc. É fato que a intervenção estatal e a elaboração de políticas voltadas especificamente para a atividade canavieira no Brasil remontam o período colonial. Como é fato também que o processo de modernização da agroindústria canavieira, caracterizado pela concentração e centralização de capitais não é recente, a partir dos anos 1930, este processo sustentou-se na transferência de renda e na interferência estatal, concretizada através de financiamentos subsidiados, condições para armazenamento e comercialização, desenvolvimento de pesquisas, assistência técnica, etc.

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O termo região nesse momento está sendo empregado sem a pretensão de enquadrá -la em delimitações territoriais ou definições específicas.

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Sabemos que o assentamento territorial diferenciado da produção de cana-deaçúcar no Brasil e, de modo particular, no estado de São Paulo, se deve em parte a estrutura agrária vigente em nosso país, que revela, por um lado, à concentração crescente de terra e de capitais nas mãos de grupos e empresários poderosos política e economicamente e à riqueza socialmente produzida por milhares de trabalhadores explorados e, por outro lado, à exclusão de trabalhadores e de pequenos e médios produtores familiares do campo. Mas importa também observar que as elevadas somas de recursos públicos alavancaram o processo de desenvolvimento e modernização da agroindústria canavieira. Desse modo, muitos empresários se capitalizaram e conseguiram ampliar sua capacidade de produção. Segundo Thomaz Júnior., as ações implementadas pelo Estado em benefício do capital sucroalcooleiro foram capitalizadas diferencialmente pelas empresas, conforme suas condições econômico/financeiras. A

consubstanciação ocorreu de fato a partir do Proálcool, que

deu “sustentação financeira e programática a produção de álcool combustível”, através

de

vantagens creditícias e financiamentos subsidiados por agentes financiadores estatais e até mesmo internacionais (Banco do Brasil, Sudene, BIRD, FMI, etc., por exemplo. (1996, p.80; 2002c, p. 88). A estrutura de produção da cana-de-açúcar está, portanto, diretamente ligada ao grau e intensidade com que os investimentos foram realizados pelas empresas e utilizados no desenvolvimento e adoção de novas variedades de cana, aditivos químicos para a lavoura, novas práticas

de

cultivo

e

manejo

do

solo,

etc..

Desse

modo,

diríamos

que

o

aspecto

econômico/financeiro foi determinante no processo de estruturação e diferenciação das empresas sucroalcooleiras no território paulista, especialmente daquelas situadas na região de Ribeirão Preto, as quais foram beneficiadas com cerca da metade dos recursos e projetos aprovados durante a primeira etapa do Proálcool11 . Segundo Thomaz Júnior, esta região apresenta a maior concentração de canade-açúcar e de empresas sucroalcooleiras do estado de São Paulo. Ao considerar em seu estudo as antigas DIRAs - Divisões Regionais Agrícolas do estado de São Paulo, o autor faz referência a distribuição territorial das empresas, a qual está correlacionada com a maior ou menor concentração da cana-de-açúcar.

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No período compreendido entre 1975-1979.

16

De acordo com Thomaz Júnior, na DIRA de Ribeirão Preto, ocorre a maior concentração de empresas e a plantação de cana expressa-se territorialmente de modo mais contínuo. São 22 empresas distribuídas em nove municípios. A mesma é seguida pela DIRA de Bauru, com 7 empresas distribuídas em cinco municípios e pela DIRA de Campinas, que concentra 11 empresas em cinco municípios. As demais DIRAs (Araçatuba, Marília, São J. do Rio Preto, Presidente Prudente e Sorocaba), apresentam uma concentração de empresas menor, expressando concomitantemente, descontinuidade quanto à territorialidade da cana-de-açúcar (2002c, p. 67-68). Nos anos 1980, quando teve início a segunda etapa do Proálcool, os projetos aprovados e os recursos financeiros foram distribuídos equanimimente entre as três principais DIRAs do estado (Ribeirão Preto, Campinas e Bauru). Nessa fase, regiões não tradicionais na produção de cana-de-açúcar como as DIRAs de Araçatuba, São José do Rio Preto e Presidente Prudente, receberam cerca de 80% dos recursos e tiveram 70% dos projetos aprovados, direcionados sobretudo para as destilarias autônomas12 . A justificativa para o direcionamento dos recursos do Proálcool para o Oeste Paulista, foi de que era preciso promover o desenvolvimento da agricultura dessa porção do estado, em bases modernas e, uma forma disso acontecer seria estimulando a atividade canavieira nessa região. Além disso, alegava-se que era preciso frear a expansão desordenada da lavoura canavieira nas regiões tradicionais do estado, e assim coibir a substituição do cultivo de alimentos destinados a alimentação básica pela cana-de-açúcar, o que de fato não se concretizou, haja vista a forte concentração de terras nas áreas tradicionais, comandada pelas maiores empresas sucroalcooleiras. Atualmente, (por outros fatores) áreas tradicionais na atividade canavieira estão retomando a produção de alimentos, como alternativa econômica. É o caso, por exemplo, de Piracicaba que, diante do processo de mecanização do corte de cana-de-açúcar, cuja intensificação é inevitável, em virtude da regulamentação da queima dos canaviais, busca viabilidade econômica para suas terras, através do desenvolvimento de outras culturas e/ou atividades.

12

Destilarias autônomas destinam-se exclusivamente à produção de álcool.

17

A mudança no uso da terra em Piracicaba, “forçada” pelas condições topográficas e conseqüente impossibilidade de introdução da colheita mecanizada em boa parte das terras, vem ocorrendo principalmente entre os pequenos produtores de cana, menos capitalizados e, portanto, sem condições financeiras para investir na aquisição de máquinas ou mesmo no preparo do solo para viabilizar o uso da mesma. Na região está havendo uma substituição significativa da atividade canavieira, pelo reflorestamento, turismo rural, produção de hortaliças, oleicultura, frutas de mesa, etc.13. A existência de culturas de ciclo produtivo mais curto, que permitem a substituição da atividade canavieira num período temporalmente menor, bem como a proximidade da capital, o que reduz os custos com o transporte, são fatores que contribuem para a viabilização econômica dessas novas culturas. Há quem diga14 que a região de Piracicaba, tradicionalmente canavieira, está sendo suplantada pela região de Ribeirão Preto, não só por causa dos entraves que o relevo acidentado apresenta para a mecanização do corte de cana, mas também porque parte dos empresários sucroalcooleiros daquela região não possuem espírito empreendedor, visão de futuro e de mercado, etc., como os de Ribeirão Preto. Sobre este aspecto Ruas (1996), destaca que até os anos 1970, a região de Piracicaba era considerada a principal região produtora de cana-de-açúcar do estado de São Paulo. Porém, nos anos subsequentes, os empresários da região de Ribeirão Preto, ao fazerem uso dos incentivos estatais, remodelaram o parque industrial, introduzindo novas tecnologias e ganhos de eficiência, desencadeando o processo de modernização da agroindústria canavieira na região. No entanto, o mesmo não ocorreu na região de Piracicaba, ou seja, a modernização não alcançou o mesmo ritmo e a região perdeu posição na produção canavieira. Ruas ressalta ainda, que o aspecto topográfico favoreceu a região de Ribeirão Preto, colocando em desvantagem a região de Piracicaba, ou seja, as terras da região de Ribeirão Preto apresentam “fertilidade de solo e melhor topografia, permitindo um maior índice de mecanização” (1996, p. 93).

13

Informações extra oficiais, fornecidas pelo Diretor de Produção da Companhia Albertina, o qual se declarou conhecedor daquela região por ter trabalhado lá durante muitos anos. Em entrevista concedida em 23/07/2002. 14 Opinião do diretor da Imagens e Relações Públicas S/A, empresa que presta assessoria aos usineiros de Ribeirão Preto. Entrevistado em 03/04/2002.

18

Reforçando o que já tínhamos destacado anteriormente, Ruas alega que o fato das unidades industriais de Ribeirão Preto possuírem uma melhor administração empresarial que as da região de Piracicaba, onde a administração ainda se dá em bases familiares, constitui-se também um fator de diferenciação entre estas duas regiões. A região de Ribeirão Preto ocupa 16% do território paulista, cuja produção de cana-de-açúcar representa 42,4% do total produzido no Estado de São Paulo. Em termos de área plantada equivale a 43,3% da terra cultivada no estado. Verificamos que a territorialidade da produção de cana moída/ton., também apresenta uma configuração diferenciada. A região de Ribeirão Preto, que se destaca hegemonicamente tanto na produção de açúcar como de álcool, também revela sua hegemonia na quantidade de cana moída processada. No ranking do estado de São Paulo a mesma lidera, com 29. 994.276 toneladas na safra 2001/2002, superando a safra anterior em 16,3%. Essa região é seguida pelas regiões de Jaú com 19.631.548 toneladas; Catanduva, que ocupa o quarto lugar, com 12.441.650 toneladas de cana; Limeira, que ocupa o quinto lugar no ranking, com 11.899.714 toneladas; Piracicaba, em sexto lugar, com 11.267.550; e Assis, em oitavo lugar, com 10.614.486 toneladas; as regiões de Andradina e de Presidente Prudente não aparecem no ranking15 , mas tiveram a seguinte moagem de cana na referida safra: 3.298.288 e 953.351 toneladas, respectivamente, conforme mostra Tabela 116 . 15

Informação UNICA. Ano 5, n o 47, maio/junho de 2002. Adotou-se utilizar nesta análise o zoneamento por Escritórios de Desenvolvimento Rural do estado de São Paulo (EDR’s), para que pudéssemos trabalhar com os dados agregados atuais, disponibilizados pela ÚNICA, JORNALCANA, CONSECANA, por exemplo, que consideram este zoneamento para as diferentes áreas produtoras, bem como com os dados individualizados, obtidos através da pesquisa de campo e de sites de emp resas. A seguir destacamos os municípios que integram os EDR’s estudados: O EDR de Ribeirão Preto é composto pelos municípios de Barrinha, Brodoski, Cajuru, Cássia dos Coqueiros, Cravinhos, Dumont, Guatapará, Jardinópolis, Luiz Antônio, Pontal, Pradópolis , Ribeirão Preto, Santa Cruz da Esperança, Santa Rita do Passa Quatro, Santa Rosa do Viterbo, São Simão, Serra Azul, Serrana e Sertãozinho. O EDR de Jaú compreende os municípios de Bariri, Barra Bonita, Bocaina, Boracéia, Brotas, Dois Córregos, Igaraçu do Tietê, Itaju, Itapuí, Jaú, Lençóis Paulista, Macatuba, Mineiros do Tietê e Torrinha. O EDR de Catanduva compõe-se dos municípios de Ariranha, Catanduva, Catiguá, Elisiário, Ibirá, Irapuã, Itajobi, Marapoama, Novais, Novo Horizonte, Palmares Paulista, Paraíso, Pindorama, Sales, Santa Adélia, Tabapuã, Uchôa e Urupês. O EDR de Limeira compreende os municípios de Analândia, Araras, Cordeirópolis, Corumbataí, Ipeúna, Iracemápolis, Itirapina, Leme, Limeira, Pirassununga, Porto Ferreira, Rio Claro, Santa Cruz da Conceição e Santa Gertrudes. O EDR de Assis é constituído pelos municípios de Assis, Borá, Campos Novos Paulista, Cândido Mota, Cruzália, Echaporã, Florínea, Ibirarema, Lutécia, Maracaí, Palmital, Paraguaçu Paulista, Pedrinhas Paulista, Platina, Quatá e Tarumã. O EDR de Andradina abrange os municípios de Andradina, Bento de Abreu, Castilho, Guaraçaí, Ilha Solteira, Itapura, Lavínia, Mirandópolis, Muritinga do Sul, Nova Independência, Pereira Barreto, Suzanópolis e Valparaíso. O EDR de Presidente Prudente é composto pelos municípios de Alfredo Marcondes, Álvares Machado, Anhumas, Caiabu, Emilianópolis, Estrela do Norte, Iepê, Indiana, João Ramalho, Martinópolis, Nantes, Narandiba, Pirapozinho, Presidente Bernardes, Presidente Prudente, Rancharia, Regente Feijó, Sandovalina, Santo Expedito, Taciba e Tarabai. Informação disponível também em: http://www.cati.sp.gov.br/istitucional/edr_mapaSP.htm (Conferir Mapa em Anexos). 16

19

Como podemos constatar na referida tabela, estas regiões respondem por 88.833.313 milhões de toneladas de cana, o equivalente a pouco mais de 50% da produção do estado de São Paulo que é de 170.000.000 milhões de toneladas. Tabela 1 – Produção de cana por EDR’s do estado de São Paulo - Safra 2001/2002 EDR’s Ribeirão Preto Jaú Catanduva Limeira Assis Andradina Presidente Prudente Total Total do Estado Fonte: UNICA/CONSECANA/UDOP, 2002.

CANA (em toneladas) 29.994.276 19.631.548 12.441.650 11.899.714 10.614.486 3.298.288 953.351 88.833.313 170.000.000

Quanto a produção de açúcar, ao considerarmos a safra 2001/2002, verificamos que mais uma vez a região de Ribeirão Preto lidera, com 2.289.174 milhões de toneladas, seguida pela região de Jaú, com 1.373.353 toneladas. Presidente Prudente, aparece em último lugar entre as regiões estudadas, com 87.738 toneladas, conforme podemos constatar na Tabela 2.

Tabela 2 – Produção de açúcar por EDR’s do estado de São Paulo - Safra 2001/2002 EDR’s Ribeirão Preto Jaú Catanduva Limeira Assis Andradina Presidente Prudente Total Total do Estado Fonte: UNICA/CONSECANA/UDOP, 2002.

AÇÚCAR (t) 2.289.174 1.373.353 880.384 816.567 723.112 145.848 87.738 6.316.176 12.328.458

Em termos de produção de álcool anidro, verifica-se, comparativamente que entre as regiões estudadas Ribeirão Preto também se destaca, com 724.100 m3 , seguida pela região de Jaú, com 490078 m3 .

20

Cabe ressaltar que a região de Limeira, que ocupa a quarta colocação quanto a cana moída e a produção de açúcar, passa a ser a terceira na produção de álcool anidro, na safra 2001/2002, com 321.762 m3 , seguida pela região de Assis, que passa a ocupar a quarta posição com 294.323 m3 . A região de Catanduva que era a terceira até então, passou a ser a quinta, com 275.305 m3 , conforme pode ser constatado na Tabela 3.

Tabela 3 – Produção de álcool anidro por EDR’s do estado de São Paulo - Safra 001/2002 EDR’s Ribeirão Preto Jaú Limeira Assis Catanduva Andradina Presidente Prudente Total Total do Estado Fonte: UNICA/CONSECANA/UDOP, 2002.

ÁLCOOL (m3 ) 724.100 490.078 321.762 294.323 275.305 66.912 21.934 2.194.414 4.245.227

A região de Catanduva passa a ocupar novamente o terceiro lugar, entre as regiões estudadas, na produção de álcool hidratado, com 242.874 m3 , seguida pela região de Assis, com 117.777 m3 , conforme mostra a Tabela 4. Tabela 4 – Produção de álcool hidratado por EDR’s do estado de São Paulo - Safra 2001/2002 EDR’s Ribeirão Preto Jaú Catanduva Assis Limeira Andradina Presidente Prudente Total Total do Estado Fonte: UNICA/CONSECANA/UDOP, 2002.

ÁLCOOL (m3 ) 412.464 351.952 242.874 117.777 115.561 104.798 3.487 1.348.913 2.879.671

21

Na produção de álcool total, a região de Ribeirão Preto mantém a liderança, com 1.136.564 m3 e Catanduva continua sendo a terceira colocada com 518.179 m3 , conforme mostra a Tabela 5. Tabela 5 – Produção de álcool total por EDR’s do estado de São Paulo - Safra 2001/2002 EDR’s Ribeirão Preto Jaú Catanduva Limeira Assis Andradina Presidente Prudente Total Total do Estado Fonte: UNICA/CONSECANA/UDOP, 2002.

ÁLCOOL (m3 ) 1.136.564 842.030 518.179 437.323 412.100 171.710 25.421 3.543.327 7.124.898

É interessante ressaltar que as regiões de Jaú e de Presidente Prudente se mantêm na segunda e na última posição, respectivamente, ao contrário das demais regiões estudadas, que alternaram suas posições conforme a produção. Analisando o conjunto das regiões estudadas nas três últimas safras (99/00; 00/01; 01/02), verifica-se que a posição entre elas se mantém, com exceção da região de Limeira, que na safra 99/00, superou a região de Catanduva no que se refere a cana moída. Já na safra 00/01, a mesma ultrapassou Catanduva mais uma vez na quantidade de cana moída e também de açúcar processado (Tabela 6).

22

Tabela 6: Regiões estudadas, quanto a produção de cana, açúcar e álcool total – Safras 99/00; 00/01; 01/02 REGIÕES

99/00

00/01

01/02

Cana

Açúcar (s. de 50

Álcool

Cana

Açúcar (s. de 50

Álcool

Cana

Açúcar (s. de 50

Álcool

Moída

kg)

T o t al

Moída

kg)

Total

Moída

kg)

Total

(m 3 )

(ton.)

(m 3 )

(ton.)

(ton.)

(m 3)

Rib. Preto 34.551.330

53.492.160 1.353.435 25.799.106

36.281.340 1.066.489 29.994.276

45.783.480 1.136.564

Jaú

21.090.386

30.318.480

886.127 16.354.249

21.175.780

730.075 19.631.548

27.467.060

842.030

Catand.

12.922.659

18.020.640

562.990 10.462.745

13.920.480

494.447 12.441.650

17.607.680

518.179

Limeira

13.659.706

17.212.520

548.063 10.701.268

14.525.320

401.308 11.899.714

16.331.340

437.323

Assis

10.251.459

12.665.620

471.456 8.107.734

10.395.360

340.930 10.614.486

14.462.240

412.100

Andrad.

3.651.885

3.048.720

179.979 2.332.867

1.845.460

115.994 3.298.288

2.916.960

171.710

960.740

1.664.140

1.754.760

25.421

Pres. Pte

Fonte: UNICA/COSECANA/UDOP, 2002.

32.094

723.181

1.198.620

22.738

953.351

23

Verifica-se também que houve uma oscilação na produção entre as três safras analisadas. A safra 99/00 foi bastante expressiva para o conjunto das regiões estudadas, porém apresentou queda na safra 00/01, voltando a se recuperar na safra seguinte. A hegemonia da região de Ribeirão Preto se revela também na quantidade de terras ocupadas com a produção de cana-de-açúcar. São 1.125.000 hectares, correspondentes a 41,3% do total do estado de São Paulo, que é de 2.650.500 hectares. Ao passo que Presidente Prudente apresenta a menor área ocupada, com 86.100 hectares, correspondendo a 3,4% do total do estado17 . É importante termos claro que a diferencialidade territorial da produção para o conjunto das regiões estudadas está atrelada a territorialidade das unidades agroindustriais sucroalcooleiras, que por sua vez se diferenciam através da estrutura da matéria-prima, ligada diretamente

a

determinantes

econômico-tecnológicos,

expressos

através

de

investimentos

remetidos para o processo produtivo .

1.2 – A Territorialidade das empresas sucroalcooleiras

Para termos uma idéia de como as empresas sucroalcooleiras se distribuem desigualmente no território paulista, basta analisarmos os dados de produção referentes a safra 2001/2002. Em termos de produção de cana a Usina Da Barra se destaca em primeiro lugar no ranking do estado (e também da região Centro-Sul), com 5.821.092 toneladas, seguida pela Santa Elisa, com 5.637.141 e pela Usina São Martinho (Tabela 7), que ocupa terceira posição no ranking das empresas pesquisadas18 , com 5.270.109 toneladas e a quarta posição na região Centro-Sul (atrás da Usina Itamarati/MT).

17

THOMAZ JÚNIOR,1996;2002c. Lembrando que em sua análise o mesmo considera o zoneamento por DIRA. Cabe ressaltar que as empresas sucroalcooleiras Costa Pinto/Piracicaba, Iracema/Iracemápolis e São José/ZL/Macatuba não foram analisadas nas tabelas porque optamos em visitar uma ou duas empresas por região e, dentro das condições que tínhamos estas não foram incluídas no plano de trabalho de campo. Não foi possível visitar todas as constantes em nosso plano de trabalho, mesmo assim as consideramos em nossa análise, por causa das informações obtidas em outras fontes. 18

24

Tabela 7 – Ranking da produção de cana por empresas pesquisadas no estado de São Paulo Safra 2001/2002 UNIDADES PRODUTORAS 1 - Da Barra 2 – Santa Elisa 3 – São Martinho 4 – Barra Grande 5 – Nova América 6 – São João (Araras) 7 – Catanduva 10 – Maracaí 11 – Albertina 12 – São Francisco (Sertãozinho) 13 – Univalem 14 – Alta Floresta 15 - Cresciumal Total Fonte: UNICA/CONSECANA/UDOP, 2002.

CANA (em toneladas) 5.821.092 5.637.141 5.239.159 3.947.349 3.642.812 3.253.493 2.721.495 2.412.888 1.324.277 1.107.670 1.091.180 953.351 892.352 38.044.259

No ranking das empresas pesquisadas a Usina Nova América ocupa a quinta posição na produção de cana-de-açúcar, com 3.642.812 toneladas. A Usina Cresciumal ocupa a última posição nesse ranking com 892.352 toneladas. As Usinas Santa Elisa, São Martinho, Albertina e São Francisco (Sertãozinho) respondem juntas por cerca de 44% da produção da região de Ribeirão Preto. Destas somente a Santa Elisa e São Martinho representam aproximadamente 36% da produção de cana-de-açúcar da região. As Usinas Da Barra e Barra Grande respondem por, aproximadamente, 49,9% da produção de cana-de-açúcar da região de Jaú, sendo, portanto, empresas hegemônicas na atividade canavieira da referida região. A Tabela 8 nos mostra a hegemonia da Usina Da Barra19 na safra 2001/2002, na produção de açúcar no estado de São Paulo, com 423.450 toneladas.

19

Esta Usina foi recentemente adquirida pelo Grupo Cosan. Segundo o empresário Rubens Ometto Silveira de Mello (presidente da companhia), o Grupo já tinha 21% de participação da Usina, passando agora a ser o maior acionista. Informações obtidas no site: www.canaweb.br/notícia e através de pesquisa de campo, em caráter extra oficial.

25

A mesma é seguida pelas Usinas São Martinho e Santa Elisa, com a produção de 421.951 e 413.916 toneladas, respectivamente.

Tabela 8 – Ranking da produção de açúcar por empresas pesquisadas no estado de São Paulo - Safra 2001/2002 UNIDADES PRODUTORAS 1 - Da Barra 2 – São Martinho 3 – Santa Elisa 4 – Nova América 5 – Barra Grande 6 – São João (Araras) 7 – Maracaí 8 – Catanduva 9 – Albertina 10 – Alta Floresta 11 – Univalem 12 –São Francisco (Sertãozinho) 13 - Cresciumal Total Fonte: UNICA/CONSECANA/UDOP, 2002.

AÇÚCAR (t) 423.450 421.951 413.916 275.405 247.461 235.100 220.564 173.731 140.383 87.738 56.984 52.585 52.346 2.801.614

Entre as empresas estudadas, a Nova América aparece em quarto lugar na produção de açúcar do estado de São Paulo e na sétima posição no ranking da região Centro-Sul. As Usinas Barra Grande, São João (Araras) e Maracaí, apresentaram na safra 2001/2002, patamares de produção próximos entre elas, ocupando a quinta, sexta e sétima posição, respectivamente, no conjunto das empresas pesquisadas. Quanto a produção de álcool total, na safra 2001/2002, a Usina da Barra também se destaca, com 224.317 m³. A Usina Santa Elisa passa a ser a segunda com 212.548 m³, seguida pela Usina Barra Grande, com 198.845 m³. A Usina São Martinho, passa então a ocupar a quarta posição entre as empresas pesquisadas, com 194.730 m³, conforme mostra a Tabela 9.

26

Tabela 9 – Ranking da produção de álcool total por empresas pesquisadas no Estado de São Paulo - Safra 2001/2002 UNIDADES PRODUTORAS 1 – Da Barra 2 – Santa Elisa 3 – Barra Grande 4 – São Martinho 5 – Catanduva 6 – Nova América 7 – São João (Araras) 8 – Maracaí 9 – Univalem 10 – São Francisco (Sertãozinho) 11 – Cresciumal 12 – Alta Floresta 13 – Albertina Total Fonte: UNICA/CONSECANA/UDOP, 2002.

ÁLCOOL (m3 ) 224.317 212.548 198.845 194.730 136.528 117.197 105.605 70.526 54.104 48.100 43.330 25.421 21.468 1.468.719

Analisando em escala nacional, verificamos que em termos de unidades produtoras, o Centro-Sul se destaca, com 219 unidades, sendo que desse total, 126 ficam localizadas no estado de São Paulo. O Norte/Nordeste possui 82 unidades, de um total nacional equivalente a 301 unidades. Em termos de quantidade total de cana moída, o Centro-Sul também se destaca com 206.733.137 milhões de toneladas, sendo que destas 147.731.575 milhões de toneladas são moídas no Estado de São Paulo. O total em nível de Brasil é de 251.750.212 milhões de toneladas, sendo que o Norte/Nordeste mói 45.017.075 milhões de toneladas. Quanto a produção de açúcar o Centro-Sul, e particularmente o estado de São Paulo, se destacam novamente, com a produção de 12.328.458 e 15.949.950 milhões de toneladas, contra 3.288.768 milhões de toneladas do Norte/Nordeste. O total nacional é de 31.567.176 milhões de toneladas de açúcar. Da produção total de álcool (anidro e hidratado) do Brasil, que é de 10.566.497.520 bilhões de litros, o Centro-Sul produz 8.953.478.867 bilhões de litros, dos quais 6.349.047.990 são produzidos somente pelo estado de São Paulo, ficando o Norte/Nordeste com 1.613.018.659 bilhões de litros20. 20

Os dados do Centro-Sul são referentes a safra 2000/2001 e os dados do Norte/Nordeste são referentes a safra 1999/2000. Site: www.canaweb.com.br/ .

27

A distribuição territorial da cana-de-açúcar, bem como a configuração desigual das empresas sucroalcooleiras e da produção, expressam-se diferencialmente no território paulista, de modo particular, mas não podemos nos esquecer que neste cenário figuram as mediações, as quais se materializam nas políticas especificamente direcionadas para o setor. O Estado, ao conceder privilégios e usar de um certo protecionismo em relação ao setor sucroalcooleiro, contribuiu para que houvesse a “configuração desigual” das empresas e da produção nas escalas, estadual, regional e nacional. Os investimentos em tecnologia, sem dúvida, tem sido uma variável muito importante para o capital. O mesmo tem se utilizado desta variável como um dos componentes da estratégia de competição das empresas, transformando-a na referência e na base das diferenças que se expressam na eficiência e no rendimento, com reflexos na produção, na produtividade, bem como no próprio processo de reorganização político-econômica do capital sucroalcooleiro. A partir do Proálcool a expansão das áreas de cana foi significativa para várias empresas do setor sucroalcooleiro. A título de exemplo, Graziano Neto (1985), destaca que na década de 70, a Usina São Martinho, incorporou em sua expansão, mais de 300 pequenas propriedades ao seu redor. E essa expansão das áreas com cana-de-açúcar foi possível devido aos fortes incentivos e vantagens creditícias do governo federal aos empresários do setor, favorecendo a utilização de insumos modernos e a intensificação da mecanização das atividades agrícolas.

1.3 – A Territorialidade das empresas sucroalcooleiras visitadas O estabelecimento de um quadro comparativo entre as empresas visitadas21 nas diversas regiões do estado22 (Mapa 1), nos permitirá uma maior compreensão da territorialidade das mesmas, principalmente se levarmos em consideração a diferencialidade que estas expressam quanto à performance produtiva e tecnológica.

21

Nesta análise consideramos somente as empresas visitadas durante a pesquisa de campo. Nesse caso, o zoneamento tem como referência os EDR's (Escritórios de Desenvolvimento Rural) do estado de São Paulo. 22

28

29

Quanto à cana moída, verifica-se que entre as empresas visitadas a Santa Elisa se destaca com 5.637.141 toneladas, na safra 2001/2002 e 5.800.000 toneladas, na safra 2002/2003. A Usina Nova América é a segunda, com 3.290.181 toneladas de cana processada, na safra 2001/200223 e 3.408.000 toneladas, na safra 2002/2003, conforme mostra as Tabelas 10 e 11. A “lanterninha” é a Usina Cresciumal24 , com 892.352 toneladas, na safra 2001/2002 e 1.240.000 toneladas, na safra 2002/200325 .

Tabela 10 – Cana moída por empresas visitadas – Safra 2001/2002 EMPRESAS

CANA MOÍDA (t)

Santa Elisa Nova América São João Albertina Univalem Cresciumal Total

5.637.000 3.290.181 3.253.493 1.400.000 1.120.629 892.352 15.593.655

Fonte: Pesquisa de Campo, 2002. Tabela 11 – Cana moída por empresas visitadas – Safra 2002/2003 EMPRESAS Santa Elisa Nova América São João Albertina Univalem Cresciumal Total

CANA MOÍDA (t) 5.800.000 3.408.000 3.199.047 1.400.000 1.642.783 1.240.000 16.689.830

Fonte: Pesquisa de Campo, 2002.

23

Esse número fornecido pela empresa diverge do disponibilizado pela UNICA, para a mesma safra, conforme verificação na Tabela 9. 24 A Usina Cresciumal, pertencia até o ano 2000 ao Grupo/família Queiroz, tradicional em Leme. Nesse mesmo ano foi adquirida pela Coinbra, empresa controlada pela multinacional francesa Louis Dreyfus. 25 Os números referentes a safra 2002/2003 são estimativas fornecidas pelas empresas durante a pesquisa de campo, visto que as mesmas não tinham concluída suas safras no momento das visitas.

30

O auge do Proálcool, durante os anos 1980, introduziu muitas empresas sucroalcooleiras na disputa por mais cana-de-açúcar, acirrando ainda mais os conflitos capitalcapital, principalmente nas empresas situadas nas principais regiões produtoras do estado de São Paulo. Segundo Thomaz Júnior (1996; 2002c), no trecho que compreende Ribeirão Preto – Guariba – Pitangueiras – Pontal – Sertãozinho; Catanduva – Santa Adélia – Tabapuã; e Macatuba – Barra Bonita – Brotas, essa disputa tem sido mais acirrada, comprometendo a participação dos fornecedores de cana no total de cana moída pelas empresas sucroalcooleiras, contribuindo, desse modo, para a redefinição tanto quantitativa, como qualitativa da figura do fornecedor. A disputa por terra e por cana, tem feito com que muitas empresas assumam parcial ou totalmente o processo de produção da matéria-prima, ficando os fornecedores incumbidos somente dos tratos culturais. O plantio, quando é efetuado pelos fornecedores, muitas vezes é com mudas cedidas pelas próprias empresas sucroalcooleiras, caracterizando-se muito mais como um sistema de parceria (com relação jurídico-contratual) do que de arrendamento. Esse sistema foi constatado em pelo menos duas das empresas visitadas, a Companhia Albertina e Usina Nova América. No caso da Companhia Albertina, a parceria ocorre, principalmente no momento da colheita. Como a empresa possui poucas terras próprias e seus fornecedores são muitos, porém relativamente pequenos e, sem estrutura para manter o corte, carregamento e transporte de cana até a Usina, ela presta serviços aos mesmos contratando mão-de-obra terceirizada para efetuar a colheita manual da cana queimada. Já o percentual que tem de ser colhido crua ela utiliza as máquinas26. No caso da Usina Nova América, esta processa cana de três diferentes frentes: própria, correspondente a 18.000 hectares, de fornecedores, equivalente a 20.000 hectares e de parceria, que corresponde a cerca de 7.000 hectares. Este sistema de parceria adotado pela Nova América se diferencia da Companhia Albertina, visto que o mesmo se efetua não somente na colheita, mas também no plantio, ficando as tarefas intermediárias para os parceiros27 . É um tanto

26

Depoimento do Diretor de Produção da Companhia Albertina, durante entrevista realizada em 23/07/2002. No sistema de arrendamento, o arrendador tem total autonomia sobre a área arrendada, não competindo ao arrendatário mexer em nada. Ele só irá receber o que lhe compete pela renda da terra. No sistema de parceria, a Usina fica responsável pelo plantio e pela colheita e o dono da terra pelas tarefas intermediárias, como a capina, por exemplo. 27

31

confusa esta relação, pois ao mesmo tempo que a empresa considera formalmente como sendo arrendamento, ela caracteriza como sendo uma parceria. Esse cenário é um tanto diferenciado entre o conjunto das empresas sucroalcooleiras, especialmente entre as empresas que visitamos. Algumas não possuem terras próprias para o cultivo de cana-de-açúcar, sendo estas arrendadas e de fornecedores, como é o caso da Santa Elisa e da Cresciumal28 , conforme demonstra a Tabela 12. Já as Usinas Nova América, Albertina, São João (Araras) e Univalem, processam cana advinda das três frentes: própria, arrendamento/parceria e fornecedores.

Tabela 12 – Percentual de Cana por empresas visitadas (%) – Safra 2002/2003 EMPRESAS PRÓPRIA ARRENDADA Albertina 15 30 Cresciumal -* 69 Nova América 37 45** Santa Elisa -* 50 São João (Araras) 43,8 42,6 Univalem 5,61 41,84 * A usina não dispõe de terras próprias. ** Arrendamento/Parceria. Fonte: Pesquisa de Campo, 2002.

FORNECEDORES 55 31 18 50 13,6 52,55

Em termos de área com cana plantada, verifica-se que das empresas visitadas, a Santa Elisa é a que possui maior área arrendada, 44.300 hectares, contra 20.000 hectares da Usina Nova América e 18.005 hectares da Usina São João (Araras), conforme Tabela 13. Tabela 13 – Área com cana plantada por empresas visitadas (ha) – Safra 2002/2003 EMPRESA PRÓPRIA Albertina 2.000 Cresciumal Nova América 18.000 Santa Elisa São João 19.715 Univalem 1.100 40.815 Área Total * Arrendamento/ parceria. ** Sem informação Fonte: Pesquisa de Campo, 2002.

28

ARRENDADA 6.000 11.960 20.000 * 44.300 18.005 8.200 108.465

FORNECEDORES 11.000 * 5.256 7.000 ** 6.072 10.300 39.628

Segundo o Gerente de Produção da Usina Cresciumal, a Coinbra comprou somente a Usina. As terras do entorno da mesma que pertencem ao Grupo/Família Queiroz foram arrendadas para a Coinbra.

32

Entre

as

empresas

sucroalcooleiras

visitadas,

observamos

também

uma

distribuição desigual da produção de açúcar, por EDR's (Mapa 2). Na safra 2001/2002, a Usina Nova América responde sozinha por 35,5% da produção de açúcar da região de Assis, com 257.550 toneladas. A Usina São João (Araras) produziu 235.100 toneladas e a Cresciumal 52.346 mil toneladas, representando, respectivamente 28,8% e 6,4%, da produção da região de Limeira. Juntas, as duas empresas responderam naquela safra por 287.446 mil toneladas de açúcar. Já as empresas Santa Elisa e Albertina, na região de Ribeirão Preto, representam, respectivamente 18,1% (414.000 mil toneladas) e 6,6% (153.000 mil toneladas) da produção de açúcar dessa região, respondendo juntas por 567.000 mil toneladas. Na região de Andradina, a participação da Univalem em termos percentuais parece pouco expressiva, 3,6%, com uma produção de 46.717 toneladas de açúcar, na referida safra. Com relação a produção de açúcar da safra 2002/200329 (Tabela 14), verifica-se que no conjunto das empresas visitadas, aquelas de grande porte e mais capitalizadas, como a Santa Elisa, Nova América e São João, apresentam maior produção por safra, destacando-se também

em

termos

percentuais,

em

relação

ao

total

produzido

em

suas

respectivas

regiões/EDR's.

Tabela 14 – Produção de açúcar por empresas visitadas – Safra 2002/2003 EMPRESAS Albertina Cresciumal Nova América Santa Elisa São João Univalem * Inclui orgânica e convencional Fonte: Pesquisa de Campo, 2002.

29

EDR's Ribeirão Preto Limeira Assis Ribeirão Preto Limeira Andradina

AÇÚCAR (t) 153.000* 95.185 275.000 450.000 266.000 98.257

Os números utilizados nesta análise, referentes às empresas Albertina, Cresciumal, Santa Elisa e Nova América foram estimados, visto que no período da visita a safra ainda não tinha sido concluída.

33

Quanto à produção de álcool, a Usina São João sai na frente em relação as demais empresas visitadas, com uma produção de álcool hidratado de 69.100 m³, na safra

34

2001/2002. Já na safra 2002/2003, reduz significativamente a produção para 10.861m³, conforme podemos verificar através da Tabela 15. Na produção de álcool anidro, a Santa Elisa lidera com larga diferença entre as demais empresas sucroalcooleiras visitadas, com 146.353 m3 , na safra 2001/2002.

Tabela 15 – Produção de álcool anidro e hidratado por empresas visitadas – Safra 2001/2002 2002/2003 (m3 ) SAFRAS EMPRESAS

2001/2002 Álcool Anidro

2002/2003 Álcool Anidro

2001/2002 Álcool Hidratado

Albertina 21.500 21.500 500 Cresciumal 43.128 27.396 202 (carburante) Nova América 80.000 100.000 27.500 Santa Elisa 146.353 ** 66.195 São João 105.536 98.755 69.100 Univalem 30.930 40.721 25.688 ** Sem informação. Fonte: Pesquisa de Campo/Imagem e Relações Públicas S/A, 2002.

2002/2003 Álcool Hidratado 500 15.300 8.550 ** 10.861 37.271

Os números apresentados, nos revelam a diferencialidade expressa na produção das

empresas

sucroalcooleiras

paulistas

e,

de

modo

particular

daquelas

visitadas.

Tal

diferencialidade é decorrente (como já afirmávamos anteriormente) dos investimentos em tecnologia e novas formas de gestão e controle do processo de produção e de trabalho, os quais adquirem caráter cada vez mais intenso, porém adotados de forma desigual e descontínua pelo conjunto das empresas. Nos últimos anos, a espacialidade diferencial apresentada pelas empresas sucroalcooleiras paulistas, tem sido potenciada por um conjunto de “novos” referenciais tecnológicos, organizacionais e, até mesmo ambientais, quase sempre conduzidos, ou associados à necessidade de sobrevivência e/ou manutenção do capital sucroalcooleiro. Os formatos

do empreendimento do capital, tem ganhado dimensão e conteúdo

com estes “novos” referenciais, especialmente quando se travestem do discurso de “produção

35

ecológica”30 , a exemplo da certificação ambiental e orgânica, que traduzem-se em mais um elemento para manter a hegemonia e o poder do capital. Cabe ressaltar, que estes “novos” referenciais ainda restringem-se a um grupo seleto de empresas. É o que verifica-se, por exemplo, com relação a certificação e produção orgânica de cana e açúcar. Por serem elementos “novos” condicionam a expansão da produção e a territorialização à demanda do mercado e à capacidade operacional da indústria. Em face disso, a produção orgânica da cana-de-açúcar territorializa-se de forma pontual no estado de São Paulo, conforme podemos observar no Mapa 3. A partir de nossas investigações nos foi possível identificar, entre as empresas sucroalcooleiras existentes no estado de São Paulo, apenas cinco (Albertina, Alba Usa Melaço Ltda, Nova América, São Francisco e Univalem) que cultivam cana orgânica. Destas, três (Albertina, São Francisco e Univalem) produzem também o açúcar orgânico, sendo que a Nova América cultiva a cana-de-açúcar, mas não processa organicamente o açúcar e a Alba Usa Melaço Ltda, produz somente melaço e açúcar mascavo orgânico. Destas cinco empresas tivemos a oportunidade de visitar três31 (Albertina, Nova América e Univalem) e, pelo que observamos (e ouvimos), durante as visitas realizadas nas referidas empresas, acreditamos que o diferenciador entre estas, não se restringe exclusivamente ao fato de serem mais ou menos capitalizadas nem de terem condições ou não de investirem em novas tecnologias. O que se coloca em evidência é, sobretudo, a questão da demanda pelo produto no mercado e, de certo modo, também a capacidade operacional da indústria. Dito de outro modo, a produção de cana e açúcar orgânico ainda se constitui um “nicho de mercado”. É um negócio bastante lucrativo para as empresas que conseguem adentrar o mercado internacional, graças ao valor que estas conseguem agregar e, portanto, ao sobrepreço que o produto adquire no mercado externo. É o que afirma o Diretor de Produção da Companhia Albertina, quando questionado sobre as vantagens comparativas entre a produção orgânica e a convencional:

30

Utilizamos este termo para nos referirmos às empresas que investem na produção de determinados produtos, pautando-se nos princípios da sustentabilidade que, nas palavras de Becker (2001), “integra o aproveitamento máximo dos recursos e o movimento perene, e é mais explícita ao nível da firma”. 31 A Usina São Francisco não permitiu a visita, alegando questões estratégicas e com a Alba Usa Melaço Ltda, não conseguimos estabelecer contato.

36

37

Realmente a principal delas é a remuneração diferenciada do produto. A produção orgânica é uma forma de você agregar valor ao seu produto. Num mercado onde a única maneira de ter um diferencial de faturamento é agregando valor, porque você disputa mercado[...]. Hoje, uma tonelada de açúcar comum no mercado internacional vale US$ 180, enquanto uma tonelada de açúcar orgânico está valendo cerca de US$ 350, então, esse é o diferencial que justifica a produção do açúcar orgânico.

Considerando esse mercado em expansão lá fora e, ainda muito restrito internamente, a produção orgânica tem se efetuado no âmbito de pequenas a médias empresas, com cotas já pré-estabelecidas para não saturar o mercado, nem causar prejuízos às mesmas. Em outras palavras diríamos que mesmo sendo empresas de porte menor, estas não direcionam a produção somente para os produtos orgânicos, particularmente o açúcar, visto que ainda não há mercado suficiente para absorver uma produção maior. (No capítulo III nos ateremos um pouco mais sobre este assunto, porém dando mais ênfase ao que denominamos de “novos” referencias, especialmente no que se refere à concepção de orgânico, de certificação ambiental e orgânica e do processo produtivo da cana orgânica). O Mapa 4 nos revela a diferencialidade existente entre as empresas pesquisadas, quanto ao percentual de cana moída, em relação ao total moído na safra 2001/2002. Considerando os percentuais de referência no mapa, a Companhia Albertina moeu organicamente 12%, em relação a cana moída total, o equivalente a 160.000 toneladas. Do total de cana moída pela Univalem, na referida safra, 11% foi de cana orgânica, ou seja 133.126 toneladas. Cerca de 65% da cana-de-açúcar cultivada pela Usina São Francisco é orgânica, porém ela mói e transforma em açúcar orgânico apenas 25%. Isso acontece porque, apesar dela ser a pioneira e já possuir um mercado consolidado lá fora, sendo responsável por cerca de 50% da produção mundial, ainda depende da ampliação da demanda 32 . Já a Usina Nova América, conforme já tínhamos sinalizado anteriormente, cultiva cana-de-açúcar orgânica desde 1997, porém o açúcar é processado convencionalmente. Isso ocorre, de acordo com a alegação do Gerente de Produção da empresa33 , porque há dificuldade de operacionalização do processo. 32

Informações fornecidas pela Imagem e Relações Públicas S/A/Ribeirão Preto; site: www.estadao.com.br/ (suplemento agrícola), outubro/2000; e site: www.planetaorganico.com.br/, outubro/2002. 33 Em entrevista concedida em 29/07/2002.

38

A indústria possui grande capacidade de moagem, condição necessária para atender o montante que a empresa produz, porém, direcioná-la por uma semana, para o processamento do açúcar orgânico, seria econômica e operacionalmente inviável, pelo fato da cana orgânica representar uma quantidade pequena em relação ao total que a indústria processa, ou seja, “teria que diminuir a moagem, gerando perdas de industrialização”. Segundo o Gerente de Produção, a saída poderia ser a instalação de uma nova estrutura industrial, exclusivamente para o processamento orgânico, mas pelo visto a empresa não pretende efetuar, no momento, investimentos nesse sentido. Desse modo, acredita-se, que o que fez a empresa recuar no processamento do açúcar orgânico, muito mais do que a questão operacional, foi justamente o fator demanda, ou seja, ela não conseguiu espaço no mercado para inserir sua produção e teve receio de fazer um investimento que apresentava riscos econômicos. Em termos de área plantada também há diferencialidade entre as empresas pesquisadas, como podemos observar na Tabela 16. Comparativamente, a Usina São Francisco possui uma área quase seis vezes maior que a da Univalem e da Nova América e quase dozes vezes maior que a da Companhia Albertina. Tabela 16 – Área plantada (ha) com cana orgânica por empresas pesquisadas EMPRESA São Francisco Univalem Nova América Albertina

ÁREA

13.000 2.226 2.200 1.100 Área Total 18.526 Fonte: Pesquisa de Campo; www.planetaorganico.com.br/, outubro/2002.

39

40

Os números referentes a produção de açúcar orgânico, também são reveladores dessa diferencialidade (Tabela 17). A Usina São Francisco, com 13.000 hectares de cana orgânica, teria condições de processar cerca de 80.000 toneladas de açúcar, porém na safra 2001/20002, produziu apenas 20.000 toneladas, reduzindo na safra 2002/2003 para 18.000 toneladas. Isso ocorre por causa das razões que apontamos anteriormente, ou seja, o mercado ainda restrito, e o receio de perdas econômicas.

A Univalem, com 2.226 hectares de cana

produziu na safra 2001/2002, 10.266 toneladas de açúcar orgânico, aumentando essa produção na safra seguinte para 12.192 toneladas. Como a área plantada não aumentou de uma safra para outra, e sim a quantidade de cana moída, que passou de 133.126 toneladas para 150.591toneladas, acredita-se que houve um aumento da produtividade da cana, ou seja, nos primeiros anos da produção orgânica a cana sente muito, pois passa por um período de adaptação aos novos tratos culturais (essa discussão será aprofundada no capítulo III). Passada esta fase, ela atinge índice de produtividade próximo ou igual ao da cana convencional. A Companhia Albertina, ao contrário da Univalem teve sua produção reduzida de uma safra para outra. De 160.000 toneladas de cana moída na safra 2001/2002, caiu para 90.000 toneladas na última safra, refletindo-se, logicamente, na quantidade de açúcar produzido, que de 5.500 toneladas caiu para 5.400 toneladas, de uma safra para outra. Segundo o Diretor de Produção da empresa, isso ocorreu por causa de uma ligeira queda de produtividade da cana orgânica na safra 2002/2003. Mas, no geral a produção se manteve a mesma da safra anterior. A Usina Nova América, pelas condições apontadas anteriormente, não produz o açúcar orgânico. De acordo com o Gerente de Produção, a empresa pretende continuar com a produção da cana orgânica, até porque já tem um módulo de 2.200 hectares estruturado, porém o projeto de produzir também o açúcar tem grande possibilidade de “abortar”, ao esbarrar em questões operacionais da empresa e na demanda do mercado. Como a empresa possui grande capacidade operacional e somente uma estrutura industrial, não acha viável economicamente atrasar ou interromper a safra convencional para efetuar o processamento da cana orgânica, cujo volume seria menor, tendo em vista a demanda do mercado ainda ser pouco expressiva.

41

Juntas, as empresas pesquisadas respondem por 19.137 hectares de área cultivada com cana-de-açúcar orgânica no estado de São Paulo34 e por 35.592 toneladas de açúcar orgânico, referente a safra 2002/2003. Tabela 17 – Produção de açúcar orgânico(t) por empresas pesquisadas SAFRAS EMPRESAS São Francisco Univalem Albertina Total

2001/2002

2002/2003

20.000 10.266 5.500 35.766

18.000 12.192 5.400 35.592

Fonte: Pesquisa de Campo; www.planetaorganico.com.br/, 2002. Além da produção/certificação orgânica, o corte mecanizado da cana-de-açúcar também expressa-se diferencialmente no território paulista. Ao se constituir numa possibilidade do capitalista se fortalecer frente ao conflito capital x trabalho, a mecanização do corte de cana também tem sido reforçado pelas exigências em relação a queima dos canaviais e surgimento de leis que a regulamenta, tornando-se, sobretudo para as empresas que cultivam a cana orgânica, uma condição fundamental para que levem adiante este projeto. Entre as empresas visitadas, a Santa Elisa se destaca ao colher mecanicamente 75% da cana própria/arrendada. Esse percentual representa 43% da moagem total, na safra 2001/2002. Em termos de área, ao todo, são 32.146 hectares de cana-de-açúcar colhida mecanicamente, sendo 31.117 hectares de cana colhida crua. A Usina São João colhe crua e mecanicamente 33,2% da cana processada; 26,5% queimada e, 40,3% é colhida queimada e manualmente. Na Companhia Albertina, como esta produz cana orgânica e convencional, os percentuais divergem, ou seja, a cana orgânica é colhida 100% crua, sendo desse total 85% mecanicamente e os 15% restantes que correspondem às áreas onde a máquina não tem acesso, são colhidas manualmente. Do total da cana processada pela empresa, 35% é colhida crua mecanicamente (que corresponde a cana orgânica) e 65% é queimada e colhida manualmente.

34

Essa área é maior, porém não temos condições de confirmar no momento, por não termos contato com a empresa Alba Usa Melaço Ltda.

42

A Usina Nova América colhe crua com máquina, apenas 15% da cana que processa; 85% da cana ainda é queimada, sendo 20% colhida mecanicamente e 65% manualmente. Os 14,0% de cana crua que a Univalem processa são referentes a cana orgânica, o equivalente a 2.226 hectares que como sabemos não deve ser colhida queimada; 86% da cana moída pela empresa é queimada, sendo que, desse total 80,42% é colhida manualmente e 5,58 é colhida mecanicamente. Isso significa que apenas 19,58% da cana processada pela Univalem é colhida mecanicamente (crua e queimada). A Usina Cresciumal, colhe crua mecanicamente, apenas o percentual estabelecido pela legislação que regulamenta a queima da cana-de-açúcar 35 , ou seja, 20%. Isso significa que a maior parte da cana processada pela empresa, 80%, é queimada e colhida manualmente. A diferencialidade que se verifica entre as referidas empresas, quanto à mecanização do corte de cana, se expressa no número de máquinas (Mapa 5) que cada uma delas possui. De certa forma, esta diferencialidade está associada também ao porte das empresas, ou seja, as grandes empresas como a Santa Elisa, a São João e a Nova América, mais capitalizadas e, portanto, com produção expressiva em cada região (EDR), possuem maior número de máquinas e, consequentemente maior percentual de cana colhida mecanicamente. Entre estas três empresas a Nova América é uma exceção, visto que, apesar da quantidade de máquinas (6), apresenta um percentual de corte mecanizado relativamente baixo, se comparado ao das demais empresas. Outras empresas que foram pesquisadas, porém não visitadas, também apresentam percentuais de mecanização do corte de cana elevados. A Usina São Martinho, por exemplo, colhe mecanicamente 90% da cana que processa, sendo, deste total, 85% colhida crua36. Já a Usina São Francisco, colhe crua com máquina 100% da cana que processa. Isso ocorre porque empresa está totalmente voltada para a produção orgânica. A Usina Da Barra, segundo informações extra oficiais, já está com cerca de 70% do corte mecanizado e as usinas Barra Grande e Catanduva já mecanizaram em torno de 30% a 40% da colheita de cana 37 .

35

A Lei no 11.241, de 19 de setembro de 2002, foi decretada e promulgada pela Assembléia Legislativa de São Paulo e dispõe sobre a eliminação gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar e dá providências correlatas. 36 Portal UNICA: www.unica.com.br/ , 22/01/2003. 37 Essas informações foram concedidas pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, das bases de Barra Bonita, Lençóis Paulista e Ariranha, onde estão situadas as empresas, porém podem divergir do real, pois são percentuais aproximados. Não tivemos como comprová-los, pois as referidas empresas não se disponibilizaram a prestar informações.

43

44

As marcas e modelos de máquinas utilizadas no corte mecanizado da cana-deaçúcar, praticamente não diferem de uma empresa para outra. As marcas CAMECO, CASE e AUSTOFT, são as predominantes entre as agroindústrias sucroalcooleiras visitadas (Tabela 18).

Tabela 18 – Quantidade de máquinas usadas no corte de cana por empresas visitadas EMPRESAS QUANTIDADE MARCA/MODELO Santa Elisa

28 *

CASE; CAMECO; AUSTOFT 7000; SANTAL AMAZON. São João 18 AUSTOFT; CASE Nova América 6 4 AUSTOFT;1 CAMECO; 1 CASE. Cresciumal 4 CAMECO: 2 de esteira; 2 de pneus. Albertina 3 CAMECO: 1 de esteira; 2 de pneus. Univalem 3 1 CASE7000-pneu; 1 CASE 7700-esteira; 1 CLASS cc 3000-pneu Fonte: Pesquisa de Campo, 2002. * 14 são próprias e 14 são terceirizadas. Destas, a CAMECO e a CASE são consideradas as mais modernas (Foto 1), por apresentarem maior produtividade (a CASE apresenta uma média de 70 toneladas/hora e velocidade de 12 km/hora). Cabe ressaltar, que a performance da máquina depende da tecnologia nela empregada, ou seja, menor capacidade de absorção de impurezas minerais e vegetais, maior recepção, menor possibilidade de compactação do solo (nesse caso, as máquinas de esteira, em substituição às de pneus, tem sido alternativas buscadas pelas empresas). Mas, depende também da estrutura montada na lavoura, como as operações de preparo e manejo do solo, variedades mais adequadas ao corte mecanizado, etc.38 O significado estratégico do corte mecanizado para o encadeamento do processo de produção da agroindústria sucroalcooleira, faz com que muitas empresas prefiram ter o controle direto da operação de corte, carregamento e transporte, mesmo que parte dela seja terceirizada, como é o caso da Santa Elisa, por exemplo. Outros referencias têm surgido, abrindo a perspectiva para a agroindústria sucroalcooleira de novas formas de inserção no mercado e de acumulação de capital. Entre estes 38

Afirmação do Gerente de Produção da Usina Nova América.

45

apontamos ainda os projetos destinados à co-geração de energia e seqüestro de carbono (discutidos no capítulo IV); a certificação pautada nas normas da série ISO 9000 e 14000 (voltadas para a gestão e controle de processos e produtos e para a gestão ambiental, respectivamente, discutida em outros momentos deste trabalho – capítulos II e III). Esses referenciais têm sido absorvidos por um maior ou menor número de empresas, dependendo da demanda que o mercado vai ter do produto gerado, bem como do volume de investimentos que elas terão condições de efetuar e dos recursos disponibilizados pelo Estado, através de instituições financeiras39 .

1.4 – As redefinições econômicas e territoriais no setor sucroalcooleiro: o processo de concentração de capital

O

caráter

concentracionista

de

terras,

renda

e

de

capitais

do

setor

sucroalcooleiro fortaleceu-se a partir da criação do SNCR (Sistema Nacional de Crédito Rural) implantado pelo governo militar, em 1965. Ao criar uma política de concessão de créditos subsidiados, altamente seletiva e excludente, o Estado acabou privilegiando grandes proprietários e grupos empresariais, o que contribuiu para a constituição do Complexo Agroindustrial brasileiro e, particularmente do CAI sucroalcooleiro. Desse modo, redefiniu as formas tradicionais de produção e deixou à margem, milhares de produtores rurais responsáveis pela produção de alimentos. As mudanças instituídas no setor, a partir de então, visando aumentar a escala de produção e elevar a composição orgânica do capital, pautaram-se na especulação fundiária e, na intensificação da concentração da propriedade da terra (uma característica muito forte na estrutura fundiária brasileira). O resultado, como aponta Thomaz Júnior (1996, p.73; 2002c, p.83), foi a desterritorialização de pequenos proprietários, colonos, posseiros, etc., bem como a redefinição da relações de trabalho.

39

É o caso, por exemplo, dos projetos destinados à co-geração de energia e, até mesmo ao seqüestro de carbono.

46

Foto 1 : Máquina colheitadeira modelo CASE III 7000

47

Durante a vigência do Proácool, as condições materiais criadas no sentido de ampliar a renda do capital, orientaram-se em direção a subsunção da terra disponível, inclusive de grandes propriedades, visto que a elevação da produção da matéria-prima estava, naquele momento, vinculada a um extensivo crescimento da área plantada40 . A manutenção do poder político e econômico da burguesia agrária no comando do

complexo

agroindustrial

sucroalcooleiro,

permitiu

que

os

empresários

sucroalcooleiros

investissem mais na produção da cana-de-açúcar, respondendo pela maior parte da matéria-prima, em detrimento dos fornecedores, especialmente dos pequenos. Segundo Nascimento (2001, p. 73), até os anos 1970, o setor canavieiro contava com 216 unidades produtivas, e 42.000 produtores/fornecedores ligados a essas unidades agroindustriais, através de “quotas de fornecimento". Mas, apesar do número aparentemente grande de produtores/fornecedores da matéria-prima ao complexo agroindustrial, verifica-se através das quotas, uma forte concentração da produção da cana nas mãos dos maiores fornecedores. O autor exemplifica essa concentração ao destacar que na safra 1974/1975, apenas 8,2% destes grandes produtores/fornecedores respondia por 51,3%41 da produção atribuída aos fornecedores. Considerando dois períodos distintos, safras 1970/1971 e 1980/1981, verificase que a expansão da área ocupada com cana, se deu sobre todos os extratos de área, porém concentrando-se em propriedades entre 300,1 a 1000 hectares. As pequenas propriedades incorporadas a este circuito produtivo, também tiveram aumento expressivo, registrando até 309% em número, 347% em produção e 200% em área. Porém, em termos absolutos, esse aumento significou apenas 1,3% da produção, 21,8% das propriedades e 1,4% da área colhida, enquanto o crescimento total da área colhida atingiu os 71% (THOMAZ JÚNIOR, 1996, p. 75, 2002c, p.84-85). Na safra 1990/1991, o crescimento da área total foi maior que do período anterior, 76,5%. Nesse momento, a expansão recaiu sobre as propriedades acima de 1000 hectares, as quais

40

representavam apenas 2,8% do número de propriedades, 40,6% da área

Cf. THOMAZ JÚNIOR, 1996, p.73; 2002, p.83. É preciso considerar que em grande parte dos casos, tratava-se de pessoas ligadas às empresas sucroalcooleiras, ou até “testas-de-ferro”. Mais detalhes, ver: THOMAZ JÚNIOR, 1989 e 2002c. 41

48

ocupada

e

40,8%

da

produção,

confirmando

o

caráter

concentracionista

nas

grandes

propriedades42 . A expansão das áreas de cana refletiu-se nos índices de produtividade e criou um espectro de diferencialidade entre as regiões produtoras do estado de São Paulo, de modo particular. Na avaliação de Thomaz Júnior (1996, 2002c), a DIRA de Ribeirão Preto, por exemplo, apresenta maiores volumes de produção e área plantada, porém é a DIRA de Bauru que apresenta os maiores índices de produtividade. A expansão dos canaviais, que a princípio ocorrera pautada na fertilidade natural do solo, passou, então, a ocorrer em áreas favoráveis à mecanização da lavoura. Desse modo,

os

empresários

sucroalcooleiros

investiram

na

implantação

de

novas

unidades

agroindústrias em áreas não tradicionais na atividade canavieira (nos cerrados de Goiás e Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, e oeste de São Paulo). Segundo Thomaz Júnior (1996, p.78, 2002c, p. 87), a mobilidade territorial de empresas sucroalcooleiras, fez com que antigas áreas produtoras (do Rio de Janeiro, Nordeste e Zona da Mata Mineira, por exemplo) perdessem a hegemonia. Nesse cenário, os estados do Centro-Sul, especialmente São Paulo e Paraná se destacam, apresentando os maiores índices de produtividade, os quais revelam o diferencial tecnológico encadeado pelos investimentos em pesquisa de melhoramento genético e obtenção de novas variedades de cana-de-açúcar. A intensa transferência de renda do conjunto do capital social para o setor sucroalcooleiro, especialmente a partir da implantação do Proácool, potenciada por um conjunto de ações do Estado, foi capitalizada diferencialmente pelas empresas sucroalcooleiras

que, por

sua vez, possibilitou a reprodução ampliada e a concentração do capital sucroalcooleiro nas mãos de alguns Grupos/Famílias. Entre as décadas de 1970 e 1980, o setor esteve sob a intervenção direta do Estado através de um conjunto de organismos

que executavam sua política intervencionista. O

IAA, até 1975, atuava na definição de Planos Anuais de Safra, na fixação de cotas de produção e comercialização de açúcar e álcool e monopolizava as exportações de açúcar. A partir da implantação do Proálcool, além do IAA, um conjunto de outros organismos passaram a atuar na política intervencionista estatal, entre este podemos citar o Ministério da Indústria e Comércio, o Ministério da Fazenda, o Ministério das Minas e Energia, o Ministério da Agricultura e Reforma 42

THOMAZ JÚNIOR, op. Cit. p. 75, 84-85.

49

Agrária e a PETROBRÁS. Segundo Nascimento (2001, p. 44), estes organismos eram responsáveis, entre outras coisas, pela: •

fixação de preços a serem pagos pelo governo aos produtores de cana, açúcar e álcool;



fixação dos preços dos combustíveis pagos pelo governo aos postos de revenda por meio de subsídio representado pela paridade álcool/gasolina;



comercialização da produção de álcool em 9 meses;



manutenção de estoques estratégicos de álcool;



determinação de financiamentos para instalação de novas unidades produtoras ou reequipamento das já existentes e



financiamento de estoques de álcool. No final dos anos 1980, mais especificamente 1988, o Estado começa a dar

sinais de retirada, ou seja, um conjunto de ações efetivas sinalizavam o processo de desregulamentação e a minimização do papel do Estado junto ao setor. De acordo com Nascimento (2001, p. 45), estas ações se manifestaram através da: •

eliminação do sistema de fixação de cotas de comercialização de açúcar;



quebra do monopólio do governo nas exportações de açúcar;



eliminação do sistema de comercialização da produção de álcool em 9 meses e



eliminação dos estoques estratégicos de álcool.. Em 1990, o IAA, principal organismo de intervenção e regulação do setor

sucroalcooleiro,

é

extinto,

sendo

suas

atribuições

transferidas

para

a

Secretaria

de

Desenvolvimento Regional da Presidência. Nesse contexto, desencadeia-se o processo de desregulamentação do setor, o qual se concretizará somente no final dos anos 1990, mais precisamente em 1999, com a liberação dos preços da cana-de-açúcar, do açúcar e do álcool hidratado, através da Portaria no 275 /de outubro de1998.

1.4.1 – O processo de desregulamentação: as redefinições institucionais e a gestão da nova política para o setor sucroalcooleiro

Com a extinção do IAA, fragmenta-se a estrutura decisória destinada a elaborar e gerir as políticas para o setor sucroalcooleiro. A superação somente se efetiva com a criação do

50

CIMA - Conselho Interministerial do Álcool, composto por titulares de dez ministérios e Secretários Gerais. Com

a

criação

do

CIMA,

as

funções

atribuídas

à

Secretaria

de

Desenvolvimento Rural da Presidência, quando da extinção do IAA, foram transferidas para o DAA – Departamento do Açúcar e do Álcool que, por sua vez, também foi transferido do Ministério

da Indústria, Comércio e Turismo para o Ministério da Agricultura e do

Abastecimento. Mediante Decreto no 3159 de setembro de 1999, o Ministro desta pasta, passa a responder pela presidência do CIMA43 . Frente a este novo cenário institucional e as indefinições geradas com o processo de desregulamentação, o setor reage efetuando um conjunto de ações, visando seu fortalecimento e autoafirmação. Entre estas ações Nascimento destaca: •

a criação da UNICA – União da Agroindústria Canavieira de São Paulo; a formação da CEPAAL – Coligação das Entidades Produtoras de Açúcar e Álcool, a qual aglutina associações, cooperativas e sindicatos de açúcar e álcool de vários estados do Centro-Sul;



a criação da Brasil Álcool, visando gerar estoques reguladores de preços do álcool;



a formação da BBA – Bolsa Brasileira de Álcool S/A, em maio de 1999, a qual tinha por objetivo “organizar o mercado de álcool, ordenar a venda de álcool às distribuidoras, mantendo seu preço equilibrado tanto na safra quanto nos períodos de escassez da entressafra” Segundo o mesmo autor, a BBA foi composta por 170 agroindústrias sucroalcooleiras, as quais, foram responsáveis, em 1998, por 87% do álcool produzido no país;



a criação do COSECANA – Conselho de Produtores de Cana, Açúcar e de Álcool de São Paulo, o qual pretendia obter um maior controle sobre o relacionamento entre fornecedores de cana e produtores de açúcar e álcool. Este Conselho propôs um contrato que visando o respeito às peculiaridades de cada região e unidades produtoras; a normatização do sistema de avaliação da qualidade da cana-de-açúcar, no sentido de acabar com os confrontos entre as duas parte. Nesse novo sistema, os cálculos levam em consideração o índice de ATR – Açúcar Total Recuperável e não mais o pagamento da cana pelo teor de sacarose, criado pelo antigo IAA44 ;

43 44

Cf. NASCIMENTO, 2001. Para mais detalhes, ver: THOMAZ JÚNIOR, 2001.

51



a criação de grupos destinados a comercialização, dentre os quais destacamos, à título de exemplo, a Crystalsev, criada e controlada pelos grupos Biagi, Junqueira, Almeida Prado, Figueiredo Ferraz e Brito Santos Pereira. De acordo com Nascimento, estes “grupos de comercialização” caracterizam-se como uma espécie de “sindicato de negócio ou de minicartéis” (2001, p. 46-49). Como vemos, com a derrocada do antigo sistema de regulação e a diminuição

da intervenção do Estado no setor, no decorrer dos anos 1990, surgiram novas ações e medidas reguladoras que, de certa forma, concederam e ainda concedem privilégios ao setor. Os subsídios na comercialização do álcool nordestino, por exemplo, que tinham sido extintos desde 1991, ganharam novas regras para repasse em 1998, porém direcionados apenas para alguns estados desta região. Em agosto de 1998, foi criado uma nova modalidade de subsídios, através de financiamento do Banco do Brasil (US$ 400 milhões), destinado a estocagem de 1,3 bilhão de litros de álcool anidro e hidratado, visando com isso forçar uma alta de preços. Em maio de 1997, o Governo beneficiou os exportadores de açúcar ao zerar as alíquotas dos impostos sobre as exportações. Nesse contexto buscou-se ainda uma saída para as cobranças de IPI sobre o açúcar, cujas alíquotas diferenciavam-se de uma região para outra. Uma portaria45 lançada em novembro de 1997, fixou a alíquota para todas as regiões em 12%, porém, em fevereiro de 1998 foi baixado um decreto46 , fazendo valer o antigo sistema de cobrança de alíquotas diferenciadas. Esse vai e vem não agradou os produtores do Centro-Sul que até hoje batalham na justiça. (Estas ações foram destacadas somente à título de exemplo, visto que não pretendemos por ora, nos alongar nesta discussão).

45 46

Portaria n.1602/97. Decreto n. 2501/98.

52

A economia brasileira, que durante os anos 1980, já havia resistido ao processo de transição de um regime autoritário para um regime democrático, que passara por um crítico período de recessão e de inflação alta, nos anos 1990, sofre mudanças profundas frente ao processo de globalização da economia e do avanço da política neoliberal. Tais mudanças se expressam na abertura de nossa economia aos capitais externos e no processo de privatização das empresas estatais, desencadeado a partir do Governo Collor. O setor sucroalcooleiro não saiu ileso a essas mudanças, um exemplo disso é o processo de desregulamentação. É interessante ressaltar que, nesse contexto, várias empresas do setor sucroalcooleiro encontravam-se endividadas. Segundo Nascimento (2001), em 1996, a dívida junto ao banco do Brasil era de US$ 5 bilhões, equivalente, naquele período, a R$ 4,8 bilhões de reais. Deste montante, R$ 2,3 bilhões foram renegociados e, R$ 2,5 estão sendo executados em juízo. Das 340 empresas existentes no país, 215 devem ao Banco do Brasil. Considerando o montante renegociado, apenas 17% das empresas regularizaram a situação, as 83% restantes continuam inadimplentes em relação a esta dívida. Cabe ressaltarmos ainda, que as políticas intervencionistas adotadas pelo Estado durante o período de vigência do Proálcool, bem como a posterior redução da interferência do mesmo na economia brasileira e, de modo particular no setor sucroalcooleiro, repercutiu de forma diferenciada no conjunto das empresas e grupos econômicos. As mudanças ocorridas durante os anos 1980 e 1990 influenciaram, de certa forma, o aumento da concentração da renda e da terra e o intenso movimento de capitais, perpassando pelo fechamento e/ou falência de empresas ou grupos econômicos e pelo movimento geral de fusões e aquisições que, consequentemente, conduziu à intensificação do processo de concentração de capital, no âmbito do setor sucroalcooleiro.

1.4.2 – O processo de concentração do capital sucroalcooleiro via fusões e/ou aquisições de empresas

Hoje, apesar da desregulamentação do setor, o Estado ainda continua intervindo, ao manter e/ou criar políticas de sustentação de preços e da produção. No entanto, ao desmontar-se

o

antigo

sistema

regulador

das

atividades

sucroalcooleiras,

abriu-se novas

53

possibilidades deste setor se fortalecer na atividade agroindustrial e, até mesmo diversificar seus investimentos em outros setores da economia brasileira. Segundo Nascimento (2001), o processo de desregulamentação conduziu a criação de um sistema institucional, que se caracteriza através da combinação entre regulação estatal e mecanismos flexíveis de mercado, permitindo a reorganização do sistema produtivo. Se antes o setor sucroalcooleiro organizava-se à sombra do Estado, hoje ele se organiza sem a presença do mesmo, porém com o seu aval. Para compreendermos melhor este novo cenário, Nascimento (2001, p. 52), nos lembra “da formação de estoques de álcool pelos produtores do setor sucroalcooleiro em leilões públicos para aquisição de álcool hidratado”, da “privatização de terminais portuários controlados por Grupos ligados ao setor sucroalcooleiro” (a exemplo do grupo Cosan e Nova América, os quais adquiriram terminais no Porto de Santos), bem como “dos acordos que vêm sendo criados entre os produtores brasileiros e os grandes grupos internacionais ligados à comercialização do açúcar” (é o caso novamente do Grupo Cosan e também da Coinbra). A isto soma-se a política de incentivos à exportação, que, conforme destacamos anteriormente, zerou a alíquota de exportação do açúcar. O setor sucroalcooleiro, que até recentemente constituía-se uma exceção entre os demais setores (agroindustriais ou não) da economia nacional, por manter-se sem a participação de capitais externos, nos últimos anos vem absorvendo uma intensa penetração de capital internacional, não somente no âmbito da produção de açúcar e de álcool, mas também em outros segmentos. Apesar do montante da dívida de empresas e grupos econômicos do setor junto ao Banco do Brasil, a indubitável capacidade de defesa dos interesses econômicos, por parte dos estratos de maior poder político e econômico do setor, que acaba conseguindo transferir recursos originários do capital social, dos cofres públicos para os cofres privados, bem como a inegável capacidade de buscar novos empreendimentos, tem contribuído para aumentar a produtividade do processo produtivo e também para garantir novas formas de acumulação e concentração de capital nas mãos de um contingente seleto de grupos econômicos e empresas sucroalcooleiras. Segundo Pasin & Neves (2001) 47 , na década de 1990 foram realizadas 2.308 transações de F&A (Fusões e Aquisições) no Brasil, sendo que 61% destas transações 47

Site: www.canaweb.com.br/conteudo/seçaotecnica, 2001.

54

envolveram capital estrangeiro. O setor de alimentos liderou o ranking com 269 negócios, dos quais 57% tinham presença de capital externo. As fusões e aquisições constituem uma alternativa para a adequação do porte e da estrutura organizacional das empresas às condições do mercado e à conjuntura econômica mundial. Essas transações de F&A, embora dependam das estratégias das corporações, são conduzidas em grande parte por dinâmicas setoriais específicas que conduzem à concentração de capital e/ou a novos arranjos empresariais (RODRIGUES apud PASIN & NEVES, 2001). Acreditamos

que

no

setor

sucroalcooleiro

as

fusões

e

aquisições

não

fugiram

desse

direcionamento. A desregulamentação do setor e a adoção de novas ações e medidas econômicas e institucionais, como já afirmamos anteriormente, fortaleceu o segmento do setor que representa o poder de decisão e articulação, é o caso de determinados grupos que agregaram várias unidades produtoras, passando a ser os detentores do capital das mesmas. De 1997 a 2001, ocorreram 24 processos de F&A no setor sucroalcooleiro, todos da região Centro-Sul. A pesquisa de Pasin & Neves (2001), destaca que uma das primeiras transações desse período foi a da Usina Santa Elisa com a São Geraldo, ambas de Sertãozinho. A Usina Santa Elisa, que mudou sua razão social no início dos anos 1990 para Cia. Energética Santa Elisa48 é a empresa líder do Grupo Maurílio Biagi. Nessa transação que envolveu a Santa Elisa e a São Geraldo houve a participação também do Bradesco e da família Junqueira. A participação desse banco na transação se deu em função de um passivo financeiro, ou seja, o Bradesco assumiu parte das ações do grupo que tinha dívidas financeiras com esta instituição. Além disso, o Bradesco tinha interesse em se associar ao setor de geração e distribuição de energia elétrica, uma vez que já tinha participação acionária na VBC, (empresa detentora da CPFL, em processo de privatização no setor elétrico) juntamente com os Grupos Votorantim e Camargo Corrêa. A associação de capitais do Grupo Maurílio Biagi não é recente, desde os anos 1950 que o mesmo vem adquirindo e incorporando outras usinas. Segundo Nascimento (2001), as usinas Santa Bárbara e Santa Lúcia foram as primeiras. Durante o Proálcool, o Grupo criou a Usina Moema, com participação acionária das famílias Junqueira e Santos Pereira. Tem ainda como coligadas as empresas AGROTUR - Agropecuária do Rio Turvo Ltda e a Usina MB, com 48

A empresa mudou a razão social, em virtude de já não se constituir uma simples unidade produtora, mas sim uma companhia que atua em diversos segmentos, especialmente na geração/comercialização de energia elétrica a partir do bagaço de cana.

55

participação acionária das famílias Junqueira e Almeida Prado. Na área agrícola, tem ainda a empresa coligada Beabisa Agricultura Ltda e mais duas empresas ligadas à comercialização, a Beatriz Biagi Becker e a ELBEL Comércio e Participações. A Usina Vale do Rosário, criada em 1964, a partir de 1989, passou a contar também com a participação dos grupos Junqueira Franco, Diniz Junqueira e Brito Soares, os quais têm participação em outras empresas e também na Crystalsev 49 . No período do Proálcool, foram criadas ainda a Destilaria Cachoeira S/A, a Destilaria Brasilândia S/A, a CEVASA – Central Energética Vale do Sapucaí Ltda (com participação de capital iraniano, grupo Balli) e a Usina Batatais. Entre estas e outras, o Grupo Maurílio Biagi controla várias empresas ligadas a agropecuária, fabricação de equipamentos, comércio de bebidas e transportes, das quais, à título de exemplo, citamos a CARPA – Agropecuária Rio das Antas S/A, a Prata S/A Reflorestamento, a Zanini S/A Equipamentos Pesados, a Renk Zanini S/A Equipamentos Industriais, a Sorocaba Refrescos Ltda e a TRANSRIBE – Transporte Ribeirão S/A, etc. As relações administrativas e de capital do Grupo Maurílio Biagi se estende entre os diversos ramos da família Junqueira, representados pelos Junqueira Franco, Junqueira Diniz, Junqueira Almeida Prado, além das famílias Figueiredo Ferraz e Brito Soares. Um aspecto que não devemos nos esquecer é que o nível de endividamento de empresas e grupos deste setor é alto, muitos dos quais considerados tecnicamente em falência, porém, como afirma Nascimento, os maiores volumes dessas dívidas são correspondentes à créditos, referentes a operações de capital de giro e investimentos, efetuadas junto ao Banco do Brasil e ao BNDES, respectivamente. Dado o poder político de pressão desses grupos, os mesmos conseguem, diferentemente de outros setores da economia, continuarem suas operações. Nascimento (2001) alega ainda que entre os grupos endividados, aqueles com interesses concentrados dentro do setor, apresentam situações mais críticas. Tem grupos que já apresentam dívidas equivalentes a quase 100% do patrimônio líquido. Em 2000, o Grupo Cosan apresentava uma relação dívida/patrimônio líquido entre 50% e 75%. No entanto, o Grupo, que já controlava as Usinas Costa Pinto, São Francisco

49

Segundo Nascimento (2001), a criação da Crystalsev partiu do descontentamento de alguns segmentos do setor com relação a Copersucar. Voltada para a comercialização conjunta da produção de várias usinas, a Crystalsev foi criada com a associação dos grupos Maurílio Biagi, Junqueira Franco, Figueiredo Ferraz, Almeida Prado, Brito Santos Soares, entre outros.

56

(Elias Fausto) e Santa Helena, tem se destacado como um dos mais ativos na aquisição de empresas com participação isolada em três processos (Usina Rafard, da Açucareira da Serra e Usina Diamante), e em parceria com a Union DAS - Union dês Sucreries e Destilleries Agricole50 e Sucden - Sucres e Denrees, através da joint venture FDA – Franco Brasileira Açúcar e Álcool em outros três processos (Ipaussu, Univalem e Usina Santo Antonio)51 , sendo responsável por um dos maiores movimentos de capital da década de 199052 . Com base em pesquisa de Eid (1994), Nascimento (2001), ressalta que os maiores grupos agroindustrias do setor no Brasil, localizados no estado de São Paulo, constituemse de empresas pertencentes às famílias Ometto. Considerando a escala de um a cinco, o primeiro conjunto de empresas pertence à família Pedro Ometto, o segundo à família Luiz e João Ometto e o quinto à família Hermínio Ometto. O terceiro e o quarto conjunto de empresas pertencem, respectivamente às famílias Zillo Lorenzetti e Biagi, conforme mostra o Quadro 1. Quadro 1 – Os maiores Grupos/Famílias do setor sucroalcooleiro – Safra 1991/1992 1o Grupo Pedro

2o Grupo Luiz e

3o Grupo Zillo

4o Grupo

5o Grupo

Ometto

João Ometto

Lorenzetti

Maurílio

Hermínio

Biagi

Ometto

Usina da Barra Usina S/A Usina

Martinho S/A Costa Iracema-

Pinto (Cosan) Usina Bárbara

São Usina Grande Cia. Lençóis S/A

Industrial

Ometto

Santa Usina

de Elisa

S/A

Destilaria

Cia Industrial e Agrícola

S/A(J. Pessoa)

Pavan São José Açúcar Destilaria Cruz

de Zillo Lorenzetti

Álcool

Américo

Ltda

Brasiliense)

Destilaria

Santa

Terezinha S/A

e Açucareira Quatá Brasilândia

Santa Agrícola Ometto

(Santa

Barra Usina

São

João (Araras)

de MB

Moema Ltda Fonte: EID, Farid, apud NASCIMENTO, 2001. 50

A Union SDA, foi criada em 1869 e tornou-se cooperativa em 1928. Atua no momento, com 4.800 cooperados, entre produtores de beterraba e cereais na região de Picardie ao norte de Paris e Beuace ao sul. A mesma opera quatro unidades produtoras de açúcar e álcool na França e em 2001 teve um faturamento de 875 milhões de euros. 51 Nessa associação o Grupo Cosan tem participação acionária de 47,5%, assim como a Union SDA,. sendo os 5% restantes detidos pela Sucden. 52 PASIN & NEVES, 2001 (Site: www.canaweb.com.br/conteudo/seçaotecnica).

57

No Quadro 2, podemos verificar a ocorrência de várias transações efetuadas por grupos ou empresas do setor no Brasil e, de modo particular em São Paulo, no período de 1997 a 2001, as quais contribuíram para intensificar o processo de concentração de capital. Cabe destacar que neste quadro não comparece, por exemplo, todas as transações efetuadas pelo Grupo Cosan, o qual comanda hoje, as empresas Costa Pinto (Piracicaba), Ipaussu (Ipaussu), Diamante (Jaú), Da Serra (Ibaté), Santa Helena (Rio das Pedras), São Francisco (Elias Fausto), Rafard (Rafard), Univalem (Valparaíso) e Gasa (Andradina). Além destas, o Grupo incorporou recentemente a Usina Da Barra (Barra Bonita), conforme discutiremos na seqüência. Em 2002, o Grupo Cosan, realizou três outras importantes transações. Comprou os 50% restantes da Usina Gasa e arrendou a Usina Sinhá Junqueira, de Igarapava, mas o principal negócio foi o aumento da participação acionária da Usina Da Barra. O Grupo já tinha 21% das ações da empresa, agora passa a ser o acionista majoritário. Com esta transação o Grupo ficou também com a Usina Santa Adelaide, antes controlada pela empresa Da Barra. A compra da Usina Da Barra, permitirá ao Grupo ter forte participação no mercado interno, de açúcar líquido e refinado, e aumentar seu percentual na produção total do estado de São Paulo e do Centro-Sul. O Grupo está se preparando ainda para obter participação na empresa francesa Béghin-Say, uma das maiores empresas de açúcar do mundo, adquirida pela Union SDA, numa operação que envolveu cerca de 500 milhões de euros53. Em 2002, o Grupo Cosan, realizou três outras importantes transações. Comprou os 50% restantes da Usina Gasa e arrendou a Usina Sinhá Junqueira, de Igarapava, mas o principal negócio foi o aumento da participação acionária da Usina Da Barra. O Grupo já tinha 21% das ações da empresa, agora passa a ser o acionista majoritário. Com esta transação o Grupo ficou também com a Usina Santa Adelaide, antes controlada pela empresa Da Barra. A compra da Usina Da Barra, permitirá ao Grupo ter forte participação no mercado interno, de açúcar líquido e refinado, e aumentar seu percentual na produção total do estado de São Paulo e do Centro-Sul. O Grupo está se preparando ainda para obter participação na empresa francesa Béghin-Say, uma das maiores empresas de açúcar do mundo, adquirida pela Union SDA, numa operação que envolveu cerca de 500 milhões de euros54.

53 54

MAGALHÃES, M. site: www.canaweb.com.br/noticia 06/01/2003. MAGALHÃES, M. site: www.canaweb.com.br/noticia 06/01/2003.

58

Quadro 2 – Fusões e aquisições efetuadas no setor entre 1997 e 2001 Empresas adquiridas

Estado

Data

Adquirente

-

São Geraldo

SP

out/98

Santa Elisa

-

São Alexandre

SP

1997

Ipiranga

-

Usina Adelaide

SP

jun/98

Usina Da Barra

-

Usina Iracema

SP

1999

Usina São Martinho

-

Usina Rafard

SP

2000

Cosan

-

Usina Santa Rosa

SP

2000

Usina da Pedra

-

Usina Benalco

SP

abr/00

Gr. José Pessoa

-

Usina Delta

MG

mai/00

Gr. Carlos Lyra

-

Usina Cresciumal

SP

set/00

Coinbra/Dreyfus

-

Usina Luciânia

MG

-

Coinbra/Dreyfus

-

Destilaria Vale do

SP

dez/00

Silveira Barros

Rio Turvo -

Alcovale

MS

jan/01

Unialco

-

Usina Portobello

SC

jan/01

Glencore Intl AG

-

Usina da Serra

SP

jan/01

Cosan

-

Usina Diamante

SP

jan/01

Cosan

-

Usina Alcomira

SP

fev/01

Márcio Pavan

-

Univalem

SP

abr/01

Cosan/FDA Fr. Bras.

-

Destilaria

SP

mai/01

Gr. Petribu

SP

jun/01

Eridania Beghin Say

SP

-

Água

Limpa -

Usina Guarani

-

Usina

São

José

Gr. Anicuns

(Rio das Pedras) Fonte: PASIN & NEVES apud NASCIMENTO, 2001.

Com a compra da Béghin-Say, a participação da Union SDA na produção de açúcar na França, passa a ser de 40%. No Brasil, sua posição é estratégica, visto que sua maior pretensão é atuar no mercado de álcool. A associação dos dois Grupos (Union SDA e Cosan) é interessante para os dois lados. Para o primeiro, a inserção num país competitivo, com uma

59

produção que apresenta os mais baixos custos do mundo e, cuja participação vem crescendo no mercado mundial. Para o segundo, a vantagem de se associar a uma das maiores multinacionais do ramo e fortalecer-se no mercado interno e externo. O presidente do Grupo Cosan, defende a concentração de capitais: “O setor no Brasil tem de se concentrar mesmo, ser menos pulverizado”55 . Para isso, o mesmo está adotando a política de abertura aos capitais internacionais e reduzindo o controle administrativo das empresas do Grupo por parte de familiares56 . O Grupo Cosan lidera o ranking da produção de cana no Centro-Sul, com 16.972 milhões de toneladas de cana na safra 2002/2003, um volume 14,2% maior que o da safra anterior, que foi de 14.861 milhões. Com a aquisição da Usina Da Barra, a primeira no ranking da produção de cana no Brasil, com 5.821.092 milhões de toneladas na safra 2001/2002, o Grupo estima aumentar a produção na próxima safra para cerca de 29 milhões de toneladas. Segundo Pasin & Neves (2001), com a aquisição de 6 empresas de 1997 a 2001, o Grupo Cosan firmou-se como um dos maiores produtores mundiais de açúcar e álcool, com um faturamento estimado em US$ 600 milhões por ano. Estas aquisições fortaleceram ainda mais o Grupo, sobretudo por conta da formação da joint venture FDA – Franco Brasileira Açúcar e Álcool, tornando-se uma concorrente potencial nas aquisições de empresas. Nesse processo de concentração de capitais, via fusões e aquisições de empresas e associações com capitais internacionais surgem também algumas tradings (empresas voltadas para a comercialização que, tradicionalmente, atuam no setor em todos os segmentos da distribuição, como negociação, transporte, financiamento, seguro, etc,.), as quais passam a competir com empresas especializadas em atividades específicas. A Coinbra Comércio e Indústria Brasileira é uma dessas tradings. A mesma é controlada pelo Grupo francês Louis Dreyfus que atua em mais de cinqüenta países e possui presença marcante na comercialização de commdities agrícolas e energéticas, além de ser uma das maiores processadoras mundiais de soja e laranja. A participação do Grupo no capital sucroalcooleiro, no Brasil, está relacionada à aquisição da Usina Cresciumal, em 2000, fato que abriu precedente para que outros grupos e/ou empresas estrangeiras se associassem ao capital sucroalcooleiro, como foi o caso da Union SDA e da Sucden. 55

Fala de Rubens Ometto Silveira Mello, divulgada por MAGALHÃES, M. no site: www.canaweb.com.br/noticia, em 03/07/2002. 56 Para mais detalhes, ver: NASCIMENTO, 2001.

60

Verifica-se que nesse processo de aquisições e fusões o capital sofre um espalhamento, do ponto de vista territorial e uma concentração, do ponto de vista do controle. Isto ocorre à medida que um mesmo grupo passa a controlar várias empresas em diversas partes de um mesmo território, é o caso, por exemplo, do Grupo Cosan que tem o controle acionário de 10 empresas localizadas em diversas regiões do estado. Para o Diretor de Produção da Companhia Albertina,57 a tendência à concentração de empresas e de capitais é crescente, pois o setor tem uma atividade que demanda uma escala de produção grande. Unidades produtoras com capacidade de produção inferior a 1 milhão de toneladas, tornam-se inviáveis. Neste patamar de produção elas já estão no limite, abaixo do qual elas não têm alavancagem suficiente para manter a atividade, investir em novas tecnologias e crescer. Desse modo, a tendência é essas pequenas empresas se juntarem às grandes. Em sua fala, o Diretor de Produção ressalta que trabalhou no Grupo Cosan durante nove anos e conhece bem o “estilo concentrador” do mesmo. O fato de ser um grupo exportador, com um grande terminal no Porto de Santos, necessita também de uma grande produção de açúcar para viabilizar seus negócios. Através desse terminal ele não só exporta seu próprio açúcar, como presta serviços a outros grupos ou empresas. Então, para explorar toda a cadeia produtiva, desde o campo até a exportação o grupo precisou se juntar ao capital internacional, especialmente às empresas francesas. Essas companhias francesas atuam não somente na produção de açúcar e álcool, mas em toda a cadeia produtiva. Funcionam num sistema de grandes cooperativas com importantes redes de industrialização e distribuição, movimentando, portanto, uma quantidade de negócios muito grande, que vai além da simples produção de beterraba e de açúcar. Além disso tem o fato do açúcar ser altamente subsidiado na Europa e, uma vez associados a grupos brasileiros essas companhias terão condições de abastecer os mercados abertos na Europa, ou mesmo nos Estados Unidos. De acordo com o Diretor de Produção da Cia. Albertina, permanecerá as empresas ou grupos com suporte financeiro suficiente para permitir que o custo fixo seja reduzido ao ponto do açúcar e do álcool se manterem competitivos no mercado.

57

Durante entrevista realizada em 23/07/2002.

61

A concentração de terras e capitais, associada ao histórico poder político desses grupos econômicos, poderá, inclusive se tornar um importante fator de difusão do processo de mecanização do corte de cana, em detrimento dos fornecedores, cuja participação na produção do estado de São Paulo encontra-se na faixa dos 30%. A escala de produção de cana-de-açúcar em áreas contíguas, sob o domínio das usinas, próprias ou arrendadas, tende a facilitar a difusão do uso da máquina colheitadeira e, também obter uma maior remuneração do investimento feito nas mesmas. Ao contrário do que ocorreu na Austrália, por exemplo. Lá a velocidade com que as máquinas foram adotadas no corte de cana esteve ligada a uma preliminar mudança organizacional que conduziu a associação dos pequenos fornecedores em cooperativas 58 . O Diretor de Produção da Cia. Albertina deu a entender durante entrevista, que essa mudança organizacional possa um dia acontecer aqui também, pois, segundo ele, a mentalidade cooperativa das companhias francesas poderá, com o tempo, influenciar o setor sucroalcooleiro aqui no Brasil e, torná-lo “um pouquinho menos concentrador de renda na área agrícola”. O fortalecimento de determinados grupos ou empresas do Centro-Sul e, até mesmo do Nordeste, tem despertado interesse, inclusive pela aquisição de terras em outras regiões do país. É o que está acontecendo, por exemplo, na região Centro-Oeste. Com terras mais baratas, importante rede de transporte ferroviário e com potencial de expansão, essa importante fronteira agrícola está atraindo empresários do setor 59 . Mediante o que foi exposto nessa parte de nosso trabalho, conclui-se que, apesar das mudanças ocorridas durante os anos 1990, fossem elas de estrutura de produção, institucionais ou de mercado e, da “crise” anunciada pelos empresários sucroalcooleiros, o fato é que houve um crescimento expressivo desse setor em relação aos demais setores da economia brasileira, visto que um conjunto de empresas ou grupos acabaram se fortalecendo e garantindo suas bases de acumulação e reprodução ampliada do capital. As empresas ou grupos que se mantém firmes frente ao novo contexto institucional e econômico, têm buscado novas alternativas para adequar-se às mudanças, adotando,

inclusive

um

novo

posicionamento

frente

ao mercado. Consequentemente, os

desdobramentos disso tudo se faz sentir no âmbito do trabalho. É o que veremos a seguir. 58

Pra mais detalhes, ver: VEIGA FILHO, A. 1998. Estas informações foram divulgadas por MAGALHÃES, M. site: www.canaweb.com.br/noticia, 24/01/2003, mas não deixam claro quais os grupos que estariam interessados em novas áreas nesta região. 59

62

CAPÍTULO II O CONFLITO CAPITAL -TRABALHO NA AGROINDÚSTRIA SUCROALCOOLEIRA PAULISTA

No processo de alienação, o capital degrada o sujeito real da reprodução social, o trabalho, à condição de uma subjetividade reificada, subvertendo, deste modo, tanto na teoria como na prática social palpável, a verdadeira relação entre sujeito e objeto. ( MÉSZÁROS, István, )

2.1 – A contradição Capital – Trabalho e a relação Homem - Natureza

No princípio da humanidade, havia uma unicidade orgânica entre o homem e a natureza, onde o ritmo de trabalho e da vida dos homens associava-se ao ritmo da natureza. No contexto do modo de produção capitalista, este vínculo é rompido, pois a natureza, antes um meio de subsistência do homem, passa a integrar o conjunto dos meios de produção do qual o capital se beneficia. Através do desenvolvimento e da integração dos órgãos da linguagem, do cérebro dos indivíduos e destes em sociedade, os homens foram se tornando capazes de realizar trabalhos cada vez mais complicados, fixando e alcançando objetivos cada vez mais elevados. Desse modo, o próprio trabalho foi se diferenciando de uma geração para outra, tornando-se mais complexo. A agricultura seguiu e substituiu, em parte, a caça e a criação de gado. Vieram as tecelagens, os utensílios de metais, as olarias, as grandes navegações. Surgiram o comércio e a indústria e, em meio a estas as ciências e as artes. As antigas tribos foram transformadas em Estados-nações. Enfim, uma série de transformações e acontecimentos históricos criados pela humanidade e que têm refletido sobre o próprio modo de pensar, de produzir e de agir da sociedade até os dias atuais. Segundo Engels (1979), os animais, assim como o homem, modificam a natureza através de suas atividades, embora num grau muito inferior ao do homem. Essas

63

transformações atuam sobre os elementos causais modificando-os. Isso acontece porque na natureza, nada ocorre de forma isolada. Os seres atuam uns sobre os outros. Os elementos interagem uns com os outros. Porém a interferência que os animais exercem sobre o ambiente ocorrem por acaso, independente de sua vontade. Ao passo que o homem, quanto mais se afasta da “animalidade”, mais sua influência sobre o ambiente adquire o caráter de uma ação premeditada, dirigida no sentido de alcançar objetivos já determinados. O mesmo alega ainda que o animal apenas se utiliza da natureza, nela produzindo modificações em função somente de sua presença, ao passo que:

o homem a submete, pondo-a a serviço de seus fins determinados, imprimindo-lhe modificações que julga necessárias, isto é, domina a Natureza. E esta é a diferença essencial e decisiva entre o homem e os demais animais; e, por outro lado, é o trabalho que determina essa diferença ( ENGELS, 1979, p.223).

No processo de apropriação e de transformação dos recursos pelo homem, através do trabalho, ocorre o processo de socialização da natureza. O trabalho torna-se, então, o mediador universal na relação do homem com a natureza.

“[...] O trabalho é, num primeiro

momento, um processo entre a natureza e o homem, processo em que este realiza, regula e controla por meio da ação, um intercâmbio de materiais com a natureza” (MARX, 1967, p.188). Marx adotou o conceito de metabolismo ou interação metabólica, para possibilitar a compreensão de que há uma mediatização da sociedade com a natureza, e que a força motivadora dessa interação é o processo de trabalho, pois, tanto o sujeito – o trabalhador, como o objeto – a matéria-prima a ser transformada –, são fornecidos pela natureza ao trabalho. Do ponto de vista geográfico, apreendemos o trabalho

como a “expressão de

uma relação metabólica entre o ser social e a natureza, sendo que nesse seu ir sendo ou em seu vir a ser há uma intenção ontológica associada ao processo de humanização do homem (THOMAZ JÚNIOR, 2002a, p.4). As mediações que se realizam para assegurar os meios de vida entre sociedade e natureza, se dão a partir do trabalho. Partindo desse pressuposto, a separação do homem de suas condições naturais de existência não é “natural”, mas histórica, tendo em vista que a prática humana encontra-se vinculada a sua história.

64

Para Marx, a natureza e suas leis subsistem independentemente de consciência e desejos humanos e, tais leis só podem ser formuladas com a ajuda de categorias sociais. A natureza é dialética e esta dialética se dá em função da interação do homem com a natureza:

A natureza se torna dialética produzindo os homens, tanto como sujeitos transformadores que agem conscientemente em confronto com a própria natureza, quanto como forças da natureza. O homem constitui-se no elo de ligação entre o instrumento do trabalho e o objeto do trabalho. A natureza é o Sujeito-Objeto do trabalho. Sua dialética consiste nisto: que os homens modificam sua própria natureza à medida em que eles progressivamente eliminam a natureza exterior de seu e de sua exterioridade, à medida em que mediatizam a natureza através de si próprios e à medida em que fazem a própria natureza trabalhar para seus próprios objetivos (SCHMIDT apud SMITH, 1988, p. 52).

Para Casseti (1991), as transformações sofridas pela natureza, através do emprego das técnicas no processo produtivo, são um fenômeno social, representado pelo trabalho, e as relações de produção mudam conforme as leis, as quais implicam a formação econômico-social e, por conseguinte, as relações entre a sociedade e a natureza. A sociedade na qual vivemos, está consubstanciada numa dinâmica complexa e contraditória, e possui uma organização interna representada por um conjunto de mediações e relações fundamentadas no trabalho. Sob o capitalismo, o qual se identifica com a reprodução ampliada do capital e que necessita da produção de mercadorias como veículo de produção da mais-valia para possibilitar a sua expansão, a relação homem-meio apresenta-se como contradição capital-trabalho, pois se pensarmos do ponto de vista abstrato, os homens se relacionam com a natureza para a transformar em produtos. Se pensarmos do ponto de vista real, o trabalho é um processo de produção/reprodução de mercadorias. No capitalismo, portanto, o acesso aos recursos existentes na natureza passam por relações mercantis, visto que sua apropriação pelo capital implica a eliminação de sua “gratuidade natural”. Portanto, a incorporação da natureza e do próprio homem ao circuito produtivo é a base para que o capital se expanda.

65

Segundo Mondolfo (1967), a história da sociedade é uma história de luta de classes, visto que é contínuo o conflito das forças dinâmicas contra a estática das formas e das relações constituídas. Tratam-se portanto, de forças de produção e relações de propriedade, visto que entre as necessidades que movem as atividades humanas, há uma mais geral, forte e estimuladora que as outras: o interesse econômico. No processo de acumulação do capital, o trabalhador tem sido despojado do conjunto dos meios materiais de reprodução de sua existência e forçado a transformar sua força de trabalho em mercadoria, a serviço do próprio capital, em troca de um salário. O capital separa os homens da natureza, em seu processo de produção/reprodução e impõe que o ritmo do homem não seja mais o ritmo da natureza, mas o ritmo do próprio capital. Pois, “o capital é elemento necessário ao processo de trabalho humano em geral, abstração feita de toda sua forma histórica; o capital é algo eterno e condicionado pela natureza do trabalho humano[...]” (MARX, 1978, p.12-13). Na relação antagônica capital x trabalho o capital nutre-se da exploração do trabalho do homem. Nesta relação, como o homem realiza o trabalho capitalizado, ao entrar em contradição com o capital, ele entra em contradição com a própria natureza. Quando o capital busca cada vez mais a produtividade do trabalho e, assim, a elevação da taxa de exploração do trabalho e da natureza, ele amplia a base de alienação do trabalho e da própria natureza, gerando uma dicotomia entre sociedade e natureza. Nesse particular, Moreira ressalta que,

A alienação do trabalho reproduz-se a todas as instâncias da sociedade capitalista: aliena-se o homem da natureza, dos produtos, do saber, do poder e dos próprios homens. Se o poder sobre os homens nas ‘sociedades naturais’ passa pelo controle da terra, sob o capital o poder passa pela alienação do trabalho (1985, p.78).

A perda da identidade orgânica do homem com a natureza, se dá a partir do capital, que gera a contradição e que, na contradição, gera a perda da identificação do homem com a natureza e, consequentemente, a degradação ambiental. O processo social de produção, cuja referência está na produção de valores de uso, submete a força de trabalho e os meios de produção aos seus desígnios, impulsionando a

66

utilização irracional dos recursos naturais, o desperdício de matérias-primas, de energia e de trabalho, provocando assim, a destruição da natureza e a conseqüente “crise ecológica”. Para Bihr, a “crise ecológica”, constitui-se “num dos aspectos desse ‘mundo às avessas’ que a alienação mercantil e capitalista do ato social de trabalho institui” (1998, p.129). Desse modo, o processo de constituição da classe proletária, que se dá a partir da separação das condições objetivas de produção, ou seja, dos meios de produção (especialmente da terra e, através dela a natureza) e de sua inserção no trabalho fabril, explica, em primeira instância, a subordinação do proletariado à lógica capitalista de exploração da natureza. Essa separação, pressupõe a perda do domínio sobre as técnicas agrícolas e a compreensão dos processos naturais por parte do proletariado, distanciando-o assim da natureza. Na atividade produtiva, própria do capitalismo, prevalece a fragmentação e a atomização do trabalhador, reificando (coisificando) o homem e suas relações. Dessa forma, ela não realiza adequadamente a interação do homem com a natureza 60 . O proletariado, despossuído dos meios de produção, só realiza a sua subjetividade na medida em que aliena sua capacidade de trabalho a quem detém as condições objetivas, ou seja, ao capitalista61 . No modo de produção capitalista, o trabalhador é reduzido a uma mercadoria, à medida que vende sua força de trabalho para o capitalista em troca de um salário. Assim, o trabalho “que deveria ser a forma humana de realização do indivíduo reduz-se à única possibilidade de subsistência do despossuído” (ANTUNES, 1997, p.124). Para Marx (1978), o capitalista exerce sobre o operário, o domínio da “coisa” sobre o “homem”, do trabalho morto sobre o trabalho vivo, do produto sobre o produtor, haja vista as mercadorias, que se convertem em meios de dominação sobre os operários, não serem senão meros resultados do processo de produção.

60 61

Para mais detalhes, ver: ANTUNES, 1997. Cf.GONÇALVES, (1984, p.34).

67

A dimensão abstrata que o trabalho adquire, conduz ao mascaramento da sua dimensão concreta (de trabalho socialmente necessário) e, consequentemente, à fetichização da mercadoria, encobrindo assim, “as dimensões sociais do próprio trabalho, mostrando-as como inerentes aos produtos do trabalho” (ANTUNES, 1997, p.127). Segundo Thomaz Júnior,

O procedimento do cientificismo fetichizou os riscos a que a sociedade foi submetida, tendo em vista que o desenvolvimento incomensurado das ciências e das técnicas põe em xeque o futuro da humanidade, socializando de forma profunda e ampla todas as mazelas do produtivismo, conclamando a todos à preservação da natureza, todavia virando as costas para o chamamento lançado pelos movimento ecológicos e alguns partidos políticos comprometidos que se vinculam à tese da insubordinação da práxis social à lógica da reprodução do capital. (1999, p.5)

Nesse sentido, a luta de classe do proletariado (e demais segmentos da sociedade) deveria suscitar uma reformulação profunda da sociedade, colocando em xeque a estrutura organizacional da sociedade capitalista, no sentido de ampliar a “luta anticapitalista”. Mas, para que esta luta ganhe uma dimensão ecológica, se faz necessário uma “verdadeira revolução cultural no movimento operário”62, dada a indiferença do trabalhador com o trabalho que exerce. Já a tecnologia não é indiferente aos propósitos de sua criação, ou seja, ela está à serviço do capital e, portanto, voltada para a produção de mais-valia. Assim, quanto mais aumenta a capacidade de extração de sobretrabalho, maior é a quantidade de recursos naturais explorados, de matéria-prima transformada. A crise ecológica, ou ambiental evidenciada através de dois elementos característicos

da

sociedade

contemporânea:

tecnologia

e

crescimento,

nos

incita

ao

questionamento de um estilo de desenvolvimento internacionalizado, que revela-se enquanto modelo de desenvolvimento ambientalmente predatório e socialmente injusto, manifestado, 62

BIHR, A., 1999 e THOMAZ JÚNIOR, 2000, 2002, partilham dessa discussão.

68

principalmente nos processos de exploração desenfreada dos recursos naturais, de urbanização e de modernização da agricultura, conforme se verá a seguir.

2.2 - O processo de modernização da agricultura no Brasil, com destaque para a agroindústria sucroalcooleira paulista

Não pretendemos aqui efetuar um tratado da questão agrária no Brasil desde seus primórdios, e sim tecer algumas considerações sobre o desenvolvimento da agricultura a partir de sua modernização e as conseqüentes mudanças provocadas nas relações sociais de produção e de trabalho. Com o desenvolvimento do capitalismo e da separação campo-cidade o intercâmbio material entre o homem e a terra é perturbado, rompendo-se aquela “harmonia” da produção assentada na relação homem-natureza , dando lugar a um outro processo baseado no crescente conhecimento e controle da natureza, com perspectivas, inclusive, de reprodução artificial das condições naturais da produção agrícola. Esse estágio é denominado de “industrialização da agricultura” (GRAZIANO DA SILVA, 1996, p. 3). O longo processo de mudanças na base técnica que denominamos de modernização, conduziu a industrialização da agricultura. Esse processo se consolidou pautado na subordinação da natureza ao capital, ao libertar, gradativamente, a produção agropecuária das condições naturais, fabricando-a sempre que se fizer necessário. Desse modo, quando há falta de chuvas substitui-se pela irrigação, quando os solos perdem a fertilidade são adubados, quando surgem as pragas e doenças combate-se com defensivos químicos ou biológicos, etc 63. A modernização da agricultura, deve ser concebida, portanto, como um processo de mudança na base técnica da produção agrícola, que ganhou dimensão no Brasil no período pós-guerra, devido a introdução de máquinas agrícolas (tratores), de elementos químicos (fertilizantes, por exemplo), e de algumas inovações tecnológicas (mudanças de ferramentas, de culturas e/ou variedades).

63

GRAZIANO DA SILVA, 1996, op. cit.

69

A industrialização, não deve ser entendida apenas por conta das alterações ocorridas em virtude da integração do setor agrícola com os setores industriais. A industrialização da agricultura, além de expressar as mudanças ocorridas na relação homem-natureza, expressa também as transformações sofridas nas relações sociais de produção e com seus instrumentos de trabalho64. A crise do complexo rural65 e o surgimento do complexo cafeeiro paulista, possibilitou o desenvolvimento do mercado de trabalho, bem como a constituição do mercado interno. A partir de então, a agricultura brasileira passou a apresentar uma dinâmica voltada para o mercado interno (em termos de produção). Apesar disso, as transformações de sua base técnica permaneciam atreladas ao mercado externo, ou seja, a sua modernização ainda dependia da importação de máquinas e insumos. O processo de modernização da agricultura modificou-se qualitativamente, a partir da internalização de indústrias produtoras de insumos, máquinas e equipamentos para a agricultura (D1 ). Com a implantação da indústria de base (siderurgia, petroquímica etc.) as empresas produtoras de insumos, máquinas e equipamentos também se instalaram no país, internalizando a produção e, consequentemente, aumentando a capacidade de modernização da agricultura. Essa modernização criou condições para que emergisse, a partir de 1965, o processo de industrialização da agricultura brasileira. Com a constituição de relações de trabalho assalariado no campo (formação do proletariado rural) somada a implantação do D1, houve a incrementação da nova dinâmica de acumulação de capital. A indústria produtora de bens de capital passou a comandar a direção, as formas e o ritmo das mudanças ocorridas na base técnica da agricultura 66 . O setor industrial à montante da produção agrícola passou a impor o desenvolvimento tecnológico da agricultura, ao forçar a utilização de novas técnicas, pelo simples fato de que a produção/consumo de uma tecnologia mais avançada oferecia maiores possibilidades de acumulação de capital. Nesse sentido, “se a compra de um trator é bom para a agricultura, é muito melhor para a indústria de tratores” (GRAZIANO NETO, 1985, p.42). 64

Ibid., 1996. Os complexos rurais caracterizavam-se pela produção, geralmente, de um produto de valor comercial, cujo destino era o mercado externo, bem como pela sua incipiente divisão do trabalho, internalizando nas fazendas a produção dos bens intermediários e dos meios de produção (insumos, máquinas e equipamentos), assentada em bases “artesanais”. (GAZIANO DA SILVA, 1996, p. 07). 66 Para mais detalhes, ver: KAGEYAMA (1987, p.10). 65

70

A influência da indústria também é passível de percepção à jusante da produção agrícola, pois, com a “necessidade” de padronizar a matéria-prima, obter maiores ganhos de produtividade e garantir o controle do processo de trabalho, os produtores passam a adotar novas técnicas, sistema de cultivos e novas formas de gestão do processo de trabalho. O setor sucroalcooleiro também sofreu esta influência, a qual pode ser verificada através da elevação do grau de integração agroindustrial, do fortalecimento da unificação orgânica entre a lavoura e a unidade processadora.

Thomaz Júnior, reforça esta afirmação ao dizer que,

É em torno dos objetivos industriais que se promovem as mudanças técno-organizacionais na lavoura canavieira. Tais mudanças se dão em sincronia com as decisões globais da unidade processadora que, por sua vez, também têm que se adaptar às mudanças ocorridas na parte agrícola (1996, p.142).

Nesse estágio mais avançada do processo de modernização da agricultura brasileira, a produção agrícola passa a ser o elo de ligação de uma cadeia, que tem à montante a indústria de insumos, máquinas e equipamentos e à jusante a agroindústria processadora, desembocando na constituição dos chamados “complexos agroindustriais” (CAI’s). Vale frisar que quando ocorreu o processo de desarticulação do complexo rural e de constituição dos CAI’s, a regulação geral que era dada pela dinâmica dos mercados externo e interno, impôs uma participação maior do Estado, que passou a elaborar políticas específicas para os complexos agroindustriais inseridos em distintos setores agroindustriais 67. Os Complexos Agroindustriais se formaram nos anos 1970, através da integração técnica intersetorial de três elementos considerados básicos: a indústria produtora de máquinas, equipamentos e insumos para a agricultura; a agricultura modernizada; e as unidades

67

Cf. GRAZIANO DA SILVA, 1996, p. 06.

71

processadoras. Ressaltando-se que todas elas contavam com fortes incentivos estatais68 , como financiamentos e créditos 69 . O final dos anos 1970 e início dos anos 1980, constituiu-se num período decisivo para a integração dos CAI’s, resultando, “numa verdadeira orquestração de interesses agrários, industriais e financeiros” (GRAZIANO DA SILVA, 1993, p.6). Esse “jogo” de interesses, segundo o autor, impôs profundas mudanças, tanto em termos de concentração e centralização dos capitais aplicados no setor agropecuário, e na propriedade da terra, como no plano das relações políticas estabelecidas com o Estado. O Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), teve papel importante nesse processo, possibilitando as ligações inter-capitais não apenas na esfera técnica, mas sobretudo na esfera financeira. A meta do SNCR era fornecer as bases para o crescimento econômico e a modernização da agricultura brasileira, no entanto, sua política foi seletiva e explicitamente direcionada para os grandes proprietários de terra, viabilizando assim a integração da agricultura aos setores industriais à montante (D1 ) e à jusante (indústria processadora). É

importante

ressaltar

que

embora

os

processos

de

modernização

e

industrialização tenham sido intensos e dominantes nas últimas décadas, não foram capazes de promover uma homogeneização das formas de produzir na agricultura, muito menos de integrar completamente todos os tipos de atividades. Desse modo, os CAI’s apresentam uma expressão territorial diferenciada. No caso da produção de laranja e de soja, por exemplo, a dependência dos produtores rurais ao capital industrial não é absoluta, pois ainda há uma certa autonomia. Já no caso da agroindústria sucroalcooleira, é o capital industrial o detentor da maior parte da cana-deaçúcar produzida. Nesse sentido Thomaz Júnior destaca que:

A base material utilizada pelo capital agroindustrial paulista, juntamente com a dimensão política e econômica, assenta-se no fato (particular) de responder pela maior parte da produção da matéria -prima em terras próprias_ e/ou arrendadas_ o que lhe garante segurança para investir na 68

O FUNAGRI (Fundo Geral para a Agricultura e Indústria), por exemplo, foi um dos fundos de apoio dessa política governamental, que passou a atuar paralelamente ao SNCR financiando atividades agroindustriais. 69 Cf. SILVA, 1993, p. 6.

72

mecanização

do

corte.

Ou

seja,

a

construção

do

monopólio

agroindustrial assegura ao capital um extraordinário poder político e econômico (1996, p.213).

É necessário salientar que o processo de modernização da agricultura não deve ser entendido apenas pelos índices de utilização de máquinas e insumos agropecuários que determinados setores passaram a absorver a partir do pós-guerra. Precisamos ter clareza de que o desenvolvimento de novas técnicas na agricultura brasileira veio acompanhado também de mudanças nas relações sociais de produção e de trabalho. Nesse processo, as relações de trabalho no campo se modificaram: a mão-de-obra passou a ser cada vez mais assalariada; intensificou a utilização do trabalhador volante (ou bóia-fria), principalmente no setor canavieiro paulista; os pequenos produtores, (proprietários, parceiros ou posseiros) foram expropriados, dando lugar à empresas capitalistas. O processo de industrialização da agricultura brasileira permitiu a formação de um proletariado no campo e restringiu as possibilidades da pequena propriedade continuar se reproduzindo independentemente. Estreitou também a possibilidade de controle do processo de trabalho pelo trabalhador. Conforme afirma Kageyama,

[...] é o caráter social e irreversível da industrialização da agricultura, que permite a criação de um verdadeiro proletariado rural, estreitandose a possibilidade de reprodução de formas independentes da pequena produção ou de formas em que o trabalhador mantém o controle do processo de trabalho (1987, p.14).

É próprio do capitalismo em sua marcha gerar relações contraditórias, situações diferenciadas e expressas também diferencialmente nos lugares. Seguindo esta lógica, temos, por um lado, as empresas capitalistas cujas determinações do mercado e racionalidade do lucro condicionam fundamentalmente o processo de produção e, por outro, os pequenos agricultores ou “empresas familiares” que não se utilizam de trabalho assalariado, mas que produzem para o mercado70 . Nesse contexto, os chamados produtores tradicionais (camponeses) ou “não 70

Cf. THOMAZ JÚNIOR, 2002c.

73

plenamente capitalistas” não desapareceram,

fato que se explica por causa da importância dos

mesmos na produção de alimentos a baixos preços para os consumidores dos centros urbanos e na reserva de mão-de-obra para as grandes propriedades que visam a acumulação de capital, como também para engrossar as fileiras do exército industrial de reserva 71 . Não podemos nos esquecer também que um dos desdobramentos desse processo foi a substituição do trabalho “vivo” pelo trabalho “morto”, ou seja, a substituição da força de trabalho pela máquina. Sobre a questão, Thomaz Júnior, observa que:

[...] ao passo que o capital provoca alterações na base técnica da produção [...] alterando as relações sociais e de produção, cria novas condições de adequação da força de trabalho à esfera da produção, agora sob a referência da substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto (1996, p.140).

Na medida em que houve o incremento do trabalho morto, houve também a intensificação da divisão técnica do trabalho. Nesse processo podemos destacar, de modo particular, a mecanização do corte de cana-de-açúcar que, segundo Thomaz Júnior, fez emergir “novos tipos de trabalhadores, redefinindo a estrutura do mercado de trabalho, ditado pela nova especialização e importância dos trabalhadores adequando-os à novas condições” (1996, p.140). Desse modo, a utilização de novas técnicas, bem como o avanço de novas tecnologias direcionadas para a agricultura nos leva a conceber o progresso técnico no modo capitalista de produção como um dos elementos de dominação do capital sobre o trabalho. Tal progresso, representa um “avanço” do processo de valorização do capital, ao permitir também um incremento na apropriação da mais-valia, do trabalho excedente. Antes associada ao aumento da jornada de trabalho, agora, ao aumento da produtividade do trabalho. Nesse sentido, Graziano Neto destaca que,

[...] o trabalhador cria um valor maior que aquele que recebe na forma de salário, resultando uma quantidade de valor não pago, que é 71

Cf. MARTINS, 1981.

74

apropriada pelo capitalista. E, se nos primórdios do sistema, o aumento da jornada de trabalho era a forma mais importante para o aumento da parcela apropriada pelos capitalistas, no capitalismo moderno é através do aumento da produtividade do trabalho que tal ocorre (1985, p.31).

Diante das evidências deduz-se, que o processo de transformação tecnológica ao qual a agricultura brasileira foi submetida, incorporando crescentemente insumos industriais modernos e máquinas ao processo produtivo, só atendeu exclusivamente aos interesses do capital que visava aumentar a produtividade do trabalho, reduzir os custos de produção e apropriar-se cada vez mais da mais-valia. Devemos considerar também nesse processo, que mesmo tendo ocorrido transformações profundas do ponto de vista tecnológico, não houve qualquer modificação na estrutura agrária. O que houve na verdade, foi a conservação e agravamento da concentração de terra. Em algumas regiões do país, onde o processo de ocupação é mais antigo e nas quais a agricultura já estava estabelecida há muito tempo (diferentemente da Amazônia, por exemplo, região de muitos conflitos entre índios, posseiros, fazendeiros, etc., pela posse da terra), a concentração da terra ocorreu (e ainda ocorre) de forma diferenciada. No caso da expansão da soja e da cana-de-açúcar, por exemplo, culturas voltadas para a exportação, o processo de concentração tem ocorrido a partir da compra de pequenas e médias propriedades ou fusão de empresas. O estímulo proporcionado pelo Estado durante o processo de modernização da agricultura no Brasil proporcionou, especialmente, ao setor sucroalcooleiro condições materiais para que o capital se ampliasse. Isto assegurou uma orientação no sentido de subsumir a terra disponível garantindo o poder político da burguesia agrária no comando dos complexos agroindustriais

constituídos

neste

contexto,

resultando

na

intensificação

da

concentração

fundiária e econômica, propiciando aos grandes capitais a apropriação dos bens de produção e o acesso aos mecanismos de financiamento. Essa modernização

viabilizada a partir da elevação da composição orgânica do

capital e do fortalecimento do controle do processo produtivo, que tinha como base investimentos em tecnologia, passou a apresentar uma expressão territorial diferenciada.

75

Thomaz Júnior (1996), ressalta que no Estado de São Paulo, diferentemente do restante do país, este processo teve como maior expressão o fato de os empresários sucroalcooleiros passarem a investir sobre a maior parte da produção da matéria-prima, em detrimento dos fornecedores, figura significativa no cenário sucroalcooleiro que, pouco a pouco vem perdendo sua importância 72 . Esses fornecedores tiveram um período de crescimento de suas áreas cultivadas nas décadas de 50-6073, mas a partir de então, foram sendo eliminados/reduzidos, em virtude dos incentivos e empréstimos governamentais que favoreceram as empresas mais capitalizadas do setor, que passaram a dar maior importância à política de integração agroindustrial e expandiram suas áreas de cana. Se formos analisar essa situação levando em consideração a participação da cana moída própria e de fornecedores nos últimos quatro anos, tanto para o estado de São Paulo como para a região Centro-Sul, verificamos que há diferenças de uma região para outra, ou mesmo dentro das regiões nesse período, apresentando aumento ou redução da participação da cana dos fornecedores. Acreditamos, no entanto, que os percentuais referentes a São Paulo podem ser ainda menores que estes apresentados na Tabela 19, embora não tenhamos no momento, dados de outras fontes que nos permitam estabelecer uma confrontação.

72

Andrade, aponta um grupo social de fornecedores muito diversificado quanto à disponibilidade de recursos, origem social e poder junto as indústrias e poder público. Os típicos fornecedores classificados pelo autor como: b) pequenos fornecedores, em geral sitiantes, arrendatários de pequenos glebas, pequenos fazendeiros etc., que têm uma produção anual pouco expressiva, variando o tamanho do fornecimento de acordo com a região; d) médios fornecedores, proprietários de fazendas de alguma expressão territorial ou de antigos engenhos banguês, que tem um fornecimento expressivo para uma ou algumas usinas; e) grandes fornecedores, em geral grandes proprietários que não tiveram a oportunidade ou não desejaram implantar usinas e/ou destilarias e desenvolvem a cultura da cana em grande escala para vendê-la a uma ou várias usinas instaladas nas proximidades de suas terras. Muitas vezes chegam a fornecer mais de 100 mil toneladas anuais e ainda desenvolvem a criação de gado bovino e a cultura de outras lavouras (1994, p.193). 73 Segundo Andrade (1994), a expansão dos canaviais no Estado de São Paulo se deu tanto pelo aumento da atividade agrícola das usinas como pela transformação de fazendeiros de café e pequenos sitiantes em plantadores de cana.

76

Tabela 19 – Participação dos produtores de cana nas últimas 4 safras do Centro-Sul Participação da Cana Moída (%)

LOCAL Própria

Fornecedor

1998

1999

Araçatuba

72

74

Assis

76

Jaú

2000

2001

1998

1999

2000 2001

66

65

28

26

34

35

71

76

61

24

29

24

39

71

77

72

71

29

23

28

29

Piracicaba

71

75

76

71

29

25

24

29

Ribeirão Preto

53

59

60

65

47

41

40

35

São J. do Rio Preto

67

64

69

69

33

36

31

31

São Paulo

64

67

69

67

36

33

31

33

Paraná

67

70

65

65

33

30

35

35

Minas Gerais

75

74

76

72

25

26

24

28

Rio de Janeiro

53

46

47

57

47

54

53

43

Espírito Santo

28

8

62

77

72

92

38

23

Mato Grosso do Sul

100

100

100

98

0

0

0

2

Mato Grosso

77

77

92

93

23

23

8

7

Goiás

94

95

100

99

6

5

0

1

Centro-Sul

68

70

72

72

32

30

28

28

Fonte: IDEA NEWS, 2002. O processo de articulação orgânica entre a agricultura e a unidade processadora, garantiu o monopólio da produção da matéria-prima que, somando-se ao desenvolvimento tecnológico (mecanização da agricultura, automação fabril) e ao direcionamento dado à produção de álcool, bem como de açúcar e subprodutos, diferenciou o complexo agroindustrial sucroalcooleiro paulista74 (caracterizado como “CAI Completo”), do restante do país. Este processo de unificação da lavoura de cana com a unidade processadora tem revelado profundas diferenças entre as empresas (destilarias anexas, destilarias autônomas, usinas 74

O mesmo é caracterizado como “CAI Completo” por estar embasado no tripé indústria/agricultura/unidade processadora. Nesse caso, o produto agrícola não pode ser visto isoladamente, pois a dinâmica se expressa num “conjunto integrado de atividades que tem ritmo próprio e estratégias de crescimento combinadas, pois há soldagens específicas da atividade agrícola ‘para a frente’ e ‘para trás’, isto é, com a indústria a montante e a agroindústria processadora” (KAGEYAMA, 1987, p.82).

77

e usinas anexas) ao internalizar-se sob diferentes gradações. Por exemplo, enquanto as destilarias anexas buscam maior teor de sacarose/ha, (em virtude de estarem voltadas tanto para a produção de álcool como de açúcar) exigindo, diferentemente do álcool, um tempo maior de maturação e, consequentemente maior concentração de sacarose na matéria-prima, as destilarias autônomas se apegam ao aspecto quantitativo, ou seja, toneladas de cana/ha, pois as suas atividades estão direcionadas à produção de álcool 75 .

2.3– A agroindústria canavieira no contexto do Proálcool

A agroindústria canavieira desfrutava de benefícios concedidos pelo governo, desde 1965, através da política de concessão de créditos subsidiados pelo SNCR. Mas foi a partir de 1975, com a implantação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool)76 , que o setor passou a contar com a política de concessão de créditos específicos 77 . O país estava diante de uma crise energética internacional com a elevação do preço do petróleo, e a justificativa dada pelo governo brasileiro era a de que o Brasil não teria condições de continuar importando o produto. Mas, segundo Andrade, “a principal razão do novo programa era ‘salvar’ a agroindústria canavieira e ampliar o mercado da indústria mecânica pesada, que já estava trabalhando com capacidade ociosa” (1994, p.236). O Proálcool só se materializou organicamente, em nível nacional, a partir do momento em que houve articulação com o setor automobilístico, e o álcool foi apresentado como alternativa de combustível renovável à gasolina. Desse modo, os interesses do capital sucroalcooleiro foram associados aos das montadoras de automóveis, bem como aos das empresas do D1 , fabricantes de máquinas, implementos agrícolas etc78. No primeiro momento, o Programa foi direcionado para a implantação de novas destilarias anexas às usinas e para a ampliação e reequipamento das já existentes, visando a produção do álcool anidro. 75

Vale ressaltar que essa questão está cada vez mais se modificando, pois as empresas estão partindo para a produção de açúcar e estão de olho também nos subprodutos, como o bagaço os álcoois finos, etc., os quais vêm atingindo lugar de destaque (THOMAZ JÚNIOR, 1996). 76 O Proálcool foi criado através do Decreto n. 76.593, de 14 de novembro de 1975. 77 Para mais detalhes, ver: THOMAZ JÚNIOR, 1996. 78 Ibid., 1996.

78

No segundo momento, mediante um novo choque do petróleo (em 1979), o Proálcool foi redirecionado para a produção de álcool hidratado. Entre 1980 e 1984, só o Estado de São Paulo absorveu 38% dos recursos do Programa. Nesse período estabeleceu-se uma política especial (PRO-OESTE), estimulada pela Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento, visando a inserção do Oeste Paulista na produção de cana-de-açúcar. Através da qual, 70% dos projetos aprovados e 80% dos recursos foram direcionados para as áreas consideradas não tradicionais como Araçatuba, São José do Rio Preto e Presidente Prudente, entre outros. Devemos ressaltar que os defensores dessa política de incorporação de áreas não tradicionais, defendiam a idéia de que assim estariam evitando e/ou coibindo a expansão desordenada da cultura canavieira no Estado de São Paulo, a qual vinha se efetivando através da utilização de terras que deveriam ser destinadas à produção de alimentos, principalmente em regiões como Ribeirão Preto e Campinas. A alegação do governo de que o Proálcool promoveria a desconcentração do capital e da terra, foi contrariado, tendo em vista que as maiores unidades agroindustriais continuaram sendo as tradicionais usinas açucareiras. O Estado lançou mão de três mecanismos para atrair os empresários para a produção de álcool: “empréstimos para investimentos em condições vantajosas, fixação de preços remunerados e garantia de mercado”. Todas essas medidas foram tomadas para incentivar o aumento do consumo de veículos à álcool. Além disso, rebaixou o IPI e o IPVA e isentou os mesmo de ICMS; incentivou a conversão dos motores à gasolina para álcool; apoiou as pesquisas direcionadas à melhoria da performance dos motores à álcool e instituiu a obrigatoriedade da adição do álcool anidro à gasolina na proporção de 22% (THOMAZ JÚNIOR 1996, p. 87). No terceiro momento, o Programa sofreu mudanças significativas do ponto de vista dos recursos destinados ao setor. Mas, apesar da redução desses recursos oferecidos pelo governo, o mecanismos protecionistas prevaleceram e os produtores continuaram desfrutando de créditos subsidiados. Diferentemente dos momentos anteriores, registrou-se um acúmulo nos custos e consequentemente uma diminuição na remuneração dos empresários sucroalcooleiros. Isto

79

ocorreu, em decorrência da política de controle da inflação e do fato da cana-de-açúcar ter sido excluída do crédito agrícola79 . A partir desse momento houve o acirramento de disputas e conflitos intercapital, o qual explicita-se entre empresários do Centro/Sul e do Norte/Nordeste do país. Os primeiros reivindicando a saída do Estado e de sua política protecionista do setor; os segundos, defendendo a permanência do Estado e de sua política. Em meio a esses conflitos o Proálcool foi mantido, novos recursos públicos foram liberados, os impostos foram reduzidos, as dívidas das empresas inadimplentes foram renegociadas e anistias foram concedidas. Nesse contexto, segundo Thomaz Júnior, “de tudo que foi ‘emprestado’ pelo Estado ao setor, apenas 42,5% foi reavido pelos cofres públicos, sem contar as diversas anistias” (1996, p. 98). Mediante a extinção do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e a redução do protecionismo governamental, o setor sucroalcooleiro iniciou no final dos anos 1980 um processo de desregulamentação. A partir de 1988, o preço do petróleo se estabilizou no mercado internacional e a produção de álcool conseguiu se manter estável por certo tempo. Porém, a partir de 1989, com o aumento das exportações de açúcar, em virtude do mercado externo ter apresentado condições favoráveis, a produção de álcool reduziu-se desistimulando tanto o consumo como a produção de veículos a álcool. Desse modo, o mercado interno começou a ter problemas no abastecimento do álcool80, pois o empresariado do setor, sobretudo o do estado de São Paulo, passou a investir mais na produção de açúcar, conduzindo, consequentemente, o Programa ao descrédito. Com a elevação do preço do açúcar no mercado internacional o setor sucroalcooleiro, que na implantação do Proálcool defendia a produção de um combustível nacional, renovável e ecológico, deixou transparecer os reais motivos até então camuflados, ou seja, a produção voltada para as exportações era a referência econômica. Nos anos 1990, o Estado que até então se posicionara intervindo diretamente nas questões ligadas ao setor, adquiriu um padrão de intervenção de caráter regulatório, cujo principal campo de discussão/defesa do setor sucroalcooleiro passou a ser o Congresso Nacional e não mais um órgão específico do parelho de Estado, como acontecia no período em que existiu

79 80

Cf. THOMAZ JÚNIOR, 1996, p. 91. Segundo Thomaz Júnior, a produção de carro à álcool caiu de 94,4% (1988) para 11,5% em 1990 (1996, p.93).

80

o IAA. O locus de pressão se deslocou para o Congresso, incentivando-se a criação de lobbies e a defesa de interesses específicos para cada região 81 . O Estado foi saindo gradativamente do controle e distribuição do álcool combustível. Até 1997, era a Petrobrás que efetuava a distribuição, exercendo verdadeiro monopólio. A partir de então, passou a ser realizada por sete distribuidoras independentes. A retirada do álcool das usinas/destilarias até às refinarias e o controle da produção era exclusividade do Estado. Isso fazia com que houvesse duas contas (do álcool e da gasolina) monitoradas pelo governo. Uma no âmbito do Tesouro Nacional, com receitas decorrentes de impostos arrecadados sobre combustíveis e despesas resultantes de adiantamentos concedidos etc. A outra, localizada na Petrobrás, era constituída de receitas decorrentes da venda de álcool às distribuidoras e pagamento aos empresários sucroalcooleiros. A Petrobrás comprava o combustível por um preço superior ao que vendia (próximo ao custo de produção), sendo a diferença coberta pela conta do Tesouro Nacional. Hoje, com a liberação dos preços, apesar da estatal interferir menos sobre a política do álcool, ainda mantém em aberto uma conta junto ao Tesouro Nacional. Segundo Graziano da Silva et al. (1999), a alegação do governo é de que os recursos captados nessa conta possam servir posteriormente para cobrir possíveis altas nos preços do petróleo ou mesmo desvalorizações da moeda. O preço do álcool pago aos empresários sucroalcooleiros chega a ser 40% do preço pago nos postos pelos consumidores. Com o custo médio de produção do litro de álcool na faixa de R$ 0,30, e o de venda às distribuidoras as vezes inferior à R$ 0,20, tem havido descontentamento por parte dos empresários, em relação às distribuidoras. Diante desse quadro alguns

donos

de

destilarias

anexas

quebraram contratos de distribuição com grandes

distribuidoras e optaram por fornecer o combustível à pequenas distribuidoras (GRAZIANO DA SILVA et al, 1999, p. 9). No caso do açúcar, ao contrário do álcool, o governo retirou-se totalmente das negociações, não interferindo mais no preço, tanto no mercado interno e externo, como no preço da matéria-prima. Dessa forma, já não pode utilizar os recursos arrecadados no setor para custear o álcool como fazia anteriormente.

81

Cf. THOMAZ JÚNIOR, 2001.

81

As políticas protecionistas atribuídas aos produtos agrícolas no mercado internacional, as restrições tarifárias impostas, bem como a concorrência com o açúcar da Tailândia e do México, os quais aumentaram a produção, e da Austrália, que agora está com os preços mais competitivos, têm reduzido a demanda do açúcar brasileiro no exterior. A superoferta de açúcar no mercado externo ainda soma-se ao fato de a Rússia, maior importadora mundial de açúcar, ter reduzido suas importações em 1998, o que representou 1,3 milhão de toneladas a menos que em 1997 82 . Diante desse quadro, as empresas mais capitalizadas adotam estratégias de diferenciação de seus produtos e de otimização dos sistemas logísticos, incorporando ao processo produtivo (industrial e agrícola) novas tecnologias, visando com isso reduzirem os custos, aumentarem a produtividade e se tornarem mais competitivas no mercado.

2.4 – O processo de reestruturação produtiva do capital: a agroindústria canavieira em questão As transformações verificadas atualmente no processo produtivo brasileiro podem ser compreendidas como conseqüências do processo de reestruturação produtiva e organizacional

do

capital

no

contexto

mundial.

Em

outras

palavras

diríamos

que

as

transformações sofridas pelos países de capitalismo avançado, refletiram-se também no Brasil, durante os anos 1980 e 1990. A partir dos anos 1980, a adoção de tecnologia assumiu uma nova dimensão na agroindústria sucroalcoleira. Tendo em vista o sistema produtor de mercadoria possuir na sua essência a auto-contradição, causa de profundas crises ao longo de sua história, as quais têm sido superadas mediante mecanismos de compensação, tais como elevação da produtividade, ampliação dos mercados, etc. A microeletrônica e a robótica ocuparam espaço central nas indústrias, alterando de forma drástica as organizações fabris já existentes até então. Os métodos tradicionais têm sido reelaborados na busca da ruptura das estruturas produtivas vigentes, da permanência no mercado, cujo sentido maior é a sobrevivência econômica.

82

Ibid., p.14.

82

Como a inovação do processo ultrapassa a inovação do produto, mediante a racionalização e automação do trabalho, impulsionados por uma concorrência globalizada, a robótica e a microeletrônica substituem cada vez mais a força de trabalho, alijando o trabalho vivo do processo de produção de riqueza e substituindo-o pelo trabalho morto. O emergir do processo de reestruturação produtiva do capital, o impulso das políticas neoliberais e o declínio da classe operária industrial nos países capitalistas centrais, sobretudo a partir dos anos 1990 criou um cenário de profundas mudanças que se expressa no mundo do trabalho, revelando-se na heterogeneização e na fragmentação da classe trabalhadora, e resultando na crescente precarização do trabalho (o aumento do trabalho parcial, temporário, tercerizado, informal, etc.). Vislumbramos portanto, alterações profundas nas relações de trabalho e de produção, cujos desdobramentos são sentidos no âmbito da relação capital x trabalho. Transformações que se configuram na dinâmica do modo de produção capitalista, e cujos desdobramentos sócio-territoriais se expressam de forma diferenciada. No setor sucroalcooleiro, especialmente, a intensificação do processo de adoção de inovações tecnológicas e organizacionais, desencadeou-se a partir da segunda metade dos anos 1980, determinado tanto pela reestruturação da economia mundial como pelas mudanças econômicas e políticas desencadeadas em âmbito nacional. Desse modo, devemos contextualizar o

processo

de

modernização

da

agroindústria

canavieira

levando

em

consideração as

transformações ocorridas em todo parque produtivo nacional, haja vista estas adotarem as mesmas estratégias de produção que as demais indústrias nacionais, as quais estão sempre buscando adequar-se aos parâmetros internacionais de produção. A incorporação de tecnologias e equipamentos no processo de produção, tanto na lavoura de cana como no processamento industrial, fortaleceu o processo de valorização e reprodução ampliada do capital. Isto se tornou possível graças ao aumento da participação do conhecimento técnico-científico no delineamento do ritmo e intensidade do processo de “modernização” da agroindústria sucroalcooleira 83 . É importante salientar que esse processo de modernização da agroindústria canavieira, caracterizado pela concentração e centralização de capitais não é recente, desde os anos 30 pautou-se na transferência de renda e na interferência estatal, via financiamentos subsidiados, armazenamento e comercialização, pesquisa e assistência técnica etc. Até 1985, a 83

Cf. THOMAZ JÚNIOR, 1996.

83

disputa intercapital do setor por alternativas tecnológicas e organizacionais se concretizou a partir de subsídios estatais, os quais foram posteriormente substituídos gradualmente pela redução direta dos custos agroindustriais e pela busca de fontes alternativas de receitas, via diversificação de produtos e processos. O Proálcool foi fundamental nesse momento, pois contribuiu para que o setor sucroalcooleiro incorporando

se

consolidasse

novos

conceitos

como

uma

gerenciais,

das

mais

modernas

aperfeiçoando

a

agroindústrias

qualidade

da

do

país,

matéria-prima,

aumentando a eficiência produtiva, tendo mais acesso à tecnologia de equipamentos e, desse modo, reduzindo custos de produção. O esgotamento desse padrão de financiamento do Estado brasileiro, que até meados dos anos 1980 havia tutorado o desenvolvimento econômico nacional, ocasionou o afastamento do mesmo do direcionamento econômico do setor sucroalcooleiro. Nesse contexto, o Programa Nacional do Álcool entra em crise, perdendo de um lado, um grande aliado – as montadoras de automóveis – e do outro, a confiança dos consumidores de carros a álcool. Além disso, a adoção por parte do Estado de medidas neoliberais, reduziu a atuação do mesmo na economia nacional, provocando a desregulamentação das atividades econômicas, especialmente do setor sucroalcooleiro (conforme já discutimos no capítulo anterior). É importante ressaltar que as mudanças técno-organizacionais que ocorreram na lavoura canavieira

sempre estiveram de acordo com os objetivos industriais. É na esfera fabril

que são montadas as estratégias para as empresas agroindustriais aumentarem os ganhos de produtividade e se fortalecerem no controle do processo de trabalho. Mas, a unidade processadora, por sua vez, também deve se adaptar às mudanças ocorridas na parte agrícola, para que ambas as partes funcionem em perfeita sincronia. No Estado de São Paulo, o processo de incorporação de tecnologia, tem caminhado junto à intensificação dos Projetos de Pesquisa e Desenvolvimento (P & D), ligados direta ou indiretamente às empresas produtoras de bens de produção. A ligação entre Copersucar, D1 e departamentos de pesquisa e mecanização das empresas sucroalcooleiras, se efetivou na busca de soluções que permitissem uma melhor performance agroindustrial, que possibilitassem às empresas o rebaixamento dos custos e um melhor gerenciamento e manutenção do controle do processo de produção.

84

Veiga Filho (1998), identifica três momentos diferentes de absorção de técnicas por parte do setor sucroalcooleiro, no período de 1931 a 1992. O primeiro ele destaca como sendo o resultado da transferência de tecnologia externa e de estudos sobre nutrição, adubação e adoção de práticas culturais; o segundo, ligado ao melhoramento genético e o terceiro, decisivo para a consolidação do padrão produtivista sob o tripé melhoramento genético, insumos industriais, máquinas e implementos. As mudanças relacionadas a produtividade física da atividade canavieira, e que se referem aos diferentes conjuntos de inovações que foram ocorrendo ao longo do tempo, coincidiram com esses momentos. O mesmo autor destaca ainda que de 1980 a 1993, 40% das pesquisas destinadas à busca de inovações na atividade canavieira foram centradas em pragas e doenças, 15% em melhoramento genético e pesquisa biológica básica e 17% em mecanização agrícola. A extensão do tempo de colheita da cana-de-açúcar, que hoje chega a 8 84

meses ,

foi

uma

das

modificações

obtidas

através

do

conhecimento

técnico-científico

incorporado à agroindústria, bem como dos investimentos tecnológicos em todo o setor. Essa possibilidade de extensão do período de colheita, se deu graças ao desenvolvimento de novas variedades de cana 85 que passaram a ser colhidas antes do ciclo natural. A produção de variedades precoces, com alto teor de sacarose fora do período normal de safra, com percentuais otimizados de fibras tem contribuído para um melhor aproveitamento da capacidade industrial. Para que uma variedade apresente a performance desejada, seu desenvolvimento leva vários anos. As primeiras variedades SP da Copersucar por exemplo, foram lançadas em 1993/94 (variação SP70-1143), mas já vinham sendo estudadas desde 1970, passando por 1.143 cruzamentos/ensaios 86 . A capacidade de imposição pela indústria, de um padrão tecnológico e de um novo ritmo ao processo de trabalho na agricultura, tem conduzido esta última a desenvolver técnicas para um preparo mais adequado do solo, plantio e tratos culturais e, exigido a seleção de novas espécies que possibilitem várias épocas de maturação.

84

Em 1950-60 esse tempo era de 3 e 5 meses respectivamente. Nos estudos sobre melhoramento genético das variedades de cana-de-açúcar destaca-se o IAC (Instituto Agronômico de Campinas), produzindo as variedades IAC, no início dos anos 60; o PLANALSUCAR, com as variedades RB e a COPERSUCAR em 1979, com as variedades SP. Esta última variedade chegou a abranger, em 1994, cerca de 70% da área cultivada com cana do Estado de São Paulo, seguida pelas variedades RB e NA . 86 Cf. THOMAZ JÚNIOR, (1996, p.147). 85

85

As empresas mais tecnificadas já vêm substituindo a maturação natural da canade-açúcar, pela maturação química (produtos químicos que são aplicados por avião). Essa prática vem sendo utilizada visando, tanto superar a limitação do ciclo natural da planta para atender às demandas da unidade processadora, como as exigências quanto à qualidade do produto derivado da cana. O aumento da qualidade da matéria-prima tem sido apontado como alternativa para que as empresas do setor obtenham saltos na produtividade industrial. Mas o aumento da eficiência do maquinário fabril, também tem sido de fundamental importância, tanto para o aumento do processo de extração como de integração da agricultura com a unidade processadora. As tendências sinalizam para a efetivação dos investimentos em tecnologia, novas formas de gestão e controle do processo de trabalho, passando pela automação microeletrônica na planta fabril, pela intensificação do corte mecanizado e mesmo pela sofisticação dos mecanismos de gestão e controle do processo de produção e de trabalho. Os avanços obtidos na capacidade de extração e de operação das moendas têm produzido reflexos diretos nos índices de produtividade de várias empresas. Estes avanços se deram em função da adoção de novas tecnologias, especialmente pela instalação de máquinas e equipamentos periféricos e de novos procedimentos operativos. Se anteriormente a expansão da produção esteve associada diretamente ao aumento da área cultivada,

materializada a partir dos incentivos potenciados pelo Proálcool ao

setor sucroalcooleiro, atualmente, esta expansão pode ser creditada às mudanças técnicas que proporcionaram acréscimos na produção por unidade de área e na relação área por trabalhador, as quais representam as inovações biológicas, físico-químicas e mecânicas introduzidas. Na colheita de cana, a tecnologia foi absorvida desarticuladamente e de forma descontínua. A sua assimilação pelas empresas nas várias fases do processo de trabalho expressou as diferenças capital-capital, alterando as relações de produção e de trabalho. Veiga Filho (1998), ressalta que apesar das transformações ocorridas no processo produtivo agrícola canavieiro, a colheita foi retardatária na adoção da mecanização do corte, enquanto que o carregamento e o transporte já se encontram completamente mecanizados. As primeiras modificações se deram no transporte da cana, com a adoção de caminhões que ofereciam maior capacidade de carga. No final dos anos 1960, o carregamento da cana até o caminhão, que até então era realizado pelos carregadores (trabalhadores que

86

carregavam a cana nas costas até o caminhão), sofre um avanço tecnológico e passa a ser efetuado por guinchos mecânicos (THOMAZ JÚNIOR, 1996).

2.4.1– A mecanização do corte de cana-de-açúcar

Quanto ao corte de cana, este era até finais dos anos 70, quase que exclusivamente manual. Naquele momento, era o cortador de cana quem determinava o seu próprio ritmo e intensidade do trabalho, tendo, portanto, o controle do processo de produção. Desde então, o empenho dos empresários em obter equipamentos com uma melhor performance, que atenda às suas demandas, tem aberto um campo de disputa entre as empresas do D1 , fabricantes de equipamentos e máquinas colheitadeiras. Das colheitadeiras disponíveis no mercado, a Cameco, representa a maior parte das compras e encomendas das empresas da região de Ribeirão Preto, seguida pela Engeagro 800, Santal Rotor IV e Amazon. Todas elas direcionadas ao corte de cana crua (THOMAZ JÚNIOR, 1996). Conforme prescreve Veiga Filho (1998), a SANTAL, empresa tradicional no Estado de São Paulo, na produção de equipamentos e implementos, tem efetuado investimentos em P&D, os quais representam um percentual relativamente alto do faturamento, na faixa de 3,5% a 4% nos últimos anos. Sendo, 68% desses investimentos, alocados em melhoria e adaptação de produtos e processos e 32% em desenvolvimento tecnológico. Desses 32%, 20% foram destinados ao desenvolvimento próprio, 50% ao desenvolvimento com parceria e 30% à compra de tecnologia externa. A BRASTOFT, por sua vez, representa em torno de 70% do mercado paulista de colheitadeiras, tendo vendido em 1996, 35 colheitadeiras, 27 em 1997 e 70 até março de 1998. A mesma é uma empresa montadora, que utiliza 60% de material nacional e 40% importado. A tecnologia é de origem australiana, desenvolvida pela AUSTOFT. Conforme alega Veiga Filho, a mesma tem como estratégia competitiva “a universalização da marca australiana, de tecnologia conhecida e consagrada mundialmente” (1998, p. 28). Constata-se, a partir desses números apontados, a tendência à intensificação do corte mecanizado no Estado de São Paulo. De acordo com o pesquisador, as vendas de colheitadeiras tendem a aumentar entre 20% e 30% ao ano, até 2.005, tendo em vista o processo

87

de substituição de mão-de-obra em curso, que atinge de forma diferenciada empresas e regiões e o interesse das empresas fabricantes de máquina (D1) por esse mercado em expansão. A máquina colheitadeira, na sua interdependência com as demais etapas da colheita – carregamento e transporte –, (Fotos 2, 3 e 4) torna-se o ponto de referência do processo produtivo. Impondo o ritmo, a intensidade, a qualidade e as novas especificações no processo produtivo, exigindo dos operadores de máquinas (tratoristas, motoristas), novas qualificações. O processo de mecanização do corte de cana, tem exigido mudanças organizacionais na agroindústria sucroalcooleira, agora, com a perspectiva de intensificação, as exigências podem ser maiores, pois a otimização da colheita depende de transformações no planejamento da lavoura como um todo, no sentido de haver uma interdependência entre as fases da colheita (corte, carregamento e transporte) e a recepção na unidade processadora, redefinindo as etapas do processo de produção e de trabalho. Nessa interdependência, a adoção de uma nova logística operacional se faz necessário, ou seja, a materialização de uma infra-estrutura de apoio no campo, como por exemplo, oficinas “ambulantes” com peças de reposição para conserto de máquinas no próprio campo, caminhões para abastecimento de água, combustíveis, lubrificantes e é claro, pessoal qualificado para atender de imediato às demandas e garantir o funcionamento do sistema mecanizado, em alguns casos, em três turnos. O desenvolvimento de novos equipamentos voltados para o carregamento e transporte da cana têm sido de suma importância nesse processo. Por exemplo: se a cana é cortada queimada e inteira, utiliza-se o “rastelo rotativo” no carregamento da cana até o caminhão; já no caso da cana picada, o carregamento é feito diretamente da colheitadeira para o caminhão, dispensando o uso de guinchos mecânicos. A substituição de veículos pesados como as colhedeiras e caminhões de carga usados no transbordo, por tratores e carretas de alta flutuação, significa a possibilidade de utilizar no transporte intermediário, até a unidade processadora, caminhões ou cavalos mecânicos com uma capacidade de carga maior, além de está contribuindo para a redução da compactação do solo, prejudicial ao desenvolvimento da cana no plantio e na rebrota.

88

Foto 2 – Máquina colheitadeira no corte de cana

Foto 3 – Tremilhão usado no transporte de cana-de-açucar até a usina

Foto 4 – Caminhão Romeu e Julieta usado no carregamento da cana

89

Além disso, as melhoras obtidas na performance das máquinas, entrelaçada com as demais fases da colheita, tendem a elevar a performance e o barateamento tanto do carregamento como do transbordo, aumentando a tonelagem de cana transportada por unidade e a tonelagem de cana por caminhão, elevando assim, a relação homem/tonelada de cana. Porém, ocasionando a eliminação constante de trabalhadores ligados a essas duas etapas do processo de trabalho (carregamento e transporte) 87 . É claro que a incorporação dessas mudanças pelas empresas vem se dando de forma diferenciada, pois depende das condições de investimento de cada uma delas. Como essas mudanças ocorrem em sincronia com as decisões globais da unidade processadora, esta, por sua vez, também tem que se adaptar às mudanças ocorridas na parte agrícola. Um exemplo disso são as alterações a serem efetuadas na mesa receptora da cana que agora chega picada, cortada em toletes, ao invés de cortada inteira, (por conta do corte mecanizado), implicando na necessidade de uma mudança de localização física que permita o descarregamento por gravidade, por exemplo. Os cuidados com a as linhas dos sulcos, as quais devem seguir paralelas às curvas de nível, a fim de evitar que os mesmos diminuam de tamanho e impliquem em aumento de manobra das colheitadeiras e veículos responsáveis pelo transporte da cana; a sistematização do terreno, que consiste em nivelá-lo antes do plantio, bem como a alteração e diminuição do desnível entre o carreador e o talhão, a fim de evitar que as linhas de cana próximas ao carreador sejam cortadas manualmente, constituem medidas importantes a serem consideradas nesse processo. Segundo Furlani Neto (1994), o uso intensivo da máquina tende a reduzir a longevidade e a produtividade do canavial se não forem tomadas medidas quanto ao sistema de plantio da cana. O que requer, também um planejamento, nesse sentido. O sistema de sulcos alternados pode melhorar o desempenho das colheitadeiras, alterando-se o sistema tradicional de espaçamento de 1,40m x 1,40m para 1,40m x 0,80m, que dá origem a duas linhas plantadas à uma distância de 0,80m, seguidas por outras duas linhas plantas de igual comprimento, as quais distancia-se entre si por 1,40m. Nesse caso a redução do tráfego no talhão chega a 36%.

87

Cf. THOMAZ JÚNIOR, 1996.

90

Verifica-se que a intensificação do corte mecanizado da cana-de-açúcar no estado de São Paulo, sobretudo nos últimos dois anos, vem ocorrendo em virtude dos apontamentos direcionados para o corte de cana crua e picada. O fato da agroindústria sucroalcooleira paulista responder pela maior parte da produção de matéria-prima em terras próprias ou arrendadas, deu segurança ao empresário para investir na mecanização do corte de cana. Esta segurança se apresenta graças ao poder político e econômico adquirido pelo capital na constituição do monopólio agroindustrial. O discurso no qual o capital tem se amparado para buscar o fortalecimento do controle do processo de trabalho, se assenta na redução dos custos de produção e na tendência crescente da intensificação do corte mecanizado. Mecanizar o corte de cana, sai para a agroindústria sucroalcooleira em média cerca de 35% a 40% mais barato, do que o corte manual. Dependendo da performance das máquinas uma empresa pode colher em torno de 800 ton./cana/dia, ou mais. Mas, em média estas têm cortado em torno de 500 a 600 ton./cana/dia, substituindo cada uma, aproximadamente de 80 a 100 trabalhadores, independentemente da cana ser queimada inteira ou picada, ou se crua picada. Desse modo, a internalização do “progresso técnico” processa um outro salto de qualidade em direção ao novo eixo de acumulação do capital, sinalizando para a consolidação da hegemonia que apropria-se da mais-valia relativa, subsumindo o trabalho no capital e, materializando-se sob uma nova divisão técnica e territorial do trabalho, que se manifesta na substituição do homem pela máquina.

2.5 – A relação capital – trabalho na agroindústria sucroalcooleira paulista sob o viés da automação microeletrônica Já a utilização da automação microeletrônica na agroindústria canavieira, sobretudo a adoção do processo contínuo nas indústrias de processamento de açúcar e álcool, está associada, entre outros fatores, à necessidade de aumentar a velocidade de processamento das informações, haja vista as operações industriais serem cada vez mais complexas, necessitando de mais controle e de mecanismos de regulação que possibilitem tomar decisões com maior agilidade e que aumentem, tanto o nível de produtividade como a eficiência do processo

91

produtivo. Desse modo, muitas empresas vem monitorando por programas computacionais o processo de produção, tanto da parte agrícola como da unidade fabril, visando através desses equipamentos eliminar ou diminuir o máximo possível os desarranjos e as perdas decorrentes da imprecisão no controle simultâneo da produção agrícola. Verifica-se no contexto mundial que com a introdução da automação microeletrônica para o controle de processos, tanto associada aos equipamentos tradicionais como às mudanças organizacionais, tem havido novas exigências quanto a qualificação, habilidades e desempenho dos trabalhadores88 . Desse modo, o processo de “requalificação” dos operários não tem se efetuado apenas no nível da fixação em postos de trabalho, mas também no nível das funções. Neste sentido, Eid & Neves (1998), afirma que a gestão da força de trabalho está cada vez mais associada não somente à mobilização e à alocação em postos de trabalho, mas também às funções. Neste cenário, ocorre uma cisão entre o núcleo produtivo da classe trabalhadora, composta pelos operários polivalentes e os demais operários industriais, os subproletários, que são incorporados à periferia do processo de produção. Conforme destaca Alves,

As indústrias que se desenvolveram nos países capitalistas centrais tendem a possuir um novo perfil produtivo e tecnológico, com uma nova classe operária industrial, reduzida e desconcentrada, em que se verifica, de modo claro, a interpretação entre o “material” e o “informático”, no qual o operário industrial tende a ser mais qualificado e polivalente. No bojo da nova classe operária industrial se desenvolve um operário industrial periférico, um subproletariado tardio, de estatuto salarial precário (2000, p. 69).

Como a sociedade, em cada momento histórico, adquire formas de organização espacial diferentes, o mundo do trabalho também adquire feições novas, impostas pelas necessidades que o capital tem de se afirmar. O trabalho sofre um “espalhamento”, expressando ainda mais o caráter de dominação e de superexploração, mediante a ampliação do capital. 88

Cf. THOMAZ JÜNIOR, 1996.

92

Num cenário em que se verifica o aumento do trabalho morto em detrimento do trabalho vivo, contraditoriamente, a ciência interage com o trabalho sem se sobrepor ao valor, porém participa intrinsecamente de seu mecanismo de geração, pois esta é a necessidade do capital no seu processo de valorização. Apesar do aumento do trabalho morto, as máquinas informatizadas, ou inteligentes não poderão substituir os trabalhadores, pois no processo de desenvolvimento e de utilização dessas máquinas há o dispêndio do trabalho intelectual do operário, “que ao interagir com a máquina informatizada acaba também por transferir parte dos seus novos atributos intelectuais e cognitivos à nova máquina (ANTUNES, 2001, p.123). A intelectualização do trabalho, associada ao avanço tecnológico, é valorizada pelo capital, que na sua contradição, também se nutre da desqualificação ou da subproletarização presentes no trabalho temporário, informal, parcial etc., configurando assim um processo contraditório que superqualifica em alguns setores e desqualifica em outros. Se

no

taylorismo-fordismo

ocorria

a

“subordinação

formal-material”, no

modelo do tipo toyotista temos a “subordinação formal-intelectual do trabalho ao capital, o que segundo Alves, caracteriza “uma nova captura da subjetividade operária pela lógica do capital” (2000, p.73). Ambas ocorrem no interior da subsunção real, sendo pois, desdobramentos da subordinação real do trabalho vivo ao trabalho morto. Devemos ressaltar, no entanto, que a subordinação material do trabalho ao capital, não desapareceu nesse cenário de novas tecnologias microeletrônicas. Ao contrário, temos o restabelecimento do antagonismo entre o indivíduo e o processo material, levando-nos a crer no surgimento de um novo estranhamento, posto que a subsunção real do trabalho ao capital ganha novo sentido, ou seja, a subordinação formal-intelectual. Esse novo estranhamento não se expressa apenas entre o operário polivalente e o produto de seu trabalho, mas também entre esse e o processo de trabalho, pois mesmo que tais operários possuam autonomia sobre o trabalho, eles continuam submetidos à máquina e portanto, ligados a um trabalho estranhado como no taylorismo-fordismo, visto que a própria lógica capitalista os impede de comandar o processo produtivo. Desse modo, quanto mais os operários adquirem autonomia e poder de decisão sobre o aspecto operacional do processo produtivo, mais as decisões estratégicas desse processo são concentradas no cerne organizacional e/ou institucional, visando a manipulação do consentimento do operário e o seu envolvimento com a lógica perversa do capital, capturando a

93

consciência afetiva-intelectual do trabalho vivo, que caracteriza uma centralidade “insuprimível” da força de trabalho89 . A subjetividade do trabalho que se manifesta na expropriação/transferência do saber cognitivo e intelectual dos trabalhadores para a máquina informatizada, expressa esse novo estranhamento, mesmo que minimizado pela redução da separação entre a elaboração e a execução, o “saber e o “fazer”. Nesse contexto, o imperativo do capitalismo mundial tem sido cada vez mais introduzir novas tecnologias de base microeletrônica e novos padrões organizacionais, os quais seguem a lógica toyotista.

Com a introdução da automação microeletrônica para o controle dos

processos, tem se constituído um conjunto de movimentos, visando a apropriação dos resultados do trabalho pela empresa, através de decisões estratégicas que buscam atingir objetivos econômicos, técnicos e organizacionais, bem como as potencialidades dos trabalhadores. (EID & NEVES, 1998). Verifica-se, então, que a adoção deste sistema exige um maior envolvimento dos operários no processo produtivo e um maior entrosamento entre eles, ou seja, os operários da produção devem estar em perfeita sintonia com as atividades relacionadas à manutenção, prevenção e correção. Este aspecto pode ser verificado nas empresas sucroalcooleiras que possuem o Programa de Qualidade Total, o qual consiste na implantação de um sistema de gestão de qualidade total, que certifica produtos e processos de acordo com os critérios internacionais das normas da série ISO 9000. O interesse das empresas em adotar este Programa justifica-se na implantação de um sistema com critérios de padronização, de controle de informações e, consequentemente do processo produtivo. Numa da empresas sucroalcooleiras visitadas (Usina Nova América), a coordenadora do Sistema de Qualidade alegou, que antes da implantação da ISO 9002/94 não havia uma formalização (e informatização) das informações relacionadas ao processo produtivo. “Usava-se metodologias ultrapassadas”. Quando havia reclamações por parte das empresas consumidoras, surgia as dificuldades para rastrear o problema no processo, pois usava-se “a metodologia das anotações em caderninhos, dos rascunhos”. Então, com a implantação desse sistema, não ocorreu somente a padronização dos documentos e dos sistemas de produção de açúcar e álcool, mas sobretudo retornos 89

Alves, (2000), discute esta questão com mais detalhamento no cap. II – A Fragmentação de Classe.

94

econômicos para a empresa. Hoje com o sistema padronizado, a Usina Nova América substituiu a ISO 9002/94 pautada, basicamente no controle de processos, pela ISO 9001/2000, mais direcionada para a gestão dos processos, buscando a melhoria do sistema através do gerenciamento e análise dos indicadores. Desse modo, a nova versão do Sistema reforça três aspectos importantes para a empresa: maior precisão no atendimento dos interesses dos clientes, busca da melhoria contínua do processo produtivo e, sobretudo agregação de valor aos produtos. Segundo a coordenadora do sistema de qualidade, no momento em que a empresa está passando por um processo integrado de informatização, a nova versão da ISO só veio a somar, pois permite a evolução do processo e uma integração maior de cada área envolvida90 . Ainda segundo a coordenadora, o Sistema de Qualidade possibilitou a Usina Nova América, de modo particular, além da sistematização e da recuperação das informações e do controle do processo em si, uma maior credibilidade na efetuação de contratos com os clientes, pois hoje um dos pré-requisitos para fechamento de contratos com grandes clientes, especialmente internacionais, é a certificação. Antes, a falta de sistematização das informações a respeito do processo, dificultava também o atendimento ao cliente, pois quando havia reclamação sobre determinado lote de produto, muitas vezes não ia diretamente para a pessoa responsável, passava por vários departamentos até o problema ser rastreado e resolvido. Com a sistematização e controle do processo, a empresa reduziu seus custos com o reprocessamento, ou seja, lotes de produtos que apresentassem problemas de qualidade eram devolvidos pelo cliente e a empresa tinha que reprocessá-los, gerando um custo adicional para a mesma. Hoje, com o processo totalmente equalizado, já é possível diminuir o risco de produtos não conformes. Nas palavras da coordenadora do Sistema de Qualidade, “isso representa um ganho muito grande, pois a empresa tem números que demonstram o quanto ela tinha problemas com reprocessos, devoluções, e como isso foi caindo nos últimos anos. Hoje ainda há, mas nós já temos como mensurar o que está acontecendo, bem como os critérios para saber se a reclamação é procedente ou não e onde está ocorrendo a falha, para que possamos

90

Com a nova versão ISO9001/2000, as áreas de saúde, segurança e comunicação estão sendo incorporadas ao Sistema de Qualidade.

95

corrigir. Antes não tinha isso, então, o número de devoluções e de reprocessos era muito elevado”. Cabe ressaltar que, como vimos, toda esta inovação é muito positiva do ponto de vista do capital, mas nos perguntamos se para o trabalho possui o mesmo caráter? Para a empresa sim, o Sistema de Qualidade representa um salto qualitativo, pois segundo a coordenadora, possibilitou um maior entrosamento e autonomia entre os trabalhadores envolvidos no processo. A mesma alega que, “quando há reclamação referente a um lote de produto não conforme, cada trabalhador tem autonomia e um critério de como vai proceder. O trabalhador não precisa mais ficar esperando chegar o gerente ou o diretor para saber que ação efetuar. Além disso, as exigências de aperfeiçoamento, de treinamentos específicos, propiciou a qualificação do trabalhador, melhorando seu conhecimento em relação ao processo”. Verifica-se através do exemplo desta empresa sucroalcooleira, que o capital, através da adoção do Sistema de Qualidade Total, exige do trabalhador muito mais que simplesmente fazer,

ele precisa saber fazer, ou seja, o aspecto cognitivo é envolvido, é

apropriado pelo capital. Nesse particular, o Gerente de Qualidade da Usina Nova América alegou que,

O trabalhador tem de saber o que está fazendo, ter alguma base teórica do que ele faz e porque ele faz. Antigamente era para fazer sem perguntar. Então, a ISO 9001/2000 veio contribuir nesse sentido, porque levou o treinamento até a base operacional, visto ser obrigado pela norma o treinamento do pessoal. [...] Antigamente, cada um tinha seu jeito de fazer as coisas, cada um tinha seu procedimento próprio, em cada turno. Hoje, o trabalhador não trabalha como quer, o procedimento é unificado para todos em qualquer turno.

Utilizado como técnica de gerenciamento e exercendo de alguma forma um mecanismo de motivação dos trabalhadores, o Sistema de Qualidade Total acaba se constituindo numa estratégia de envolvimento incitado e coercitivo, ao pautar-se no estímulo a participação e no envolvimento dos operários. Para que a empresa implante o Sistema de Qualidade e obtenha a

96

certificação, se faz necessário que todos os segmentos envolvidos no processo se adeqüem às normas, incluindo-se desde o trabalhador do laboratório até o operário da fábrica. Desse modo, induz-se uma mudança no comportamento dos trabalhadores, no sentido de que estes direcionem seus esforços ao cumprimento das metas da empresa. A exigência do treinamento, o estímulo à participação, o discurso da integração entre os trabalhadores e de uma maior autonomia, faz parte do jogo estratégico do capital, ou seja, a partir do momento em que o capital consegue embutir tudo isso no trabalhador, ele passa a ter mais confiabilidade no mesmo e assim apropriar-se da sua subjetividade. Conforme afirma Antunes, a qualificação e a competência exigidas pelo capital muitas vezes objetivam de fato a confiabilidade91 que as empresas pretendem obter dos trabalhadores, que devem entregar sua subjetividade à disposição do capital (2001, p. 52).

Parece-nos que em termos salariais não ocorre mudanças significativas para os trabalhadores de um modo geral e tampouco para aqueles envolvidos diretamente no Sistema de Qualidade. Cremos que nesse caso específico o envolvimento incitado e coercitivo se revela com mais propriedade, visto que a empresa se utiliza do artifício da participação nos lucros no sentido de estimular os trabalhadores e, desse modo, atingir suas metas. Esta afirmativa é claramente reforçada através da fala do Gerente de Qualidade da Usina Nova América:

Em termos de salário eu não poderia dizer que há uma relação direta, mas no geral surgiram programas para melhorar os ganhos dos trabalhadores. O fato da gente trabalhar mais organizado aqui dentro incentivou o patrão a criar o programa de participação no lucros e, uma vez por ano ele reparte conosco (grifo nosso) 92 .

91

Grifo do autor. A empresa tem uma estimativa de lucro para cada safra. Se, ao final da mesma ela conseguir superar esta estimativa, parte do percentual que ultrapassou sua meta é repassada aos trabalhadores em forma de bônus, de acordo com a função exercida dentro da empresa e da faixa salarial. Desse modo, os operários da fábrica recebem 1,5% do percentual destinado a esse repasse; os trabalhadores da supervisão recebem 2,5%; e o pessoal da gerência 4%. 92

97

São vários os fatores que contribuem para que a empresa atinja e supere sua meta de safra. Dependa das condições do mercado, da produtividade da cana e até das condições edafo-climáticas, mas o fator eficiência do processo e desempenho dos trabalhadores é colocado em evidência quando o assunto é repasse dos lucros da empresa. O Gerente de Qualidade, mais uma vez reforça nossa afirmativa ao dizer que:

Para ter lucro a empresa precisa de um processo produtivo eficiente e tem de ter controle de qualidade. Quanto mais eficaz e eficiente mais vai ganhar. Se cada um tem sua meta de ganho, tem de haver um compromisso por parte do trabalhador, ele tem que se sentir dono do processo,

sócio

do

dono

da

empresa.

Ele

tem

que

ter

um

comprometimento parecido com o do dono da empresa. Não tem que medir esforços. Desse modo, se acredita ter uma lucratividade maior.

Sendo assim o benefícios que os trabalhadores obtém no processo de trabalho são compensados pelo capital, desde que o pensar, o agir e as proposições dos trabalhadores tenham como prioridade os objetivos intrínsecos da empresa que, ao usar o discurso de que seus trabalhadores têm mais autonomia, que há entrosamento e que ela os considera como seus colaboradores93, acaba muitas vezes mascarando suas necessidades reais, tais como a superação de sua margem de lucro e sua permanência e/ou conquista de novos mercados. Além do que, a manutenção dos contratos de venda e a satisfação dos clientes é condição sine qua non para a sobrevivência da empresa no mercado. Sendo assim, a esfera de subjetividade do trabalho é incitada visando o envolvimento com o projeto da empresa e seu conseqüente processo de criação de valores. Na atual fase do capital, o savoir-faire é retransferido para o trabalho, com o objetivo crescente de envolver a subjetividade operária, através da apropriação da sua “dimensão intelectual e cognitiva”, como destaca Antunes:

Os trabalhos em equipes, os círculos de controle, as sugestões oriundas do chão da fábrica, são recolhidos e apropriados pelo capital nessa fase 93

A Usina Nova América, por exemplo, usa esse termo para se referir aos seus trabalhadores.

98

de reestruturação produtiva. Suas idéias são absorvidas pelas empresas, após uma análise de sua exeqüibilidade e vantagem (lucrativa) para o capital (2001, p.131).

Desse modo, quando o envolvimento coercitivo se concretiza, ocorre uma certa descentralização no controle de processos, ou seja, neste estágio, o trabalhador adquire uma relativa autonomia, passando a ter um maior controle da produção em suas mãos. Esta é uma estratégia adotada pela direção da empresa para obter um maior controle sobre os trabalhadores e aumentar a produtividade. O processo de redefinição técnico-produtiva e organizacional do capital sucroalcooleiro, ao gerar novas formas de gestão e controle do processo produtivo e de trabalho, revelando um misto de contradições, de desemprego, de exploração da força de trabalho, comprometendo e precarizando os direitos trabalhistas e sociais dos trabalhadores, desafia o movimento sindical, no sentido de acompanhar este novo enraizamento produtivo e organizativo do capital.

2.6 – Gestão territorial do capital e do trabalho no âmbito da agroindústria canavieira Capital e trabalho fazem parte de um mesmo processo contraditório, possuindo enraizamento em diferentes esferas do processo de produção. O capital, por um lado, controlando todo o processo produtivo de forma hegemônica e, por outro lado, o trabalho, que, ao inserir-se no processo de produção social é subjugado pelo capital. A contradição presente na relação capital-trabalho, fundamenta-se no fato de um expressar-se no outro, porém se materializando em bases diferentes. No âmbito das relações de produção, o trabalho apresenta-se de forma fragmentada em diversas categorias e corporações. Nesse particular, cabe ressaltar que a gestão fragmentária das diversas categorias de trabalhadores e suas entidades de representação, tem sua origem no verticalismo confederativo do modelo sindical estruturado no Brasil, pautado no ordenamento sindicato-federação-confederação94 . 94

Cf. THOMAZ JÚNIOR, 2002a.

99

Segundo Thomaz Júnior, “Essa estrutura vertical, ou verticalismo do modelo jurídico de integração das entidades sindicais, pautado na tríade sindicato, federação e confederação, representa os limites da ‘liberdade sindical’, ou melhor, os elementos típicos de sua constituição” (2002c, p.237). Apesar do artigo 8o da Constituição Federal prever a liberdade sindical, pressupondo a não-necessidade de autorização do Estado para que um sindicato seja fundado (embora não dispense o registro no cartório de Registros de Pessoas Jurídicas), bem como a nãointerferência do Poder Público na organização sindical; tendo em vista ainda que, o Ministério do Trabalho foi declarado, através da Instrução no 3, de 12/08/1994, o órgão competente para decidir sobre a criação de novos sindicatos, respeitando, inclusive, os requisitos formais da Constituição de 1988, quanto à unicidade dos sindicatos no território, isto está distante de se concretizar 95 . O Estado entra em cena, portanto, com o enquadramento jurídico definido pela CLT, corporificando a segmentação da representação sindical, e definindo a ordenação territorial, ou os limites territoriais, para o capital e para o trabalho.

Nesse cenário, a Justiça do Trabalho

apresenta-se como instância de normatização, consubstanciando o emparedamento corporativosindical e delimitando legalmente a atuação do trabalho no território96 . A Justiça do Trabalho é o elemento mediador do conflito capital – trabalho, assenhorando-se também do poder normativo que lhe é atribuído no artigo 114 da Constituição Federal. Segundo Thomaz Júnior,

97

quando esta estava vinculada ao Ministério do Trabalho,

suas funções eram meramente administrativas, porém as cartas e emendas98 que se sucederam deram a justiça do Trabalho o atributo normativo. Ao se constituir um elo de ligação e uma instância normativa, consubstanciando o

“emparedamento trabalhista-sindical-corporativo”, a Justiça do Trabalho, estabelece a

delimitação legal do território no qual o trabalho alienado atua, divergindo, portanto, da explicitação territorial da relação capital – trabalho (THOMAZ JÚNIOR, 2002c, p. 240). Os sindicatos são, portanto, fundados e estruturados em categorias de trabalhadores (sendo a divisão técnica do trabalho a principal definidora do enquadramento sindical), devendo ser únicos em relação a sua base territorial e a categoria que representam.

95

THOMAZ JÚNIOR, op. cit. p. 237. Para mais detalhes, ver: THOMAZ JÚNIOR, 1996; CARVALHAL, 2000. 97 Ibid., p. 239-240. 98 A exemplo da Constituição de 1967, ratificada pela Emenda de 1969. 96

100

Na agroindústria sucroalcooleira, de modo particular, essa fragmentação se expressa nos trabalhadores rurais (cortadores de cana), nos trabalhadores ligados ao processo fabril (químico e alimentício) e nos trabalhadores do setor de transportes das empresas (condutores, motoristas, tratoristas, etc.). Desse modo, o trabalho fraciona-se no âmbito categorial e personaliza-se no âmbito corporativo. É uma situação que se sustenta, portanto, no padrão vertical, decomposto na tríade

sindicato-federação-confederação,

organizado

de

forma

hierárquica,

respeitando

a

ordenação territorial imposta pelo Estado e fundamentada nos esquemas de sustentação financeira, a saber: as contribuições sindicais 99 . A

abrangência

da

atuação

posta

para

o

trabalho

enquanto

identidade

corporativa, é delimitada territorialmente pelas fronteiras do município, contrapondo-se ao espalhamento territorial do capital, que materializa-se nas áreas de plantação de cana-de-açúcar e nas empresas sucroalcooleiras. A contradição inerente a relação capital - trabalho se revela também na realização de ambos no território, ou seja, entre os limites da base territorial dos trabalhadores e suas entidades de representação e a base territorial da agroindústria sucroalcooleira. Desse modo, a gestão territorial do fenômeno agroindustrial sucroalcooleiro e dos trabalhadores, efetua-se de forma diferenciada 100. Apesar de estar inscrito nas mesmas regras legais que os trabalhadores em relação as entidades representativas, o capital unifica-se em torno de uma única entidade, no caso a UNICA - União da Agroindústria Sucroalcooleira, ultrapassando a seara oficial, também estipulada para ele. Enquanto este é hegemônico sobre o processo produtivo, exercendo sua própria gestão e reconhecendo-se não nos limites dos municípios, mas na materialização da produção, o trabalho, na forma de identidade corporativa, esbarra nos limites da alienação legitimada pelo Estado, resultando na fragmentação entre as diversas categorias e bases

99

São estes o imposto sindical e o imposto assistencial: o imposto sindical constitui-se num desconto compulsório que é fixado com base num dia de trabalho, conforme o disposto nos artigos 580 e 582 da CLT e no artigo 8o da Constituição Federal. O imposto assistencial é fixado em assembléia no mês da data-base, ou através de convenção ou acordo coletivo. Ambos são recolhidos pelos próprios sindicatos, mas não são repassados às suas instâncias superiores (federações e confederações). Além destes, a Constituição Federal instituiu (art. 8o -, inciso IV) outro mecanismo contributivo, qual seja, a contribuição confederativa, a qual é descontada na folha de pagamento e repassada percentualmente às federações e confederações. Para mais detalhes, ver: THOMAZ JÚNIOR, 2002c. 100 Cf. THOMAZ JÚNIOR, 1996, 2002c.

101

territoriais

101

. Isso ocorre porque para o trabalho a sua identidade corporativo-sindical se assenta

na ruptura conduzida pela divisão técnica do trabalho, que ao territorializar-se aliena-se no plano aparente da relação capital-trabalho. Por um lado, a alienação do trabalhador ocorre através do produto de seu trabalho e da relação com seu semelhante, da sua não-consciência quanto ao pertencimento de classe, quando este não se reconhece enquanto proletário, mas sim como categoria, ou seja, cortador de cana, motorista, etc. Por outro lado, a alienação do sindicato revela-se quando este se expressa territorialmente, através do fracionamento em categorias, do limite de sua base territorial e de sua conformidade com a localização da empresa. Essa configuração territorial alienada acaba provocando o deslocamento de identidades, fundamentado na interdependência de dois momentos essenciais na existência do trabalhador, o da produção e o da reprodução. Desse modo, o sindicato representa formalmente a territorialidade do trabalho alienado, enquanto identidade coletiva, cujo enraizamento territorial se dá no âmbito da produção102. Uma mesma empresa pode concentrar metade ou mais da área plantada com cana na delimitação de vários municípios, ligando-se direta ou indiretamente a diversos sindicatos rurais, o que não significa que pelo fato do capital estar enquadrado nas mesmas normas legais que os trabalhadores, quanto às entidades de representação, ele se enfraqueça ou se fracione. Pelo contrário, as diretrizes das empresas centralizam ações que ao se materializarem expressam a força hegemônica do capital, capaz de autogerir sua própria territorialidade. Segundo

Thomaz

Júnior

(2002c,

p.

234),

quando

o

sindicato

se



territorialmente, sua leitura é superficial, ficando apenas no plano da paisagem, “da distribuição territorial alienada”. Ele identifica a expressão fenomênica da atividade agroindustrial canavieira através da área plantada e das unidades processadoras, mas apenas na seara territorial que lhe é permitida, ou seja, na abrangência territorial estabelecida do ponto de vista produtivo e corporativo. Ao contrário do capital sucroalcooleiro, que se vê enquanto fenômeno na sua totalidade, exercendo assim a gestão sobre o território.

101 102

Cf. THOMAZ JÚNIOR, 1996, 2002c. Ibid., 1996, p.247-248 e 2002c, p.233.

102

O mesmo autor ressalta ainda, que o trabalho se fragmenta no processo de gestão política, expressando unidade somente enquanto força de trabalho. Ao passo que o capital se unifica na gestão do processo produtivo, uma vez que não há rupturas estruturais em suas estratégias, fragmentando-se apenas do ponto de vista da disputa por mercado, força de trabalho, terras, etc. Ao

fracionar-se

corporativamente

enquanto

entidade

de

representação

e

enraizar-se na seara da atividade produtiva, a base territorial do sindicato lhe pertence somente do ponto de vista aparente, haja vista seu movimento se dá no território do capital, legitimado pelo Estado. Desse modo, se efetua o controle e a subordinação do trabalho pelo capital. O controle social é exercido e colocado em prática pelo capital sob o aval do Estado, revelando assim as fragilidades do movimento sindical. Este, por sua vez, não esboça reação frente as investidas do capital e o imobilismo impede a busca de alternativas que possam se fortalecer por fora do comando do capital. Diante disso, o capital se fortalece e busca o desenvolvimento das forças produtivas, consubstanciado na composição estabelecida com o Estado e com o movimento sindical. A exemplo do que vem ocorrendo no âmbito da Câmara Paulista do Setor Sucroalcooleiro e do Pacto pelo Emprego103, com relação às discussões e propostas em torno da revitalização do Proálcool, do aporte tecnológico e da mecanização do corte de cana-de-açúcar. A Fetaesp critica a Câmara e o Pacto e aposta no seu fracasso, tendo em vista que as discussões que são efetuadas nessa instâncias tripartites, embora transitem pela questão do emprego do trabalhador no corte da cana, não se transformam em ações concretas em favor dos trabalhadores. Essas ações permanecem no discurso, enquanto os empresários intensificam o uso da máquina no corte da cana104. Através de suas entidades de representação, nas diversas instâncias, os trabalhadores se vêem atados às determinações do capital. Se estes não assumirem uma postura mais determinada, apresentando suas proposições de forma mais criativa, durante as reuniões da 103

A Câmara Paulista do Setor Sucroalacooleiro, foi criada em dezembro de 1995, pelo Governo do Estado de São Paulo, com o intuito de abranger amplos debates, reivindicações e tomadas de decisões concernentes ao setor sucroalcooleiro, sob a coordenação da Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho. O Pacto pelo Emprego, foi instituído em agosto de 1999 e assinado pelo Governo do estado, pela União, pela Associação dos Municípios Canavieiros Paulistas e pelas entidades de representação dos empresários e dos trabalhadores. Este Pacto foi criado sob a alegação de se buscar uma alternativa frente ao processo de desregulamentação e de desemprego no setor. 104 Para mais detalhes, ver: THOMAZ JÚNIOR, 2001.

103

Câmara Sucroalcooleira e do Pacto pelo Emprego, acabarão tendo que aceitar as regras desse jogo de forças que envolve trabalhadores, empresários e Estado. O que tem ocorrido no âmbito dessas comissões tripartites é que a agenda de discussões são elaboradas pela coordenação das mesmas, sem a participação efetiva das federações. O resultado é que estas acabam acatando as “regras do jogo e o roteiro de discussão definido pelo capital e pelo Estado”, limitando-se, quando muito, a inserir na agenda algumas outras questões de interesse (THOMAZ JÚNIOR, 2001, p. 158). Todos os elementos que constituem a estrutura de poder do capital, foram absorvidos no interior da Câmara Paulista do Setor Sucroalcooleiro com o reconhecimento do Estado, consolidando-se fundamentalmente através da hegemonia do capital sobre o trabalho. Isso se expressa claramente quando verificamos as condições em que se efetua a presença dos trabalhadores na composição dessa instância. Nesse particular, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ribeirão Preto

105

, alegou que as discussões que se efetuam no âmbito da Câmara no sentido de

definir os rumos do setor e, em especial, as perspectivas para o Proálcool, não têm a participação efetiva dos sindicatos, “as discussões se dão entre eles mesmos, as associações de usinas e destilarias. Os sindicatos não são convidados a participar e só tomamos conhecimento dos resultados bem depois”. Enquanto a representação dos trabalhadores no âmbito da Câmara ocorre via federações, as quais constituem a fragmentação corporativa da estrutura sindical, para o capital a representação se dá não somente via entidades sindicais, mas sobretudo, através da UNICA, entidade de organização político-econômica que tem centralizado discussões e decisões em torno de importantes demandas e projetos voltados especialmente para os interesses do capital. As

instâncias

sindicais

superiores

ligadas

a

agroindústria

sucroalcooleira

paulista, ao internalizarem o modelo estrutural e organizativo de sindicato, determinado oficialmente pelo Estado, acabam garantindo a harmonização entre capital e trabalho e mantendo os trabalhadores sob o domínio do patronato.

105

Durante entrevista realizada no dia 03/04/2002.

104

2.6.1 – A estrutura e a organização oficial: os desdobramentos nos STRs e SERs

Para entendermos a atuação do movimento sindical, devemos considerá-la por dentro da complexa rede de mediações (envolvendo o trabalho o capital e o Estado), historicamente

determinadas,

colocando

em

xeque

essa

estrutura

e

organização

sindical

oficializada pelo Estado, a exemplo do Movimento de Guariba, em 1984. Tal movimento se constituiu numa etapa de consolidação do movimento sindical dos trabalhadores rurais, de modo específico, servindo de referencial para outros movimentos de outras categorias envolvidas na agroindústria sucroalcooleira, na região e fora dela, revelando-se um marco do sindicalismo rural brasileiro. Este movimento foi iniciado “por fora” da estrutura sindical vigente, e seus objetivos e deliberações imediatas, prescindiram das lideranças que emergia dos trabalhadores naquele momento, contrapondo a velha estrutura sindical com os novos desafios apresentados pelas lideranças dos trabalhadores. No entanto, essa estrutura e organização sindical não foi abalada suficientemente ao ponto de ruir os alicerces das entidades sindicais, que acabaram abrigando as lideranças do movimento. A convivência de posturas político-ideológicas divergentes acabou culminando em rupturas e, nesse contexto, várias bases territoriais foram desmembradas e novos sindicatos foram

criados.

Isso

influenciou

as

demais

categorias/sindicatos

de

operários

ligados

à

agroindústria sucroalcooleira paulista e, resultou, no final dos anos 1980, em “ruptura parcial do modelo corporativista/oficial, com o desmembramento de categoria profissional” (THOMAZ JÚNIOR, 2002c, p. 290). Esse “novo” sindicalismo rural se organizou na região com uma disputa acirrada no que se refere a direção política a ser assumida pelos trabalhadores. Élio Neves, principal representante dos anseios dos trabalhadores, assumiu publicamente sua divergência política com a direção da entidade naquele momento, José de Fátima Soares, desencadeando um processo de disputa no âmbito da mesma. Nesse contexto, foram realizados uma série de debates no âmbito dos sindicatos da região de Ribeirão Preto, através dos quais surgiu a necessidade de rever o modelo de organização sindical vigente até então. Foi quando se percebeu a necessidade de engajar na luta não somente os trabalhadores rurais, mas também todas as outras categorias envolvidas no

105

processo produtivo do setor sucroalcooleiro. A aglutinação de forças foi o aspecto mais difícil, dada a lacuna organizacional existente na região. Tradicionalmente não havia participação das demais categorias em qualquer mobilização dos trabalhadores rurais. Além disso, tinha o entrave estatutário que não concebia a junção de trabalhadores rurais e pequenos proprietários num mesmo sindicato. Em 1989, mediante debates, surgiu a possibilidade de transformar os sindicatos dos trabalhadores rurais existentes em entidades que aglutinassem também os empregados rurais assalariados. Para as lideranças mais combativas a saída naquele momento era a busca de outra alternativa organizacional. Foi, então, que, em meio a essas divergências que dividiram lideranças no interior da Fetaesp, e à necessidade de se criar “novos” sindicatos onde ainda não existia, ou mesmo de retirar de cena os dirigentes sindicais descompromissados, ou fortalecer os sindicatos já existentes, que constituiu-se um novo quadro de fracionamento corporativo dos trabalhadores rurais, com a criação da Feraesp – Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo, e dos SERs – Sindicatos dos Empregados Rurais Assalariados. Uma

parte

significativa

da

executiva

da

CUT

Regional

manifestou-se

contrariamente a criação da Feraesp, argumentando que a criação de uma nova federação poderia ocasionar uma divisão na força política dos trabalhadores, alegando ainda que a alternativa para uma nova forma de organização seria estruturar um movimento de oposição no interior da Fetaesp. Porém, esse posicionamento não obteve respaldo político e acabou não se configurando enquanto resistência à criação da Feraesp. Em 1990, a Feraesp deflagrou uma greve que além de reivindicar conquistas trabalhistas visava a sua auto-afirmação política e jurídica junto aos empresários106 e à própria Fetaesp, os quais alegavam sua ilegalidade. Essa greve serviria também para demonstrar a força e a viabilidade política dos sindicatos ligados a Feraesp, frente a pressão exercida pela Fetaesp. Todavia, o desconhecimento da nova federação e da cisão existente entre a Fetaesp e a Feraesp por parte dos trabalhadores, somou-se a falta de politização dos mesmos em relação a disputa entre os projetos políticos das duas federações e a intransigência dos empresários ao optarem por 106

Apesar de não terem sido os motivadores desse quadro de (re)fracionamento, os empresários se aproveitaram da situação e, mediante os movimentos grevistas, utilizaram como contrapartida a intensificação do corte mecanizado da cana-de-açúcar e novas formas de gerenciamento e controle da força de trabalho.

106

negociar somente com a Fetaesp, conduziu o movimento ao esvaziamento. Diante disso, a capacidade de resistência dos trabalhadores se reduziu, pois os mesmos não conseguiram sustentar uma paralisação sem perspectivas de negociação. Em 1992,

os sindicatos filiados a CUT - Central Unica dos Trabalhadores,

inclusive os de trabalhadores rurais, pensaram na possibilidade de organizar um Departamento de Trabalhadores Agroindustriais, o que não frutificou. Os sindicatos acreditavam que com o departamento, poderia haver a promoção de vários sindicatos ligados ao setor canavieiro e citrícula, como alternativa frente aos obstáculos encontrados para unificar os trabalhadores. Porém esta proposta não se efetivou, pois entrou em confronto com a diretriz política da Central, em nível nacional, que priorizava a organização via federações. O departamento não foi criado, a Feraesp não conseguiu viabilizar seu projeto de unificação e a luta dos trabalhadores se enfraqueceu mais uma vez. A mobilização das diversas categorias de trabalhadores ligados a agroindústria sucroalcooleira (sindicato dos químicos, dos trabalhadores nas indústria de alimentação, dos motoristas etc.) foi conseguida em parte pela Feraesp. Ela visava paralisar todos as áreas de produção do setor, no entanto esse objetivo só foi alcançado de forma pontual, ou seja, só ocorreu em algumas cidades. O resultado, como já dissemos anteriormente foi o esvaziamento do movimento e o retorno dos trabalhadores aos seus postos de trabalho, obrigados a aceitar as condições salariais negociadas mediante encaminhamento de pauta de reivindicações pela própria Fetaesp. O fato de não ter conseguido unificar as categorias de trabalhadores da agroindústria sucroalcooleira, não significou um derrota para a Feraesp, tendo em vista a credibilidade obtida através de alguns sindicatos a ela vinculados na região de Ribeirão Preto. No entanto, houve um recuo quanto ao projeto político por ela encabeçado inicialmente. De todo modo, verifica-se que as reflexões e discussões a respeito das táticas e estratégias do capital, e os avanços obtidos pelo movimento sindical durante as mobilizações dos anos 1980, não foram suficientes para consubstanciar projetos que conduzissem os trabalhadores para o confronto com o capital sucroalcooleiro. Nem tampouco permitiu a efetivação do sindicalismo por fora dos parâmetros legais instituídos pelo Estado.

107

2.6.2 – A disputa intra e intersindical: os STRs e os SERs

O espalhamento dos STRs no estado de São Paulo não se atribui somente à atividade canavieira, visto que estes atuam no âmbito de outros produtos agropecuários, representando pequenos produtores rurais e trabalhadores rurais, como cortadores de cana, apanhadores de laranja, colhedores de café e aqueles ligados a chamada “lavoura branca”, como feijão e milho, por exemplo. A capacidade de mobilização e de luta desses trabalhadores fez surgir a necessidade de criação de novos sindicatos, fosse em locais onde estes ainda eram não existentes, fosse a partir do desmembramento e criação de extensões de base em municípios ainda inorganizados. Esse espalhamento territorial alavancado pelos STRs, tinha como objetivo conduzir à exclusão ou ao isolamento os dirigentes sindicais considerados “pelegos” ou, em menor proporção, fortalecer os já existentes107 . Thomaz Júnior (2002, p. 266), ressalta que nem todas as lideranças estavam comprometidas com os trabalhadores, ao assumir a direção dos sindicatos ou conduzir as lutas. Esse compromisso parecia mais evidente onde as lideranças se identificavam ou eram decorrentes do novo “ímpeto operário” que surgia como nova referência para cortadores de cana e apanhadores de laranja, entre outros. Apesar da emergência de novos líderes e opositores sindicalistas à estrutura vigente, estes não foram hegemônicos o suficiente para alavancar proposições e “ações políticas de vanguarda”

108

. Conforme afirma Thomaz Júnior (2002, p. 267), essas oposições passaram a

ser estimuladas pela própria Fetaesp, mas somente porque esta temia perder seu poder político e territorial para a CUT. Para recompor as forças, a Fetaesp tenta estabelecer alianças até com as lideranças sindicais identificadas com o Movimento de Guariba, como Élio Neves, por exemplo. A postura política dessas novas lideranças, fez com que estas fossem pressionadas por outros líderes no interior dos próprios STRs, pelo fato de não concordarem com a adoção de condutas que não seguiam pela via legal.

107

Cf. THOMAZ JÚNIOR, 2002, p. 266. José de Fátima Soares é um exemplo. O mesmo emergiu do Movimento de Guariba, porém no final dos anos 1980, adotou a postura defendida pela Fetaesp, traindo o posicionamento político de lideranças e trabalhadores do movimento, ao negociar com os empresários às escondidas. Mais detalhes, ver: THOMAZ Júnior, 2002, p. 267. 108

108

A prova desse apego ao cumprimento das determinações legais, está na configuração do ordenamento corporativo ainda vigente nesses sindicatos, ao abarcarem um conjunto de trabalhadores, categorias e profissões numa mesma base. Apesar da Fetaesp e dos STRs reconhecerem o antagonismo presente nesse enquadramento, ao confrontar num mesmo sindicato patrões e empregados, defendem essa estrutura organizativa, acreditando ser possível, mesmo assim, aglutinar forças em vez de dividilas. Segundo Thomaz Júnior (2002, p. 271), na maioria desses sindicatos (e até mesmo na Fetaesp), os cargos de direção são exercidos por pequenos produtores, embora importantes bases sindicais (Ribeirão Preto, Campinas e Bauru) estejam sob o controle de assalariados De todo modo, o perfil da estrutura organizativa dos STRs não mudou, visto o caráter corporativista das divergências e disputas políticas internas à categoria, reforçadas pelo posicionamento da Fetaesp. Verifica-se no âmbito desse sindicatos, que o jogo de disputas pela incorporação de municípios inorganizados, pelas manutenção ou criação de extensões de base, muitas vezes se assenta exclusivamente no interesse pela arrecadação da contribuição sindical. Essa avaliação é passível de constatação a partir de depoimentos dos próprios dirigentes sindicais, como o que apresentamos a seguir:

É como eu falei para você, a autonomia e a liberdade sindical só trouxe problemas[...].Por que quando só tinha esse sindicato aqui na região, Macatuba, Areiópolis e Agudos era tudo nosso, o pessoal vinha tudo aqui. O nosso sindicato não era o melhor do estado, mas era o terceiro melhor “em arrecadação e assistência”. Nós tínhamos três médicos, três advogados e hoje não temos nada. Temos só um médico e a arrecadação não dá para nada, as vezes é preciso fazer vaquinha.

Na fala desse dirigente sindical fica clara a preocupação em perder o controle de extensões de base e com isso ter reduzida a arrecadação da contribuição sindical. Isso é característico entre os dirigentes encastelados nos sindicatos e ausentes dos locais de trabalho,

109

que acreditam que quanto maior o domínio territorial maior a arrecadação e a assistência prestada ao trabalhador. Estes, uma vez presos ao imobilismo e a concepção de que a estrutura e a organização oficial é algo que não pode, ou não deve ser mudado, distantes de projetos que visualizem a alavancagem de uma mudança, põem-se a lamentar as perdas. Thomaz Júnior (2002c), reforça nossa avaliação ao dizer que nos STRs, assim como em outras categorias, o burocratismo, o encastelamento o imobilismo e o distanciamento dos locais de trabalho. Segundo ele,

essas entidades se transformam, via de regra, em balcão da previdência social, daí a necessidade de consultórios médico-dentários, advogados trabalhistas, barbearia, etc., para garantir a permanência e perpetuação, não só de dirigentes descomprometidos e entidades sindicais ‘fantasmas’, mas,

também,

da

estrutura

e

organização

oficial

como

algo

dado/consolidado e imutável (2002c, p. 273, grifos do autor). Tem dirigentes sindicais que estão à frente do sindicato há 20 ou 30 anos109 , encastelados atrás de uma escrivaninha, sem “ir onde o trabalho está”, limitando-se a assinar acordos prontos, efetuados pelos sindicatos patronais. Depois de tanto tempo, ele se entrega ao imobilismo,

identificando-se

como

um

funcionário

do

sindicato110,

cumprindo

funções

burocráticas sem um compromisso maior (ou sem nenhum) com a mobilização e, muito menos com a possibilidade de uma luta anticapitalista. Tem presidentes e diretores muito mais preocupados com seus salários e gratificações do que com a defesa dos interesses da categoria. Isso é possível até entre as diretorias advindas dos próprios trabalhadores, as quais, em tese deveriam estar voltadas para o interesse dos mesmos. É como podemos constatar na fala desse dirigente sindical:

Hoje, se eu falar para a diretoria que eu não vou pagar a gratificação, eles não vêm. Tem de pagar todo mês uma gratificaçãozinha, se não eles

109

É o caso do presidente do STR de Lençóis Paulista. O mesmo está à frente do sindicato desde 1967. “Eu sou um funcionário do sindicato, por isso tenho um salário fixo”. Fala do presidente do STR de Lençóis Paulista. 110

110

não vêm. Ao todo são doze que fazem parte da diretoria, desses uns trabalham e outros são aposentados. Segundo este dirigente sindical, antes de ser instituída a liberdade sindical, “as contribuições eram boas” e, por causa disso muitos sindicatos foram fundados. “O pessoal entrava nos sindicatos por causa de um bom salário, era um cabide de emprego. Você tinha um sindicato aqui e podia abrir cinco ou seis extensões e todos ficavam brigando para tomar seu lugar”. De modo geral, verifica-se, principalmente a partir da pesquisa de campo, que esta disputa pelo comando político e territorial ainda é muito forte entre os STRs, ou destes em relação aos SERs. Em seus depoimentos, os dirigentes entrevistados, não economizaram acusações às lideranças de outros sindicatos. “a idéia nossa é derrubar um por um esses sindicatos. É chegar e fazer um trabalho junto ao trabalhador para tirar esses caras dos sindicatos, porque tem cara que está há 30, 40 anos no sindicato. Se pelo menos ele fizesse alguma coisa, mas não faz nada”111 . Em relação aos SERs, Thomaz Júnior (2002c, p. 285), chama nossa atenção também para a distância que há entre a proposta de organização e estrutura sindical da Fetaesp e a territorialidade dos mesmos, a qual se revela através do baixo índice de sindicalização dos trabalhadores; da falta de expansão territorial dos sindicatos e de seus domínios; e do fracionamento

corporativo

expresso

principalmente

pelos

“SERs

que

se

identificam

exclusivamente com o município-sede”. Para os SERs, é essencial que a organização dos sindicatos e dos trabalhadores se dê a partir da base, assentada no local de trabalho, território de ação e de exploração do capital. Apesar dessa proposta organizativa primar pelo fortalecimento das entidades sindicais tendo como lema, “ir onde o trabalho está”112, rompendo, desse modo, com o estatuto da extensão de base, não se efetua na íntegra, assim como nos demais sindicatos. De qualquer modo, se deparam com reações não somente empresariais, mas também corporativas.

111

Essa fala é do presidente do sindicato de Leme, ao defender a criação de uma terceira federação, a Fercana (sobre a qual falaremos posteriormente). 112 Lembrando que esta expressão foi tomada de empréstimo de THOMAZ JÚNIOR.

111

Ao defender uma nova proposta de estrutura e organização sindical, a Feraesp e os sindicatos a ela ligados foram conduzidos ao embate político e judicial. Segundo Thomaz Júnior (2002c, p. 284), foram inúmeras as ações em que esta federação se envolveu para argumentar a respeito da legalidade dos sindicatos;

de ações trabalhistas, de recursos

apresentados pelos empresários para não pagarem “contribuições sindicais”; ou para a própria Feraesp e SERs reivindicarem as contribuições sindicais que lhes é de direito. Nesse contexto, criou-se um cenário de enfrentamentos políticos e disputas territoriais entre as instâncias sindicais STRs e SERs, as quais passaram a marcar presença numa mesma base territorial. Thomaz Júnior (2002c, p. 285), nos chama atenção para isso, quando ele diz que em meio a esse embate se constitui uma dupla representação dos trabalhadores ligados ao corte da cana, a qual se expressa na dúplice territorialidade dos sindicatos nos municípios-sede ou em suas extensões de base. Como vemos, apesar dos SERs terem uma predisposição iminente para o confronto com o capital, o conflito está focado na disputa por território e por hegemonia política113. Para alguns dirigentes o propósito de “ir ao local de trabalho”, muitas vezes entra em atrito com os de uns tantos outros, que se apegam a estatutos e requisitos formais de base territorial para continuarem sua função “decorativa” atrás das escrivaninhas dos sindicatos, sem acompanhar as frentes de trabalho. Essa postura mais combativa, “de ir onde o trabalho está ”, sem se preocupar com a extensão territorial de base ou com qualquer outra organização sindical representante da categoria na mesma base territorial, ficou bastante clara durante visita ao SER de Sertãozinho. Vejamos pois um trecho da fala do dirigente sindical que ilustra esta afirmativa:

113

Questão apontada por Thomaz Júnior, (2002c) e constatada durante pesquisa de campo, a partir dos depoimentos dos dirigentes sindicais.

112

Não tem nada a ver, porque se tivesse eu não convidaria eles para vir aqui. Ontem eu estive no sindicato de Pontal marcando uma reunião com os trabalhadores da Usina Santa Elisa. O pessoal de Pontal não é da mesma federação nossa, mas eu não olho esse lado, eu olho o lado do trabalhador. [ ...] Nós temos problemas aqui que não ocorrem em nossa base, faz parte da base de Ribeirão Preto, de Serrana, só que ninguém age. Então, se eu recebo uma denúncia, um chamado eu vou até lá tentar resolver[....] não importa que federação seja, o problema é que os descontos vão para esses sindicatos, que deveriam estar junto com a gente na luta pelos direitos do trabalhador.

Segundo o dirigente sindical do SER de Sertãozinho, apesar dele não se importar com a delimitação territorial, indo reunir-se com os trabalhadores pertencentes a outras bases, ele encontra resistência por parte dos demais dirigentes que não tomam partido dos trabalhadores e que, muitas vezes são subornados pelos empresários com dinheiro, para fazer “vistas grossas” à luta do trabalhador. O mesmo enfocou muito em seu depoimento, a falta de compromisso e de envolvimento dos outros sindicatos para com os trabalhadores. O mesmo criticou o sindicato de Barrinha e de Pontal, ressaltando o fato de que, quando há uma assembléia que envolve turmas que trabalham em sua base, mas que pertencem a base desses outros sindicatos, seus dirigentes sindicais não comparecem. “Eu falo: vai ter uma assembléia amanhã, vocês têm turma lá como eu também tenho. Vocês vão? Eles respondem: Nós vamos. Não vai nenhum!” Diante do exposto fazemos jus às palavras de Thomaz Júnior, quando ele afirma que:

apesar da predominância dentro dos quadros dos SERs e da Feraesp da idéia da organização por local de trabalho[...], tal perspectiva encontrase, ainda, para a maioria, em estágio embrionário e, para a minoria, em via de consolidação ou simplesmente está sendo rechaçada (2002c, p.286).

113

Percebe-se

que

as

divergências

político-territoriais,

que

priorizam

as

delimitações oficiais da base territorial (por município) em detrimento da territorialidade das lutas, coloca em xeque a possibilidade dessa proposta de estrutura e organização sindical apresentada pela Feraesp e SERs ser costurada e se constituir uma unidade política. Mesmo entre aqueles que estão dispostos a organizar os trabalhadores na base, desconsiderando os requisitos formais, tanto no que se refere a categoria sindical como no que diz respeito a delimitação territorial da base, há um despreparo para avançar no confronto com o capital, dado o estranhamento deles em relação ao seu movimento e a seus projetos. De todo modo, verifica-se que as rupturas que foram se constituindo no interior dos STRs se configuraram num racha estrutural com a criação dos SERs, aguçando ainda mais as disputas sindicais-corporativas no âmbito dos trabalhadores e do próprio movimento sindical. Os STRs que representavam, de forma antagônica, pequenos produtores e trabalhadores rurais de modo geral, viram, com a fundação da Feraesp e dos SERs, o surgimento de uma outra categoria sindical que passara a representar especificamente os trabalhadores rurais, ou empregados rurais assalariados114. A substituição do modelo vigente por uma nova estrutura começou a ser debatida, com o intuito de se buscar novas alternativas organizativas e políticas que fortalecessem o trabalho no jogo de forças com o capital. Nesse sentido, durante os anos 1988 e 1989, foram vários os debates e propostas, no sentido de articular as lutas de diferentes segmentos de trabalhadores assalariados. Nesse contexto, as lideranças dissidentes do Movimento de Guariba, que insistiam no cumprimento dos propósitos apresentados durante o movimento, tornando-se opositores dos encaminhamentos da Fetaesp, foram lançados ao isolamento e desgastados politicamente. Diante do quadro de divergências e oposições essas lideranças participaram ativamente do encaminhamento das lutas e da organização dessa nova categoria. Essas divergências políticas dentro e entre a Fetaesp e a Feraesp, bem como os desentendimentos entre as lideranças dos próprios STRs e destas com os SERs permitiu mais um racha no interior das duas corporações e abriu caminho para uma terceira federação, a Fercana115 . 114

Os quais são definidos como pessoas físicas prestadoras de serviços nas propriedades rurais, voltadas tanto para a produção animal, como vegetal com direito a receber salário. Cf. THOMAZ JÚNIOR, 2002c, p. 280, ou para ver a definição na íntegra consultar o Capítulo I, seção I, p. 4, dos Estatutos Sociais da Feraesp, 16/04/89. 115 Quem está no comando da Fercana é Mauro Alves da Silva, o qual vem recebendo ferrenhas críticas de dirigentes ligados a Fetaesp, que apostam não legalização da mesma.

114

A criação dessa nova federação reflete, portanto, o complexo campo de disputas que envolve dirigentes sindicais dispostos a se manterem a todo custo à frente dos sindicatos. Antes da fundação da Fercana, há pouco mais de um ano, definiu-se que a Fetaesp representaria somente os pequenos produtores e a Feraesp os assalariados rurais, empregados nas lavouras de cana e demais atividades agropecuárias. Com a criação da Fercana, a mesma passará a representar os trabalhadores assalariados (ou não), ligados especificamente à lavoura canavieira e a Feraesp representará os assalariados rurais ligados às demais atividades agropecuárias, ficando a Fetaesp com a representação dos pequenos produtores rurais. A Feraesp que está há mais de dez anos tentando reconhecimento junto ao Ministério do Trabalho, encontra-se no páreo com a Fercana em busca da legalização. Enquanto a situação de ambas não se resolve, do ponto de vista legal, o recolhimento da “contribuição confederativa” é feito pelos STRs e repassados para a Fetaesp e Contag, gerando descontentamento para algumas lideranças dos STRs. Conforme demonstra a fala desse dirigente sindical:

A Fetaesp não representa mais o trabalhador. Ela só representa o pequeno produtor. Só que tem um monte de sindicato pelego que ainda esta ligado, ou filiado a ela e repassando o dinheiro da contribuição, o que é ilegal 116 .

Na opinião desse dirigente sindical, abre-se uma nova perspectiva com a criação da Fercana, que é fazer um trabalho junto à base, para tirar de cena os dirigentes que ele diz serem “pelegos”, que não lutam pelos direitos dos trabalhadores, corruptos, que estão nos sindicatos desde a época da ditadura, mandando e desmandando no dinheiro dos trabalhadores. Ele acredita que a partir do momento em que a Fercana for legalizada117 , o primeiro passo será efetuar a conscientização do trabalhador da base, para em seguida começar a 116

O recolhimento da contribuição confederativa não é obrigatória, mas como muitos sindicatos não se contentaram apenas com o imposto sindical e com o imposto assistencial, a Feraesp achou por bem acatar a posição dos sindicatos, que queriam continuar recolhendo a contribuição. O presidente do STR de Leme se declarou contrário ao recolhimento da mesma e alegou que os sindicatos que defendem a contribuição, o fazem porque não têm competência para atrair os trabalhadores para a base. 117 As lideranças da Fercana já conseguiram o apoio de 27 sindicatos espalhados por todo estado de São Paulo. Entre os sindicatos que visitamos, três já estão filiados, sendo seus presidentes integrantes da diretoria da federação. É o caso dos sindicatos de Barra Bonita, de Lençóis Paulista e de Leme.

115

fundar sindicatos que serão dirigidos pelos próprios trabalhadores. “Porque está cheio de gente que nunca foi trabalhador rural, correndo de município em município, tentando fundar um sindicato sem representar a categoria, para fazer do sindicato uma empresa dele, um escritório de arrecadação”.

2.6.2.1 – A territorialidade e a atuação dos STRs e SERs visitados

Se faz necessário neste momento considerarmos a expressão territorial e a atuação dos sindicatos visitados. Antes de mais nada é importante ressaltar que como o número de empresas visitadas foi pequeno, em relação ao conjunto existente no estado de São Paulo, optamos também por visitar os sindicatos situados nos municípios-sedes coincidentes com a territorialização das empresas sucroalcooleiras visitadas, conforme pode ser constatado no Mapa 6. Cabe destacar também que, o fato de termos visitado um sindicato em cada município, não significa que este sozinho representa todos os trabalhadores no corte de cana, de cada empresa visitada. Queremos dizer, que os trabalhadores ligados ao corte de cana nas empresas visitadas pertencem a várias bases sindicais. A exemplo do STR de Lençóis Paulista. Este está situado no mesmo município da Usina Barra Grande, no entanto, a maior parte dos trabalhadores contratados para o corte de cana não pertencem a base de Lençóis. Apenas 300 trabalhadores pertencem ao STR de Lençóis, os demais são advindos das bases de Macatuba e Areiópolis. Já no caso do STR de Leme o processo se inverte. Os trabalhadores dessa base não trabalham somente na Usina Cresciumal. Como a empresa contrata poucos trabalhadores no corte de cana e a cidade recebe um grande contingente de trabalhadores migrantes, faz com que o trabalho extrapole os limites da base territorial e acompanhe o espalhamento do capital. Desse modo, tem muitos trabalhadores cortando cana em municípios vizinhos, nas Usinas São João e Santa Lúcia, de Araras e na Usina Iracema, em Iracemápolis, por exemplo. Esta última, ainda é uma das maiores contratadoras de mão-de-obra para o corte manual da cana-de-açúcar na região, especialmente mão-de-obra terceirizada.

116

117

Cabe destacar que, apesar de termos visitado um pequeno número de sindicatos, é possível perceber a hegemonia territorial dos STRs em relação aos SERs (Mapa 7). Visitamos 9 sindicatos, dos quais 7 são STRs e apenas dois SERs. Dado o contexto de lutas em que se desencadearam os propósitos da Feraesp e dos SERs, bem como as composições de forças e arranjos políticos locais, verifica-se que esta instância sindical está concentrada territorialmente na região de Ribeirão Preto. Enquanto os STRs expressam espalhamento territorial por todas as regiões canavieiras (ou não) do estado de São Paulo. Tivemos a oportunidade de, através desses sindicatos visitados, (apesar de representarem uma amostragem pequena), constatar as divergências políticas e as disputas por territórios, entre os STRs e entre estes e os SERs, as quais desembocam no interesse pela ampliação das contribuições sindicais via extensões de base. Como já sinalizamos anteriormente há uma troca de acusações entre estes sindicatos no que se refere a atuação de certos dirigentes sindicais, apontados como “pelegos”. Quanto a isso, o presidente do STR de Leme alegou:

...tem 274 sindicatos rurais no estado de São Paulo, mas é como eu sempre falei nas assembléias. Hoje, o trabalhador rural é uma categoria que está em pior situação, por culpa do próprio movimento sindical, pois existe um peleguismo irreparável no movimento. De 274 sindicatos, eu acho que temos somente uns 60 que têm realmente compromisso com os trabalhadores. A maioria só se preocupa em assinar os acordos para que as empresas repassem aquilo que lhes interessa, que é a contribuição.

Enquanto este dirigente sindical faz a crítica, outros manifestam justamente a postura criticada, a exemplo do presidente do STR de Lençóis Paulista. Existe nesses sindicatos não só a falta de compromisso, de interesse para com a luta dos trabalhadores, mas também irregularidades e corrupção. É o que aponta o dirigente sindical de Leme, referindo-se ao presidente do STR de Araras:

118

119

[...] não entendo porque a justiça não tomou providência ainda. A sede de três andares a Previdência Social já tomou, vai a leilão agora porque ele não pagou o recolhimento da previdência[...]. A casa que tem do lado, a Justiça do Trabalho tomou para pagar os direitos dos funcionários que ele não pagou. E o cara está lá, não está nem aí. Se o patrão chegar com o acordo pronto ele assina em baixo.

Essas acusações não foram efetuadas apenas por dirigentes de STRs, o presidente do SER de Sertãozinho também demonstrou descontentamento. Este, ao levantar um problema que aconteceu envolvendo um grupo de 118

indígenas

contratados pela empresa Santa Lídia, que pertence as bases de Ribeirão Preto e

Serrana, declarou o seguinte:

Eu cheguei na empresa e eles me levaram lá no escritório e falaram: vamos sentar aqui, vamos fazer um acordo, eu te dou dinheiro. Eu fale: eu não aceito dinheiro para ferrar trabalhador [...]. Eu acho que o mesmo que me ofereceram lá, os outros vêm pegando faz tempo. Então, eu acho que essa situação está assim hoje é por causa do dinheiro. Tem sindicalista aí que era cortador de cana e agora tem cinco ou seis casas de aluguel, caminhonete. Com a ajuda de custo não dá para ter isso. Eu sei porque eu moro em três cômodos, pago aluguel. Sei que não dá para ter isso trabalhando honesto.

Na verdade não temos como comprovar tal afirmação, mas esse dirigente sindical por diversas vezes durante a entrevista, frisou a falta de compromisso de dirigentes de outras bases ligadas a Fetaesp e a Força Sindical, acusando-os indiretamente de corruptos, por se deixarem subordinar pelo capital, em detrimento dos interesses dos trabalhadores.

118

Segundo esse dirigente, um grupo de indígenas foi trazido de Colorado/MT para trabalhar na Usina União do mesmo grupo da Santa Lídia. Porém, os mesmos estavam alojados em condições subumanas, sem registro em carteira e ganhado cerca de R$ 4,00 por dia. Ele interferiu juntamente com a Justiça do Trabalho e os indígenas foram mandados de volta para Colorado.

120

As

categorias

sindicais,

especialmente

aquelas

vinculadas

diretamente

à

FETAESP e aos STRs e agora à Fercana, reprovam a atuação dos SERs acusando-os de invasores de categorias e territórios e também de radicais nas negociações. Quanto a isso o presidente do sindicato de Leme alegou que o SER de Sertãozinho por ser ligado a Feraesp e, portanto a Élio Neves, tem uma postura muito radical. Questionado quanto ao que ele considera como radical, nesse caso, o mesmo respondeu: “Veja bem, a partir do momento que o sindicalista não aceita sentar na mesa para negociar e resolver o problema do trabalhador, essa pessoa passa a ser radical”. O mesmo alega ainda que, na atual conjuntura, deve existir uma boa relação entre os sindicatos e as empresas. Caracterizando bem o direcionamento que o sindicalismo atual está tomando, frente ao processo de reestruturação do capital e as mudanças no mundo do trabalho, expressas através da precarização e da superexploração da força de trabalho. Sindicatos cada vez mais sujeitos aos ditames do capital, que se pautam no estabelecimento de acordos com os empresários e concessões para manter uma garantia mínima de emprego, distanciando-se cada vez mais da luta anticapitalista. É como afirma Antunes:

os sindicatos estão aturdidos e exercitando uma prática que raramente foi tão defensiva. [...] aderindo ao acrítico sindicalismo de participação e de negociação, que em geral aceita a ordem do capital e do mercado [...]. Distanciam-se da ação, desenvolvida pelo sindicalismo classista e pelos movimentos sociais anticapitalistas, que visavam o controle social da produção [...]. Tramam seus movimentos dentro dos valores fornecidos pela sociabilidade do mercado e do capita. (1997, p. 35).

Na fala do presidente do STR de Ribeirão Preto é possível identificar estes dois aspectos, ou seja, a “necessidade” dos sindicatos se adequarem às novas mudanças na economia mundial, que afetam o mundo do trabalho e a crítica aos sindicatos mais combativos, ou mais resistentes às investidas do capital.

121

Infelizmente o sindicalismo hoje não é mais de mobilização. Os sindicatos não estão mais preparados para isso. Hoje, se não tiver diálogo, se não souber negociar acaba ficando para trás. Quando há um sindicato que não tem isso, ele acaba assinando um acordo ruim e, atrapalhando os outros que estão negociando.

O mesmo alega que a região de Ribeirão Preto é unida, por isso possui os melhores pisos salariais do estado, mas faz uma ressalva dizendo que o sindicato de Sertãozinho por “ser de outra linha”, ou seja, não ter a mesma postura política dos dirigentes dos STRs, muitas vezes dificulta as negociações. Esse dirigente sindical acredita que quanto maior o desemprego maior também será o enfraquecimento do movimento sindical. O que fortalece o sindicato é a “massa”, os trabalhadores. Conforme a categoria vai diminuindo, o sindicato vai também enfraquecendo e a mobilização do trabalhador fica cada vez mais difícil. Segundo ele, é um custo conseguir mobilizar os trabalhadores, sobretudo em torno de uma greve, quando eles sabem que se um for demitido terá dez na fila esperando para entrar em sua vaga. Um outro fator que ele julga ser capaz de desmobilizar os trabalhadores é a disputa

por

representação

que

se

manifesta

territorial

e

politicamente.

Para

ganhar

representatividade um sindicato começa a fazer jogo político contra o outro, deixando o trabalhador sem saber em quem acreditar. Isso resulta no que Thomaz Júnior, denomina de “duplicidade de representação dos trabalhadores” e, portanto, na “dupla territorialidade de representação nos municípios-sede” (2002c, p. 284-285). Percebemos que entre os dirigentes sindicais que demonstraram ser mais atuantes, há a preocupação em mudar a atual estrutura e organização sindical, cheia de vícios. Entre aqueles que eram ligados a Fetaesp e que estão se filiando a Fercana, por exemplo, alguns esboçam preocupação com a moralização dos sindicatos, que pode se efetivar a partir da conscientização dos trabalhadores e de um movimento em nível estadual para “retirar de cena” os dirigentes que não representam a categoria, que são apontados como pelegos, corruptos ou descompromissados.

122

Eu acho que para mudar o sindicalismo que está aí é necessário que a federação seja muito forte e que tenha realmente um bom projeto para, inclusive, estar destituindo do “poder” esses que estão no sindicato há muitos anos e que não fazem nada. (grifo nosso)

De modo geral, verifica-se que estas instâncias sindicais de representação dos trabalhadores estão desprovidas de projetos próprios que discutam o atual cenário do setor sucroalcooleiro e que resgatem a luta de classe, no sentido de desqualificar a dominação e controle social do capital sobre o trabalho.

2.6.2.2 – A organização e o controle do capital sucroalcooleiro sobre a força de trabalho

Põe-se em questão nesse momento a compreensão de como tem sido efetuada a organização e o controle da força de trabalho na agroindústria canavieira paulista e, de modo particular, nas empresas que visitamos. Destacando-se que a avaliação que faremos levará em conta não só as investigações efetuadas junto as empresas, mas também aquelas realizadas junto aos sindicatos. O processo de globalização da economia e de reestruturação produtiva do capital

em

nível

mundial,

alavancou

profundas

transformações,

provocando

uma

ampla

remodelagem da gestão do processo produtivo. Numa economia cada vez mais competitiva, as mudanças se expressam através das inovações tecnológicas e das novas formas de gestão e controle do processo produtivo, definindo também novas formas de gestão e controle da força de trabalho. Na agroindústria canavieira essas mudanças se expressam através do controle automatizado do processo produtivo (sistemas de controle digital, por exemplo), sistemas de gestão e controle da qualidade (ISOs 9000 e 14000), projetos de certificação (socioambiental e orgânica), e outras inovações tecnológicas como a mecanização do corte da cana, por exemplo. Esta

mudança

impõe

um

novo

ritmo, intensidade,

qualidade

e

novas

especificações ao processo produtivo, repercutindo diretamente na força de trabalho, pois imprime novas qualificações e novo posicionamento dos trabalhadores frente ao processo de

123

produção e de trabalho (a exemplo do que já discutimos sobre a adoção da automação microeletrônica, ISOs 9000 e 14000 e certificação orgânica, em outras passagens deste trabalho). Esse sistema de gerenciamento e controle da força de trabalho, ocorre em sintonia com os esquemas de produtividade, ou seja, para obter maiores ganhos de produtividade, o capital investe em tecnologia, reduz o quadro de empregos e impõe condições para os trabalhadores ainda inseridos no processo. Tendo em vista a intensificação da mecanização do corte de cana, a produtividade do trabalho no corte manual também aumentou. A média de corte de uma empresa para outra tem variado entre 8 e 10 toneladas de cana por dia, no entanto, tem trabalhador que chega a cortar até mais de 15 toneladas. As empresas estão cada vez mais exigentes e seletivas com relação a isso, preferindo contratar trabalhadores dentro desta média de produção diária. O depoimento deste dirigente sindical reforça nossa afirmativa: “A usina não aceita se cortar menos de 10 toneladas. Se cair a produção ela dá as contas. Eles querem que o homem vire máquina. Se a gente quiser negociar 7 ou 8 toneladas por dia ela não aceita”. Como vemos, as metas da empresa e o processo de mecanização do corte está impondo um novo ritmo ao trabalho manual. Na fala de outro dirigente essa situação também se confirma: “Hoje, a média está sendo de 13 toneladas de cana por dia, até porque eles estão selecionando os trabalhadores”. E um outro diz ainda: “A média de corte estipulada pela empresa para o trabalhador é de 8 toneladas por dia. Mas se ele não atingir essa média a empresa não contrata”

119

. Essa exigência das empresas quanto a produtividade média de corte por

trabalhador/dia, eleva ao extremo o desgaste físico do trabalhador, visto que estes se esforçam para se manterem dentro da média e garantirem uma vaga para a próxima safra. O controle da força de trabalho pelo capital, se expressa também na seletividade que há com relação a idade dos trabalhadores. Quando estes atingem os 40 anos já são preteridos pelas empresas, que alegam como motivo para não contratá-los a que da produtividade do trabalho. “Se o cara estiver no corte de cana e fizer 40 anos amanhã ele será mandado embora, 119

A esse respeito Thomaz Júnior (2002, p. 211-212), ressalta que tem empresas que adotam a estratégia da premiação (carros, bicicletas e eletrodomésticos) para viabilizar a intensificação do ritmo do trabalho no corte de cana. Nesse processo que ele denomina de “bingo da morte”, os trabalhadores que atingem as metas estipuladas pela empresa, podem vir a ser a “próxima vítima desse ‘sorteio’ desleal”, tendo em vista que os trabalhadores não medem esforços para conseguir o prêmio oferecido. Essa premiação serve, portanto, de incentivo para que muitos trabalhadores aumentem a produtividade média do corte/dia, caracterizando assim a superexploração do trabalho.

124

principalmente se ele reduzir sua capacidade de corte”, alegou o presidente do SER/Sertãozinho. Apesar dos sindicatos denunciarem este fato, as empresas sucroalcooleiras negam, alegando que mantém no corte de cana trabalhadores de até 60 anos. Na Usina Cresciumal, por exemplo, o pessoal entrevistado alegou que a empresa chegou a contratar o trabalhador de 63 anos.

Na entressafra nós contratamos um que tem 63 anos. Se a pessoa fala que tem condições de trabalhar nós contratamos. Foi um caso que chamou muito a atenção da supervisão, por causa do seguro de vida, porque nós tivemos que fazer um seguro diferenciado para ele, pois as pessoas com mais de 60 anos, as companhias de seguro cobram mais. Mas, um pelo outro, acabamos deixando-o na turma, sem comprometer o andamento do trabalho.

Este pareceu ser um caso à parte, não costuma ser uma regra nas empresas, mas o que nos chamou atenção para esse depoimento, e que acreditamos estar relacionado com as restrições quanto a contratação de trabalhadores acima dos 40 anos, é justamente o fato de que este trabalhador pode representar um custo a mais para a empresa, a exemplo do seguro de vida e até mesmo dos planos de saúde contratados pela empresa. A seletividade se expressa também através da preferência que várias empresas dão para os trabalhadores migrantes. Estas se utilizam da possibilidade de dispor dessa mão-deobra para exercer seu poder de persuasão junto aos trabalhadores locais, diante de alguma reivindicação ou mesmo quando há ameaça de greves. Essas empresas fazem uso do discurso de que os trabalhadores migrantes são mais produtivos (cortam mais toneladas de cana por dia), reivindicam menos e não têm os “vícios”120 dos trabalhadores locais. Um exemplo disso foi quando algumas empresas adotaram o sistema 5 por 1. A decisão teve que ser discutida em assembléia, pois os trabalhadores locais não queriam trabalhar aos domingos, enquanto os mineiros e nordestinos que ficam em alojamentos e

120

O presidente do STR de Valparaíso alegou que as empresas preterem os trabalhadores locais não só porque eles têm uma produção menor do que os migrantes (tem mineiros que cortam três vezes mais cana do que os trabalhadores locais), mas também porque tem trabalhadores que são faltosos e não justificam suas faltas, ou então por que entram com algum recurso contra a empresa junto à Justiça do Trabalho, no final da safra.

125

pensões, distantes de suas famílias, não fazem objeção, pois na visão deles trabalhar mais pressupõe ganhar mais. Nesse caso o convencimento é feito através de cesta básica ou “participação no lucro”. Até a cesta básica é utilizada como forma de controle. O trabalhador não pode faltar um dia sequer, pois perderá o direito à cesta no final do mês, a menos que tenha faltado por motivo de doença e tenha como comprovar121 . Em todas as regiões/EDR’s em que visitamos empresas e sindicatos, foi destacada a presença de trabalhadores migrantes. O presidente do STR de Lençóis Paulista, alegou que todos os anos durante a safra o município de Lençóis e Macatuba recebem em média 1.200 trabalhadores mineiros. O presidente do STR de Valparaíso também alegou que a Univalem tinha (em 2002) cerca de 1.600 trabalhadores no corte de cana, a Benalco em torno de 1.000, só que desses 2.600 trabalhadores apenas cerca de 600 eram de Valparaíso, a maioria era de mineiros e nordestinos. Em Leme, são em torno de 1.500 os trabalhadores locais e cerca de 2.800 a 3000 trabalhadores que vêm somente para “fazer a safra”. O presidente do STR de lá abordou os problemas que esta migração sazonal trás para a cidade de Leme, bem como o fato da grande oferta de mão-de-obra influenciar nos acordos coletivos, rebaixando salários e aumentando a concorrência pelas vagas no corte de cana. No entanto, o mesmo ressaltou que adotou uma saída para não criar divergências e nem prejudicar os trabalhadores que residem em Leme. Nos acordos coletivos, as negociações com os empresários são encaminhadas no sentido de priorizar os trabalhadores locais. Um outro aspecto interessante que envolve esses trabalhadores migrantes é a forma como são arregimentados e as condições em que são alojados. Geralmente eles vêm trabalhar nas lavouras canavieiras de São Paulo atraídos por “agenciadores de mão-de-obra” (aqueles que têm uma empresa prestadora de serviços, as empresas terceirizadas). Muitos deles são iludidos com falsas promessas de agenciadores ou de “gatos”, de que tem muito emprego nas usinas de São Paulo, que vão ganhar muito dinheiro e que vão chegar e já ter um emprego garantido122. Além disso, as empresas que os contrata, e os abriga em alojamentos, usam essa condição dos trabalhadores para exercer seu controle sobre eles. É mais difícil para o trabalhador 121

Essa declaração foi feita pelo presidente do sindicato de Lençóis Paulista. Esse aspecto foi levantado pelos próprios trabalhadores durante uma conversa informal, no STR de Leme. Inclusive foram estes que revelaram a exploração que sofrem por parte das empresas terceirizadas. 122

126

que está morando em local cedido pela própria empresa se envolver em mobilizações ou greves, ou mesmo participar de reuniões ou assembléias. O presidente do STR de Leme, talvez pela cidade absorver um grande contingente de migrantes, foi o dirigente sindical que mais alegou problemas relacionados direta ou indiretamente a estes trabalhadores. O mesmo disse que há algum tempo atrás recebeu uma denúncia feita por um trabalhador da base sindical de Itabira, sobre um grupo de trabalhadores que tinha sido alojado por usinas em local isolado, sem água, sem luz e sem banheiro. O referido dirigente sindical alegou ainda que no início dos anos 1990, ocorreram casos parecidos em Leme, mas o sindicato entrou em ação, a imprensa divulgou, a polícia interveio e o agenciador foi indiciado e preso. Diante do ocorrido, a empresa agenciadora que dava emprego para cerca de 2.000 trabalhadores, teve de ser fechada e os trabalhadores foram mandados de volta para seus locais de origem. Este dirigente sindical alegou que hoje, o STR de Leme não aceita que as empresas da região abriguem esses trabalhadores em alojamentos, então aqueles que não têm parentes já morando na cidade, moram em pensões ou casas alugadas. Mesmo assim “a qualidade de vida é péssima”. O presidente do STR de Valparaíso alegou que em 2002, a Univalem tinha cerca de 400 trabalhadores migrantes em alojamentos construídos recentemente, mas não apontou nenhum problema quanto as condições da moradia. Já o dirigente sindical de Lençóis Paulista disse que já houve algumas reclamações de trabalhadores. Uma vez os trabalhadores reclamaram do preço da cana e, por isso foram mandados embora e numa outra, a reclamação foi referente às condições do local onde dormiam (os colchões eram muito finos, tornando-se desconfortáveis para os trabalhadores depois de um dia exaustivo). Segundo ele, nesse caso a situação foi resolvida à contento. Além de selecionar os trabalhadores no corte, por produção, e de reduzir o número de trabalhadores, as empresas sucroalcooleiras direcionam para o corte manual, áreas cada vez menores e mais difíceis de serem colhidas com máquina; mais declivosas, com cana deitada e mais fraca (com até mais de quatro cortes). Verifica-se, além disso, que com a intensificação do uso da máquina no corte de cana, está havendo o encurtamento dos dias trabalhados. A exemplo da Usina São João, de Araras. Antes de adquirir tantas máquinas, a empresa efetuava em torno de 1.800 contratos de

127

trabalho só em Leme. Em 2002, esta terminou a safra no mês de outubro com apenas 340 trabalhadores no corte de cana. Isso se explica pelo fato desta empresa já possuir cerca de 70% da colheita da cana mecanizada123. Essa nova dinâmica provoca diferenciação e segmentação da mão-de-obra, visto que os trabalhadores são divididos em permanentes e temporários. Entre os denominados permanentes encontra-se os motoristas, tratoristas e operadores de máquinas, os quais são classificados como trabalhadores qualificados. Entre os temporários se encontram os cortadores de cana e os bituqueiros, considerados sem qualificação124 . Com as mudanças nos mecanismos de controle, fiscalização e arregimentação do trabalho, a importância dos técnicos especializados tem aumentado, transformando as antigas relações de compadrio, nas frentes de trabalho, em relações mais impessoais, aumentado a produtividade dos trabalhadores (THOMAZ JÚNIOR, 2002c, p. 207). Com as inovações nas formas de controle do processo de trabalho, o capital acaba garantindo poucos empregos “fixos”, em detrimento de uma maioria. Nesse particular, Thomaz Júnior (2002c, p. 207-208), ressalta que não há garantia de empregos fixos, tendo em vista que não são os mesmos trabalhadores que permanecem durante todo ano, uma vez que os contratos não são anuais. Estes são efetuados por tempo indeterminado, geralmente coincidindo com o período da safra. Mesmo havendo aumento do número de trabalhadores contratados por tempo indeterminado (“fixos”), este continua sendo pouco expressivo se comparado ao contingente de safristas e volantes 125 contratados no período da safra, sobretudo migrantes. Estes, como já mencionamos anteriormente, são geralmente arregimentados pelos “gatos” ou por agenciadores de empresas que prestam serviços terceirizados às empresas sucroalcooleiras. Trabalham em condição de superexploração, a qual se expressa, muitas vezes, na falta de registro em carteira, nas condições precárias de moradia, no tempo trabalhado a mais e, sobretudo na forma de pagamento. Essa superexploração foi denunciada pelos dirigentes sindicais (de forma sutil) e pelos próprios trabalhadores.

123

Informação concedid a pelo presidente do STR de Leme. Para mais detalhes, ver: THOMAZ JÚNIOR, 2002c, p. 206. 125 Os sacristas possuem contrato de trabalho determinado, por safra. Já os volantes, geralmente são arregimentados pelos “gatos” e sem contrato formal. Para mais detalhes, ver: THOMAZ JÚNIOR, 2002c. 124

128

De acordo com o depoimento deles, a empresa sucroalcooleira paga, por exemplo, R$ 0,20 centavos por metro de cana para o trabalhador fixo, contratado diretamente por ela e fecha contrato com a empreiteira considerando esse mesmo valor. No entanto, a empresa agenciadora de mão-de-obra repassa para o trabalhador apenas a metade desse valor, ou menos 126 . Verificamos

que

estes

trabalhadores

têm

consciência

da

condição

de

superexploração a que são submetidos, no entanto, não reagem alegando não disporem de outras alternativas. Foi isso que percebemos na fala dos próprios trabalhadores e no depoimento do presidente do STR de Leme, quando este se referiu a Usina Iracema. Por ser uma empresa que utiliza grande número de trabalhadores terceirizados, é uma das que mais tem apresentado problemas, no entanto ele admite que mesmo entrando com ações na Justiça do Trabalho, não há muito o que fazer, pois o trabalhador precisa do emprego:

Essa é uma das usinas que mais dá problemas para nós, exatamente por conta da terceirização da mão-de-obra. Eu, particularmente, acho que o que as usinas pagam para a empreiteira deveria pagar diretamente para o trabalhador, porque as empreiteiras acabam ganhando às custas do trabalhador. O lucro dela é tirado em cima do próprio trabalhador. Nós já brigamos, já fizemos de tudo, já entramos na Justiça, mas a Justiça, infelizmente para esses casos... e os trabalhadores, de certa forma, acabaram aceitando porque tinham que trabalhar.

O que acaba acontecendo quando o trabalhador está trabalhando em situação irregular, ou seja, além de terceirizado sem carteira assinada, é que se acontece algum problema com ele, um acidente de trabalho, por exemplo, ninguém quer assumir a responsabilidade. A empreiteira atribui a responsabilidade a empresa sucroalcooleira, alegando que só estava 126

Conforme declaração feita por um trabalhador do Piauí, que tinha sido contratado por uma dessas empresas terceirizadas, para cortar cana na Usina Iracema, cuja mão-de-obra contratada para o corte manual é totalmente terceirizada. Cabe ressaltar que apesar de optarmos em discutir a questão do trabalho a partir das visitas aos sindicatos, não abrimos mão de conversar com os trabalhadores, mesmo que de modo informal. A visita ao STR de Leme foi uma das mais significativas, justamente pelo fato de encontrarmos lá vários trabalhadores ligados tanto ao corte de cana, como a colheita da laranja e, ter a oportunidade de ouvir seus queixumes sem que eles se sentissem desconcertados com questões formais. O importante é que a conversa fluiu naturalmente, dando-nos a possibilidade de poder avaliar as situações vivenciadas por eles.

129

prestando serviço para ela e a empresa sucroalcooleira devolve a responsabilidade para a empreiteira isentando-se da mesma, sob a alegação de que o trabalhador foi contratado por ela. Nesse “jogo de empurra empurra”, o sindicato acaba “esquecendo” o terceiro e lutando com o patrão, pelo menos foi o que ouvimos de alguns dirigentes sindicais127 . A esse respeito o presidente do SER de Sertãozinho alegou, à título de exemplo, que: Tem três empreiteiras que fornecem mão-de-obra terceirizada, no corte de cana, para a Usina Albertina e, as maiores reclamações vêm justamente desses trabalhadores. Quando eu vou reclamar o pessoal da Usina fala: há! Mas nós não temos nada a ver com a empreiteira. Então eu falo: mas eles não cortam cana para mim e sim para vocês. Se a empreiteira está errada vocês tem de cobrar! A superexploração se expressa também no momento de medir a produção do trabalhador, pois, segundo a alegação dos dirigentes sindicais, os fiscais que acompanham o corte de cana, muitas vezes ludibriam os trabalhadores e favorecem a empresa. “O cara corta 200 metros de cana e eles marcam 199, porque, enquanto o fiscal está medindo aqui, o trabalhador já esta cortando cana em outro talhão, não vendo que está sendo roubado”. Desse modo, cabe ressaltar que, apesar dos avanços e conquistas sociais e políticas obtidas pelos trabalhadores, a superexploração do trabalho ainda é evidente em muitas empresas. Haja vista a resistência do capital em mudar a forma de medição, pesagem e pagamento da cana cortada manualmente, a qual revela-se injusta, como o próprio dirigente sindical citado acima alega e Thomaz Júnior, destaca:

[...] o fato de o pagamento por produção em toneladas não ser acompanhado e fiscalizado pelos trabalhadores ou pelos sindicatos, facilita o roubo, pois essa atividade fica por conta, exclusivamente, dos fiscais, que fazem a conversão da densidade linear do peso equivalente

127

Segundo o presidente do STR de Leme, a Junta de Araras está abarrotada de processos nestas condições, tanto que o mesmo já efetuou pedido para que estes sejam transferidos para Leme, para que sejam solucionados.

130

de um metro linear, geralmente utilizando-se como instrumento de medição o compasso de 2 metros 128(2002c, p. 213-214).

Além disso, o pagamento da cana cortada está relacionada também à classificação da cana, se de ano-e-meio (cana forte), se de segundo ou terceiro corte (média), ou de quarto corte em diante (considerada fraca), independente da variedade 129 . Pressupõe-se que quanto mais nova e forte a cana melhor será a produção. Na verdade, essas são armas importantes nas mãos do capital, para continuar extraindo sobretrabalho, controlando o processo de trabalho e mantendo a superexploração, a exemplo do que ocorreu com os indígenas arregimentados pela Usina União, (sobre a qual fizemos referência anteriormente),

os quais estavam sendo mantidos em regime de semi-

escravidão, em condições de moradia precárias e recebendo entre R$ 3,00 e R$ 4,00 por dia trabalhado. O presidente STR de Barra Bonita, alega que uma das maiores preocupações dele é com relação a terceirização da mão-de-obra, justamente porque o trabalhador é muito mais explorado. Ele alegou, por exemplo, que se o trabalhador ganha R$ 550,00, quando diretamente contratado pela usina, passa a ganhar R$ 350,00 ou R$ 300,00, quando seu serviço é terceirizado. Esse dirigente sindical ressaltou também que em 2002, o sindicato teve que entrar com várias ações trabalhistas contra as empreiteiras, fornecedores e até contra a própria Usina Da Barra, pois estes últimos são quem detém o capital e entram como fiadores das empreiteiras, então se acontece algum problema entre os trabalhadores e a empreiteira, fornecedores e usina também devem ser indiciados. Já o presidente do STR de Ariranha130 , disse que na sua região são poucos os trabalhadores terceirizados, a maioria são contratados diretamente pelas usinas131 . Talvez por isso, o mesmo tenha alegado que não há problemas na região envolvendo estes trabalhadores. Não sabemos se por falta de informação ou por omissão, mas o fato é que este disse que lá todos 128

Cabe ressaltar que em algumas empresas que visitamos, os sindicatos (pelo menos os mais atuantes) tem acompanhado com uma certa freqüência esse esquema. 129 Para mais detalhes, ver: THOMAZ JÚNIOR, 2002, p. 214. 130 Esse sindicato era extensão de base do STR de Catanduva até 1998, desmembrando-se em junho desse mesmo ano. 131 O mesmo fez referência a várias empresas da região/EDR de Catanduva, como a Colombo (esta possui maior parte das terras próprias e 20 máquinas no corte de cana), a Catanduva, a São Domingos, a Cerradinho, e a Bartolo (esta última não dispõe de máquinas e utiliza mais mão-de-obra terceirizada), entre outras.

131

têm direitos iguais, independente de serem terceirizados ou contratados diretamente pelas empresas sucroalcooleiras. Como o capital procura assegurar-se de todas as formas como elemento hegemônico no processo produtivo e subsumir o trabalho sob seu controle, uma das formas dele conseguir isso é intensificando e fortalecendo a ligação da planta fabril com a lavoura. Nesse particular, destaca-se a intensificação do corte mecanizado. Se antes os trabalhadores tinham no corte manual um trunfo contra o capital, provocando paralisações no processamento industrial, ao efetuar manifestações paredistas, hoje, com o apontamento tecnológico do corte de cana crua, o processo se reverte em favor do capital. No sistema de processamento contínuo não se admite interrupções no processamento. Desse modo, a lavoura tem de acompanhar o ritmo da indústria. Para isso o fornecimento de cana para a usina é ampliado para os domingos e feriados. Apesar dos trabalhadores ainda responderem por grande parte do corte de cana no estado de São Paulo e estarem inseridos nesse processo de ampliação do fornecimento da cana para a usina aos domingos e feriados, especialmente naquelas que adotaram o sistema 5 por 1132 , não conseguem mais exercer pressão sobre o capital. Ao menor sinal de paralização ou greve o capital sucroalcooleiro se arma com seu mais novo mecanismo de persuasão que é a máquina colheitadeira. Nesse contexto, conforme destaca Thomaz Júnior (2002c, p. 217), o “poder de fogo”, foi transferido pelo capital, para os trabalhadores qualificados, ligados ao corte mecanizado, como os operadores de máquinas, motoristas e tratoristas que, independente da terceirização do transporte e carregamento da cana se encontram fortalecidos. Com relação a intensificação do corte mecanizado, vale a pena destacarmos como esse processo está sendo encarado por trabalhadores e sindicatos. Todos os dirigentes sindicais, de alguma forma demonstraram preocupação, no entanto, percebe-se que estes estão sem ação para lutar contra isso. Ao mesmo tempo que condenam a intensificação do uso da máquina no corte de cana, alegam ser este trabalho desumano, extenuante para o trabalhador. A alternativa mais apontada pelos presidentes dos STRs, apesar de controversas, foi a criação e

132

O sistema 5 por 1 foi implantado por algumas empresas sucroalcooleiras, vis ando estender o período de corte e de fornecimento da cana para a usina. No mesmo, os trabalhadores trabalham cinco dias e folgam um, sem descanso no final de semana, ou seja, o descanso coincide com a folga que ocorre em qualquer dia da semana.

132

ampliação de cursos de capacitação, para que estes

trabalhadores possam se inserir

gradativamente em outras atividades dentro e fora do setor. O

presidente

do

STR

de

Valparaíso

acredita

que

se

as

empresas

sucroalcooleiras da região aumentarem o número de máquinas e, consequentemente, o percentual de corte mecanizado, o desemprego será grande, uma vez que a lavoura de cana é a que mais gera emprego na região. Tendo em vista que as cidades são de pequeno e médio porte, sem muita oferta de emprego e os trabalhadores não possuem qualificação para atuar em outras atividades que não o corte de cana, a saída, segundo ele, seria incentivar o desenvolvimento de outras culturas na região para manter o emprego no campo. A parceria que deveria haver entre empresas, sindicatos e o poder público, visando a oferta de cursos de capacitação desses trabalhadores, discutida no âmbito da Câmara Setorial Sucroalcooleira, quando da criação do Decreto nº 42.056/97, e do Pacto pelo Emprego, se mantém no nível do discurso. As empresas sucroalcooleiras, quando oferecem algum treinamento, este é restrito para um número limitado de trabalhadores. Quando elas necessitam de mão-de-obra especializada para o corte mecanizado, como operadores de máquinas, tratoristas ou motoristas, selecionam dois ou três entre centenas de trabalhadores. “Se eles treinam algum trabalhador para atuar em outras funções é um só no meio de quinhentos”, alega o presidente do SER, de Sertãozinho. Ele é contra a mecanização, porque esta tira o emprego de milhares de trabalhadores, mas, ao mesmo tempo, destaca que o corte manual é muito “sacrificante”, por isso um dia terá de acabar. Ele acredita que outras alternativas devem ser buscadas, até porque é um processo que já está em curso. Ao incorporar a tecnificação, a exemplo da mecanização do corte de cana, o capital dirige unilateral e exclusivamente, o ritmo e o conteúdo que o desemprego vem alcançando nos últimos anos. Nesse contexto, a Câmara Setorial se descaracteriza, pois não consegue dar conta das proposições para as quais foi criada, ou seja, atuar como entidade reguladora (e mediadora) das questões que envolvem tecnologia e meio ambiente no âmbito da agroindústria sucroalcooleira paulista, e os trabalhadores e entidades sindicais não conseguem esboçar alternativas que se contraponham às investidas do capital. Põe-se em cena uma questão importante: que referenciais poderiam ser construídos via entidades sindicais que pudessem ir além da luta pela manutenção do emprego,

133

por melhores condições de trabalho e de salário? As ocupações de terra e luta pela reforma agrária? Estas questões comparecem na fala de alguns dirigentes sindicais e trabalhadores, mas ainda não se constituem um plano de luta ou mesmo uma questão estratégica dos trabalhadores e entidades sindicais, frente ao processo de redefinições técnico-produtivas e organizativas do capital. A incorporação dessa bandeira perpassa pela superação das divergências ideológicas inter sindical (STRs e SERs) e da visão de que ocupar terras de usinas inadimplentes ou desativadas seria uma alternativa para resolver questões emergenciais e pontuais a serem encabeçadas por entidades de esquerda ou que possuem uma postura progressista. Para o dirigente sindical do SER de Sertãozinho

há duas alternativas possíveis

para o quadro de desemprego que desponta na lavoura canavieira: capacitar os trabalhadores para que sejam reinseridos no mercado de trabalho, exercendo outras funções, ou “invadir terras”, inclusive das próprias usinas. Outros dirigentes sindicais também alegaram a reinserção do homem no campo, como sendo uma saída para o desemprego gerado no corte de cana, mas não de forma “radical” como eles julgam ser a invasão de terras. Nesse caso, a alternativa tem de partir do Governo, através de um projeto de reforma agrária. A esse respeito, o secretário geral do SER de Presidente Prudente alegou que o maior projeto deste sindicato é a formação de assentamentos rurais, voltados para os trabalhadores desempregados no corte de cana. O mesmo ressalta que apesar de saber que haverá com isso, a redução do número de trabalhadores na base, defende a criação dos assentamentos, pois esta é uma forma de inseri-los na terra, resgatando-lhes a cidadania e dando-lhes condições de se tornarem futuros empregadores. Segundo o presidente do STR de Ribeirão Preto, apesar do corte manual ser desgastante para o trabalhador, é preciso reconhecer o problema social que o fim deste acarreta. Desse modo, enquanto não houver uma política definida pelo Governo, apontando um alternativa para esses trabalhadores, ele continuará defendendo a manutenção do emprego no corte manual da cana-de-açúcar. De acordo com o presidente do STR de Barra Bonita, a região tem cerca de 4 a 5 mil trabalhadores no corte de cana. A Usina Da Barra absorve a maioria dessa mão-de-obra, mas só 1.300 pertencem a base de Barra Bonita, os demais são de outras bases (cerca de 14 ou 15 municípios). Apesar de não saber quantas máquinas a empresa está utilizando no corte da cana, o

134

mesmo alega que o corte mecanizado já representa cerca de 70%, enquanto o corte manual representa os 30% restantes. Mesmo assim ele não acha que o desemprego seja tão grande na região. Ele acredita que se o corte manual da cana-de-açúcar se extinguir um dia não será somente por causa da mecanização, mas também porque os trabalhadores, principalmente os jovens, não querem mais este tipo de trabalho e estão buscando, através da educação básica e de cursos técnicos, abrir novas perspectivas de trabalho. Verifica-se ainda, em relação ao corte mecanizado, que nas áreas onde o grau de mecanização é maior, a tendência é haver a diminuição da área cortada manualmente. Tem empresas modificando o sistema de plantio, visando melhorar o acesso e o desempenho da máquina. A Usina Barra Grande, por exemplo, está substituindo o sistema de sete ruas pelo de dez. Este novo sistema permitirá que a máquina corte mais cana numa mesma área133. Cada máquina requer um operador, um motorista para o transporte da cana e um bituqueiro (que cata as sobras deixadas para trás pela máquina). Desse modo, teremos ocupados diretamente no corte mecanizado três ou quatro trabalhadores, em detrimento de 80 ou 100 que são substituídos pela máquina. Nesse caso, o depoimento do gerente de mecanização da Usina Cresciumal reforça nossa afirmativa: “Retiramos alguns trabalhadores do corte e aproveitamos como motoristas, engatador de julieta, ou na própria indústria. Toda vez que temos necessidade desse tipo de mão-de-obra buscamos no corte de cana mesmo.” O interessante é que mesmo a empresa tendo aumentado sua produção de 800 mil para 1.300.000 toneladas, o quadro de trabalhadores “fixos” não se alterou, o que houve foi o remanejamento de alguns trabalhadores ligados ao corte manual para o corte mecanizado, tendo em vista que a empresa aumentou o número de máquinas, que passaram a colher a diferença. Vemos portanto, que a especialização se dá a partir da divisão técnica e territorial do trabalho e, ao materializar-se gera desemprego e superexploração da força de trabalho, requerendo novas formas de gestão e controle do processo de trabalho. As empresas buscam cada vez mais aumentar a produtividade, a qualidade dos produtos e processos, a diferenciação e diversificação de produtos, bem como a competitividade,

133

Cabe res saltar que, no momento não temos condições de esclarecer melhor como funciona esse sistema, porque as informações fornecidas pelo referido dirigente sindical não foram muito precisas e, também porque não tivemos a possibilidade de constatá-lo na própria empresa, haja vista esta não ter se disponibilizado a nos receber. Desse modo, maiores esclarecimentos ficarão para investigações posteriores.

135

especialmente no mercado internacional. Para isso, investem em novas tecnologias, a exemplo dos projetos e pesquisas na área de biotecnologia, do sistema ISO 9000, dos investimentos em cogeração de energia e dos novos referenciais ambientais, como a ISO 14000 e a produção/certificação orgânica. (questões que discutiremos nos capítulos subseqüentes). Nesse cenário, o trabalhador perde importância e é redimensionado pelo capital, que tem como referência a redefinição técnica da força de trabalho no processo de produção.

136

CAPÍTULO III

A EMERGÊNCIA DE NOVOS REFERENCIAIS AMBIENTAIS e TECNOLÓGICOS PARA O PROCESSO PRODUTIVO SUCROALCOOLEIRO: OS DESDOBRAMENTOS PARA O CAPITAL E PARA O TRABALHO

Sem dúvida, a apropriação da natureza só pode desenvolver-se com base em sua dominação. Mas a primeira não se reduz à segunda – no máximo, fornece-lhe os meios – , como tenta acreditar o industrialismo capitalista (BIHR)

Durante os anos 1990, a dinâmica da ordem mundial vigente foi assinalada por duas questões estruturais. Por um lado, o desgaste dos

Estados nacionais, mediante o triunfo do

mercado cada vez mais mundializado e do enfraquecimento das ideologias e forças políticas estatistas frente às políticas neoliberais. Por outro, a emergência ou intensificação dos problemas socioambientais em escala global, os quais se expressam através dos riscos de acidentes nucleares ou biotecnológicos, armas químicas e dos efeitos da poluição na camada de ozônio, entre tantos outros. Nesse contexto, emergiram e desenvolveram-se um conjunto de organizações não-governamentais em defesa do meio ambiente; de grupos e instituições científicas que estudam os problemas ambientais; de novos profissionais (administradores e gerentes) que trabalham implementando o paradigma de gestão ambiental para os processos produtivos. Tivemos portanto, uma maior conscientização acerca da questão ambiental, que se reflete na criação de agências estatais e tratados internacionais encarregados de equacionar os problemas ambientais em escala mundial, bem como no aumento do mercado consumidor “verde”, ou seja, de pessoas que buscam alimentos mais saudáveis (particularmente os provenientes da prática da agricultura orgânica). São atores e processos que constituem o movimento ambientalista global, cujos valores e propostas disseminam-se pelas estruturas governamentais, ONG's, grupos comunitários de base, comunidade científica e empresariado (VIOLA & LEIS, 1995, p. 76).

137

No início dos anos 1970, as posições ambientalistas polarizaram-se em duas vertentes, a saber: de um lado, a minoria catastrófica, expressa através do relatório “Os Limites de Crescimento”, elaborado pelo “Clube de Roma”134, a qual acreditava na necessidade de parar o crescimento tanto econômico como populacional. Do outro, a maioria gradualista, expressa através da Conferência de Estocolmo em 1972, a qual acreditava ser necessário estabelecer o mais rápido possível mecanismos de proteção ambiental que pudessem corrigir os problemas causados pelo desenvolvimento econômico e revertessem a dinâmica populacional. Com a publicação do relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, “Nosso Futuro Comum” (também denominado Relatório Brundtland), em 1987, o conceito de desenvolvimento sustentável ganhou destaque dentro do movimento ambientalista. Desse modo, o debate travado durante os anos 1970, o qual, de certa forma, separava as questões ambientais e econômicas, foi pouco a pouco substituído por outro cuja preocupação central é “como fazer” para que o desenvolvimento sustentável seja atingido. A proposta de desenvolvimento sustentável ganhou reconhecimento e adquiriu

pluralidade, ao

atrair para o debate os mais variados segmentos da sociedade (ambientalistas, políticos, acadêmicos, etc.). As bases consensuais do desenvolvimento sustentável expressas no Relatório Brundtland, pautam-se no ideal de harmonização entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental. No entanto, o desenvolvimento sustentável vive hoje um dilema entre a “necessidade de continuar ampliando e consolidando suas bases de sustentação político-social a fim de transformar-se

numa alternativa realista ao modelo de desenvolvimento dominante, e a

necessidade de dar uma forte base científica a suas políticas” (VIOLA & LEIS 1995, p. 79). A resolução desse dilema certamente demandará algum recorte e adequação para que se chegue a um consenso entre “fins” e “meios”. Sobretudo pela dificuldade de articulação científica, haja vista as múltiplas dimensões de sustentabilidade (natural, social, econômica, etc.), permeadas por diferentes valores ético-sociais.

134

O “Clube de Roma” era uma entidade formada por um grupo de intelectuais, que produziram estudos a respeito da preservação ambiental. Esses estudos giraram em torno de quatro grandes questões, a saber: controle do crescimento populacional; controle do crescimento industrial; insuficiência da produção de alimentos; e esgotamento dos recursos naturais. As proposições do documento emitido pelo “Clube de Roma”, denominado “Os Limites do Crescimento”, dividiu as opiniões dos países, ficando de um lado os desenvolvidos e, do outro os países em desenvolvimento, tendo em vista que estas apontavam para os problemas de pobreza, de crescimento populacional, de poluição, envolvendo também o aspecto econômico de cada país.

138

Os

autores

acima

referidos,

classificam as versões de desenvolvimento

sustentável em três categorias: a estatista, a comunitária e a de mercado. O enfoque estatista considera que a qualidade ambiental é um bem público que deve ser resguardado de modo eficiente, necessitando portanto, de intervenção normativa, reguladora e promotora do Estado. Esse enfoque disseminou-se mundialmente entre técnicos de agências ambientais, economistas ligados a questão ambiental, ONG's, etc., e está associado historicamente com a emergência de políticas ambientais na Europa Ocidental e América do Norte. O enfoque comunitário considera que o papel predominante no comando de uma sociedade sustentável deve ser das organizações de base da sociedade, como os grupos comunitários e as ONG's, por exemplo. Esse enfoque tem como princípio a eqüidade social e desconfia do Estado e do mercado como alocadores de recursos. O enfoque de mercado parte da lógica intrínseca do mercado (apropriação privada dos recursos naturais e da qualidade ambiental e expansão dos chamados “consumidores verdes”) para justificar o avanço eficiente na direção de uma sociedade sustentável. Esse enfoque defende a necessidade de mecanismos estatais reguladores e a atuação educativa das ONG's, desde que ambas mantenham-se numa posição subordinada, não interfiram nos mecanismos de mercado. Tal enfoque vem se fortalecendo cada vez mais no âmbito empresarial, priorizando o princípio da eficiência alocativa em detrimento da eqüidade social. Segundo Gonçalves (1998), no mundo da mercadoria, na qual é o valor de troca que move a sociedade e não o valor de uso, o valor de uso é apenas um veículo de realização do valor de troca. Desse modo, é preciso que os ecologistas superem a preocupação com os efeitos naturais para poder superar o antagonismo existente entre ecologia e economia. É preciso cuidado ao dizer que os homens estão destruindo a natureza, pois é necessário ter clareza de quem são esses homens. Quem são os detentores do capital e da propriedade privada que, em função da concorrência no mercado são compelidos a aumentar a produtividade, lançando mão de técnicas mais eficazes, ecológicas ou não. Partindo desses pressupostos, procuraremos discutir e compreender os “novos” referenciais ambientais que o processo produtivo de um modo geral e, em especial do setor sucroalcooleiro vêm adotando, tendo em vista que tanto o cultivo da cana-de-açúcar, como a produção do açúcar e do álcool na unidade processadora, sempre estiveram associados à ocorrência de impactos ambientais, tais como a degradação dos solos pelo manejo incorreto; a

139

poluição dos cursos d’água, principalmente em virtude do destino incorreto dos efluentes líquidos, como o vinhoto por exemplo (este por muitos anos foi lançado diretamente nos rios e córregos), bem como a destruição da fauna e da flora, tanto em função dos efluentes lançados nos cursos d’água, como em função do fogo da queimada da cana-de-açúcar. Nos últimos anos as discussões recaíram sobre as queimadas, (prática adotada há séculos para facilitar o corte manual da cana), alegando-se serem estas causadoras de transtornos para as populações que habitam áreas próximas às lavouras de cana, em função dos gazes produzidos pela fumaça e lançados na atmosfera e da fuligem (carvãozinho), que sujam cidades e casas e agravam os problemas respiratórios da população, ao coincidir a colheita com o período mais seco do ano em que normalmente já há uma maior incidência de infecções respiratórias. Essa questão envolveu, especialmente no Estado de São Paulo, vários segmentos

da

sociedade,

(entidades

ambientalistas,

sindicatos,

trabalhadores,

empresários,

governo) numa polêmica discussão, a qual desembocou na constituição da Câmara Paulista Sucroalcooleira135 , e na criação de uma legislação que regulamente a queimada da cana-deaçúcar136. A crescente preocupação da sociedade quanto à sobrevivência das gerações futuras, a qual depende da preservação e conservação dos recursos existentes no meio, tem 135

Cf. THOMAZ JÚNIOR, 2001. O Decreto Estadual n° 42.056 de 06 de agosto de 1997, é um exemplo. Esse decreto estabelecia no parágrafo 1°, itens 1 e 2, que a queimada estava proibida no Estado de São Paulo e admitida apenas excepcionalmente e em caráter transitório na seguinte conformidade: (P8) – áreas mecanizáveis (declividade igual ou inferior a 12%); a redução da queimada será de 25% a cada dois anos, com o mínimo de 10% no primeiro ano, num prazo de oito anos; (P15) – áreas não mecanizáveis (com declividade superior a 12%); a redução da queimada será de 13, 35% a cada dois anos, num prazo de quinze anos. Mediante várias discussões e propostas de revisão desse decreto, o mesmo foi substituído em 19 de setembro de 2002 pela Lei n° 11.241, a qual dispõe o seguinte sobre a queima da palha e sobre a mecanização: ÁREAS MECANIZÁVEIS: 1° ano 20% da área cortada 20% da queima eliminada (2002) 5° ano 30% da área cortada 30% da queima eliminada (2006) 10° ano 50% da área cortada 50% da queima eliminada (2011) 15° ano 80% da área cortada 80% da queima eliminada (2016) 20° ano 100% da área cortada 100% da queima eliminada (2021) ÁREAS NÃO MECANIZÁVEIS, COM DECLIVIDADE SUPERIOR A 12% E MENOR QUE 150 HECTARES: 10° ano 10% da área cortada 10% da queima eliminada (2011) 15° ano 20% da área cortada 20 da queima eliminada (2016) 20° ano 30% da área cortada 30% da queima eliminada (2021) 25° ano 50% da área cortada 50% da q ueima eliminada (2026) 30° ano 100% da área cortada 100% da queima eliminada (2031) (Conferir anexo 5). 136

140

contribuído para a formação desse conceito de “sustentabilidade”, ou de “produção sustentável”, o qual prescreve que as atividades produtivas devem ser “ambientalmente corretas”, “socialmente justas” e “economicamente viáveis”. Preocupação que tem sido reforçada nos últimos anos em função dos crescentes riscos e problemas sócio-ambientais, decorrentes tanto dos processos de trabalho quanto dos sistemas tecnológicos de transformação de matéria-prima e produção para o mercado de consumo. É importante termos claro que quando refletimos sobre o conceito de natureza que está no centro da constituição dos povos e/ou culturas, precisamos ser cautelosos, visto que a questão é composta de uma multiplicidade de aspectos, que vai do ético ao tecnológico, do econômico e político ao cultural. Falar em racionalidade dos recursos naturais exige atenção para as conseqüências que o termo racional evoca, pois a razão técnica e científica não é a razão como um todo. A sociedade contemporânea conquistou o reconhecimento de que não é só a relação desta com a natureza que precisa ser racional, mas também as relações entre os seres humanos, pois a racionalidade separou a relação homem-natureza (sujeito-objeto), da relação homem-homem (sujeito-sujeito), colocando-as numa posição de equivalência. Desse modo, a relação homem-homem adquiriu o mesmo caráter da relação homem-natureza fundamentando as relações sociais. Relações estas mediatizadas por normas, valores e objetivos constituídos histórico-culturalmente. O corte epistemológico entre homem e natureza tem funcionado como uma forma de “reconhecimento da desnaturalização do trabalho social”, todavia não deve servir de justificativa para as investidas sobre a natureza. A origem e a explicação da exploração da natureza está nas relações contraditórias estabelecidas no âmbito da sociedade, ou seja, na forma de organização do processo produtivo. Para Bressan (1996), os principais mecanismos que buscam expressar a racionalidade na gestão da natureza possuem enquanto característica comum a organização pautada na categoria filosófica da “totalidade”. O que significa dizer que a realidade deve ser considerada como um todo estruturado, dialético. O mesmo autor faz referência a Karel Kosik ao ressaltar que no “contexto dialético da totalidade”, as partes se interagem entre si e com o todo, mas este todo não deve ser petrificado na abstração das partes, visto que o todo se constitui a

141

partir da interação das partes. Por sua vez, Kosik (1976), contribuiu sobremaneira para a compreensão da concreticidade do processo contraditório da totalidade social. Desse modo, as relações entre o homem e a natureza se assentam em pressupostos racionais, na medida em que exista instrumentos capazes de realizar um intercâmbio eficaz. Seria o caso da ciência e da técnica, visto que ambas “representam possibilidades concretas de gerar conhecimento” acerca do meio natural. Embora tenhamos consciência de que a maior parte dos problemas relacionados à interação homem e natureza estão vinculados aos avanços científicos e tecnológicos da sociedade contemporânea, a base sócio-econômica, política e cultural onde essas inovações são introduzidas é decisiva para a utilização desse instrumental. Sendo assim, as mudanças no trato com o meio ambiente não podem abrir mão de transformações de ordem estrutural, que envolvam a questão da propriedade privada, o papel do Estado, bem como o sistema político-ideológico. A gestão do território colocada em prática no período pós-guerra, elevou o padrão tecnológico, incentivando a produção em larga escala, estimulando a exploração dos recursos naturais, bem como a exploração da força de trabalho. A modernização da agricultura (e, especialmente da agroindústria canavieira) não fogem desse contexto, visto que tem requerido a adoção de novas tecnologias e, consequentemente, novas práticas conservacionistas, maior controle dos processos e da qualidade dos produtos. Como nos lembra Bihr (1999), a poluição e a destruição dos recursos naturais não é recente. A novidade é que o desenvolvimento industrial alcançado nas últimas décadas, bem como as possibilidades criadas pelo avanço técnico-cientifico aferiram uma dimensão global a destruição da natureza, gerando conseqüências também globalizadas (a exemplo da destruição da camada de ozônio, da ameaça de catástrofes nucleares, etc.).

Seja como for, a crise ecológica leva a recolocar em questão o funcionamento das sociedades contemporâneas em sua ‘totalidade’: suas maneiras de gerir esse patrimônio comum da humanidade que é a natureza, seus modos de produção e de consumo, os produtos que resultam de sua atividade econômica [...] (BIHR, 1999, p. 125).

142

Acreditamos estar ainda muito distantes do modelo de desenvolvimento apontado por Bihr, o qual supõe que, através de suas lutas, o movimento operário seja capaz de impor uma “lógica alternativa de desenvolvimento das forças produtivas, qualitativamente diferente da ‘lógica’ produtivista do capitalismo” (1999, p. 138). Uma nova lógica que permita a escolha de outras formas de produção industrial e agrícola e, consequentemente de emprego, de outras técnicas, modos de produzir, de consumir e de satisfazer as necessidades da sociedade, agredindo o mínimo possível o meio ambiente. No entanto, acreditamos que houve um avanço da consciência ambiental, a qual se expressa, de certa forma, no aumento da pressão exercida pelas legislações ambientais, na postura da sociedade, que já demonstra sinais de preocupação com o que é produzido e consumido, bem como nas exigências do mercado. Verifica-se que todos estes aspectos, somados à mundialização da economia, estão forçando as empresas a mudarem suas posturas em relação ao meio ambiente, procurando maneiras de utilizar os recursos naturais e efetuar o processo produtivo, de modo a agredir menos a natureza. A abertura comercial via reduções e eliminações de barreiras tarifárias, a partir dos anos 90, acirrou a concorrência internacional, e fez surgir nos países desenvolvidos, a instituição de barreiras não-tarifárias. Entre elas destaca-se a existência dos selos verdes, de rótulos ambientais e de certificados que comprovem a qualidade do produto e garantam que ele tem origem numa produção o menos impactante possível. Isto tem contribuído para a difusão dos padrões das normas ISO e, no caso ambiental especificamente, os da série ISO 14000137. Com a questão ambiental colocada em evidência, muitas empresas do setor sucroalcooleiro vêm se engajando no discurso de defesa do meio ambiente. Mas há o perigo deste engajamento limitar-se apenas ao nível do discurso, sem ações efetivas. A incorporação desse debate por parte do setor produtivo pode significar tanto o aumento da conscientização do empresariado da necessidade de ações efetivas, no sentido de que o processo produtivo venha a ser menos agressivo ao meio, quanto a transformação da questão ambiental em instrumento de proteção de mercado cativo e em ferramenta de marketing para conquista de nichos de mercado. A creditamos que este último aspecto é o que pesa mais, pois para o empresário o diferencial econômico que ele pode obter com um produto que possui 137

Revista Ação Ambiental, 2000.

143

certificação orgânica ou ambiental, bem como a possibilidade de ampliação da taxa de lucro tem muito mais importância do que qualquer problema relacionado ao meio ambiente. As posturas das empresas em relação a questão ambiental são diferenciadas. A conservadora vê a questão ambiental como um modismo e utiliza-se de uma “maquiagem verde”, com perspectivas de marketing, visando desviar a atenção da sociedade da degradação ambiental que causa. A legalista pauta-se apenas em cumprir as restrições impostas pelo Estado através da legislação. A estratégica, como o próprio nome sugere, possui uma visão estratégica sobre o meio ambiente, pois é essa visão que garante a competitividade da empresa e de seus produtos no mercado. As empresas que adotam essa postura estratégica, demonstram preocupação com a educação ambiental, com a adoção de medidas de prevenção e controle da poluição, com o cumprimento da legislação ambiental vigente e com o modelo de gestão baseado nas normas da série ISO 14000 (BRAGA, 1995, p.222). As alternativas

empresas

mais

capitalizadas

e/ou

empreendedoras,

têm

procurado

para manterem a competitividade e a permanência no mercado, sobretudo

internacional. Entre essas alternativas mercadológicas encontram-se a ISO 9000, a ISO 14000 e os selos verdes, os quais são adotados, em tese, como normas de comércio, na busca da equalização da concorrência. Mas na verdade, como já destacamos anteriormente, estes funcionam como barreiras comerciais não-tarifárias de produtos e processos 138 . As normas da série ISO 14000, por exemplo, têm sido criadas para impedir a importação e/ou exportação de produtos cujo processo de produção cause impactos ambientais. Para que haja esse controle é estabelecido alguns padrões de emissões industriais ou normas de produção e gerência. Já os chamados selos verdes, obtidos a partir da certificação dos produtos, estão associados ao produto em si e aos efeitos de seu consumo. Se um determinado produto estiver fora dos padrões ambientais pré-definidos, tanto sua importação como exportação será impedida. Esses selos têm sido utilizados de forma significativa nos últimos anos nos produtos provenientes da agricultura orgânica (hortifrutigranjeiros, produtos agropecuários, café sombreado, cana-deaçúcar, entre outros) e nos produtos certificados conforme os requisitos da norma ISO 14001139 .

138 139

Mais detalhes, ver também: OLIVEIRA, Ana M. S. de, 1999. Revista Ação Ambiental, 2000.

144

3.1 – A ISO 14000 e o sistema de gestão ambiental na agroindústria sucroalcooleira paulista

A ISO 14000 é uma norma que dispõe sobre o sistema de gestão ambiental e, foi

desenvolvida

pela

ISO



International

Standardization

Organization

(Organização

Internacional de Padronização), entidade não-governamental, sediada em Genebra, na Suíça. A ISO congrega órgãos de normalização de mais de 120 países, entre eles o Brasil e tem como objetivo a padronização de normas em nível internacional. A ISO criou na década de 1990 o CT207 – Gestão Ambiental, Comitê Técnico140, responsável pelo desenvolvimento das normas da ISO 14000. A série ISO 14000 foi editada visando a padronização da implantação do SGA – Sistema de Gestão Ambiental, bem como sua associação com outros sistemas gerenciais. Segundo Valverde, Silva & Trindade (2000) 141 , as normas desta série podem ser divididas em dois grupos: o primeiro, está relacionado à gestão dos processos de organização, fornecendo requisitos para a definição, implantação e manutenção do Sistema de Gestão Ambiental; o segundo, está direcionado para os produtos e serviços da empresa, visando a determinação de seus aspectos e impactos ambientais ao longo de seus ciclos de vida., além de definir e recomendar critérios para a elaboração e divulgação de rótulos e declarações ambientais. A ISO 14000 possui cerca de 20 normas, no entanto, a única que pode ser aplicada na certificação de uma empresa é a ISO 14001, norma de especificação do modelo SGA, que é um conjunto de procedimentos e técnicas voltadas para o gerenciamento e administração de empresas, tendo como interface o meio ambiente. Por meio desse sistema de gestão, a empresa se prepara, tanto interna como externamente, para obter a qualidade ambiental desejada. A implantação do Sistema de Gestão Ambiental ocorre em cinco etapas, a saber: “política ambiental da empresa; implementação e operação; monitoramento e ações corretivas; e revisões gerenciais”. (VALVERDE, SILVA & TRINDADE, 2000, p.14). No Quadro 3, apresentamos a norma ISO 14001 e as demais da série.

140 141

A ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) representa o Brasil nesse comitê. Ibid., 2000.

145

Quadro 3 - Normas da Série ISO 14000 Número

Título

14001

Especificação para implantação

14004

Sistema de gestão ambiental – Diretrizes gerais

de 14010 a 14015

Diretrizes para auditoria ambiental

de 14020 a 14024

Rotulagem ambiental

14031

Avaliação do desempenho ambiental

De 14040 a 14043

Análise do ciclo de vida

14050

Termos e definições – Vocabulário

Fonte: VALVERDE, SILVA & TRINDADE 2000.

A tendência é que haja uma unificação dessas normas de gerenciamento ambiental com as normas de qualidade (ISO 9000). Por enquanto, a unificação com o sistema de gerenciamento ambiental tem ocorrido apenas com as áreas de segurança e saúde no trabalho142. O avanço da conscientização ambiental, a pressão das legislações ambientais e as exigências de mercado, especialmente do mercado internacional, tem conduzido várias empresas no mundo a reverem suas posições frente a questão ambiental, tendo em vista que os movimentos que defendem a produção e certificação de alimentos saudáveis, produzidos em ambientes que não oferecem riscos nem para a natureza nem para o homem, são originários de países

ricos,

principalmente

da

Europa,

os

quais

se

constituem

importantes

mercados

consumidores. Desse modo, as empresas que pretendem melhorar sua performance ambiental frente a sociedade e, sobretudo diferenciar-se no mercado, estão adotando o Sistema de Gerenciamento Ambiental, pautado nas normas da série ISO 14000. Nesse sentido, Visque & Rigoletto alegam que:

A razão principal para se implementar a ISO 14000 é ajudar a organização a lidar com suas responsabilidade ambientais de forma eficaz. O resultado seria uma conformidade mais sistemática com exigências (internas ou externas), melhor desempenho ambiental e, positivamente, lucros maiores (1997, p. 20). 142

VALVERDE, SILVA & TRINDADE, 2000.

146

O Sistema de Gestão Ambiental já foi adotado no Brasil por cerca de 150 empresas143 de diversos setores da economia, como florestal e de papel e celulose, por exemplo. No setor sucroalcooleiro também já há exemplos. Entre as empresas que visitamos, várias delas manifestaram interesse, porém ressaltando que a implantação, se ocorrer, será a longo prazo. A Usina Santa Cruz/Américo Brasiliense é o exemplo concreto de que temos conhecimento até o momento144 . A empresa foi certificada pela Norma NBR ISO 14001 em setembro de 2002. O organismo certificador foi a Fundação Carlos Alberto Vanzoli, ligada a Escola Politécnica da USP de São Paulo. Esta certificadora é registrada no INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Produtividade e Qualidade Industrial, que é o organismo acreditador da ISO aqui no Brasil. Foram certificados os processos industriais e agrícolas, abrangendo todas as áreas, incluindo-se a manutenção e os processos administrativos das duas empresas que compõem a Santa Cruz, a saber: Ometto Pavan S/A Áçúcar e Álcool e Agropecuária Boa Vista S/A. No tocante a parte agrícola, a área certificada é de cerca de 44.000 hectares de cana -de-açúcar. Sendo 50% desta área constituída de terras próprias da Usina e o restante correspondente a terras advindas de contratos de parceria. Segundo o Coordenador de Gestão da Santa Cruz, a certificação ISO 14001 atesta para a sociedade que a empresa possui estrutura, responsabilidades, procedimentos e recursos que garantem o gerenciamento de seus processos, visando impactar o mínimo possível o meio ambiente, dentro da política ambiental estabelecida pela própria empresa e tendo como pressuposto “o cumprimento dos requisitos legais ambientais estabelecidas pela administração pública”. Entre estes requisitos se inclui o cumprimento das determinações da legislação, em todas as instâncias (municipal, estadual e federal). Questionado acerca das vantagens ambientais, econômicas e sociais que a certificação poderá proporcionar para a empresa, o Coordenador de Gestão respondeu:

O grande objetivo é minimizar o consumo de recursos e maximizar a geração de produtos. É uma equação que visa a maximização da

143

Cf. VALVERDE, SILVA & TRINDADE, 2000. Não visitamos esta empresa porque tomamos conhecimento de que esta tinha sido certificada, no momento em que já estávamos finalizando o presente trabalho, mas mantivemos contato e enviamos um questionário com algumas questões, as quais foram respondidas pelo coordenador de gestão da empresa. 144

147

produtividade

da

empresa,

reavaliando

processos

internos

da

organização e minimizando o consumo de recursos e a geração de resíduos que possam impactar negativamente

o

meio

ambiente.

Socialmente, espera-se que as partes interessadas, ou seja, os colaboradores, acionistas, fornecedores, enfim a sociedade organizada tenha uma imagem melhor da empresa.

Aparentemente, verifica-se nesta fala que há uma preocupação em impactar menos o meio ambiente, ao se tentar mimimizar o consumo de recursos e a geração de resíduos, mas comparece também a preocupação com a imagem da empresa frente a sociedade e, sobretudo a busca da maximização da produtividade e a diferenciação no mercado. Essa afirmação é confirmada quando o Coordenador de Gestão fala das perspectivas de mercado que a empresa tem com a adoção da ISO 14001: “A empresa espera, com a certificação ISO 14001 ajudar a Copersucar145 a fechar novos negócios no exterior, principalmente na União Européia, a qual impõe barreiras não tarifárias para a entrada de açúcar na Europa”. As barreiras de importação de produtos, geralmente impostas por países que já possuem os padrões de certificação, são destinadas aos produtos cuja origem são os países mais pobres onde as preocupações com a questão ambiental, e sobretudo com a adoção desses padrões ainda são pouco expressivas. As exigências impostas podem se reverter em elevação dos custos de produção e conseqüente redução das vantagens comparativas, transformando essas barreiras em instrumento de monopolização de mercados.

3.2. – O cenário da certificação socioambiental no Brasil e as perspectivas de adoção pela agroindústria sucroalcooleira A certificação socioambiental agrícola está presente, hoje, em 12 países da América do Sul e Central, unidos na Rede de Agricultura Conservacionista - Conservation Agricultural Network, por meio dos selos Eco-OK e Better Banana. A Rede já conta com padrões para a certificação de banana, café, cacau, cítricos e cana-de-açúcar. 145

A empresa é uma das associadas da Copersucar, por isso a referência.

148

O

Imaflora146

é

o

representante

brasileiro

da

Rede

de

Agricultura

Conservacionista e membro da Rede Smart Wood que certifica empreendimentos florestais, com base nas regras do FSC – Conselho de Manejo Florestal (Forest Stewardship Council), situada no México. O FSC

é uma organização internacional que, além de credenciar também avalia e

monitora as organizações certificadoras que adotam no processo de certificação os princípios e critérios estabelecidos por ela. Segundo Suiter Filho (2000), o mercado para produtos florestais ou fabricados com matéria-prima florestal bem manejada e certificadas pelo Conselho de Manejo Florestal está em plena expansão na Europa e América do Norte. Quem obtém o selo FSC tem, portanto, um diferencial a oferecer, pois o mesmo facilita a inserção no mercado internacional e a agregação de valor ao produto, além de constituir uma ferramenta de marketing. O

Imaflora

está

bem

mais

adiantado

no

programa

de

certificação

socioambiental do setor florestal e cafeeiro do que da cana-de-açúcar. Nesse programa a certificadora conta com a parceria da Fundação SOS Mata Atlântica e da CEPEMA - Fundação Cultural Educacional Popular em Defesa do Meio Ambiente. Ao estabelecer os padrões para a certificação da cana-de-açúcar, o Imaflora contou com a parceria do IBD - Instituto Biodinâmico, da FASE - Federação de Órgão para a Assistência Social e Educacional e da Embrapa Meio Ambiente. Para definir os critérios, contou com a participação de vários segmentos da sociedade civil (Sind. Dos Trabalhadores Rurais, Contag, Centrais Sindicais, ONG’s, Universidades, etc.), objetivando com isso dar legitimidade ao processo. No entanto, a Coordenadora do Programa de Certificação alegou147 que, como a definição desses critérios e padrões de certificação ocorreu durante um período em que o setor sucroalcooleiro passava pelo processo de desregulamentação, e estava em efervescência as discussões referentes a regulamentação das queimadas e a conseqüente intensificação da mecanização do corte de cana crua, os empresários do setor recuaram mediante a proposta de certificação do Imaflora. A exemplo disso,

a UNICA e a

COPERSUCAR, não participaram

ativamente do processo e alegaram que num momento de crise a certificação poderia segmentar,

146

O Imaflora - Instituto do Manejo e Certificação Florestal e Agrícola, é uma entidade não - governamental, sem fins lucrativos, situado na cidade de Piracicaba/SP. 147 Durante entrevista realizada em 16/03/01.

149

ou provocar uma diferenciação entre as empresas do setor, o que não era bom no momento, pois o setor precisava de ações conjuntas que “beneficiasse” a todos. Esta explicação não convence, uma vez que o recuo dos empresários frente a proposta de certificação ambiental defendida pelo Imaflora, pode está associado, entre outros fatores, à pouca credibilidade desta agência certificadora naquele momento, especialmente em se tratando de certificação da cana-de-açúcar, ou à discordância quanto aos critérios pré-definidos. A certificação socioambiental exige além da eliminação da queima da palha de cana que, as empresas do setor que queiram se certificar apresentem e desenvolvam um projeto voltado para a capacitação dos trabalhadores ligados ao plantio e ao corte da cana, para que, uma vez aumentando a mecanização do corte, esses trabalhadores possam ser remanejados para outras funções, ou que tenham condições de exercer outra atividade fora da empresa, caso sejam demitidos. Nesse particular, a Coordenadora de Certificação do Imaflora declarou que “a exigência dos padrões é que todos os problemas que envolvem o trabalhador sejam solucionados em conjunto com a comunidade. Através de seus representantes no poder público, das associações de bairro, dos sindicatos e empresas, eles formam fóruns de discussão e a empresa coloca a sua situação, cada uma das partes se posiciona e juntas tentam encontrar uma solução que (as vezes pode não ser a melhor) seja plausível e que não traga muitos danos para o trabalhador, que normalmente é o mais afetado”. A Coordenadora acredita que imprimir padrões e critérios para a certificação não é uma tarefa fácil, pois tem sempre um lado querendo se sobressair aos demais, querendo ganhar mais (os empresários é claro!), mas é um desafio para a sociedade, visto que a certificação tem “poder” de exigir mediante os padrões e critérios, uma postura diferente da empresa em relação ao meio ambiente, a comunidade e aos próprios trabalhadores. “a empresa vai ter de fazer isso, ter o diálogo que antes não tinha, com os trabalhadores e com a comunidade”. Acreditamos que certificação, seja ela orgânica, socioambiental, seja ela qual tipo for, é uma tendência mundial. Grandes e pequenas organizações, hoje, estão sendo impulsionadas pelo aumento das exigências dos consumidores quanto às características dos produtos e ao próprio processamento, a buscarem a certificação e a mudarem suas posturas e conceitos de ética empresarial e, assim atenderem as demandas ambientais.

150

A princípio, as empresas que procuram as certificadoras e entram no processo de certificação, estão muito mais preocupadas em possibilitar maior acesso e melhor aceitação de seus produtos no mercado nacional e, sobretudo, no mercado internacional, do que propriamente com a preservação do meio ambiente. No

decorrer

do

processo,

por

conta

dos

critérios

estabelecidos

pelas

certificadoras, e mesmo por causa das cobranças da própria sociedade, essas empresas se vêem na “obrigação” de adotar uma performance ambiental. Caso contrário, se elas não se enquadrarem nos critérios estabelecidos, podem não chegar ao final do processo e consequentemente não serem certificadas. De acordo com a Coordenadora do Programa de Certificação, se essas empresas não transformarem sua visão sobre o meio ambiente, sobre o aspecto social que envolve trabalhadores e comunidades no seu entorno, elas não conseguem ser certificadas. Então, elas precisam absorver conceitos, adotar posturas, para que a certificação não se torne apenas uma “maquiagem”, encobrindo o que de fato a empresa é. Tanto a certificação socioambiental como a orgânica levam em consideração não só o aspecto econômico, mas também o ambiental e o social, principalmente a certificação socioambiental, a qual tem como base os princípios da sustentabilidade, que pautam-se no tripé: ambientalmente correto, socialmente justo e economicamente viável. Mas, no “frigir dos ovos”, o aspecto mercadológico acaba sendo o fator condicionador dos demais. Em outras palavras, diríamos que é a preocupação com a manutenção e ampliação dos mercados que acabam conduzindo as empresas a aceitarem os critérios definidos pelas certificadoras com relação aos aspectos sociais e ambientais. A

certificação

emerge

como

uma

ferramenta

que

torna

a

questão

socioambiental economicamente atraente. Mas, conforme afirma a Coordenadora do Programa, “apesar da empresa a princípio estar mais preocupada com a sua permanência no mercado ou com o aumento de competitividade, se ela não transformar sua visão sobre o meio ambiente, sobre as relações de trabalho e mudar realmente sua postura ela não conseguirá ir adiante no processo de certificação, não adianta maquiar, pois a certificação socioambiental vai nos mínimos detalhes”. Segundo ela, a certificação sociambiental foi estruturada levando em consideração os princípios da sustentabilidade.

151

Como vemos, as certificadoras adotam os princípios do desenvolvimento sustentável e, por esta via, acabam reforçando a lógica da minimização dos custos e do tempo e, consequentemente a maximização dos benefícios e dos lucros. A certificação socioambiental foi estruturada levando em consideração os princípios da sustentabilidade. Desse modo, procura equilibrar aspectos sociais, ambientais e econômicos, considerando tanto a preservação de ecossistemas naturais e a biodiversidade, como justas condições de trabalho e melhor qualidade de vida para os trabalhadores e as comunidades148. No entanto, acreditamos que as medidas que são tomadas pelas empresas, no sentido de equilibrar os aspectos sociais, ambientais e econômicos deixam a desejar do ponto de vista dos dois primeiros, tendo em vista que muitas vezes as ações que são implementadas visando a redução de impactos ambientais ou mesmo mudanças no ambiente e nas condições de trabalho, decorrem de exigências feitas por compradores ou certificadores externos que realizam visitas periódicas às empresas certificadas (a exemplo da produção e certificação orgânica que se verá a seguir).

3.3 – A produção e a certificação orgânica

A

certificação

orgânica,

certifica

a

produção

orgânica,

pautando-se

principalmente, na restrição ao uso de produtos químicos e na preservação do solo. Porém, com o avanço da conscientização ambiental, da presença de barreiras comerciais e do aumento das exigências com relação a produtos e/ou alimentos produzidos com base nos princípios da sustentabilidade, a certificação orgânica tem incorporado aos seus padrões alguns aspectos sociais, tais como, restrições ao trabalho infantil e exigências quanto a condições de trabalho mais justas, entre outros. Como afirmam Dulley; Souza, & Novoa, (2000) 149 , a agricultura orgânica não se apresenta somente como um sistema de produção que substitui os produtos 148

Boff (2003), Critica o desenvolvimento sustentável, alegando que este é apresentado como uma fórmula mágica com a qual o sistema capitalista pretende solucionar os problemas que ele próprio criou. Segundo ele, o próprio conceito já revela uma contradição, ao tentar unir duas categorias que se rejeitam mutuamente. O desenvolvimento visa a maximização dos benefícios e a minimização dos custos e do tempo empregado no processo produtivo, ao passo que a sustentabilidade busca o equilíbrio dos ecossistemas. 149 Artigo divulgado no site: www.iea.sp.gov.br/agro.

152

químicos por produtos orgânico (adubos, por exemplo). Hoje, ela compõe uma nova idéia, “uma nova forma de ver e trabalhar o campo”. Além de buscar o equilíbrio entre a produção agrícola e a natureza, também visa abranger mudanças nos hábitos de consumo da sociedade e um maior comprometimento com o processo de produção e o meio ambiente. A agricultura orgânica é portanto, um sistema de produção agropecuário que tem como base de produção a reciclagem da matéria orgânica e o equilíbrio do ecossistema natural, sem lançar mão do uso de insumos sintéticos e persistentes no meio ambiente. Parte do princípio de que cada ambiente e cada produto devem fazer parte de um complexo organismo agrícola vivo com órgãos que interagem para que o sistema de produção seja harmônico e saudável (HARKALY, 2000). Stolton, Geier & Mcneely (2000), ressaltam que a proteção dos solos e do ambiente é fundamental para os produtos orgânicos. Segundo eles, a agricultura orgânica engloba os sistemas agrícolas que buscam desenvolver uma produção tanto socialmente como econômica e ambientalmente saudável. Ao respeitar a capacidade natural das plantas, dos animais e da paisagem, a agricultura orgânica busca a otimização da qualidade da agricultura e do ambiente. A agricultura orgânica vem despertando o interesse do meio acadêmico, produtivo e, sobretudo, dos consumidores de países como Canadá, Estados Unidos, Japão e países membros da União Européia. No Brasil, contudo, a agricultura orgânica ainda está engatinhando. Existem algumas empresas do setor sucroalcooleiro que estão aderindo ao processo de produção e de certificação orgânica da cana-de-açúcar e derivados, mas esta produção apesar de muito lucrativa do ponto de vista econômico, ainda estão circunscritas a determinados nichos de mercado. O IBD - Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural150, organismo certificador dos produtos orgânicos, iniciou a atividade de certificação em 1990 e hoje já mobiliza 15 profissionais internos e mais de 40 inspetores distribuídos por todo Brasil. Possui 297 projetos associados, sendo 101 certificados como orgânicos (cerca de 30.000 ha), e 178 projetos em conversão (com aproximadamente 32.000 ha). O Instituto atua em todo Brasil e em alguns países da América Latina (Bolívia, Argentina, Paraguai e República Dominicana),

150

O Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural, desmembrou-se em 1999, da ABD-Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica, passando a atuar com nova razão social, “Associação de Certificação Instituto Biodinâmico”, a qual assumiu a parte de certificação e inspeção, ficando as demais incumbências para a ABD. Ambas estão localizadas em Botucatu/SP.

153

certificando tanto produtos “in natura” como produtos processados. A maior parte dos projetos estão concentrados no estado de São Paulo, Paraná e Minas Gerais. O IBD é a única certificadora no Brasil com dois credenciamentos: •

INFOAM



International

Federation

of

Organic

Agriculture

Movements

(Federação

Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica; •

DAR – Círculo de Credenciamento Alemão. O DAR é um órgão credenciador151 de alta

credibilidade na Alemanha e trabalha com as Normas ISO-65, específicas para certificadoras. Esses dois credenciamentos aumentaram a credibilidade do IBD lá fora e possibilitaram o acesso dos produtos certificados por ele no mercado norte-americano, japonês e na Comunidade Européia, respectivamente. O IBD certifica tanto projetos já totalmente orgânicos, como projetos em conversão. Há cerca de cinco anos o IBD vem trabalhando no sentido de garantir a qualidade social de seus projetos. Além disso, introduziu em suas diretrizes o Código Florestal Brasileiro, visando a garantia da proteção das matas e recursos hídricos nos projetos. Cerca de 90% dos projetos certificados são de pequenos produtores, entre os quais quatro tribos indígenas, assentamentos rurais, 11 associações de pequenos produtores e cooperativas. O IBD possui dois selos de qualidade, os quais comprovam a procedência dos produtos orgânicos. Tanto a marca para produtos de agricultura orgânica, o IBD, como a marca para produtos de agricultura biodinâmica, o Demeter, indicam a origem geográfica do produto, o tipo de processamento e a empresa processadora. Segundo o Vice-Gerente do Instituto152, “o selo orgânico visa garantir, além da qualidade e origem do produto, o respeito ao meio ambiente e a qualidade de vida dos envolvidos em toda a cadeia produtiva”. A produção orgânica, apesar de já ter uma certa expressividade no mundo, apresenta uma territorialidade diferenciada. Em termos de área plantada, a Europa se destaca apresentando um crescimento expressivo de certificações por hectare plantado nos últimos 12 anos. O Brasil, está tendendo seguir essa curva de ascendência, embora ainda esteja muito longe de atingir o patamar dos países da Europa ou mesmo de outros países da América

151 152

É como se fosse o INMETRO no Brasil. Durante entrevista realizada em 18/05/01.

154

Latina. A Argentina, por exemplo, está muito mais adiantada nesse aspecto do que o Brasil, com uma área de produção orgânica de três milhões e duzentos mil hectares, embora a maior parte dessa produção seja animal, enquanto o Brasil tem cem mil hectares. Verifica-se através do Gráfico 1, que a Oceania sozinha representa 49% da produção orgânica no mundo, seguida pela Europa, com 24% da produção e da América Latina, com 20%. A América do Norte representa 7% e a Ásia 0,33%, apesar do Japão possuir o 3º maior mercado de agricultura orgânica do mundo. A África representa apenas 0,14%. Em nível mundial a Oceania, a Europa e a América Latina apresentam em termos de área total plantada, uma produção orgânica bastante expressiva.

GRÁFICO1: Divisão de cada continente de acordo com o total de área sob manejo orgânico

Europa 24% Oceania América 49% Latina 20% Africa América do 0,14% Asia Norte 0,33% 7%

Europa América Latina América do Norte Asia Africa Oceania

Fonte: SÖL-Survey/IBD, 2001. O IBD certifica além de cana-de-açúcar, soja, citrus, café, frutas variadas, fécula de mandioca, mel, geléias, chá, micronutrientes, adubo, entre outros. Dos projetos orgânicos certificados pelo IBD no setor sucroalcooleiro, são três voltados para a produção de açúcar mascavo no estado do Paraná e um em Minas Gerais. No estado de São Paulo, são mais três projetos voltados para a produção de cana-de-açúcar, açúcar e álcool: a Univalem, a Usina Albertina e a Usina Nova América; além da ALBA USA Melaço Ltda, que produz cana e açúcar mascavo.

155

A

Usina

São

Francisco,

localizada

em

Sertãozinho/SP,

que

(conforme

afirmamos anteriormente) foi a pioneira na produção/certificação orgânica no setor, não possui o selo IBD. Ela foi certificada por organismos internacionais, possuindo os selos FVO e ECOCERT.

Segundo

o

Diretor

Agrícola

da

empresa153 ,

a

opção

pelas

certificadoras

internacionais ocorreu porque as taxas cobradas pelas nacionais eram muito maiores, mesmo assim gerou um certo mal-estar junto as certificadoras brasileiras. Hoje a empresa estuda a possibilidade de adotar o selo IBD para a produção de café e acrescentá-lo também a sua marca de açúcar, já conhecida no mercado, mas o diretor alega que para isso o padrão de certificação do IBD precisa ser melhorado. Apesar de serem poucos em termos numéricos, os projetos ligados a cana-deaçúcar são comparativamente maiores em termos de área: cerca de 2.960 ha orgânica e 7.658 ha em fase de conversão, contra 690 ha orgânica e 22 ha em conversão, do café, por exemplo, conforme mostra a Tabela 20. Tabela 20 – Principais produtos certificados como orgânicos e suas respectivas áreas154 PRODUTO

ÁREA (HA)

ORGÂNICA

CONVERSÃO

CANA-DE-AÇÚCAR

2.960

7.658

SOJA

1.920

502

CITRUS

797

1.272

CAFÉ

690

22

FRUTÍCULAS

255

3.458

HORTÍCULAS

94

19

6.716

12.931

Total Fonte: IBD155

É importante ressaltar que apesar dos custos (Tabela 21) que a certificação orgânica demanda para a empresa, produzir cana-de-açúcar e açúcar orgânico hoje, com selo

153

Em entrevista concedida ao pessoal do site Planeta Orgânico, divulgada em 2002- www.planetaorganico.com.br/ . Refere-se somente a áreas certificadas pelo IBD. 155 Esses dados foram obtidos em 2001. 154

156

reconhecido internacionalmente, tem sido para as agroindústrias sucroalcooleiras que adotam esse projeto um grande “filão de mercado”.

Tabela 21 – Custos de Certificação CUSTO

TAXA

MATRÍCULA

varia de R$ 100,00 a R$ 3.000,00

FREQÜÊNCIA 01

vez



no

início

do

processo

INSPEÇÃO

Mercado interno Diária de R$ 300,00 Mercado Externo: Diária de R$ 500,00

SEMESTRAL – Leite/Hortaliças ANUAL – Culturas Anuais e Perenes

ANÁLISES

Conforme o pesticida a ser analisado ou outras análises clínicas (o preço varia entre R$ 160,

Conforme necessidade apontada pela certificadora ou inspetor

00 e 790,00) CERTIFICADO ORGÂNICO

0,5% a 1,0% sobre o valor Variável – incide sobre cada faturado em cada nota de nova remessa venda de produto

Fonte: IBD/2001. O Vice-Gerente de Certificação do IBD, nos revelou que quando o empresário visualiza a oportunidade de acessar um mercado, cujo produto orgânico possa atingir até 50% de sobrepreço em relação ao produto convencional, fica mais fácil a aceitação das condições impostas pelo órgão certificador. Ele não adota esse projeto especificamente porque quer proteger o meio ambiente, mas por uma questão mercadológica. “Eu estaria sendo cínico se eu dissesse que a empresa está entrando no processo de certificação porque acha o orgânico bonito, claro que para o quintal dele ele pode até achar, mas para a empresa dele é outra coisa”. O Vice-Gerente alega ainda que a certificação orgânica é flexível quando se trata, por exemplo, da regeneração ou manutenção de áreas de preservação permanente. Se o produtor ou a empresa não apresentar esses pré-requisitos antes ou mesmo durante o processo de certificação, não deixarão de ser certificados por causa disso, desde que apresentem um plano de metas para implantação/manutenção dessas áreas.

157

Diante do exposto, nos questionamos se o meio ambiente é de fato protegido, se o trabalho infantil não é usado nessas empresas e se as leis trabalhistas são cumpridas. Estas questões, não comparecem de forma mais efetiva durante a pesquisa de campo. O discurso das empresas certificadas é voltado para o mascaramento dos problemas sociais e ambientais; a fiscalização estatal muitas vezes é omissa e os sindicatos não acompanham de forma diferenciada o processo de produção e de trabalho no âmbito das mesmas. Nos questionamos ainda se nesse processo o consumidor ganha, uma vez que os custos de produção são repassados ao mesmo. De uma coisa temos certeza, não só as empresas sucroalcooleiras saem ganhando, as certificadoras também faturam muito com esse discurso ambientalista.

3.3.1 – Alguns apontamentos quanto às vantagens comparativas entre a produção convencional e a orgânica

O cultivo orgânico no início retarda um pouco o desenvolvimento do processo produtivo, apresentando queda nos rendimentos industriais; o solo demanda mais tempo para atingir o equilíbrio; a cana-de-açúcar se ressente com o adubo orgânico (a cana leva cerca de um ano para reconhecer o adubo), diminuindo a produtividade; exige maior acompanhamento e controle biológico de pragas, o que por sua vez exige também maiores investimentos em pesquisa, conduzindo a um maior valor agregado ao produto. Todavia, os preços obtidos no mercado acabam compensando os custos de produção. Tem produtos que chega ao mercado com um sobrepreço de até 50% ou mais, do valor do produto convencional. Segundo o Gerente Agrícola da Univalem, o açúcar convencional custa em torno US$ 190,00/ton, ao passo que o açúcar orgânico custa US$ 512,00/ton. 156 , ambos no mercado externo.

156

Essa informação foi concedida pelo Gerente Agrícola da Univalem, durante entrevista concedida em agosto de 2001.

158

Isso reforça o que já tínhamos discutido anteriormente, ou seja, a procura por alimentos mais saudáveis, produzidos sem agredir ou agredindo menos o ambiente e com mais respeito às questões sociais, tem aumentado, por isso há consumidores dispostos a pagar 50% a mais por um produto orgânico. Se o produtor ganha, os supermercados, por exemplo, ganham muito mais, pois muitas vezes a margem de lucro aplicada por estes gira em torno de 200% a 300% em relação ao que é pago ao produtor. Não é à toa que as estimativas de crescimento para o mercado de produtos orgânicos tem se mostrado promissoras (Tabela 22).

Tabela 22: O Mercado Internacional para Produtos Orgânicos: Estimativas para 2000 País

Vendas em US$

% do total de

Crescimento

Vendas

alimentos

esperado anual

estimadas em

vendidos

(%)

US$

Alemanha

1.800.000.00

1.2

10

2.500.000.00

Itália

750.000.000

0.6

20

1.100.000.00

França

720.000.000

0.5

20-25

1.250.000.00

Reino Unido

450.000.000

0.4

25-30

900.000.000

Suécia

350.000.000

2

20-30

700.000.000

Holanda

350.000.000

1

15-20

600.000.000

Dinamarca

300.000.000

2.5

30-40

600.000.000

Áustria

225.000.000

2

15

400.000.000

Suíça

110.000.000

0.6

30-40

400.000.000

EUA

4.200.000.00

1.25

15-20

8.000.000.00

Fonte: ITC 1999 and SÖL-Survey/IBD A Europa confirma sua hegemonia na produção e consumo de produtos orgânicos, especialmente os países membros da União Européia, como França, Sécia, Reino Unido, Suíça, por exemplo, que apresentam uma estimativa de crescimento variando entre 20% e 40%. Apesar da tendência mundial de crescimento da produção e venda de produtos orgânicos, acredita-se que este crescimento não ocorra tão rápido, especialmente em se tratando da cana-de-açúcar e derivados. O diferencial se manterá ainda por um bom tempo, considerando-

159

se que a inserção de novos produtores no mercado, não ocorre nas condições do sistema convencional. Para se tornar um produtor orgânico, é preciso que o mesmo submeta sua empresa a um rigoroso processo de investigação das condições ambientais e de potencialidade para este tipo de produção. As empresas que produzem cana-de-açúcar orgânico vêem o crescimento da oferta de açúcar com certa apreensão. Tendo em vista que a demanda ainda não é tão expressiva, há o temor de que o aumento da oferta derrube os preços no mercado internacional, visto que é justamente o preço diferenciado que justifica a produção orgânica. Como a cana orgânica possui um custo de produção maior que o da convencional (a tonelada da convencional custa em média R$ 28,00 a 30,00, enquanto a orgânica custa de R$ 50,00 a 55,00), sua produção só será compensada economicamente se houver uma remuneração especial. “O preço precisa compensar, porque não adianta produzir somente por ser ecologicamente correto”157 . Segundo Dulley; Souza, & Novoa, (2000), a produção orgânica só irá se equiparar a produção convencional, inclusive com a redução do diferencial de preço, quando o Estado assumir esse sistema como oficial e der apoio no processo de certificação, na fiscalização e na assistência técnica que, atualmente são bancados pelo próprio produtor. No entanto, eles acreditam que isso ainda está muito longe de acontecer. Mesmo longe de atingir as proposições apresentadas por Dulley; Souza, & Novoa, o Estado tem tomado algumas iniciativas em relação a produção orgânica. Em 1995, o Governo Federal criou o CNPO – Comitê Nacional de Produtos Orgânicos, visando com isso, elaborar e aprimorar normas para a agricultura orgânica, no Brasil. Esse comitê é constituído por representantes de diversos segmentos, a saber: ONG's de todas as regiões do país, Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, Embrapa e Universidades. Em outubro de 1998, foi publicada a Portaria no 505/98 do Ministério da Agricultura,

apresentando

propostas

para

a normatização da agricultura orgânica, sendo

submetida a uma consulta pública. Em maio de 1999, entrou em vigor a Instrução Normativa no 7/99, a qual tinha como objetivo estabelecer as normas de produção, processamento, distribuição, identificação e certificação, entre outros, para todos os produtos orgânicos.

157

Todos os representantes das empresas visitadas, que produzem cana orgânica, manifestaram essa preocupação, a qual é reforçada na fala do Diretor de Produção da Companhia Albertina.

160

Segundo Souza (2002) 158 , essas iniciativas surgiram porque os países da União Européia e Japão, condicionaram a importação de alimentos à certificação de qualidade ambiental, constituindo-se em barreiras não-tarifárias por parte desses países importadores. Até mesmo países que compõem o Mercosul, como Argentina, Uruguai e Paraguai, já dispõem de regras para a produção orgânica. Caso o Brasil não implante uma legislação própria, as regras daqueles países poderão vir a ser impostas ao país.

3.3.2 – A produção e a certificação orgânica como fator de diferenciação

Analisando em termos comparativos entre produzir organicamente e de modo convencional, percebe-se que a produção orgânica, apesar de se circunscrever a um “nicho de mercado”, apresenta grandes vantagens do ponto de vista mercadológico, por conta do diferencial que a certificação e o marketing ambiental criam. Percebemos, através de entrevistas realizadas, que a produção orgânica foi adotada

pelo

conjunto

das

empresas

tendo

como

principal

objetivo,

o

aumento

da

competitividade e conquista de novos mercados, através de um produto diferenciado. A Usina São Francisco, por exemplo, atende hoje a metade da demanda mundial de açúcar orgânica. A maior parte é distribuída entre o mercado dos Estados Unidos, Canadá, Europa Ocidental, Japão, Taiwan, Filipinas, Hong-Kong, Tunísia, Israel, Austrália, entre outros. Ficando no mercado interno apenas 10% de sua produção. Isso nos revela que um grupo muito restrito da população brasileira aderiu aos produtos orgânicos, especialmente o açúcar. A maioria ainda não assimilou as vantagens oferecidas pelo produto, ou o preço repassado aos postos de revenda ainda não são atrativos para o consumidor. As empresas que aderiram a produção e certificação orgânica, o fizeram ou porque vizualizaram este diferencial mercadológico tão somente, ou porque o mesmo significava uma saída à crise econômica porque passavam.

158

Artigo divulgado no site: www.iea.sp.gov.br/agro.

161

Segundo o Gerente Agrícola da Univalem159 , o fato da empresa adotar a produção e certificação orgânica tem a ver tanto com a preocupação ambiental, como com a questão de ordem financeira. Todavia, o fator econômico tem sido o determinante. Esta iniciativa foi tomada mediante um quadro de crise financeira que a empresa apresentava no final dos anos 1990. A preocupação com a questão ambiental e social, surgiu como conseqüência do processo, visto que não só o órgão certificador, mas também os compradores fazem exigências quanto a isso. O Gerente Agrícola da Univalem alegou que, a empresa recebe visitas periódicas de compradores da Inglaterra, da Alemanha, do Japão, entre outros, que vêm verificar se a empresa está seguindo corretamente os critérios de certificação como, o não uso de mão-deobra infantil; condições de trabalho, tanto na lavoura como na indústria; se todos os trabalhadores e funcionários recebem assistência médica e odontológica; se a empresa estimula-os a estudar; se a higiene no processo produtivo está dentro dos padrões exigidos, etc. Na Univalem, o projeto de produção/certificação orgânica teve início em 1996, numa área de conversão de aproximadamente 600 hectares. Hoje, dos 19 mil hectares de área plantada que a Usina possui, 2.226 hectares, são de cana totalmente orgânica. Isso representa em torno de 10% a 12% da produção total da empresa. No caso da Usina São Francisco, a iniciativa de buscar o equilíbrio de seu ecossistema local, através da recuperação das matas ciliares e da preservação de espécies animais e vegetais somou-se ao projeto direcionado para a produção orgânica. A empresa implantou em 1986 um projeto de reflorestamento e, os 5% de vegetação nativa que possuía naquele período foi aumentado para 14%. Ao melhorar sua performance ambiental, a empresa visava melhorar também sua imagem perante a comunidade e, com a certificação garantiu a credibilidade e a diferenciação qualitativa e econômica de seu produto, sobretudo ao conquistar o mercado externo. No caso da Companhia Albertina, o que pesou mais foi justamente a questão mercadológica. Mediante todas as mudanças ocorridas durante os anos 1990 no âmbito do setor sucroalcooleiro, a empresa com uma capacidade produtiva pequena, operando num limite de produção abaixo do qual seria inviável conseguir sobreviver e alavancar investimentos em novas

159

Essas informações sobre a Univalem e a Usina São Francisco foram obtidas durante Pesquisa de Campo, realizada em 2001 e 2002, respectivamente.

162

tecnologias; vislumbrou a oportunidade de sobressair–se à crise a partir de um diferencial produtivo que, consequentemente também geraria um diferencial econômico. Reforçando essa afirmativa, o Gerente Agrícola da Companhia Albertina diz: “Foi uma iniciativa da alta direção da empresa que encontrou esse caminho. Foi mais uma visão de mercado mesmo, não foi uma posição ideológica. Vislumbrou-se uma oportunidade de mercado”. Constata-se em sua fala, quando ele diz que não foi uma posição ideológica, que ele quis dizer que não havia por parte da empresa uma preocupação direta com a questão ambiental, se ela surgiu posteriormente foi em decorrência do próprio processo de certificação. Cabe aqui a ressalva de que pouco a pouco nossa hipótese vem sendo comprovada. Os referenciais que apresentamos como “novos” não passam de maquiagem nos velhos paradigmas que dão sustentação ao processo de acumulação do capital. Muda-se os meios, mas os fins continuam os mesmos. Os discursos e os processos de produção adquirem conotação ecológica, pautada nos princípios do desenvolvimento sustentável, tornando-se mais um elemento para a sustentação do sistema metabólico e de controle societal do capital. O capital tem deflagrado inúmeras transformações no próprio processo produtivo. Isso tem ocorrido através da constituição de formas de acumulação flexível, de gestão organizacional, dos avanços tecnológicos e também da coexistência dos modelos produtivistas taylorista/fordista com modelos alternativos, especialmente o chamada toyotismo ou modelo japonês. Estas mudanças foram decorrentes tanto da própria concorrência intercapitalista, como da necessidade do capital de manter o controle social. Dito de outro modo, o processo de reestruturação do capital buscou não somente reorganizar o processo produtivo, mas também gestar um projeto que reafirmasse sua hegemonia e dominação societal. Nesse contexto, as formas de organização da produção e do trabalho passam por um processo de refinamento. A racionalização do trabalho sofre uma nova orientação em sua configuração, tendo em vista o desenvolvimento de mecanismos de comprometimento dos trabalhadores, que aprimoram o controle do capital na dimensão subjetiva160 . As inovações tecnológicas associadas à novas formas de gestão e de controle do processo de produção e de trabalho, continuam priorizando a produtividade e o lucro em detrimento do homem e da

160

Para mais detalhes, ver: ANTUNES, 1997 e ALVES, 2000.

163

natureza, reduzindo postos de trabalho e intensificando o ritmo, a fragmentação e a precarização do trabalho. Convém destacar ainda, que do ponto de vista da estrutura industrial, a adoção da produção orgânica, não requereu modificações, visto que os equipamentos e máquinas são os mesmos usados na produção convencional. Na maioria das empresas pesquisadas, não houve alteração para atender a demanda orgânica, pois tanto a colheita como o processamento ocorrem em momentos diferentes, ou seja, num período é produzido somente o açúcar orgânico e no outro só o açúcar convencional. No caso da Univalem, como ela possui dois conjuntos de moendas separadas, no período da safra orgânica uma moenda é usada para o processamento da cana orgânica e a outra para o processamento da cana convencional, voltada para a produção de álcool. Na safra convencional, as duas moendas são usadas somente para processar a cana que será direcionada à produção do açúcar convencional. Nas Usinas São Francisco e Albertina usa-se a mesma moenda para efetuar a moagem e o processamento do açúcar, porém em momentos diferentes. Geralmente o processamento orgânico ocorre antes de iniciar a safra convencional. Das

empresas

visitadas

a

única

que

apresentou

dificuldades

para

operacionalizar a produção de açúcar orgânico foi a Usina Nova América, a qual (conforme já discutimos no capítulo I) alegou não ser viável econômica e tecnicamente processar pequena quantidade de cana orgânica numa indústria com capacidade para processar grandes quantidades. Para viabilizar a produção de açúcar orgânico seria necessário a construção de uma estrutura industrial menor, destinada especificamente para este fim. Para que a cana orgânica não venha a sofrer qualquer tipo de contaminação, existe todo um cuidado desde a lavoura até a unidade de processamento industrial, tanto os facões, como os caminhões e máquinas colheitadeiras são todos higienizados. Dois dias antes de começar o processamento da cana orgânica, as tubulações, os equipamentos, a mesa receptora, enfim todo o sistema industrial é lavado com água fervente. O açúcar produzido a partir da cana orgânica, nas seis primeiras horas de moagem é acondicionada junto ao lote convencional. Se mesmo com todos esses cuidados o produto chegar aos compradores no exterior e for detectado algum tipo de contaminação, o mesmo sofrerá restrições, e tanto a empresa como o órgão certificador serão penalizados.

164

Constatou-se que é feito um controle rigoroso da produção orgânica desde a lavoura até a planta fabril. Para que não haja nenhum risco de contaminação ou troca da cana orgânica pela convencional são colocados “placas” de identificação na lavoura (Foto 5), nos caminhões que transportam a cana (Foto 6) e na entrada da cana na usina (Foto 7). Nesse particular, o Vice-Gerente do IBD, ressaltou que “quando você coloca um produto certificado no mercado, você está passando para o consumidor confiabilidade, então se o consumidor compra esse produto e adquire uma enfermidade em função do mesmo, o selo passa a não ser mais bem visto, bem como as experiências ligadas a ele. Desse modo, a empresa perde a idoneidade e a confiabilidade nela depositada anteriormente”. Na lavoura, além do trato da planta com adubo orgânico, controle biológico de pragas e doenças161 , intercalagem com cultivo de leguminosas, correção de solo, etc., é necessário haver um distanciamento de 20 a 100 metros, uma barreira física de pasto ou de mata, entre a lavoura orgânica e a convencional. Em terrenos mais baixos que os das propriedades vizinhas, é preciso fazer curvas de nível e bacias de contenção para que a água não seja escoada para a parte mais baixa e venha a contaminar o solo e a planta com produtos químicos. No que tange a parte agrícola tem alguns aspectos que precisam avançar no âmbito tecnológico. Mas, antes de apontá-los gostaríamos de ressaltar que do ponto de vista agronômico ainda há uma certa resistência em aceitar a produção orgânica. Para quem tem uma formação agronômica em escolas tradicionais que, historicamente tiveram a formação de profissionais, de certa forma, atrelada a indústria produtora de insumos modernos; onde as pesquisas tecnológicas desenvolvidas, muitas vezes foram “direcionadas” pela poderosa indústria de defensivos químicos, fica difícil aderir a essa mudança radical que é produzir a cana-de-açúcar (ou outro produto orgânico) sem usar qualquer produto químico. O próprio Gerente Agrícola da Cia Albertina, alegou que não acreditava muito que a produção orgânica viesse dar certo162. A fase de descrédito foi superada quando a cana-deaçúcar começou a apresentar resultados.

161

A Univalem produz seu próprio adubo e possui um laboratório de “tomologia” direcionado para a produção da “vespinha” que é lançada na lavoura para controle da “broca”. 162 O mesmo gerente nos disse que quando fazia o curso de agronomia, entendia a agricultura orgânica como algo primitivo, artesanal, a qual não se aplicava às regras científicas. Quando ele tomou conhecimento do trabalho desenvolvido pelo IBD e a empresa iniciou o processo de certificação, viu que é possível introduzir metodologias científicas na agricultura orgânica.

165

Foto 5 – A plaquinha identifica o talhão de cana orgânica

Foto 6 – O papel fixado no parabrisa do caminhão caracteriza o transporte da cana orgânica

Foto 7 – Identifica a parte industrial onde a cana orgânica está sendo processada

166

No entanto, a produção orgânica ainda requer avanços tecnológicos, incluindo pesquisas relacionadas ao trato cultural, controle biológico e desenvolvimento de novas variedades. A primeira dificuldade enfrentada é a queda de produtividade, apresentada nos primeiros anos de cultivo orgânico, principalmente durante o período de conversão. Nessa fase, a planta se ressente e reduz a produtividade. O equilíbrio é encontrado quando a cana assimila os nutrientes presentes na adubação orgânica. Quando a lavoura está situada numa área próxima da usina, onde os resíduos industriais são aplicados regularmente, a planta sente menos a ausência de fertilizantes químicos, não apresentando perdas. A segunda dificuldade, que, aliás parece comum em todos os canaviais, mas que se mostra mais difícil de ser solucionada a curto prazo quando se trata do cultivo orgânico, é em relação a presença de mato e pragas que atacam os canaviais. Na Companhia Albertina, o Gerente Agrícola manifestou apreensão neste sentido. Segundo ele, a empresa está enfrentando problemas na lavoura de cana-de-açúcar com a “grama – seda” e a tiririca, as quais têm se mostrado difíceis de combater, pois são plantas invasoras que conseguem ultrapassar até a palhada que serve de proteção para o solo. Como a agricultura orgânica não admite o uso de herbicidas, a empresa tenta conter o avanço dessas plantas sobrepondo a palha da cana no solo, efetuando o controle através da capina (mecânica ou manual) ou fazendo um plantio consorciado com leguminosas. Além das plantas invasoras, a empresa enfrenta ainda um problema com formigas. A alegação é de que a praga está aumentando e o único produto biológico disponível para o controle não tem se mostrado eficiente. O Gerente Agrícola, disse não saber o que acontecerá se a praga aumentar ao ponto de fugir do controle e até lá não surgir nenhuma pesquisa que apresente uma solução para esse problema. Na Univalem, a principal preocupação é com o controle da “cigarrinha de raiz”, apesar desta ainda não se constituir uma ameaça para a lavoura de cana desta empresa. A mesma vem desenvolvendo pesquisa em parceria com o IBC – Instituto Biológico de Campinas, voltada para o controle biológico dessa praga.

167

Para o controle, coleta-se o fungo163 no campo, o qual é levado para o laboratório onde ocorre todo um processo para que sejam desenvolvidas as vespinhas, as quais posteriormente são soltas na lavoura para que o controle biológico seja efetuado. Na Usina Nova América, a cigarrinha é um problema, sobretudo para a cana orgânica. O fato de não queimar a cana contribui para a proliferação da praga. Segundo o Gerente Agrícola da empresa, já houve momentos em que foi necessário solicitar a permissão do organismo certificador para queimar áreas onde o controle biológico não estava resolvendo, tendo em vista o elevado índice de infestação. O mesmo ressaltou que uma lavoura de cana infestada pela cigarrinha, reduz drasticamente a produtividade. Uma cana com potencial para produzir 15 mil quilos de açúcar por hectare, por exemplo, se for infestada reduzirá esse potencial para até 7 mil, o que corresponde a uma perda de quase 50%. A

necessidade

de

desenvolvimento

de

novas

variedades

também

foi

manifestada pelos representantes das empresas produtoras de cana orgânica. Há por parte dessas empresas, a preocupação em desenvolver ou aprimorar variedades que apresentem um potencial de germinação maior embaixo da palhada; que respondam melhor a adubação orgânica e que sejam mais eretas. Verifica-se que estas são características que atendem as expectativas da produção voltada para o cultivo mecanizado da cana crua. Como a cana orgânica é colhida crua e, majoritariamente mecanizada, essas inovações certamente atenderão ambas as demandas. Mas não podemos nos esquecer, que mesmo a lavoura não sendo orgânica, a intensificação do corte mecanizado da cana crua demandará pesquisas nesse sentido. Em se tratando de mecanização, cabe ressaltar que a certificação orgânica, apesar de ainda se restringir a um grupo muito seleto de empresas, tende a reforçar esse processo. A preocupação com o meio ambiente, manifestada e exigida pelas certificadoras vai ao encontro das exigências da legislação ambiental que defende o fim da queimada, abrindo para a empresa a possibilidade concreta de mecanização do corte de cana crua, visto que o corte manual da mesma é muito mais penoso para o trabalhador e mais caro para a empresa.

163

Segundo o Gerente Agrícola da Univalem, esse fungo tem de ser da própria região onde ele será utilizado, caso contrário, não agirá eficientemente.

168

As empresas que produzem a cana orgânica, também produzem a cana convencional, ou, se só produzem a orgânica, processam a convencional obtida através de fornecedores. Nas empresas visitadas, o corte da cana orgânica é feito manual e mecanicamente, sendo o corte manual efetuado apenas nas áreas onde a máquina não consegue cortar. É interessante observar como nessas empresas o aspecto mercadológico se sobrepõe ao aspecto ambiental. A utilização de procedimentos distintos numa mesma empresa acaba gerando um paradoxo164 . De um lado, a produção orgânica associada a preocupação com a qualidade ambiental, com relações de trabalho “mais justas” e com a obtenção de um produto com uma qualidade que segue os mais rígidos padrões internacionais de certificação. Do outro, a produção convencional, que ainda pratica a queima do canavial e adota o corte manual, apontado no primeiro procedimento como sendo penoso e até desumano para o trabalhador.

3.3.3 – O rebatimento dos novos referenciais para o trabalho

Analisando os aspectos que envolvem a produção orgânica, não é difícil concluir que as maiores beneficiadas com a certificação são elas. Quando avaliamos os rebatimentos desse “novo” referencial para o trabalho, verificamos que os discursos do capital e do trabalho são divergentes. Do ponto de vista do capital enxerga-se e aponta-se um conjunto de melhorias no âmbito do trabalho, as quais foram proporcionadas pelo processo de certificação. Em todas as empresas certificadas que visitamos, foram destacados alguns aspectos que, na avaliação destas melhoraram as condições de trabalho. Mas, do ponto de vista do sindicato, se houve melhorias, estas foram conquistadas através de acordos coletivos, de negociações ou foram impostas como condição para que a certificação se efetuasse. Entre os critérios estabelecidos pelas certificadoras constam: o respeito aos direitos trabalhistas já conquistados pelos trabalhadores; manutenção e melhoria da assistência médico-odontológica

164

oferecida

A exemplo da Univalem.

diretamente

pela

empresa

ou

conveniado;

o

incentivo

a

169

continuidade dos estudos,

a qualificação profissional e a não-utilização do trabalho infantil, entre

outros. A certificação, seja ela pautada nas normas da série ISO (9000/14000) ou orgânica, requer por parte da empresa todo um trabalho, no sentido de estimular a participação coletiva, a integração e entrosamento entre os funcionários dos vários setores dentro da empresa. As certificadoras partem do princípio de que um produto para ser certificado e consumido internacionalmente por consumidores mais exigentes, deve ser produzido num ambiente que seja, além de ambientalmente saudável e economicamente viável, também socialmente mais justo. A questão é que nem sempre as empresas partilham de todos esses princípios e o que acaba prevalecendo é sempre o econômico. Elas aceitam os demais por serem condicionantes no processo de certificação. Os investimentos que essas empresas fazem em recursos humanos e financeiros, em nome dessa suposta melhoria social, ocorre não necessariamente por achar que os trabalhadores são merecedores, mas sobretudo porque a empresa sabe que os investimentos que ela fizer em treinamento, conscientização e melhoria do relacionamento entre os trabalhadores, se reverterá em benefício próprio. Segundo o Gerente Agrícola da Univalem, “os trabalhadores são considerados um patrimônio da empresa que busca a qualidade total. Por isso, eles devem estar interados do processo como um todo. Como eles atuam nas duas frentes, orgânica e convencional, a empresa incentiva o intercâmbio entre todos os setores, através do intercâmbio promovido pelas várias gerências. Todos precisam saber como funciona a certificação orgânica, quais os procedimentos, as exigências.” É como já afirmávamos anteriormente (capítulo II), os benefícios que aparentemente os trabalhadores obtêm no processo de trabalho são compensados pelo capital, uma vez que este se apropria dos pensamentos, ações e proposições dos trabalhadores para atingir os objetivos propostos 165 . Ao questionarmos o Diretor de Produção da Companhia Albertina, sobre as relações de trabalho na empresa, a partir da certificação orgânica, o mesmo alegou que quando a empresa se decidiu pela certificação houve a importação de novos conhecimentos. Por conta disso, ela teve que investir mais na qualificação dos trabalhadores 165

Para mais detalhes, ver: ANTUNES, 2001, p.130.

e aumentar a divulgação do

170

processo produtivo. Consequentemente, houve um maior entrosamento entre os funcionários e entre estes e a direção da empresa.

Acho que os funcionários passaram a ter um tratamento melhor. De modo geral, a comunicação da direção com os funcionários melhorou. Eu que vim de fora há pouco mais de um ano, cheguei e encontrei um negócio diferente das outras usinas em que trabalhei. Um ambiente de trabalho mais aberto, mais amigo, mais franco. Acredito que tudo isso foi difícil, mas a certificação orgânica abriu um campo muito bom para melhorar o relacionamento .

Do ponto de vista salarial não houve ganhos significativos. Como a cana orgânica é cultivada em terras próprias e colhida crua, sendo praticamente 100% mecanizada, essas empresas (Albertina e Univalem, principalmente) dispõem de um número pequeno de trabalhadores fixos na lavoura, os quais são remanejados durante todo ano para várias atividades, a saber: plantio, tratos culturais e colheita manual da cana crua, nas áreas onde a máquina não tem acesso. Terminando a safra orgânica, esses trabalhadores juntam-se aos safristas na colheita da cana queimada, convencional. A produção orgânica se constitui um diferencial econômico para a empresa, mas não se constitui um diferencial em termos salariais e sociais, para o trabalhador. Na Univalem, por exemplo, a justificativa para o fato de não haver distinção entre os salários de quem trabalha na produção orgânica e na convencional parte do princípio de que se a empresa certificada tem como uma das metas promover a integração entre os vários departamentos que possui, bem como um maior entrosamento entre os trabalhadores, ela não deve remunerá-los de modo diferente. Não havendo diferenças salariais também não haverá divergências entre os trabalhadores e a empresa166. Essas empresas implantam pequenos programas na área de alimentação, saúde e lazer, alegando que com isso estão promovendo melhorias nas condições de trabalho e contribuindo para que os trabalhadores tenham uma qualidade de vida melhor.

166

Essa alegação é do Gerente Agrícola da Univalem, durante Pesquisa de Campo, realizada em 2001.

171

Em tese, a remuneração por tonelada no corte manual de cana crua é maior, devido aos riscos que esta oferece para o trabalhador. Porém, em função dessa dificuldade o trabalhador acaba tendo uma produção menor (cortando menos cana) e, consequentemente, sua remuneração acaba se equiparando a do corte da cana queimada. Portanto, do ponto de vista especificamente salarial a produção orgânica não representa um diferencial para os trabalhadores. O Diretor de Produção da Companhia Albertina, apontou como um dos aspectos positivos da certificação, a garantia dos empregos já existentes e a ocorrência de promoções internas. Segundo ele essas promoções ocorreram devido a uma profissionalização maior da empresa. Em função das exigências nós temos hoje mais analistas trabalhando no laboratório e também mais encarregados de seções. Criamos uma chefia para o controle de qualidade e também o cargo de chefe de armazém, que antes não tinha. Quem está empregado aqui

tem

o

emprego

garantido

e

também

a

possibilidade

de

evoluir,

de

ascender

profissionalmente”. Como vimos, a empresa que possui certificação orgânica elimina a queima da cana-de-açúcar (pelo menos na área que é própria e que, geralmente é a certificada). Com o fim da queima, a conseqüência é a adoção do corte mecanizado da cana crua, tendo em vista a alegação de que o corte manual desta, além de muito penoso e perigoso para o trabalhador, aumenta os custos da empresa que terá de pagar mais pela tonelada167 . Em princípio as certificadoras168 apresentam para as empresas como um dos critérios para a certificação, a manutenção dos empregos na lavoura de cana, o que inclui o corte manual da cana crua. No entanto, o Diretor de Produção da Companhia Albertina deixou claro em seu depoimento que, apesar da empresa estar totalmente enquadrada às normas da certificação orgânica, ainda há a preocupação em aperfeiçoar os procedimentos, nos quais se incluem este aspecto social, ligado ao corte da cana-de-açúcar. Ele discorda que a cana crua seja cortada manualmente, alegando que “há um contracenso entre exigir que a colheita da cana seja feita manualmente e a impossibilidade do trabalhador enfrentar essa tarefa”. O mesmo ressalta que esse é um problema que a empresa tem discutido com os certificadores, “porque antes tinham 167

Pelo menos é esse o discurso que ouvimos com freqüência. a certificação socioambiental, por exemplo coloca como critério para minimizar os impactos da mecanização a criação de contrapartidas sociais, como o treinamento dos trabalhadores e o remanejamento destes para outras funções/atividades dentro da empresa, ou a qualificação (em parceria entre o poder público, empresas e entidades sindicais) da mão-de-obra excedente para que seja reinserida no mercado de trabalho. 168

172

aquela visão de que a agricultura orgânica é uma agricultura fixadora de mão-de-obra no campo. Eu acho que pode até fixar, mas desde que não leve a um trabalho extenuante, difícil de ser cumprido em condições normais”. Então, com base nas alegações já apontadas acima, estas empresas chegaram a um acordo com as certificadoras, passando a

adotar esta prática somente nas áreas onde a

máquina não tem acesso. A exemplo da Cia. Albertina, onde 100% da cana orgânica é colhida crua, sendo 85% colhida com máquina e, apenas 15% manualmente. Com

a

intensificação

do

uso

da

máquina

no

corte

da

cana

crua,

consequentemente, ocorre a redução de empregos na parte agrícola, que só não é maior ou total porque estas empresas ainda não mecanizaram totalmente as outras etapas, como o plantio e os tratos culturais e, também porque estas têm áreas de arrendamento/parceria e de fornecedores que colhem a cana queimada e boa parte manualmente. Verifica-se, portanto, que a certificação não gera mudanças expressivas do ponto de vista social (até porque ela não é implantada com esse objetivo específico). Apesar de promover avanços no relacionamento interpessoal e melhorar o ambiente de trabalho, possibilitando maior entrosamento, conhecimento e autonomia dos trabalhadores em relação ao processo como um todo; não promove alterações diretas nos salários, pois o que o trabalhador por ventura ganha a mais, se expressa na forma de bonificação. Além disso, ao defender a manutenção do emprego na lavoura e, ao mesmo tempo exigir que a colheita da cana seja crua, sabendo que manualmente esta é uma tarefa difícil, acaba paradoxalmente, contribuindo para a intensificação do uso da máquina no corte da cana crua e, consequentemente para a redução da mão-de-obra. De todo modo, a certificação, seja ela socioambiental, ISO 14001 ou orgânica, constitui-se um novo referencial socioambiental, tecnológico, econômico e de controle para as empresas sucroalcooleiras, mas é sobretudo do ponto de vista econômico que este referencial ganha importância, tendo em vista a perspectiva que se abre para a conquista de novos mercados, somada a possibilidade de competir com um produto diferenciado, tanto no preço como na qualidade. Tornando-se também um fator de diferenciação entre as empresas. É inegável o potencial que as agroindústrias sucroalcooleiras têm de buscar novos referenciais, que lhes permitam a abertura de novas perspectivas, tanto de escala como de mercado. Mas, verifica-se que estes novos referencias e perspectivas que se apresentam ainda

173

envolvem um grupo muito restrito de empresas sucroalcooleiras (a exemplo, da sucroalcooquímica e do plástico biodegradável). Conforme veremos no capítulo seguinte, entre estas perspectivas, a que tem envolvido um maior número de empresas até o momento e que tende a se ampliar, é a co-geração de energia a partir do bagaço.

174

CAPÍTULO IV

TENDÊNCIAS TECNOLÓGICAS E AMBIENTAIS PARA A AGROINDÚSTRIA SUCROALCOOLEIRA E AS PERSPECTIVAS PARA OS TRABALHADORES

A produção capitalista é antes de mais nada uma produção visando a produção ( BIHR, A.).

As transformações por que passou a economia brasileira durante os anos 1990, a crise do Proálcool, o descontrole do mercado do álcool, o processo de desregulamentação e de liberação dos preços da cana-de-açúcar, do açúcar e do álcool, bem como as mudanças institucionais e ações implementadas pelo Estado, são alegadas por empresários do setor sucroalcooleiro como um agravante para a crise financeira que várias empresas do setor já enfrentavam. Hoje, os empresários do setor em questão ainda esperam contar com o apoio do Estado, especialmente no que se refere a revitalização do Proálcool e a manutenção dos derivados da cana-de-açúcar na matriz energética. Nesse contexto, os sub-produtos como o bagaço, os alcoóis finos, os açúcares concentrados e o açúcar líquido, por exemplo, despontam, através da sucro-alcooquímica como “novos” referenciais de escala e de mercado, assim como a produção de cana e açúcar orgânico, hoje com grande aceitação no mercado internacional. No front da alcooquímica, são inúmeros os produtos que podem ser fabricados a partir da cana-de-açúcar, os quais possuem um diferencial em relação aos produtos comuns, o fato de serem biodegradáveis (fibras sintéticas, adesivos, herbicidas, inseticidas e substâncias como o éter etílico, o ácido acético, etc.), ou seja, são inofensivos ao ambiente169.

169

Cf. THOMAZ JÚNIOR, 2002c.

175

O plástico biodegradável, um dos sub-produtos da cana-de-açúcar, também se apresenta como uma perspectiva interessante para o setor sucroalcooleiro.

4.1 – Tecnologia e ciência transformando açúcar em plástico: para quem são os benefícios?

As pesquisas já demonstram que esse plástico pode ser utilizado na produção de vasilhames para defensivos agrícolas, embalagens e filmes para alimentos, cápsulas para insumos agrícolas, etc. Por enquanto, ele se apresenta como um produto de nicho, mas no futuro quando seu uso se generalizar, as vantagens em relação ao plástico comum poderão se expressar em termos de preço, de resistência química, de qualidade e por ser biodegradável. A bactéria (B. sacchari)

170

, capaz de comer açúcar e transformar o excedente

de sua alimentação em pequenos grãos, a partir dos quais se produz o plástico biodegradável, foi descoberta em 1994 num canavial de Piracicaba. O desenvolvimento dessa tecnologia motivou a criação da empresa PHB Industrial, a qual encontra-se instalada na Usina da Pedra, em Serrana/SP,

produzindo

o

material

em

escala

pré-industrial.

A

produção

do

PHB

(polihidroxiburitato) é de cerca de 50 a 60 toneladas por ano, sendo a maior parte exportada e utilizada por institutos de pesquisa europeus na confecção de poliésteres que se decompõem sem agredir o meio ambiente171 . O

desenvolvimento

dessa

tecnologia

surgiu

de

uma

parceria

entre

os

pesquisadores do IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas, USP - Universidade de São Paulo e o CTC/Copersucar - Centro de Tecnologia da Cooperativa de Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo. O consumo desse tipo de plástico em nível internacional, hoje gira em torno de 1%, com um custo cinco vezes maior do que o do plástico comum (na moeda nacional a relação seria de R$ 6,00 e R$ 1,00, respectivamente).

170

Revista Globo Rural, ano 18, n. 204, out. 2002. Enquanto o plástico sintético, usado na confecção de sacolas de supermercado levam centenas de anos para se decompor, o plástico biodegradável leva de 1 a 10 anos. 171

176

Na dieta alimentar da bactéria (B. sacchari) é introduzido mais sacarose do que nutrientes, o que evita que os produtos a base do PHB sejam quebradiços. 80% da massa acumulada com essa dieta é revertida em grãos de PHB. De acordo com os pesquisadores do IPT, a equivalência entre o açúcar consumido pela bactéria e o plástico produzido é de 3 por 1, ou seja, para cada três quilos de açúcar é produzido um quilo de plástico. Aqueles que estão envolvidos no projeto, acreditam que o reconhecimento do “biopolímero” e o aumento da produção ocorrerá quando houver mudanças na legislação ambiental brasileira, a qual, atualmente não coloca qualquer restrição ao plástico sintético, ao contrário da Alemanha, que tem leis restringindo a produção de sacolas plásticas de origem sintética. A produção do PHB está totalmente integrada à linha de produção da Usina da Pedra, visto que a energia usada no desenvolvimento da bactéria (B. sacchari) é proveniente da queima do bagaço de cana. A alimentação da bactéria é feita com o próprio açúcar produzido pela Usina e o solvente utilizado para retirar o polímero desses microorganismos é derivado do álcool. Encontra-se em fase de estudos por parte dos pesquisadores do IPT, outras formas de utilização do “biopolímero”, inclusive na medicina, como cápsulas gelatinosas, pinos, fios de sutura, etc.172 .

Cabe ressaltar que além desses subprodutos já citados, o que vem

ganhando mais importância no setor sucroalcooleiro nos últimos anos é o bagaço de cana, dada a possibilidade de intensificação da co-geração de energia.

4. 2 – A produção de energia elétrica através de fontes alternativas de biomassa: um recorte particular para a co-geração a partir da queima do bagaço de cana

A crise e o conseqüente racionamento de energia elétrica em 2001, serviu, em parte, para valorizar a biomassa de cana e incentivar os empresários do setor a projetarem investimentos na ampliação da produção de energia derivada da queima do bagaço de cana-deaçúcar.

172

Estas informações a respeito da bactéria B. sacchari, bem como a respeito da produção do biopolímero foram obtidas na Revista Globo Rural, ano 18, n. 204, out. 2002, p. 63-65 e no site: www.copersucar.com.br/ .

177

O estado de São Paulo possui 131 usinas e destilarias que produzem energia para consumo próprio (cerca de 700MW). Destas, 12 vedem o excedente equivalente a 120 MW às distribuidoras. Em âmbito nacional, 318 empresas geram entre 1000 MW e 1200 MW, cujo excedente é de 170 MW173 . A pioneira em co-geração de energia no Brasil foi a Usina São Francisco, de Sertãozinho. Junto com a Santo Antônio, do Grupo Balbo, ela investiu cerca de R$ 17 milhões para gerar cerca de 26 MW, dos quais 16 MW seria destinado à comercialização (3 MW da primeira e 13 da segunda, respectivamente. A perspectiva desse novo mercado para o setor motivou várias usinas a investirem na co-geração de energia, buscando financiamentos junto ao BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. A Usina Nova América, investiu recentemente US$ 3 milhões (50% financiado e 50% de recursos próprios) para produzir 22,5 MW. Destes, ela consome 12,5 MW e comercializa 10 MW. A Usina Maracaí, outra unidade do Grupo Rezende Barbosa, gera 3,5 MW de excedente desde 1998. Juntas, as duas comercializam então, 13,5 MW de energia. Em 2001, a Usina Vale do Rosário, de Morro Agudo/SP, tinha uma produção de 45 MW, dos quais 30 MW era fornecido a CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz) como excedente, caracterizando-se no período, como a maior fornecedora de energia dessa natureza do estado de São Paulo174. Além das empresas citadas, mais nove já comercializam excedente de energia. A Santa Elisa/Sertãozinho com 5 MW; a Moema/Orindiúva com 2 MW; a Barra Grande/Lençóis Paulista com 14 MW; a São José/ZL/Macatuba com 8 MW; as

Usinas Cerradinho/Catanduva e

Colombo/Ariranha com 1 MW cada; a Univalem/Valparaíso e a Nardine/Vista Alegre do Alto, ambas com 2 MW; e a Cresciumal/Leme também com 2 MW175 . Esta última, está investindo em tecnologia mais avançada para aumentar sua capacidade de co-geração de energia para 50 MW/hora/safra, com contrato assinado por dez anos para comercialização do excedente junto a distribuidora. Esse projeto está sendo executado, com financiamento do BNDES e com recursos da própria empresa176 . 173

Informação contida no site: estadao.com.br, 24 de junho de 2001. Informe BNDES, n. 151, agosto de 2002. 175 Ibid., n. 151, agosto de 2002. 176 Essas informações foram obtidas durante pesquisa de campo. O montante de recursos investidos não foi divulgado pela empresa. 174

178

A Usina Albertina também encaminhou projeto para o BNDES, visando a obtenção de financiamento para substituição de antigas caldeiras e geradores por outros modernos e com capacidade de geração de energia maior, a fim de permitir a comercialização de excedente177 . De acordo com o presidente da ABAG – Associação Brasileira de Agricultura e 178

Agrobussines

, uma tonelada de cana produz 240 kg de bagaço, os quais geram 70 KW/hora,

sendo 40 KW excedentes. O potencial do palhiço (a palha e o ponteiro da cana cortada crua com máquina é ainda maior). Se um hectare de cana produz em torno de 22 toneladas de bagaço, de palhiço sobe para 25 toneladas. O poder calorífico também é maior do palhiço em relação ao bagaço, do palhiço é de 2.900 quilocalorias por quilo, enquanto o do bagaço é de 1.800. No entanto, o uso do palhiço na co-geração de energia ainda é discutível, pois ainda não foi desenvolvido um sistema eficiente para enfardá-lo e transportá-lo179 . Essa questão foi levantada durante a visita efetuada a Usina Nova América. Na ocasião, o gerente de produção alegou que um dos objetivos da empresa é utilizar a palha nas caldeiras para gerar energia, mas esbarra em dois pontos: o primeiro, é que o bagaço produzido está sendo suficiente para gerar a cota de energia que ela consome e comercializa, sem precisar utilizar o montante de palhas. O segundo, é

que ainda há problemas quanto ao enfardamento e recolhimento

dessa palha no campo. Não existe máquinas e equipamentos com tecnologia já desenvolvida largamente para ser aplicada nesse procedimento. Ele ressaltou que a empresa fez uma tentativa tempos atrás de recolhimento da palha do campo, porém, para realizar essa tarefa teve que contratar os serviços de uma empresa paraguaia que trouxe de lá uma máquina especializada em silagem de milho, o que resultou num custo muito alto para a Nova América, em função do serviço ter sido cobrado em dólar. Desse modo, o gerente de produção acha que para compensar a geração de energia a partir do palhiço é preciso aumentar a capacidade das caldeiras, haver o aumento do

177

Idem, pesquisa de campo. Roberto Rodrigues – Engenheiro Agrônomo e Professor de Economia Rural da Unesp/Jaboticabal (julho de 2002), hoje Ministro da Agricultura (fevereiro de 2003). 179 A Usina Cerradinho/Catanduva/SP, desenvolveu uma tecnologia de adaptação de máquinas para recolher a palha usada na co -geração de energia, e já efetua operação comercial dessas máquinas. A empresa gera 25 MW de energia a partir do bagaço, dos quais 23 MW ela comercializa. A mesma pretende utilizar a palha na co-geração durante a safra, de maio a novembro, permitindo assim o armazenamento do bagaço para co-gerar energia durante a entressafra. No entanto, ainda enfrenta dificuldades quanto ao transporte da palha até a Usina. Informe BNDES, n. 151, agosto de 2002. 178

179

preço da energia comercializada e o desenvolvimento de tecnologia ligada ao enfardamento e transporte da palha de cana. Em 2001, foram desembolsados pelo BNDES, R$ 174 milhões para seis projetos de co-geração de energia. Até agosto de 2002, o banco tinha em carteira R$ 201 milhões em oito projetos de co-geração aprovados, e R$ 449 milhões em 19 projetos em andamento. A criação do PROINFA – Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, através da Lei 10.438, de 26 de abril de 2002180 , certamente estimulará novos investimentos das empresas sucroalcooleiras em co-geração de energia elétrica a partir do bagaço de cana-deaçúcar181. Com esta lei abre-se a perspectiva de que as fontes alternativas integrem, de fato a matriz energética brasileira. Vejamos na Tabela 23 os projetos existentes na carteira do BNDES, voltados para a co-geração de energia a partir de fontes alternativas.

Tabela 23 – Projetos de co-geração de energia elétrica por fonte alternativa de biomassa na carteira do BNDES – 2002. Biomassa

Investimento

Participação do

Potência/ MW

Projetos

Total (milhões de

BNDES (milhões

R$)

de R$)

53

42

39

4

Casca de arroz

40

30

30

4

Bagaço de cana

1045

795

1177

32

Total

1138

867

1246

40

Resíduos de madeira

Fonte: Safras & Mercados, 2002. De acordo com circular divulgada pelo BNDES182 em agosto de 2002, três empresas paulistas (Santa Elisa, Alto Alegre e Bioenergia) obtiveram nova linha de crédito destinada ao projeto de co-geração de energia a partir do bagaço de cana-de-açúcar. O total dos créditos aprovados é de R$ 140,1 milhões e o investimento total das empresas é de R$ 191,7 180

Os artigos 3o , 13, 17 e 23 desta lei foram regulamentados em 23 de dezembro de 2002, através do decreto no 4.451 181 www.canaweb.com.br/noticia . 182 Informe BNDES, n. 151, agosto de 2002.

180

milhões. A Companhia Energética Santa Elisa, por exemplo, dispõe de R$ 32,2 milhões, a serem aplicados no aumento da co-geração de energia, a qual passará de 22 MW para 48 MW, sendo o investimento total da Companhia no projeto, de R$ 44 milhões. Com esse novo projeto a Santa Elisa está instalando dois turbogeradores e uma nova caldeira e aumentando a potência de três turbinas. 90% do investimento total destina-se a aquisição de equipamentos, destacando-se a caldeira de alta pressão, a qual representa 35% do valor do investimento. Dos 48 MW produzido, 30 MW será destinado a comercialização junto a CPFL. Já o crédito da Alto Alegre, no valor de R$ 63 milhões, não são destinados somente para o projeto de co-geração, mas também para a expansão e modernização da Usina, inclusive da unidade Alta Floresta/Presidente Prudente. Com o financiamento obtido através da nova linha de crédito do BNDES, a Usina Cerradinho Açúcar e Álcool, também irá aumentar sua capacidade de co-geração de energia. A potência gerada antes desse financiamento era de 5 MW, dos quais 4,5 era destinado ao consumo próprio. Com a instalação de novos equipamentos a potência gerada sobe para 22,34 MW, sendo 6,6 MW para consumo próprio e 15,74 para comercialização. O BNDES participa em até 80% do investimento efetuado pelas empresas sucroalcooleiras, dando condições para que estas amortizem seus débitos em até dez anos, com vencimento das parcelas durante a safra. Para possibilitar o acesso ao crédito, o BNDES usa como garantia a receita gerada a partir dos contratos de venda de energia às concessionárias. Segundo o Conselho Mundial de Energia, a construção de uma usina hidrelétrica de grande porte leva em média de oito a doze anos, com um custo por KW de US$ 2 mil. Uma usina nuclear, demora praticamente o mesmo tempo para ser construída, com um custo por KW entre US$ 4 e 5 mil. Uma termelétrica a gás leva em torno de dois anos para ser construída, mas o custo do quillwatt ainda é alto, mais ou menos US$ 1 mil. Já a co-geração a partir do bagaço de cana-de-açúcar leva aproximadamente um ano para se efetuar, a um custo de US$ 400 o quilowatt. Esta comparação foi feita pelo presidente da ABAG, visando com isso reforçar a importância da geração de energia pelas agroindústrias sucroalcooleiras no Brasil183 .

183

Diário de Bordo. Bagaço e Álcool. Revista Agroanalysis, dez/2001 – site: www.abagbrasil.com.br

181

O Coordenador do Programa Energético do Estado de São Paulo184 , também defende a co-geração de energia. Para ele, o reconhecimento da co-geração de energia como um sistema de complementaridade, pode se constituir num incentivo a “anualização”, ou seja, a produção de energia a partir do bagaço de cana tem sido importante como complemento, para cobrir algumas deficiências na oferta de energia elétrica durante as estações mais secas do ano, quando o potencial hídrico se reduz. Todavia, se houver incentivos por parte do governo, incluindo-se o aprimoramento tecnológico e o acesso ao sistema de transmissão, a produção dessa energia poderá se estender por todo o ano. Para tanto é preciso atentar para alguns aspectos reguladores, como a criação de fundos setoriais que promovam o desenvolvimento das fontes renováveis, o estabelecimento de metas de participação na matriz energética, etc. Segundo ele, do ponto de vista políticoinstitucional pode expressar-se no incentivo a utilização de energia de biomassa renovável. É uma energia originária de uma fonte renovável, que favorece a redução de emissões na atmosfera, e que poderá gerar economia de divisas, induzir a eficiência energética e “gerar empregos”. No que tange a essa questão de aumento de emprego com a geração de energia a partir do bagaço e da palha de cana-de-açúcar, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ribeirão Preto, disse que não, que não vê essa possibilidade, visto que as usinas geram energia a partir do excedente de biomassa, e mesmo que estas venham a aumentar a área ocupada com cana em função do aumento da geração de energia, não vai aumentar o número de empregos, pois a tendência é as usinas intensificarem cada vez mais a mecanização da lavoura. Talvez demande alguns trabalhadores para as termelétricas ou nem isso, pois os trabalhadores podem ser remanejados dentro da própria usina, de uma função para outra.

184

Armando Shalders Neto, em palestra realizada no dia 05/04/2002, no evento “ecoestratégias ambientais para o setor sucroalcooleiro”, na cidade de Ribeirão Preto.

182

Já o Presidente do Sind. dos Químicos de Araçatuba e Região, ao contrário do Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ribeirão Preto, se posiciona de forma positiva com relação a geração de emprego. Ele acredita que o setor conseguiu sair da crise que perdurou até três anos atrás, e a melhora nas exportações de açúcar e a perspectiva de exportar também o álcool é promissora. O mesmo alega, que a revitalização do Proálcool pode “caminhar” junto com o projeto de co-geração de energia, visto que a expansão da área ocupada com cana para atender a demanda do Proálcool propiciará também maior geração de energia. Segundo ele, para os empresários “seria juntar o útil ao agradável”. Como vemos, a geração de energia elétrica a partir da queima do bagaço de cana já ocupa lugar de destaque internamente, mas os empresários ainda esperam maior apoio do Estado, alegando que ainda há limitações, especialmente no que se refere à comercialização dessa energia e que o Estado se exime de planejamento estratégico.

4.3 – As perspectivas para o Proálcool Desde

1989,

quando

o

mercado

do

álcool

sofreu

um

processo

de

desabastecimento, levando o Programa ao descrédito, que este produto vem apresentando dificuldades para se estabelecer novamente. Os empresários vêm forçando negociações junto ao CIMA, ao BNDES e as instâncias municipais e estaduais do governo, através da AMCESP – Associação dos Municípios Canavieiros do Estado de São Paulo e das montadoras de automóveis, no sentido de fortalecerem a produção do álcool hidratado. Mas, segundo Thomaz Júnior (2001), quando se trata de ampliar as perspectivas para o álcool no mercado externo, os empresários do setor são cautelosos, pois apesar do MTBE185 ter sido proibido nos EUA e ser substituído pelo álcool anidro, ainda não há possibilidades reais do produto brasileiro conquistar o mercado estadunidense, mediante a produção do álcool a partir dos excedentes dos cereais, especialmente do milho. A França produz internamente o etanol na proporção de 5%, com perspectiva de duplicar essa produção até 2003, atingindo em torno de 1,2 bilhões de litros. Essa produção origina-se do açúcar de beterraba, na proporção de 70%, e os 30% restantes do trigo. Porém, com 185

O MTBE (metil-tércio-betil-éter) é um polímero do petróleo, usado na mistura à gasolina.

183

a legislação francesa sendo estendida para toda União Européia, a partir de 2005, o consumo do álcool anidro pode chegar a 70 bilhões de litros por ano, abrindo assim um perspectiva promissora para os produtores brasileiros (THOMAZ JÚNIOR, 2001, p.75). Para os simpatizantes, ou defensores do Proálcool sua revitalização será de fundamental importância frente a crise que o setor tem enfrentado nos últimos anos. Durante o Seminário Desafio 2000186, foram sugeridas uma série de medidas, no sentido de frear a onda de crise que o setor atravessou até então. Entre as medidas sugeridas naquele momento, duas estavam diretamente vinculadas a questão do álcool: •

A incorporação do álcool na política energética brasileira com vistas à expectativa de exportação a médio e longo prazos;



A rearticulação do setor em prol do estabelecimento de uma nova fase do Proálcool, tendo o Estado como coordenador do Programa. De acordo com Thame (1998)187, um dos defensores da revitalização do

Proálcool, este Programa é muito importante para a geração de divisas. O mesmo alega que durante o período em que o Programa esteve em vigor, gerou uma economia para o país de US$ 33 bilhões. Mesmo com a adição de 22% de álcool anidro à gasolina e a existência de cerca de 4 milhões de automóveis à álcool ainda circulando no país, o Brasil importa hoje cerca de 300 bilhões de barris de petróleo a um custo de US$ 6 bilhões por ano. O país poderia economizar mais, se houvesse por parte do Estado um (re)estímulo a produção de carros a álcool, ou se a proporção de álcool adicionado à gasolina fosse aumentada, e, se além disso o Rio Grande do Sul adotasse a mesma postura dos outros estados brasileiros, deixando de usar o MTBE, e adicionasse os 22% de álcool à gasolina. Em sua concepção, se o nível de mistura do álcool anidro na gasolina passasse de 22% para 26% ou 30%, a economia de divisas para o País giraria em torno de US$ 175 a US$350 milhões ao ano, respectivamente188 . Serra (1998) 189 , outro defensor do Proálcool, destaca190 três fatores que de modo inverso no passado sustentaram o Programa, e que hoje estão contribuindo para que o mesmo sucumba: 186

Realizado em julho de 1999, composto de três etapas que ocorreram nas cidades de Americana, Piracicaba e Campinas, no qual foi discutido o avanço tecnológico e o desemprego na região onde estão situadas estas cidades. 187 Antonio Carlos Mendes Thame é Professor de Economia da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da USP; Presidente da Associação dos Municípios Canavieiros do Estado de São Paulo (AMCESP).

184



O sucateamento da frota de carros a álcool e a praticamente inexistente produção para substituição;



A desregulamentação do setor e a liberalização dos preços;



Redução do consumo de álcool hidratado e anidro. Segundo Serra, para evitar o “fim do Proálcool” é preciso que a demanda por

carros a álcool seja recriada. O mesmo alega que ao deixar de limitar a isenção de IPI somente para táxis novos movidos a álcool, o governo perdeu a oportunidade de incentivar essa demanda. Esse objetivo ainda pode ser atingido se o governo incentivar a produção de veículos a álcool, de até 1.000 cilindradas e com isenção de impostos. Além disso os carros teriam seu custo reduzido, para os estados, pela cobrança adicional do IPVA representado pelos veículos novos. As medidas apontadas por Serra e comungadas por outros representantes do alto escalão da república, visam garantir a renovação da frota anual, a qual, segundo ele, seria de cerca de 250 mil veículos e geraria em torno de 120 mil empregos novos na agroindústria canavieira. O ex-ministro inclui também nessas medidas o esforço no sentido de reduzir as barreiras protecionistas externas em relação às vendas do açúcar e do álcool brasileiro. Mas, no caso específico do álcool anidro, a possibilidade de aumentar as exportações requer a substituição da tecnologia empregada atualmente, visto que o mesmo tem sido produzido à base de benzeno, recebendo restrições no mercado externo191. Segundo Barelli (2000), o governo do estado de São Paulo tem o dever de reativar o Proálcool e, consequentemente o setor. O mesmo ressalta que os pactos multilaterais e a legislação de vanguarda são exemplos de que o governo do Estado “se preocupa com a segurança do trabalho e a garantia do emprego”. O fato do setor congregar 40% dos trabalhadores na agricultura do estado de São Paulo, “preocupa o governo” por causa das atividades penosas que muitos deles exercem. A manutenção e ampliação de suas rendas, bem como a criação de condições para mantê-los no emprego ou para que possam ser reinseridos no mercado de trabalho, tem exigido do governo um esforço no sentido de empreender a qualificação e requalificação dos trabalhadores atingidos pela mecanização.

188

Cf. THAME, 1998, p. 1-2. Ex-ministro e ex-presidenciável. 190 Em artigo publicado pela AMCESP (Associação dos Municípios Canavieiros do Estado de São Paulo). “O Proálcool Revitalizado”, pág. 5-8, 1998. 191 Idem, 1998, p. 6-7. 189

185

Nesse aspecto discordamos de Barelli, pois apesar do discurso do governo estadual ser o mesmo desde que o processo de mecanização se intensificou, medidas efetivas não têm sido tomadas, no sentido de resolver de fato, ou amenizar a questão da ociosidade da mãode-obra em função da intensificação do corte mecanizado da cana-de-açúcar. O que percebemos é que, apesar dos debates que já ocorreram junto a Câmara Paulista do Setor Sucroalcooleiro em relação a essa questão, envolvendo governo estadual, sindicatos dos trabalhadores, empresários e demais entidades, não tiveram até o momento resultados significativos, pois a responsabilidade acaba sendo jogada de um lado para outro. A Câmara Paulista do Setor Sucroalcooleiro, em documento encaminhado à CINAL, em março de 2000, apresentou vários pontos para negociação, os quais demonstram também, claramente, a defesa da revitalização do Proálcool. Entre as medidas que visam a sustentação da produção do álcool destacamos as seguintes: •

Manutenção do nível de mistura de álcool anidro à gasolina;



Criação de condições para viabilizar a recuperação dos empresários do setor, através de medidas que possibilitem a revisão dos preços, do financiamento agrícola, bem como dos estoques de álcool;



Cumprimento da Lei nº 8176 e do Decreto238191, com a formação de estoques estratégicos;



Definição de uma política de saneamento financeiro192 do setor que atenda os produtores competitivos e possibilite às empresas efetuarem associações ou fusões. Entre estas medidas, a que reivindica a definição de uma política de saneamento

financeiro nos chamou mais a atenção. Ao que parece a mesma sugere uma política de créditos e financiamentos que favoreça os grandes produtores/usineiros mais capitalizados e, portanto, com condições de competir no mercado, em detrimento dos demais. Acreditamos que desse modo, estariam sendo reforçadas políticas anteriormente adotadas e contribuindo mais uma vez com a concentração de terras e de capital na mão de alguns grupos. Estas medidas destacadas acima foram propostas a curto prazo. Já entre as de longo prazo destacamos as seguintes: •

Definir uma política para a cana-de-açúcar e derivados, com atenção especial para a cogeração de energia e para a álcool-química;

192

Grifo nosso.

186



Definir uma matriz energética dos produtos destinados ao abastecimento de veículos, a fim de determinar a parcela que cabe ao álcool;



Incentivar a produção de combustível de biomassa para substituição do diesel, a fim de melhorar a qualidade de vida da população e gerar mais empregos;



Estabelecer

um

programa

de

qualificação

profissional,

em

parceria

com

entidades

empresariais e trabalhadores193 . Um aspecto chamou bastante a atenção na forma geral de estruturação desse documento. Não temos certeza quanto a lógica de ordenação das medidas apresentadas no documento, mas tivemos a impressão de que aquelas que deveriam atender exclusivamente aos interesses dos empresários foram elencadas em primeiro plano, ao passo que as que dizem respeito a questão do emprego e à qualificação da mão-de-obra foram apresentadas por último. Pode ser que a ordem dessas propostas no documento não tenha o sentido que pretendemos dar, mas do ponto de vista da relação capital-trabalho faz sentido sim, pois são sempre os interesses do empresariado que comparecem em primeiro plano. A partir desse documento verifica-se claramente que todas as preocupações em reativar o Proálcool, sob a alegação de que a substituição do diesel e/ou gasolina pelo álcool melhoraria a qualidade de vida da população; que geraria economia de divisas para o país e mais emprego no setor, não passa de um discurso mascarado que, no fundo tem como principal objetivo atender aos reais interesses do empresariado: tornar-se mais competitivos no mercado; continuar contando com o apoio financeiro do Estado; poder investir em novas tecnologias e na produção de subprodutos da cana e, desse modo acumular mais capital. O Relatório das Atividades da Câmara Paulista do Setor Sucroalcooleiro, apresentado ao governo estadual em agosto de 1996, dispõe de dois itens que ajudam a ilustrar o que discutimos acima. Os mesmos estão vinculados à proposta de criação de uma política de sustentação da produção de álcool, quais sejam: recuperar financiamento para a agroindústria, com a inclusão da lavoura canavieira no crédito agrícola e o financiamento dos estoques estruturais de álcool; e estimular a geração de energia nas usinas através da co-geração, com a revisão do Programa de Co-geração e Produção Particular de Energia Elétrica no Setor Sucroalcooleiro do Estado de São Paulo (1996, p. 38-39).

193

Pauta de negociação da Câmara Paulista à CINAL. São Paulo, março de 2000.

187

A Câmara Paulista argumenta ainda que a crise vivenciada pelo setor pode provocar a demissão de milhares de trabalhadores rurais, gerando conseqüências não só no campo, mas sobretudo nos grandes centros urbanos. Ao engrossar o contingente de trabalhadores desempregados, poderá ocasionar o incremento da marginalidade urbana, da violência no campo, dos conflitos ligados à posse da terra, bem como da instabilidade política. Estes problemas já vêm ocorrendo no país em decorrência de toda uma conjuntura política e econômica. A crise do setor não deve ser usada como causa direta do desemprego para justificar a reativação do Proálcool. O que tem de fato aumentado o desemprego e a precariedade das relações de trabalho no campo, sobretudo no que se refere especificamente ao setor sucroalcooleiro, é o processo de reestruturação produtiva com a adoção da automação e mecanização e de novas formas de gestão e controle do processo de trabalho. Na opinião de Belodi (2000), o Proálcool, em nova fase, poderá trazer vantagens para todos os agentes ligados direta ou indiretamente a cadeia produtiva (produtores, distribuidores, montadoras, consumidores e o próprio governo). Para os produtores: estar desonerado da culpa pelo desabastecimento; contar com a racionalização dos espaços de estocagem ao produzir um único tipo de álcool, entre outras vantagens. Para os distribuidores: contar com a redução nos custos de distribuição do álcool, com menor custo de fretes e de capital de giro para manter os estoques reguladores. Para as montadoras: a possibilidade de exportar os modelos flexíveis, sem a pressão de ter que produzir veículos exclusivamente a álcool. Para os consumidores: poder abastecer com combustível limpo; ter disponível modelos e marcas de automóveis, até mesmo importados, com opção pelo álcool carburante e poder viajar até para fora do país sem correr o risco de ficar sem o combustível. Para o governo: maior liberdade para estimular e incentivar o uso do álcool; recomendar localmente o uso do álcool; ter a oportunidade de mostrar para o mundo a preocupação efetiva com o meio ambiente. Para Belodi (2000), reativar a produção de álcool é acreditar na capacidade de formar novas gerações comprometidas com soluções energéticas renováveis, na busca de um meio ambiente equilibrado e da qualidade de vida.

188

Por mais que defendamos as soluções energéticas renováveis, a proteção do meio ambiente e a qualidade de vida da população, mais nos convencemos de que este discurso carregado de “boas intenções”, visa acima de qualquer coisa satisfazer interesses econômicos, ou seja garantir a permanência, ou a sobrevivência de muitos empresários no setor. A preocupação dos empresários, expressa através da alegação de que os preços do álcool estavam defasados e de que os preços do combustível deviam ser liberados, em janeiro de 1997, ficou clara no Relatório das Atividades da Câmara Paulista Sucroalcooleira. Na ocasião, a Câmara Paulista buscava, entre outros aspectos, mobilizar a Bancada Federal Paulista para que fosse criado um tributo sobre a distribuição de produtos poluentes (gasolina/diesel) e que o mesmo passasse a vigorar em todo país 194 . O objetivo era, na verdade, viabilizar economicamente o álcool hidratado carburante frente a gasolina. A Câmara Paulista sugeria também na ocasião, a definição de um “nicho de mercado” para o carro a álcool. Para isso pretendia requerer junto ao governo federal, medidas tributárias e de caráter normativo, para estimular a denominada “frota verde” de carros a álcool no estado de São Paulo. Uma dessas medidas seria a redução do IPI somente para os carros e os táxis a álcool, conforme portaria nº 92/96, do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo. Segundo dados divulgados pela ANFAVEA - Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores –, a

indústria automobilística brasileira produziu entre

janeiro e outubro de 2002 42.297 veículos com motores a álcool. O que significa uma produção maior do que a dos anos de 1998 e 2001 juntas, a qual foi de 40.798 unidades. A média até setembro de 2002 foi de 3,9% de veículos a álcool em relação aos modelos à gasolina195. Os empresários do setor sucroalcooleiro pretendem tornar o álcool uma commodity internacional, para isto apostam no aumento do consumo do mesmo no mercado internacional, inclusive como medida para contrabalancear a oferta de açúcar. Os mesmos acreditam superar as exportações da safra 2001/2002, visto que a perspectiva para a safra 2002/2003 é de 450 milhões de litros, ao passo que na anterior, a exportação foi de 400 milhões de litros. Entre os possíveis compradores destacam-se Japão, Singapura, Hong Kong, Estados Unidos (via Caribe), China e Colômbia196.

194

Frente Parlamentar Sucroalcooleira (THOMAZ JÚNIOR, 2001). Redação Brasil @gro – divulgado no site: www.udop.com.br nov./2002. 196 Informação divulgada no site: www.estadao.com.br/safra (AgroCast), set./2002. 195

189

Uma outra saída para o Proálcool seria a produção de veículos com motores flexíveis, ou bi-combustíveis (que podem ser movidos a álcool ou a gasolina ou com ambos). A alternativa tecnológica já foi desenvolvida e lançada no mercado pela Volkswagen, com o modelo Gol 1.8 Flex, e pela GM do Brasil197 , com o novo modelo de Corsa 1.8 Flexpower. Pelo visto, as montadoras já estão mais seguras com relação a manutenção do álcool na matriz energética, pois há alguns meses atrás o Gerente de Tecnologia de Produto da Volkswagen198, ainda se mostrava reticente quanto ao lançamento do modelo e das garantias que este novo produto teria no mercado. Na ocasião, o mesmo alegava que a credibilidade do setor sucroalcooleiro ainda era negativa. As indústrias queriam ter a certeza de que, se colocassem esta tecnologia no mercado, ela teria procura e isso só iria acontecer se o consumidor enxergasse alguma vantagem em ter um carro que pudesse ser movido, ora com álcool, ora com gasolina. Desse modo, a pouca credibilidade do setor sucroalcooleiro, frente ao desabastecimento do início dos anos 1990; a redução da diferença entre o preço dos dois combustíveis (para o consumidor compensa optar por um ou outro combustível se houver uma grande diferença de preço entre ambos); e a não manifestação do Governo a respeito de possíveis incentivos fiscais, fez as empresas automobilísticas recuarem e adiarem o lançamento do produto até o início de 2003. Hoje, além da Volkswagen e da GM, outras montadoras têm condições de produzir modelos com esta tecnologia. A Fiat lançará em outubro o modelo Palio 1.3 e a Ford, lançará o modelo Fiesta 1.0, este último, ainda sem previsão de data199 . Uma outra novidade no mercado é a fabricação de aeronaves movidas a álcool. No dia 10 de outubro de 2002 foi apresentado oficialmente em Botucatu/SP, o modelo EMB 202, da Indústria Aeronáutica Neiva 200 . A aeronave ainda está em fase de testes, mas abre uma restrita, porém nova, perspectiva tecnológica. Alega-se201 que com este novo modelo a álcool, haja diminuição de custo na aviação agrícola, e prolongamento no ciclo de manutenção do motor. Além disso utiliza-se o discurso de que, ao usar um combustível “limpo e renovável”, se estaria 197

Apenas na Volkswagen, 30% das vendas de todas as versões do Gol 1.6 já são de bicombustíveis — mesmo com o preço inicial em torno de 20% maior do que o de veículos de motores convencionais. A GM anuncia que seus novos veículos terão o mesmo preço em ambas as versões de motores — convencional e bicombustível. (JORNALCANA, edição de 27/06/2003). 198 Henry Joseph Júnior, em depoimento ao Correio do Estado, e divulgado no site: www.canaweb.com.br/notícia. 25/11/2002. 199 JORNALCANA, site: www.canaweb.com.br/notícia, 27/06/2003. 200 A Neiva existe há quase cinquenta anos e, em março de 1980, passou a ser controlada pela EMBRAER. A mesma transferiu sua engenharia para a Neiva que produz aviões leves utilizados na agricultura. 201 Site Jornal/Cana (pesquisa & desenvolvimento), novembro/2002.

190

deixando de agredir o ambiente, o que não deixa de ser um paradoxo, visto que os aviões agrícolas são utilizados na pulverização das lavouras com defensivos químicos. A possibilidade de produção e consumo de veículos, movidos por células de energia, colméias alimentadas por hidrogênio obtido a partir de um metabolizador de fontes primárias, como o etanol feito da cana-de-açúcar202 , também se apresenta para o setor como perspectivas de mercado, aja vista as pesquisas que já estão sendo desenvolvidas por empresas automobilísticas nos Estados Unidos frente ao Protocolo de Kioto (conforme discutiremos no item 4, deste capítulo). De

qualquer

modo,

a

expansão

da

oferta

energética

de

combustíveis

oxigenados, se apresenta para os países produtores desse tipo de combustível, especialmente para o Brasil, como uma perspectiva promissora, mesmo que a sua efetivação lá fora se dê a longo prazo. O referencial ambiental constituído a partir do Protocolo de Kioto, o qual prevê “Mecanismos de Desenvolvimento Limpo” para os países centrais, emissores de gases de efeito estufa, poderá reforçar estas tendências que apontamos.

4.4 – A adoção de “estratégias sustentáveis” no contexto do Protocolo de Kioto: o seqüestro de carbono O Protocolo de Kioto é um tratado que foi assinado em 1997, no Japão. O mesmo consiste num acordo global sobre o meio ambiente, visando reduzir a emissão de gases poluentes e CO2 (gás carbônico), considerados cientificamente como os principais responsáveis pelo efeito estufa e aquecimento global. Nesse acordo foi estabelecido que os países desenvolvidos terão que diminuir em cerca de 5,2% a emissão de gases poluentes até 2010. Porém, o mesmo ainda não foi ratificado por todos os países, pois existem alguns critérios para que o mesmo possa entrar em vigor. O primeiro deles é que se faz necessário que, pelo menos 55 países membros da Convenção sobre o Clima, realizada pelas Nações Unidas em 1992, 202

O projeto de produção de hidrogênio, a partir do etanol, para células de combustível a serem aplicadas em automóveis conta com a parceria entre a Daymler-Chrysler, For, Shell, IPT, CEEPAL, CTC, ÚNICA e Unicamp. Já o projeto de desenvolvimento de protótipo de célula combustível de polímero condutor iônico com etanol como combustível, conta com a colaboração do MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia), da USP São Carlos, da empresa CLAMPER e da CEMIG. (Essa informações foram obtidas através do Cana do Ministro, pela Internet, e

191

ratifiquem, aceitem e adiram ao Protocolo. O segundo, é que nesse grupo deve se incluir os países industrializados, os quais são responsáveis por cerca de 55% das emissões totais de dióxido de carbônico203 . Dos países que ratificaram o Protocolo quase todos encontram-se em desenvolvimento. Fato revelador de que a barreira maior para que o Protocolo entre em vigor está em conseguir o número necessário de ratificações dos principais emissores de CO2. Os Estados Unidos, considerado o maior emissor de gases poluentes na atmosfera204 , se recusou a participar do acordo para evitar o comprometimento com taxas de diminuição na emissão de poluentes. O presidente norte-americano George W. Bush, divergiu das metas aceitas pelo se antecessor Bill Clinton, alegando sacrifícios para a economia norte-americana e, gerando com isso um impasse para o Programa de Mudança Climática da ONU e apreensão por parte dos demais países. É a desigualdade entre países desenvolvidos e em desenvolvimento mais uma vez se revelando. As grandes potências industriais e poluidoras do Planeta não querem “sacrificar” suas economias em favor de uma causa que é de interesse mundial. O presidente Bush se propôs a apresentar propostas ou programas alternativos ao Protocolo de Kioto. A alternativa para os Estados Unidos poderá ser tecnológica, haja vista as pesquisas que já vêm sendo desenvolvidas na indústria automobilística, para a criação de veículos movidos a hidrogênio, por exemplo, apontando para a perspectiva de substituição do combustível fóssil pelo hidrogênio. Pesquisas indicam que em 2004, possivelmente, as revendedoras de automóveis da Daimler-Chrysler e da Ford poderão disponibilizar no mercado os modelos à hidrogênio. Se isso de fato acontecer, em 2010, boa parte da frota norte-americana, estimada em 60 milhões de veículos, estará equipada com propulsores de hidrogênio205 . O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo inclui Certificados de Emissão Reduzida (CDR) e projetos de seqüestro de carbono. Os CDR's serão emitidos por organizações que representarão a redução de gases poluentes por parte de empresas de países em desenvolvimento. As empresas dos países desenvolvidos que não conseguirem atingir suas metas

fazem parte do Discurso do Ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, proferido em 09/12/1999, no “Seminário Células a Combustível – a energia do futuro”. 203 Site: www.wwf.org.br/ e www.iea.sp.gov.br/agro 204 25% do total de emissões no mundo. 205 Dieguez, Flávio. O Mundo sem Petróleo. Superinteressante: São Paulo, maio de 2002.

192

de redução, vão poder comprar esses certificados dos países em desenvolvimento para cumprir sua parte no acordo206. O seqüestro de carbono consiste na preservação de áreas verdes, para que estas absorvam dióxido e reduzam os problemas decorrentes do efeito estufa, ou seja, as áreas verdes irão capturar o carbono emitido pelas indústrias. Segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia, o aumento da geração de energia a partir de fontes alternativas, a redução do consumo de combustíveis fósseis, bem como o desenvolvimento de novas tecnologias no setor agropecuário, são os principais segmentos a serem explorados no Brasil, em decorrência do Protocolo de Kioto. Diante disso, o setor sucroalcooleiro já começa a visualizar a possibilidade de novos negócios através da co-geração de energia a partir do bagaço207 , da produção de álcool combustível e também do seqüestro de carbono208 . Conduzido pela lógica societal, voltada prioritariamente para produção de mercadorias e para a sua própria valorização, o capital, mais uma vez, se apropria do discurso e das políticas voltadas para a questão ambiental. A roupagem ambiental camufla o processo de dominação do capital, que visualiza essas novas perspectivas como elementos que constituirão um diferenciador intra-capital, ao se manifestarem em novas formas de ganhos e mudanças na performance técnico-econômica. Algumas iniciativas, nesse sentido, já começaram a surgir. Atualmente existe quatro projetos (ainda sem aprovação dos órgãos competentes), visando a certificação da geração de energia, os quais foram encaminhados pelas empresas sucroalcooleiras Usina Vale do Rosário, Companhia Energética Santa Elisa, Usina Alta Mogiana e Usina Moema. Segundo o representante da empresa Energy Brasil, responsável pela venda de créditos de carbono, o investimento dessas usinas em projetos de desenvolvimento de energia, já é de US$ 150 milhões. O representante da Energy Brasil alega ainda, que a Suécia e a Cooperação Andina de Fomento da América Latina se mostraram interessadas em comprar os créditos de carbono dessas usinas. Até setembro de 2002 os contratos ainda não tinham sido efetuados, em virtude do Protocolo de

206

Site: www.iea.sp.gov.br/agro É possível que isto tenha contribuído para aumentar os projetos encaminhados ao BNDES, voltados para a cogeração de energia. 208 Informações divulgadas no site: www.sebrae-sc.com.br/. 207

193

Kioto ainda não está em vigor. De acordo com o mesmo, a previsão é de que a tonelada de carbono seja vendida a US$ 5. O que geraria uma receita adicional de US$ de 10 milhões209. Segundo o secretário210 de políticas e programas em ciência e tecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia (da gestão de Fernando H. Cardoso), o Brasil e a Alemanha já fecharam um acordo verbal, visando a redução de gás carbônico. Nesse acordo, as empresas alemãs, com o apoio do governo brasileiro, subsidiarão a produção de carro a álcool no Brasil. Isso se traduz na liberação de mil reais para cada carro a álcool comprado por donos de frotas. De acordo com o secretário, já foi encaminhado um projeto de lei ao Congresso Nacional, porém qualquer acordo formal só será assinado entre os países quando o Protocolo de Kioto entrar em vigor. Somente após a aprovação do Protocolo é que os projetos de redução de gás carbônico serão enviados a um Conselho Executivo formado por uma comissão de dez países. Durante a Eco-92, realizada no Rio de Janeiro, já tinha sido discutida a idéia de que era necessário pressionar os países industrializados para que estes reduzisse suas emissões de poluentes e compensassem os países em desenvolvimento que preservam suas florestas. Esta idéia voltou à discussão novamente em 1997, com a formatação do Protocolo de Kioto. Cabe aqui nos questionarmos se será assegurado que o desmatamento evitado numa região não será realizado em outra, liberando carbono de qualquer maneira? Será que a proteção de uma floresta que contém uma tonelada de carbono, justificaria a venda de créditos para países industrializados, caso estes, baseados nos créditos, venham a emitir uma tonelada de poluentes de origem fóssil? Certamente a floresta será protegida, mas o clima do Planeta poderá continuar ameaçado, enquanto os países poluidores, de quebra, ainda ganharão dinheiro. Além disso, é possível que empresas altamente poluidoras (petroquímicas, de energia elétrica, etc., por exemplo) queiram tirar proveito do seqüestro de carbono em vez de investir em alternativas renováveis. Portanto, é preciso que haja a regulamentação de projetos de preservação e/ou recuperação das florestas, bem como a formulação de uma política de seqüestro de carbono que envolva as empresas potencialmente poluidoras. O interesse das agroindústrias sucroalcooleiras nesses projetos (especialmente as já citadas), mais uma vez confirma a hipótese de que capital se apropria do discurso da geração

209

Ibid., www.sebrae-sc.com.br/. Luiz Gylvan Meira Filho, em depoimento ao Diário do Comércio & Indústria e divulgado em artigo na página do Sebrae – Oportunidade de Negócios: www.sebrae-sc.com.br/ - em 16 de setembro de 2002. 210

194

de energia “limpa”211 , da produção de combustível decorrente de fontes renováveis, da preservação e/ou conservação da vegetação para seqüestro de carbono, etc., com perspectiva de mercado, de novas formas de obtenção de lucros e de acumulação. As perspectivas se abrem também no campo da pesquisa voltada para o melhoramento genético da cana-de-açúcar, que ganha maior visibilidade através do Projeto Genoma-Cana, conforme se verá a seguir.

4.5 – Contribuições da biotecnologia para o setor sucroalcooleiro: os novos apontamentos para o melhoramento genético

O Projeto Genoma-Cana foi iniciado em 1999, mediante parceria

estabelecida

entre a FAPESP – Fundo de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo, universidades e o setor sucroalcooleiro e, de modo especial, o CTC/ Copersucar- Centro de Tecnologia da Copersucar Cooperativa dos Produtores de Açúcar e de Álcool do Estado de São Paulo

212

-

, através do qual

tem se desenvolvido pesquisas, focada na descoberta de genes que propiciem uma maior produção de sacarose; que permitam o aumento da resistência a doenças; e que desenvolvam maior capacidade de adaptação ao clima e solos de cada região produtora de cana-de-açúcar. Em princípio, o objetivo era sequenciar em torno de 50 mil genes, até o momento foram sequenciados 292 mil e identificados 43 mil213 . Esse projeto envolve 180 pesquisadores, 23 laboratórios, 13 universidades e institutos de pesquisa e um orçamento de US$ 8 milhões (THOMAZ JÚNIOR, 2001, p.74-75). Na Tabela 24 elencamos as principais instituições que desenvolvem pesquisa tecnológica junto ao setor sucroalcooleiro.

211

O termo energia “limpa” foi utilizado para se referir a energia gerada a partir de fontes alternativas, de biomassa, por exemplo. No caso da agroindústria sucroalcooleira, especificamente, trata-se da geração de energia elétrica a partir da queima do bagaço de cana-de-açúcar. 212 O CTC/Copersucar detém várias patentes, entre as quais se inclui a do plástico biodegradável e de sistemas de software voltados para a análise de cana, manutenção industrial e gerenciamento agrícola. Detém ainda um dos maiores programas de melhoramento genético do mundo, o qual visa a seleção de variedades sadias e a busca de espécies mais produtivas e de maior longevidade. É responsável pelas variedades SP, as quais representam metade da produção de cana-de-açúcar no país. (www.copersucar.com.br) . 213 Informação divulgada no site da UNICA.

195

Tabela 24 – Instituições de pesquisa e projetos voltados para o setor sucroalcooleiro Instituições

Projetos/Programas

CTC/Copersucar

-Projeto Genoma -Cana: melhoramento genético/biologia molecular; -Agrupamento

biotecnológico:

desenvolvimento

da

bactéria Burkholderia sacchari/polímero para produção de plástico biodegradável; -Produção de álcool por meio de hidrólise do bagaço e palha de cana; -Co-geração de energia elétrica a partir da gaseificação do bagaço e resíduos da cana-de-açúcar. Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do -Agrupamento

biotecnológico:

desenvolvimento

da

Estado de São Paulo);

bactéria Burkholderia sacchari/polímero para produção de

(Fomento e divulgação das pesquisas )

plástico biodegradável . -Pojeto Genoma-Cana .

FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos -Agrupamento

biotecnológico:

desenvolvimento

da

do Ministério da Ciência e Tecnologia.

bactéria Burkholderia sacchari/polímero para produção de

(Fomento)

plástico biodegradável .

Fundação de Pesquisa André Tosello; IPT; -Agrupamento Instituto

de

Laboratório

Ciências de

biotecnológico:

desenvolvimento

da

Biomédicas/USP; bactéria Burkholderia sacchari/polímero para produção de

Microbiologia

da plástico biodegradável – (Parceria no desenvolvimento

Universidade de Ghent/Bélgica; Laboratório da pesquisa, juntamente com o CTC/Copersucar) de

Microbiologia

da

Universidade

de

Münster/Alemanha IAC (Instituto Agronômico de Campinas)

-Melhoramento genético: desenvolvimento de variedades.

UFISCAR (Universidade Federal de São -Melhoramento genético: desenvolvimento das variedades Carlos

RB; -Tratos culturais.

Fonte: Pesquisa de Campo/Sites na Internet/Copersucar/IPT – 2002

196

O Projeto Genoma-Cana está vinculado a um projeto maior do Programa Nacional de Biotecnologia e Recursos Genéticos, no qual se inclui o Projeto Genoma Brasileiro, envolvendo os esforços do Ministério da Ciência e Tecnologia e redes regionais, que se utilizam de laboratórios de biologia molecular de 48 instituições e envolvem 280 cientistas. O Projeto de Biotecnologia foi criado em 2000 e prevê investimentos da ordem de R$ 250 milhões, somente nos três primeiros anos, os quais são provenientes da União, dos Fundos Setoriais e bolsas fornecidas por Fundações de Amparo à Pesquisa. A participação da União, dos Fundos Setoriais, das universidades, das agências de Fomento e de Centros de Pesquisa Tecnológica, requer também a parceria estratégica e financeira do setor produtivo brasileiro. Acredita-se que esta parceria trará benefícios tanto para o governo como para o setor privado. No primeiro caso, aumentará a performance do governo brasileiro em ciência e tecnologia. No segundo caso, as vantagens se expressarão na agregação de valor às exportações, na inovação tecnológica, no aumento da competitividade dos produtos e da produtividade, etc.214 . Nesse contexto, o setor produtivo acaba sendo o principal protagonista e beneficiário do projeto e de fomento estratégico em C&T – Ciência e Tecnologia, de modo particular o setor sucroalcooleiro. Põe-se

em

cena,

portanto,

uma

série

de

alternativas

que,

certamente

contribuirão para o processo de (re)edificação do projeto estratégico do capital sucroalcooleiro que,

ambiguamente

pressiona

pela

saída

do

Estado

do

setor,

reivindicando

sua

desregulamentação e, ao mesmo tempo busca novas linhas de crédito e subsídios oriundos de instituições governamentais, a exemplo do BNDES, que vem financiando os projetos de cogeração de energia elétrica. Essa é, de fato, uma incoerência que se manifesta na defesa da renovação da matriz energética, usada para sustentar o discurso que defende a redefinição da produção do álcool. Essas tendências e perspectivas que se apresentam para a agroindústria sucroalcooleira, tanto do ponto de vista ambiental como tecnológico, certamente beneficiarão as empresas e grupos do setor. Mas a pergunta que não quer calar se refere à questão do emprego. Até que ponto as perspectivas se abrirão também para os trabalhadores? Na visão dos dirigentes sindicais as possibilidades são mínimas ou até inexistentes pois, além de reduzir a oferta de empregos na lavoura de cana, em função da mecanização do corte, as empresas sucroalcooleiras 214

CORREIO BRAZILIENSE – Opinião, agosto/2001. Artigo divulgado no site Canal do Ministro.

197

tem investido, mesmo que de modo inexpressivo, no treinamento/qualificação de alguns trabalhadores que são remanejados para outras funções, dependendo da necessidade. Desse modo, acreditamos que sejam poucas as ofertas de trabalho que se abrirão em decorrência desses novos apontamentos. Na verdade este é um quadro ainda pouco definido, que requer uma investigação mais sistemática, a qual nos propomos efetuar numa etapa posterior.

198

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As leituras que efetuamos, o levantamento de dados e informações em obras especializadas sobre o assunto, na Internet, através de sites de divulgação do setor sucroalcooleiro, bem como a pesquisa de campo e a investigação proveniente desta nos permitiram arriscar algumas considerações sobre a temática posta neste trabalho. O

setor

sucroalcooleiro

passa

por

um

processo

de

mudanças,

cujos

desdobramentos apresentam contornos gerais definidos, ou por definir, mas que apontam para uma etapa de intensificação da produção e acumulação de capital. Esses apontamentos são delineados no contexto do processo de reestruturação produtiva, especialmente do capital sucroalcoleiro. Temos um cenário de redefinições tecnológicas e de novas formas de gestão e controle do processo produtivo e do trabalho, pelo capital, no qual se impõe novos arranjos sócioespaciais e territoriais. Com referenciais ambientais e tecnológicos postos para o capital e para o trabalho de forma diferenciada. Em outras palavras diríamos, que está despontando um processo de intensificação do grau de diferenciação entre as empresas do setor, atrelado às inovações tecnológicas que se voltam para o incremento da qualidade e da produtividade da matéria-prima, envolvendo a intensificação do corte mecanizado, a automação e as novas formas de gestão e controle do trabalho que, por sua vez incrementam a segmentação e superexploração da força de trabalho. Nesse contexto, a intensificação da divisão técnica do trabalho, faz emergir novos tipos de trabalhadores, redefinindo o mercado de trabalho e, impondo novos desafios às entidades de representação dos trabalhadores. O capital se fortalece reestruturando-se tecnológica e politicamente, enquanto o trabalho alienado no (re)fracionamento técnico-corporativo tem dificuldades para viabilizar ações político-organizativas do ponto de vista de classe. Mediante o processo de intensificação do corte mecanizado da cana-de-açúcar, os trabalhadores perderam a força no confronto com o capital, que agora atribui o “poder de fogo” aos operadores de máquinas, tratoristas e motoristas, envolvidos na mecanização; restando aos sindicatos, especialmente àqueles cujos dirigentes encontram-se encastelados

no imobilismo,

199

no burocratismo, ceder às exigências do capital cada vez mais hegemônico, sob pena de ter ainda mais reduzido os postos de trabalho no corte manual da cana. Hoje, o índice de mecanização é diferenciado de uma região para outra do Estado de São Paulo, sendo mais expressiva na região de Ribeirão Preto, onde o índice varia entre 40% e 50% de uma empresa para outra. Nas regiões mais mecanizadas o desemprego de trabalhadores rurais (cortadores de cana) já beira os 50%. O processo de mecanização da lavoura de cana se reflete diretamente sobre o trabalho, ao reduzir o número de empregos ligados ao corte de cana, e indiretamente, pois em função do desemprego há a precarização das condições de vida dos trabalhadores desempregados. A mecanização é inevitável, sobretudo para as empresas mais capitalizadas e/ou para aquelas que estão adotando a produção e certificação orgânica ou socioambiental e que são “obrigadas” a atenderem às exigências da legislação ambiental, que regulamenta a queima dos canaviais. Com relação a certificação, verifica-se que as empresas que adotam a produção e certificação ambiental e/ou orgânica, conseguem se diferenciar das demais, sobretudo em termos econômicos e mercadológicos, pois conseguem obter ganhos expressivos com a agregação de valor ao produto e a grande aceitação dos produtos certificados no mercado externo. O discurso dos representantes das empresas é de que, do ponto de vista social, a certificação promove avanços no relacionamento interpessoal e melhora o ambiente de trabalho, possibilitando maior entrosamento, conhecimento e autonomia dos trabalhadores em relação ao processo como um todo. No entanto, verifica-se que esta não promove alterações diretas nos salários. O que o trabalhador por ventura ganha à mais, se expressa na forma de bonificação. Ao defender a manutenção do emprego na lavoura e, ao mesmo tempo exigir que a colheita da cana seja crua, sabendo que manualmente esta é uma tarefa difícil, a certificação, acaba paradoxalmente, contribuindo para a intensificação do uso da máquina no corte da cana crua e, consequentemente para a redução da mão-de-obra. As empresas, para se enquadrarem nas exigências das certificadoras e conseguirem colocar e manter seus produtos no mercado com competitividade, adotam uma performance ambiental, pautada na redução e eliminação de defensivos químicos na lavoura, na recuperação das áreas de preservação permanente, no manejo adequado dos solos, na proteção dos mananciais e na eliminação da queima dos canaviais, especialmente das áreas orgânicas.

200

Aumentar a produtividade e competitividade no mercado, tem sido condição primordial para essas empresas que, para alcançar suas metas têm investindo em produtos diferenciados, como a cana e o açúcar orgânico, por exemplo, ou adotado novas formas de gestão e de controle do processo produtivo e de trabalho, bem como “novos” referenciais tecnológicos e ambientais, como a certificação, os projetos voltados para o melhoramento genético (GenomaCana), a co-geração de energia e o seqüestro de carbono. Mas, tanto no âmbito social como no ambiental o discurso do usineiro desmonta. No primeiro caso, quando se constata que a produção e certificação orgânica se constitui um diferencial econômico para as empresas e não para os trabalhadores. No segundo, quando depreende-se que a incorporação dos referenciais ambientais pelo capital, figura como mais uma das formas de dominação do mesmo, que visa reduzir custos, aumentar a produtividade, racionalizar o processo de produção e de trabalho, promover a diferenciação de produtos, conseguir maior competitividade e, desse modo ampliar a taxa de acumulação. Dada a diferencialidade com que o capital sucroalcooleiro se materializa nas diferentes frações do território paulista, os “novos” referenciais

tecnológicos e ambientais e as

perspectivas que aqui destacamos, ainda se restringem a um grupo seleto de empresas sucroalcooleiras. Há que se destacar ainda, que em decorrência do fim dos incentivos ao Proálcool, com a desregulamentação do setor, com a liberação dos preços da cana-de-açúcar, do açúcar e do álcool, bem como do descontrole do preço do álcool no mercado interno e da descapitalização de algumas empresas, sobretudo durante a década de 1990, desencadeia-se no âmbito

do

setor

sucroalcooleiro

(o

qual

tradicionalmente

se

destaca

por

seu

caráter

concentracionista de renda e de capital), um novo processo de concentração e de centralização de capitais por parte de grupos paulistas, através de aquisição e/ou fusão, porém com um diferenciador: o estabelecimento de parceria com o capital estrangeiro (a exemplo do Grupo Cosan). No âmbito do trabalho e do movimento sindical, as atenções se voltaram para a compreensão do embate político-ideológico presente nas entidades sindicais de base dos trabalhadores ligados ao corte de cana; a materialidade das lutas e as disputas territorias intra e intersindical . Uma vez que as dinâmicas específicas em que capital e trabalho se territorializam,

201

diferenciam-se em termos de velocidade e ordenamento, circunscrevendo-se às limitações que o movimento sindical possui para responder `as investidas do capital. A versatilidade operacional e organizativa do capital em sua trajetória hegemônica,

impõe

desafios

para

o

movimento

sindical,

que

não

consegue

formular

contrapartidas que possam ir além de movimentações por melhores condições de trabalho e de salário e pela manutenção do emprego. O desenvolvimento das técnicas capitalistas de produção tem sido elemento fundamental para o exercício de dominação do capital sobre o trabalho, que repercute nas novas formas de controle, de arregimentação e remuneração da força de trabalho e impõe um novo ritmo, intensidade e qualidade ao trabalho, contribuindo, desse modo, para a valorização e a reprodução ampliada do capital. Considerando tudo que discutimos até aqui, cabe ressaltar que ao enforcarmos geograficamente o trabalho, estamos tentando compreendê-lo como a expressão metabólica entre a sociedade e a natureza. Posto que o trabalho exerce papel fundamental na redefinição do processo social e na construção e reconstrução do espaço geográfico. Como afirma Thomaz Júnior (2002a), é no processo de auto-realização do homem através do trabalho, que se torna possível reconhecer o conteúdo do metabolismo social do capital, permitindo-nos efetuar uma “leitura” geográfica das mediações que regem a dialética relação sociedade – natureza. Se faz necessário ainda frisar, que essa investigação nos permitiu também refletir acerca da importância da Geografia e de nosso papel de educadores, “formadores de opinião”, para a compreensão da relação sociedade-natureza no contexto do modo de produção capitalista; dos liames entre o econômico, o ambiental e o social. Além disso, reforçou nossa concepção de que a Geografia é um importante instrumento para a compreensão da realidade. Que ela nos ajuda a desvendar o que está implícito ou explícito na paisagem dos lugares. Através de suas categorias (espaço, território, paisagem) se torna possível efetuar as mediações necessárias para o entendimento dos fenômenos estudados. Convém registrar também como professora de Geografia da Rede Pública Estadual de Ensino, que apesar de no ensino fundamental e médio ser bem mais difícil aplicarmos o que aprendemos durante as investigações, o “mergulho” nas leituras sobre a temática posta, somado ao acúmulo de informações obtidas durante a pesquisa de campo, foi

202

profundamente enriquecedor. Como pesquisadora, vale dizer que este trabalho só teve a contribuir com a nossa formação e desempenho profissional. Acreditamos, que diante da amplitude da temática posta para este trabalho, nossa discussão não foi de todo esgotada. Estamos cientes de que poderíamos ter ido além de tudo que foi exposto e discutido, no entanto, esta foi a abordagem possível para o momento. De qualquer modo, esperamos ter conseguido alcançar os objetivos propostos e ter contribuído para a discussão do tema e, nos declaramos abertos à críticas e/ou sugestões que possam contribuir para o debate e enriquecimento dessa temática, a serem acatadas em investigações posteriores.

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ANEXOS

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ANEXO 2 QUESTIONÁRIO PARA LEVANTAMENTO DE DADOS DAS EMPRESAS SUCROALCOOLEIRAS (cana orgânica e convencional) 1 – PRODUÇÃO DA SAFRA (2001/2002): Cana moída Açúcar Álcool Anidro (t) (t) m3

Org.

Conv.

Org.

Álcool hidratado m3

Álcool total m3

Conv.

2 – PRODUÇÃO DA SAFRA ATUAL (real ou estimativa se ainda não foi concluída): Cana moída Açúcar Álcool anidro Álcool hidratado Álcool total 3 (t) (t) m m3 m3

Org.

Conv.

Org.

Conv.

3 – NÚMERO DE TRABALHADORES: Rural Indústria Transporte

Administração

4 – ÁREA COM CANA PLANTADA (ha): Própria Arrendada

Fornecedores

5 – PERCENTUAL DE CANA (%): Própria Arrendada

Fornecedores

6 – PERCENTUAL DE CANA COLHIDA MECANICAMENTE (%): Crua:

Queimada:

7 – QUANTIDADE DE MÁQUINAS UTILIZADAS NO CORTE MECANIZADO DE CANA CRUA E QUEIMADA: (Marca/Modelo):

217

ANEXO 3 QUESTIONÁRIO PARA LEVANTAMENTO DE DADOS DAS EMPRESAS SUCROALCOOLEIRAS (cana convencional) 1 – PRODUÇÃO DA ÚLTIMA SAFRA (2001/2002): Cana moída(t)

Álcool Anidro/m3

Açúcar(t)

Álcool hidratado/ m3

Álcool total/m3

2 – PRODUÇÃO DA SAFRA ATUAL (estimativa): Cana moída(t)

Açúcar(t)

Álcool anidro/m3

Álcool hidratado/ m3

Álcool total/m3

3 – NÚMERO DE TRABALHADORES: (safra atual) Rural

Indústria

Transporte

Administração

4 – ÁREA COM CANA PLANTADA (ha): (safra atual) Própria

Arrendada

Fornecedores

5 – PERCENTUAL DE CANA: (safra atual) Própria

Arrendada

Fornecedores

6 – PERCENTUAL DE CANA COLHIDA MECANICAMENTE: (safra atual) Crua

Queimada

7 – QUANTIDADE DE MÁQUINAS UTILIZADAS NO CORTE MECANIZADO DE CANA CRUA E QUEIMADA: TIPO/MODELO:

9 – O PLANTIO É MANUAL OU MECANIZADO, OU AMBOS?

218

ANEXO 4 ROTEIRO DE QUESTÕES - Sindicatos

- QUESTIONAR A RESPEITO DA MECANIZAÇÃO DO CORTE DE CANA E DA ELIMINAÇÃO DA QUEIMA DA CANA-DE-AÇÚCAR?

- QUESTIONAR SE MUDOU ALGUMA COISA DO PONTO DE VISTA DAS RELAÇÕES DE TRABALHO COM A INTRODUÇÃO DA MECANIZAÇÃO?

- ANALISAR O GRAU DE MECANIZAÇÃO E DESEMPREGO (RURAL) NA REGIÃO NOS ÚLTIMOS 5 ANOS?

-ANALISAR O PAPEL DO SINDICATO NESSE CONTEXTO. GRAU DE MOBILIZAÇÃO; PRINCIPAIS REIVINDICAÇÕES?

- QUESTIONAR A RESPEITO DO PROÁLCOOL. A REVITALIZAÇÃO VAI OCORRER? ISSO É POSITIVO DO PONTO DE VISTA DA GERAÇÃO DE EMPREGO?

219

ANEXO 5 LEI Nº 11.241, DE 19 DE SETEMBRO DE 2002

Dispõe sobre a eliminação gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar e dá providências correlatas

O GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO: Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei: Artigo 1º - Esta lei dispõe sobre a eliminação do uso do fogo como método despalhador e facilitador do corte da cana-de-açúcar. Artigo 2º - Os plantadores de cana-de-açúcar que utilizem como método de pré-colheita a queima da palha são obrigados a tomar as providências necessárias para reduzir a prática, observadas as seguintes tabelas: ANO ÁREA MECANIZÁVEL ONDE NÃO SE PERCENTAGEM DE ELIMINAÇÃO PODE EFETUAR A QUEIMA DA QUEIMA 1º ano 20% da área cortada 20% da queima eliminada (2002) 5º ano 30% da área cortada 30% da queima eliminada (2006) 10º ano 50% da área cortada 50% da queima eliminada (2011) 15º ano 80% da área cortada 80% da queima eliminada (2016) 20º ano 100% da área cortada Eliminação total da queima (2021) ANO ÁREA NÃO MECANIZÁVEL, COM PERCENTAGEM DE ELIMINAÇÃO DECLIVIDADE SUPERIOR A 12% E/OU DA QUEIMA MENOR DE 150há (cento e cinqüenta hectares), ONDE NÃO SE PODE EFETUAR A QUEIMA